Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Fracasso
Comecemos por lembrar os fatos. Myriam Badaoui pede o afastamento de
seus 3 filhos menores de casa em razão da violência de seu marido, Thierry Delay, em
relação a eles. O mais velho já está colocado em lar substituto há 5 anos. As
assistentes maternais e as professoras que acolhem estas crianças constatam
comportamentos, intenções que as fazem recorrer à justiça, que demanda uma
investigação policial. As crianças são ouvidas e acusam seus pais de violências e de
abusos sexuais, acrescentando que outros adultos, que elas nomeiam, estavam
presentes. Em fevereiro de 2001, o casal Delay foi preso e acusado. T. Delay nega,
mas sua esposa confessa rapidamente. Nas semanas seguintes,17 adultos, indicados
seja por Myriam Badaoui, seja por vinte crianças identificadas como vitimas, foram
presas.
Desde 2001, o juiz do processo demandou uma perícia psicológica e
psiquiátrica de todas as crianças acusadoras, e de todos os adultos acusados, e
depois, no ano seguinte, novas perícias. Em 2004, antes do processo em audiência, e
mesmo , com urgência, durante o mesmo, o promotor requer perícias. Foi realizado
um total de 84 perícias. Em relação a um ponto fundamental: a confiança que se
poderia ter nos testemunhos das crianças, de um lado, dos adultos acusadores, de
outro lado – notadamente de M. Badaoui, a principal dentre eles. A resposta dos
peritos é sem ambiguidade: todos merecem crédito. Em relação aos adultos sob
acusação, uma mesma questão foi levantada aos peritos psiquiatras e psicólogos:
“Apresentavam eles traços de caráter ou de personalidade de “abusadores
sexuais”?”. Desta vez, as respostas são diferentes: os psiquiatras responderam pela
negativa para todos os acusados, os psicólogos, pela afirmativa para todos, exceto
quatro.
Quando do julgamento em tribunal em Saint Omer, em 2004, M. Badaoui
admite ter acusado indevidamente 13 dos 17 culpados, e seu marido a apoia. Em
seguida a essas retratações , 7 acusados são absolvidos, 10 condenados. Seis dentre
estes apelaram. Em 2005, diante do tribunal de apelação de Paris, Thierry e Myriam
Delay declaram a inocência dessas 6 pessoas, e duas das crianças retrocedem de
suas acusações. As 6 pessoas são soltas. Em resumo, portanto, os acusadores,
maiores e menores, cujo testemunho foi, e de forma repetida, tido como confiável
pelos especialistas, tanto psiquiatras quanto psicólogos, acusaram indevidamente 13
pessoas de serem abusadores sexuais. Pode-se realmente falar, com efeito, em
fracasso.
Verdade ou credibilidade?
No caso de Outreau, todas as crianças e adultos acusadores foram
qualificados como “críveis”; ora, os processos mostraram que algumas de suas
acusações eram falsas. Erro coletivo dos peritos? Não necessariamente: mas talvez
eles não tenham sublinhado suficientemente a diferença entre “credibilidade” e
“verdade”. Pessoas serão qualificadas como “críveis” se não se discerne nelas
propensão patológica para a mentira (como nos mitômanos), ou dificuldade de separar
o real do imaginário; mas elas são suscetíveis de mentir ocasionalmente... como você
e eu! Os peritos não têm que estabelecer a verdade dos fatos, e elas não estão à
altura de fazê-lo; essa é a tarefa dos policiais e dos juízes.
Ora, em Outreau, deve-se censurar os peritos? Ou o juiz, que fez como se a
etiqueta “crível” garantisse a verdade, e o dispensasse de a buscar num exame atento
dos relatos das oitivas e investigações policiais? Tomemos um só exemplo: Pierre
Martel é acusado porque uma das crianças Delay o acusa de ter acariciado seu irmão
“na festa do Dia das Mães do ano passado” - logo, em 2000 - e reconhece, na foto de
um grupo de crianças, o filho de P. Martel; e M.Badaoui confirma a acusação de
estupro. Ora, segundo a investigação, o filho de Martel tinha 20 anos na época; e, no
dia da festa do Dia das Mães do ano de 2000, P. Martel tinha participado, durante todo
o dia, de um torneio de golfe. Logo, nem a criança nem a mãe tinham dito a verdade
sobre esse ponto. - o que deveria levar à desconfiança! Enfim, os membros da
comissão Outreau lamentaram vivamente que os peritos tenham encontrado tão pouca
contradição. Os advogados dos acusados demandaram bastante por contra-perícias,
mas o juiz recusou todas essas demandas. Ele tinha esse direito mas, em
consequência, é apenas no momento do primeiro processo que os advogados dos
acusados confrontaram os peritos, ou seja, três anos depois da entrega dos relatórios.
Vale dizer que a perícia psicológica e psiquiátrica de nada serve? Certamente
não: o psiquiatra pode diagnosticar uma doença mental, e emitir uma opinião válida -
mesmo que seja difícil, como vimos - sobre o discernimento do acusado no momento
dos fatos; o psicólogo pode traçar um retrato nuançado de sua personalidade, de seu
funcionamento psíquico, de seu nível mental. Levar em conta, para sancionar um ato
criminoso, a personalidade e a história de vida de seu autor é uma contribuição muito
útil. Mas se juízes e jurados buscam, no retrato do acusado, a prova de sua
culpabilidade, torna-se possível uma catástrofe judiciária.
(1) “Em Nome do Povo Francês. Julgar depois de Outreau”, Comissão de Inquérito da
Assembléia Nacional, Legislatura XII, junho de 2006.
(2) Nicolas Combalbert et al., “Estudo da concordância dos diagnósticos psiquiátricos
e psicológicos numa amostragem de 505 criminosos”, Revue Européenne de
Psychologie Appliquée, vol. LIX, no. 1, janeiro de 2009.
(3) Marie-Christine Gryson-Dejehansart, Outreau. A Verdade Abusada, Hugo & Cie.,
2009.
(4) Ver Claudie Bert, “As falsas lembranças”, Sciences Humaines, no. 97, agosto-
setembro 1999. As mesmas pesquisas mostraram que se pode fabricar falsas
lembranças nos adultos também, mas mais dificilmente.
*********************************************************
A perícia
Um decreto de dezembro de 2004 impõe aos peritos, quando eles demandam
a renovação de sua inscrição na lista de peritos judiciais, provar sua experiência numa
especialidade.
As perícias deveriam ser objeto de um pré-relatório comunicado aos
advogados da parte contrária, para que possam fazer observações; se estes
demandam uma contra-perícia, esta seria um direito.
Conferências de consenso deveriam ser mantidas pelos psiquiatras, de um
lado, e pelos psicólogos, de outro, para se colocarem de acordo sobre os testes, os
diagnósticos, etc., que têm uma validade científica suficiente para serem utilizados. O
relatório Viout (1) propõe um modelo de encargo de perícia em 6 perguntas. Reuniões
posteriores permitiriam delimitar os domínios respectivos do psiquiatra, do psicólogo e
do criminólogo (notadamente solicitado para avaliar a periculosidade) nas perícias
judiciais.
Organizar-se-ia uma formação específica para a perícia judicial.
A remuneração dos peritos seria reavaliada mas, em troca, o juiz exerceria
maior controle, em particular sobre o prazo de entrega dos relatórios.
Uma circular ministerial pede aos magistrados para renunciar a colocar
perguntas para os peritos sobre a “credibilidade”, e para tomar mais distância dos
relatórios dos peritos.
************************************************************
***********************************************************************