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Claudine Bert

Justice: Que valent les expertises psychologiques?


Sciences Humaines, n.213, mars 2010, pp.26-31.
http://www.scienceshumaines.com/justice--que-valent-les-expertises-psychologiques-
_fr_24926.html
Tradução: Denise Cabral de Oliveira e Sandra Pinto Levy

Justiça: de que valem as perícias psicológicas?


84 perícias psiquiátricas e psicológicas não impediram que o processo de Outreau
ocasionasse um fracasso judicial. Qual é a parcela de responsabilidade dos peritos?
Como eles trabalharam? Foram tiradas lições disso?

Os peritos, psicólogos e psiquiatras, ajudam ou atrapalham a justiça?


Esta é a pergunta que inúmeras pessoas se fizeram diante do resultado  do processo
de Outreau, enquanto uma comissão de inquérito parlamentar dispensou mais de 200
horas , entre os meses de janeiro e junho de 2006, para examinar “os maus
funcionamentos da justiça”. Ela auditou ,notadamente, todos peritos que intervieram
nesta questão.(1) Quem são estes peritos? Qual é sua influência nas decisões da
justiça? Os maus funcionamentos de Outreau são imputáveis somente a eles?

O Fracasso
Comecemos por lembrar os fatos. Myriam Badaoui pede o afastamento de
seus 3 filhos menores de casa em razão da violência de seu marido, Thierry Delay, em
relação a eles. O mais velho já está colocado em lar substituto há 5 anos. As
assistentes maternais e as professoras que acolhem estas crianças constatam
comportamentos, intenções que as fazem recorrer à justiça, que demanda uma
investigação policial. As crianças são ouvidas e acusam seus pais de violências e de
abusos sexuais, acrescentando que outros adultos, que elas nomeiam, estavam
presentes. Em fevereiro de 2001, o casal  Delay foi preso e acusado. T. Delay  nega,
mas sua esposa confessa rapidamente. Nas semanas seguintes,17 adultos,  indicados
seja por Myriam Badaoui,  seja por vinte crianças identificadas como vitimas, foram
presas.
Desde 2001, o juiz do processo demandou uma perícia psicológica e
psiquiátrica de todas as crianças acusadoras, e de todos os adultos acusados, e
depois, no ano seguinte, novas perícias. Em 2004, antes do processo em audiência, e
mesmo , com urgência, durante o mesmo, o promotor requer perícias. Foi realizado
um total de 84 perícias. Em relação a  um ponto fundamental:  a confiança que  se
poderia ter nos testemunhos das crianças, de um lado, dos adultos acusadores, de
outro lado – notadamente de M. Badaoui, a principal dentre eles. A resposta dos
peritos é sem ambiguidade: todos merecem crédito. Em relação aos adultos sob
acusação, uma mesma questão foi levantada  aos peritos psiquiatras e psicólogos:
“Apresentavam eles traços  de caráter ou de personalidade de “abusadores
sexuais”?”. Desta vez, as respostas são diferentes: os psiquiatras responderam  pela
negativa para todos os acusados, os psicólogos, pela afirmativa para todos, exceto
quatro.
Quando do julgamento em tribunal em Saint Omer, em 2004, M. Badaoui
admite ter acusado indevidamente 13 dos 17 culpados, e seu marido a apoia. Em
seguida a essas retratações , 7 acusados são absolvidos, 10 condenados. Seis dentre
estes apelaram. Em 2005, diante do tribunal de apelação de Paris, Thierry e Myriam
Delay declaram a inocência dessas 6 pessoas, e duas das crianças retrocedem  de
suas acusações. As 6 pessoas são soltas. Em resumo, portanto, os acusadores,
maiores e menores, cujo testemunho foi, e de forma repetida, tido como confiável
pelos especialistas, tanto psiquiatras quanto psicólogos, acusaram  indevidamente 13
pessoas de serem abusadores sexuais. Pode-se realmente falar, com efeito, em
fracasso.

Os desacordos entre os peritos


Qual foi a responsabilidade dos peritos nas decisões do tribunal durante este
caso que abalou a opinião publica? Eles influenciaram, incontestavelmente, as
decisões tomadas pelo juiz do processo.“  “Fiquei chocado quando ouvi mestre
Berton me dizer, na primeira audiência em Saint–Omer, que sua cliente tinha sido
mantida em detenção unicamente com base em minhas conclusões”, declarou,
quando foi ouvido pela comissão de inquérito, Michel Emirzé, o psicólogo que tinha
examinado todos os adultos. Mas suas conclusões não foram usadas só neste caso:
todos os adultos, exceto um,  foram mantidos presos, a partir do fato que ele havia
declarado os adultos  autores de acusações, e notadamente M.Badaoui, “críveis”, e
que a psicóloga  que tinha examinado as crianças acusadoras, Marie Cristine Gryson-
Dejehansart, as estimou “inteiramente críveis”. Similarmente, consultada sobre o
assunto das demandas repetidas, pela quase totalidade dos acusados, de uma
confrontação com seus jovens acusadores, ela a cada vez respondeu que tal
confrontação “seria de natureza a agravar o traumatismo da criança”, e o juiz rejeitou
todos esses pedidos.  Que este tenha tido razão ou não de seguir seus peritos, o fato
é que  os pareceres deles tiveram um grande peso.
Além disso, os peritos, como vimos,  estavam em desacordo no que diz
respeito à personalidade de abusadores sexuais dos acusados adultos. Não se trata
de uma  exceção, longe disso. Um estudo francês recente (2) o demonstra. O ponto
que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi a proporção elevada de casos para
os quais não foi mencionado diagnóstico, nem pelo psiquiatra nem pelo psicólogo:
mais de 60%! Se isso significava “nenhuma patologia mental constatada”, isso se
explicaria, mas  nenhum dos relatórios o diz expressamente. Então, como entender?
Os pesquisadores avançam  hipóteses: talvez se possa ver aí “vontade de prudência e
de reserva”  de peritos que pensam ter disposto de muito pouco tempo  para seu
exame. Ou ainda,  a ausência de diagnóstico pode ser devida à ausência de recursos
a protocolos estandartizados: nas 1010 avaliações “nenhum perito (...) fez referência à
utilização de uma ferramenta  cientificamente validada para estabelecer um
diagnóstico”. O que se pode lamentar: os autores citam pesquisas que estabelecem
que o nível de concordância entre peritos se eleva quando eles utilizam o mesmo
protocolo.
Então, os peritos psiquiatras e psicólogos trazem respostas confiáveis às
questões colocadas pela justiça?  Ao psiquiatra, se pede, primeiramente, um
diagnóstico médico de saúde mental, o que não  coloca nenhum problema: ele exerce
aí seu ofício como o faria em outro âmbito. Este diagnóstico  repousa sobre uma ou
mais entrevistas clinicas (os psiquiatras não recorrem aos testes), e o psiquiatra se
apoia sobre os guias diagnósticos internacionais  de referência (o DSM e a CID).
Contudo, no quadro de uma avaliação judicial, ele é interrogado sobre a patologia
mental do acusado não somente  em geral, mas também em relação com o  crime
julgado, quer dizer, sobre sua responsabilidade. E aí as coisas se complicam. O
psiquiatra vê o acusado após os fatos: como saber se ele estava no mesmo estado
durante e depois? No momento em que o psiquiatra o encontra,ele está em estado de
choque, incapaz de se explicar, mas talvez ele estivesse perfeitamente consciente no
momento dos fatos; ou então, ao contrário, ele aparece como calmo, coerente, em
pleno controle de si, mas talvez ele estivesse em um estado completamente diferente
no momento de seu ato. Existem três estados patológicos que são geralmente
admitidos como retirando do sujeito a consciência de seus atos: a esquizofrenia, a
debilidade profunda e a demência; mas, nos outros casos, o psiquiatra não pode se
contentar em diagnosticar uma patologia mental, ele deve estabelecer a ligação entre
esta e o crime, e deve estimar sua influência sobre a responsabilidade do autor. Nem
sempre é fácil.
Crianças confiáveis?
O que é feito, então, da capacidade de perícia dos psicólogos? As 17 crianças
de Outreau foram vistas pela mesma psicóloga,  Marie-Christine  Gryson-Dejehansart.
De início, diz ela no livro que dedica ao caso de Outreau (3), ela coletou o testemunho
espontâneo das crianças, tendo o cuidado de evitar qualquer pergunta sugestiva, e
observando seus gestos, suas atitudes enquanto falavam. Em seguida, ela completou
este testemunho por diversos testes clássicos. É preciso lembrar que a confiança dada
ao testemunho das crianças  variou grandemente ao longo do tempo. Durante muito
tempo, ela foi muito fraca. Os especialistas temem que, após Outreau, volta-se às
“crianças mentirosas”... O assunto merece uma análise mais nuançada - facilitada por
um grande número de pesquisas. Antes dos 3 ou 4 anos, a criança tem algumas vezes
um vocabulário   muito limitado para se explicar; e, sobretudo, ela tem dificuldade em
identificar a fonte de sua informação: assim, aos 3 anos de idade, as crianças sabem o
que contém uma gaveta, mas são incapazes de dizer se se mostrou a elas o conteúdo
ou se se lhes disse, enquanto que, aos 5 anos, elas sabem muito bem a diferença.
Com mais idade, podem ser testemunhas tão boas quanto os adultos. Mas, é preciso
ter em conta um fato capital: elas são influenciáveis. São sensíveis ao prestigio do
adulto, anseiam por agradá-lo, preocupam-se com a aprovação dele - além disso, lhes
repugna responder “eu não sei”. Ora, uma vez que uma criança tenha testemunhado,
ela pode muito bem crer que tudo o que ela disse aconteceu, quer dizer, que
lembranças verdadeiras e falsas se confundem na sua memória.(4)
Para os peritos de Outreau, psiquiatras e psicólogos, o juiz de instrução
também colocou a mesma pergunta para cada um dos adultos: “Ele apresenta traços
de caráter ou de personalidade característicos de abusadores sexuais?” Os
psiquiatras responderam negativamente para todos os acusados; os psicólogos,
positivamente para todos, exceto quatro. Como explicar esta divergência, que não é
mais encontrada nas oitivas da comissão parlamentar? “Encontra-se um certo número
de traços nos agressores sexuais, mas se  os encontra  igualmente na população em
geral” (Jean-Louis Pourpoint, psiquiatra); “não existe, na nosografia, uma
personalidade-tipo  de abusador  sexual(...); nós não encontramos nada, às vezes,
como traços de personalidade, além dos traços que coloquei em evidência -
imaturidade, egocentrismo” (Michel Emirzé, psicólogo). Então, porque os peritos
aceitaram  responder, seja pela resposta positiva, seja pela negativa? “Porque a
pergunta nos foi colocada pelo juiz!”, dizem eles, em coro.

Verdade ou credibilidade?
No caso de Outreau, todas as crianças e adultos acusadores foram
qualificados como “críveis”; ora, os processos mostraram que algumas de suas
acusações eram falsas. Erro coletivo dos peritos? Não necessariamente: mas talvez
eles não tenham sublinhado suficientemente a diferença entre “credibilidade” e
“verdade”. Pessoas serão qualificadas como “críveis” se não se discerne nelas
propensão patológica para a mentira (como nos mitômanos), ou dificuldade de separar
o real do imaginário; mas elas são suscetíveis de mentir ocasionalmente... como você
e eu! Os peritos não têm que estabelecer a verdade dos fatos, e elas não estão à
altura de fazê-lo; essa é a tarefa dos policiais e dos juízes.
Ora, em Outreau, deve-se censurar os peritos? Ou o juiz, que fez como se a
etiqueta “crível” garantisse a verdade, e o dispensasse de a buscar num exame atento
dos relatos das oitivas e investigações policiais? Tomemos um só exemplo: Pierre
Martel é acusado porque uma das crianças Delay o acusa de ter acariciado seu irmão
“na festa do Dia das Mães do ano passado” - logo, em 2000 - e reconhece, na foto de
um grupo de crianças, o filho de P. Martel; e M.Badaoui confirma a acusação de
estupro. Ora, segundo a investigação, o filho de Martel tinha 20 anos na época; e, no
dia da festa do Dia das Mães do ano de 2000, P. Martel tinha participado, durante todo
o dia, de um torneio de golfe. Logo, nem a criança nem a mãe tinham dito a verdade
sobre esse ponto. - o que deveria levar à desconfiança! Enfim, os membros da
comissão Outreau lamentaram vivamente que os peritos tenham encontrado tão pouca
contradição. Os advogados dos acusados demandaram bastante por contra-perícias,
mas o juiz recusou todas essas demandas. Ele tinha esse direito mas, em
consequência, é apenas no momento do primeiro processo que os advogados dos
acusados confrontaram os peritos, ou seja, três anos depois da entrega dos relatórios.
Vale dizer que a perícia psicológica e psiquiátrica de nada serve? Certamente
não: o psiquiatra pode diagnosticar uma doença mental, e emitir uma opinião válida -
mesmo que seja difícil, como vimos - sobre o discernimento do acusado no momento
dos fatos; o psicólogo pode traçar um retrato nuançado de sua personalidade, de seu
funcionamento psíquico, de seu nível mental. Levar em conta, para sancionar um ato
criminoso, a personalidade e a história de vida de seu autor é uma contribuição muito
útil. Mas se juízes e jurados buscam, no retrato do acusado, a prova de sua
culpabilidade, torna-se possível uma catástrofe judiciária.

(1) “Em Nome do Povo Francês. Julgar depois de Outreau”, Comissão de Inquérito da
Assembléia Nacional, Legislatura XII, junho de 2006.
(2) Nicolas Combalbert et al., “Estudo da concordância dos diagnósticos psiquiátricos
e psicológicos numa amostragem de 505 criminosos”, Revue Européenne de
Psychologie Appliquée, vol. LIX, no. 1, janeiro de 2009.
(3) Marie-Christine Gryson-Dejehansart, Outreau. A Verdade Abusada, Hugo & Cie.,
2009.
(4) Ver Claudie Bert, “As falsas lembranças”, Sciences Humaines, no. 97, agosto-
setembro 1999. As mesmas pesquisas mostraram que se pode fabricar falsas
lembranças nos adultos também, mas mais dificilmente.

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Depois de Outreau: o que deve mudar


Como melhorar o sistema judiciário para evitar novos “Outreau”? Um grupo de
trabalho do Ministério da Justiça e uma Comissão de Inquérito Parlamentar
apresentaram dezenas de propostas.

A perícia
Um decreto de dezembro de 2004 impõe aos peritos, quando eles demandam
a renovação de sua inscrição na lista de peritos judiciais, provar sua experiência numa
especialidade.
As perícias deveriam ser objeto de um pré-relatório comunicado aos
advogados da parte contrária, para que possam fazer observações; se estes
demandam uma contra-perícia, esta seria um direito.
Conferências de consenso deveriam ser mantidas pelos psiquiatras, de um
lado, e pelos psicólogos, de outro, para se colocarem de acordo sobre os testes, os
diagnósticos, etc., que têm uma validade científica suficiente para serem utilizados. O
relatório Viout (1) propõe um modelo de encargo de perícia em 6 perguntas. Reuniões
posteriores permitiriam delimitar os domínios respectivos do psiquiatra, do psicólogo e
do criminólogo (notadamente solicitado para avaliar a periculosidade) nas perícias
judiciais.
Organizar-se-ia uma formação específica para a perícia judicial.
A remuneração dos peritos seria reavaliada mas, em troca, o juiz exerceria
maior controle, em particular sobre o prazo de entrega dos relatórios.
Uma circular ministerial pede aos magistrados para renunciar a colocar
perguntas para os peritos sobre a “credibilidade”, e para tomar mais distância dos
relatórios dos peritos.

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O testemunho das crianças


Uma lei de 1998 tornava obrigatório o registro audiovisual das oitivas de
crianças que se diziam vítimas de violências, sexuais ou outras, sob condição que ela
consintam nisso. Assim, pode-se evitar-lhes interrogatórios múltiplos. Como se tem
uma prova do que elas disseram? Por falta de meios, esta lei não é aplicada: em
Outreau, 7 oitivas em 100 foram objeto de registro, de tão má qualidade - sala
barulhenta, policial não formado em interrogatório de crianças - que esses vídeos nem
sequer foram utilizados. O Ministério da Justiça liberou crédito para a compra do
material, a arrumação das salas, a formação de policiais no interrogatório de crianças.
A comissão Outreau dá como exemplo o procedimento britânico: sala apropriada,
preparação da oitiva com a ajuda de um psicólogo, observador exterior. A criança
pode ser assistida por um advogado, mas seu consentimento não é obrigatório. Outras
sugestões: exigir que os peritos vejam esses videos, e fazer uma cópia deles para as
pessoas acusadas, a fim de evitar que a criança seja confrontada a elas.
Assinale-se, também, as sugestões para melhorar a tomada de incumbência
das crianças vítimas, e a coordenação entre serviços que se ocupam de menores em
perigo. De 1995 a 2000, os quatro filhos Delay foram objeto de uma grande
quantidade de relatórios, inclusive com suspeita de violências sexuais; um deles foi
hospitalizado 11 vezes em menos de 3 anos, sem que nenhuma doença crônica o
justificasse; e tudo isso não resultou em nada, até que a mãe denunciasse seu
marido... E as condições nas quais essas crianças foram ouvidas pela polícia e
testemunharam diante do tribunal nada acomodaram.

(1) Relatório Viout, relatório de um grupo de trabalho encarregado de retirar os


ensinamentos do tratamento judiciário do caso d’Outreau, a partir do nome de Jean-
Olivier Viout, que presidiu o grupo. La Documentation Française, fevereiro de 2005.

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COMO TRABALHAM OS PERITOS:


Para ser designado como perito,  não é suficiente ser psicólogo ou psiquiatra: é
preciso ter diplomas, uma experiência, estar inscrito numa lista de peritos judiciários
aprovados. Os peritos de Outreau estavam bem neste caso: contrariamente ao que se
escreveu, por vezes, as pessoas que examinaram as crianças tinham uma boa
experiência de trabalho com crianças. Não é sempre o caso: ocorre que um
magistrado, na urgência,  demanda a um psi um trabalho para o qual ele não é
realmente qualificado. ”Pode-se ser um ótimo psicólogo e não saber interrogar uma
criança de 4 anos”, observa Camille Olivier-Gaillard, perita em tribunais para perícias
de crianças.
O encargo dos peritos é definido pelo juiz de instrução que os nomeia, sob a
forma de uma lista de perguntas. Estas dizem respeito ao caso em questão, ao
mesmo tempo que se situam num quadro geral. Ao psiquiatra, se demanda um
diagnóstico médico: a pessoa julgada por um ato criminoso está afetada por
problemas psíquicos, e quais? De um problema que aboliu seu discernimento no
momento do ato? Ela é perigosa?  Ela é acessível aos cuidados? Em se tratando de
uma pessoa que se diz vitima,  pede-se ao psiquiatra para determinar  se ela é
mitômana, se tem tendência à fabulação. Ao psicólogo, pode-se confiar uma missão
técnica, tal como avaliar a inteligência, mas, sobretudo, se demanda a ele descrever a
personalidade, o funcionamento psicológico dos sujeitos que examina.
A lei não fixa a duração desses exames. O relatório da comissão  Outreau se
surpreende com o fato de dois peritos psicólogos terem realizado em comum  a perícia
de quatro acusados no mesmo dia, em quatro lugares diferentes- e isso, quando este
encargo lhes fora confiado 4 meses antes -, e que eles tivessem ainda conseguido
tempo para  redigir 3 dos 4 relatórios neste mesmo dia! De pronto, estes foram
suscintos: uma página cada um.  É verdade que, se o perito deve apresentar um
relatório escrito, seu conteúdo não é definido. Alguns peritos mencionam todos os
testes que usaram, explicam as conclusões às quais chegaram mostrando em que as
respostas de seus sujeitos diferem daquelas de pessoas normais; outros se limitam a
indicar suas deduções.
As condições materiais da perícia também apresentam problemas. A frase de
um dos peritos psicólogos de Outreau, Jean-Luc Viaux, “Enquanto se pagar a um
perito o preço de uma faxineira, teremos perícias de faxineira” teve um grande
sucesso midiático... Seu autor admitiu que ela era inábil, mas teria ele, no fundo,
razão? Os peritos recebem um montante pré-fixado: atualmente, 172,80 euros por
perícia para um psicólogo,  257,25 euros para um psiquiatra e 274,40 por uma perícia
psiquiátrica em matéria de infração sexual, quer a perícia diga respeito ao autor
presumido ou à vítima. Trata-se de uma convenção, logo a remuneração horária
depende do número de horas dedicadas à perícia; se, como disse uma outra psicóloga
de Outreau, Marie-Christine Pouvelle-Condamin, este tempo se situa entre 15 e 25
horas, a remuneração do perito é, com efeito, da mesma ordem que a das faxineiras.
Isso pode explicar porque os psiquiatras inscritos na lista de peritos não sejam muito
numerosos, e que alguns exames apareçam como um pouco rápidos!
Último ato: na ocasião do julgamento do processo, o perito é convocado à
audiência. Ele é obrigado a ir pessoalmente,  a expor oralmente suas conclusões e a
responder às perguntas dos advogados, do juiz, dos contra-peritos [assistentes
técnicos], se os houver. Tarefa delicada: ele deve se fazer entender por leigos; ele
encara advogados que atacarão seu trabalho, até mesmo sua pessoa, se eles
acharem que ele é de natureza a prejudicar seu cliente; ele deve responder às
perguntas com base em um relatório que data, às vezes, de muitos anos atrás;  e,
sobretudo, ele tem que permanecer no quadro de seu encargo: comunicar o
conhecimento que suas competências lhe permitiram adquirir da saúde mental, da
personalidade, das motivações de seu sujeito, mas ele não deve se pronunciar sobre a
realidade dos fatos - isso diz respeito aos inquiridores -, nem sobre a decisão a tomar -
isso diz respeito ao juiz e aos jurados. Em teoria...

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