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ANAMNESE

E A ESCOLHA DOS TESTES COGNITIVOS


PARA A AVALIAÇÃO

Priscila Pivoto Andréia Torquato


Psicopedagoga Psicopedagoga
Psicomotricista Neuropsicopedagoga

@priscilapivotopsicopedagoga @andreia.torquato
Anamnese e a escolha dos testes cognitivos para a avaliação

A avaliação psicopedagógica e/ou neuropsicopedagógica nos permite dispor de informações


relevantes não apenas em relação às dificuldades apresentadas pelo sujeito, mas também suas
potencialidades e capacidades. É um processo investigativo que pode identificar possíveis causas de
problemas como fatores orgânicos, psicológicos e sociais, entre outros. E nessa investigação, é de
responsabilidade do psicopedagogo/neuropsicopedagogo entender a queixa, analisá-la, interpretá-la e
seguir com a avaliação, a qual caberá a escolha de instrumentos avaliativos de acordo com a
demanda trazida pelos pais, família e/ou pelo próprio sujeito.
“O psicopedagogo é como um detetive que busca pistas, procurando solucioná-las, pois
algumas podem ser falsas, outras irrelevantes, mas a sua meta fundamental é investigar todo o
processo de aprendizagem levando em consideração a totalidade dos fatores nele envolvidos, para
valendo-se desta investigação entender a constituição da dificuldade de aprendizagem”
(RUBINSTEIN, 1987).
A anamnese é uma ferramenta essencial no processo de avaliação, tendo como objetivo a
coleta de dados significativos sobre a história de vida do paciente, desde a concepção até a vida
atual, integrando passado e presente. O termo anamnese vem da palavra grega “anamnesis”,
que significa “trazer a lembrança”.
Segue o conceito de anamnese de acordo com o dicionário Michaelis.

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Andréia Torquato Villela & Priscila Pivoto Rezende Ferreira
Conectados Treinamentos em Desenvolvimento Profissional e Gerencial CNPJ 50.406.145/0001-65
A anamnese é um instrumento investigativo que necessita ser bem detalhado e com foco na
queixa apresentada pela família, escola e/ou profissionais envolvidos com o paciente. Analisar e
compreender a queixa principal, o sintoma que motivou a busca pelo atendimento, faz com que a
condução da anamnese direcione ou redirecione alguns temas específicos que deverão ser abordados
durante a entrevista.
Para a realização de uma boa anamnese, acima de tudo é necessário saber ouvir, ter uma
escuta atenta, pois o sujeito e/ou a família virão, muitas vezes, carregados de medos, angústias,
ansiedades, inseguranças, problemas sociais, emoções, expectativas, relacionamentos conflitantes e
uma ânsia em saber a interpretação do avaliador acerca dos sintomas apresentados pelo sujeito. É o
momento que entenderemos como os pais e/ou sujeito reagem com a queixa apresentada, como isso
circula na dinâmica familiar e como lidam com a dificuldade no cotidiano.
Além de ser momento de ouvir, também é momento de acolher, pois a anamnese poderá
revirar fatos ou assuntos delicados, lembranças que acionam emoções sobre a história de vida que
envolve o avaliando. Esse acolhimento deve ser livre de julgamentos e críticas, porém deve ser
carregado de qualidade e observação, permitindo assim que os responsáveis ou o próprio sujeito
realize um relato espontâneo embasado na confiança. Muitas vezes percebemos que o problema
apresentado na queixa não é o problema real, que o problema é outro ou que o causador do problema
não está onde pensam, como na escola.
Todos os dados colhidos na entrevista são confidenciais, os quais deverão ser analisados e
transcritos em informes somente o que for pertinente e o que a família e/ou sujeito permitir. Para
uma relação de confiança, esse sigilo ético deverá ser informado à família, até para que se sintam à
vontade em relatar fatos da intimidade familiar que possam contribuir para a investigação, como por
exemplo o uso de drogas, transtornos psiquiátricos, violência, entre outros.
De acordo com o código de ética do Psicopedagogo, no artigo 7°, o psicopedagogo deve
manter o sigilo profissional e preservar a confidencialidade dos dados obtidos em decorrência do
exercício de sua atividade.
Parágrafo 1°- não se entende como quebra de sigilo informar sobre os sujeitos e sistemas a
especialistas e/ou instituições comprometidos com o atendimento e/ou atendimento, desde que
autorizado pelos próprios sujeitos e seus responsáveis legais e sistemas.
Parágrafo 2° - O psicopedagogo não revelará, como testemunha, fatos de que tenha
conhecimento no exercício de seu trabalho, a menos que seja intimado a depor perante autoridade
judicial, e/ou em situações que envolvam risco à integridade física, moral ou risco iminente de
morte.

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O sigilo profissional deve ser informado ao paciente ou aos seus responsáveis sobre o uso das
informações relatadas, que somente serão usadas em registros mediante autorização dos mesmos,
formando assim vínculo entre as partes, no qual poderão surgir dados de extrema importância ao
processo investigativo. É importante que o paciente ou seus responsáveis estejam cientes de seus
direitos e das medidas de proteção da privacidade de suas informações.
Conforme Weiss 2020, “o registro fiel da entrevista é muito importante porque ela se presta
a muitas distorções. Os pais só transmitem o que querem ou podem, enquanto o terapeuta só
compreende o que pode. Ao longo do processo diagnóstico, às vezes, os dados vão se modificando,
bem como as hipóteses e as conclusões do terapeuta. Quando se constrói uma boa relação, é comum
que, em outra oportunidade, os pais revelam dados esquecidos num primeiro momento”.
Teremos a oportunidade de observar e analisar o comportamento, a postura e a visão da
família perante a dificuldade apresentada, as expectativas, a afetividade, as críticas, o
posicionamento no ambiente familiar, tudo aquilo que é apresentado de forma positiva ou negativa
sobre o sujeito.
O profissional avaliador precisa entender sobre relações genéticas, ambientais,
comportamentais, fisiológicas, emocionais, para analisar todos os pontos apresentados, os quais já
indicarão uma hipótese primária.
O momento a se realizar a anamnese dependerá da linha de trabalho seguida pelo avaliador
ou quando verificar que seja mais adequado, podendo ser realizada na 1ª sessão após o contato inicial
ou após conhecer o sujeito que será avaliado, no caso após a EOCA ou após as projetivas, pois são
instrumentos que podem direcionar uma psicoeducação com a família durante a anamnese.
Exemplo: no atendimento à uma criança de 9 anos, a anamnese foi realizada após a aplicação
das Técnicas Projetivas, onde apareceram questões relacionadas a dinâmica familiar e ao
comportamento do pai, assim uma intervenção de psicoeducação já foi realizada durante a sessão de
anamnese, a qual foi solicitada a presença do casal, o horário foi marcado de acordo com a
disponibilidade dos mesmos com duração de duas horas e meia.
Enfim, não há uma regra de quando realizar a anamnese, o ideal é realizá-la no início da
avaliação registrando e analisando, pois é um instrumento de base que contribuirá para a escolha da
bateria de instrumentos avaliativos que serão utilizados de forma objetiva e direcionada de acordo
com as questões relevantes apontadas na entrevista. Em nossa prática iniciamos a avaliação com os
testes cognitivos por volta da quarta ou quinta sessão, considerando o vínculo estabelecido e a
análise da anamnese.
Dependendo do caso, uma sessão não será suficiente para a conclusão da anamnese. O
avaliador deverá, de acordo com sua disponibilidade, organizar o horário ou continuar em outra

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sessão. De acordo com Weiss 2020, “o que leva a isso não é a quantidade de informações, mas a
qualidade, como são faladas as coisas, a dinâmica revelada na família, o modo de tratar o paciente.
Esse prolongamento na prática se caracteriza como uma intervenção”.
Outro exemplo de caso: no atendimento a um adulto, foram realizadas duas sessões de
anamnese logo no início da avaliação, sendo realizada uma anamnese com o próprio adulto e
posteriormente uma outra sessão somente com a mãe, sendo observado pela profissional detalhes
revelados pelo adulto que a mãe não os conhecia, porém nada foi revelado à mãe e sim analisados.
Não há modelo único de roteiro de anamnese, a mesma deverá ser adequada a realidade e
experiência do avaliador, pois alguns pontos serão relevantes em função da queixa e de patologias já
existentes. Também deverá ser adaptada ao contexto do entrevistado, para que ocorra de forma
simples e objetiva, fazendo-se compreender e, portanto, coletando as informações de forma
adequada. Podendo ser realizada com os pais, cuidadores e/ou um responsável direto do sujeito a ser
avaliado, preferencialmente um informante que conheça detalhes da história de vida do paciente.
Segundo Weiss 2020, “não parece proveitoso transformar a anamnese num simples
“questionário” e nem obrigatoriamente uma conversa livre, o mais comum é a entrevista ter um
caráter semidiretivo”.
Durante a anamnese, o profissional faz perguntas específicas para entender como o indivíduo
se relaciona com o aprendizado e como foi o processo de aprendizagem durante ao longo da vida.
São levantadas informações sobre o desempenho escolar, as habilidades e dificuldades em relação ao
aprendizado, bem como a existência de possíveis transtornos ou problemas de saúde que possam
afetar o processo de aprendizagem.
As perguntas da anamnese devem ser estudadas, assim serão realizadas de forma espontânea,
natural e com maturidade. Podem serem utilizá-las como roteiro ou checklist para que o profissional
não se perca. Não sendo necessário anotar itens irrelevantes, evitar ficar escrevendo e olhando para o
papel o tempo todo, o comportamento e a postura do responsável ou do paciente deverão ser
observados.
Entre os pontos essenciais que devem ser abordados na anamnese
psicopedagógica/neuropsicopedagógica, destacam-se:
• História pessoal e familiar: é importante coletar informações sobre a história de vida
do sujeito, bem como da sua família, incluindo aspectos como a gestação, parto,
infância e adolescência.
• Comportamento e emoções: é importante conhecer o comportamento e as emoções do
indivíduo, bem como sua forma de interação com os outros.

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• Habilidades e dificuldades: deve-se avaliar as habilidade e dificuldades do sujeito em
relação ao aprendizado, identificando suas necessidades educacionais e seu processo
de alfabetização.
• História clínica: avaliar problemas, soluções, estado emocional e ambiente familiar
perante situações de doenças; quadro geral mediante a tratamentos realizados; doenças
diversas e suas consequências; os diferentes laudos; possíveis traumatismos e
sequelas; a existência de problemas visuais e auditivos.
• Possíveis transtornos: deve-se avaliar a existência de possíveis transtornos ou
problemas de saúde que possam afetar o processo de aprendizagem, tais como
dislexia, TDAH, entre outros transtornos do neurodesenvolvimento.
• Ambiente familiar e escolar: é importante conhecer o ambiente familiar e escolar do
paciente, bem como as relações com os pais, professores e colegas de classe, situar
mudanças (de casa, de escola, de professores), mortes, separações e outras alterações
na estrutura familiar, excesso de atividades ou osciosidade na rotina do avaliando.
• Expectativas e objetivos: deve-se identificar as expectativas e objetivos do indivíduo
em relação ao processo de aprendizagem.

Podemos concluir que a anamnese é um instrumento de extrema importância e que faz a


diferença dentro do processo diagnóstico na avaliação. O conjunto de informações adquirido por
meio de relatos, de entrevistas e da observação direta do paciente e/ou família, associado ao
conhecimento do profissional, possibilita a elaboração do raciocínio clínico e o levantamento das
primeiras hipóteses. Assim, teremos subsídios para selecionar os testes, as escalas, os instrumentos
adequados para a continuidade da avaliação.
O objetivo principal do nosso curso é trazer o direcionamento para a escolha dos testes
cognitivos para a avaliação de acordo com a análise da anamnese e refletir sobre sua importância no
processo avaliativo.

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REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA. Código de ética do psicopedagogo.


2019.

CHAMAT, L. S. J. Técnicas de diagnóstico psicopedagógico: o diagnóstico clínico na abordagem


interacionista. 1. ed. São Paulo: Vector editora, 2004.

MIOTTO, E. C. et al. Manual de avaliação neuropsicológica: a prática da testagem cognitiva. v. 1.


São Paulo: Memnon, 2018.

https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/anamnese. Anamnese
significado. Acesso em 18 de abril de 2023.

RUBINSTEIN, E. O caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. A


psicopedagogia e a Associação Estadual de Psicopedagogos de São Paulo in SCOZ, Beatriz e outras
(org.). Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

SAMPAIO, S. Manual prático do diagnóstico psicopedagógico clínico. 7. ed. Rio de Janeiro: Wak
editora, 2018.

WEISS, M. L. L. Psicopedagogia clínica: Uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem


escolar. 14. ed. Rio de Janeiro: Lamparina editora, 2020.

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