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Parte III.

Sinopse sobre o Constitucionalismo Português

Capítulo I. O Constitucionalismo Liberal


As Constituições Monárquicas
A Constituição de 1822
Contexto histórico-político

Com a derrota militar francesa em Portugal e na Península Ibérica, foi retomado em Portugal
o regime de Monarquia Absoluta.
Forma de exercício do poder constituinte

Previamente à deliberação da Constituição de 1822, o Rei D. João VI fora forçado a jurar o


decreto que continha as bases da nova Lei Fundamental e que orientou a atividade das
Cortes Constituintes responsáveis pela aprovação da mesma Constituição.
Tratou-se de uma forma democrática representativa de exercício do poder constituinte que
se desdobrou em dois momentos: o juramento das bases e a aprovação do documento
final pelas Cortes.
Fontes cognitivas
Constituição francesa de 1791
Constituição espanhola de Cádis (texto liberal e democrático-radical)
Organização política

A Constituição consagrava um regime monárquico representativo, baseado num modelo


de tripartição e de separação de poderes.

O Rei era politicamente irresponsável e a fonte da sua autoridade residia na soberania


nacional. O Monarca era o titular do poder Executivo e dispunha de veto suspensivo sobre
as leis ordinárias aprovadas pelas Cortes. Não dispunha do poder de dissolver ou de
suspender as Cortes.

O Parlamento, designado por Cortes, tinha estrutura unicameral e era eleito bienalmente
por voto censitário (os eleitores teriam de deter bens provenientes de atividades
económicas) e capacitário (não tinham capacidade eleitoral ativa, de entre outros, as
mulheres, os analfabetos, os criados, os vadios e não dispunham de capacidade eleitoral
passiva, para além destes, os bispos, os magistrados, os falidos, e outras categorias.

As Cortes eram titulares da competência legislativa e de diversas competências políticas


relevantes.
O poder jurisdicional estava cometido aos tribunais e cabia ao Rei nomear os magistrados.
Neste sistema político de governo a instituição dominante recaía nas Cortes e o Monarca
assumia um papel diminuído, como chefe de um Executivo frágil.
Direitos fundamentais

A par de diversos deveres e de uma predominância das garantias sobre os direitos e


liberdades, consagrava-se a liberdade de culto de estrangeiros, a liberdade de expressão,
direito a eleger procuradores às Cortes e liberdade de ensino e igualdade perante a lei.
Tratava-se de uma constituição de tipo utilitário.
Fiscalização e revisão constitucional

Cabia às Cortes a garantia do cumprimento da Constituição, pontificando um tipo de


fiscalização política da constitucionalidade realizada pelo Parlamento, seguindo-se o
modelo francês.

A revisão constitucional operava de acordo com o sistema do parlamento renovado:


volvido por um período de vigência de 4 anos, todas as propostas de alteração deveriam
ser deliberadas por maioria qualificada pelas Cortes que seriam posteriormente dissolvidos,
carecendo o diploma de ser confirmado pelos deputados, na legislatura seguinte.
Vigência

D. João VI acabo por ser forçado a dissolver as Cortes e a revogar a Constituição, em 1823,
sendo nomeada uma Junta Preparatória, chefiada por Palmela, para elaborar uma Carta
Constitucional.
A Carta Constitucional de 1826
Contexto histórico-político

Para selar o compromisso político, D. Pedro outorgou uma Constituição aos portugueses,
que tinha, previamente, outorgado ao Brasil. A Carta espelhava um efetivo equilíbrio entre
o tradicionalismo e o liberalismo.
Forma do exercício do Poder Constituinte

Tratou-se de uma outorga, ou seja, de uma manifestação constituinte autocrática e


unilateral do monarca, própria dos regimes dualistas. O Rei aceita, exclusivamente com
base na sua legitimidade real, limitar o seu poder absoluto, decretando uma Constituição
e doando-a aos súbditos.
Fontes cognitivas
Carta brasileira de 1824
Carta francesa de 1814
Constitucionalismo britânico
Organização política

A Carta consagra um regime monárquico de tipo dualista e um sistema político marcado


pelo poder moderador do Rei.

O poder moderador permitia ao Rei: relativamente ao Executivo, nomear e demitir os


ministros; em relação ao Legislativo, nomear pares, sancionar ou vetar leis deliberadas pelas
Cortes e dissolver a Câmara dos Deputados quando o exigisse a “salvação do Estado”; em
relação ao poder jurisdicional, suspender magistrados e conceder perdões e amnistias.

O Rei era, igualmente, chefe do poder Executivo dispondo, de largas faculdades para, por
exemplo, nomear altos funcionários, chefias militares, executar as leis e curar da segurança
interna e externa do Estado.

O poder legislativo era exercido pelas Cortes, assumindo estas uma estrutura bicameral,
que eram integradas por uma Câmara de Pares, nomeados sem número fixo pelo Monarca
e por uma Câmara de Deputados, com um mandato de 4 anos e eleitos por voto indireto,
censitário e capacitário.

As Cortes, a par de diversas competências políticas, deliberavam as leis do Reino, com


intervenção das duas câmaras num processo complexo, cabendo ao Monarca sancioná-
las ou denegar sanção, o que equivalia a um veto absoluto.

O poder judicial era qualificado como um poder independente, sendo composto por juízes
e jurados.
Direitos fundamentais

A liberdade religiosa para todos e a limitação da censura eclesiástica, a liberdade de


trabalho, a liberdade de circulação, a liberdade de empresa, e, em termos de garantias, o
princípio da legalidade penal. No plano social previu-se a gratuidade da instrução primária
e a criação de um sistema de socorros públicos.
Revisão e fiscalização constitucional

As revisões à Constituição operavam através de atos adicionais (aditamentos) deliberados


pelas Cortes e sancionados pelo Rei.

O controlo de constitucionalidade era exercido por via política através das Cortes e do
próprio Monarca.
Vigência: as três “vidas” da Carta
A primeira e efémera vigência da Carta teve lugar entre Julho 1826 e Maio de 1828.
A segunda e não menos curta vigência teve lugar entre 1824, data da derrota dos
absolutistas, do exílio de D. Miguel e da entronização de D. Pedro como Rei de Portugal e o
ano de 1836, em que, depois da sua morte, uma revolução de democratas-radicais dirigida
pelo Marechal Saldanha pretendeu repor em vigência a Constituição de 1822.
A terceira vigência da Carta, essa particularmente longa, teve lugar entre o ano de 1842 e
a revolução republicana de 1910 que derrubou a monarquia. Durante o terceiro ciclo de
vigência a Carta experimentou diversas revisões (1852 e 1885-1886).

Tratou-se da Constituição Portuguesa de maior longevidade e seguramente aquela que,


pese o facto de o não ter iniciado, corporizou, constitutivamente, a essência e a prática do
movimento constitucionalista em Portugal.
A Constituição de 1838
Contexto histórico-político

Entre 1834 e 1835, o Governo conservador de Palmela é sistematicamente obstruído pelos


radicais-democratas de Manuel da Silva Passos, gerando-se fortes tensões entre as fações
liberais que triunfaram na guerra civil. A instabilidade política leva a Rainha a dissolver em
1836 a Câmara dos Deputados, seguindo-se um golpe militar do Marechal Duque de
Saldanha, que ficou conhecido como “Revolução Setembrista”. Os revolucionários
governaram em ditadura, e repuseram a Constituição de 1822, sendo a sua vigência
meramente simbólica, pois a maioria das leis em vigor concretizavam disposições da Carta
Constitucional, entretanto abolida.

É então convocada uma Assembleia Constituinte, no mesmo ano, com o propósito de rever
a Constituição de 1822, acabando o processo por resvalar para a feitura de outra
Constituição que começou por pretender ser um compromisso entre cartistas e vintistas.
Forma de exercício do poder constituinte

Tratou-se, no plano jurídico, de uma forma pactícia de exercício do poder constituinte, na


medida em que a aprovação da Lei Fundamental resultava de uma concertação de
vontades entre dois tipos de legitimidade: a democrática-representativa, oriunda das
Cortes Constituintes que deliberaram o texto e a monárquica, reconduzida à sanção real
da Lei Constitucional, a qual assumia natureza constitutiva (poderia ser denegada). No
fundo, um processo constituinte típico dos regimes dualistas mais liberais.

Nesta perspetiva política a Constituição assumia o caráter de um compromisso entre fações


conservadoras-liberais cartistas e fações democratas-radicais vintistas.
Fontes cognitivas
Influência interna: Constituição de 1822 e Carta de 1826

Influência externa: Carta Constitucional francesa reformada em 1830 e as constituições


liberais belga de 1831 e espanhola de 1837.
Organização política

O regime monárquico instituído regressou à tripartição de poderes, abolindo o poder


moderador do monarca. A legitimidade do Rei fundava-se na soberania nacional, sendo
titular do Poder Executivo, o qual exercia através dos ministros, aos quais nomeava e
demitia. Dispunha da faculdade de dissolver a Câmara de Deputados, na medida em que
tal fosse determinante para a “salvação do Estado” e de vetar as leis, considerando-se,
ante o silencio da Constituição e à luz da prática política, que o veto tinha efeito absoluto.
Podia, igualmente, conferir indultos e amnistias.

O Parlamento possuía uma estrutura bicameral, sendo composto por uma Câmaras de
Deputados e um Senado. A Câmara de Deputados era designada por sufrágio direto,
restrito e censitário, sendo os deputados eleitos com um mandato de 3 anos e sendo exigível
para que se pudesse ser eleito, ser-se detentor de uma renda de 400 mil reis. Os senadores
eram eleitos por sufrágio direto, restrito e censitário, com um mandato de 6 anos, devendo
renovar-se metade do Senado sempre que se registassem eleições para a Câmara de
Deputados. Vigorava, também, um regime capacitário no Senado, na medida em que,
para se poder se eleito senador, necessário seria integrar uma categoria de notabilidades
estatutárias e profissionais, como grandes proprietários e comerciantes, embaixadores,
oficiais generais, juízes do Supremo Tribunal, bispos e professores universitários de certas
Escolas.
As leis eram deliberadas mediante o voto das duas câmaras.

O poder jurisdicional pertencia aos tribunais e era exercido por juízes e jurados, podendo
também integrar juízes de paz.

O sistema de governo aproximava-se de um parlamentarismo equilibrado pelo poder do


Rei.
Direitos fundamentais

Liberdade de associação, liberdade de reunião e o direito de resistência a ordens que


violassem garantias individuais, caso estas últimas não estivessem suspensas. A Constituição
de 1838 mantinha uma natureza utilitária.
Revisão e fiscalização da constitucionalidade

A revisão operava-se mediante o sistema de parlamento renovado se bem que, sem


dependência de sanção real.
A fiscalização da constitucionalidade das leis era política e cabia às Cortes.
Vigência

A Constituição experimentou uma vigência perturbada que mediou entre 1838 e 1842,
nunca tendo sido aceite pela elite política.

Em 1842, por via de um golpe militar, Costa Cabral, colidera um governo de ditadura e
abole a Constituição de 1936, impondo a terceira vigência da Carta.
A Constituição Republicana de 1911
Contexto histórico-político

No dia 5 de outubro de 1910 rebenta em Lisboa uma revolução republicana que triunfa.
José Relvas proclama a República.
Forma de exercício do poder constituinte
O exercício do poder constituinte assumiu uma forma autocrática de tipo convencional.

A Constituição de 1911 resultou de um compromisso político na família política republicana,


entre democratas-radicais, jacobinos anticlericais, liberais e alguns socialistas utópicos.
Fontes cognitivas
No plano interno, a Constituição de 1822.

No plano externo, a Constituição da Iª República do Brasil de 1891, a Constituição Diretorial


Suíça de 1848 e a Constituição francesa de 1875 (III República).
Organização do poder político

A Constituição teve vários ciclos de vida, tendo dominado um sistema parlamentar de


Assembleia com um partido dominante (partido democrático de Afonso Costa), excetuado
pelo interregno cesarista de Sidónio Pais, em 1917/1918.
O período de 1911-1918

Do texto originário da Constituição emergia um parlamentarismo de assembleia que


apenas se distinguia de um regime puro de assembleia porque a Constituição previa a
existência de um Presidente da República, pese que esvaziado de poderes.

O sistema parlamentar definia-se como de Assembleia porque a essência do poder político


residia num “Parlamento governante”.

O Presidente da República era eleito pelo Congresso, em sessão conjunta, por um mandato
de 4 anos, não podendo ser reeleito. As suas funções eram, essencialmente,
representativas, certificatórias e, residualmente, arbitrais. Não dispunha da faculdade de
dissolver as câmaras do Congresso nem de vetar as leis (nem sequer de requerer a
reapreciação).

Integrando, juntamente com o Ministério, o Poder Executivo, o Presidente da República


dispunha da faculdade de nomear os ministros, embora esse poder não fosse,
propriamente, livre, pois, na prática, chamava e consultava os líderes dos partidos
representados no Congresso. O Presidente do Ministério respondia sobre a política geral
sendo um primus inter pares entre os ministros. O mesmo titular era indigitado pelo
Presidente, formava Governo e, se fosse bem sucedido, aprovava uma declaração
ministerial. O Governo era, seguidamente, apresentado nas duas Câmaras do Congresso.

Tentativas de formar Governo fora do arco da confiança dos partidos não eram bem
sucedidas. O poder imenso do Parlamento abatia-se sobre o Governo, pois os Ministros
estavam vinculados a comparecer nas sessões do Congresso, estando os membros do
Executivo sujeitos a votos de confiança ou desconfiança das câmaras. O Governo só
subsistia se obtivesse a confiança das duas câmaras do Congresso, mas chegava a demitir-
se quando era colocado em minoria numa só câmara. Partidos da oposição obstruíam o
Ministério e quando não o logravam derrubar recorriam ao golpe de estado. Sucederam-
se múltiplos executivos frágeis com um partido dominante: o Partido democrata-radical de
Afonso Costa.

A estrutura do Congresso era bicameral, decompondo-se numa Câmara de Deputados e


num Senado.

A Câmara de Deputados era eleita por um mandato de 3 anos e o Senado por um


mandato de 6 anos. Os dois órgãos eram designados por sufrágio direto e capacitário (por
via de remissão legal, tendo a lei ordinária excluído a capacidade eleitoral ativa das
mulheres e analfabetos). As leis eram tramitadas nas duas câmaras, competindo
exclusivamente à Câmara de Deputados a iniciativa em matéria tributária, organização
militar e revisão da Constituição, sendo competência exclusiva do Senado,
nomeadamente, aprovar as propostas de designação dos governadores e comissários
para os territórios do Ultramar.

Na medida em que o Congresso tinha a faculdade de prorrogar as sessões legislativas, estas


funcionaram, por vezes, em permanência, tendo havido sete legislaturas. O Congresso era
o titular do poder legislativo mas podia delegar essa função no Governo.
O período de 1917-1918: o consulado sidonista

O novo poder, governando em ditadura, introduziu uma reforma à Constituição de 1911


que, no plano material, envolveu uma transição para uma Constituição materialmente
distinta, sobretudo no plano do sistema de governo.

O Presidente da República passou a ser eleito diretamente por sufrágio universal, entre
cidadãos do sexo masculino, e dispunha de competência para nomear e demitir os
ministros, sendo a cabeça do poder Executivo. No que respeita ao Congresso, alterou-se a
estrutura e composição do Senado concebido como câmara travão, composto por 49
senadores eleitos pelas províncias e 28 por seis categorias profissionais (envolvendo esta
componente da composição do órgão, um primeiro ensaio da instituição de uma câmara
corporativa). Este sistema presidencialista desmoronou-se em 1918. O Parlamento repôs a
velha Constituição em vigor.
O período 1919-1926: a agonia do parlamentarismo
A reposição em vigor do texto original da Constituição de 1911 intentou alcançar um
mínimo de governabilidade num sistema parlamentar caótico.
Através de duas revisões constitucionais, foi atribuída competência ao Presidente da
República para dissolver as Câmaras, quando o exigissem os “interesses da Pátria” e
mediante prévia consulta ao Conselho Parlamentar. Foi consagrada a dispensa de
referenda ministerial para a nomeação do Governo e prevista a delegação de poderes
legislativos aos órgãos das possessões ultramarinas. Estas alterações não lograram, contudo,
alterar o sistema político ou mitigar a instabilidade institucional e a degradação progressiva
do regime.
Direitos fundamentais

Ao princípio da igualdade foi conferida uma magnificação multidigitada, como pedra


angular do sistema. No plano das garantias foi abolida a pena de morte, reconhecido o
direito ao não pagamento de impostos inconstitucionais e a obrigatoriedade do ensino
primário.

A Constituição de 1911 assumiu uma natureza utilitária, não conferindo particular relevância
aos direitos sociais.
Revisão Constitucional e controlo de constitucionalidade

O Congresso assumia, de 10 em 10 anos, poderes para rever a Constituição, podendo


todavia, mediante deliberação por maioria de dois terços em sessão conjunta das
câmaras, antecipar de 5 anos a mesma revisão, sendo consagrado o princípio republicano
como limite material às alterações.

Introduziu-se o controlo difuso da constitucionalidade das leis e de outros diplomas


normativos pelos tribunais. As partes, num dado julgamento poderiam, por exceção,
invocar a referida inconstitucionalidade e o juiz teria competência para proceder à
desaplicação da norma sindicada ao caso concreto, se a estimasse como contrária à
Constituição.
O sistema, contudo, não funcionou e nenhuma norma foi julgada inconstitucional.
Vigência

A Constituição de 1911 vigorou acidentadamente durante quase 16 anos. No decurso


desse período sucederam-se 8 Presidentes da República e 44 Governos.

Em 1926, uma revolução militar de perfil autocrático, nacionalista e conservador derrubou


um regime ingovernável.

Capítulo II. As Constituição Sociais


A Constituição de 1933
Contexto histórico-político
No ano de 1933, com a aprovação de uma nova Constituição, o regime institucionalizou-
se: findava o ciclo da ditadura militar e iniciava-se o “Estado Novo”.
Forma de exercício do poder constituinte

A Constituição foi aprovada mediante um processo constituinte autocrático, através de


uma forma plebiscitária.
Fontes cognitivas

No plano das fontes constitucionais internas, a Carta Constitucional de 1826 e a


Constituição de 1911.

No plano das fontes externas, a Constituição de Weimar de 1919, a Constituição Imperial


alemã de 1871 e a Constituição italiana de 1848.
Organização do poder político
O sistema político de governo pode ser definido como um sistema de chanceler.

Tratava-se, originariamente, de um sistema “representativo” de chanceler, na medida em


que o Chefe de Estado era eleito por sufrágio direto.
O Presidente da República

O Presidente da República era eleito por sufrágio direto, por um mandato de 7 anos e
suscetibilidade de reeleição.

O Presidente representava a Nação e respondia, apenas, diante dela. Era o chefe supremo
das Forças Armadas, nomeava e demitia livremente o Presidente do Conselho de Ministros
e os restantes membros do Governo sob proposta deste, dissolvia livremente a Assembleia
Nacional, conferia ao Parlamento poderes constituintes extraordinários, promulgava e
vetava os atos legislativos dos órgãos de soberania (tendo o veto sobre as leis eficácia
suspensiva e, sobretudo os decretos-leis, eficácia absoluta). Muitos dos seus atos estavam,
numa lógica chanceleriana, sujeitos a referenda ministerial.
O Governo

O Governo era formado pelo Presidente do Conselho de Ministros, ministros, secretários e


subsecretários de Estado. O primeiro coordenava e dirigia a atividade dos restantes
membros do Executivo que respondiam politicamente perante ele. O Governo possuía um
forte acervo de poderes legislativos e poderes regulamentares, sendo o órgão de cúpula
da condução política do Estado e da superintendência da administração pública.
Dependia da confiança do Presidente, mas não da Assembleia Nacional. Raramente
reunia colegialmente e as decisões eram tomadas através de um consenso induzido pelo
Presidente do Conselho. Os diplomas eram aprovados, frequentemente, mediante a sua
circulação pelos Ministros.
O Parlamento

O Parlamento era composto por uma câmara política, a Assembleia Nacional e por uma
Câmara auxiliar, a Câmara Corporativa.
A Assembleia Nacional era composta por 90 deputados eleitos por sufrágio direto, por um
mandato de 4 anos. Vigiava pelo cumprimento da Constituição, exercia poderes de revisão
constitucional, acompanhava politicamente a atividade do Executivo e exercia a função
legislativa, resumindo-se, contudo, a aprovar, a par de algumas leis estruturantes de ordem
financeira e relativas ao Ultramar, as bases gerais dos regimes jurídicos (leis de grandes
princípios a desenvolver por decreto-lei do Governo). Funcionava durante um período
anual de 3 meses.

A Câmara Corporativa funcionava através de secções e representava os grupos de


interesse e natureza autárquica, universitária, administrativa, sindical, gremial, cultural e
económica. Era um órgão de consulta de alta qualidade técnica, dando parecer sobre as
leis mais importantes, do qual resultaram relevantes contributos de ordem prática.
Os tribunais

Tribunais “ordinários” e “especiais” exerciam a função jurisdicional no território


metropolitano e ultramarino e dispunham de competências para o controlo da
constitucionalidade. Os juízes, pese a sua nomeação governamental, detinham um
estatuto formal de independência, irresponsabilidade e inamovibilidade. Foram também
criados tribunais especiais, os “tribunais plenários” para julgar adversários do regime.
Direitos fundamentais

A Constituição de 1933 pode ser definida como uma Constituição programática, na


medida em que positivou um conjunto de direitos sociais, económicos e culturais em normas
não exequíveis por si próprias.
Organização ultramarina

A Constituição sofreu diversas alterações no plano da organização dos territórios


portugueses no Ultramar.

Tiveram especial relevo, o Ato Colonial e a revisão constitucional de 1971 a qual,


tardiamente, alargou o leque das competências das assembleias legislativas de territórios
ultramarinos. O regime instituiu um modelo de Estado Unitário regionalizado, para os
territórios africanos e asiáticos, sem que tivesse operado em relação a estes uma genuína
descentralização político-administrativa, num quadro de autonomia, a qual implicaria o
exercício de funções de autogoverno e de produção de normas próprias por
representantes das populações, democraticamente eleitos.

Revisão da Constituição e fiscalização da constitucionalidade

A Constituição de 1933 podia ser revista de 10 em 10 anos, podendo ser a revisão


antecipada em 5 anos mediante deliberação favorável de dois terços dos membros da
Assembleia Nacional, órgão competente para exercer essa atividade legislativa
qualificada.
Atribuía ao Chefe de Estado, ouvido o Conselho de Estado e mediante decreto assinado
por todos os ministros, a faculdade de cometer à Assembleia poderes extraordinários de
revisão, a todo o tempo, nas matérias ínsitas no mesmo decreto.

O sistema de fiscalização da constitucionalidade assumia caráter misto, com uma


componente jurisdicional e uma deslocada componente política.

A Assembleia Nacional, no quadro de uma fiscalização política verdadeiramente


incompreensível, dispunha da competência para declarar a inconstitucionalidade de
normas promulgadas pelo Presidente da República, viciadas por inconstitucionalidades
orgânicas e formais.

Autorizou-se a possibilidade de se concentrar num ou e mais tribunais o controlo de


constitucionalidade das normas, abrindo espaço para a criação de tribunais
constitucionais, o que nunca veio a suceder.

Previa-se mecanismos específicos de controlo de constitucionalidade das normas oriundas


do Ultramar.
Vigência

A Constituição de 1933 vigorou 41 anos e experimentou 9 leis de revisão constitucional,


nenhuma delas, decisiva para a alteração da fisionomia do regime ou da sua organização
territorial.

O regime corporativo foi derrubado com a Revolução de 25 de abril de 1974, sendo


abolida, gradualmente, a Constituição de 1933, entre os anos de 1974 e 1976.
A Constituição de 1976
Contexto histórico-político

Apenas com a revisão constitucional de 1982 o Estado Português transitou para um estatuto
de democracia plena que, contudo, nunca deixou de se ressentir de entorses criadas pelo
processo revolucionário e por um período oneroso e desnecessário de “pretorianismo
arbitral”, ocorrido entre 1976 e o mesmo ano de 1982.
Forma de exercício do poder constituinte

A forma de exercício do poder constituinte da Constituição de 1976 é usualmente


qualificada como democrática-representativa. Resultou da deliberação de uma
Assembleia Constituinte eleita por sufrágio universal e contou, apenas, com o voto
desfavorável do CDS.

Essa forma de expressão da democracia representativa constituinte foi depreciada por


formas de pressão e até de coação sobre os eleitores e sobre os próprios deputados
constituintes em níveis que turbaram o pluralismo inerentes a um processo plenamente
democrático.
De entre as referidas formas de constrangimento da liberdade democrática cumpre
destacar:
 O clima anómalo em que decorreu o processo eleitoral;
 Intervenção do poder militar no ato eleitoral;
 Assinatura forçada por dois Pactos MFA/Partidos;

 Influência de volátil e tensa conjuntura político-militar nos trabalhos da constituinte,


ameaça de encerramento ou suspensão dos trabalhos, cerco da Assembleia por multidões
afetas aos aliados radicais do poder revolucionário e fuga dos dirigentes dos partidos
democráticos para o Porto após um rumor da iminência de um golpe de estado comunista
e de extrema-esquerda em Lisboa;
 Declaração do estado de sítio durante os trabalhos da constituinte.

Fontes cognitivas
No plano interno, a Carta Constitucional, a Constituição de 1911 e a Constituição de 1933.
A nível externo, a Constituição francesa de 1958, italiana de 1947 e alemã de 1949. Também
constituições de países comunistas do Leste europeu e de regimes revolucionários do norte
de África e América Latina. Além disso, a Constituição comunista de Jugoslávia.

Foi uma Constituição compromissória entre as opções da vanguarda militar, as correntes


comunistas e socialistas que configuraram o modelo económico e social e as correntes
socialistas e sociais-democratas que esculpiram o modelo de Estado de direito.

Sistema político
Foi instituído, no quadro de um modelo de Estado social de Direito assente numa
democracia representativa, um sistema político de governo semipresidencialista que, com
o tempo e a prática política, fez acentuar oscilantemente o seu pendor, ora parlamentar,
ora governativo.

Regista-se a dupla dependência do Governo: perante um Presidente da República eleito


por sufrágio universal que, a par do seu poder de veto, pode demitir o primeiro se estiver
em causa o regular funcionamento das instituições democráticas e diante de uma
Assembleia da República também eleita por sufrágio universal que pode demitir o Executivo
mediante a reprovação do Programa de Governo, aprovação de uma moção de censura
por maioria absoluta dos deputados efetivos e reprovação de moção de confiança.
A par da democracia representativa e participativa foi criado, igualmente, o instituto do
referendo.

Dispondo de maioria absoluta no Parlamento, o Governo afirma-se como a instituição


liderante.
Direitos fundamentais

A Constituição consagra um volume copioso de direitos sociais em normas programáticas.


Este facto associado às tarefas e mandatos que a Constituição comete ao Estado no plano
económico, social, cultural e ambiental, convertem a Constituição portuguesa numa
Constituição programática com caráter prolixo.
Organização territorial

A República foi definida como um Estado Unitário, municipalizado e com uma


regionalização político-administrativa periférica para os arquipélagos da Madeira e dos
Açores. A regionalização administrativa para o território continental foi programada, mas
acabou rejeitada, em referendo realizado em 1998.
Revisão constitucional e sistema de controlo da constitucionalidade

A Constituição pode ser revista quinquenalmente mediante deliberação favorável de 2/3


dos deputados efetivos e no respeito de limites materiais. A Assembleia da República pode,
ainda, assim, assumir poderes de revisão extraordinária.

Foi criado, com a 1ª revisão constitucional, em 1982, um Tribunal Constitucional que opera
no contexto de um sistema misto de controlo da constitucionalidade: a fiscalização
concreta (alargada a todo os tribunais, com recurso possível ou necessário para o Tribunal
Constitucional) e a fiscalização abstrata (preventiva, sucessiva e por omissão) que é
tramitada em via direta para o Tribunal Constitucional mediante pedidos formulados por
órgãos e titulares de órgãos constitucionais.

Vigência

A Constituição vigora desde 1976, tendo experimentado sete revisões constitucionais:


quatro revisões ordinárias (1982, 1989, 1997 e 2004) e três extraordinárias (1991, 2001 e 2005).
As revisões mais relevantes consistiram na 1ª revisão de 1982 e a 2ª revisão de 1989.

As revisões de 1991, 2011 e 2004 tiveram igualmente relevância na medida em que


ajustaram a ordem jurídica portuguesa à Comunidade Europeia, a instâncias jurisdicionais
internacionais e a exigências de combate a formas de criminalidade transnacional.

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