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Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuição de Boltzmann

MÓDULO 1 - AULA 6

Aula 6 - Sistemas com T constante: a


distribuição de Boltzmann

Meta
Descrever estatiscamente o equilı́brio térmico com um reservatório a
temperatura constante e estabeler a conexão com a Termodinâmica através
da definição da função de partição.

Objetivos
Ao fim desta Aula você deverá ser capaz de:

1. calcular a probabilidade de ocorrência de um determinado micro ou


macroestado, quando a temperatura é mantida constante;

2. calcular a função de partição;

3. utilizar a função de partição para obter informações sobre a termodinâmica


do sistema e

4. demonstrar o princı́pio da equipartição da energia.

Pré-requisitos
Para o melhor entendimento desta aula você deve rever algumas aulas
de Fı́sica 2A revisando os conceitos de energia interna (Aula 8), calor es-
pecı́fico (Aula 9) e Primeira Lei da Termodinâmica (Aula 10).

Introdução
O equilı́brio térmico tratado até agora considerava que a energia to-
tal ficava constante. Como no caso da troca de calor entre corpos dentro
de um calorı́metro, neste caso não temos controle sobre a temperatura final
de equilı́brio, ela é uma consequência da escolha feita para os materiais que
compõem os corpos envolvidos, suas massas e temperaturas iniciais. Através

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da descrição microscópica, vimos que a temperatura de equilı́brio, ou a ener-


gia final de cada corpo, pode ser determinada pelo cálculo da multiplicidade
da configuração de troca de energia mais provável. Vimos também que, no
limite termodinâmico, a configuração mais provável domina completamente,
sendo desprezı́vel a probabilidade de encontrar o sistema em qualquer outra
configuração. Dizemos, neste caso, que observamos o equilı́brio num sistema
em que a energia foi controlada e a temperatura foi deixada livre para flutuar.
Verificamos que essas flutuações tornam-se muito pequenas à medida que o
tamanho do sistema aumenta, fazendo com que a temperatura de equilı́brio
seja bem definida. Do ponto de vista experimental o controle da temperatura
é mais conveniente em inúmeras situações. Mesmo em nossa vida do dia a
dia temos fácil acesso à temperatura de uma forma geral, seja a temperatura
do ambiente ou a de alguém com suspeita de febre. O comportamento de
sistemas em função da temperatura é algo que sempre se deseja conhecer,
por isso existem equipamentos projetados para o controle da temperatura
de um sistema, permitindo um estudo de suas propriedades em função da
temperatura. Assim, vamos buscar uma descrição estatı́stica sob esse ponto
de vista.
Repetimos o procedimento da Aula 4, ou seja, consideramos um sis-
tema combinado, com duas partes identificáveis, isolado do meio externo.
A diferença agora é que uma das partes é muito maior que a outra, e será
chamada reservatório. A figura 6.1 mostra uma representação dessa con-
figuração. A parte menor receberá o nome de sistema simplesmente, e é nela
que estamos interessados. A energia total, E0, é mantida constante, e depois
que o equilı́brio térmico foi atingido, temos que a energia do sistema é ε e a
do reservatório, E0 − ε. As perguntas agora são: Como determinar a ener-
gia do sistema depois que o equilı́brio térmico for atingido? Já que estamos
controlando a temperatura, em que condições a energia será uma grandeza
bem definida, ou seja, em que circunstâncias as flutuações de energia serão
desprezı́veis?

A distribuição de Boltzmann

Assim como no caso do equilı́brio térmico descrito na Aula 4, devemos


admitir todos os possı́veis valores para a energia do sistema. Um deles será
mais provável e, no limite termodinâmico, esperamos que corresponda ao
estado de equilı́brio. Começamos calculando a probabilidade Pj de que o
sistema esteja num determinado microestado dentro de todos os possı́veis,

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R S
e
E0- e

Figura 6.1: Um sistema S em contato com um reservatório térmico R. A


fronteira de S permite que haja troca de energia com o reservatório, e o
sistema combinado S + R está isolado do meio externo, sendo a energia
total, E0 , constante.

considerando todos os macroestados. Se o sistema está num microestado


j de energia ε, o reservatório estará no macroestado de energia E0 − ε e
multiplicidade gR (E0 − ε). Note que o microestado j pode ocorrer estando R
em qualquer um de seus microestados de energia E0 − ε. Seguindo a hipótese
fundamental de Boltzmann, de que no equilı́brio o sistema passeia por todos
os seu estados acessı́veis, passando o mesmo tempo em cada um deles, temos
que o tempo em que ele estará no microestado j será proporcional a gR , ou
seja, a probabilidade Pj será proporcional a gR . Se j é um microestado do
macroestado de energia ε, temos então

Pj (ε) = c gR (E0 − ε) , (6.1)

onde c é uma constante de proporcionalidade, a ser determinada por normal-


ização. Como estamos interessados no limite termodinâmico, estaremos li-
dando com valores de Pj que variam muito rapidamente dependendo do valor
de ε escolhido. Por isso é mais conveniente trabalhar com ln Pj = ln c + ln gR .
Continuamos, usando o fato do reservatório ser muito maior que o sistema,
significando que E0  ε, e de podemos expandir ln Pj em série, na forma

ln Pj (ε) = ln c + ln gR (E0 − ε)

∂ln gR
= ln c + ln gR (E0 ) − ε + O(ε2) . (6.2)
∂E E=E0
Vamos considerar apenas até o termo linear da expansão em série. Podemos
identificar SR = κ ln gR como a entropia do reservatório. Neste caso, usando
a definição (4.6) de temperatura, temos que
 
ε ε
ln Pj (ε) = ln C − ou Pj (ε) = C exp − , (6.3)
κTR κTR

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sendo TR a temperatura do reservatório, e C uma constante. Em princı́pio


c 6= C porque ao truncarmos a série, a normalização de Pj pode mudar.
Como no equilı́brio as temperaturas do sistema e do reservatório serão iguais,
podemos abolir o ı́ndice R adotado para a temperatura. A constante de
proporcionalidade deve ser determinada por normalização, somando-se as
probabilidades referentes a todos os microestados possı́veis para S,
X X  ε  1
Pj (εj ) = C exp − =1 ⇒ C=P ε
. (6.4)
j j
κT j exp − κT

Definimos então 
X εj 
Z≡ exp − (6.5)
j
κT

o que leva à definição de probabilidade para um dado microestado como


ε 
exp − κTj
Pj (ε) ≡ . (6.6)
Z
A função Z é chamada função de partição. As probabilidades definidas em
(6.6) compõem o que chamamos de distribuição de Boltzmann. Chamamos
ε 
de fator de Boltzmann a exp − κTj . A soma em (6.5) é sobre todos os mi-
croestados dos sistema, portanto teremos vários termos iguais (os g(ε) termos
que pertencem ao mesmo macroestado). Podemos agrupá-los e escrever Z
em termos de uma soma sobre os macroestados como
X  ε 
Z≡ g(ε) exp − . (6.7)
ε
κT

Com isso, a probabilidade de um determinado macroestado é


ε

g(ε) exp − κT
P (ε) ≡ (6.8)
Z
A Figura 6.2 mostra o comportamento do fator de Boltzmann em função
da energia e da temperatura, separadamente. No primeiro caso vemos que,
quanto mais baixa a temperatura, menor é a probabilidade de ocupação de
microestados de energia elevada. Se agora fixamos a energia do microes-
tado, vemos que microestados de energia elevada tem uma chance razoável
de ocupação apenas se aumentamos a temperatura.
Atividade 1
(Objetivo 1)
A diferença de energia entre estados eletrônicos é medida em eV, entre esta-
dos nucleares, em MeV= 106 eV, e entre estados subnucleares, em GeV= 109

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Figura 6.2: Comportamento do fator de Boltzmann em função da (a) energia,


em meV e (b) temperatura em K.

eV. A que temperaturas as excitações eletrônicas, nucleares e subnucleares


serão relevantes?
Resposta comentada
Se temos dois microestados com energias ε e ε + ∆, a distribuição de Boltz-
mann nos diz que a probabilidade relativa de ocupação deles é dada por
P (ε + ∆ε) exp[−β(ε + ∆ε)]
= = exp(−β∆ε) . (6.9)
P (ε) exp(−βε)
Assim, para um dado valor de ∆ε, quanto maior for a temperatura (menor
β), maior a probabilidade da partı́cula ocupar o microestado com energia
ε + ∆ε. De uma forma geral, dizemos que quando κT > ∆ε a ocupação do
microestado de energia ε + ∆ε torna-se relevante. Vamos, então, calcular
a temperatura T = ∆ε/κ acima da qual as excitações com energia ∆ε tem
chance razoável de ocorrer, para os processos dados.
1,6×10−19 J
estados eletrônicos: ∆ε = 1 eV → Te ≈ ≈ 104 K
1,4×10−23 J/K

estados nucleares: ∆ε = 106 eV → TN ≈ 1010 K

estados subnucleares (quarks): ∆ε = 106 eV → TQ ≈ 1013 K

Fim da atividade

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A expressão (6.8) é especialmente útil quando a energia é uma variável


contı́nua. Esse é o caso de sistemas clássicos, e de alguns sistemas quânticos,
no limite termodinâmico. Se ε é uma variável contı́nua, a soma é substituı́da
por uma integral na forma
Z  ε 
Z = exp − D(ε)dε , (6.10)
κT
onde D(ε) é o que chamamos densidade de estados, e D(ε)dε é a multiplici-
dade referente ao intervalo de energia ε → ε + dε.
Podemos usar (6.6) ou (6.8) para calcular os valores médios de grandezas.
Por exemplo, seja uma grandeza definida pela função f(ε), seu valor médio
é dado por P εj 
j f(ε j ) exp − κT
hfi ≡ , (6.11)
Z
ou P 
ε
ε f(ε)g(ε) exp − κT
hfi ≡ . (6.12)
Z

O efeito das flutuações


O efeito das flutuações de energia pode ser estudado pelo cálculo da
variância da distribuição de Boltzmann. Usando a definição (6.11) de valor
médio temos
P 2   P   2
Ej Ej
E
j j exp − κT
E
j j exp − κT
σE2 ≡ hE 2 i − hEi2 = −  . (6.13)
Z Z

A combinação 1/κT aparece tantas vezes nos cálculos de fı́sica estatı́stica,


que torna-se conveniente defini-la como uma variável. Usualmente usamos a
letra β para isso. Com essa definição, a função de partição fica escrita como
P
Z = j exp(−βE). Agora, note a seguinte igualdade:

∂Z X
=− E exp(−βE) . (6.14)
∂β j

Com ela podemos reescrever hEi e hE 2 i como


1 ∂Z 1 ∂ 2Z
hEi = − = Eint e hE 2 i = . (6.15)
Z ∂β Z ∂β 2
Assim,
 2  
1 ∂ 2Z 1 ∂Z ∂ 1 ∂Z ∂hEi ∂hEi
σE2 = − = =− = κT 2 . (6.16)
Z ∂β 2 Z ∂β ∂β Z ∂β ∂β ∂T

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hEi é o valor de energia observado macroscopicamente, chamado de energia


interna na Termodinâmica, ou Eint, se usamos a notação da disciplina Fı́sica
2A. Se medimos várias vezes a energia interna de um sistema macroscópico
em equilı́brio, mantido a uma temperatura constante, obtemos sempre o
mesmo valor. No entanto, ao associarmos a energia interna ao valor médio
da energia de um sistema, estamos admitindo que ele possa ter vários valores
de energia, tendo cada um a probabilidade P (E) de ocorrer, de acordo com
a expressão (6.8). Para que o valor observado de energia seja bem definido, é
necessário que σE /N seja um valor muito pequeno. Normalmente a energia
é escrita em função das variáveis extensivas, como por exemplo o volume.
Chamando de X a variável extensiva que foi mantida constante, temos que
a derivada da energia interna com relação à temperatura é CX (capacidade
térmica a X constante). Definindo o calor especı́fico cX como CX /N, temos
que
σE2 = κT 2 NcX , (6.17)
ou seja, a flutuação relativa dos valores de energia é

σE κT 2cX
= √ , (6.18)
N N
o que significa que, sendo cX finito, σE /N → 0 quando N → ∞, quer dizer,
a energia se torna bem definida no limite termodinâmico, embora tenha sido
permitido que assumisse qualquer valor.
Atividade 2
(Objetivos 1 e 2)
Um ziper tem N elos, cada um pode estar no estado fechado com energia
0, e aberto com energia . O ziper só pode ser aberto a partir do extremo
esquerdo, e o i-ésimo elo só pode estar aberto se os elos a sua esquerda estão
abertos.
(a) Mostre que a função de partição deste sistema pode ser somada para dar:

1 − exp[−β(N + 1)]
Z= (6.19)
1 − exp(−β)
PN N +1
Dica: Mostre que n=0 xn = 1−x 1−x
para x < 1.
(b) No limite   κT , calcule o número médio de elos abertos à temperatura
T.
Resposta comentada
(a) Os possı́veis valores de energia são: E = 0, ε, 2ε . . . Nε, ou seja, E =
nε, n = 0, 1 . . . N. Como o zı́per só pode ser aberto a partir do extremo

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esquerdo e o i-ésimo elo só pode estar aberto se os elos à sua esquerda também
estiverem, a multiplicidade do macroestado de energia E é g(E, N) = 1.
Escrevemos a função de partição:
N
X  nε  X N h  ε in
Z= exp − = exp − .
n=0
κT n=0
κT

Para realizar a soma, vamos seguir a dica. Começamos por mostrar que
P∞ n
n=0 x = 1/(1 − x) para x < 1. Note que


X
xn = 1 + x + x2 + x3 + . . . (6.20)
n=0

e ∞
X
x xn = x + x2 + x3 + . . . (6.21)
n=0

Subtraindo (6.21) de (6.20) temos


∞ ∞
X 1 X
(1 − x) xn = 1 + x + x2 + x3 + . . . − x − x2 − x3 . . . = 1 ⇒ xn =
n=0 n=0
1−x
(6.22)
Queremos uma expressão para a soma até N. Podemos obte-la se observamos
que
N
X ∞
X ∞
X ∞
X ∞
X
xn = xn − xn = xn − xN +1 xn
n=0 n=0 n=N +1 n=0 n=0
∞ N +1
N +1
X 1−x
= 1−x xn = (6.23)
n=0
1−x

ε

Assim, identificando x ≡ exp − κT temos
h i
1 − exp − (NκT
+1)ε

Z= ε
 (6.24)
1 − exp − κT

(b) Usamos a definição de média para um sistema à temperatura constante:


P∞ nε

n exp −
hni = n=0 κT
(6.25)
Z
ε

Quando ε  κT temos que x ≡ exp − κT é um número muito pequeno, tal
2 3
que x  x  x e assim por diante. Nesta aproximação temos

X
nxn = 0 + x + 2x2 + 3x3 + . . . ≈ x (6.26)
n=0

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e
1 − xN +1 1
Z= ≈ ≈ (1 + x) , (6.27)
1−x 1−x
onde usamos a aproximação (1 + x)m ≈ 1 + mx válida para x  1. Logo
ε

x exp − κT
hni ≈ = ε

1+x 1 + exp − κT

Conexão com a Termodinâmica


Assim como na discussão do equilı́brio térmico feita na Aula 5, o fato
de termos a variável livre assumindo valores termodinâmicos bem definidos
quando N → ∞, está relacionado com a existência de um termo predomi-
nante em (6.7). A multiplicidade é sempre uma função crescente da energia,
e o fator de Boltzmann decresce com o aumento da energia, o produto de
funções com esses comportamentos acaba gerando uma função que apresenta
um pico. Assim, quando escrevemos Z na forma (6.7) temos a certeza de que
existe um termo máximo, ou dominante. Este comportamento será acentu-
ado quando fizermos N → ∞. Vamos considerar que, nesse limite, a soma
em Z possa ser substituı́da pelo maior termo apenas. Se usamos a definição
de entropia em função da multiplicidade, podemos escrever g(E) = exp(S/κ)
e
X
Z= exp [−β(E − T S)] . (6.28)
E

Para um dado valor de temperatura, o maior termo do somatório (termo


dominante) corresponde ao que tem o menor valor de E − T S. Considerando
que quando N → ∞ este è o ùnico termo importante, temos

lim Z = exp [−β min(E − T S)] . (6.29)


N →∞

Definimos a função F tal que

F ≡ lim −κT ln Z = min(E − T S) . (6.30)


N →∞

Com essa definição a função de partição, no limite termodinâmico, pode ser


escrita como
Z = exp(−βF ) . (6.31)

Aqui podemos fazer as seguintes identificações, válidas apenas no limite


termodinâmico: E → hEi = Eint. Esse procedimento é possı́vel pelo fato de
σE /N → 0 no limite termodinâmico, como acabamos de ver. Com essa
substituição concluı́mos que, no limite termodinâmico, a configuração de

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troca de energia mais provável, que corresponde ao termo dominante da


função de partição, é aquela que minimiza a quantidade F = Eint −T S. Note
que à medida que T é fixa, F é diminuı́do se Eint diminui, ou se S aumenta.
A grosso modo, quando T for baixa, o termo T S é pouco importante, e o
critério de diminuição de energia será predominante. Um caso extremo é
o em que T = 0, onde apenas a minimização da energia define o equilı́brio.
Esta é exatamente a situação dos sistemas regidos pela Mecânica (clássica ou
quântica). Por outro lado, se a temperatura é alta o suficiente, a maximização
da entropia será o principal critério. De uma forma geral, o comportamento
térmico dos sistemas é regido pela competição entre minização de energia e
maximização de entropia.
A função F (X, T, N) define o que chamamos energia livre de Helm-
holtz. A estrutura da Termodinâmica está baseada na definição de energias
livres, ou potenciais termodinâmicos, adequados a situações que refletem a
realidade experimental. Existem outras energias livres definidas para os casos
em que outras variáveis de estado são mantidas sob controle. O estudo dessa
interessantı́ssima estrutura matemática está fora do escopo desta disciplina.
Se você tem interesse, sugiro que consulte a leitura complementar indicada
no final desta aula.

Interpretação estatı́stica da Primeira Lei da Termodinâmica

Vamos considerar um sistema hipotético, bem simples. Temos N = 10


partı́culas que podem ocupar 4 nı́veis de energia não degenerados, com ener-
gias ε1 . . . ε4, como indicado na figura 6.3. Se T = 0, não havendo restrição
para a ocupação dos nı́veis, o critério de minimização de energia leva ao es-
tado fundamental onde E = Nε1 . Para T 6= 0 a probabilidade de ocupação
dos nı́veis superiores aumenta. Observando a expressões (6.6) e (6.8) e a
figura 6.2 vemos que o aumento da temperatura faz com que a probabilidade
de ocupação dos nı́veis de energia mais elevada aumente. Numa dada tem-
P
peratura, podemos escrever a energia total do sistema como E = 4i=1 ηi εi .
As variáveis ηi definem o que chamamos de ocupações, elas dão o número de
partı́culas em cada nı́vel de energia. No caso da figura 6.3(b) temos η1 = 5,
η2 = 3, η3 = 0, η4 = 2. Podemos obter valores diferentes de E se variamos as
ocupações ηi , ou se variamos os valores dos εi . O primeiro caso está ilustrado
nas figuras 6.3(b) e (c). Em geral teremos os nı́veis de energia dependendo de
uma variável extensiva X, como o volume. Se X é variado, mantendo fixas
as ocupações, os valores dos εi mudam e a energia total do sistema varia

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(a) T=0 (b) T1 > 0


e4 e4
e3 e3
e2 e2
e1 e1

(d) T3
(c) T2 > T1 e4
e4 e3
e3
e2
e2
e1 e1

Figura 6.3: Representação gráfica da ocupação de nı́veis de energia. (a)T =


0, prevalece o critério energético, todas as partı́culas tem a menor energia
possı́vel. (b) Numa temperatura T1 > 0 nı́veis de energia mais elevada pas-
sam a ser ocupados. (c) O sistema recebeu calor, com relação à configuração
(b). A energia aumenta porque algumas partı́culas foram promovidas a nı́veis
mais elevados. (d) Com relação a (b), esta configuração teve a energia au-
mentada pelo aumento de ocupação de nı́veis mais elevados e pelo aumento
no valor das energias dos nı́veis. Com relação a (c), o aumento de energia se
deveu apenas ao aumento dos valores de εi , já que as ocupações permanece-
ram constantes.

(veja a figura 6.3(d)). Essas duas contribuições podem ser identificadas se


calculamos a variação total de energia. Temos

4
X 4
X
E= ηi εi ⇒ dE = (εi dηi + ηi dεi ) (6.32)
i=1 i=1

No primeiro termo de dE a variação das ocupações leva a um aumento na


multiplicidade do macroestado ou, do ponto de vista termodinâmico, um
aumento de entropia, causado por troca de calor. O segundo termo resultou
da variação de X, ou seja, corresponde à realização de trabalho. Assim
no limite termodinâmico, temos dE = d0 Q + d0W , que nada mais é que a
Primeira Lei da Termodinâmica.

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O princı́pio da equipartição de energia


Um dos resultados mais interessantes da distribuição de Boltzmann é
sem dúvida o princı́pio da equipartição de energia. Embora seja válido ape-
nas nos regimes de temperatura alta, sua simplicidade reflete exatamente o
espı́rito que permeia a fı́sica de um modo geral, de isolar apenas o que é
fundamental em um sistema. Como visto na Aula 8 de Fı́sica 2A, no lim-
ite termodinâmico, em sistemas regidos pela Mecânica Clássica, cada termo
quadrático de energia contribui com κT /2 para a energia interna do sistema.
Agora podemos calcular esse resultado.
Suponha um sistema com N partı́culas, cuja energia seja dada por
N X̀
X
E= ai,j α2i,j . (6.33)
i=1 j=1

Definimos ` como o número de termos independentes, ou número de graus


de liberdade. Os ai,j são coeficientes, e αi,j são variáveis que definem o mi-
croestado do sistema. Por exemplo, num gás com N moléculas de massa m,
a energia cinética total é
N  
X 1 2 1 2 1 2
E= mvi,x + mvi,y + mvi,z (6.34)
i=1
2 2 2

sendo a velocidade da i-ésima molécula dada por ~vi = vi,x x̂ + vi,y ŷ + vi,z ẑ.
Neste caso identificamos ` = 3 (temos 3 termos de energia cinética, referentes
ao movimento ao longo dos 3 eixos), α1 = vx, α2 = vy , α3 = vz e a = m/2
para todas as partı́culas e graus de liberdade.
Sendo um sistema clássico, as variáveis αi,j são contı́nuas, portanto, a
função de partição é dada por
Z Z Z " N
!#
X X̀
ZN = dα1,1 dα1,2 . . . dαN,` exp −β ai,j α2i,j (6.35)
i=1 j=1

ZN pode ser escrita como


 
N Z
!
Y  X̀ 
ZN =  dαi,1 . . . dαi,` exp −β a i,j α2  = (Z1 )N . (6.36)
 i,j 
i=1  j=1 
| {z }
≡Z1

Na equação acima escrevemos a função de partição de N partı́culas (ZN )


em termos da função de partição para uma partı́cula (Z1 ). Isso foi possı́vel

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porque a energia total pode ser escrita como a soma das energias de cada
partı́cula individual. Assim, ficamos reduzidos ao cálculo de Z1 . Podemos
simplificar ainda mais o problema se notamos que
Ỳ Z +∞ r  `/2
2
 Ỳ π π
Z1 = dαj exp −βaj αj = = . (6.37)
j=1 −∞ j=1
βaj βaj

Assim, obtemos
 N `/2
π
ZN = , (6.38)
βaj
onde usamos a equação (). Usando a equação (6.15) podemos calcular a
energia interna
1 ∂Z N` κT
Eint = − = = N` . (6.39)
Z ∂β 2β 2
Atividade 3
(Objetivo 4)
Examine as expressões para as contribuições de rotação e vibração da molécula
diatômica, na Aula 8 de Fı́sica 2A, compare-as com a expressão (6.33) iden-
tificando o valor de `, coeficientes ai,j e variáveis αi,j .
Resposta comentada
A energia interna referente apenas à rotação da molécula diatômica é
N
X 1 1
Erot = Ixiωx2 + Iyi ωy2
i=1
2 2
N X2
X 1
= Iji ωj2 j = x, y ,
i=1 j=1
2

onde Ixi e Iyi são os momentos de inércia com relação a dois eixos perpen-
diculares ao eixo molecular, e ωx e ωy são as velocidades angulares referentes
à rotação em torno desses eixos. Imediatamente identificamos: ` = 2 e
αij = Ii,j /2, levando a Erot = NκT .
Quanto à vibração temos duas contribuições: uma da energia elástica
e outra de energia cinética de vibração. Sendo x0 a separação de equilı́brio
entre os dois átomos na molécula, e vR a velocidade relativa entre eles ao
longo do eixo interatômico, temos
N
X 1 1
Evib = mω 2(x − x0)2 + mvR2 .
i=1
2 2

Temos assim dois graus de liberdade (` = 2) e os coeficientes relacionados a


eles são α1 = 12 ω 2 e α2 = 12 m. Finalmente, Evib = NκT .

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Conclusão

Tendo a temperatura regulada por um reservatório térmico, um sis-


tema macroscópico encontra seu equilı́brio na configuração que minimiza
F = Eint − T S. Essa configuração representa a competição entre duas
tendências: maximizar a entropia e minimizar a energia, a primeira sendo
mais importante no regime de temperatura alta e a segundo no de temper-
atura baixa.
O conhecimento do comportamento térmico de um sistema com a tem-
peratura controlada pode ser feito a partir da função de partição, que é uma
soma sobre todos os possı́veis microestados do sistema. Nesse procedimento
admitimos que os sistema esteja em qualquer microestado, atribuindo a ele
uma probabilidade que depende da temperatura e da energia do microes-
tado. É fundamental que fique claro que, só depois de aplicado o limite
termodinâmico, poderemos realizar a conexão com a termodinâmica, já que,
apenas nesse caso, o estado final de energia fica bem definido.
Um ponto muito importante, e que nem sempre fica claro, é que pode-
mos escolher fixar a energia ou a temperatura. O comportamento obser-
vado macroscopicamente não depende de que abordagem estatı́stica usamos.
Podemos escolher a que for mais conveniente em cada problema que fomos
resolver. O que garante a equivalência entre as diferentes abordagens é o
limite termodinâmico.

Resumo
Nesta aula você aprendeu a trabalhar com sistemas mantidos a uma
temperatura fixa a partir da probabilidade de ocorrência de micro e macroes-
tados, conhecida como distribuição de Boltzmann. O ponto de partida é a
expressão da energia total das N partı́culas, em geral, vinda da Mecânica
Quântica. A normalização dessa distribuição leva à definição de uma grandeza
de extrema importaância na Fı́sica Estat´stica, a função de partição Z (vejas
as equações (6.6) e (6.8). , A partir de derivadas de Z toda a Termodinâmica
do sistema pode ser derivada, se tomamos o limite termodinâmico.
Nesta abordagem admitimos que o sistema visite todos os seus mi-
croestados que agora pertencem a diferentes macroestados. No limite ter-
modinâmico, o macroestado mais provável também é aquele que minimiza a
energia livre de Helmholtz, definida como F = E − T S. A minimização de
F envolve tanto a minimização da energia como a maximização da entropia,

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Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuição de Boltzmann
MÓDULO 1 - AULA 6

podendo um efeito ser dominante em relação ao outro, dependendo da tem-


peratura. Como aplicação da distribuição de Boltzmann calculamos o valor
médio da energia num sistema genérico, com graus de liberdade quadráticos
e verificamos o princı́pio da equipartição de energia. A partir da definição
estatı́stica da entropia pudemos calcular a probabilidade de que um de ter-
minado microestado ocorra, dado um certo valor de temperatura. Da nor-
malização dessa probabilidade vem a definição da grandeza central da Fı́sica
Estatı́stica: a função partição. Nela está toda a informação estatı́stica do
sistema e é o ponto de partida para todas as relações termodinâmicas do
sistema.

Informações sobre a próxima aula


Na próxima aula você vai estudar a termodinâmica do sistema param-
agnético uniaxial, do pontro de vista da distribuição de Boltzmann.

Leitura complementar
S. R. A. Salinas, Introdução à Fı́sica Estatı́stica, primeira edição São
Paulo, EDUSP, 1997, capı́tulo 5.

Atividade Final (Objetivos 1-3)


Considere um sistema que pode ser encontrado em dois estados, um
com energia 0 e outro com energia ε. A energia total de N partı́culas pode
ser escrita em termos das ocupações ηi como
N
X
E= ηi ε ,
i=1

onde ηi = 0, 1.

(a). Como podem ser identificados os macro e microestados das N partı́culas?

(b). Calcule a função de partição do sistema.

(c). Calcule a energia interna a partir da função de partição.

(d). Escreva a expressão para a energia livre de Helmoltz total.

(e). A partir da energia livre, calcule a entropia do sistema.

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Aula 6 - Sistemas com T constante: a distribuição de Boltzmann
Física Estatística e
Matéria Condensada

Resposta comentada

(a). Um macroestado de N partı́culas corresponde a um dado valor de E.


Para cada E temos várias possibilidades de escolha para os valores de
η. Cada conjunto{η1, η2 , . . . ηN } define um microestado.

(b). Somar sobre os microestados significa somar sobre todas as possibili-


dades de escolha para os valores dos ηi . Formalmente temos
N
!
XX X X
ZN = ... exp −β ηi ε
η1 η2 ηN i=1
XX X
= ... exp (−βη1ε) exp (−βη2ε) . . . exp (−βηN ε)
η1 η2 ηN
X X X
= exp (−βη1ε) exp (−βη2ε) . . . exp (−βηN ε)
η1 η2 ηN
" #N
X
= exp (−βηε)
η

= [1 + exp(−βε)]N

(c). Podemos usar a expressão (6.15) para calcular a energia interna

1 ∂Z 1
Eint = − = − N [1 + exp(−βε)]N −1 (−ε) exp(−βε)
Z ∂β Z
Nε exp(−βε)
= .
[1 + exp(−βε)]

(d). A energia livre de Helmholtz é dada por F = −κT ln ZN . Assim,

F = −NκT ln [1 + exp(−βε)]

(e). Sabemos que F = Eint − T S, ou S = (Eint − F )/T . Assim, basta


substituir as expressões para Eint e F .

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