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Temas extraídos da obra

de Chiara Lubich e de
outros autores
“Quando duas almas se encontram são dois
céus que se unem”

“Nada de mais organizado do que aquilo que o


amor ordena e nada de mais livre do que o
que o amor une”

Chiara Lubich
SUMÁRIO

1. O sacramento do matrimônio 01
2. A arte de amar 05
3. A comunicação no matrimônio 07
4. Convivência a dois 10
5. A diversidade – respeito mútuo – relacionamento com
a família de origem 13
6. Perdoar é renovar o amor 17
7. O sacramento do matrimônio: a graça plenifica a natureza 19
8. A dor e as dificuldades na família têm um nome 23
9. A família é o futuro 25
10. A evangelização dos filhos 29
11. Ícone do casal cristão 35
SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO
Tema Feito por Álvaro e Fátima às Famílias de Campina Grande

O MATRIMÔNIO NO DESÍGNIO DE DEUS

Vem de Deus e estava nos seus planos desde a criação.


A Sagrada Escritura começa pela criação do homem e da mulher à imagem e
semelhança de Deus (Gen 1, 26-27) e acaba pela visão das “núpcias do Cordeiro” (Ap
1, 7-9).

O MATRIMÔNIO É UMA VOCAÇÃO


Os cônjuges são chamados por Deus.
A vocação para o matrimônio está escrita na própria natureza do homem e da
mulher, conforme saíram da mão do Criador. Que o homem e a mulher tenham sido
criados um para o outro a Sagrada Escritura o afirma: “Não é bom que o homem esteja
só ... por isso o homem deixa seu pai e sua mãe, se une à sua mulher, e eles se tornam
uma só carne” (Gn 2,24). O amor conjugal é importante. É uma situação privilegiada na
qual Deus se manifesta e se revela. Sem essa situação, Deus careceria de um modo
importantíssimo de se manifestar. Ninguém se casa em proveito próprio, ou dos futuros
filhos, mas sim, principalmente de Deus, para por à sua disposição a própria vida a dois,
para que Deus comunique o seu Amor.

CONCEITO SEGUNDO O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA (CIC)

“A aliança matrimonial, entre batizados, pelo qual o homem e a mulher


constituem entre si a comunhão íntima por toda a vida, ordenada por sua índole
natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole, foi elevada por
Cristo como Senhor, à dignidade de sacramento” (CIC, cân. 1055, § 1).
Do texto acima podemos tirar algumas chaves de leitura ou palavras chaves:

a) Aliança (representada pelo anel que se coloca no dedo anular da mão


esquerda, perto do coração) remete a pessoas, em pé de igualdade, que se
colocam de acordo, assumindo um compromisso perante outra que está
indicado nas palavras ditas na cerimônia:
“Eu te prometo ser fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença,
amando-te e respeitando-te todos os dias de minha vida”.

b) Entre batizados, isto é, a aliança deve ser realizada entre pessoas que já
participam da comunidade eclesial pelo batismo e que tenham um
amadurecimento na fé, que possuam uma vida nova que deve vivenciar na
família e na comunidade. A aliança é realizada entre pessoas que têm uma
nova maneira de viver e colocar em prática o compromisso cristão;

c) Feito entre um homem e uma mulher. A diferença sexual indica o


complemento e fundamenta a união, portanto não podemos chamar de
Matrimônio a qualquer outro tipo de relacionamento, como por exemplo,
entre os homossexuais.

d) Comunhão íntima. O amor, que se alimenta e se exprime no encontro do


homem e da mulher, é dom de Deus; é, por isso, força positiva, orientada à
sua maturação enquanto pessoas. A sexualidade, portanto, não é qualquer
coisa de puramente biológico, mas refere-se antes ao núcleo íntimo da
pessoa. O uso da sexualidade como doação física tem a sua verdade e
atinge o seu pleno significado quando é expressão da doação pessoal do
homem e da mulher até à morte. A sexualidade não é apenas o exercício do
ato sexual, mas possui três dimensões: a corporeidade, a reciprocidade e a
transcendência.

Corporeidade é a parte da personalidade (do ser pessoa de cada um) que


revela o homem. É através do seu corpo que a pessoa se dá a conhecer aos
outros, o que exige respeito pelo próprio corpo e pelo corpo dos outros.

Reciprocidade é o amor mútuo: que vai e volta. Somos imagem de Deus,


como indivíduos quando nos relacionamos com o outro. Esta relação divino-
humana nos torna semelhantes à Trindade: três pessoas em uma só, isto é,
unidas. Os sexos são semelhantes para se entenderem e diferentes para se
complementarem.

Transcendência é a dimensão espiritual da sexualidade, o relacionamento com


Deus.

e) Por toda a vida, isto é, em plenitude como em tempo. Aqui a Igreja


afirma a indissolubilidade do matrimônio.

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f) Para o bem dos cônjuges. Os sacramentos existem para nossa paz.

g) Para a procriação e educação da prole . Dando a vida, os pais cooperam


com o poder criador de Deus e recebem o dom de uma nova
responsabilidade: a responsabilidade não só de alimentar e satisfazer as
necessidades materiais e culturais dos seus filhos, mas sobretudo de lhes
transmitir a verdade da fé vivida e de os educar no amor de Deus e do
próximo. Tal é o seu primeiro dever no seio da « igreja doméstica ».

VAMOS CONCLUIR COM TERTULIANO, Ux., 2,9

“Onde poderei haurir a força para descrever satisfatoriamente a felicidade do


Matrimônio administrado pela Igreja, confirmado pela doação mútua, selado
pela bênção? Os anjos o proclamam, o Pai celeste o ratifica ... O casal ideal
não é o de dois cristãos, unidos por uma única esperança, um único desejo,
uma única disciplina, o mesmo serviço? Ambos os filhos de um mesmo Pai,
servos de um mesmo Senhor. Nada pode separa-los, nem no espírito nem na
carne; ao contrário, eles são verdadeiramente dois numa só carne. Onde a
carne é uma só, um também é o espírito.”

RESUMO DE APOIO
1. O MATRIMÔNIO NO DESÍGNIO DE DEUS
Vem de Deus e estava nos seus planos desde a criação.

2. O MATRIMÔNIO É UMA VOCAÇÃO


Os cônjuges são chamados por Deus.

3. CONCEITO SEGUNDO O CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA (CIC)


“A aliança matrimonial, entre batizados, pelo qual o homem e a mulher
constituem entre si a comunhão íntima por toda a vida, ordenada por sua índole
natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole, foi elevada por
Cristo como Senhor, à dignidade de sacramento” (CIC, cân. 1055, § 1).
4. O MATRIMÔNIO É UM SACRAMENTO
No sacramento do matrimônio qual é a realidade sinal? É a própria realidade
do amor conjugal. O amor conjugal é sinal do amor redentor de Jesus Cristo, na
pluralidade das suas dimensões. Eis o que diz o Santo Padre: “O amor conjugal
comporta uma totalidade na qual entram todas as componentes da pessoa: chamamento
do corpo e do instinto, força do sentimento e da afetividade, aspiração do espírito e da
vontade. O amor conjugal tem, por fim, uma unidade profundamente pessoal, aquela
que, para além da união numa só carne, conduz a um só coração e a uma só alma”
(Familiaris Consortio)

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5. É UM SACRAMENTO DE CELEBRAÇÃO CONTÍNUA
Sendo um sacramento de celebração contínua, ajuda os esposos cristãos a dar à
sua vida conjugal uma dimensão de celebração e louvor. Voltemos a ler a Familiaris
Consortio: “O matrimônio cristão, como todos os sacramentos que estão ordenados à
santificação dos homens, à edificação do Corpo de Cristo e a prestar culto a Deus é,
em si mesmo, um ato litúrgico de louvor a Deus, em Jesus Cristo e na Igreja:
celebrando-o, os esposos cristãos professam a sua gratidão a Deus pelo dom sublime
que lhe foi dado de poder reviver na sua existência conjugal e familiar, o mesmo amor
de Deus pelos homens e de Cristo pela sua esposa”
6. AS GRAÇAS PRÓPRIAS DO SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO
A família, a partir da graça do sacramento, torna-se realmente, uma “igreja
doméstica”.
A graça própria do sacramento do matrimônio é o caminho de santidade dos
esposos. Mais concretamente, a graça específica do sacramento é o aprofundamento da
comunhão conjugal, como autêntica vivência da caridade e participação no amor com
que Cristo ama a Igreja. Outro aspecto da graça própria deste sacramento é a sua
fecundidade eclesial, ou seja, na edificação da Igreja como mistério de comunhão e
esposa de Cristo. Há,ainda, uma fecundidade apostólica que leva os esposos a abrirem-
se para outras famílias.

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A ARTE DE AMAR

Penso que alguma vez na nossa vida nos fizemos a pergunta: Mas, o que
quer dizer amar? Como se faz?
Tenho esta forte impressão: o Espírito Santo, através deste Movimento,
ensina a arte de amar.
Deus é Amor e quer que nós sejamos amor.
Como fazer?
Primeiro: devemos amar cada próximo como a nós mesmos. Este
“como” é fora de série, porque pode desencadear a revolução cristã. Quem ama o
próximo como a si mesmo, descobre que o outro é ele, ele é o outro. O outro sou
eu. Quero amá-lo como a mim mesmo: ele tem fome? Sou eu que tenho fome.
Tem sede? Eu tenho sede. Necessita de conselho? Sou eu que necessito.
Amando assim, vi por experiência que as pessoas não ficam Indiferentes,
começam a abrir os olhos e a dizer: “Mas o que lhe aconteceu?” Porque no mundo
se ama por interesse, por amizade, porque somos amados. Mas, não se ama aos
outros como a si mesmo com o desinteresse que o amor de Deus requer. E as
pessoas perguntam: “Mas, por que você age assim?” “Por quê?” E, então, quase
sempre se pode explicar: “Porque está escrito: ama o próximo como..”. Só que
não se deve subestimar este “como”.
E muitos dizem: “Também quero experimentar”. E amando, o amor
depois toma-se recíproco porque todos amam. E se desencadeia a revolução cristã,
pois se todos amam, amando-se reciprocamente, testemunham ao mundo que
Deus existe. Jesus disse: “Que sejam um a fim de que o mundo creia”.
Portanto, a primeira coisa a fazer para aprender a arte de amar é amar
como a si mesmo, sempre, como a si mesmo: eu sou o outro.
A segunda coisa é amar a todos. Geralmente, se ama aquele porque é
simpático e o antipático, não; quem é bonito, quem é feio, não; ele porque é
católico, o hebreu, não; aquele porque é branco, o preto, não... Porém, a arte de
amar que vem de Deus nos diz para amar todos. Mas, devemos entender bem
quem são “todos”: não significa todos aqueles que existem no mundo, porque
talvez nunca os encontraremos. São todos aqueles que encontro durante o meu
dia. Neste momento, portanto, são vocês e sou eu para vocês. Amanhã serão uns
para os outros. Devemos amar a todos. É o segundo ponto para poder amar como
Deus quer: amar todos.
Depois há um terceiro ponto: é preciso ser os primeiros a amar.
Jesus, quando nós éramos pecadores, quando ainda éramos ingratos e
estávamos distantes dele, desceu á terra. Ele nos amou por primeiro.
Eu experimentei fazer assim também nestes dias, meditando Isso. Mas,
sabem que é belíssimo? Ser a primeira a amar, nunca esperar um retomo, ou amar
como a mim mesma, sem esperar nada, ou amar todos. Mas, todos quer dizer: a
mãe que está em casa, a irmã, o noivo, a amiga, a senhora que chega, a criança...
Em prática, estes são os pontos principais: amar como a si mesmo,
amar todos, ser os primeiros a amar.

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E, por fim, uma tática maravilhosa para amar, e seria o quarto ponto, é
fazer-se um com os outros. E Jesus se fez literalmente um conosco. É
impressionante! Era Deus e se fez homem. Nós nos devemos tomar o outro, viver
o outro, viver além de nós e esquecer de nós mesmos. Mas não é uma questão de
esforçar-se para se esquecer, porque não somos capazes. Devemos fazer o esforço
de recordar o outro, por conseguinte, esquecemo-nos de nós mesmos.
Então, os quatro pontos são estes: amar como a si mesmo, amar a
todos, ser o primeiro a amar, fazer-se um. Como diz São Paulo: “fazer-se
fraco com os fracos.., fazer tudo a todos” e será uma revolução.

A ARTE DE AMAR
PONTOS PARA REFLEXÃO
1. Tenho amado meu esposo (minha esposa) com o conselho evangélico “Ama o
teu próximo como a ti mesmo”?
2. Tenho procurado dar de comer a quem tem fome, consolar quem está aflito,
aconselhar quem precisa de conselho, ajudar quem está necessitando, na
minha casa, na minha família e no meu ambiente de trabalho?
3. Tenho amado a todos, sem distinção de classe social, cor, ou credo religioso,
ou meu amor tem tido predileções?
4. Quando a unidade é rompida entre mim e um irmão (esposa, esposo, filho,
genro, nora, sogro, sogra, patrão, empregado etc), por um motivo justo ou
injusto, fico esperando que seja sempre o outro a iniciar uma reconciliação
ou, ao invés, sou sempre o primeiro a amar pedir desculpas e recomeçar?
5. No convívio com minha família, ou mesmo no ambiente de trabalho eu
sempre quero ter razão no que penso , digo e faço ou, ao invés, procuro ver
junto com os outros o que seria melhor para cada ocasião?

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Encontro para Casais Jovens Castelgandolfo, 28/04/2000

A COMUNICAÇÃO À LUZ DO IDEAL (Michele De Beni)


A comunicação no matrimônio

A comunicação é uma exigência profunda, uma necessidade profunda de todo


ser humano, uma necessidade por excelência do homem e, essa necessidade, aprofunda
suas raízes já na infância. Cada um de nós fez experiências profundíssimas de
comunicação com os genitores que gradativamente se desenvolve, se consolida no
grupo de amigos, nos relacionamentos sociais, no noivado e na nova vida familiar.
Como dizia justamente Chiara, podemos portanto considerar que a família na
sua essência constitutiva, é uma escola por excelência na qual, muito mais que em
outros ambientes, aprendemos a nos comunicar, ou melhor, se ensina e se aprende
juntos, pais e filhos, homem e mulher.
Mais o que significa comunicar? E sobretudo, que significado assume na vida
de matrimônio? Se buscarmos a origem na tradição hebraica, o termo, a palavra
“matrimônio” não existe, ela é substituída pela expressão “é marido de”, “é mulher de”.
Mesmo na nossa cultura interiorana, aquela européia, até os anos 50 e 60 se usava a
expressão “é Lúcia de Paulo”, “é Marco de Carla”, colocando, assim, em relevo, a
relação como elemento constitutivo do matrimônio. De dois enamorados, ainda hoje, se
diz comumente: “Aqueles dois se falam” e, desse modo, se coloca em luz como a
comunicação é um fato dinâmico indispensável para a própria vida de relação, tanto que
quando essa vem a faltar também a relação entra em crise.
Deve-se portanto comunicar para evitar a crise? Mas, para se conseguir amar
basta tão somente sermos hábeis comunicadores? Se de uma parte, a comunicação é o
caminho natural através do qual se compreende, se estabelecem relacionamentos
afetivos adequados e se procura sobretudo a convivência, de outra parte é o amor a
condição primordial, podemos dizer, a via mestra, através da qual se pode retomar o
caminho da comunicação quando esta é interrompida. Não foi por acaso que tive
vontade de dar a esta conversação um título que gostaria que fosse retomado pouco a
pouco no desenvolvimento deste tema. O título é “Comunicar para amar” e outro título
“Amar para comunicar”.
Gostaria, em especial, de demonstrar esta interdependência que existe entre a
comunicação e o amor mas também do amor com a comunicação.
No matrimônio nos comunicamos por amor mas é por amor que podemos
verdadeiramente nos comunicarmos. Nenhuma técnica psicológica poderá ensinar-nos a
nos comunicarmos se nós não nos amamos nem tampouco a nos amarmos se não
acreditamos no amor.
Apresentarei, agora, alguns conceitos preliminares sobre a comunicação,
procurando pouco a pouco aprofundá-los.
O que contradiz uma boa comunicação e, o que devemos comunicar e de que
modo?

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Uma primeira distinção no que diz respeito aos dois níveis típicos de
comunicação: um é mais superficial, limitando-se a aspectos normais da vida cotidiana
e outro, ao invés, é de um nível mais profundo no qual o casal procura confrontar-se
sobre sua própria experiência interior.
Este último tipo de comunicação, dimensão mais madura na vida matrimonial,
é tarefa mais difícil, tanto que, quando falta ou é carente, o casal entra numa fase de
xeque mate, típica de uma espera, da espera que alguma coisa aconteça, que aconteça
uma mudança.
Através da comunicação profunda, o casal procura entrar na intimidade um do
outro. O termo “intimidade” é muito usado pelos psicólogos. De fato, hoje, fala-se de
medo de intimidade, no momento em que o casal assinala esta síndrome que é a falta de
uma comunicação autêntica entre os dois cônjuges. É necessário meios e tempos
adequados para que a comunicação seja eficaz e atinja o seu propósito principal que não
é somente aquele de estabelecer ligames mas sim aquele de chegar a uma compreensão,
a uma unidade profunda do casal.
Por este motivo a comunicação deve ser alimentada com freqüência, reavivada,
fugindo à rotina, do engano, da superficialidade, do medo e da pretensão de dominar a
outra pessoa.
Procuremos ver algumas modalidades típicas da comunicação bem como
algumas dificuldades que são típicas da não-comunicação ou da pseudo-comunicação.
Uma dessas modalidades para fugir da comunicação vem a ser denominada
“técnica” ou “técnicas de fuga”. Entrando mais em detalhe, desejaria reforçar uma
expressão que introduz um pouco o argumento da fuga.
Uma jovem senhora me disse recentemente: “Temos sempre a necessidade de
amar e é por isso que nós procuramos o amor”.
É uma frase muito eficaz. A necessidade de amar é tão enraizada na alma
humana, próprio a nível natural, biológico, podemos dizer, que quando o amor vem a
faltar, falta também toda a nossa capacidade de viver, porque perdemos o autêntico
sentido da vida.
Quando estamos enamorados, reciprocamente, parece-nos possuir tudo, somos
felizes. De certa maneira a comunicação é facilitada, não nos é pedido grandes esforços
nem uma vontade particular. Podemos dizer que neste caso, no enamoramento, a
comunicação se auto-alimenta. Ela se auto-alimenta por força da atração e do interesse
recíproco, pela gratificação que nós provamos de sermos recompensados pelo amor que
o outro nos devolve e, também, pelo amor que nós doamos; nesta satisfação recíproca a
comunicação encontra uma estrada aberta naturalmente.
Algumas dificuldades comunicativas nascem no momento em que um dos dois
cônjuges começa a perceber uma certa assimetria, uma disparidade entre o que ele dá e
aquilo que ele efetivamente recebe o pensa estar recebendo, em troca, do outro cônjuge.
Pode acontecer que este cônjuge não possua algum problema, que não saiba manifestar
o seu amor ou o exprima de um modo de um modo não adequado. Aí nasce espontânea
a pergunta: “Porque ele(a) não me fala?” “Porque não me digna um olhar?”. Eu não fiz
a ele(a) nada de particular. Por que não pediu meu parecer naquele caso? Por que agora
leva mais em consideração os parentes dele(a) do que meus pensamentos, minhas
opiniões?

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A primeiras dificuldades na comunicação nascem de uma série de desilusões
reais ou imaginárias, que um dos dois prova ao descobrir no outro alguma coisa que não
responde mais às suas próprias exigências ou perguntas. Portanto, a este ponto, se os
respectivos pontos de vista não se clarificarem, a confiança começa a vacilar, não nos
sentimos mais compreendidos como anteriormente, percebemos uma espécie de traição
daquele ideal que tínhamos construído do nosso marido ou da nossa esposa.
Neste momento vivemos a sensação de não sermos mais correspondidos como
anteriormente, vemos as nossas expectativas, as nossas ilusões, os nossos sonhos
vacilarem, entrarem em uma espécie de quarto escuro, sem uma via de saída.
São os primeiros sinais e são sempre os primeiros, mesmo após 20 ou 30 anos,
que nos dizem que existe alguma coisa que não está claramente expressa e não é
claramente entendida da outra parte, que vai além da boa fé, além da boa vontade de
comunicação. Colher precisamente estes sinais é importante porque através deles
podemos aprender a primeira e fundamental regra da comunicação, que é aquela de
exprimir com delicadeza a necessidade de doar também com precisão as nossas
exigências ao outro, de fazer-lhe um dom.
É uma experiência de abertura ao cônjuge necessária para a sobrevivência da
comunicação. Em primeiro lugar como? Assegurando ao nosso cônjuge, nosso marido,
nossa mulher, da nossa confiança e da nossa vontade construtiva. Em segundo lugar
porém, apresentando no nosso ponto de vista com profundo respeito e com profunda
confiança na capacidade de compreensão e, sobretudo, na capacidade também de
entender o ponto de vista do outro.
O que pode acontecer? Nestes momentos, podemos dizer mágicos e ao mesmo
tempo dramáticos, pode suceder que algum aspecto, que alguma coisa mude, no outro,
mas nenhum se decida a falar francamente.
Uma eventual crise pode ser evitada com um re-equilíbrio das expectativas.
Muitas vezes nós criamos expectativas nos confrontos com o nosso cônjuge do tipo
absurdo, ilógico. De outra parte, é verdade que expectativas que desapontem podem ser
o sinal de uma desatenção ou de um desinteresse de um dos dois ao confrontar-se com o
outro e, portanto, saber reconhecer que existem momentos onde ambos ou um dos
cônjuges em particular criou uma forte desilusão, traindo as expectativas do outro é
verdadeiramente um momento importante, é reconhecer o nosso desinteresse na
comunicação, a nossa dificuldade em colocar-se nela, podemos dizer, na direção do
outro.

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CONVIVÊNCIA A DOIS

• Falar ou não falar. Boa comunicação é uma necessidade e uma raridade na


maioria dos casamentos. Nossa rotina é cheia de comunicação que se dá através
do rádio, televisão, revistas e jornais. O ingrediente ausente é a conversa olho no
olho entre marido e mulher. É imperativo que casais reservem um tempo do seu
dia para realmente conversarem e realmente ouvirem. Isso não é algo que Não
acontece naturalmente. A habilidade de se comunicar deve ser desejada e
cultivada, por ambos, para que traga genuína intimidade para o casamento.
• Faça de sua casa o seu lar. Os benefícios de um lar cheio de amor, um porto
seguro das pressões do mundo, e um lugar de conforto é o que a maioria das
famílias procuram. Quando uma pessoa da família é sobrecarregada com esta
tarefa, há infelicidade para toda família. Os casais precisam encontrar maneiras
de dividirem o cuidado da rotina diária do lar. Quando todos os membros da
família partilham o cuidado do lar, há um espírito de união assim como um dia a
dia mais tranqüilo.
• Casado com toda a família. Quer queira ou goste ou não, o fato é que quando
você se casa, o seu casamento se estende à família do seu cônjuge. Perceba que
muitas das qualidades que você aprecia no seu cônjuge vêm dos pais dela(e).
Isto porque vinte anos antes de você entrar em cena, seus sogros eram as pessoas
de maior influência na vida do seu cônjuge. A Bíblia é clara ao ensinar o deixar
pai e mãe quando você se casa. Você pensa em manter um relacionamento
amoroso e significativo com seus pais e seus sogros? E seu cônjuge é capaz de
manter um relacionamento sadio com os seus pais?

Faça o Amor Funcionar no seu Casamento

Beverly and Tom Rodgers

Muitos casais não sabem o que esperar do casamento porque não têm idéia do
que virá a seguir. Eles têm um sentimento de pânico, ou mesmo de ruína, quando o
relacionamento muda. Para entender os estágios do casamento e estabelecer metas para
o estágio final, os cônjuges podem trabalhar nos estágios difíceis e encontrar realização
e alegria um no outro.
Os estágios do casamento:

• Estágio do Amor Romântico.

Este estágio é altamente emocional e cheio de projeções positivas. Um quer ver


o outro todo tempo, e se vêem como resposta aos problemas um do outro. Seu
“escolhido” não pode errar. Este estágio é ilusório.
• Estágio da Luta pelo Poder.

Quando o convívio se torna rotineiro, os cônjuges vêem que o amor tem um lado
negativo. Você passa a perceber que o seu cônjuge intencionalmente não supre
suas necessidades e logo surgem discussões por causa da tampa da pasta de
dentes, finanças e quantas vezes tiveram sexo no último mês. As reações são

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fortes neste período e muitas coisas são ditas para magoar e pouco ou quase nada
ajudam na edificação do relacionamento. Cada questão se torna uma luta pelo
poder. Muitos casais ficam neste estágio por anos e anos
• Estágio do Despertamento.

Este se dá quando os cônjuges passam a se conhecer exatamente como são. Ao


invés de culpar o outro, a pessoa vê o papel que desempenha dentro dos
problemas conjugais. Você honestamente avalia você mesmo e o seu próprio
comportamento. Este pode ser um estágio assustador para casais. Parece que as
coisas pioram antes de melhorar. Avaliar honestamente a si mesmo, e seu
cônjuge, pode causar desconforto, ansiedade e até medo.
• Estágio da Transformação.

Neste estágio as coisas começam a mudar. Os dois começam a usar certas


habilidades e ferramentas para mutuamente se ajudarem numa melhor interação.
Novas idéias sobre seu cônjuge são formadas, sendo estas realistas e
benevolentes. Você se concentra mais no casamento e quer o melhor para o seu
cônjuge e o casamento.
• Estágio do Amor Realista.

Esse é o estágio que faz todas as crises terem valido a pena. O casal tem
conhecimento, aceitação, apreciação, e gratidão um pelo outro. Você cria um
ambiente seguro para o compartilhar mútuo ao dar para o seu cônjuge um amor
incondicional.
Esteja atento ao obstáculo de desenvolver a unidade no casamento:
• Ter muitas atividades individuais. Ir em direções opostas muitos dias e noites
da semana pode causar danos. Negócios, envolvimento comunitário e igreja são
importantes, mas se os seus horários são cheios de atividades individuais, seu
casamento vai sofrer por falta de tempo juntos. Procure por coisas que vocês
possam fazer e desenvolver juntos.
• Não encontrar tempo para estarem juntos. Se você não separar um tempo
para estarem juntos, provavelmente esse tempo nunca será encontrado. Outras
coisas, pessoas e eventos irão tomar todo o seu tempo. Crie a disciplina de
“fazer” o tempo a fim de estarem juntos.
• Não se comunicarem regularmente ou de maneira significativa. O casamento
associa duas pessoas ocupadas, e a preocupação da família em produzir um
relacionamento que é desafiado pelas muitas direções da vida ativa. Você deve
continuamente desenvolver a comunicação, para manter um laço de intimidade
em meio a tantas ocupações. A prática da comunicação requer tempo e
compromisso se é que de fato vamos ouvir o nosso cônjuge.
• Não resolver as diferenças que emergem. A intimidade é mais fácil de ser
destruída do que construída. Ignorar ou fingir que as diferenças não acontecem,
absolutamente nada resolve. Dê a vocês mesmos o tempo para crescerem juntos
em unidade. Encare, confronte e lide com seus problemas.
• Se comunicar magoando o outro. Pergunte a você mesmo: Minhas palavras
convidam meu cônjuge a entrar no meu coração ou o/a lançam para longe de
mim? Se ultimamente as suas palavras não têm sido cheias de graça , se

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arrependa diante do Senhor e de seu cônjuge. Nunca ataque seu cônjuge: sempre
ataque o problema que é a raiz da desavença. Fale carinhosamente.
• Ser desonesto. O engano jamais traz nada de útil num relacionamento. Sempre
diga a verdade com integridade.
• Importunação. Uma vez que você já disse ao seu cônjuge tudo o que você sabe
que já foi ouvido, deixe com ele/ela e entregue ao Senhor. Encorajem um ao
outro.
• Comportamento abusivo ou violento. O comportamento abusivo é prejudicial
ao espírito e à alma, assim como ao corpo. As repercussões de um abuso
também irão ferir àqueles que estão ao seu redor. Procure aconselhamento
imediatamente. Tratem um ao outro com amor.
• Infidelidade. Não há nada que possa trazer maior dano a um relacionamento do
que infidelidade conjugal seja de caráter físico ou emocional. A infidelidade
pode dar lugar a uma ilusão temporária mas as conseqüências podem ser
devastadoras. Perdão, cura e reconciliação podem vir a tomar lugar, mas o
processo pode deixar profundas e visíveis cicatrizes não apenas em você, mas
em muitos ao seu redor

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DIVERSIDADE — RESPEITO MÚTUO — RELACIONAMENTO
COM A FAMÍLIA DE ORIGEM

O amor conjugal é a característica do amor recíproco entre os que se


casam. Uma das primeiras condições que devem viver os cônjuges para fazer
crescer este amor conjugal é o respeito mútuo. Respeitar significa aceitar o outro
do jeito como o outro é.
E ele é, em primeiro lugar, diferente. Essa diferença começa já pela
distinção radical dos sexos. Quantos problemas matrimoniais se solucionariam se
os esposos soubessem respeitar essa diferença elementar!
Portanto, respeitar, antes de tudo, as características do outro sexo.
O ser humano é sexuado, de cima abaixo. Não existe uma sã célula que
não traga a marca do masculino ou do feminino. E o mesmo se poderia dizer das
atitudes: não há um gesto, um olhar, um sentimento, um pensamento que não
esteja impregnado do masculino ou do feminino.
As vezes — e isto pode parecer até engraçado — o homem esquece que
casou com uma mulher e a mulher esquece que casou com um homem. O homem,
em geral, sem querer estabelecer padrões rígidos, tem um espírito objetivo, ocupa-
se das realidades concretas; a mulher habitualmente tende mais às formas e aos
sentimentos: um ramo de rosas no dia do aniversário do noivo, ou do noivado
pode representar para ela muito mais — é um símbolo de ternura — do que um
valor em dinheiro deixado pelo marido ou pelo noivo sem uma palavra de carinho.
Este contraste psicológico pode levar o marido a pensar que casou com
um ser complicado, cheio de “lirismos”; e, também, levar a mulher a pensar que
casou com uma pessoa egoísta e grosseira. Essas desavenças intimas terminam, às
vezes, em tristes decepções.
O homem gosta de sentir-se superior; a força que protege a fraqueza. A
mulher experimenta o orgulho de sentir essa força dedicada ao seu serviço.
Otto Scorzani, um dos homens que demonstraram maior coragem na
última guerra mundial, libertando Mussolini na sua prisão do Grande Sasso, dizia
com expressão divertida: “Decido as coisas importantes da família, mais quem diz
quais são essas coisas importantes é a minha mulher”.
A mulher, em geral, tem a grande virtude de dar-se sem medida, mas
também deseja que o homem a ame não apenas acima de qualquer mulher, mas
também acima de qualquer interesse. Quando o marido chega do trabalho,
habitualmente ela quer manter uma conversa com ele. O marido, porém, cansado
ou preocupado com os seus problemas profissionais, se encerra no mundo do
jornal ou da televisão, dizendo que precisa descansar. E fica até aborrecido. Eis
que, de repente, chega um colega a quem pode consultar sobre suas preocupações
profissionais; anima-se, levanta-se da poltrona, prepara um aperitivo e passa horas
inteiras conversando com ele. A mulher, desolada, pensa que o marido tem mais
confiança no colega, que não a ama mais, que só é feliz com os outros. E não é
verdade. Esse marido, aparentemente desatencioso, é capaz de dar a sua vida por
ela. O que acontece é que ele, com a sua visão mais prática e objetiva, está

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convencido de que uma longa confidência com a sua esposa não solucionaria o
seu problema profissional porque dele não entende nada.
O homem, com certa freqüência, tende a utilizar a mulher. Ele trabalha,
traz o dinheiro para a família. Ela — pensa ele — tem obrigação de cuidar do lar
e das crianças. Quando chega à casa, julgando que esse é o seu direito,
simplesmente vai direto a uma poltrona confortável, “esgotado” pela batalha da
vida.., como se a esposa tivesse ficado em casa deitada e se abanando, quando, na
realidade, se ocupou o dia inteiro da limpeza, da comida, da costura, das compras
e da extenuante tarefa de educar os filhos.
Mas essas diferenças se tornam ainda mais profundas quando pensamos
no relacionamento sexual dos cônjuges. O homem, em geral, é mais carnal; a
mulher, mais afetiva, O homem procura diretamente o orgasmo; a mulher, a
ternura.. E por isso, quando a mulher se recusa a uma relação direta, sem muitos
preâmbulos, a virilidade masculina fica ferida. E quando a mulher é exigida a ter
relações sem uma palavra afetiva, sem as carícias e ternuras próprias de um
coração amoroso, sente-se “instrumentalizada”, “usada”, “coisificada”; a sua
condição de mãe e de esposa parece-lhe rebaixada a nível de amante ou prostituta.
E nasce uma revolta.
E a revolta, ou um sentimento mútuo de incompreensão que vai abrindo
paulatinamente uma fenda, uma ferida, se não se trata, não se cura, com
condescendência mútua e com a prática habitual do perdão cristão, pode tornar-se
uma chaga purulenta, um verdadeiro abismo de aversão.
Às vezes, esta fenda abismal, dissimulada durante anos por um
comportamento “correto”, mas frio, depois, de repente, desaba na infidelidade e
na ruptura. É por isso que dissemos que o patamar mais elementar do amor está
representado por esse respeito às radicais diferenças marcadas pelo sexo.
Mas, essas diferenças ainda que possam gerar dificuldades mútuas, como
vimos, podem e devem representar também os pressupostos de uma
complementaridade superior. O homem precisa, na realidade, das peculiares
qualidades femininas e a mulher precisa das peculiares qualidades masculinas.
É nesse apoio mútuo, nessa complementaridade superior que se configura
uma das realidades mais sublimes do matrimônio.
Além desse respeito às características, é preciso, ainda, respeitar a
personalidade do outro cônjuge.
Respeitar é reconhecer a dignidade de um ser humano, que é filho de
Deus, que foi redimido pelo sangue de Cristo, que vale mais do que todos os
universos criados: é descobrir o outro no mistério único da sua personalidade
concreta. Respeitar é acolher a maneira de ser do outro cônjuge, é não ferir a sua
privacidade, os seus sentimentos e o modo peculiar como esses sentimentos se
expressam em determinados momentos. Há circunstâncias tão delicadas, como a
morte de um ente querido, o diagnóstico de uma doença fatal, um fracasso, urna
separação dolorosa, em que talvez uma ajuda explícita não consiga entrar em
sintonia com um estado anímico determinado. Qualquer iniciativa nesse sentido
poderia perturbar ao invés de acalmar, especialmente se se trata desses consolos
de praxe, dessa fórmulas convencionais de condolência, ou desses conselhos de
otimismo superficial (tenha um “pensamento positivo”), dizem simplesmente,
dados com a intenção de estimular a pessoa deprimida, O respeito nesse caso

14
consistirá em ficar ao lado dela, em silêncio, talvez apenas escutando atentamente.
E mais nada. Quanto não consolaram Marta e Maria as lágrimas de Jesus junto do
sepulcro do seu amigo Lázaro! E o exemplo da presença silenciosa e da oração
calada de Nossa Senhora ao pé da Cruz!
Sintonizar! Esta é a palavra. Treinar essa arte maravilhosa de que nos fala
São Paulo: alegrar-se com os que se alegam; afligir-se intimamente com os que
sofrem; fazer-se tudo para todos, para salvar a todos (Rom. 12, 15).
Como é grande o alívio que experimentamos em certas ocasiões, quando
alguém se mostra disposto a escutar-nos com atenção e amabilidade! E também,
em muitas outras oportunidades, quando agradecemos a quem sabe acolher-nos
benignamente tal como somos: sem nada pedir, sem nada reclamar! E possível
que ao longo do caminho da vida já tenhamos encontrado alguns desses seres
humanos, não muito comuns, que em tudo nos aceitam, que em nada nos julgam
ou criticam e nos impulsionam para os cumes... Como se na sua presença
sentíssemos a comunicação de uma serenidade superior semelhante à que nos
transmite um céu estrelado aberto aos mistérios de Deus, um mar sereno, uma
criança aconchegada no seio materno...
Essa experiência intima convida-nos a pensar que nós mesmos podemos
converter-nos num desses seres, tão difíceis de encontrar, que lembram a figura de
Cristo que passa à beira de qualquer necessitado. E esse necessitado podo ser o
próprio cônjuge.
Compreender: o amor leva a compreender. Quem compreende identifica-
se com a personalidade do outro, a) quer o bem do outro como o outro é diferente
como ele é. b) querer o outro com os seus defeitos; não existem seres ideais. c)
querer precisamente porque ele tem defeitos: os que amam verdadeiramente,
como os pais, tratam os que têm maiores problemas.
Um elemento importante que deve estar sempre presente no período de
preparação para o casamento é o sentido de responsabilidade. Casar-se não é
apenas um gesto privado, que envolve no máximo duas pessoas.
O casamento é próprio dos esposos, mas é também da comunidade
humana, O matrimônio é elo de ligação entre as gerações e vinculo entre famílias,
grupos, tradições e culturas. Seu valor social especifico consiste em ser uma
comunidade da qual brotam nova vida a ser desenvolvida, novas pessoas a serem
educadas, o presente e o futuro da sociedade.
Temos de examinar muito seriamente e projetar no tempo os sentimentos,
as emoções e o entusiasmo que experimentamos hoje. Vejo realmente nele o pai
de meus futuros filhos? Estou disposto a passar minha vida inteira ao lado desta
mulher, na saúde e na doença?
A experiência ensina que existem sentimentos muito nobres e belos -
como, por exemplo, a compaixão, o sentimento de maternidade ou paternidade
para com o outro, a vocação para redimi-lo, convertê-lo e recuperá-lo; o
sentimento de estima, de respeito e também de admiração que, sozinhos, não são
capazes de servir de fundamento para uma família.
Temos o dever de olhar sem medo para o intimo do relacionamento que
nos une e libertá-lo de tudo o que não é amor autêntico, amor capaz de lançar as
bases de uma família. Porque só devemos nos casar por amor; amor forte,

15
verdadeiro e autêntico entre duas pessoas livres, íntegras e responsáveis, dispostas
a construir uma realidade ousada e complexa como a família.
Como conclusão, algumas palavras sobre a relação com as famílias de
origem. Uma vez que os dois já se encaminham decididamente para o casamento,
deveriam apresentar-se diante dos próprios pais nessa nova unidade. Os pais dos
noivos não deveriam mais vê-los como a filha ou o filho, mas “ela com ele”, ele
com a mulher que será com ele uma só realidade... Nem sempre as famílias de
origem se dispõem a isso, mas é melhor para todos que, desde o início, as relações
sejam orientadas para a verdade daquilo que somos. Além do mais, essa atitude
ajudará a constatar se o casal está maduro, ou seja, disposto a se distinguir das
famílias de origem para constituir um novo núcleo familiar. Tudo isso só poderá
acontecer com o desprendimento, tanto material quanto espiritual, daquele
“ninho” onde cada um nasceu e cresceu.
O amor pelos pais, irmãos e parentes certamente permanecerá para
sempre, mas terá de encontrar outras formas mais adequadas de expressão,
enriquecendo-se com todos os valores e matizes que a nova vida trará.

Conteúdo básico para palestra e eventual dinâmica


Curso de Preparação ao Matrimônio
Movimento Famílias Novas

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PERDOAR É RENOVAR O AMOR
O conflito entra na vida do casal sem ser convidado. Com uma boa dose de perdão
ele pode transformar-se em recurso positivo para a vida de toda a família.
Paolo Lòriga e Luis M. Maisonave

Não critique nunca os defeitos de sua esposa, afinal, os limites dela


podem ter sido justamente o motivo de ela não ter encontrado um marido melhor.
Esse pensamento sintetiza, com muita sabedoria, um princípio que pode servir
para todos os dias da vida de um casal.
Logo que alguém se casa pode pensar que a força dos sentimentos é
capaz de superar todas as dificuldades que vão aparecer. Com o tempo, na vida a
dois, vão se descobrindo muitas características da outra "doce (ou não tão doce)
metade". Por isso, com o tempo, o casal paga um alto preço por uma visão inicial
equivocada ou pouco realista do casamento. Como diz um velho adágio: A mulher
casa com a ridícula convicção de que vai conseguir mudar o marido; o homem
casa com a ingênua ilusão de que a mulher "tão sonhada" vai continuar sempre a
mesma.
É cada vez mais comum que as dificuldades enfrentadas na família
acabem na separação do casal. Na maioria dos cônjuges de 45 anos ou mais, há
uma absoluta falta de diálogo em todos os sentidos: não existem mais
confidências, gestos, sorrisos, troca de olhares. Tudo vai se perdendo aos poucos,
até o ponto de viverem como desconhecidos.
Entre os cônjuges de 35 a 45 anos, em geral as crises acontecem não
apenas devido a uma "escapadela" acidental, mas devido a relações paralelas, dele
ou dela. E nos casais jovens, o que se nota é a imaturidade e a falta de espírito de
sacrifício diante das primeiras dificuldades; nesses casos não há nem mesmo a
vontade de lutar para salvar o casamento, talvez em conseqüência da idéia cada
vez mais comum de que um relacionamento deve durar até enquanto dá, e quando
não existir mais acordo entre os cônjuges significa que ambos estavam
equivocados quando decidiram casar-se.
As separações cada vez mais freqüentes de casais — com as suas
dolorosas seqüelas na vida dos cônjuges e sobretudo na dos filhos — deve-se
acima de tudo à incapacidade de considerar o parceiro como verdadeiramente
"outro", "distinto" de si, e ao fato de não saber por onde começar a reconstruir a
relação rompida.
Por sorte, os casais estão aprendendo também a não encarar as
dificuldades como algo que necessariamente deve levar ao fracasso conjugal. Pelo
contrário, estão descobrindo que, sabendo manejá-las bem (inclusive com a ajuda
de pessoas experientes), as crises podem propiciar um salto de qualidade no
relacionamento do casal.
Para os especialistas no assunto, as "belas famílias" nas quais os conflitos
não existem são uma fábula. Quando um casal nega ter dificuldades, é provável
que esteja enfrentando um mal-estar ainda mais profundo. Segundo esses
estudiosos, o conflito é fisiológico na família, como em qualquer sistema,
simplesmente porque choques, dificuldades, incompreensões não podem faltar
onde quer que exista vida.

17
Por isso, em cada etapa da convivência, o amor bem sucedido é aquele
que sempre aposta no outro, que se exprime numa atitude constante de perdão,
que pede e concede anistia total. E isso não é romantismo: é um ato de fortaleza.
Para o cônjuge que tem a coragem de pedir perdão, vale o que disseram a respeito
dos recentes "mea culpa" do papa João Paulo II: Pedir perdão é mais difícil do que
perdoar. Quem perdoa coloca-se acima de quem o ofendeu e isto o ajuda a superar
o rancor causado pelo mal que ele sofreu.
Antes do casamento tenha os dois olhos bem abertos. Depois feche um.
Esse conselho formulado há dois séculos pelo cientista e escritor norte-americano
Benjamim Franklin continua válido e útil, mas a experiência de muitos casais
demonstra que é mais importante e determinante uma outra frase: Um casamento
feliz é a união de duas pessoas que têm grande capacidade de perdoar.

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“O sacramento do matrimônio: a graça plenifica a natureza”

Os sacramentos na vida do cristão.


1. A vida cristã é uma caminhada para a santidade. Esta consiste na vida
sintetizada no amor, plenitude de todos os dons que recebemos de Deus, quando nos
criou. A santidade não anula a natureza, é, antes, a sua plenitude. Deus revelou-nos,
através da história da salvação, que este crescimento no amor é feito com Ele, que
celebra uma aliança de intimidade com o seu povo. Jesus Cristo, o Filho de Deus e
homem completamente obediente a Deus, leva, na sua Páscoa, esta aliança à perfeição.
N’Ele todos os homens podem atingir a plenitude da aliança com Deus. Ele próprio,
falando da sua Paixão, se refere ao derramamento do Seu próprio Sangue, como sinal de
aliança: “Este cálice é a nova aliança no meu Sangue, que vai ser derramado por vós”
(Lc. 22,20).
Os cristãos celebram e vivem esta aliança de amor, sempre numa referência
necessária à morte e ressurreição de Cristo, prolongada na sua vida, como força de
amor, pelo dom do Espírito Santo. Os sacramentos da Igreja são meios de os cristãos
referirem a sua vida à Páscoa de Jesus, recebendo deles a força do Espírito, para
poderem viver a sua vida como experiência de dom e de amor.
Segundo a tradição da Igreja, são sete os sacramentos, todos eles vivência e
atualização da Páscoa de Cristo, no Espírito Santo. Mas como eles se dirigem à vida
concreta das pessoas e à vitalidade da Igreja, como Povo do Senhor, podemos dividi-los
em três grupos, segundo a sua significação específica: os sacramentos da iniciação
cristã. Batismo, confirmação, eucaristia, realizam a união do cristão a Cristo
ressuscitado e, por Ele, à Santíssima Trindade, tornando-o capaz de celebrar a Páscoa de
Jesus; o sacramento da ordem consagra e santifica os ministros de Cristo, que hão-de
agir em nome de Cristo, para santificação de toda a Igreja; há depois um terceiro grupo
de sacramentos que relacionam com a morte e ressurreição de Cristo, dimensões da
experiência humana, particularmente universais e significativas. A experiência do
pecado, assumida e confessada e transformada pelo arrependimento, no sacramento da
reconciliação proporciona a graça da conversão; a experiência da doença, do sofrimento
e da morte, oferece, no sacramento da unção, a graça da saúde, da força para sofrer e da
conversão a Deus, que será nosso juiz, justo e bondoso; o casamento, enquanto
experiência de amor e de comunhão, encontra, no sacramento do matrimônio, a graça de
um amor mais generoso e de uma comunhão tão profunda que se funde com a própria
comunhão de Cristo com o seu Povo.
Por que mais um sacramento?

2. Já falamos, nos domingos anteriores, da beleza do projeto de Deus acerca da


união esponsal do homem e da mulher, como experiência de amor e comunhão, mas
também da fragilidade dos dinamismos humanos do amor, enfraquecidos pelo pecado.
Para que a união conjugal atinja a plenitude do amor, os esposos precisam de ser
fortalecidos com a força do Espírito, que os ajuda a viver a sua aliança de amor ao ritmo
da aliança de Deus com o seu Povo, definitivamente ratificada na morte de Cristo. O
casamento é uma experiência humana onde é cada vez mais claro que, para o amor não
definhar, antes crescer até à perfeição da caridade, precisa da força de Deus. O
sacramento do matrimônio, conseqüência da união dos esposos a Cristo, pelo batismo, é
a fonte dessa força.

19
O casamento, enquanto comunhão de amor do homem e da mulher, não
começa com Cristo, ele é um dom da criação. A Páscoa de Jesus redime-o, fortalece-o e
permite-lhe atingir a perfeição querida por Deus desde a criação. O Papa João Paulo II
afirma: “Cristo revela a verdade originária do matrimônio, a verdade do princípio e,
libertando o homem da dureza do seu coração, torna-o capaz de a realizar
inteiramente” 1. Esta plenitude do amor conjugal faz parte da plenitude da aliança com
Deus, realizada na Cruz de Cristo, onde os cristãos mergulham, pelo batismo. Continua
o Santo Padre: “No sacrifício da Cruz manifesta-se inteiramente o desígnio que Deus
imprimiu na humanidade do homem e da mulher, desde a sua criação. O matrimônio
dos batizados torna-se, assim, o símbolo real da Nova e Eterna Aliança, selada no
Sangue de Cristo. O Espírito, que o Senhor infunde, dá um coração novo e torna o
homem e a mulher capazes de se amarem, como Cristo nos amou. O amor conjugal
atinge a plenitude para a qual está interiormente ordenado: a caridade conjugal, que é
o modo próprio e específico com que os esposos participam e são chamados a viver a
mesma caridade de Cristo que Se entrega sobre a Cruz” 2. E mais à frente, referindo-se
às graças próprias deste sacramento, o Papa acrescenta: “Trata-se de características
normais do amor conjugal natural, mas com um significado novo, que não só as
purifica e as consolida, mas eleva-as a ponto de as tornar expressão dos valores
propriamente cristãos” 3.
O sinal sacramental.

3. Todos os sacramentos realizam a sua graça própria através de uma realidade


sinal, rica de significado humano, através da qual o Espírito de Deus realiza uma nova
significação, da ordem da plenitude da salvação. O significado sobrenatural é obra do
Espírito; mas a significação humana da realidade sinal sugere-a: no batismo, a água
purificadora e vivificadora, significa e realiza o nascimento para uma vida nova,
participação na vida de Cristo ressuscitado.
No sacramento do matrimônio qual é a realidade sinal? É a própria realidade
do amor conjugal. Tratando-se de uma comunhão de amor, nenhuma outra realidade
poderia significar melhor a perfeita comunhão, na caridade, a que o Espírito Santo
conduz os cristãos. E o amor conjugal é sinal do amor redentor de Jesus Cristo, na
pluralidade das suas dimensões. Demos, ainda, a palavra ao Santo Padre: “O amor
conjugal comporta uma totalidade na qual entram todas as componentes da pessoa:
chamamento do corpo e do instinto, força do sentimento e da afetividade, aspiração do
espírito e da vontade. O amor conjugal tem, por fim, uma unidade profundamente
pessoal, aquela que, para além da união numa só carne, conduz a um só coração e a
uma só alma” 4.
Sendo a própria realidade humana do casamento o sinal sacramental do
matrimônio, os esposos cristãos, por força do seu batismo, celebram o sacramento, de
que são ministros, ao ritmo da vivência da sua união conjugal, vivida na generosidade e
na fidelidade. É um sacramento de celebração contínua, o que ajuda os esposos cristãos
a dar à sua vida conjugal uma dimensão de celebração e de louvor. A sua vida torna-se
liturgia. Voltemos a ler a Familiaris Consortio: “O matrimônio cristão, como todos os
sacramentos que estão ordenados à santificação dos homens, à edificação do Corpo de
Cristo e a prestar culto a Deus é, em si mesmo, um ato litúrgico de louvor a Deus, em
Jesus Cristo e na Igreja: celebrando-o, os esposos cristãos professam a sua gratidão a
Deus pelo dom sublime que lhe foi dado de poder reviver na sua existência conjugal e
familiar, o mesmo amor de Deus pelos homens e de Cristo pela sua esposa” 5.

20
4. O sacramento do matrimônio, ao constituir como sinal sacramental a união
dos esposos, exprime o realismo do mistério da encarnação, em que o Verbo eterno de
Deus se nos dá, numa comunhão de amor, através do Seu próprio Corpo: “Tomai e
comei, isto é o meu Corpo” (Mt. 26,26); e São Lucas acrescenta “que vai ser entregue
por vós. Fazei isto em minha memória” (Lc. 22,19). A encarnação e o sacrifício
redentor de Cristo são o fundamento de uma teologia do corpo. O corpo exerce, no
conjunto do mistério da pessoa humana, um papel simbólico de sinal. Ele exprime e
torna visível os sentimentos do espírito e do coração: a ternura, a entrega e o dom, a
intimidade e a fecundidade, o desejo unificador de comunhão.
Numa das suas Catequeses de quarta-feira o Santo Padre afirma, referindo-se
ao sacramento do matrimônio: “Como sinal visível, o sacramento constitui-se com o ser
humano enquanto corpo, na realidade da sua masculinidade e feminilidade visíveis.
Com efeito, o corpo e só ele, é capaz de tornar visível o que é invisível: o espiritual e o
divino. Ele foi criado para transferir para a realidade visível do mundo o mistério
escondido, desde toda a eternidade, em Deus e ser o seu sinal visível” 6.
Sinal visível das realidades invisíveis, o corpo exprime a comunhão de amor
entre o homem e a mulher e o aprofundamento dessa comunhão, na caridade é,
exatamente, a graça própria deste sacramento. E mais uma vez este crescimento
qualitativo entre duas pessoas se insere na relação entre Cristo e a Igreja, sendo a sua
realização.
No Antigo Testamento era comum fazer da união esponsal o símbolo da união
de Deus com o seu Povo, no mistério da aliança. No Novo Testamento verifica-se uma
transformação qualitativa desta imagem. A verdadeira e definitiva comunhão esponsal é
aquela que existe entre Cristo e o Seu corpo, que é a Igreja e as núpcias dos cristãos
participam dessa comunhão esponsal e, através do sacramento, realizam-na na sua
própria experiência humana de casal, foco de irradiação de uma nova comunhão
alargada, a família, autêntica concretização da Igreja comunhão. A família, a partir da
graça do sacramento, torna-se, realmente, uma “igreja doméstica”. É São Paulo que faz
a síntese entre estes dois momentos de um mesmo mistério: “Eis que o homem deixará
o seu pai e a sua mãe para se unir à sua mulher e os dois formarão uma só carne. Este
é um mistério de grande alcance, porque se aplica a Cristo e à Igreja” (Ef. 5,31-32).
Isto é possível porque os cônjuges cristãos, antes de serem o corpo um do outro, fazem
ambos parte do Corpo de Cristo. São Paulo, afirmando que, com o Seu corpo, Cristo se
une à Igreja, pergunta: “E nós, não somos membros do Seu Corpo?” (Ef. 5,29-30).
É por isso que, na vida de um casal cristão, a Eucaristia, enquanto comunhão
com Cristo, é um momento tão importante, como a sua própria união conjugal.
Voltamos a citar a Familiaris Consortio: “O dever de santificação da família
tem a sua primeira raiz no batismo e a sua expressão máxima na Eucaristia, à qual está
intimamente ligado o matrimônio cristão (...) Redescobrir e aprofundar essa relação é
absolutamente necessário, se se quiserem compreender e viver com maior intensidade
as graças e responsabilidades do matrimônio e da família cristã. A Eucaristia é a fonte
mesma do matrimônio cristão” 7.
As graças próprias do sacramento do matrimônio.

5. Globalmente abraçando todas as concretizações, a graça própria do


sacramento do matrimônio é o caminho de santidade dos esposos. “O sacramento do
matrimônio, que retoma e especifica a graça santificante do batismo, é a fonte própria
e o meio original de santificação para os esposos”. Esta graça sublinha o caráter perene

21
e contínuo deste sacramento. “O dom de Jesus Cristo não se esgota na celebração do
matrimônio, mas acompanha os esposos ao longo de toda a existência. (...) Jesus Cristo
permanece com eles, para que, assim como Ele amou a Igreja e Se entregou por ela, de
igual modo os esposos cristãos são fortalecidos e como que consagrados em ordem aos
deveres do seu estado por meio de um sacramento especial; cumprindo, graças à
energia deste, a própria missão conjugal e familiar, penetrados do Espírito de Cristo
que impregna toda a sua vida de fé, esperança e caridade, avançam cada vez mais na
própria perfeição e mútua santificação e cooperam assim juntos para glória de Deus”
8
.
6. Mais concretamente, a graça específica do sacramento é o aprofundamento
da comunhão conjugal, como autêntica vivência da caridade e participação no amor
com que Cristo ama a Igreja. Isto supõe a generosidade do dom, a vitória sobre todas as
tentações de egoísmo e de auto-procura, a vivência do próprio corpo como sinal de dom
e de comunhão e não como busca de si mesmo. No amor conjugal o próprio prazer é
oferecido ao outro, na busca de uma plenitude de comunhão.
Esta graça sacramental ajudará à revelação mútua dos cônjuges, ao respeito
pela identidade e dignidade de cada um, à ajuda mútua e fraterna; ensina a perdoar e a
acreditar, em cada momento, que o amor é possível, atraídos pela comunhão definitiva
no Reino dos Céus.
7. Outro aspecto da graça própria deste sacramento é a sua fecundidade
eclesial. A comunhão verdadeira entre os esposos prolonga-se na construção da
comunidade familiar, como autêntica comunhão de vida e de amor e na edificação da
Igreja como mistério de comunhão e esposa de Cristo. Há uma fecundidade apostólica
no amor conjugal. Mas nisso falaremos no próximo domingo.

Sé Patriarcal de Lisboa, 3 de Março de 2002

†JOSÉ, Cardeal Patriarca

NOTAS
1
- Familiaris Consortio (FC), n.º 13
2
- Ibidem
3
- Ibidem
4
- Ibidem
5
- Ibidem, n.º 56
6
- João Paulo II, À l’immage de Dieu homme et femme, pg. 157-158
7
- Familiaris Consortio, n.º 57
8
- Ibidem, n.º 56 ; cf. Gaudium et Spes, n.º 49

22
A DOR E AS DIFICULDADES NA FAMÍLIA TÊM UM NOME

A família é a grande doente do nosso tempo. A sua doença provém da


falta de amor. E isto parece até um paradoxo porque a família deveria ser
justamente a fortaleza, o testemunho, uma fonte de amor.
Mas isto se explica porque o amor sobre o qual hoje se constrói a família
se apoia sobre frágeis bases, não é alicerçada sobre Deus. Não se pode amar o
homem se não se ama Deus: a solidariedade e a fraternidade são mais difíceis de
realizar-se fora do anúncio cristão.
Qual anúncio? Aquele do mandamento novo de Jesus: “Amai-vos uns
aos outros como eu vos amei.” Um mandamento que trouxe uma revolução no
relacionamento entre os homens e, portanto, no relacionamento na família.
O cristão, como outro Cristo, é um que ama, e ama como Ele amou; está,
portanto, disponível diante de cada próximo.
Na família se ama verdadeiramente a mulher, o marido, os filhos, os
parentes, quando (podemos até dizer) se está pronto a dar a vida por eles, como
Jesus deu por nós.
Amar, portanto, como Cristo nos amou. Sem esse “como” o amor não
reina, sobretudo não persevera. Esse “como” é o mistério da Cruz e do Abandono
de Jesus, que dessa maneira realizou o milagre da unidade dos homens entre si e
com Ele.
Concretizar e ser este amor é a vocação do cristão. Não é necessário sair
do mundo, fechar-se num convento.. Concretizar e ser este amor é também
possível na família a qual, portanto, pode ser uma via de ascética e de perfeição
cristã.
O amor na família se constrói. Ele não nasce automaticamente após o
“sim”. Existe uma infância, uma adolescência e uma maturidade também do amor.
Existe uma ascética a seguir se se quer chegar ao amor pleno. É necessário
descobrir a riqueza da cruz se se quer possuir um amor duradouro.
No inicio da vida familiar o afeto natural, o entusiasmo da descoberta
recíproca, podem sustentar a união entre os dois; depois tudo isso não é mais
suficiente. Se os dois não querem permanecer na mediocridade do dia a dia,
devem amar-se segundo a linha ensinada por Jesus até o ponto de renegar-se a si
próprio em beneficio do outro, amando o outro como ele é e não como
gostaríamos que fosse.
Nenhum amor amadurece se não descobre o caminho de Jesus.
Muitas pessoas, talvez todas, conhecem por experiência o que é a dor e
sabem que a dor paralisa toda iniciativa e generosidade se não é transformada em
amor. Mas para tomar-se amor deve partir do “renega-te a ti mesmo” do
Evangelho. Não existe outra condição para vencer o egoísmo e ir ao encontro do
outro, conviver com ele, crescer com ele.

23
Na família, o amor se realiza sempre que damos lugar ao outro, porque o
amor só cresce quando se ama assim, sem esperar ser amado ou compreendido
pelo outro.
Uma das maiores dores é aquela de não ser compreendido por quem mais
nos deveria entender, porque a ele (ela) unimos a nossa vida. Mas esta
incompreensão não deve se transformar em incomunicabilidade, em
ressentimento; deve, ao contrário, transformar-se em amor. Pode acontecer
também que nos sintamos “postos de lado”, não sejamos escutados. Todos nós
temos nossos limites, físicos ou espirituais, reconhecer esta minha inferioridade,
aceitá-la, isto é um ato de amor! Qual inferioridade, desprezo maior do que aquele
de Jesus na Cruz. escárnio para os homens? Assim, qual maior capacidade de
amar pode ser demonstrada?
Na família o amor cresce se se valoriza todas as dores e não apenas as
alegrias. O combustível para alimentar a união, a unidade entre os dois, são
justamente as dificuldades externas e internas: as internas são aquelas que nascem
da diferença de caráter, dos próprios limites, da educação recebida, dos próprios
conhecimentos, etc.; as externas são os contratempos, mudanças improvisadas,
circunstâncias inesperadas, doenças.
Diante desses fatos é comum dizer: “é o destino, foi uma imprevidência,
um cálculo errado, um esquecimento”. Devemos, ao invés, habituar-nos a
descobrir em todas essas contrariedades a presença de Jesus Crucificado e
Abandonado. Jesus o homem Deus modelo de ascética e caminho obrigatório para
a unidade e o amor.
Sei que esta linguagem é pouco aceitável, mas o amor do cônjuge cristão
não pode ter outra medida além daquela do amor de Cristo que é um amor sem
medida.
O amor cristão também na família, é testemunho: contra a lógica do
mundo, contra tudo aquilo que pode ser juridicamente justo, aprovado, requerido
também pelas normas da convivência civil.
Assim a dor e as dificuldades na vida de família têm um nome: AMOR.

24
A FAMÍLIA É O FUTURO

I PARTE

1) Muitos estudiosos já tentaram definir e estudar a família que é a célula mãe da


sociedade. Entretanto, gostaríamos de nos ater aqui sobre o pensamento de
Deus sobre a família. Esse pensamento de Deus sobre a família encontra-se
enraizado na Bíblia e nos indicará seu dever-ser.
2) O matrimônio tem um cunho sagrado:
• no início da criação, ele criou um homem e uma mulher. É o
nascimento da família . A descoberta do outro. Deus entrega o
mandamento do amor recíproco e convida a povoar a terra;
• a família está gravada no ser humano;
• um dar ao outro o dom de si mesmo;
• no esforço recíproco de se tornarem uma coisa só, abertos aos
filhos, verifica-se o encontro e a participação do homem e da mulher
com o mundo;
a) o homem está orientado para a construção do mundo;
b) a mulher ajuda no processo de humanização.
3) A família está indissoluvelmente ligada ao mistério da própria vida de Deus
que é Unidade e Trindade (um só Deus em três pessoas). O nós divino, a
Trindade, constitui o modelo do nós humano (a família)
4) O amor humano tem suas estações:
• o enamoramento que é uma centelha do amor de Deus, o sopro do
amor de Deus para formar a família;
• a estação dos frutos, do crescimento, da consolidação
• a capacidade de amar deve renovar-se continuamente. É nessa
dinâmica que está encerrado o futuro do casal;
• a fecundidade do casal tem múltiplas expressões:
a) geração de novas vidas,

b) participantes no processo de criação do mundo,


c) cooperadores na ação criadora do mundo
d) um tesouro de amor e amizade = amor nupcial, materno,
paterno, filial, fraterno
• Deus concebeu a família como uma misteriosa jóia impregnada de
amor, uma comunidade de pessoas que deve irrigar uma superfície
cada vez maior, estender-se a outros;

25
• no mundo existem estruturas e instruções para o bem do homem,
mas é preciso humanizá-la e para tanto, não é necessário uma
profunda revolução social. Bastaria que cada família seguisse o
plano que Deus tem para ela.

II PARTE
Será que a família, hoje, está lembrada de que é uma instituição divina, de que
Deus a plasmou no modelo da Trindade?

1) A família afastou-se da proposta divina, daquilo que deveria ser.


2) O individualismo — O homem esqueceu que deve servir o outro homem, que
nasceu para o amor. E o que faz? Explora , violenta, retira a dignidade do
outro.
3) O consumismo — a forma mais moderna do ateísmo: promove o homem e a
mulher de acordo com as necessidades e os bens de consumo.
• devo gastar compulsivamente comigo mesmo, afinal fui eu que ganhei
o dinheiro e aquele outro que não ganhou não deve ter direito a nada,
deve ser ignorado, deve ser marginalizado. O homem esquece que o
outro não ganhou porque negaram-lhe o direito de ter um emprego digno,
de ir a escola, de alimentar-se adequadamente.
4) O hedonismo — sociedade voltada para o prazer, tornou a sexualidade
separada do amor e da fecundidade. Busca-se o outro pelo prazer que causa.
Se não causar prazer, procura-se outra pessoa. Se tornou-se em algo que não
me causa mais prazer, devo livrar-me dele. O mesmo acontece com o doente,
com o que está sofrendo.
5) A família tornou-se frágil e sem respeitabilidade da sociedade que cria leis que
a atacam, como: a legalização do aborto, o divórcio, a eutanásia, as
experiências bio-genéticas etc.
6) E quais são as vítimas:
• os mais fracos;
a) as crianças que se vêem privadas do convívio com os pais;
b) que têm suas vidas ceifadas antes de virem ao mundo;
• os idosos que não podem mais produzir, que são um estorvo e devem
ser eliminados.
• os pobres, os doentes.
7) Bovet escreve “a família é como um organismo e os seus membros são como
seus órgãos”. Como cada organismo tem uma cabeça, coração, células, a
família tem pai, mãe, avó, avô, filhos. Se um se afasta, o organismo fica
mutilado. Não adianta fazer transplante. Não existe transplante para o pai, a
mãe. Horácio, poeta romano, apesar de ser um escritor pagão, tinha um grande
respeito pela família : “A devastação que destrói as nações e os povos tem sua
fonte na família que vocês conseguiram corromper”.

26
8) A família é, hoje, o recipiente da dor da humanidade. Não existe nenhum
instituto de estatística no planeta que nos possa indicar as proporções deste
fenômeno.
São: parceiros abandonados; filhos que vivem sem os pais; drogados;
delinqüência, prostituição, idosos abandonados, fome, miséria, doentes sem
assistência, marginalizados. Diante desse quadro, haverá um futuro para a
família?

III PARTE

1) A compreensão de que cada dor da família tem um referente bíblico que é o


grito de Jesus na cruz : “meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”.
2) As dores na família têm um único nome: Jesus Abandonado que naquele grito
salvou a humanidade, remiu toda culpa, enxugou todo pranto.
3) Deus poderia ter encontrado milhares de maneiras de salvar-nos, de redimir-
nos. Mas escolheu a dor, o que nos leva a crer que a dor é valiosíssima para
nossa salvação.
4) Mas como comportar-se diante de uma situação dolorosa? Devo rejeita-la,
fugir dela? Não, não. Não devo rejeita-la, tentar fugir dela mas reconhecer
naquela situação um vulto de Jesus crucificado e abandonado. E o que se faz
quando se vê Jesus? Ama-se, porque Jesus é amável, é paz, nos plenifica. Isso
não significa ficar de braços cruzados, lamentando-se passivamente e
permanecendo na dor. Devo fazer toda a minha parte para atenuar aquela
situação, lembrando-se que depois da morte veio a ressurreição.
Concretamente isso pode ser amar e ajudar um filho drogado, um esposo
alcoólatra, um doente, com paciência infinita, com humildade, sem
lamentações ou recriminações, sem procurar explicações outras ou mesmo um
bode expiatório.
Chiara nos ensinou a dizer, em situações dolorosas, uma pequena frase que
nos ajuda a dar o passo: “És tu Senhor, o meu único bem”.
5) Não há tragédia humana ou fracasso familiar que não esteja contido no grito
do Homem-Deus. Com a sua morte, e morte de cruz, Ele já pagou tudo,
assinou uma promissória em branco, capaz de resgatar a dor e o pecado da
humanidade do passado, do presente e do futuro.
Por meio daquele vazio, voltou a jorrar a graça, a vida de Deus para o
homem. Ele criou homens novos, famílias novas.
Será o nosso “sim”, o nosso gesto de amor e de aceitação, que começará a
desfazer o nosso individualismo, tornando-nos homens novos, capazes de
resolver e revitalizar com amor as situações mais desesperadoras.
A família que possuir esta dimensão, poderá recuperar o original esplendor do
desígnio de Deus, abastecendo-se na fonte do amor que Cristo trouxe sobre a
terra e que disse: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, no
meu amor, ali estou no meio deles”. É uma possibilidade oferecida também à
família de tornar-se um lugar onde Deus esteja sempre presente. Vivendo
assim, será capaz de testemunhar, anunciar, curar o tecido social ao seu redor,

27
pois a vida fala por si só. Ela abre as portas e o coração para as dores da
humanidade e é capaz de ameniza-la.
“Salvar a família — escreveu um grande escritor católico, Igino Giordani — é
salvar a civilização. O Estado é composto por famílias; se elas decaírem,
também ele vacilará”. E disse ainda: “Os esposos se tornam colaboradores de
Deus ao dar à humanidade vida e amor. (...) O Amor que da família se dilata à
profissão, à cidade, à nação, à humanidade, é uma distribuição em forma de
círculos como uma onda que se dilata ao infinito. Por vinte séculos arde uma
inquietação revolucionária, acendida pelo Evangelho, e clama por amor”.

28
Jubileu das Famílias (Roma), 12 de outubro de 2000
Congresso Internacional Teológico-pastoral:
“Os filhos. Primavera da família e da sociedade”
A EVANGELIZAÇÃO DOS FILHOS

Autoridades eclesiásticas, senhoras e senhores,

1. Introdução. O tema proposto para este momento do nosso Congresso (a


evangelização dos filhos) é, mais do que nunca, importante para os nossos
filhos, para as famílias, para a comunidade eclesial e para a sociedade civil.
De fato, conseguir transmitir os valores do Evangelho às novas gerações
significa estabelecer hoje uma convivência mais solidária e de elevado perfil
ético, e, sobretudo, criar as bases para que assim continue também no futuro.
Existem várias maneiras de transmitir o Evangelho.
Aqui, eu me limito a falar daquela que conheço, isto é, da experiência de
educação evangélica das crianças que participam do Movimento dos Focolares, o
qual tenho a honra de presidir.
2. Jesus ama as crianças. Os Evangelhos nos revelam o quanto Jesus ama as
crianças. Lemos no Evangelho de São Marcos: «Então lhe traziam algumas
crianças para que as tocasse; mas os discípulos o repreenderam» (Mc 10,13-
16). E no evangelista Mateus: «Vendo, porém, os sumos sacerdotes e os
escribas (...) os meninos que clamavam no templo: «Hosana ao Filho de
Davi”, indignaram-se, e perguntaram-lhe: “Ouves o que estes estão
dizendo?”» (Mt 21,15-16).
Diante da agitação dos discípulos e da indignação dos sumos sacerdotes,
Jesus assume outra atitude. De fato, existe uma total divergência entre o modo de
Jesus de avaliar pessoas e acontecimentos e o deles. Para Jesus a “criança” é
inclusive o modelo do discípulo que Ele tem em mente. Com efeito, Jesus diz:
«Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos fizerdes como
crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus» (Mt 18, 3).
3. As crianças amam Jesus
E o amor de Jesus pelas crianças é prontamente retribuído. Elas ficam
fascinadas por Ele. A presença das crianças ao seu redor é constante na sua vida
pública e, justamente porque Jesus as ama e é amado por elas, Ele toma-se o
amigo e o verdadeiro “mestre” das crianças. E isso não se verificou somente há
dois mil anos pelas ruas da Palestina, mas continua e continuará a se verificar ao
longo dos séculos com todas as crianças do mundo. Uma mãe recentemente me
escreveu que sua filha, de cinco anos, não sabia se participava de um encontro de
formação sobre o Evangelho, pois esse encontro (de quatro dias) seria feito longe
de Bari, a sua cidade. Teria que dormir pela primeira vez fora de casa, sem a
mamãe e o papai. Sua mãe me contou: «Um dia Ângela chegou em casa decidida.
Ela tinha ouvido como as crianças viviam o Evangelho “Quero fazer como elas.
Me dê a mala — disse-me —, colocarei os sapatos sem laços, vestidos sem
botões, porque você não irá comigo, mamãe, e não poderá me vestir...’». São
experiências que podem nos fazer rir, mas a mãe dessa menina quase chorou,
«porque — me escreveu — sentiu que Jesus tinha conquistado o coração da

29
filha».
4. Os pais são os primeiros educadores
A “educação”, entendida como «promover o desenvolvimento integral
dos filhos no campo religioso, moral, comportamental, cultural e social», provém
de diversos agentes, que muitas vezes interagem entre si. Eles são, em primeiro
lugar, os pais e a família; depois, o Jardim de Infância, a Escola Fundamental, a
comunidade eclesial, com os seus campos de atuação e especialistas em formação,
as agremiações, os meios de comunicação social. Porém, gostaria de limitar esta
nossa reflexão à família.
Como os pais e as famílias poderão desempenhar da melhor maneira
possível a sua missão de educadores? Em primeiro lugar, empregando ao máximo
aqueles recursos pedagógicos próprios que derivam do fato de serem pais;
recursos potencializados pela experiência pessoal e pelo eventual patrimônio
cultural, oferecido pelo contexto social em que vivem. Trata-se do primeiro e
insubstituível instrumento educativo, que todos os pais por natureza possuem.
5. Fazê-los encontrar Jesus

Porém, existe também uma perspectiva mais ampla e mais elevada. Os


pais cristãos acreditam que seus filhos entram na dimensão existencial como um
“projeto de imortalidade”. O projeto de Deus para o homem é uma vida que
começa fraca e indefesa, cresce e se afirma na interação com as criaturas e a
criação, supera a morte e entra na perene novidade da condição divina, para se
tomar e viver como “filho de Deus”1. Trata-se da aventura humana de Cristo o
qual, para viver essa aventura, teve que ser “acolhido e ajudado no seu
crescimento”2 por uma simples e pobre família, como disse João Paulo II; essa
família podia ser “simples e pobre”, mas certamente era possuidora daqueles
recursos espirituais e humanos que faziam com que ela tivesse o ambiente
adequado para a formação daquele Homem. E cada família deve acreditar no amor
de Deus, o qual junto com o dom da vida, prepara para cada filho seu o ambiente
onde crescer e o caminho a percorrer. Mas qual é o caminho? Nós o conhecemos:
«Eu sou o caminho — disse Jesus —. Ninguém vai ao Pai a não ser por mim» (Jo
14,6).
Educar um filho significa, em última análise, fazê-lo encontrar Jesus. A
frase «deixai vir a mim as criancinhas...» (Mc 10,14) é uma sublime síntese de
método educativo evangélico para uma formação não só religiosa, mas
integralmente humana. Será que há dois mil anos encontrar Jesus era mais fácil?
Não sei... A história da salvação caminha e Cristo continua a estar conosco, como
havia prometido. E os vários modos de Ele estar presente, como prometeu, são o
ponto de contato entre a família e Ele. Gostaria de examinar brevemente dois
desses modos, muito apropriados ao núcleo familiar.
6. Jesus está presente...

Um primeiro modo de Jesus estar presente é quando vivemos aquela sua


famosa e explícita declaração: «Onde dois ou mais estiverem reunidos no meu
nome, ali estou eu no meio deles» (Mt 18,20). Portanto, Jesus está presente onde
estivermos unidos. Segundo muitos Padres da Igreja e a tradicional interpretação
do magistério, isso significa estar unidos n’Ele, na sua vontade, na prática, no
amor recíproco, que é o seu mandamento3. Pois bem, uma família ou um casal

30
pode estabelecer aquela condição com a qual, segundo Orígenes, Cristo é «atraído
e desafiado»4 a estar presente entre seus membros? Todos constatamos que a
família já é uma rede de amor, de amor humano que liga o pai à mãe; os dois aos
filhos; os filhos aos pais; os filhos entre eles e ainda aos tios e avós; aos sobrinhos
e netos. Se a família usufruir também do amor divino, que a vida cristã lhe
oferece, daquele amor divino que foi infundido nos corações pelo Espírito Santo,
então Cristo poderá estabelecer-se realmente nessa família, potencializando o
amor humano, que já existe, e a graça do sacramento do matrimônio.
Os pais que se amam assim levam Jesus para casa.
7. A arte de amar segundo o Evangelho

E como é esse amor humano-divino, o amor evangélico? Praticamente,


como se ama segundo Jesus? Aqui é mesmo necessário fixar a nossa atenção para
compreender aquela que, de certo modo, pode se chamar a arte de amar de Cristo.
Ela é exigente.
É um amor que ama a todos. É um amor que é o primeiro a amar. É um
amor que ama sempre, que nunca se acaba. É um amor que entra na realidade do
outro, que sabe fazer-se um com o outro. Enfim, é um amor que no outro, em
quem quer que seja, vê e ama Jesus, segundo as suas palavras... «A mim o
fizeste» (Mt 25,40).
8. O mestre em casa

Se numa família os esposos se amam e amam desse modo, recomeçando


sempre, sabendo morrer a si mesmos por amor ao outro, esse amor recíproco, que
estabelece o Mestre em casa, atrai os filhos. De fato, faz parte da ordem natural
das coisas que os filhos tenham a tendência a imitar o comportamento dos pais. E,
se é mesmo assim, levando em consideração somente o lado humano da família, o
que poderá acontecer quando os pais forem imbuídos pela graça do sacramento e
pela presença mística de Jesus entre eles? Eu tenho a grande sorte de receber
cartas de muitas crianças, porque a parte juvenil do nosso Movimento,
compreende também as crianças pequenas; e posso constatar a ação educadora
espontânea, por assim dizer, de uma família que procura viver o amor evangélico.
«Ontem, papai me pediu para ir pegar vinho na adega — me escreveu Betty, de
seis anos, de Milão —. Descendo as escadas, era escuro e tive medo. Depois, rezei
para Jesus e senti que Ele estava perto de mim. Às vezes falo com Jesus. Outro dia
eu estava no meu quarto fazendo o dever de casa e comecei a conversar com Ele;
eu lhe disse muitas coisas e não queria mais parar de falar. Sabe, quando faço um
ato de amor, sinto uma coisa bela dentro de mim, como se alguém me fizesse
elogios e me agradecesse. Nesse momento, penso que esse alguém é Jesus».
Uma mãe francesa me escreveu: «Antes de colocá-los para deitar, rezo de
joelhos sobre o tapete com os dois filhos maiores. Ontem à noite, Ruth me fez
notar que Davi, o menor, continuava a brincar. “Deixe estar”, eu lhe disse, “é
assim que ele reza”. Assim, nós nos recolhemos e rezamos as orações da noite.
Quando abrimos de novo os olhos, Davi estava ao meu lado com as mãos postas.
“Você viu, mamãe — me disse Catarina —, se nós amamos, Jesus lhe ensina as
coisas”».
9. Jesus na sua Palavra

31
Outra presença de Jesus, significativa para o tema que estamos
abordando, é aquela presença na sua Palavra. Naquilo que diz respeito à nossa
experiência espiritual, podemos dizer, e é o que repetimos, que «nascemos com o
Evangelho nas mãos» e continuamos assim. Escolhemos uma frase para colocar
em prática durante um mês na nossa vida do dia a dia. Assim, a nossa existência é
“evangelizada” e imersa em Deus, presente totalmente em cada fragmento da sua
Palavra. Com essa simples técnica pedagógica da gradação e da plenitude, Deus
nos fez viver uma experiência espiritual e educativa forte e em continua expansão.
É uma experiência que envolve também as nossas famílias e as famílias das
comunidades que se agregam ao redor dos Focolares e que partilham a nossa
mesma aventura espiritual.
10. Explicar minuciosamente o Evangelho aos filhos

E nessas famílias, assim como para os filhos pequenos parte-se em


pequenos pedaços o pão cotidiano, também é preciso explicar por partes o
Evangelho. De que modo? Exatamente como nós, adultos, fazemos. Escolhemos
— como eu disse —, a cada mês, uma frase com o sentido completo, com um
comentário aprovado pela Igreja, compreensível a todos, e procuramos vivê-la nas
pequenas e grandes ocasiões do dia, quase competindo com os filhos em um santo
e alegre espírito de imitação. Assim, se o papai e a mamãe contarem à noite como
conseguiram viver como cristãos os acontecimentos do dia, será espontâneo para
os filhos fazer o mesmo, contando as suas experiências. São momentos em que
responsabilidade e reciprocidade tecem de modo admirável o relacionamento
familiar5. Nas crianças, que crescem em famílias assim, essa formação diária, com
uma mentalidade segundo o Evangelho, é espontânea, e isso as levará a avaliar
pessoas e situações como Jesus, com o seu modo de pensar. Aprenderão a ver na
humanidade a grande família dos filhos de Deus, e a usar das coisas deste mundo
com espírito puro e solidário, possuindo uma reta hierarquia de valores que as
guiará sempre na vida. É claro, chegarão também as provações para os filhos e os
períodos de crise e busca; sobretudo na adolescência e no início da juventude
conheceremos a sua rebeldia e contestação, mas nenhuma atitude sua, por mais
grave que seja, deverá paralisar ou apagar a nossa caridade em relação a eles. A
arte de amar, que Jesus nos ensinou, nos indicará como “nos fazer um” até o fim,
nas várias etapas do seu crescimento; colocará nos nossos lábios as palavras justas
de advertência, nos manterá sempre abertos ao diálogo e à partilha dos seus
interesses. Saberemos “perder tempo” com os filhos. Saberemos criar amizade
com eles e ser seus confidentes. Porém, se a rebeldia perdurar, manteremos
sempre a porta de casa aberta e reconheceremos na nossa dor uma sombra da dor
de Cristo crucificado, que também viveu o abandono da parte de todos, inclusive
do Pai. Nós a aceitaremos, como Jesus fez, permanecendo serenos. Nós
acreditamos, porém (e muitas experiências nos confirmam isso), que todos os
valores depositados neles permanecerão gravados para sempre, porque, no
momento mais importante da sua vida, quando se plantam as bases da
personalidade e do caráter, tiveram a grande sorte de encontrar Jesus, presente
entre os pais, presente com a sua Palavra na vida deles.
11. As crianças sabem viver a Palavra

É realmente verdade que as crianças sabem viver, melhor do que nós,


com generosidade e totalitariedade, a Palavra de Deus. No ano passado, tive a
idéia de propor-lhes um jogo: escrever nos lados de um dado as regras da arte de

32
amar, de que falei ainda há pouco, convidando-os a lançá-lo de manhã, quando se
levantam, para escolher de que modo amar a todos aqueles que encontrariam
durante o dia. Foi incrível a resposta entusiasmada e os ecos que recebi de todas
as partes do mundo. Um pai de Genova me escreveu: «Eu estava lavando os
pratos quando Lucas entrou na cozinha. Pegou o pano de prato e começou a
enxugar. “Esteja atento em não quebrar nada”, eu lhe disse meio maravilhado com
a sua generosidade. E ele, todo satisfeito, me respondeu: “Quando mamãe voltar,
encontrará tudo limpo. Sabe, papai, quando eu for para o Paraíso Jesus me dirá:
‘Naquela vez que você ajudou seu pai, foi a mim que você ajudou’”». Irene, Ilária
e Laura, três irmãzinhas de Florença, estavam indo com a mãe fazer as compras
de carro. Passam na frente da casa do avó e perguntaram se podiam ir dar-lhe um
abraço. A mãe disse: «Vão vocês. Eu espero no carro!» Quando voltaram,
perguntaram: «Mãezinha, por que não veio?» A mãe respondeu: «O vovô não se
comportou bem comigo; assim, ele compreende que...» Ilária a interrompeu: «Mas
mãe, estamos vivendo a Palavra: amar a todos, também aos inimigos... » A mãe
ficou sem palavras. Olhou para elas e sorriu: «Vocês têm razão! Esperem, que
volto já». E foi vê-lo também. E agora, para concluir, desejo ler ainda dois
episódios simpáticos sobre estas crianças educadas segundo o Evangelho. São
episódios significativos, que por vezes são até engraçados.
Temos milhares de pobres no Movimento que ajudamos de um modo
especial e as crianças contribuem. Eis o que Marco me escreveu: «Querida Chiara,
sou Marco, um gen 4 de Cosenza. Mamãe e papai me disseram que você está
fazendo algumas contas para ajudar os nossos pobres e entendi como é a situação,
por isso lhe mando o dinheirinho que o “anjinho” me deixou no lugar do meu
primeiro dentinho que caiu. Sabe, Chiara, eu também fiz os meus cálculos: devem
cair ainda 11 dentinhos... Chiara, tenho certeza de que conseguiremos a soma
necessária e não teremos mais pobres no mundo!».
Kanna é uma gen 4 de Nagasaki. Ela vai ao Jardim de Infância. Muitos
dos seus amigos são de outras religiões, também a professora não é cristã. No
final do ano, a professora saúda, uma por uma, todas as crianças da classe.
Quando chega a vez de Kanna, ela lhe diz: «Eu lhe agradeço porque você nos fez
conhecer Jesus. Quando você nos falava sobre Ele, sentia-se que Ele estava perto
de você. Você nos ensinou as orações que aprendeu em sua casa: são belas. Hoje
de manhã, vi que você deu a uma amiguinha o prêmio que você recebeu. Isso me
comoveu! Eu estou para me casar, mas antes quero receber o batismo e estou me
preparando, porque também eu quero acreditar em Jesus como você».
Peçamos a Maria, que educou o Mestre por excelência, que nos transmita
um pouco da sua materna pedagogia. Obrigada pela atenção dispensada.

Chiara Lubich

NOTAS

1. Cf L.Macario, L’educazione religiosa, in N.Galli (aos cuidados de),


Vogliamo educare i nostri figli, Vita e Pensiero, Milão 1985, p. 272;

33
2. João Paulo II, Angelus 26.12.1999, L’Osservatore Romano, ed. italiana, 27-
28 de dezembro de 1999, p. 9;
3. Cf Chiara Lubich, Scritti SpiritualV3, Tutti uno, Città Nuova 1989, p. 173;
4. Commento aí Cantico, 41, p.l3, 946;
5. Cf. G.Milan, Disagio adolescenziale e strategie educative, Cleup Pádua
1999, pp. 56 e segs.

PARA REFLEXÃO A DOIS

1. Vocês se colocam de acordo na educação dos filhos?


2. Pedem ajuda a Deus para educá-los?

34
ÍCONE DO CASAL CRISTÃO

Como conseguirei — interroga-se Tertuliano, sábio dos primeiros séculos


do cristianismo — exprimir a felicidade do matrimônio contraído diante do altar,
perante a Igreja, reforçado pela oferenda eucarística, marcado pela bênção, que os
anjos anunciam e o Pai ratifica? Que magnífico par constituído por dois fiéis em
uma única esperança, em uma única observância, em uma única servidão! Ambos
são irmãos e ambos servem juntos; não há divisão alguma nem de espírito nem de
corpo. Ao contrário, são realmente dois em um só corpo; e onde o corpo é único,
único é o espírito [...]. Juntos rezam e juntos jejuam; um ensina ao outro, um
honra o outro, um sustenta o outro [...]. Estão unidos nas angústias, nas
perseguições, nas consolações. Não têm segredos um para o outro, não se evitam
nem se molestam; visitam livremente os mais necessitados, sustentam os
indigentes. Cristo se alegra vendo e ouvindo tudo isso, e lhes envia sua paz (Ad
uxorem).
Este texto, conhecido como “ícone do casal cristão”, data do início do
século III. É uma espécie de “contemplação” do protótipo de humanidade
associada — a família — vista em seu princípio constitutivo:
... ser uma comunidade de vida e de amor [...] cuja missão é
guardar, revelar e comunicar o amor, qual reflexo vivo e participação real
do amor de Deus pela humanidade.
O amor entre o homem e a mulher no matrimônio e, de forma derivada e
ampla, o amor entre os membros da mesma família — entre pais e filhos,
entre irmãos e irmãs, entre parentes e familiares — é animado e impelido
por um dinamismo interior e incessante, que conduz a família a uma
comunhão sempre mais profunda e intensa, fundamento e alma da
comunidade conjugal e familiar (FC, 17-18).
Surge então uma pergunta: Quem dá origem e quem alimenta esse
“dinamismo incessante” para a comunhão, que impulsiona a família a
buscar continuamente a unidade? João Paulo II sugere, no mesmo
documento, uma resposta:
Aos membros da família cristã podem aplicar-se, de modo particular, as
palavras com que Cristo promete sua presença: “[...] Onde dois ou três
estiverem reunidos em meu nome, eu estou no meio deles” (ibid., 59).
É este o aspecto mais importante para duas pessoas que se amam, para
uma família:
Se estamos unidos — diz Chiara Lubich — Jesus está entre nós. E isto
tem valor! Vale mais do que qualquer outro tesouro que nosso coração pode
possuir: mais do que a mãe, o pai, os irmãos, os filhos. Vale mais do que a casa, o
trabalho, os bens; mais do que as obras de arte de uma grande cidade; mais do que
os nossos afazeres, mais do que a natureza que nos circunda, com as flores e os
campos, o mar e as estrelas; vale mais do que nossa própria alma (1983, p. 35).
Podemos afirmar, então, que a finalidade unitiva do matrimônio é
completamente realizada e sublimada.

35

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