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Resumo
1. Introdução
Almeida sugere que no Brasil, desde a década de 1990, com o governo Collor,
podemos observar indícios da implementação do “projeto neoliberal” (p. 43). Segundo ela,
durante o governo de Fernando Collor, com a gradativa redução do tamanho do Estado, e
consequente privatização de diversas empresas estatais, entre outras políticas adotadas
durante seu mandato, preparou-se o terreno para a emergência acentuada do neoliberalismo
no Brasil, que ocorreria a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2001), onde
vários instrumentos legais foram criados para “beneficiar credores no Estado brasileiro, como
a isenção fiscal para instalação de grandes indústrias” (p. 43). Desde então, gradativamente,
políticas desse cunho vem sendo empregadas e o ideário político-econômico do
neoliberalismo emerge, de forma cada vez mais acentuada gerando graves consequências para
a sociedade civil brasileira.
Ainda que tenha sido usado quase que exclusivamente para fazer referência geral às
políticas de ajuste econômico, segundo Gentili (2001), é possível defender a tese de que existe
um Consenso de Washington no campo das políticas educacionais que tratariam de “transferir
a educação da esfera política para esfera do mercado negando sua condição de direito social
e transformando-a em uma possibilidade de consumo individual, variável segundo o mérito e
a capacidade dos consumidores.
Entre as modalidades de privatização elencadas pelo autor, cabe ressaltar uma que
segundo ele, podemos destacar como uma das mais originais tentativas de privatização do
ensino público: “a delegação de determinadas funções educacionais para o setor privado com
a manutenção do financiamento público” (Ibidem, 2001, p. 86).
Segundo o autor, a problemática dessa modalidade de privatização vai além da pouca
interferência do Estado nas políticas públicas. Esse tipo de privatização elucida “uma dimensão
peculiar e pouco estudada da reforma escolar em curso” (Ibidem, 2001, p. 86).
E é justamente esse tipo de política, quem vem chamado a atenção, no Estado de Goiás,
onde se encontra em curso processos de reformas na educação que visam transferir a
responsabilidade do Estado para Organizações Sociais no que tange à gestão escolar.
Nesse contexto, surgem no final da década de 1990, com a publicação da Lei federal
nº 9.637, de 15 de maio de 1998, as OSs. Segundo o Art.1º, da referida lei, o poder executivo,
pode qualificar como organizações sociais,
Pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam
dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção
e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos
nesta Lei. (BRASIL, 1998)
Mazza (2013), compreende que esse movimento em direção às OSs e ao terceiro setor,
está relacionado a um processo de privatização “lato senso, realizado por meio da abertuda de
atividades públicas à iniciativa privada” (p. 157). Posição essa, condizente com a defendida por
Gentili (2001). segundo o autor, “privatizar não significa ‘afastamento’ do Estado e sim, em
alguns casos, participação decidida de um aparelho governamental, ele mesmo privatizado, que
opera em benefício dos grupos e corporações” (p. 87).
Como podemos observar, houve uma ampliação significativa nos setores em que as
OSs podem vir a atuar. Por que essa ampliação? Por que a implementação dessas medidas neste
momento político, econômico e social específico? É sobre essas questões que iremos nos
debruçar.
Para compreender melhor esse aspecto, é preciso que nos debrucemos um pouco sobre
uma compreensão materialista do papel do direito e do estado em nossa sociedade. Para isso,
precisamos revisitar brevemente, alguns postulados a respeito da teoria do estado, a partir de
uma compreensão marxista de sua origem e função em nossa sociedade.
Neste Estado, conforme sugere Almeida (2009), a razão é a lei natural que orienta a
ação dos homens. Aqueles que não seguissem essa lei, poderiam ser castigados por todos os
outros homens, estes tornando-se executores das leis da natureza. O autor argumenta que “todos
os governantes estão em Estado de natureza enquanto não concordem em formar uma
comunidade, fundando um corpo político” (LOCKE, 1978 apud ALMEIDA, 2009, p. 34).
Dispor e ordenar, conforme lhe apraz a própria pessoa, as ações, as posses e toda a
sua propriedade, dentro da sanção das leis sob as quais vive, sem ficar sujeito à
vontade arbitrária de outrem, mas seguindo livremente a própria vontade (LOCKE,
1978 apud ALMEIDA, 2009)
O Estado, definido pelo autor como Estado político, neste contexto nasce de um pacto
entre os seres humanos que compõem a sociedade. É ele quem regulamenta as relações de
propriedade, garantindo que os homens não empreendam ações lesivas uns aos outros e é ele
que garante a liberdade e o direito à vida, propriedade inicial para todos os homens (ALMEIDA,
2009).
Temos aí, algumas das principais características do Estado Moderno. Estes postulados
referem-se à organização de uma instituição que está presente enquanto ente regulador das
relações em nossa sociedade. No entanto, cabe destacar que esta é uma compreensão liberal do
Estado e seu papel na sociedade civil. O Estado, e suas leis, não são uma entidade “neutra”, que
tem em seu papel a “função” de garantir a lei e a ordem impedindo que os homens prejudiquem
uns aos outros.
Os indivíduos que compõem o Estado não são uma massa homogênea, mas
indivíduos situados em contextos sociais específicos e que compõem e
representam classes específicas, sendo estas compostas de grupos que se juntam ou
se separam no processo das lutas sociais pelo controle do Estado. (pp. 32-33, grifos
nossos)
Cabe então, retomar os questionamentos feitos anteriormente: Por que essa ampliação
da área de atuação das OSs para diversos setores do Estado? Por que a implementação dessas
medidas neste momento político, econômico e social específico?
Pachukanis (2017, p. 234), compreende que “a assim chamada ‘ideia do direito’ nada
mais é do que a expressão unilateral e abstrata de uma das relações da sociedade burguesa”.
Isto é, o campo jurídico, compreendido pelo liberalismo em uma dimensão de “neutralidade”
no que tange à normatização da sociedade civil, na verdade, também é um campo da luta de
classes, em que as disputas e as relações de dominação se manifestam.
2
Cabe considerar que conforme sugere Mann (1992), o Estado possui uma autonomia relativa em relação à
sociedade civil. Sendo que em alguns contextos, suas ações podem vir a entrar em conflito com algumas frações
das classes sociais em disputa pelo poder de Estado. Isto é, a composição social das instituições em que o poder
de Estado se materializa não é um determinante absoluto da orientação de suas políticas. No entanto, para os fins
deste artigo, seguiremos discutindo o caráter de classe do estado e suas políticas.
o objetivo de “aperfeiçoar e aprimorar a lei sobre o tema” (GOIÁS, 2016), vêm sendo
empreendidas para “facilitar” o avanço das políticas neoliberais no Estado de Goiás.
4. Análise da política de gestão por OS, proposta pelo governo do Estado de Goiás
Nos últimos tempos, têm se assistido a uma disputa3 no campo da educação goiana, no
que se refere à implementação, pelo atual governo de uma política que prevê a “celebração de
Contrato de Gestão objetivando o gerenciamento, a operacionalização e a execução das
atividades administrativas, de apoio para a implantação e implementação de políticas
pedagógicas definidas pela [Secretaria de Estado de Educação, Cultura e Esporte] SEDUCE
nas Unidades Educacionais da Rede Pública Estadual de Ensino” (GOIÁS, 2015, p. 1).
O projeto que têm como objetivo, transferir a gestão das escolas para as OSs previa
inicialmente, abarcar somente a “Macrorregião IV, Anápolis” (Ibidem, 2015, p. 1), e
posteriormente, conforme a secretária de Educação, Cultura e Esporte, Raquel Teixeira
declarou em entrevista à TV UFG (2016), pretende-se ampliar para toda a rede de ensino do
Estado.
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A decisão do governo de transferir a administração das escolas da rede pública às Organizações Sociais (OSs)
gerou uma série de manifestações por parte de parcela população goiana, em especial, parte dos estudantes da
educação básica da rede pública de ensino do Estado de Goiás, que iniciaram em Dezembro de 2015, um
movimento de ocupação das escolas por todo o Estado, intitulado Movimento “Secundaristas em Luta – GO” como
forma de protesto, contra a implementação das OSs na educação goiana, argumentando que o mesmo, estaria com
a referida política pública, iniciando um processo de privatização e terceirização da educação goiana.
sentido, como a inserção das OSs na administração dos Hospitais públicos em 2011 e, a partir
de 2015 iniciou-se o processo de implementação das Organizações Sociais na educação.
As variáveis consideradas no estudo foram “i) perfil da escola; ii) localização; iii)
indicadores de desempenho, iv) indicadores de contexto ou socioeconômicos, v) indicadores de
infraestrutura e vi) indicadores econômico-financeiro das escolas” (GOIÁS, 2015). A partir
desse processo, agrupou-se as escolas em grupos com perfis semelhantes, buscando selecionar
as escolas com o perfil mais adequado para a OS atuar.
Cabe destacar que até o momento, três editais consecutivos foram suspensos pos
irregularidades.4 Membros das Organizações Sociais estão envolvidos em processos judiciais e
não possuem idoniedade moral.5
Segundo a secretária Raquel Teixeira (2017), o objetivo das OSs é trazer melhoria e
qualidade para a educação do Estado. No entanto, o discurso da gestora merece análise mais
criteriosa. Conforme a Secretária declarou em entrevista ao Jornal Opção, que no que se refere
às OSs,
O conceito é de uma parceria, quase um convênio, porque a OS tem interesse na
educação, tem metas a atingir e quer contribuir no processo. O que tenho visto é que
a maioria delas quer ir além e dar uma contribuição à educação pública, até mesmo
por marketing ou outra coisa.
Para Gentili (2001, p. 75) a privatização da educação, em linhas gerais, pode ser
compreendida como “um amplo e progressivo processo de transferência de responsabilidades
públicas em matéria educacional para entidades privadas que começam a invadir espaços que
o Estado ocupava ou devia hipoteticamente ocupar”.
O discurso da qualidade em educação tem como critério principal, a busca pela melhoria
do desempenho dos alunos em provas estaduais, a busca por uma educação com menor custo e
o argumento de que é necessário que organizações do terceiro setor assumam a gestão das
escolas estaduais.
4
Ver: MP decide manter suspenso o edital para implantação das OS na rede de educação. Disponível em:
<http://www.jornalestadodegoias.com.br/2017/06/28/ministerio-publico-decide-manter-suspenso-o-edital-
para-implantacao-das-os-na-rede-estadual-de-educacao/> Acesso: 1 jul 2017.
5
Ver: Justiça determina suspensão de edital para escolha de OS na educação
<http://g1.globo.com/goias/noticia/2017/01/justica-determina-suspensao-de-edital-para-escolha-de-os-na-
educacao.html> Acesso:05 jan 2017.
A proposta de educação por OSs, transfere a responsabilidade do Estado em gerir as
escolas e as coloca nas mãos de grupos empresariais. Gentili (2001, p. 87) afirma que,
Privatizar não significa ‘afastamento’ do Estado e sim, em alguns casos, participação
decidida de um aparelho governamental, ele mesmo privatizado, que opera em
benefício dos grupos e corporações que passam a controlar verdadeiramente o campo
educacional.
Isto é, o Estado mostra seu caráter de classe através das políticas que o governo
implementa. Neste ponto, cabe nos questionarmos: Quem ganha com a implementação das
Organizações Sociais na educação do Estado de Goiás?
A resposta é simples: a questão que se coloca por trás das Organizações Sociais não é
uma questão orçamentária, como afirmam os gestores neoliberais do Estado de Goiás,
tampouco uma questão que se refere à qualidade da educação fornecida pelo Estado. A questão
é que grandes grupos empresariais e organismos financeitos internacionais, como o Banco
Mundial, se beneficiam com estas políticas (FREITAS, 2012 ;KLEES e JR., 2015) e estes
mesmos grupos têm interesses políticos e econômicos que precisam ser defendidos por quêm
os representa no Estado.
5. Conclusões
GOIÁS. Governo de Goiás busca aprimorar Lei das OSs. Governo de Goiás, 29 mar. 2016.
Disponivel em: <http://www.casacivil.go.gov.br/post/ver/209705/governo-de-goias-busca-
aprimorar-lei-das-oss>. Acesso em: 16 dez. 2016.
MANN, M. O poder autônomo do Estado: suas origens, mecanismos e resultados. In: HALL,
J. A. Os Estados na história. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p. 163-204.
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia em geral, especialmente a alemã. In: MARX, K.;
ENGELS, F. A ideologia alemã. 10ª. ed. São Paulo: Hucitec, 1996. p. 23-39.
MAZZA, A. Manual de Direito Administrativo. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.