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Sociologia Política

Autor

Nelson Rosário de Souza

2009
© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos
direitos autorais.

S729 Souza, Nelson Rosário de. / Sociologia Política. / Nelson


Rosário de Souza. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.
100 p.

ISBN: 978-85-7638-797-8

1. Sociologia Política. 2. Elites. 3. Bem-Estar Social. 4. Movi-


mentos Sociais. 5. Mídia e Política. I. Título.

CDD 306.2

Todos os direitos reservados.


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Sumário
O que é Sociologia Política? | 7
Filosofia Política, Ciência Política e Sociologia da Política | 7
A Sociologia Política | 11

Teoria das elites I | 17


Pressupostos históricos e conceituais do elitismo | 17
Mosca e as bases sociais do domínio político | 19
Pareto e a circulação das elites | 20
Michels e o elitismo resignado | 22

Teoria das elites II | 25


Duas apropriações do elitismo | 25
A denúncia contra as elites | 26
O elitismo pluralista | 28
A crítica ao elitismo liberal | 29

Os intelectuais e o poder | 35
Definição de intelectual | 36
O intelectual e a política na modernidade | 37
Contradições do intelectual militante | 38
O novo intelectual | 40

Definição e formação do Estado do Bem-Estar Social | 43


A definição de Estado do Bem-Estar Social | 43
A formação do EBE – dimensão econômica | 45
A formação do EBE – dimensão política | 47

Desenvolvimento do Estado do Bem-Estar Social | 49


A fórmula do Estado do Bem-Estar Social | 49
O fundo público e a desmercantilização do trabalho | 50
Tipos de EBE | 51
A crise do Estado do Bem-Estar Social | 55
O cenário da crise | 55
Diagnósticos extremos da crise | 56
A análise teórica da crise | 57

Política Pública e Política Social | 61


A política e o social | 61
O surgimento da “questão social” | 63
O público e o estatal | 64

A matriz histórica da assistência social no Brasil | 67


A herança da proteção social no Brasil | 67
A política patrimonialista | 68
Assistência e Bem-Estar Social | 70

Assistência social e construção da democracia no Brasil | 73


Assistência e exclusão social | 73
Avanço político e recessão econômica | 74
A assistência no cenário do “Consenso de Washington” | 76

Os movimentos sociais | 79
O que é movimento social? | 79
Teorias sobre os movimentos sociais | 80
A política dos novos movimentos sociais | 82

Mídia e política | 85
O poder da mídia | 85
Teorias da comunicação política | 86

Gabarito | 91

Referências | 95
Apresentação
O encontro entre duas disciplinas com o objetivo de analisar determinados
aspectos da realidade nem sempre é eficaz. Ainda que seja possível afirmar que
tudo está relacionado a tudo, o que importa para a ciência é o poder explicativo
que uma disciplina oferece aos seus interlocutores. Assim, podemos afirmar que
a luz solar é fundamental para a vida e chegar à conclusão de que a sociedade
não seria possível sem a existência do astro maior. A relação não é errada,
mas, não tem qualquer poder explicativo e, a partir dela, querer reivindicar a
aproximação entre Astronomia e Sociologia não teria o menor sentido.

Por outro lado, ocorrem situações em que a combinação conceitual e


metodológica entre duas disciplinas é quase uma reivindicação da própria
realidade, tal a expansão do poder explicativo a partir da soma de olhares. É
o caso de disciplinas bastante conhecidas e consolidadas como a Sociologia
Urbana, a Psicologia Social ou a Economia Política. O mesmo ocorre com a
Sociologia Política. A aproximação entre a metodologia e o olhar da Sociologia
e da Ciência Política possibilitou o desenvolvimento de novas ferramentas de
investigação e a elaboração de novas e elucidativas análises. O desafio, nesse
caso, como bem alertou Sartori, é promover uma interação de olhares e evitar
o risco da submissão de uma ciência à outra.

A Sociologia Política busca analisar o papel dos atores e instituições sociais


diante do poder e, ao mesmo tempo, refletir sofre as confluências entre a esfera
política e o campo social. Os riscos teóricos dessa construção são discutidos no
primeiro capítulo da obra e reaparecem sempre que necessário. O segundo, o
terceiro e o quarto capítulos foram reservados para um tema central e seminal
da disciplina em foco, ou seja, o debate sobre o papel político das elites e
dos intelectuais. Qual o papel que atores com elevados recursos sociais e
econômicos desempenham na arena política? Nos capítulos seguintes ocorre quase
uma inversão do tema, ou seja, a questão passa a ser o comportamento do Estado
diante das pressões sociais. Como o Estado contemporâneo responde às demandas
sociais? Essa questão perpassa os temas do bem-estar, das políticas sociais, da
assistência social e dos movimentos sociais. Enfim, a introdução aos temas da
Sociologia Política é completada com um capítulo sobre o papel da mídia e seus
atores diante do poder.

Diante da segmentação da realidade promovida pelos saberes científicos


especializados, é fundamental o esforço de junção interdisciplinar. Espero que o
livro cumpra também o papel de valorizar a associação dos saberes.

Bons estudos a todos.

Nelson Rosário de Souza


O que é Sociologia Política?
Nelson Rosário de Souza*

Filosofia Política, Ciência Política e Sociologia da Política


Um bom ponto de partida para introdução à Sociologia Política é pensar a sua distinção frente
a outras disciplinas próximas, como a Filosofia Política, a Ciência Política e, especialmente, a Sociologia
da Política.
As disciplinas científicas se distinguem uma das outras na justa medida em que reivindicam para
si o poder explicativo de algum aspecto da realidade. Sendo assim, a Economia, por exemplo, procura
demonstrar, pela combinação entre teoria e dados empíricos coletados com rigor metodológico, que
certos fenômenos econômicos são determinados por outros fatos econômicos. Significa que o atestado
de validade da Ciência Econômica está associado à sua capacidade de estabelecer relações causais plau-
síveis entre acontecimentos do mundo econômico. É o que se passa quando um economista demonstra
os efeitos que o aumento dos juros pode ter sobre o declínio da inflação em determinados contextos.
Ao proceder dessa maneira, o economista contribui para a efetivação da autonomia da sua ciência em
relação às demais.
Mas a importância dessa ciência será ainda mais nítida se ficar demonstrado com rigor lógico e
metodológico que certos processos econômicos geram efeitos, até mesmo, para além do mundo dos
negócios, ou seja, na política, cultura e sociedade. Assim, um economista pode estabelecer relações
causais entre o nível de desenvolvimento econômico de um país e o grau de adesão da sua população
às instituições democráticas. Fica evidente que, para ele, os fatores e processos econômicos são enten-
didos como variáveis independentes, ou seja, como causas explicativas de outros fenômenos. Nesse
exemplo, o desenvolvimento econômico seria o causador de variações na área da política, ou seja, os
fenômenos políticos são tomados como variáveis dependentes dos fatos econômicos que, por sua vez,
são elevados à categoria de variáveis independentes.
Poderíamos multiplicar os exemplos de modo a demonstrar como cada ciência, pelas mãos dos
cientistas que as constroem, procura demonstrar logicamente a capacidade explicativa dos fatos cir-

* Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Bacharel e Licenciado
em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
8 | Sociologia Política

cunscritos a uma determinada dimensão da realidade. Para o cientista político são os fenômenos as-
sociados ao poder e ao Estado que têm força explicativa, ou seja, eles podem e devem ser tomados
como variáveis independentes. Já para um antropólogo são os fatos do mundo cultural que têm essa
capacidade explicativa e assim por diante. Mas, o que acontece quando uma ciência reivindica para
seus estudos uma dimensão da realidade já recortada por outro saber? É o caso, por exemplo, da Ciên-
cia Política em relação à Filosofia Política. O que se passa quando duas disciplinas se aproximam para
formar uma terceira e circunscrevem como objeto de estudo o universo de fatos já trabalhados por
outras abordagens? Isso ocorre com a Sociologia Política diante da Filosofia Política ou da Ciência Política.
É preciso uma análise mais cuidadosa para distinguir essas formas de produção de conhecimento sobre
o universo político.

A Filosofia Política
É correto afirmar que a Filosofia é a matriz a partir da qual os saberes científicos se organizam,
especialmente, no caso da área denominada ”humanística”. A construção do conhecimento científico
se faz, também, como um percurso de autonomização diante da Filosofia. Essa separação, é importante
frisar, não significa uma ruptura radical, pois o saber filosófico, além de fornecer as bases conceituais do
saber científico, dialoga com a ciência apontando seus limites e possibilidades.
Ainda que ocorram variações na forma de pensar filosófica, uma caracterização pertinente do
saber filosófico é aquela que o associa ao procedimento dedutivo1. O pensar filosófico é, fundamental-
mente, abstrato, ou seja, trata-se de um raciocínio lógico e rigoroso que parte de conhecimentos ante-
riores e chega a novos saberes sem passar pela observação dos dados concretos coletados com rigor
metodológico. Ao contrário, as ciências são experimentais, “não nascem da dedução lógica, mas sim da
indução, da observação e da experiência” (SARTORI, 1981, p. 164).
Os filósofos políticos clássicos exemplificam a abordagem peculiar da Filosofia Política. Hobbes,
Locke e Rousseau, cada qual ao seu modo, lançaram uma pergunta sobre a essência do poder, ou seja,
sobre o seu fundamento lógico. Não estavam interessados em observar as diferentes conformações
históricas do Estado para analisar os limites e possibilidades do exercício concreto do poder. O que es-
ses pensadores fizeram foi imaginar, com rigor lógico, a origem do Estado e, a partir dessa construção
abstrata, tiraram conseqüências sobre o exercício do poder numa sociedade que se quer livre e igual.
O olhar desses filósofos estava voltado para um ”Estado” ideal. Construir uma abordagem abstrata, en-
tretanto, não significa distanciar-se da realidade, e sim, estabelecer com ela um diálogo fundado não na
experiência, mas no raciocínio lógico dedutivo.
A Filosofia Política se caracteriza também pela avaliação das condições de produção da Ciência
Política. A partir de questões como: Quais critérios legitimam um saber no campo da Ciência Política?
O que faz um pensador ser catalogado como cientista político? Quais valores servem de substrato para
essas determinações? O filósofo político estabelece o grau de confiabilidade dos saberes científicos,
enfim, os seus limites.

1 Raciocínio dedutivo é aquele que parte de saberes e teorias anteriores para chegar a novos conhecimentos; trata-se de um procedimento
abstrato. O raciocínio indutivo, ao contrário, é aquele que, partindo dos dados da experiência, dos fatos empíricos, empreende um processo
lógico e chega a explicações causais plausíveis, ou seja, teorias. É o raciocínio que vai do particular para o geral.
O que é Sociologia Política? | 9

A contribuição da Filosofia Política apresenta-se, ainda, na sua preocupação em caracterizar com


precisão o “fenômeno político”, ou seja, estabelecer com rigor lógico a especificidade dos fatos políticos
em relação a outros tipos de acontecimentos. Ao distinguir, por exemplo, o campo político do mundo
da moralidade privada, a Filosofia Política contribui com a autonomização do saber político. A Filosofia
Política, então, dá os parâmetros para a construção do saber científico tanto da Ciência Política quanto
da Sociologia Política, mas não se confunde com elas.

A Ciência Política e a Sociologia Política


A distinção entre Ciência Política e Sociologia Política é mais difícil de ser precisada, pois ambas
elaboram saberes experimentais, ou seja, indutivos. A diferença não pode ser localizada no tipo de
conhecimento produzido; em conjunto elas se opõem à Filosofia, não se preocupam com o que “deveria
ser”, não operam no nível ideal, mas, buscam descrever e explicar o ”porquê” dos fatos concretos numa
”busca da finalidade” (BOBBIO, 1993a). Entretanto, a Ciência Política se ocupa fundamentalmente da aná-
lise das instituições políticas, aquelas que abrigam os poderes constituídos: Legislativo, Executivo e Ju-
diciário; e dos processos políticos, ou seja, ações que visam à conquista e/ou manutenção do poder do
Estado. Assim, o objeto central da Ciência Política é o Estado, sendo que o olhar dessa ciência alcança as
instituições e processos que estão na órbita do poder político central, tais como os partidos e as eleições.
A Ciência Política se caracteriza por buscar nos fatos políticos as variáveis explicativas, ou seja,
independentes, e que dão sentido a outros fenômenos e processos do mundo político ou fora dele.
Ao analisar os tipos de regimes políticos, as condições do exercício do poder, os negócios públicos, os
programas governamentais, os grupos de poder, os conflitos e tensões institucionais, o cientista político
busca regularidades, conexões causais entre os fatos do mundo político. Por sua vez, o sociólogo localiza
nas condições socioestruturais, nos fenômenos sociais, as causas explicativas de outros acontecimentos
sociais, ou mesmo políticos, econômicos etc. São conceitos típicos da Sociologia: comunidade (rural e
urbana), trabalho, status, autoridade, classe social, alienação, ideologia, mito etc. A Ciência Política, por
sua vez, opera com conceitos como Estado, poder, dominação, regimes políticos etc. Mas, a mera ob-
servação dos conceitos não é suficiente para distinguir as abordagens, pois é comum que um cientista
mobilize conceitos típicos de outra disciplina.
O campo da Ciência Política se aproxima daquele da Sociologia a partir do início do século XX,
quando ocorre, especialmente na Europa Central, uma massificação da política. A democracia deixou
de ser uma atividade para poucos indivíduos. É o período da formação dos partidos de massa e da or-
ganização de grandes mobilizações sociais com o objetivo de influenciar o jogo político institucional.
Nesse processo de “democratização da democracia”, os direitos políticos deixam o papel e se efetivam
no espaço público. Significa que o mundo social invade o mundo político, fica difícil delimitar a fronteira
entre um e outro. A Ciência Política, diante dessas transformações, passa a se ocupar não apenas das
instituições, mas também do comportamento dos atores sociais que empreendem ações políticas, se-
jam indivíduos ou grupos. Não deixa de ser um período de crise da Ciência Política que busca redefinir
a especificidade do seu objeto diante da abordagem sociológica sobre o poder2. É o momento também
onde se apresenta o desafio do diálogo entre Ciência Política e Sociologia.

2 Sobre a crise da Ciência Política, ver Sartori (1981).


10 | Sociologia Política

Sociologia Política e Sociologia da Política


A caracterização da especificidade da Sociologia Política solicita sua distinção diante da Sociolo-
gia da Política. Como indica Sartori (1972, p. 6), Sociologia da Política designa apenas uma “subdivisão
do campo geral da Sociologia – tal como a sociologia da religião, a sociologia do lazer, e assim por
diante. Ao dizermos sociologia da política, deixamos claro que a estrutura, o método ou o enfoque da
investigação é de natureza sociológica”. Quando, por outro lado, falamos de Sociologia Política não está
pré-figurado o método empregado, os conceitos mobilizados e a perspectiva adotada, nem aqueles da
Sociologia, tampouco os da Ciência Política. O desafio da Sociologia Política está, justamente, em esta-
belecer pontes entre estas duas dimensões do saber: Sociologia e Política.
Como bem explica Sartori (1972), o problema da multiplicidade de abordagens sobre o social
não se resolve forçando uma homogeneidade dos saberes sob o guarda-chuva da Ciência Social ou
estabelecendo que uma das ciências do social é superior às demais. Não é possível negar a divisão
do trabalho na produção dos saberes sobre a sociedade. É a partir dos ganhos da especialização das
ciências que devemos pensar no diálogo entre elas. Aí se encontra a diferença da Sociologia Política:
sua vocação é ser uma ciência interdisciplinar, seu papel é o de construir “híbridos interdisciplinares”
na fronteira dos saberes constituídos. Ao reconhecermos a distinção entre Ciência Política e Sociologia,
permanece o desafio de aproximar esses dois modos de produção do conhecimento, ou seja,
[...] construir pontes interdisciplinares. A sociologia política é um híbrido interdisciplinar que tenta combinar as variáveis
sociais e políticas explanatórias, isto é, os insumos (inputs) sugeridos pelo sociólogo e os sugeridos pelo cientista políti-
co. A sociologia da política é, pelo contrário, uma redução sociológica da política. (SARTORI, 1972, p. 112).

Sartori enfatiza a necessidade de não confundir Sociologia Política com Sociologia da Política,
enfim, a tarefa de construir uma ciência interdisciplinar requer a superação da tentativa equivocada de
reduzir a Sociologia Política a um subcampo da Sociologia. Trata-se de uma perspectiva oposta àquela
encontrada, por exemplo, em Bobbio (1987, p. 62), para quem a “sociologia política é uma parte da
sociologia geral, e a ciência política é uma das ciências sociais. O Estado como sistema político é, com
respeito ao sistema social, um subsistema”
É preciso considerar, entretanto, que Bobbio não estava preocupado com o tema da interdisci-
plinaridade e sim, em apresentar o percurso histórico de construção do pensamento político. Tecendo
essas considerações ele demonstra como, na Grécia Antiga, a política e a sociedade formavam um todo,
depois, a partir da Roma Antiga, ocorreu uma separação entre essas duas dimensões, estabelecendo-se
uma relação vertical entre Estado e sociedade, para, finalmente, com “a emancipação da sociedade civil3
burguesa” as instituições políticas se verem permeadas pela sociedade, numa espécie de inversão da hi-
erarquia anterior. Esse processo real, de ampliação dos direitos políticos da sociedade – direito de voto,
de organização, de livre expressão das idéias etc. – teve seus efeitos no campo da elaboração dos sa-
beres sobre a sociedade e a política. Nesse contexto, Bobbio toma a Sociologia Política como sinônimo
de Sociologia da Política.

3 Ainda que o conceito seja amplo e adquira conotações específicas em diferentes autores, por sociedade civil pode-se entender, em
poucas palavras, o conjunto de associações e instituições voluntárias que ocupam o espaço entre o Estado e o mundo privado (da família e
do mercado). Como exemplos, podemos citar: movimentos sociais, organizações não-governamentais, associações de caridade, sindicatos,
grupos comunitários, associações de moradores, grupos de auto-ajuda, ativistas, associações religiosas etc.
O que é Sociologia Política? | 11

A Sociologia Política
Em virtude da mobilização da sociedade no sentido de participar do mundo político, fenômeno
que surge como novidade no início do século XX, os estudiosos do social rumaram, junto com seus
atores, para a arena política e se puseram a pensar como a sociedade influenciava e, até mesmo, de-
terminava os processos políticos. A reflexão sociológica passou a focar o poder, o Estado e os atores
políticos, mas essas abordagens estavam carregadas de conceitos e olhares da Sociologia, formando,
mais precisamente uma Sociologia da Política.
O exemplo da produção de saberes pela Sociologia de Partidos em meados do século passado
é importante para perceber as dificuldades iniciais enfrentadas pela Sociologia Política até descobrir
a sua vocação interdisciplinar. Os sociólogos de partidos, na tentativa de explicar como fatores sociais
determinavam os processos e comportamentos políticos, se puseram a estabelecer relações entre a ori-
gem de classe dos eleitores e a adesão dos mesmos aos partidos. Nesse sentido, os partidos apareciam
como variáveis dependentes e a classe como variável independente, ou seja, explicativa. A formulação,
válida para a disciplina de Sociologia de Partidos, nada tinha ver com a formação de uma Sociologia
Política, pois não era o resultado da confluência de métodos e saberes dessas duas subáreas gerando
uma nova ciência interdisciplinar, mas sim, a tentativa de explicar a política pelo olhar sociológico (SAR-
TORI, 1972).
A hipótese central que orientava a investigação da Sociologia de Partidos era de que os partidos
políticos refletiam, de alguma maneira, a estratificação social. Os partidos representavam as classes so-
ciais e, de certo modo, possibilitavam a transição da luta de classes, do campo privado do mercado ou,
dito de outro modo, do chão da fábrica para o espaço da política. O impulso inicial dessa disciplina es-
tava associado, então, ao conceito marxista de consciência de classe. Esse conceito expressa o princípio
de que a classe operária tende a reconhecer-se a si à medida que percebe a sua trajetória histórica de
luta contra a burguesia e, a partir dessa percepção, busca uma associação de forças para a transforma-
ção radical da sociedade.
A Sociologia de Partidos, além de não caminhar no sentido da formação de uma ciência interdisci-
plinar (a Sociologia Política), também não conseguiu convencer de que fatores sociológicos explicavam
o comportamento político. Segundo Sartori (1972), o problema estava em associar apressadamente e
sem base empírica4 válida três momentos distintos: a atração de classe, o apoio advindo da lealdade
de classe e a representação dos verdadeiros interesses de classe. Sartori demonstra que a relação que a
Sociologia de Partidos estabeleceu entre esses três momentos foi frouxa, e ressalta a imensa dificuldade
que essa disciplina teve em precisar o que seria o “interesse de classe” e a “representação de classe”. A
partir dessa constatação ele conclui:
O status teórico da sociologia de partidos de classe é pobre. Em primeiro lugar, o conceito de representação está pat-
entemente mal empregado. Projetivamente falando, só nos é permitido dizer que os partidos refletem, ou podem refle-
tir, classes sociais. Isso significa ser possível encontrar “semelhanças de classe” entre eleitores de um partido, por uma
parte, e o pessoal ou os quadros funcionais do partido, por outra parte. Com base nesta conclusão, podemos inferir
que os eleitores e os líderes estão vinculados por uma espécie de empatia sócio-psicológica... mas não é possível inferir
mais do que isso. A diferença entre empatia e representação é abissal. (SARTORI, 1972, p. 118).

Verifica-se que Sartori desqualifica a tentativa da Sociologia de Partidos em associar o comporta­


mento político à posição dos sujeitos na estratificação social. Os próprios números sobre o comportamento
eleitoral, mobilizados pelos sociólogos de partido, indicavam que a classe trabalhadora, por exemplo, não

4 Empírico no sentido de dados coletados da experiência através de instrumental metodológico e científico.


12 | Sociologia Política

votava em massa no partido operário, ou mesmo, nos partidos de esquerda. O importante para nós é per-
ceber, a partir do exemplo histórico, a especificidade da Sociologia Política e a dificuldade em precisar seu
objeto e método de análise, pois ela não deve ser nem Sociologia, nem Ciência Política, mas o encontro
dessas duas disciplinas. Nesse sentido, mais importante do que explicar por que uma parte da classe vota no
partido que apela para seu ideário, seria entender por que a outra parcela da classe não vota nesse partido.
Sartori sugere a necessidade de inversão da hipótese, não seria a posição dos indivíduos na es-
trutura social que explicaria o comportamento político. O voto de classe é algo pontual e superficial,
portanto, insuficiente para apreender a ação política de classe que é algo mais complexo e amplo. O
desafio para a ciência seria explicar como se dá a passagem de uma posição de classe para um com-
portamento de classe. A nova hipótese, própria à investigação de uma ciência interdisciplinar como a
Sociologia Política, é de que a ação das instituições sociopolíticas, entre elas os sindicados, os partidos
e as associações de classe, criariam redes estratégicas de solidariedade e identidade com força política.
Ou seja, nos locais onde esse tipo de instituição social empreende práticas políticas, o voto tenderia a
ser de classe. A ação persuasiva das instituições pode transformar o apelo de classe em ação de classe
(SARTORI, 1972). Nesse caso, a combinação de fatores sociais e políticos explicam o comportamento dos
atores, o que exige, portanto, uma análise interdisciplinar a ser empreendida pela Sociologia Política
de maneira a evitar que a política seja vista apenas como uma projeção do social, ou seja, evitar uma
redução sociológica da política. O papel da Sociologia Política é determinar, de forma simultânea, em
que medida a sociedade condiciona os processos políticos e é por eles condicionada.
Em resumo, a Sociologia Política se ocupa de analisar o comportamento político dos atores so-
ciais. Temas como a participação política, com seus diferentes graus de intensidade e tipos de enga-
jamento, são comuns a essa disciplina. Os valores políticos, as ideologias, enfim, a cultura política dos
indivíduos também constitui objeto da Sociologia Política, mas enfatizando a relação entre poder e
sociedade. Quem tem o controle dos processos decisórios? Qual o perfil social dos grupos dominantes,
ou seja, das elites? São questões que orientam a investigação dos cientistas envolvidos nessa disciplina.
O espaço da sociedade civil, localizado entre o Estado e a dimensão privada, é o foco principal da Socio-
logia Política: como se organiza o público, seus interesses, atores e suas instituições (partidos, grupos
de pressão, sindicatos, associações comunitárias, burocracia etc.)? Dentro dessas fronteiras, que não são
rígidas, se constrói o saber dessa ciência interdisciplinar.

Texto complementar
Resposta à recensão de Joaquim Aguiar
O discurso do eleitorado

(FREIRE, 2007, p. 325-330)


Este texto é uma resposta àquelas que considero serem as principais questões levantadas pela
recensão de três livros de que sou autor (Modelos de Comportamento Eleitoral, Uma Breve Introdução
Crítica, Oeiras, Celta, 2001), co-autor (A Abstenção Eleitoral em Portugal, Lisboa, Imprensa de Ciências
O que é Sociologia Política? | 13

Sociais, 2002), e co-editor/co-autor (Portugal a Votos – As Eleições Legislativas de 2002, Lisboa, Im-
prensa de Ciências Sociais, 2004).
Em primeiro lugar, gostaria de saudar Joaquim Aguiar, agradecendo a atenção prestada às três
obras, bem como os comentários apresentados. Um dos indicadores de que uma determinada área
de estudos começa a atingir certa maturidade é o surgimento de debates e controvérsias entre os
estudiosos. Vejo, por isso, os comentários de Joaquim Aguiar como um ponto bastante positivo no
sentido da maturação da área dos estudos eleitorais, que, sendo uma área mainstream ao nível das
sociedades mais desenvolvidas da nossa área geocultural, está ainda relativamente subdesenvolvi-
da entre nós.
[...]
A outra crítica que reputo mais relevante do ponto de vista teórico–metodológico é a seguin-
te. Retomando a crítica de Giovanni Sartori aos modelos sociologistas da política (“uma sociologia
da política”), e defendendo modelos politológicos da política (“uma sociologia política”)1, diz-nos
Aguiar: “Terminadas as sugestões que estes três livros motivaram, a síntesedestas notas pode ser
apresentada como estando centrada na escolha do plano de análise, o plano superficial das for-
mas ou o plano profundo das realidades. Na perspectiva da sociologia da política, é a interpretação
das condições expressas pelos diversos grupos sociais que determina o que podem ser as ações
políticas, o que legitima uma posição analítica que parte das formas e das expressões literais des-
ses grupos sociais para estudar as trajetórias políticas. De modo diferente, na sociologia política é
necessário explorar simultaneamente o modo como os partidos e os protagonistas políticos são
condicionados pela sociedade e pelos seus grupos de interesses e o modo como a sociedade, na ex-
pressão das suas expectativas e na formulação dos interesses dos seus grupos é condicionada pelos
partidos, pelos protagonistas políticos, pelos seus programas e pelos seus discursos. No essencial,
esses três livros são exemplos de sociologia da política, mas a crítica e as sugestões que motivaram
inserem-se na perspectiva da sociologia política.
Parecem perspectivas próximas, mas, de fato, permitem ver objetos de análise muito diferentes.”
Pessoalmente, também considero que a perspectiva da ”sociologia política” (hoje diríamos
uma perspectiva mais politológica, isto é, que incorpore as considerações sobre a oferta política nos
modelos para a explicação dos comportamentos e atitudes políticas dos eleitores) é bastante mais
interessante do que a da ”sociologia da política”. Aliás, eu próprio recorro a ela para interpretar al-
guns dos resultados que encontrei, nomeadamente o baixo nível de ”voto por temas” (v. o capítulo
4 do Portugal a Votos, sobretudo as “conclusões”): “[...] Sendo assim, o caso português aponta para a
importância primordial das condições políticas perante as condições socioestruturais.
Ou seja, o fato de os partidos não apresentarem propostas políticas suficientemente claras aos
eleitores parece ser mais importante do que as tendências estruturais em termos da evolução do
perfil social e psicológico dos eleitores (níveis mais elevados de mobilização cognitiva), bem como
dos níveis muito baixos de ancoragem social do voto (Portugal a Votos, p. 188).”
E nos dois parágrafos seguintes (p. 188-189) apresento alguma evidência empírica compara-
tiva para sustentar esta tese. Porém, com um estudo centrado numa só eleição e num estudo de

1 Giovanni Sartori. From the sociology of politics to political sociology, In Martin Lipset Seymour (org.) Politics and the Social Sciences,
Oxford University Press, 1969. p. 328.
14 | Sociologia Política

caso (Portugal), a incorporação de informação empírica sobre a oferta partidária só pode ser feita a
nível descritivo ou meramente para interpretar os resultados, como fiz. Penso a que incorporação
de informação empírica sobre a oferta partidária e outros dados contextuais (sociais, políticos e
institucionais) é uma via que deve ser prosseguida no futuro, combinando dados sobre as atitudes
e comportamentos dos eleitores e dados sobre a oferta, mas tal carece necessariamente ou de uma
análise comparativa2 (que já é possível fazer) ou de uma análise longitudinal (que só a repetição de
inquéritos eleitorais em diferentes eleições portuguesas permitirá, e que não existia quando anali-
samos as eleições legislativas de 2002...)3.

2 Nesta linha, sugerida como tópicos de uma nova agenda de investigação em Modelos do Comportamento Eleitoral (p. 144), v., por
exemplo, Pippa Norris (2004), Electoral Engineering: Voting Rules and Political Behavior, Cambridge, Cambridge University Press, André
Freire, Marina C. Lobo e Pedro Magalhães (2005), Left-right and the European Parliament vote in 2004, comunicação apresentada no
encontro anual da American Political Science Association (APSA), 1 a 4 de Setembro, Washington, DC, DIVISION 36-12 (Cosponsored by
DIVISION 15-21): Elections and Voting Behaviour.
3 Nesta linha, v., por exemplo, André Freire e Marina C. Lobo (2005), Economics, ideology and vote: Southern Europe, 1985-2000, In
European Journal of Political Research, vol. 44 (4), pp. 493-518, e Jacques Thomassen (ed.) (2005), The European Voter. A Comparative Study
of Modern Democracies, Oxford, Oxford University Press. Este último estudo capitaliza com a acumulação longitudinal de inquéritos
acadêmicos sobre as atitudes e comportamentos dos eleitores para estudar o impacto das diferentes condições sociais, políticas e
institucionais (específicas para cada eleição em cada país) sobre as atitudes e comportamentos dos eleitores. Tal só foi possível porque
aquilo que em Portugal só começou em 2002 já tem um vasto lastro temporal na Grã-Bretanha, Alemanha, Holanda, Dinamarca, Suécia e
Noruega – tais inquéritos regulares iniciaram-se por volta dos anos 1960-1970.

Atividades
1. Qual a diferença entre Filosofia Política e Ciência Política?

2. Qual a definição de sociedade civil?


O que é Sociologia Política? | 15

3. Por que Sartori sugere a inversão da hipótese da Sociologia de Partidos?


16 | Sociologia Política
Teoria das elites I
Pressupostos históricos e conceituais do elitismo
A Sociologia Política tem um caráter interdisciplinar, tendo por vocação combinar conceitos da
Sociologia e da Ciência Política com o objetivo de explicar os processos sociopolíticos. O desafio da So-
ciologia Política é estabelecer uma ponte entre as duas disciplinas que se ocupam, respectivamente, da
sociedade e do poder. Assim, a Sociologia Política busca responder a questões como: Quais os condicio-
nantes sociais do comportamento político? E, ao mesmo tempo, como as instituições políticas moldam
determinados tipos de atores sociais? Ou, ainda, como a combinação de processos sociais e políticos ex-
plicam configurações de poder e arranjos institucionais? Pois bem, um dos primeiros esforços de produ-
ção de conhecimento no campo da Sociologia Política deu-se no final do século XIX e início do século XX,
com a denominada teoria das elites, também conhecida como teoria elitista ou o estudo do elitismo.
A teoria das elites foi formulada e divulgada inicialmente por três gran-
Domínio público.

des pensadores: Gaetano Mosca (1858-1941), Vilfredo Pareto (1848-1923) e


Robert Michels (1876-1936). Em síntese, essa teoria afirma que em todas as so-
ciedades, sem distinção, sempre uma minoria detém o poder e o impõe a uma
maioria. O elitismo apresenta-se como uma contraposição, de certo modo,
uma resposta, a duas posturas teóricas clássicas do campo político. Os elitis-
tas não aceitam as assertivas de Rousseau (1712-1778) sobre a democracia
direta. Quanto a Marx (1818-1883), ainda que aceitem as formulações sobre a
oposição entre governantes e governados, discordam das causas apontadas
pelo pensador alemão e da possibilidade de superação desse cenário, por ele
Gaetano Mosca. aventada com a constituição de uma sociedade sem classes.
A concepção rousseauniana, segundo a qual democracia deveria ser o governo do povo pelo
povo, ou mais, a participação direta do povo nas decisões políticas através das assembléias populares
que formariam a vontade coletiva, é vista pelos elitistas não só como irrealizável e utópica mas também
como um sistema que não guarda correspondência com a realidade histórica. É possível acrescentar
que, para os elitistas, o governo das massas pelas massas não seria desejável, porque, como a história
teria demonstrado, o comportamento das multidões seria emocional e, portanto, perigoso. Essa crítica à
18 | Sociologia Política

democracia direta fez com que os elitistas clássicos fossem vistos como antidemocráticos, até que seus
trabalhos fossem resgatados e ganhassem um novo significado pelas mãos do ”elitismo democrático” de
autores como: Joseph Schumpeter (1883-1950), Seymour Lipset (1922-2006) e Robert Dahl (1915 - *).
A teoria elitista discorda do pensamento marxista quando este afirma que a divisão econômica da
sociedade em classes, determinada pelo posicionamento no processo de produção, é o que conduziria
a um Estado dominador da maioria trabalhadora por uma minoria capitalista. O elitismo se contrapõe
ainda à idéia de que esse arranjo seria superado pela tomada de consciência da classe trabalhadora que
construiria um governo popular, estabelecendo uma sociedade de liberdade e igualdade, o socialismo.
Para os elitistas as sociedades estão divididas, não apenas – ou não fundamentalmente – pela posição
diferenciada no processo de produção, mas pela ocupação distinta das posições no campo do poder, ou
seja, uma divisão entre aqueles que governam, sempre uma minoria, e os que são governados, sempre
uma maioria. Essa seria a situação concreta de todas as sociedades históricas e nenhum dado da realida-
de indicaria a possibilidade da superação dessa dicotomia mesmo com as transformações no processo
de produção pelo socialismo. Aliás, o próprio movimento político da classe trabalhadora se encarregaria
de formar as elites políticas operárias e reproduzir no interior da classe a divisão elitista entre os que
detêm o poder, tomam as decisões, enfim, dominam, e aqueles que são dominados.
A teoria das elites também desqualifica a clássica teoria das formas de governo, segundo a qual
seria possível classificar os regimes políticos em: monarquia – quando o poder é exercido por um só;
aristocracia – quando o governo é exercido por poucos, uma minoria; e democracia – quando o exercí-
cio do poder envolve uma maioria. Para os elitistas, desde as sociedades mais simples até as mais com-
plexas, o traço recorrente que nelas encontramos é o exercício do governo por uma minoria, ou seja,
todas as sociedades, sem distinção, seriam monárquicas ou aristocráticas. Portanto, seria um equívoco
tentar demonstrar a existência histórica de governos exercidos por uma maioria, ou seja, pelo povo.
Os pensadores clássicos do elitismo buscaram uma fundamentação importante na psicologia das
massas ou das multidões, desenvolvida por autores como Gustave Le Bon (1841-1931), Geoge Sorel (1847-
1922) e Gabriel Tarde (1843-1904). Em resumo, a psicologia das massas construiu uma oposição entre a di-
mensão positiva da personalidade individual, o seu caráter racional e o aspecto negativo da multidão, mo-
vida pela irracionalidade e afetividade. Aliás, a multidão não precisaria estar reunida fisicamente para que
suas representações irracionais se manifestassem. A valorização do pensamento em bloco, marcado pela
emoção, um tipo de reflexão dicotômica, opondo bem e mal sem a devida percepção das nuanças reais,
ocorreria mesmo sem o encontro efetivo dos indivíduos em espaços públicos. Diferente de Sigmund Freud
(1856-1939), esses autores entendiam o indivíduo isolado como plenamente racional, em oposição a ele,
caracterizavam a multidão como marcada por: um anonimato que gerava uma força sem controle, uma
capacidade de contágio mental das idéias irrefleti-
Domínio público.

das e uma suscetibilidade às ações manipuladas.


Características, enfim, que desqualificariam as mas-
sas a adentrarem no campo da política, pois coloca-
riam em risco esse próprio campo. Na tentativa de
convencer sobre a plausibilidade de seus argumen-
tos, os elitistas costumam mencionar o exemplo
paradigmático do nazismo, quando as massas fo-
ram conclamadas e manipuladas por lideranças
que abriram a política à participação das multidões
e geraram o caos fundado na irracionalidade.
Multidão (enfrentamento com policiais).
Teoria das elites I | 19

Mosca e as bases sociais do domínio político


Gaetano Mosca foi o primeiro pensador a formular a teoria das elites. A elaboração clássica dessa
concepção é, aparentemente, simples e não traz grandes novidades em relação às teorias formuladas
por pensadores como Marx ou Saint-Simon (1760-1825) (BOBBIO, 1993). Ou seja, em essência, Mosca
constata que as sociedades são compostas por dominantes e dominados, os primeiros são minoria e os
segundos maioria. Vejamos a elaboração da teoria nas palavras do próprio autor:
Entre as tendências e os fatos constantes que se encontram em todos os organismos políticos, aparece um cuja evidên-
cia se impõe facilmente a todo observador: em todas as sociedades, começando pelas medianamente desenvolvidas,
que apenas chegaram ao prelúdio da civilização, até as mais cultas e fortes, existem duas classes de pessoas: a dos
governantes e as dos governados. A primeira, que é sempre a menos numerosa, desempenha todas as funções políti-
cas, monopoliza o poder e desfruta das vantagens ligadas a ele. A segunda, mais numerosa, é dirigida e regulada pela
primeira de uma maneira mais ou menos legal, ou ainda de um modo mais ou menos arbitrário ou violento1 (MOSCA,
1992, p. 106).

Por de traz da aparente simplicidade da tese, entretanto, encontramos contribuições importantes


de Mosca. É interessante perceber que ele fala em ”fatos constantes” que “se impõem”, ou seja, ao bus-
car uma recorrência e tentar caracterizá-la como objetiva, o pensador italiano está mais do que con-
statando algo já conhecido, está, sim, buscando uma explicação científica para fatos que eram apenas
constatados na sua superficialidade e, na maior parte das vezes, com uma conotação ideológica, ou
seja, parcial.
Ainda que se possa discordar da tese elitista, a explicação científica avança com Mosca na justa
medida em que ele associa o domínio de uma elite à sua capacidade, enquanto minoria, de se organizar
de forma mais fácil e eficaz do que a maioria, caracterizada pela desorganização e irracionalidade. Ou
seja, é da organização que vem a força da minoria dominante. Também é característica da classe política
dirigente, apontada pelo precursor da teoria das elites, o fato de ela buscar a todo custo se manter no
poder. Isso leva à combinação de interesses aparentemente contrários e à formação de um grupo coeso
e de apoio mútuo, em oposição à massa que tende à dispersão, à desagregação e à desarticulação. A
organização é uma característica fundamental da minoria dirigente e possibilita o controle do aparelho
estatal (BOBBIO, 1993).
Mosca empreendeu, portanto, um esforço científico, com rigor metodológico, para explicar o mun-
do da política a partir da observação histórica. No percurso da reconstrução dos fatos históricos, o autor
formula a tese de que em todas as sociedades existem duas classes, a dos governantes e a dos governados;
à classe governante associa-se uma característica numérica, ela é composta pela minoria, e uma qualida-
de, ela é mais organizada. A classe dirigente, acrescenta ele, monopoliza as funções de poder e desfruta
das vantagens dessa posição. O acesso desigual à organização é um dos elementos que explica a perpe-
tuação no poder pela minoria, condição que permite aos dirigentes a manutenção de bens importantes
porque valorizados socialmente (riqueza, força, religiosidade, conhecimento), portanto, a dominação não
deve ser reduzida à posição econômica das classes. O tema do acesso à organização, por exemplo, foi re-
tomado pela Sociologia Política contemporânea para explicar a origem, a formação, o desenvolvimento e
a manutenção de elites políticas, sejam de perfil militar, econômico, sacerdotal ou intelectual.
A elaboração original da teoria das elites, pelas mãos de Mosca, apresenta ainda a concepção de
“fórmula política”. Conceito que será retomado por autores preocupados em explicar a legitimidade do

1 Tradução livre realizada pelo autor desta obra. O original não contém destaques.
20 | Sociologia Política

poder e a hegemonia dos grupos dirigentes. A fórmula política opera como uma ferramenta discursiva,
não necessariamente verdadeira, mas plausível e eficaz; ela promove a adesão dos dominados ao pro-
jeto das elites. Uma elite utiliza essa ferramenta na sua estratégia de conquista e manutenção do poder.
A fórmula política fornece as bases racionais para o domínio de uma elite, ela opera como justificativa
do poder. Uma fórmula política é tanto mais eficiente quanto mais ela estiver adequada à cultura políti-
ca de uma dada sociedade. Diferentes sociedades constituem fórmulas políticas diversificadas, como
é possível citar: a de base teológica na Idade Média – o direito divino dos reis; ou aquela fundada no
mito da pureza da “raça ariana”, na Alemanha nazista. É importante perceber que, para a teoria elitista, o
discurso democrático também é uma fórmula política, ou seja, a idéia de que o governo é exercido pela
vontade popular serviria apenas para legitimar um tipo de elite.
Para o elitismo a democracia também é um governo de elites, o governo democrático só funciona
com o rígido controle das massas pela elite. Segundo os elitistas, a diferença do regime democrático
está apenas na forma de escolha da minoria dirigente. Nesse regime, a população é consultada através
do sufrágio e as classes populares podem fornecer indivíduos para compor a elite, ou seja, o processo
de recrutamento da elite é aberto. Mas, segundo o elitismo, isso não significa o exercício do poder pelo
povo, ao contrário, mesmo quando a massa é chamada a se manifestar, ela constitui-se, apenas, em
objeto de manobra de algum grupo dirigente. Aliás, Mosca distingue esse procedimento de escolha
das elites nomeando-o de princípio liberal em oposição ao princípio autocrático. Sob o princípio au-
tocrático o recrutamento da elite é endógeno. A classe dirigente é recrutada dentro da própria elite,
geralmente por herança, sem a participação popular. A nomeação desses dois princípios é um exercício
teórico, pois, na prática elementos do ordenamento liberal e autocrático encontram-se misturados na
maior parte das sociedades. É claro que, num Estado autocrático, o princípio autocrático apresenta-se
de forma mais pura, enquanto que numa sociedade como a Grécia Antiga, o princípio liberal aparece na
sua forma mais acabada. Essa distinção de Mosca será fundamental para as tentativas de conciliação da
teoria das elites com o regime democrático por futuros teóricos elitistas.
As reflexões de Mosca impulsionaram a problemática subjetivista do poder político, ou seja, abri-
ram caminho para a elaboração de questões sobre as características sociais dos atores políticos. A questão
sobre quem detém o poder político passou a ser recorrente na Sociologia Política e com ela as indagações
sobre: o que pensa a elite? De onde vem? Qual o processo do seu recrutamento? Como se dá a sua sociali-
zação política? Quais os atributos de uma elite? Enfim, como a elite se organiza e constitui a sua coesão?

Pareto e a circulação das elites


Pareto era um pensador mais conhecido e inserido no cenário internacional do que Mosca, con-
dição esta que o fez um grande divulgador da teoria das elites. Para ele, as diferenças sociais constituem
um fato, uma espécie de natureza, algo dado. Segundo Pareto, os homens se diferenciam uns dos ou-
tros pelos dons e capacidades inatas superiores que alguns possuem em relação aos demais. Portanto,
os indivíduos se relacionam de forma hierárquica nos diferentes campos de atuação, em cada setor de
atividades seria possível identificar indivíduos que se destacam dos demais pelas suas capacidades e ha-
bilidades. Aqueles que ocupam as posições privilegiadas pela posse de bens e poder são considerados
membros da elite; esta, por sua vez, se subdivide em uma elite que governa (elite política) e outra que
não governa (elite social). A camada inferior da sociedade é composta pela não-elite, os governados.
Teoria das elites I | 21

De acordo com Pareto, a vida social teria seu fundamento no campo psicológico. Os homens
orientam sua conduta ou pela racionalidade ou pela emoção. Aqueles que se pautam pela razão e pela
lógica formam as elites, têm uma vocação para a dominação, são os grupos que detêm o poder polí-
tico e a riqueza. A ação lógica, segundo Pareto, é aquela que guarda uma adequação entre os meios e
os fins no plano subjetivo (do indivíduo) e que se confirma no campo objetivo (da sociedade). A ação
lógica é, segundo ele, a que predomina no mundo social e político. A elite é o grupo mais afeito a esse
tipo de ação. Os homens que se deixam conduzir pelo sentimento, por sua vez, compõem a massa
de governados. Em Pareto é bastante explícita a relação entre massa e irracionalidade, ou seja, entre
povo e conduta cega e perigosa. Como explicar, então, os processos revolucionários onde as classes
populares mostram a sua força e destituem a elite do poder? Segundo Pareto, esses momentos não
marcariam a realização da vontade popular, mas a sua manipulação pelas novas elites em vias de con-
quistar o poder.
Aliás, uma das preocupações de Pareto foi investigar a sucessão das elites através da história, os
conflitos que levam a superação de um grupo dominante pelo outro. Na concepção desse pensador as
elites se renovam num movimento circular. O processo de “circulação das elites”, a substituição de um
grupo dirigente por outro, contribuiria para o equilíbrio e longevidade da sociedade. A revolução seria,
justamente, o resultado de uma estagnação da elite, quando novos quadros de elite não conseguem
ascender social e politicamente, permanecendo entre as classes populares, o que não deixa de ser uma
anomalia, e velhas elites decadentes se perpetuam no poder sem que sejam devidamente substituídas,
o que desencadeia a sua degeneração. Esse cenário favorece a retomada violenta do ciclo, ou seja, da
“circulação das elites” pela revolução.
A luta entre os que estão no poder e os excluídos aparece na formulação elitista tanto quanto em
teorias como a marxista, a diferença, é importante sublinhar, está no fato de o elitismo não considerar
que este conflito se dê entre classes, trata-se de uma luta interna às elites. Outro ponto de divergên-
cia está na descrença elitista na superação do conflito (GRYNSZPAN, 1996). Nesse sentido, a revolução
socialista se caracterizaria, apenas, como o processo de substituição de uma elite por outra. Segundo
Pareto, a sociedade tende para o equilíbrio e este, por sua vez, resulta das combinações, acordos e inte-
grações entre as múltiplas classes de elite:
[...] as políticas (estas têm dois pólos: os políticos que usam a força (leões) e os que usam a astúcia (raposas); as econômi-
cas (com os pólos nos especuladores e nos banqueiros) e as intelectuais (onde se contrapõem continuamente os ho-
mens de fé e os homens de ciência). (BOBBIO, 1993, p. 386).

Pareto pensa também o processo que leva um indivíduo a se tornar membro da elite, ou um grupo
a constituir-se como nova elite. Munido da noção de equilíbrio, Pareto considera que ocorre nessa tra-
jetória uma combinação ótima entre elementos subjetivos, “resíduos” para o domínio, uma espécie de
vocação para o poder. Nesse caso, as características de persuasão (da raposa) devem se mesclar equilibra-
damente com o elemento de força (do leão). A boa elite é aquela que consegue articular esses resíduos.
Assim como Mosca, Pareto não acredita no potencial emancipador do regime democrático. As re-
gras democráticas apenas constituiriam uma forma, entre outras, de composição das elites e não garan-
tiria, de modo algum, a formação de um governo do povo, ou seja, um regime de soberania popular. O
poder, dessa perspectiva, é sempre exercido por uma minoria. O risco numa sociedade dita democrática
é a formação de elites com discurso populista, atitude que gera desequilíbrios e crises devido ao con-
teúdo irracional que o apelo ao povo desencadeia.
22 | Sociologia Política

Michels e o elitismo resignado


Robert Michels foi um militante de esquerda. Sua atuação na Social Democracia alemã gerou
desilusão quanto aos ideais libertários e resignação quanto às estruturas de poder que perpetuam a
desigualdade entre dominantes e dominados. Significa que Michels não parte de uma visão crítica em
relação ao marxismo e a democracia, assim como fizeram Mosca e Pareto. Se nos pensadores italianos a
elite é associada ao equilíbrio, à razão, enfim, à boa condução da sociedade, na perspectiva de Michels
o que está em evidência é a dura, inescapável e até indesejável realidade que se impõe: quem governa
são as elites.
Inspirado nas concepções de Mosca e Pareto, Michels, entretanto, promove uma inversão nas suas
análises. Para ele a organização institucional não é um meio, um instrumento, mobilizado pelas elites
para viabilizar o seu domínio. Ao contrário, são as organizações que constituem minorias dirigentes. A
principal análise desse pensador alemão focou o Partido Social Democrata. Nesse caso, Michels tomou a
tese geral de Mosca, segundo a qual todas as sociedades estão divididas em uma classe de governantes
e outra de governados, e aplicou-a numa instituição específica, o partido, com o fim de verificar se a
organização partidária é compatível com os princípios democráticos de igualdade e de poder coletivo.
O resultado foi decepcionante para Michels, ou seja, ele concluiu que o partido produz uma hierarquia
interna onde o comando fica a cargo de uma “oligarquia”. De certo modo ele se aproxima de Rousseau,
pois não deixa de denunciar a moderna instituição política como reprodutora da desigualdade. O parti-
do realiza o oposto da sua promessa. É importante observar que o termo escolhido por Michels para
designar a minoria dirigente, diferentemente dos elitistas italianos, não tem uma conotação positiva,
ele substitui “aristocracia” por “oligarquia”. Ou seja, para Michels a concentração de poder tem um con-
teúdo degenerativo, mas inevitável. Diante da imposição inescapável dessa realidade, esse pensador
resignado cunha a seguinte expressão: “lei férrea da oligarquia” (BOBBIO, 1993). Nas palavras de Michels
a explicação da lei: “A organização é a mãe do predomínio dos eleitos sobre os eleitores, dos manda-
tários sobre os mandantes, dos delegados sobre os delegantes. Quem diz organização diz oligarquia”
(apud BOBBIO, 1993, p. 386).
Diferente de Pareto, Michels não considera que as diferenças existentes na sociedade tenham
uma base natural. Os homens não são naturalmente diferentes em suas aptidões e vocações, não a
ponto de se justificar uma desigualdade. As diferenças, segundo Michels, resultam fundamentalmente
de processos sociais. As organizações são necessárias para o funcionamento da democracia, mas, con-
traditoriamente à complexidade técnica delas, gera barreiras e constrangimentos para efetiva partici-
pação dos militantes no cotidiano das decisões políticas. Determinantes organizacionais levam à ne-
cessidade de uma oligarquia. Sendo assim, a organização é um meio fundamental para o exercício da
democracia, mas, ao mesmo tempo, impõe limites ao jogo democrático. Michels acaba por se resignar
diante da constatação de que uma democracia, no sentido mais amplo do termo, torna-se inviável pela
complexidade das organizações que exige dirigentes cada vez mais capacitados e centralizadores. As
características da organização bloqueiam a participação direta das massas na política. As decisões são
monopolizadas pelos dirigentes partidários que precisam ser estrategistas, a ação política é semelhante
à militar. O tempo de decisão política inviabiliza o processo de consulta democrática à comunidade. As-
sim, a competência exigida dos dirigentes forma uma oligarquia, cuja base de recrutamento está nos
estratos médios e altos da sociedade.
Ainda que as características da organização apareçam como principais elementos explicativos
da existência de elites, Michels também apresenta argumentos retirados da psicologia das massas para
Teoria das elites I | 23

analisar a dicotomia entre elite e povo. Nesse campo, é preciso alertar, a reflexão desse elitista não é tão
vigorosa. Em linhas gerais, Michels argumenta que os chefes teriam traços psicológicos de liderança
em oposição às massas que teriam características de dependência e renunciariam voluntariamente ao
envolvimento com questões sérias. As massas estariam mais afeitas ao consumo do espetáculo político
eleitoral, não se interessariam pela reflexão sobre programas e proposições. Aqui Michels se aproxima
do conservadorismo de Mosca e Pareto ao chamar atenção para o risco de a democracia favorecer a
formação de elites demagógicas e inescrupulosas que, para chegar ao poder, desceriam o seu discurso
e suas promessas ao nível das massas. Essas, por sua vez, teriam a tendência de assumir uma postura de
gratidão e veneração diante dos líderes com práticas assistencialistas. A distribuição de favores em troca
de votos exemplifica bem a preocupação elitista.
Para finalizar, é preciso reconhecer que, apesar do caráter científico da teoria das elites, ela surge
num contexto de elevada preocupação da burguesia com o avanço da democracia e a conquista de
direitos pelas classes trabalhadoras. Sendo assim, o elitismo, nessa sua primeira formulação, está per-
meado por valores anti-socialistas e antidemocráticos, ao mesmo tempo em que se vê influenciado por
princípios darwinistas de competição e seleção dos, pretensamente, mais aptos pelos processos sociais
e políticos (BOBBIO, 1993).

Atividades
1. Assista com os seus colegas de turma ao filme O Leopardo (1963), direção de Luchino Visconti.
Quais as características das elites retratadas pelo filme?
24 | Sociologia Política

2. A partir do filme discuta com os colegas a combinação entre a velha elite aristocrática e a nova
elite burguesa à luz das observações de Pareto.

3. Em que medida o contexto histórico explica o surgimento da teoria das elites?


Teoria das elites II
Duas apropriações do elitismo
É possível estabelecer uma divisão entre duas maneiras de mobilizar a teoria das elites. A primeira
abordagem, mais próxima dos fundadores do elitismo, considera que o domínio de uma minoria sobre
uma maioria é algo não só real como também desejável, ou seja, preferível em relação à concepção de
democracia direta ou do ideário socialista. Esse tipo de pensamento agrega ao realismo conservador
(percepção de que sempre uma elite está no comando das organizações políticas) a avaliação segundo
a qual essa realidade nunca irá mudar e de que só mesmo uma elite é capaz de conduzir os destinos da
sociedade com equilíbrio e competência. A massa, a partir desse olhar, teria dificuldade para se orga-
nizar e conduzir seu comportamento por um critério racional. Nesse sentido, a emoção irracional mar-
caria as multidões. É visível, então, que o realismo dessa abordagem vem acompanhado de uma per-
spectiva normativa, ou seja, da preocupação em defender um tipo de sociedade e de política como
sendo a melhor.
O segundo tipo de mobilização da teoria das elites se faz de uma perspectiva oposta, caracteriza-se
por um olhar de denúncia em relação ao fato de sempre um grupo minoritário dominar uma maioria.
Dessa perspectiva é inconcebível que o poder seja exercido por uma minoria, algo reprovável quando
se considera que as instituições modernas estão pautadas pelos valores da democracia, da liberdade
e da igualdade. A partir desse ponto de vista crítico, a utilização dos recursos conceituais do elitismo
classifica como grave o fato de, em sociedades que se dizem governadas pela vontade livre do povo –
leia-se pela maioria – ocorrer o controle das posições de poder, a maior parte
Domínio público.

do tempo, por grupos minoritários, homogêneos e duradouros.


Como representante da primeira abordagem é possível identificar Harold
D. Lasswell (1902-1978). Ele foi o introdutor do pensamento elitista de Mosca
e Pareto na academia norte-americana. Lassweel percebeu o alcance analítico
dos conceitos elitistas e procurou convencer os pensadores sociais de sua
época sobre o caráter inovador dessa teoria. Para Lassweel era fundamental
estudar o comportamento dos agentes sociais mais influentes para com-
preender o jogo político. Mas, a abordagem de Lassweel não assume um tom
Harold Lasswell.
26 | Sociologia Política

crítico em relação aos fundadores do elitismo, ao contrário, ele também reconhece como natural a sep-
aração entre elite e massa. Assim como para Mosca, o elitismo, na perspectiva de Lasswell, não é incom-
patível com a existência da democracia. Nesse caso, o que caracteriza uma sociedade como democráti-
ca não é a inexistência da elite e sim a forma aberta de recrutamento da elite, ou seja, com ampla
participação a massa.
Lasswell introduziu algumas inovações à teoria clássica das elites ao
Domínio público.

distinguir no meio social a “verdadeira elite”, aquela que tem mais poder e in-
fluência, em relação a uma “elite média”, com menos poder. Na sua percepção
a elite não forma um grupo totalmente homogêneo. Lasswell também esta-
beleceu uma diferenciação entre tipos de elite, segundo a forma de controle
que exercem: burocrático, técnico, religioso etc.
O pensador norte-americano Wrigth Mills (1916-1962) assume uma pos-
tura oposta à de Lasswell em relação à teoria das elites: nele não encontramos
o tom positivo e empolgado de Lasswell. Mills reconhece a existência de uma
elite dominante, mas, é um crítico dessa realidade e mobiliza os conceitos elitis-
Wrigth Mills. tas para pensar sobre quem manda? E, qual a legitimidade desse mando?

A denúncia contra as elites


Mills viveu em um período em que as concepções libertárias estavam em declínio, especialmen-
te dentro dos Estados Unidos; foi um período de consolidação do american way of life1. Os movimentos
radicais populistas ou socialistas saíram, aos poucos, do cenário político dos Estados Unidos. A esquerda
intelectual norte-americana não encontrava mais espaço para elaborar seus questionamentos sobre a
economia, a sociedade e a política. Trata-se do contexto de vitória do capitalismo monopolista e da socie-
dade de bem-estar social, com amplas conquistas materiais para significativa parcela dos trabalhadores.
Nesse período avançou com vigor a construção do imperialismo norte-americano. É o cenário onde mui-
tos pensadores críticos voltaram sua análise para o mundo da cultura (FERNANDES, 1985). Mills vivenciou
esse ambiente que era marcado, ainda, pela guerra fria2 e pelo macartismo3. Na contramão da sua época
esse sociólogo mobilizou a teoria das elites para denunciar o que considerava uma configuração autoritá-
ria quanto às relações de poder na sociedade norte-americana. Não por acaso a sua obra assumiu um tom
polêmico nos Estados Unidos, especialmente o livro chamado O Poder da Elite.

1 O american way of life pode ser entendido como o estilo de vida norte-americano que se instalou no período de forte recuperação da
economia, após a crise de 1929. Esse estilo de vida enfatiza a valorização do indivíduo, da liberdade individual, da produção e do consumo em
massa, da família tradicional e da posição política conservadora.
2 Trata-se da polarização entre a URSS e os EUA na disputa pela hegemonia mundial após a Segunda Guerra Mundial. Sem confrontos diretos
entre essas duas nações, o conflito manteve-se na área ideológica, diplomática, econômica e tecnológica. A queda do Muro de Berlim em 1989
marcou, simbolicamente, o final desse período.
3 Por macartismo entende-se o período que vai do final dos anos 1940 até meados dos anos 1950 do século passado nos EUA, quando
ocorreu uma perseguição pública aos comunistas e simpatizantes da esquerda. Indivíduos com posturas críticas ao capitalismo e à sociedade
norte-americana passaram a ser suspeitos de colaboração e espionagem a favor da URSS. O senador Joseph McCarthy comandou a campanha
anticomunista, daí a origem do termo.
Teoria das elites II | 27

Mills inspirou sua reflexão no marxismo, mas, ao considerar que uma minoria dominava uma
maioria, não remeteu essa condição a causas econômicas. Ele fixou o olhar no mundo político e se
recusou a estabelecer uma relação direta entre os atores do campo político (dominantes e dominados)
e os agentes do mundo econômico (exploradores e explorados). Definitivamente, no olhar de Mills, o
econômico não é a base explicativa do político, tal qual costuma enfatizar o marxismo tradicional.
Mas o pensamento de Mills tem vários pontos de afinidade com o marxismo: o olhar crítico em
relação à dominação capitalista, sua preocupação com a mudança histórica a partir do diagnóstico das
tensões e fissuras sociais, a análise dos grupos ligados ao poder e, também, a preocupação em dar prati-
cidade à sua teoria no sentido de contribuir com a transformação da sociedade.
Mills criticou a idéia segundo a qual a sociedade norte-americana era democrática, um sistema
político sem dominação no qual o cidadão comum teria acesso à participação na arena política tanto
quanto nos negócios do mundo econômico. O homem comum norte-americano, conforme Mills,
não encontrava o caminho aberto para a inserção influente na política, ao contrário, a pessoa simples
poderia ser caracterizada como objeto dos processos sociais que a conduziam, enquanto a elite
deveria ser definida como sujeito das decisões. Segundo ele, a elite dominante poderia ser identificada
pela pesquisa sociológica, ela seria composta por indivíduos que ocupavam posições de destaque
nas instituições mais importantes e tomavam decisões cruciais para a sociedade: no campo político,
econômico e militar. Na sua definição ele associa elite à posição institucional:
A elite são os que ocupam os postos de comando nas chefias das principais instituições do país. Essas instituições
incluem as grandes corporações de negócios e os principais setores do governo federal – em particular o diretório
político, a burocracia executiva e o establishment militar (MILLS, 1985, p. 64).

Ele elabora essa definição com a intenção de superar as concepções anteriores que entendiam
elite como uma comunidade superior, agregada pela partilha de valores culturais e bens materiais.
Para Mills, essas definições podem ser englobadas pelo conceito construído pela sociologia da posição
institucional e da estrutura social formada pelas instituições (MILLS, 1985). O método defendido por ele
para identificação sociológica das elites é, então, o método posicional. A identificação da posição dos
atores sociais nas principais instituições é que possibilita, segundo Mills, detectar a existência ou não de
um grupo homogêneo no poder, uma minoria dominante, enfim, a elite do poder.
A posição do indivíduo em postos chave confere a ele uma situação privilegiada quanto ao aces-
so a outros sujeitos e espaços do poder. É correto afirmar, segundo Mills, que a posição de poder da
elite reproduz situações estratégicas que confirmam e reforçam a condição de dominação. Mills utiliza
o termo milieux para representar essa situação, segundo ele:
A elite é formada pelos que dirigem as principais instituições e cujas posições de comando os localizam de tal forma
na estrutura social que eles transcendem, em maior ou menor grau, os milieux comuns de homens e mulheres comuns
(MILLS, 1985, p. 69).

Por milieux deve-se entender, então, os meios, espaços, enfim, os contextos sociais onde os in-
divíduos vivem e estabelecem seus contatos. Um sujeito da elite tem acesso a diversos e importantes
milieux, ele ocupa ou se relaciona com sujeitos que ocupam posições estratégicas nas organizações,
situação que reflete a concentração de poder, riqueza e celebridade. O sujeito comum, por sua vez, está
limitado pelo seu contexto também comum (FERNANDES, 1985).
No seu tom crítico e de denúncia, Mills combinou sociologia e história para mostrar que o co-
mando da sociedade norte-americana estava nas mãos da elite militar, econômica e política. O que ele
chamou de “elite do poder”. A capacidade de organização e interação dessa elite entre si conferia a ela
28 | Sociologia Política

a necessária coesão. Segundo Mills, essa elite era homogênea, pois tinha laços familiares, econômicos
e culturais. As instituições que ela ocupava também se interligavam, sendo assim, as decisões ficavam
concentradas nesse grupo, em oposição à massa distante do poder.

O elitismo pluralista
A leitura crítica de Mills, que associa a existência da elite à dominação e, por conseqüência, ao
bloqueio da construção de instituições democráticas, provocou a reação de pensadores que se posicio-
nam na perspectiva liberal. Esses pensadores substituíram a questão de Mills sobre quem manda pela
nova questão colocada por eles, qual seja: será que alguém manda? Leia-se: será que um único grupo
manda? (BACHRACH; BARATZ, 1983).
Os liberais não negam a essência do pensamento elitista, ou seja, que em todas as sociedades
quem detém o comando é uma minoria diante da maioria que é comandada. A reação liberal argumen-
ta, entretanto, que a existência de uma contraposição entre elite e massa não é incompatível com a de-
mocracia. A crítica elitista trata de derrubar a tese de que o comando de uma sociedade está sempre nas
mãos de um único grupo. Segundo os pluralistas, não existe o grupo dominante com plena consciência
da sua condição. Nas sociedades complexas, não seria possível a um grupo dominar e construir em torno
de si uma identidade que levaria à coesão e a uma prática conspiratória constante. Em oposição à idéia
da existência de uma elite monolítica, os liberais descrevem a existência de um pluralismo de grupos
dominantes ou, para usar termo cunhado por Robert A. Dahl (1915 – *), uma poliarquia – uma multiplici-
dade de grupos em competição para ocupar as posições de poder e participar do processo decisório.
A partir da concepção de Mosca que distinguia entre um elitismo aristocrático e outro democráti-
co, os liberais tentaram demonstrar que o comando das sociedades não está, necessariamente, nas mãos
de uma única elite, mas, em muitos casos, de várias elites em conflito e que se revezam nas posições de
comando. Essa pluralidade de elites que competem, mas também se conciliam a partir de compromis-
sos políticos, seria uma realidade, principalmente, nas sociedades complexas. O caráter fragmentado
das elites, associado à existência de eleições livres e inclusivas, assegurariam o caráter democrático do
processo político.
Robert Dahl foi o principal opositor que a obra de Mills encontrou. Segundo Dahl, a idéia da
existência de uma “elite do poder” não teria sustentação científica, pois as pesquisas de Mills apresen-
tariam um triplo limite. Primeiro, o autor destaca a ausência de definição clara de quem seria a elite do
poder. Um segundo empecilho foi localizado na inexistência de uma amostra confiável de casos que
evidenciassem a existência de conflito de interesses entre o grupo denominado elite e outros agentes
da sociedade. Uma terceira objeção levantada por Dahl diz respeito ao fato de Mills não ter demonstrado
com clareza a imposição da vontade de uma minoria na tomada de decisões como resultado dos confli-
tos. A esse respeito Dahl argumenta:
[...] não compreendo como alguém possa pensar que tenha estabelecido o domínio de um grupo específico em uma
comunidade ou em uma nação sem basear sua análise no exame cuidadoso de uma série de decisões concretas. E essas
decisões precisam constituir o universo ou uma fiel amostra do universo de decisões políticas fundamentais tomadas no
sistema político. É um fato notável e impressionante que nem o Prof. Mills nem o Prof. Hunter4 tenham tentado seriamente
examinar um conjunto de casos específicos para testar suas hipóteses principais. (DAHL, 1970, p. 95 – grifo nosso).

4 Dahl se refere à Floyd Hunter que também pesquisou o tema da elite dirigente.
Teoria das elites II | 29

Dahl procurou demonstrar que as sociedades complexas estão marcadas pelo conflito de interesses
entre diferentes grupos, característica que impede a formação de um único agrupamento dirigente
minoritário. Mas, mais do que desqualificar a crítica de Mills a respeito da existência de uma elite domi-
nante, o pensamento liberal ratifica a afinidade entre a teoria das elites e a perspectiva democrática.
Para isso, os intelectuais que adotam essa perspectiva constroem uma concepção minimalista ou pro-
cedimental de democracia em oposição à definição substantiva de democracia.
Para os adeptos da definição procedimental, uma sociedade é democrática quando cumpre com
as formalidades legais. A sociedade é considerada democrática se nela são adotados certos meios, mé-
todos, enfim, procedimentos, tais como a existência de uma pluralidade de grupos competindo em
eleições livres, revezamento no poder, conflitos regulados, poderes independentes e imprensa livre.
Desse ponto de vista, a participação censitária da população na escolha da elite governante preenche o
requisito do governo da maioria.
A concepção substantiva de democracia, por outro lado, é mais exigente, leva em consideração
aspectos sociais efetivamente alcançados: bem-estar social, igualdade, justiça social, além de elemen-
tos do mundo cultural, como a inclusão dos diferentes. A partir desse olhar, os cidadãos não devem
limitar sua participação às eleições, ao longo de todo o processo decisório deve prevalecer o princípio
da formação da vontade da maioria após o conflito político e o livre debate de opiniões.
Da perspectiva procedimental, uma sociedade que garanta formalmente a competição pelo voto,
mesmo que entre elites, e dê condições para o funcionamento das instituições reguladoras, como a
justiça e a mídia, deve ser considerada democrática. Uma democracia, definida nesses termos, não é
incompatível com a existência de elites, desde que o processo de recrutamento desses grupos dirigen-
tes seja aberto e eles estejam em livre competição. A argumentação pluralista é utilizada, por exemplo,
para distinguir as sociedades capitalistas das socialistas. As primeiras seriam democráticas, não pela
presença do povo nas tomadas de decisões políticas, mas, pela existência de uma competição entre
elites no processo de tomada de decisão e na busca pelo voto popular. Ao contrário, as sociedades so-
cialistas seriam marcadas pela existência de uma elite homogênea e, conseqüentemente, autoritária.

A crítica ao elitismo liberal


A postura dos liberais pluralistas foi rotulada, em tom pejorativo, de “elitismo democrático”. Ou
seja, uma concepção de democracia, mais do que realista, pessimista e desencantada quanto à possi-
bilidade efetiva de participação popular no processo político. A democracia,
Domínio público.

nesse caso, se reduziria a consulta popular periódica sobre qual grupo da elite
assumiria o poder. Trata-se de uma posição conformista que considera natural
a separação da sociedade entre os que comandam e aqueles que obedecem.
Essa perspectiva desconsidera a herança do pensamento político moderno,
iluminista, que postula uma sociedade sem dominação, pois, fundada na par-
ticipação de todos, em igualdade de condições, na construção das regras de
convivência.
A concepção marxista da sociedade e da política também lançou críticas
contundentes à teoria das elites. Marxistas como Nikos Poulantzas (1936-1979)
Nikos Poulantzas.
30 | Sociologia Política

não concordam com a divisão elitista que constrói a elite como sujeito ativo do processo político e a massa
como pólo passivo. Para os elitistas, o conflito político se reduz à própria elite e suas facções, uma vez que
as massas populares não se opõem às elites. Ao contrário, as classes populares restringiriam o seu papel
à recepção da influência das elites dirigentes. Contrariamente, os marxistas consideram que a classe tra-
balhadora é tão ativa no jogo político quanto as elites, ou seja, o conflito fundamental da sociedade seria
entre classe operária e classe burguesa, ou, entre elite e massa. Os marxistas não aceitam, tampouco, a
escolha da política como a instância fundamental do conflito social, a perspectiva inaugurada por Marx
entende que as contradições fundamentais que ocorrem na sociedade advêm da sua base econômica.
Para os marxistas, é o poder econômico que caracteriza a dominação, mais do que a autoridade política
(BOBBIO, 1993).
A crítica ao elitismo liberal não se reduz ao marxismo. Outros autores apontam os limites dessa
perspectiva. O elitismo liberal, ao concentrar seu olhar no processo decisório, como momento-chave
para determinar a existência ou não de elites em conflito, esquece que o poder também se manifesta
pela interdição de certas questões. Ou seja, a característica monolítica de um grupo poderia se manifestar
no impedimento de que determinadas questões fossem colocadas na pauta de discussões. Temas que
não interessariam à elite no poder não entrariam na agenda política. Sendo assim, seria necessário estu-
dar também o processo de não decisão, para determinar se existe ou não uma pluralidade de elites no
poder ou um único grupo monolítico dominando (BACHRACH; BARATZ, 1983). É forçoso reconhecer que
o poder da mídia no mundo contemporâneo está fortemente relacionado à capacidade de eleger certos
temas como fundamentais e, ao mesmo tempo, excluir outros do debate. Nesse caso, o poder homogê-
neo de uma elite pode se manifestar pela não decisão ou, até mesmo, pela interdição de determinados
temas. A elite monolítica teria o poder de controlar a entrada de temas na agenda política e o modo de
abordagem dos mesmos. A competição entre grupos poderia não passar, nesse caso, de uma aparência,
pois interesses efetivamente divergentes não teriam condições de emergir no campo político.
Em resumo, é pertinente a crítica aos elitistas, conservadores ou não, pelas tentativas frustradas
em estabelecer uma relação direta e duradoura entre a estratificação social e a dominação no campo
político. Mas, os elitistas pluralistas, em especial, também se fazem merecedores de crítica, pois não
teriam estabelecido critérios claros do que é relevante no processo decisório e tampouco valorizariam a
prática elitista de interdição de temas e de bloqueio de decisões (BACHRACH; BARATZ, 1983).

Texto complementar

Elite, classe social e poder local


(BARNABÉ, 2007)
[...]
Bottomore, ao analisar a obra de C.Wright Mills (A Elite do Poder), na qual Mills critica o conceito
de classe dominante entendendo que tal conceito imprime uma falsa idéia de que uma classe eco-
Teoria das elites II | 31

nômica domina politicamente, afirma que a análise de Mills é pouco satisfatória, pois este separa
três elites fundamentais (os dirigentes das empresas, os líderes políticos e os chefes militares) e as
junta formando a “elite do poder”– um grupo que, segundo Mills, seria coeso, tendo em vista a se-
melhança de suas origens sociais, os estreitos laços pessoais etc.
Segundo Bottomore, Mills não explica o que une tais elites. Uma resposta seria afirmar que
esses grupos formam uma única elite representante de uma classe alta – a classe dominante; po-
rém, Mills não aprofunda essa questão limitando-se apenas em refutar o conceito de classe domi-
nante. “Além do mais, eliminando a idéia de uma classe dominante, exclui também a de classes
em oposição, chegando assim a uma visão extremamente pessimista da sociedade americana”
(BOTTOMORE, 1965, p. 33).
Com relação a Pareto, que avalia o conceito de classe dominante como errôneo, visto que a
contínua circulação das elites impede a formação de uma classe dominante estável e fechada e que,
por outro lado, aponta para a impossibilidade da existência de uma sociedade sem classes (socia-
lista), tendo em vista a existência necessária, em toda sociedade, de uma minoria que efetivamente
governe, Bottomore afirma que embora essa teoria critique o determinismo marxista, é ela mesma
determinista ao afirmar que uma sociedade não pode deixar de ser dividida em uma minoria domi-
nante e em uma maioria dominada.
Com essas críticas Bottomore procura mostrar que se os conceitos de “classe social” e “elite”
podem, por um lado, opor-se inteiramente; por outro, podem ser considerados conceitos comple-
mentares ajudando-nos a analisar sociedades nas quais exista uma classe dominante e ao mesmo
tempo elites que representem aspectos particulares de seus interesses. Nas palavras do autor, “[...]
será muito difícil afirmar que o progresso de nivelamento social já avançou tanto nas sociedades
capitalistas do Ocidente que as elites [...] já não possuem qualquer conexão com as classes sociais”
(BOTTOMORE, 1968, p. 94).
Outro autor que buscou trabalhar a complementaridade entre os conceitos em questão foi
Miliband. Temos, segundo ele, por um lado o esquema marxista que entende como “classe domi-
nante” aquela que possui e controla os meios de produção – poder econômico que lhe possibilita
usar o Estado como instrumento de dominação da sociedade e, por outro lado, os autores liberais
que, em oposição ao conceito marxista, afirmam ser impossível falar em uma classe capitalista devi-
do à fragmentação do poder econômico existente nessa sociedade. Segundo os liberais, poder-se-
ia falar, no máximo [...] de uma pluralidade de elites competitivas, políticas e outras, incapazes pelo
simples fato de sua pluralidade competitiva, por falta de coesão e de objetivo comum, de formar
uma classe dominante de qualquer tipo (MILIBAND, 1972, p. 36).
Segundo Miliband, apesar da existência da fragmentação do poder econômico apontada pe-
los teóricos das elites, há na sociedade capitalista fatos que comprovam a existência de classes e
de uma classe dominante, sendo eles: a) a existência de uma desigualdade realmente fantástica na
posse da propriedade; e b) o fato de que [...] continua a existir uma classe relativamente pequena
de pessoas que possuem grandes parcelas de propriedade sob uma ou outra forma e que recebem
também enormes rendas, derivadas geralmente, no todo ou em parte, da posse ou do controle des-
sa propriedade; [...] e também uma ampla classe de pessoas que possuem muito pouco ou quase
nada e cuja renda, derivada em sua maior parte da venda de seu trabalho, significa uma proporção
considerável de restrição material, pobreza real ou privação (MILIBAND, 1972, p. 40).
32 | Sociologia Política

Seguindo esses argumentos o autor conclui que [...] pode-se afirmar com segurança que existe
realmente uma pluralidade de elites econômicas nas sociedades capitalistas avançadas e que, ape-
sar das tendências à integração do capitalismo avançado, tais elites constituem grupos e interesses
distintos, cuja competição afeta consideravelmente o processo político. Esse “pluralismo de elites”
não impede, porém, as distintas elites da sociedade capitalista de constituir uma classe econômica
dominante, caracterizada por um elevado grau de coesão e solidariedade, com interesses e objeti-
vos comuns que transcendem bastante suas diferenças específicas e suas discordâncias. (MILIBAND,
1972, p. 66). Por último e seguindo, de certa forma, o mesmo raciocínio, gostaríamos de citar Décio
Saes que em seu texto “Uma contribuição à crítica da teoria das elites” procura mostrar a incapaci-
dade dessa teoria em dar conta da realidade e, por outro lado, a importância real que a mesma nos
oferece para a compreensão da sociedade atual.
De acordo com Saes, não há nenhum parentesco entre a tese clássica da teoria das elites e as
concepções macro-políticas marxistas. A diferença mais nítida entre as duas concepções consiste
no fato de que, enquanto na teoria das elites a dominação por minorias é um fenômeno universal,
permanente e eterno, na teoria marxista tal dominação é encarada como um fato histórico, relacio-
nado com a existência da sociedade de classes (inexistente nas sociedades primitivas e suscetível de
ser liquidada na época contemporânea através da implantação do socialismo).
A crítica principal à teoria das elites consiste, segundo Saes, no fato de que tal teoria é incapaz
de cumprir sua própria plataforma, qual seja: a busca de um modelo alternativo de explicação à
teoria marxista de classe dominante, para a formação de um grupo politicamente dominante.
Na verdade, a debilidade reside no fato de que a teoria das elites, ao desconsiderar qualquer
conexão entre ação política e interesses coletivos constituídos noutras esferas, mostra-se incapaz
de explicar a formação de um grupo politicamente dirigente na sociedade contemporânea (SAES,
1994, p. 13).
Entretanto, a teoria das elites tem, nas palavras de Saes, o mérito de suscitar a análise morfoló-
gica do processo político, identificando grupos politicamente dominantes na sociedade capitalista.
Nesse sentido, o autor atenta para a necessidade de um trabalho comparativo entre as noções de
elite e classe social.
[...] ao aceitar o repto da teoria das elites pode-se chegar, no plano morfológico de análise, à
diferenciação da classe dominante, classe detentora do aparelho de Estado e classe reinante (os
agentes coletivos que, respectivamente, exercem o poder político, ocupam o topo do aparelho de
Estado e prevalecem no sistema partidário. [...] Nesta medida, a comparação entre os dois sistemas
teóricos nos permite, independentemente da avaliação de sua falsidade ou justeza, estabelecer o
contraste entre a limitação de um (teoria das elites) e a abrangência de outro (teoria política marxis-
ta renovada), na análise das sociedades de classes e, em particular, da sociedade capitalista (SAES,
1994, p. 18).
Teoria das elites II | 33

Atividades
1. Explique as duas formas de utilização da teoria das elites.

2. Por que os defensores de uma democracia substantiva consideram que o comando da sociedade
por uma elite compromete o livre jogo político?
34 | Sociologia Política

3. Por que para alguns pensadores a existência de elites não é incompatível com a democracia?
Os intelectuais e o poder
A sociedade moderna se caracteriza pela valorização da razão como instrumento para superar as
representações míticas e ideológicas1 do mundo. A luta da razão contra as abordagens metafísicas2 con-
duziria ao caminho da liberdade. O primeiro combate da razão moderna foi contra a religião constituída
como verdade única. Quando uma representação do mundo se impõe como a única verdadeira o resul-
tado é o autoritarismo, tanto mais se ela está marcada pelo metafísico. Significa que a razão iluminista é
por si só instrumento político, ela surge combatendo a representação teológica construída pelo mundo
feudal e lança seu olhar contra todos os mitos que paralisam a reflexão crítica.
A busca pela verdade libertadora, entretanto, não é simples e tampouco distante dos conflitos.
Primeiro porque a razão não é unívoca; em oposição ao dogma, uma das suas características é a dúvida,
outra é a eleição da crítica, da autocrítica, enfim, do debate como virtude. Significa que a verdade sobre
a sociedade não é única, tampouco, definitiva. O processo é complexo também porque a razão não está
isenta de virar mito, por mais contraditório que isso possa parecer. Ou seja, a racionalidade que surgiu
para combater o misticismo e o dogmatismo pode alimentar essas representações do mundo quando
esquece que não é absolutamente neutra, mas, apenas, relativamente objetiva. Cientistas e filósofos
não conseguem escapar totalmente da tomada de posição valorativa, eles também têm suas preferên-
cias em relação aos valores políticos em disputa no mundo.
Todas essas características da razão moderna tornam problemática a relação do intelectual3 com
o poder. O intelectual pode conduzir a sociedade como um agente de vanguarda? O intelectual é um
agente político mais qualificado do que os demais? O saber do intelectual é superior aos demais no
campo político? Essas são questões colocadas pela Sociologia Política ao pensar a função dos agentes
sociais no jogo político.

1 Aqui ideologia assume a acepção simples de “falsa consciência”.


2 Abordagens metafísicas são aquelas que apelam ao sobrenatural, ou seja, explicações que localizam a causa dos fenômenos e suas
justificativas em entidades que estão além do mundo físico, por exemplo, Deus. Ao contrário da razão científica que busca fundamentar suas
análises na experiência, ou seja, nos dados empíricos.
3 O emprego do termo intelectual designa, aqui, o cientista, o filósofo, o artista, enfim, o indivíduo com inserção no mundo das letras e/ou
das artes.
36 | Sociologia Política

Definição de intelectual
Mesmo sociedades mais simples do que a contemporânea já experimentavam a divisão do tra-
balho. A diferenciação inicial das funções se restringia à dimensão manual da produção, com tarefas
distintas para mulheres, homens e crianças. Aos poucos, a separação dos papéis dividiu os grupos entre
aqueles que estavam envolvidos no trabalho manual e outros que cuidavam da dimensão espiritual,
militar ou organizacional da sociedade. Mas é no capitalismo que a divisão do trabalho se intensificou
e, ao mesmo tempo, a organização do processo produtivo ganhou um valor especial. Nesse contexto,
o termo intelectual aparece para designar o grupo que se distingue dos trabalhadores manuais. Muitos
autores das Ciências Sociais nomeiam como trabalhador intelectual aquele que cuida do planejamento,
administração, organização, enfim, do gerenciamento do processo produtivo. O empreendedor intelec-
tual é elevado a uma condição hierarquicamente superior ao trabalhador manual. Algumas teorias,
como a marxista, entendem que um conflito se estabelece entre a classe de trabalhadores manuais, o
proletariado, e a classe de trabalhadores intelectuais, a burguesia. Essa contradição só seria superada
com a transformação radical do processo produtivo. É importante sublinhar que, nessa perspectiva, tra-
balho intelectual não é a atividade do cientista, filósofo, artista, professor ou assemelhados, mas sim, a
atividade daquele que organiza e gerencia o processo produtivo, o proprietário dos meios de produção
ou a ele associado, enfim, a burguesia.
Outras escolas de pensamento, como a positivista, consideram que um novo tipo de solidarie-
dade se estabelece a partir da divisão capitalista do trabalho. Ou seja, entre o trabalhador manual e o
empreendedor intelectual uma interdependência saudável se instalaria. O equilíbrio das funções pode-
ria gerar o progresso da sociedade.
No debate sobre o saber e o poder, o termo “intelectual” não é empregado, entretanto, com o
sentido de trabalhador que organiza e planeja o processo produtivo. Para a Sociologia Política e outras
disciplinas das Ciências Sociais que se interessam pela relação entre razão e política importa pensar o pa-
pel do intelectual entendido como grupo de pessoas informadas, letradas, que ocupam posição de des-
taque no mundo das artes, da filosofia, ou da ciência, enfim, no campo cultural. O engajamento político
desses agentes, a influência que eles exercem sobre a opinião pública e a valência dessa participação, se
negativa ou positiva, é o objeto da análise sobre o papel político do intelectual (MARLETTI, 1993).
As transformações políticas da modernidade contribuíram para colocar em destaque o papel polí-
tico do intelectual. O princípio da igualdade e da liberdade associado à construção da democracia solici-
ta a formação da sociedade civil, leia-se, os cidadãos reunidos no espaço público defendendo interesses
coletivos com a utilização de argumentação racional. A sociedade civil é pública, porém, difere do Estado
tanto quanto da esfera privada dos negócios e do lar. O ideal democrático supõe que todo indivíduo tenha
acesso à informação e meios, como a educação, que o tornem capaz de exercer a capacidade argumenta-
tiva no espaço público. Todavia, enquanto a realidade social for marcada pela desigualdade, os mais infor-
mados e treinados no mundo da linguagem tendem a levar vantagem sobre os demais. Não resta dúvida
de que a existência de um debate público entre diferentes grupos intelectuais, desvinculados do Estado e
dos interesses privados, ameniza o caráter negativo das desigualdades quanto ao acesso às informações
e ao poder de decisão. Mas, o intelectual tem um papel positivo a desempenhar no jogo político? O que o
“comportamento político dos intelectuais” ao longo da história recente pode nos ensinar?
Na modernidade os intelectuais muitas vezes assumiram posições críticas e radicais, associando-se
de forma militante aos movimentos revolucionários. Nesse sentido, intelectual se confunde com militan-
te. A ação desse intelectual militante produziu efeitos importantes e, em muitos casos, contraditórios.
Os intelectuais e o poder | 37

O intelectual e a política na modernidade


A palavra intelectual teve sua origem na Rússia em meados do século XIX, grafada como inteligencija,
com significado simples, apenas qualificando o grupo mais instruído da sociedade. Já o primeiro uso do
termo intelectual num sentido de engajamento político ocorreu na França com a divulgação do Manifesto
dos Intelectuais de 1898 (MARLETTI, 1993). Nesse manifesto indivíduos do mundo das artes, das letras e
da ciência protestaram contra a violação das formas jurídicas em processos onde as autoridades políticas
perseguiam indivíduos considerados inimigos do Estado. O manifesto tinha, entre seus objetivos, o apoio
à carta do escritor Emile Zola ao presidente francês, intitulada J’accuse...!, na qual ele protestava contra os
erros judiciários do caso Dreyfus4. No mesmo ano, em 4 de junho, outro grupo de intelectuais lançou um
novo manifesto anunciando a formação da Ligue des Droits de l’homme (Liga pela Defesa dos Direitos do
Homem), em apoio aos indivíduos cujos direitos civis estivessem ameaçados pelo Estado. Ou seja:
[...] indicar uma pessoa como intelectual não designa somente uma condição social ou profissional, mas subentende
a opção polêmica de uma posição ou alinhamento ideológico5 , a insatisfação por uma cultura que não sabe se tornar
política ou por uma política que não quer entender as razões da cultura (MARLETTI, 1993, p. 637).

Mas, antes que o termo intelectual surgisse, a ação de vanguardas esclarecidas na condução de
processos revolucionários já tinha acontecido, por exemplo, em 1789 no processo da Revolução Fran-
cesa. A ação política intelectual aparece, então, no contexto de uma burguesia revolucionária que bus-
cava implantar a sociedade moderna fundada na razão em substituição à tradição feudal pautada pela
religião. Os iluministas representam bem essa situação. O intelectual, este sujeito da modernidade, as-
sume muitas vezes a forma de militante, ele faz a crítica daqueles que buscam um saber desinteressado,
totalmente neutro e distante da prática política. O saber, cujo fim é alimentar às vaidades, não serve ao
intelectual militante. Este se sente responsável pelo caminhar da história e vê a razão como elemento
fundamental para iluminar o caminho da sociedade. A representação moderna da história como um
processo contínuo rumo à liberdade pelo exercício da razão favorece a valorização do grupo intelectual
como vanguarda do processo político. Todavia, ao longo da modernidade, construiu-se a idéia de que a
política é inimiga da verdade. Talvez por esse motivo o compromisso do intelectual seja exclusivamente
com as lutas da sociedade civil, ele é o sujeito valorizado como condutor dos protestos populares e,
muitas vezes, quando ocupa posições no Estado tende a perder sua credibilidade de intelectual.
Num olhar diferente e desconcertante Michel Foucault considera que o intelectual moderno re-
cupera e elabora à sua maneira uma prática do passado, inserida na tradição judaico-cristã. A idéia
de condução do rebanho pelo pastor à terra prometida. Já nessa tradição o guia do rebanho é um
conhecedor do caminho, assume responsabilidades, organiza seus seguidores e exerce sobre eles um
poder (FOUCAULT, 1990).
Durante a revolução burguesa que atravessou a Europa no final da Idade Média, os intelectuais
desempenharam um papel fundamental na condução do processo político. É interessante perceber
que os protestantes calvinistas6 tiveram um importante papel na formação desse intelectual engajado.
Nesse caso, a religião se rendeu à importância do mundo concreto, enfim, à necessidade de atuar no
campo político paralelamente à meditação espiritual. Para os calvinistas, era fundamental a realização

4 Nesse caso, um oficial do exército francês de nome Dreyfus foi acusado injustamente de traição. O processo mobilizou a sociedade francesa
opondo os favoráveis e os contrários à condenação do réu. Mais tarde a inocência do oficial ficou comprovada e tornou-se evidente o anti-
semitismo promovido pelas próprias autoridades.
5 Ideologia aqui assume o sentido de conjunto de valores políticos e culturais.
6 Seguidores de John Calvin.
38 | Sociologia Política

do Reino de Deus na terra, sendo assim eles se envolveram no mundo político e se empenharam na or-
ganização racional desse mundo. Eles foram responsáveis, por exemplo, pela criação de uma imprensa
engajada e também contribuíram com a organização dos partidos modernos.
Quando a burguesia chegou ao poder mudanças aconteceram na sua relação com o intelectual.
A nova classe dominante buscou conter o papel político dos intelectuais. A identificação inicial da bur-
guesia com os principais agentes do campo cultural foi abalada. Uma vez no poder a burguesia teve a
preocupação política de conter o ímpeto revolucionário. Tratava-se, para a burguesia no comando, de
reorganizar a sociedade. O desejo de transformação radical presente no discurso e na prática intelec-
tual passou a desagradar a burguesia, assim como seu tom crítico.
Entre os intelectuais também surgiram novas reflexões, limitando o pa-
Domínio público.

pel da razão e da ciência na condução dos processos políticos. A esse respeito


é elucidativo o pensamento construído pelo sociólogo alemão Max Weber
(1864-1920). Segundo Weber, a ciência não está totalmente livre dos valores,
ela não é absolutamente neutra. O que está ao alcance do cientista social é,
apenas, compreender o sentido das ações sociais. Todavia, os processos soci-
ais não têm sentido único. É perfeitamente plausível que diferentes olhares
construam elaborações significativas diversas, mesmo no campo científico.
Para ele, o que define um conhecimento como válido cientificamente não
é ter alcançado a verdade absoluta dos fatos, algo impossível, mas, ter obe-
Max Weber. decido com rigor aos métodos e técnicas legitimados pelo campo científico.
Weber tem uma concepção poli-histórica, ou seja, a história não é unilinear, não oferece um caminho
único a ser seguido. Os percursos do processo histórico são múltiplos e estão abertos.
Se a verdade científica não é única, tampouco neutra em relação aos valores da sociedade e se os
caminhos da história são múltiplos e abertos, Weber conclui que o cientista, o intelectual, não pode, em
nome da razão científica ou filosófica, querer conduzir os destinos da sociedade. As escolhas políticas
da sociedade não podem ser determinadas pela ciência, mas, apenas pela disputa em torno de valores
e projetos. Nessa disputa a palavra do cientista vale tanto quanto a de qualquer outro cidadão.

Contradições do intelectual militante


As reflexões de Weber, e de outros pensadores, introduziram a dúvida onde antes existia uma
certeza. Especialmente entre os pensadores de esquerda sempre foi muito forte a idéia de que a ver-
dade é sempre revolucionária. A partir dessa perspectiva a reflexão radical sobre a sociedade e a política
só poderia conduzir à transformação libertária do mundo. Mas, a relativização do alcance do saber levou
ao questionamento da relação causal que associa apressadamente a verdade à liberdade. No mesmo
movimento foi lançada uma interrogação sobre a leitura, segundo a qual o poder teme a verdade. Dito
de outro modo, não parece plausível afirmar que a verdade é sempre um problema para o exercício do
poder. Como a verdade não é única, os discursos verdadeiros podem operar reforçando posições de poder.
Segundo essa perspectiva, a verdade não é uma representação correta das coisas, mas uma construção
influenciada pela cultura, pela sociedade, enfim, pelo jogo político. Determinadas “verdades” funcionam
na justa medida em que provocam efeitos de poder e este, por sua vez, solicita discursos “verdadeiros”
(FOUCAULT; DELEUZE, 1988). Um exemplo pode ser localizado na construção moderna da verdade
Os intelectuais e o poder | 39

sobre a criança. A partir de meados do século XIX, saberes científicos e filosóficos combinaram-se e a cri-
ança virou objeto da razão. O problema da infância emergiu e com ele determinadas práticas de poder:
a normalização do comportamento infantil, a submissão do poder da família à soberania do Estado,
enfim, a reclusão dos menores. O nascimento do saber sobre a infância não estava apartado das práticas
de poder sobre a criança e, tampouco, surgiram para combatê-las. No máximo é possível afirmar que
ocorreu uma substituição paulatina do poder repressivo por um regime de poder normativo.
A demonstração de que o saber não está necessariamente dissociado do poder contribuiu para a
crítica ao papel desempenhado pelo intelectual no jogo político. Essa reflexão também colocou proble-
mas para a atividade política do intelectual. O intelectual na sua militância poderia, mesmo sem querer
ou perceber, reproduzir práticas de poder ao invés de libertar os oprimidos.
Essa chave explicativa permitiu a releitura sobre vários movimentos de esquerda ocorridos entre
os séculos XIX e XX. Nesses movimentos, os intelectuais de esquerda acabaram por se ver como uma
vanguarda militante esclarecida que deveria conduzir a massa proletária pelo caminho histórico da sal-
vação. Esse caminho estava pré-figurado na verdade construída pelos intelectuais. Nesse processo, os
principais interessados na luta, os trabalhadores, acabaram por não participar efetivamente do projeto
político da sua classe. Eles se submeteram à verdade dos militantes dirigentes, ou seja, aos guias intelec-
tuais da revolução (CASTORIADIS, 1985).
As ambigüidades da militância intelectual marxista, onde o intelectual
Domínio público.

aparece como o guia da massa operária, ficaram evidentes na postura de


Lênin, líder da Revolução Russa. Lênin entendia que a tarefa de organizar a
revolução era complexa e exigia a formação de

Domínio público.
agentes especializados que se diferenciavam da
massa operária e assumiam a vanguarda do proces-
so político. Lênin defendia a necessidade de uma
vanguarda dirigente esclarecida e organizada que
conduzisse a massa proletária ao caminho da liber-
dade. Não é equivocado perceber essa vanguarda
Lênin discursando aos como uma elite postada acima da massa operária.
soviets. Nesse sentido, as organizações para a libertação do
povo acabavam por reproduzir o poder de poucos
sobre muitos.
Che Guevara.
Ernesto Che Guevara não se contentou em reproduzir o pensamento de
Lênin; no contexto radical da revolução cubana, ele foi mais contundente quanto à definição do papel
de guia do intelectual militante. Segundo ele, a vanguarda intelectual é ideologicamente mais avan-
çada do que a massa e deve estimulá-la rumo à revolução:
Domínio público.

Enquanto nos primeiros se dá uma mudança qualitativa que lhes permite se sacrificar [...], os
segundos apenas seguem e devem ser submetidos a estímulos e pressões de certa intensidade;
é a ditadura do proletariado que se exerce não somente sobre a classe derrotada, mas também
individualmente sobre a classe vencedora [...] [O êxito total exige a] existência de instituições
revolucionárias [...] que permitam a seleção natural daqueles destinados a caminhar na van-
guarda e que concedam o prêmio aos que cumprem e o castigo aos que atentem contra a
sociedade em construção (GUEVARA, 1981, p. 182).

No campo da militância marxista encontramos oposições ao pen-


samento de Lênin, um exemplo está em Rosa Luxemburgo. Essa intelectual
Rosa Luxemburgo. e militante líder da esquerda alemã percebeu o risco de a cúpula do partido
40 | Sociologia Política

centralizar as decisões e impor o seu domínio sobre os trabalhadores. Ela criticou essa construção do
intelectual como condutor da massa e reivindicou a descentralização da organização revolucionária em
favor da participação da massa operária no processo decisório sobre a luta.
Ainda hoje muitos movimentos sociais sofrem desses dilemas, ou seja, a formação de cúpulas
esclarecidas que se fecham sobre si, se proclamam donas da verdade e dificultam a participação au-
tônoma das classes populares na construção do seu percurso. A crítica à centralização das organizações
operárias tradicionais possibilitou o surgimento de novos movimentos sociais e de um novo intelectual
a partir da década de 1960.

O novo intelectual
Os novos movimentos sociais têm características diferentes em relação às antigas organizações
operárias. São movimentos que buscam objetivos mais precisos, lutam contra a descriminação e por
direitos das minorias7, como mulheres, negros, homossexuais etc. Ou pela defesa do meio ambiente.
Esses movimentos são marcados pela pluralidade e não pela idéia de uma verdade única ou um camin-
ho exclusivo no processo histórico.
Nos enfrentamentos sociais de coloração pluralista,
Martine Franck

as lutas são localizadas e descentralizadas, este é o cenário


propício para a configuração de um novo intelectual que,
ao invés de guia político desempenha o papel de crítico
dos discursos associados ao poder. O intelectual militante
desses movimentos não se vê mais como o dono da ver-
dade sobre a luta, mas, procura denunciar os discursos
poderosos na sua pretensão de verdadeiros. Um exemplo
desse novo intelectual pode ser encontrado no compor-
tamento e na reflexão de Michel Foucault. Esse pensador
Michel Foucault.
francês produziu suas obras entre as décadas de 1950 e
1980; nelas ele denunciou, entre outras coisas, a construção de verdades que operam acopladas a práticas
de poder. Contra essa engrenagem institucional de poder e saber a tarefa militante não é elaborar novos
discursos de poder, mas, fazer a crítica da verdade e seus efeitos poderosos.
Na perspectiva foucaultiana, o intelectual não deve se colocar como representante do outro, seu
papel não é falar pelos outros, mas favorecer a valorização da fala dos que não têm voz. O novo intelec-
tual não deve formular um discurso geral sobre a liberdade, uma ampla teoria da salvação, pois aqueles
que se disseram donos da verdade exerceram poderes terríveis, submetendo seus seguidores e até
perseguindo aqueles que discordavam da verdade. Sendo assim, a atuação do novo militante é de re-
sistência, é localizada e sem a pretensão de ser vanguarda. Ao contrário de colocar-se acima, o novo
intelectual quer estar ao lado das vítimas. Num diálogo com Foucault, Gilles Deleuze, outro pensador
francês crítico, resumiu assim a prática do novo militante:

7 O termo minoria não é utilizado aqui no sentido estritamente quantitativo e sim para se referir aos grupos que, mesmo sendo numerosos,
têm dificuldade para ocupar e influenciar o campo político e social.
Os intelectuais e o poder | 41

[diante da] política global do poder se fazem revides locais [...]. Nós não temos que totalizar o que apenas se totaliza do
lado do poder e que só poderíamos totalizar restaurando formas representativas de centralismo e de hierarquia. [...] O
que temos que fazer é instaurar ligações laterais (FOUCAULT; DELEUZE, 1988, p. 74).

Ou seja, se a tarefa é combater o poder, é preciso reconhecer que a construção de verdades que se
pretendem absolutas e gerais favorece a reprodução de relações de dominação. Sendo assim, o intelec-
tual combatente dos dias atuais é aquele que não enuncia a verdade, mas, faz a denúncia dos efeitos
de poder dos discursos que se pretendem verdadeiros. Ele não se apresenta como guia de rebanho,
participa da política, mas caminhando ao lado daqueles que resistem e não se postando acima deles.

Atividades
1. Faça uma pesquisa individual ou em grupo sobre um movimento social contemporâneo. Escolha
um próximo da sua realidade ou dos seus interesses. Pesquise na internet, revistas científicas,
livros, jornais, revistas e, se possível, pela observação direta.
42 | Sociologia Política

2. Verifique se o movimento social pesquisado conta com a participação de intelectuais, de lideranças


com acesso a informações privilegiadas, ou algum tipo de vanguarda.

3. Investigue se essas lideranças desempenham um papel de condução do movimento ou de apoio


lateral à resistência. Debata o resultado da pesquisa com os colegas.
Definição e formação
do Estado
do Bem-Estar Social
O Estado do Bem-Estar Social (EBE) surgiu por volta da década de 1940, no contexto de recupera-
ção da economia mundial após a crise de 1929 e de reconstrução da Europa ao final da Segunda Guerra
Mundial. Esse Estado atingiu seu auge na década de 1960 e entrou em crise a partir de meados dos anos
1970 sem, contudo, ser substituído por inteiro. Seu formato se universalizou, ou seja, a fórmula do EBE
foi aplicada em todas as nações importantes do mundo, ainda que respeitando as singularidades de
cada país e de cada momento histórico de implantação. Essa afirmação não invalida a percepção de que
os primeiros sinais de uma política do bem-estar social surgiram bem antes da década de 1940. Alguns
historiadores localizam as manifestações iniciais do EBE no governo populista de Otto Von Bismarck
na Alemanha do final do século XIX. Naquele momento, Bismarck antecipou-se às reivindicações das
organizações operárias e, construindo a imagem de “bom governante”, concedeu benefícios sociais às
classes populares, como: seguro doença, acidente e invalidez. Mas, essa manifestação não caracteriza a
típica ação do EBE; convém, portanto, definir com mais precisão esse tipo de Estado antes de localizá-lo
historicamente.

A definição de Estado do Bem-Estar Social


O EBE tem dupla característica: por um lado, ele procura atender às demandas sociais e, por outro,
ele se ocupa de regular a economia. É importante sublinhar que esse Estado, na sua forma plena, não se
limita a dar atenção ao bem-estar social da população, ele também desempenha um papel fundamen-
tal no equilíbrio da economia de mercado. A presença do Estado na economia significa uma oposição
44 | Sociologia Política

ao princípio do livre mercado defendido pelo liberalismo econômico1. A preocupação com as carências
sociais obedece à concepção de que a correção das desigualdades é responsabilidade pública. Tam-
bém, nesse caso, a lógica aplicada emerge da percepção de que o mercado tem sérias limitações, seu
funcionamento é que geraria ou agravaria as desigualdades entre os grupos sociais. A racionalidade
moderna, a partir dessa perspectiva, não estaria no mercado e sim no Estado planificador.
A forte presença do Estado na economia provoca a expansão das suas instituições. Nesse sentido,
o EBE caracteriza-se pela centralidade e grandeza em contraste com o Estado mínimo recomendado
pelos adeptos do liberalismo econômico. Ele é constituído por um corpo de funcionários que tendem
a centralizar as decisões. No início da sua construção, o EBE buscou ocupar setores econômicos con-
siderados estratégicos para a nação ou aqueles onde o capital não tinha condições e/ou interesse em
atuar. Como exemplo, é possível citar setores como: eletrificação, infra-estrutura, mineração, telefonia,
logística, transporte; os casos variam conforme a situação de cada país. A atuação nesses setores solici-
tou a formação de grandes empresas estatais. No campo da economia, o EBE também tem a prerroga-
tiva de regular taxas de câmbio, juros e os níveis de consumo da população tendo em vista o controle
da inflação. Essas características resumem a preocupação em equilibrar a economia e advém da leitura
de que as crises econômicas resultam das imperfeições do mercado. Além de regular a economia, o EBE
busca promover o desenvolvimento econômico. Através da formação de um fundo público de recursos
arrecadados junto ao trabalho e ao capital o Estado investe na produção, seja fomentando pesquisas,
incentivando as exportações, subsidiando a indústria ou qualificando a mão-de-obra.
Na sua dimensão social o Welfare State, como é nomeado em língua inglesa, se caracteriza pela
concepção de que o trabalho é responsabilidade pública. Desse ponto de vista, a coletividade tem o
dever de promover o pleno emprego, caso isso não aconteça devido às limitações do mercado, a cor-
reção desse problema passa a ser tarefa de todos sob o comando da instituição máxima da sociedade,
o Estado. Sob a lógica do EBE, a assistência vira um direito dos cidadãos carentes. O princípio que rege
as políticas sociais é o de retirar a assistência do campo caritativo privado, marcado pela hierarquia e
submissão dos mais humildes aos mais abastados, e associá-la ao princípio da seguridade. Enfim, por
uma questão de segurança social, econômica e política, a sociedade através do Estado deveria garantir
as condições mínimas de vida para que todos pudessem exercer os direitos de cidadãos. À medida que
os membros da comunidade se considerassem contemplados pelo contrato social, seriam afastados os
riscos de desagregação da sociedade e seria reforçada a solidariedade como valor fundamental da de-
mocracia. Na sua versão original e mais autêntica, na Europa central, o EBE surgiu como resultado de um
verdadeiro pacto social entre as classes antagônicas: o proletariado e a burguesia; e serviu à promoção
da cidadania.

1 O liberalismo econômico foi elaborado por pensadores clássicos como Adam Smith e David Ricardo; e seguido por economistas
contemporâneos como Hayek e Friedman. Para o liberalismo, a economia de mercado e o capitalismo operam uma racionalidade perfeita,
natural e equilibrada. A partir dessa perspectiva liberal, caberia ao poder do Estado, com ajuda da ciência econômica, entender o funcionamento
desse organismo perfeito, e atuar favoravelmente a ele. Trata-se da tese do laissez faire, laissez passer (deixai fazer, deixai passar), segundo a
qual o próprio mercado seria capaz de se auto-regular e superar as crises. O mercado seria movido pela necessidade e seria o espaço por
excelência do contrato entre iguais, de um lado os proprietários dos meios de produção e de outro os proprietários da força de trabalho.
O princípio do contrato promoveria a relação perfeita, racional e justa. A partir dessa perspectiva, o Estado muito grande e atuando além
dos seus limites poderia comprometer o bom funcionamento do mercado. O Estado não deveria assistir ao trabalho e sim proteger o bom
funcionamento do mercado.
Definição e formação do Estado do Bem-Estar Social | 45

Em termos abstratos o EBE pode ser definido, então, como a instituição pactuada entre capital e
trabalho, promotora de políticas públicas2 cujos objetivos incluem a regulação da economia e o atendi-
mento das demandas sociais alçadas à condição de direito. O equilíbrio da economia regulada serviria
ao desenvolvimento da nação e o atendimento das necessidades sociais garantiria o bom funciona-
mento da sociedade baseada na solidariedade. O EBE representa a vitória da concepção que acredita
na supremacia da política sobre a economia, seu funcionamento atenderia aos interesses do capital e
do trabalho negociados na arena pública. Os países que se aproximam mais dessa definição abstrata do
perfil do EBE são: Suécia, Noruega e Dinamarca.

A formação do EBE – dimensão econômica


No período que compreende o século XIX até o início do XX predominou nos principais países
do mundo o ideário liberal. A concepção de que o livre mercado seria capaz de se auto-regular, gerar
o desenvolvimento econômico e a paz social impunha limites à ação do Estado. É importante registrar
que o predomínio da teoria liberal não significou a existência efetiva do livre mercado. Autores como
Karl Polany indicaram que o mercado sempre dependeu do apoio do Estado. O mercado capitalista não
teria se instalado em substituição ao sistema feudal sem que o Estado exercesse controles sobre a socie-
dade, por exemplo, forçando a transformação do camponês expulso do meio rural em operário urbano
assalariado. Mas, a idéia do livre mercado e, a partir dela, as limitações impostas à ação reguladora da
economia pelo Estado, geraram crises econômicas sucessivas que culminaram com a grande depressão
que atingiu o mundo em 1929 (POLANY, 1980).
No contexto da grande crise já estava em andamento na União Soviética a concepção de econo-
mia planificada pelo Estado em oposição ao livre mercado. A matriz originária da planificação é a teoria
socialista. O desfecho do debate entre os adeptos do livre mercado e os defensores da economia planifi-
cada foi fortemente influenciado pela crise de 1929. Os efeitos catastróficos da crise favoreceram a aco-
lhida da planificação mesmo por parte de defensores do mercado. Como afirmou Mario Teló, a crise con-
seguiu desideologizar o princípio da planificação da economia. A planificação deixou de ser um ideário
exclusivo da esquerda política e passou a ser vista, mesmo por parte de muitos capitalistas, como uma
necessidade, inclusive para as economias de mercado. Segundo Teló, “A crise funciona como poderoso
fator de desideologização e de unificação do debate internacional sobre a economia programática: os
planos econômicos e sindicais se multiplicam [...] voltados para a estabilização [...]” (TELÓ, 1987, p. 136).
Significa que um consenso foi construído a respeito da necessidade da planificação como forma
de se conquistar a estabilidade econômica e política num momento de grave turbulência. O econo-
mista inglês John Maynard Keynes (1883-1946) contribuiu para a quebra de resistência à regulação do
mercado ao elaborar um diagnóstico inovador sobre a crise e apresentar proposições corajosas para
recuperação da economia.
A leitura tradicional da crise, de tendência liberal, considerava que a causa da turbulência
econômica estava no excesso de produção de bens, o que teria gerado uma oferta exagerada de produ-
tos e, conseqüentemente, a redução dos preços das mercadorias em função da lei de oferta e procura.

2 Política Pública é a ação normatizada, planejada e de longo prazo, realizada pelo Estado, em áreas como a: econômica, ambiental, tecnoló-
gica, científica, social etc.; com o objetivo de promover o desenvolvimento ou corrigir alguma distorção. A política social, portanto, deve ser
entendida como uma das políticas públicas empreendidas pelo EBE (CARVALHO, 2002).
46 | Sociologia Política

Diante dessa situação, o ciclo do capital não podia se realizar. O capitalista que criou as condições para
a produção, locando o espaço, comprando maquinário, adquirindo matéria-prima, contratando mão-
de-obra e contraindo empréstimos, não conseguia saldar seus compromissos, pois a queda nos preços
impedia a realização do lucro. Num efeito “bola de neve”, a dificuldade de um negociante atingia os
demais até comprometer todos os agentes econômicos. O diagnóstico conservador, ao associar a crise
ao “excesso de produção”, conduziu a propostas paliativas para a saída da crise, como a retirada de parte
dos produtos do mercado numa tentativa desesperada para que os preços voltassem a subir e a mar-
gem de lucro fosse restabelecida.
Keynes, na contramão das leituras convencionais, concluiu que a causa da crise não estava no
excesso de produção, mas, muito ao contrário, na retração da demanda. O mercado, ao funcionar sem
regulação externa, acabou elevando o nível de exploração do trabalhador reduzindo a massa salarial,
seja pelo efeito inflacionário, seja pela elevação do desemprego. As limitações no lado da demanda é
que conduziram à crise, pois as pessoas não tinham como consumir o que era produzido pelo mercado.
As necessidades continuavam existindo e até se agravavam, mas o poder aquisitivo reduzido impedia
que o ciclo do capital, compra e venda, se realizasse. O diagnóstico de Keynes leu a situação como “crise
de demanda”; esse parecer o levou a propor uma saída alternativa. Segundo o economista inglês, o
único agente capaz de escapar às limitações do mercado no momento de crise era o Estado, não por
acaso uma instituição política mais do que econômica. O Estado poderia antecipar receita, gerar déficit,
e com esses recursos movimentar a economia alimentando o lado da demanda. Isso seria possível com
a formulação de políticas públicas capazes de reaquecer o consumo das mercadorias. De um lado foram
aplicadas políticas sociais como a assistência aos necessitados e o seguro desemprego. De outro, foram
criadas políticas de retomada do desenvolvimento, como a abertura de frentes de trabalho, subsídios à
produção e o incremento de gastos públicos em pesquisas, empresas estatais, segurança etc.
Na concepção de Keynes, o déficit público seria conjuntural. Com a saída da crise os cofres do
Estado seriam ressarcidos pela elevação da arrecadação fiscal impulsionada pelo retomada do desenvol-
vimento econômico. Tratar-se-ia, então, de uma antecipação de receita e não de um déficit público crô-
nico. A arrecadação advinda do trabalho e do capital permitiria ao Estado manter um fundo público para
realização de políticas de desenvolvimento e assistência social. Políticas de seguridade, como o seguro
desemprego, criariam uma rede de proteção para o trabalhador e para a sociedade impedindo novas
crises. Quando o operário perdesse o emprego o seu nível de consumo não sofreria grande recuo, pois o
seguro desemprego permitiria a ele adquirir os produtos básicos para sobrevivência da família. O equilí-
brio econômico estaria garantido uma vez que a capacidade de demanda não sofreria grandes recuos.
Keynes incorporou, portanto, ao seu diagnóstico e proposições, elementos presentes no ideário
da planificação econômica. A partir desse momento o Estado capitalista sofreu uma mudança radical,
passando a ser conhecido como EBE, o Estado da economia planificada, com forte presença no mundo
dos negócios e pautado pela centralização das decisões a partir de uma racionalidade burocrática. Mas,
o pensador inglês tinha também conhecimento a respeito da experiência do movimento operário eu-
ropeu. É correto supor que Keynes incorporou princípios como o da solidariedade, desenvolvidos pela
ala social-democrata3 da esquerda sindical européia. O seguro desemprego, por exemplo, já estava pre-
sente em alguns sindicatos europeus antes de migrar para o EBE. Esses conteúdos, entretanto, dizem
respeito à esfera política da formação do EBE.

3 Social democracia é uma ala da esquerda européia. Em oposição aos socialistas e comunistas, a social democracia apostou na luta parlamentar
e valorizou a formação de partidos operários com o objetivo de obter vitórias eleitorais e participar de governos de coalizão. Nesse sentido, a
social democracia retirou do seu horizonte próximo o ideal revolucionário.
Definição e formação do Estado do Bem-Estar Social | 47

A formação do EBE – dimensão política


Se as bases econômicas do EBE estão na planificação econômica e na teoria keynesiana de regu-
lação da economia, o solo político desse Estado está, principalmente, na experiência do movimento
operário europeu e nos embates entre burguesia e proletariado no final do século XIX e início do
século XX.
É importante reconhecer que a ala mais conservadora dos capitalistas fez um deslocamento da
direita para o centro do espectro político ao abandonar as posições mais radicais e contrárias à regulação
econômica. Dessa perspectiva tratava-se de abrir mão dos princípios liberais mais ortodoxos em nome
da preservação do mercado, ainda que sob uma nova configuração. A mudança no posicionamento
político foi forçada pela necessidade de escapar da crise econômica que comprometia a própria sobre-
vivência do capitalismo e também pelo risco de avanço do socialismo já presente na União Soviética.
No seio do movimento operário europeu, por sua vez, acontecia uma polarização diante da crise
de 1929. As alas radicais desse movimento adotavam a tese do “quanto pior melhor”. Ou seja, acredita-
vam que radicalização da crise capitalista levaria necessariamente ao socialismo e ao comunismo. Era
uma leitura bastante simplista do marxismo, pois, considerava que o processo histórico passaria fatal-
mente por determinadas etapas sem considerar a importância da atuação das classes sociais nesse pro-
cesso e as conjunturas específicas. A derrota do movimento operário para o nazismo e para o fascismo
fez prevalecer a tese já enunciada pela ala social democrata, segundo a qual, a radicalização da crise
capitalista não levaria necessariamente ao socialismo, pois, as classes proletárias empobrecidas não
marchariam fatalmente com as lideranças de esquerda. Diante da derrocada do capitalismo qualquer
cenário poderia ser desenhado, inclusive o da barbárie. Aliás, segundo a leitura social democrata do
marxismo, o socialismo não surgiria da implosão do capitalismo, mas do seu desenvolvimento; o avanço
das forças produtivas capitalistas é que gerariam as condições para o aparecimento de um novo modo
de produção (TELÓ, 1987).
Munidos desse diagnóstico, lideranças operárias passaram a defender a introdução de medidas
socialistas no Estado para salvação da economia de mercado, com destaque para a planificação econômica
e políticas sociais como o seguro desemprego. Mas, é importante sublinhar que o mercado assumiu
novas características ao ser regulado pelo Estado. O funcionamento do mercado passou a obedecer aos
ditames do campo político. Antes de avançar na exposição desse conteúdo é importante perceber que o
operariado também sofreu um deslocamento no espectro político ao dar um passo da esquerda para o
centro, pois, forçado pelas derrotas e riscos políticos, abriu mão dos princípios revolucionários em troca
da participação na gestão do Estado. O que significa dizer que ocorreu um reconhecimento mútuo dos
sujeitos no cenário político: classe operária e classe burguesa, nos países centrais da Europa, passaram
a se ver como interlocutores na gestão do Estado. A questão operária deixou o campo policial e passou
a ser um tema político.
Com o surgimento do EBE, princípios como a igualdade e a solidariedade foram valorizados. Ocor-
reu o que alguns autores chamaram de democratização da democracia (OLIVEIRA, 1998). Direitos que
durante muito tempo estiveram presentes apenas formalmente na lei passaram a ter vigência concreta.
No campo econômico, a fórmula do EBE gerou um período de crescimento da economia mundial,
o chamado ciclo virtuoso, com ganhos significativos para o capital e para o trabalho, principalmente
nos países do primeiro mundo. Na esfera política ocorreram avanços fundamentais nos direitos civis e
políticos, além da inauguração de um novo campo de direitos, o dos direitos sociais. O conflito entre as
48 | Sociologia Política

classes passou a ser regulado e circunscrito à esfera política. O confronto transitou da esfera privada dos
negócios para o campo público dos enfrentamentos políticos regulados.
Em resumo, a resposta à crise econômica de 1929 na forma de regulação e planificação da eco-
nomia foi um dos elementos da construção do EBE. Juntou-se a este a experiência da esquerda operária
européia que desenvolveu mecanismos de proteção social no seio dos sindicatos, tais como seguro
desemprego e auxílio doença. Mecanismos que depois migraram para o Estado e viraram políticas so-
ciais. O EBE resulta, então, dessa combinação de elementos de ordem política e econômica. A solidarie-
dade dos trabalhadores combinada com a planificação do mercado gerou o EBE.

Atividades
1. Defina o Estado do Bem-Estar Social.

2. Com a ajuda dos seus colegas, ateste se a frase seguinte é verdadeira ou falsa: “No contexto do
EBE a política se sobrepõe à economia”.

3. Ainda com ajuda dos colegas, explique qual o significado da frase acima.
Desenvolvimento do Estado
do Bem-Estar Social
A fórmula do Estado do Bem-Estar Social
O Estado do Bem-Estar Social (EBE) emerge a partir da combinação de elementos do campo
econômico e da esfera política. A vitória do princípio da planificação sobre o ideal do livre-mercado e a
resposta keynesiana à crise de 1929 foram acontecimentos fundamentais que prepararam o surgimento
do EBE. As revisões quanto ao posicionamento político dos representantes da burguesia e do prole-
tariado permitiram o reconhecimento mútuo dessas classes enquanto sujeitos políticos e alicerçaram
a construção do EBE como uma instituição pactuada, ao menos se considerarmos a sua configuração
mais avançada presente em países como: Dinamarca, Noruega e Suécia; e, num segundo patamar: Fran-
ça, Inglaterra e Alemanha.
O EBE promove o financiamento do desenvolvimento capitalista, não mais um capitalismo con-
correncial e sem limites, mas agora, um sistema regulado e planejado. É claro que o apoio do Estado
ao mercado sempre existiu; a novidade, entretanto, está no fato de esse suporte financeiro ter se tor-
nado duradouro, inserido numa planificação geral da sociedade e elaborado a partir do debate público1
(OLIVEIRA, 1998). Esse apoio do Estado ao capital, explícito e aceito pela sociedade, só foi possível por
conta da contrapartida oferecida pelo EBE materializada no compromisso de atender às demandas dos
trabalhadores através das políticas e benefícios sociais.
A fórmula do EBE, atendendo de um lado o capital e de outro o trabalho, gerou desenvolvimento
econômico e equilíbrio político entre as décadas de 1940 e 1970 nos países centrais da Europa e nos
EUA; a esse período os historiadores nomearam “ciclo virtuoso”. As conquistas desse ciclo se manifes-
taram no avanço tecnológico, na elevação dos níveis de conforto e na ampliação dos direitos políticos e
sociais. Um elemento que merece destaque nessa fórmula é o “fundo público”. Como ele surge? Qual o
seu significado? Como ele funciona?
1 É sempre importante lembrar que essa análise toma como parâmetro o EBE na sua forma mais acaba e perfeita; em países periféricos o EBE
sofre limitações e restrições, ainda que, em essência, seus princípios básicos operem ali também.
50 | Sociologia Política

O fundo público e a desmercantilização do trabalho


No contexto da grave crise de 1929 as teses sobre a necessidade de planificação e regulação
da economia venceram o debate frente à concepção do livre funcionamento do mercado. Durante a
depressão econômica ficou evidente, aos olhares mais críticos, que o mercado não tem condições de
se auto-regular. O princípio que rege o mercado, quando procura estar livre de controles, é submeter
todos os elementos à lógica da mercadoria, ou seja, ao modelo do valor. No mercado tudo deve ter o
seu preço para que possa ser trocado por qualquer outro produto a partir do estabelecimento de uma
equivalência. A equivalência entre os valores permite, por exemplo, que se troque maçã por automóvel,
desde que se estabeleça a correta correspondência de valor entre esses dois objetos transformados em
mercadoria. Mas, segundo alguns pensadores críticos, existem ao menos três elementos que o mercado
não consegue submeter à lógica do valor: a terra, o dinheiro e o trabalho (POLANY, 1980).
A terra cumpre uma função social importante e estratégica, qual seja o fornecimento de alimentos.
Logo, esse bem fundamental não pode ficar à mercê da especulação do mercado, precisa ter seu uso
regulado pelo Estado. O valor do dinheiro, por sua vez, define todo o funcionamento da economia, a
flutuação do câmbio pode comprometer a produção nacional, afetando a relação entre importação
e exportação, daí a necessidade de controle da moeda pelo Estado. Quanto ao trabalho, ele não se
submete à oscilação do mercado. Nas sucessivas crises do capitalismo e, especialmente em 1929, ficou
demonstrado que a redução no valor do trabalho, o achatamento da massa salarial, diminui o consumo
de mercadorias e compromete a realização do ciclo do capital. Foi justamente esse limite do trabalho
frente ao mercado que o fundo público procurou superar.
O fundo público é o conjunto de recursos arrecadados pelo Estado junto ao capital e ao tra-
balho; ele permite a execução das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento e para o bem-
estar social. No que concerne ao mundo do trabalho, todos os benefícios gerados pelo fundo público
representam um salário indireto. O alcance dessa transformação é amplo e seu efeito foi fundamental
para a superação da crise capitalista. O cálculo do salário, em termos teóricos, considera o montante
necessário à reprodução do trabalhador. Conforme a sociedade e o contexto histórico, a mão-de-obra
recebe uma remuneração que deve possibilitar a manutenção do trabalhador e de sua família. Se o
trabalhador não recebe o suficiente para se manter e mesmo se aperfeiçoar, geração após geração, o
capital sofre as conseqüências da escassez ou inadequação da mão-de-obra. A crise de 1929 tornou
patente o limite da exploração da força de trabalho pelo capital. Quando a expansão do capital segue
o caminho da redução do salário real, o próprio capital sofre o constrangimento de uma dupla barreira:
de um lado o trabalhador, como agente produtor do valor, não tem condições de se reproduzir; de
outro o trabalhador enquanto consumidor de mercadorias vê sua capacidade de aquisição reduzida e
compromete o funcionamento do mercado. No contexto da depressão ficou evidente que o trabalho
não opera na lógica do valor. Quando o salário oscila seguindo a lei da oferta e da procura o efeito é
a eclosão da crise capitalista. A saída da crise precisou de um elemento que não sofresse os limites da
forma valor, um não valor, ou um antivalor (OLIVEIRA, 1998). O fundo público é esse elemento, seu efeito
sobre o trabalho, por exemplo, é gerar um salário indireto que não passa pelos limites do mercado, pelas
oscilações do valor.
O advento do fundo público no seio do EBE representa, justamente, a desoneração parcial do
capital da obrigação de garantir a reprodução do trabalho. Os benefícios concedidos pelo fundo pú-
blico ao trabalhador, na forma de: subsídios à habitação, ao transporte público, seguro desemprego,
saúde e educação gratuitos, aposentadoria programada, entre outros; funcionam como salário indireto.
Desenvolvimento do Estado do Bem-Estar Social | 51

Significa que uma parte da remuneração do trabalhador deixa de seguir a lógica do valor, o operário
recebe uma parcela do seu salário independente do que produziu de valor para o mercado. Mesmo na
condição de desempregado, ou seja, fora do mercado de trabalho, o trabalhador continua recebendo
recursos. Nesse sentido, o trabalho escapa à lógica da mercadoria, ele se desmercantiliza parcialmente e
deixa de ser um limite para o avanço do mercado. Quando o trabalhador perde o emprego não compro-
mete o funcionamento do mercado, pois o seguro desemprego funciona como uma rede de proteção
para o desempregado e para o mercado; este continuará vendendo produtos para o desempregado
e não sofrerá com desequilíbrios graves na relação entre oferta e procura. O fundo público, ao operar
numa lógica oposta à do valor, escapa aos limites do mercado e possibilita a expansão do capital. Isso
explica porque o surgimento do fundo público atendeu, durante um período, aos interesses do capital
e do trabalho. Do lado do capital, ocorre a desoneração parcial quanto à obrigação de remunerar o tra-
balhador direta e integralmente. Além disso, o montante economizado com a não remuneração direta
fica disponível para investimentos na produção. Do lado do trabalhador, níveis nunca antes vistos de
conforto, segurança, bem-estar e direitos são alcançados (OLIVEIRA, 1998).
Contraditoriamente é o surgimento do antivalor, na forma de fundo público, que desbloqueou
o caminho do capital e permitiu a superação da crise de 1929. Quando o valor mostrou seu limite,
especialmente quanto à impossibilidade de submeter o trabalho à lógica da mercadoria, foi o salário
indireto gerado pelas políticas sociais através do fundo público que proporcionou novas oportunidades
de avanço das forças produtivas capitalistas, assim como os investimentos estatais na produção. Mas,
os capitalistas, em contrapartida, abriram mão do projeto do livre-mercado e aceitaram a regulação
do mercado pelo Estado. Nos países de EBE avançado a produção de riquezas pelo mercado passou a
atender prioritariamente aos interesses sociais negociados no espaço público. Nesse cenário o sistema
político se sobrepôs ao campo econômico. As decisões que emergiam no jogo político é que determi-
navam o rumo da economia. Também é importante sublinhar que o advento do EBE tornou evidente
que é possível produzir com altos níveis tecnológicos sem que o trabalho esteja totalmente operando
na lógica do mercado. Sem dúvida alguns elementos da sociedade socialista foram introduzidos no
mundo do mercado: princípio do pleno emprego, seguridade, submissão do econômico ao político e
ao social e a ênfase na solidariedade (OLIVEIRA, 1998).

Tipos de EBE
Um elemento foi importante na formação e desenvolvimento do EBE: a solidariedade. Trata-se de
uma nova forma de sociabilidade, o fator de agregação entre os indivíduos passa a estar associado ao
mundo do trabalho. A sociabilidade do trabalho supõe a solidariedade, é este elemento, por exemplo,
que leva ao princípio do socorro mútuo. Antes mesmo da formação do EBE, a experiência da classe
operária européia fomentou a construção da identidade e da solidariedade. Os trabalhadores passaram
a se reconhecer mutuamente no seu percurso histórico e no enfrentamento dos conflitos com o capital.
Os operários passaram a ver os problemas que enfrentavam não mais como o resultado de mazelas e
fraquezas individuais e sim como efeitos do sistema econômico e social sobre o grupo. Desemprego,
dificuldades econômicas, constrangimentos passaram a ser associados ao pertencimento à classe tra-
balhadora. Essa identidade nasceu vinculada à prática da solidariedade. As associações operárias do
final do século XIX e início do XX estavam pautadas pelo princípio da solidariedade. O apoio mútuo
52 | Sociologia Política

presente em clubes de compra, clubes operários, sindicatos etc. adquiria um significado que ultrapas-
sava o aspecto filantrópico, pois adquiria uma dimensão política. O caixa coletivo dos sindicatos servia
ao financiamento do seguro desemprego. O seguro não só aliviava a dificuldade do operário como
também impedia que os patrões se aproveitassem da fraqueza individual para recrutar mão-de-obra a
preços abaixo da tabela sindical.
O conjunto de valores presentes na experiência operária desse período é que passa a ocupar
a esfera política. A solidariedade ao mesmo tempo é um dos alicerces do EBE e por ele é reproduzida
constituindo a nova sociabilidade associada ao trabalho. Os trabalhadores que ao longo do século XIX
ainda eram vistos pelas elites como indivíduos perigosos, pertencentes aos grupos inferiores da socie-
dade, passam a adquirir o status de cidadãos. Associações e partidos operários tornam-se parceiros dos
representantes dos capitalistas na gestão do Estado. Os direitos sociais emergem vinculados à condição
de trabalhador. O Estado Social passa a valorizar os interesses sociais, promover a solidariedade e a
igualdade social, restringindo os interesses dos indivíduos particulares.
O Estado passa a valorizar o trabalho e constrói os laços sociais a partir da identidade e da solida-
riedade fundada no mundo fabril. Como afirma Gosta Esping-Andersen, na modernidade a solidarieda-
de social encontra abrigo no Estado. Nas suas palavras:
[...] a industrialização torna a política social tanto necessária quanto possível – necessária, porque modos de produção
pré-industriais como a família, a igreja, a noblesse oblige e a solidariedade corporativa são destruídos pelas forças liga-
das à modernização, como a mobilidade social, a urbanização, o individualismo e a dependência do mercado. O x da
questão é que o mercado não é um substituto adequado, pois abastece apenas os que conseguem atuar dentro dele.
Por isso a “função de bem-estar social” é apropriada ao Estado-Nação (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 91).

O EBE fundado na solidariedade e reprodutor de uma sociabilidade baseada no trabalho assume


contornos específicos conforme a nação e o contexto histórico. Mas, quais são os tipos de EBE? E o que
explica as diferenças no desenvolvimento entre eles?
Em alguns países é notório o elevado nível de conforto e bem-estar conquistado pelas classes tra-
balhadoras, noutros, entretanto, é perceptível que os direitos sociais não avançaram tanto quanto o de-
senvolvimento econômico e tecnológico. Em algumas nações, o alcance das políticas sociais é bastante
limitado, apenas uma parcela da população tem acesso aos serviços públicos de qualidade. Sob inspira-
ção da classificação feita por R. Titmus nos anos 1960, vários autores passaram a dividir as experiências
de EBE em três modelos. É importante dizer que todo esquema serve como ponto de partida para a
análise, pois a realidade é sempre mais complexa do que os modelos teóricos.
O primeiro tipo é o residual ou liberal2. Esse padrão de EBE é o mais limitado. Quando o EBE é de
tipo residual a sua atuação através de políticas sociais ocorre depois que o dano foi causado ao indiví-
duo pelo mercado e após a filantropia privada ter falhado. Ou seja, a intervenção é ex-post, não existe
uma efetiva preocupação com a prevenção dos problemas sociais. Outra característica desse modelo
é a intervenção pontual e de curto prazo. Os adeptos do EBE liberal não consideram correta a aplica-
ção de políticas sociais amplas e de maior duração; isso se explica pela crença no potencial do próprio
mercado em corrigir os problemas sociais com o desenvolvimento da economia. Quem se coloca nessa
perspectiva também acredita que a atenção exagerada do Estado aos indivíduos através de práticas
assistenciais pode levar ao desinteresse pelo empenho no trabalho.

2 A apresentação dos três modelos de EBE pode ser encontrada, por exemplo, em Figueiredo (1997).
Desenvolvimento do Estado do Bem-Estar Social | 53

No modelo residual a cobertura é assistencialista e seletiva, significa que alguns indivíduos ou


grupos, a partir de determinados critérios, são escolhidos como alvo das políticas em detrimento de
outros. O seguro social, nesse caso, exige a contribuição prévia e penaliza os mais fracos. Nesse padrão
existe uma combinação de previdência privada para os mais ricos e assistência pública para os mais
pobres. É sempre importante lembrar que todo sistema de cotização tem mais chance de dar certo
quando ricos e pobres participam juntos, só assim é possível aos mais pobres ter acesso aos serviços
mais caros. O efeito desse modelo é a manutenção ou aumento das desigualdades sociais. É o caso,
por exemplo, dos Estados Unidos (FIGUEIREDO, 1997). Não é correto, portanto, dizer que os EUA não
tenham EBE pelo fato de a cobertura social ser tímida e seletiva. O EBE se caracteriza pela regulação da
economia combinada com políticas sociais. Onde os gastos sociais são limitados e seletivos o modelo
de EBE é restrito, ou seja, residual ou liberal. Mas, a sua matriz básica existe e funciona.
O segundo tipo de EBE é o meritocrático-particularista ou conservador. Nesse padrão a assistên-
cia também é complementar ao mercado. Mas, sua lógica combina benefícios corporativos (quando
certos grupos têm acesso aos benefícios devido a sua organização) e clientelísticos (quando benefí-
cios aos mais necessitados são trocados por lealdade política e eleitoral). No modelo conservador não
ocorre uma transferência social de recursos para os grupos mais necessitados. A assistência é estatal,
com controle de corporações, e também existe a participação privada. O efeito, assim como no modelo
anterior, é a manutenção as desigualdades sociais. Como exemplos desse tipo de EBE, a literatura cientí-
fica costuma citar: França, Alemanha, Áustria e Itália (FIGUEIREDO, 1997).
O terceiro tipo, o mais avançado, é o modelo institucional redistributivo ou social-democrata.
Nesse padrão a cobertura dos riscos e contingências é universal, significa que todos os cidadãos têm
acesso aos benefícios e direitos sociais. O objetivo, nesse caso, é transferir recursos sociais para os mais
pobres e garantir um padrão de igualdade social. A solidariedade é valor importante a embasar esse
modelo. O princípio é a correção das distorções provocadas pelo mercado com ações vindas de fora
do mundo econômico. O mercado deve se submeter ao político e ao social. A assistência é totalmente
estatizada, com programa de renda mínima e com saúde pública. Como exemplo, temos os países es-
candinavos: Suécia, Dinamarca e Noruega. Esses países alcançaram níveis muito altos de bem-estar,
solidariedade e igualdade social (FIGUEIREDO, 1997).
Qual a explicação para as diferenças entre os três modelos? Por que alguns países avançaram
tanto na política de bem-estar e outros se mantiveram tímidos?
Esping-Andersen (1991) afirma que dois são os principais motivos que explicam essas diferenças
de padrões entre os tipos de EBE. O primeiro fator explicativo é histórico, ou seja, nos países em que a
classe trabalhadora organizada e combativa esteve presente no momento da construção do EBE, o seu
formato tendeu a assumir um perfil mais universal e completo. A existência de conflitos de classe dentro
do marco regulatório da democracia impulsionou a formação de EBEs mais universais. O segundo fator
explicativo é de fundo político. Nos países em que a classe trabalhadora conseguiu estabelecer alianças
com a classe média, o EBE tornou-se mais redistributivo e universal. O isolamento das elites capitalistas,
nesses casos, levou a restrições nos interesses do mercado, o resultado foi a construção de sociedades
mais igualitárias. Nas nações onde a classe média se aliou às elites o EBE tornou-se mais restrito e a so-
ciedade mais desigual. As classes populares encontraram mais dificuldades, nesses casos, de acesso aos
benefícios sociais (ESPING-ANDERSEN, 1991).
54 | Sociologia Política

No caso brasileiro, o EBE surge num contexto de sérias restrições ao processo democrático. A
organização da classe trabalhadora ainda era tímida e sofria a repressão por parte do Estado. As bases
do EBE no Brasil foram lançadas pelo governo populista de Getúlio Vargas entre as décadas de 1940 e
1950. O comportamento da classe média brasileira, por sua vez, a maior parte do tempo se caracteri-
zou pelo temor às classes trabalhadoras organizadas. Sendo assim, a classe média migrou do serviço
público para o privado na educação, saúde etc., deixando-os às classes populares menos organizadas
e com menor poder de reivindicação e cotização; o resultado foi a queda no nível de atendimento das
demandas sociais e a manutenção das desigualdades. Por tudo isso é correto classificar o EBE brasileiro
dentro do modelo conservador. É importante ressaltar, no entanto, que a partir da constituição de 1988
ocorreu um avanço legal no sentido da introdução de princípios de assistência universais e pautados na
lógica do direito social. A lei, entretanto, enfrenta dificuldades para se impor com força sobre a realidade
marcada pela desigualdade social. Não por acaso, alguns autores definem o EBE brasileiro como simu-
lado, ou simulacro. Ainda que do ponto de vista formal exista saúde e educação públicas, assistência
social, aposentadoria programada, seguro desemprego etc., o conjunto de benefícios e políticas sociais
não conseguiu atingir uma universalidade capaz de superar os elevados índices de exclusão social.

Atividades
1. Investigue com os seus colegas ou individualmente sobre a qualidade do ensino nas escolas
estatais (municipais e estaduais) nos anos 1950 e nos dias atuais no Brasil. Colete dados sobre a
proporção da população atendida nos dois períodos e outros índices de qualidade.

2. Entreviste pessoas que freqüentaram esse ensino ou professores que ministraram aula nesse
período. Compare as percepções a respeito do ensino estatal nos dois períodos.

3. Tire suas conclusões sobre esta política pública do EBE brasileiro.


A crise do Estado
do Bem-Estar Social
O ciclo virtuoso do Estado do Bem-Estar Social (EBE), caracterizado pelo acelerado crescimento
econômico combinado com avanços nos direitos e garantias sociais das classes populares, especial-
mente nos países do primeiro mundo, durou até o início dos anos 1970. A primeira grande crise do
petróleo gerou uma escassez de recursos de ordem mundial e possibilitou o retorno de vozes conserva-
doras no campo econômico, preocupadas com os excessivos gastos estatais. O EBE que anteriormente
possibilitou a saída da crise de 1929 passou a ser visto, por muitos, como responsável pela nova crise
internacional. Os diagnósticos da crise são variados, mas, o principal problema levantado a respeito do
EBE associa-se ao chamado déficit público crônico, com epicentro na previdência social.

O cenário da crise
O bom funcionamento do EBE estava baseado na abundância de recursos que abasteciam o fun-
do público e proporcionavam a implantação de políticas públicas. Tais políticas fomentavam o desen-
volvimento econômico capitalista e, ao mesmo tempo, elevavam o padrão de vida da população geran-
do um ambiente de segurança e prosperidade. Essa engrenagem fora consolidada no campo político
com a construção do consenso entre capital e trabalho. A solidariedade social constituía-se num dos
alicerces dessa formação.
A escassez de recursos transformou o consenso entre capital e trabalho em dissenso. As dificul-
dades no campo econômico contaminaram a esfera política. O acordo a respeito do uso equilibrado do
fundo público encontrou seu limite. Os representantes dos capitalistas, com destaque para o retorno
das concepções liberais, agora nomeadas neoliberais, elaboraram um diagnóstico, no qual os gastos
com as políticas sociais apareceram como responsáveis pela crise. O Estado grande e centralizado pas-
sou a ser visto, dessa perspectiva, como incompetente e dispendioso. Os trabalhadores, por sua vez,
assumiram uma posição de resistência procurando garantir os direitos sociais conquistados durante o
ciclo virtuoso.
56 | Sociologia Política

O “ciclo vicioso” se alimenta de fatores negativos que se reforçam mutuamente. A crise econômica
leva a redução da produção; esta, por sua vez, gera a dispensa de mão-de-obra. O aumento do desem-
prego onera os cofres públicos, pois eleva o montante gasto com programas sociais como o seguro
desemprego. O Estado passa a arrecadar menos impostos e taxas quando o ambiente é recessivo. Até
mesmo a solidariedade social sofre um golpe, pois num cenário de escassez de recursos, muitos passam
a considerar excessivo o que se gasta com pessoas que não estão trabalhando e, portanto, não estariam
contribuindo com a sociedade.
Em resumo, o cenário do ciclo vicioso caracteriza-se pela recessão econômica, combinada com a
redução da arrecadação de impostos e a conseqüente diminuição do fundo público num contexto de
pressão por demandas sociais. O efeito é o dissenso onde antes existia um consenso.
Nos primeiros anos da crise do EBE o discurso neoliberal tornou-se vigoroso. No seu receituário
para superação da crise o neoliberalismo incluiu a redução do Estado, a diminuição dos direitos dos
trabalhadores, o corte nos gastos com políticas sociais e o incentivo ao mercado. Os governos de Ronald
Reagan, nos Estados Unidos, e de Margareth Thatcher, na Inglaterra, durante os anos 1980, colocaram
grande ênfase na adoção do programa neoliberal, ou seja, foram tentativas claras e radicais de avançar as
propostas de redução do EBE, especialmente quanto ao corte nos gastos destinados à seguridade social.
Reagan e Thatcher adotaram em seus governos programas de reforma do Estado, da previdência, e dos
direitos trabalhistas. Mas, os resultados foram preocupantes, pois, verificou-se o crescimento da exclusão
social, a aceleração do desemprego, o aumento da violência e a volta da recessão econômica. Depois
dessas experiências os defensores do neoliberalismo adotaram um tom mais comedido, a crise do EBE
persistiu até os dias atuais sem que proposições inovadoras e consensuais fossem construídas. Governos
com programas de perfil social-democrata, com propostas de reforma do EBE, se revezam no poder com
grupos neoliberais que propõem a redução do Estado e das políticas sociais. Uma renovação do neoli-
bealismo ocorreu na década de 1990 e foi nomeada consenso de Washington. Nesse caso, a palavra con-
senso não significa mais do que acordo entre economistas dos grandes bancos, agências internacionais
e burocratas do governo norte-americano. Sobre ele Boaventura Sousa Santos escreve o seguinte:
O consenso de Washington diz respeito à organização da economia global, incluindo a produção, os mercados de pro-
dutos e serviços, os mercados financeiros, e assenta na liberalização dos mercados, desregulamentação, privatização,
minimalismo estatal, controle da inflação, primazia das exportações, cortes nas despesas sociais, redução do déficit
público, concentração do poder mercantil nas grandes empresas multinacionais e do poder financeiro nos grandes
bancos transnacionais. As grandes inovações institucionais do consenso econômico neoliberal são as novas restrições
à regulamentação estatal, os novos direitos internacionais de propriedade para investidores estrangeiros e criadores
intelectuais e a subordinação dos Estados nacionais a agências multilaterais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetá-
rio Internacional e a Organização Mundial do Comércio (SANTOS, 1999, p. 97-98).

Na fala do autor fica evidente o predomínio da política neoliberal a partir do final dos anos 1990
como receituário para combater a crise do EBE.

Diagnósticos extremos da crise


Na polêmica sobre a crise do EBE, como era de se esperar, encontramos posições extremas no
pólo conservador e no progressista. Entre elas, também é possível identificar a manifestação de gru-
pos moderados. Na extremidade conservadora verifica-se o diagnóstico de que o EBE tem limitações
A crise do Estado do Bem-Estar Social | 57

crônicas, esta forma de Estado sofreria de um mal congênito. Ao atender às demandas dos desempre-
gados e subempregados, o Estado comprometeria o bom funcionamento do mercado. Da perspectiva
liberal, ou neoliberal, a necessidade é um elemento natural e fundamental que impulsiona o processo
produtivo. Quando atenua as necessidades individuais através de políticas sociais, o Estado promo-
veria o desinteresse pelo engajamento produtivo. Ademais, desse ponto de vista, os gastos sociais
concorreriam com os recursos que deveriam impulsionar a produção. Enfim, o diagnóstico é de que o
EBE representa um erro histórico.
Na extremidade progressista o diagnóstico é de que o EBE passa por uma crise superficial; diante
dela, alguns ajustes de percurso seriam necessários. O maior problema identificado a partir dessa pers-
pectiva seria o avanço do capital sobre a parte do fundo público que não lhe pertencia, quebrando o
consenso construído quando da formação do EBE. Como exemplo dessa situação, os progressistas citam
os programas de privatização. No início do EBE, quando o capital não tinha condições de assumir res-
ponsabilidades com infra-estrutura e com a produção de matérias-primas que exigiam pesados investi-
mentos, o poder público assumiu essas tarefas. A lógica das empresas estatais é justamente a produção
a baixo custo para abastecer as empresas capitalistas. Durante muito tempo, os recursos públicos foram
mobilizados com esse fim. Dentro dessa lógica, o déficit estatal subsidia a produção capitalista com o
objetivo de incentivar o desenvolvimento econômico. O avanço da economia, por sua vez, recompõe o
caixa estatal através da arrecadação de impostos e taxas. O discurso da privatização associa o prejuízo
das empresas estatais à ineficiência e cria o clima necessário para que o capital, agora desenvolvido, se
aproprie, a baixo custo, do patrimônio público.
Boa parte dos analistas científicos da crise do EBE, entretanto, procura se distanciar das posições
mais engajadas e, a partir dos dados das pesquisas, pondera sobre o setor onde se localiza as principais
causas da crise: econômico, político, social, cultural etc. São muitas as divergências, especialmente a
respeito da melhor saída para a crise. Vejamos como a literatura científica trata o problema.

A análise teórica da crise


Para alguns estudiosos, a principal dimensão da crise é financeira/fiscal. Esse é um diagnóstico
comum aos pensadores de todas as colorações ideológicas, da direita à esquerda, dos liberais aos so-
cial-democratas. Existe um consenso quanto ao fato de que os cofres públicos chegaram ao seu limite,
especialmente o caixa previdenciário. Vejamos o que diz a respeito Sônia Draibe e Wilnês Henrique:
Em geral, reconhece-se de partida que a crise econômica atual vem solapando as bases de financiamento dos gas-
tos sociais: seja pela diminuição das receitas e/ou das contribuições sociais, provocadas pela redução da atividade
econômica, seja pelas pressões advindas do desemprego crescente e da aceleração inflacionária, que elevam os custos
e despesas sociais. Dessa forma os Estados vêm sendo cada vez mais incapazes de responder às exigências financeiras
impostas pelos programas atuais (DRAIBE; HENRIQUE, 1988, p. 55).

Mas, o consenso sobre a crise financeira se desfaz quando o debate entra no campo das cau-
sas do fenômeno. Social-democratas consideram que as pressões do capital, com suas necessidades
periódicas de saltos tecnológicos, comprometem o consenso sobre o uso do fundo público e reduzem
as receitas pela geração de desemprego. Os liberais, por sua vez, colocam a culpa da crise financeira nos
excessivos gastos sociais do Estado.
58 | Sociologia Política

Além das crises econômicas, outros fatores pressionam o fundo público e desacreditam o receitu-
ário econômico keynesiano, que propunha um Estado forte e atuante na economia.
Por mais paradoxal que possa parecer, alguns analistas consideram que a crise do EBE é mais o
resultado do seu sucesso do que do seu fracasso. A explicação para essa leitura é a seguinte: o desen-
volvimento do EBE proporcionou um avanço tecnológico fabuloso, conquistado através dos investi-
mentos produtivos do fundo público. Esse salto tecnológico representou uma transformação radical
no processo produtivo das indústrias. Com isso, o tempo de trabalho necessário para a produção dos
bens teve uma redução drástica, o resultado foi a dispensa em massa de trabalhadores da indústria. A
absorção dessa mão-de-obra pelo setor de serviços não ocorreu no mesmo ritmo das demissões nas
fábricas. Logo, um dos efeitos do sucesso econômico do EBE foi o crescimento do desemprego e com
ele a inauguração do ciclo vicioso.
Outro exemplo dessa mesma situação está no fato de que o EBE elevou significativamente o
padrão de vida da população em geral. O aumento nos níveis de consumo, a melhoria nas condições
sanitárias, o avanço dos programas de saúde permitiram o aumento drástico na expectativa de vida. Esse
fator em si pressionou de forma nada desprezível os cofres públicos, além disso, os trabalhadores foram
conquistando o direito de se aposentar cada vez mais cedo. A combinação entre aposentadoria precoce
e aumento na longevidade foi gerada pelo sucesso do EBE e, paradoxalmente, contribuiu para sua crise.
O desenvolvimento do EBE proporcionou um aumento importante nos gastos previdenciários, pois o
tempo que as pessoas usufruem da aposentadoria tornou-se muito maior, sem contar os gastos com a
saúde da população idosa num contexto de medicina tecnologicamente avançada e, portanto, cara.
O diagnóstico conservador sobre o caráter financeiro da crise indica, ainda, que o próprio gigan-
tismo do Estado favorece a corrupção. O déficit gerado pelo Estado Social, segundo essa perspectiva,
coloca um peso excessivo sobre o setor produtivo que tem dificuldades diante do aumento de impos-
tos, a elevação dos juros e a redução dos investimentos estatais na infra-estrutura, em pesquisas, enfim,
na produção. A solução proposta pelo neoliberalismo passa pela redução do Estado que teria se torna-
do gigante e ineficiente. O programa de privatização de empresas estatais é um claro exemplo da redu-
ção do tamanho do Estado e da diminuição da sua inserção na economia. A perspectiva conservadora
propõe que a economia se sobreponha à política e à sociedade, pois a racionalidade do mercado é que
poderia ordenar e harmonizar o mundo. Não é o que pensam os críticos do neoliberalismo, segundo
eles a submissão da sociedade e da política aos interesses econômicos oferece o risco da desagregação
social e a perda contínua da cidadania (SANTOS, 1999).
Da perspectiva progressista, ou de esquerda, a crise financeira não faz parte da essência do EBE,
muito ao contrário, seria o resultado de uma conjuntura peculiar. A maior pressão sobre o fundo públi-
co, desse ponto de vista, não viria das políticas sociais, mas das demandas do capital por isenções de
impostos, investimentos em infra-estrutura e pesquisas, que não trazem retorno suficiente em termos
de geração de empregos. Ademais, os ganhos em produtividade, com o avanço tecnológico não seriam
devidamente socializados. O ganho de tempo proporcionado pela inovação científica de máquinas e
equipamentos não foi repassado para a população com a redução da jornada de trabalho, por exemplo.
Ao invés de mais trabalhadores ocupados, trabalhando menos, o mundo passou a recrutar menos pes-
soas e a alongar suas jornadas de trabalho.
Os progressistas também entendem que a redução dos direitos sociais só agrava o problema da
desigualdade e a exclusão social, contribuindo para uma maior concentração de renda entre os mais ricos.
Do ponto de vista progressista, a saída da crise não passa pela redução drástica ou pela extinção do EBE,
mas pela reforma desse modelo para torná-lo mais ágil e verdadeiramente promotor da igualdade social.
A crise do Estado do Bem-Estar Social | 59

Progressistas e conservadores concordam que é preciso promover a descentralização do EBE. A


burocracia técnica gerenciadora das políticas públicas passou a concentrar as decisões e distanciou-se
da sociedade. Mas, existe uma diferença na concepção de “descentralização” entre neoliberais e social-
democratas. Para os conservadores é preciso descentralizar as ações do Estado em favor da iniciativa
privada: empresas, fundações, ONGs etc. Os recursos deveriam ser repassados para essas instituições
que, com uma gestão empresarial, teriam melhores condições de atingir objetivos sociais, filantrópicos
e de cidadania. Para os progressistas a descentralização significa outra coisa. Dessa perspectiva, o Esta-
do deveria manter sua responsabilidade de promoção da cidadania e correção das desigualdades so-
ciais. A descentralização no processo decisório deveria se dar com distribuição de poderes em favor da
sociedade civil organizada: movimentos sociais, associações de moradores, sindicatos etc. Com o apoio
do Estado essas instituições deveriam resgatar a solidariedade do mundo do trabalho e a participação
da comunidade no processo político.
Alguns autores alertam, ainda, para a importância que a redução drástica no número de operários
de fábrica desempenhou no declínio da solidariedade baseada no trabalho. Isso, somado à mudança
no seu perfil da população economicamente ativa, contribuiu sobremaneira para que os valores fun-
dadores do EBE fossem substituídos por interesses egoístas próprios da sociedade do consumo em
massa. O trabalhador deixou de ser um combatente por mudanças e passou a ser o sócio-gestor da
máquina estatal. Fica evidente, nesse caso, a dimensão social e política da crise do EBE. O desafio atual
é a construção de um novo consenso, agora, com a participação das minorias excluídas dos benefícios
da sociedade de alto desenvolvimento tecnológico e elevado padrão produtivo.

Atividades
1. Assista com os seus colegas ao filme espanhol Segunda-feira ao Sol (Las lunes al sol), de Fernando
Leon Aramoa – 2002; ou ao filme inglês Tudo ou Nada (Full Monty), de Petter Cattaneo – 1997.

2. Discuta com os colegas as características da crise do EBE representadas pelo filme que você assistiu.
60 | Sociologia Política

3. Inspirado pelo filme pense sobre as mudanças no mundo do trabalho e das políticas sociais da
sua região e discuta com os colegas os efeitos desses processos na sociedade e na família.
Política Pública
e Política Social
A política e o social
As definições de política inspiradas em Aristóteles incorporam a dimensão do “bem comum”. O
bom governo é aquele que ao administrar os negócios do Estado busca atender o interesse coletivo e
não vontades particulares e egoístas. Nesse sentido seria redundante rotular uma política como social
ou pública. Todo governo legítimo ou reto, para usar a formulação aristotélica, estaria pautado pelo
interesse social e seria guiado pelo público. Sendo assim, a política em toda a sua extensão teria que
ser social e pública. Mas, o fato de na modernidade nomearmos uma dimensão da política como espe-
cificamente social ou pública é significativo, indica, primeiramente, que ocorreu uma separação entre a
dimensão da política e a esfera social. A política, separada do social, assumiu a função de regular e es-
tabilizar a sociedade; esta, por sua vez deixou de envolver-se plenamente no mundo político (LEBRUN,
1984). As pessoas em geral cada vez mais se ocupam, fundamentalmente, das suas vidas familiares, dos
seus negócios e do lazer, ao mesmo tempo, nutrem as expectativas que os agentes políticos tratem de
cuidar do interesse público. Nesse contexto, fica evidente que nem toda política é social e torna plau-
sível falar de uma ação do Estado voltada especificamente para o social.
O projeto moderno, entretanto, prevê uma sociedade ativa, funcionando como um público in-
teressado que, a partir de um intenso conflito de interesses, seja capaz de formar a opinião pública e
balizar o comportamento dos agentes políticos. Caso a sociedade moderna, democrática e republicana,
funcionasse conforme desenhada no projeto iluminista, o Estado quando estivesse desenvolvendo uma
política na área da economia estaria atendendo ao interesse da sociedade, o mesmo, quando estivesse
tratando da reforma burocrática e assim por diante. Então, seria redundante falar em política social ou
política pública.
Todavia, mais do que estranhar o termo política social é importante pensar porque ele foi criado. A
resposta é que a política nem sempre está voltada para os interesses sociais em geral, em primeiro lugar
62 | Sociologia Política

porque a sociedade não é homogênea, muito ao contrário, ela é dividida em grupos ou, se preferirmos,
em classes com interesses antagônicos. Significa que quando o Estado estabelece uma política econô-
mica, por exemplo, ele está atendendo aos interesses de alguns e desagradando outros, situação tanto
mais preocupante pelo fato de a diferença entre as classes fazer com que alguns tenham mais recursos
de poder do que outros. A desigualdade social acaba por conduzir a diferenças de acesso às políticas
gerando um ciclo vicioso. Outra razão para a existência do termo política social é que, efetivamente, a
administração racional do Estado levou à divisão da sociedade em diferentes setores: da economia, da
segurança, do meio ambiente, do social etc. Significa que o social pode ou não ser alvo de uma política
do Estado. O social pode receber mais ou menos atenção de um governo. Os interesses da sociedade
podem ou não ser mais importantes do que os da economia, por exemplo. Quando um governo elege
o social como prioridade, significa que a economia deve se submeter aos interesses sociais que são an-
teriores em importância. Dito de outro modo, os governos de tendência liberal entendem que o bom
andamento do mercado é capaz de corrigir os problemas sociais mais graves. Logo, a prioridade das
políticas está voltada para a economia. Outros governos, de perfil social-democrata ou socialista, con-
sideram que só o Estado pode promover o equilíbrio social, sendo assim, priorizam as políticas sociais
e colocam o econômico em segundo plano. É importante sublinhar que o termo “social” na designação
“política social” traz consigo uma referência aos mais humildes, aos mais frágeis diante da competição
selvagem no mercado, aos excluídos, enfim, às vítimas da desigualdade gerada pelo mundo econômi-
co. Então, determinadas políticas, ainda que públicas, estão voltadas ao atendimento dos interesses do
setor financeiro, ou industrial, ou do comércio, enfim, dos grandes produtores rurais; outras políticas, as
chamadas “políticas sociais”, focam o apoio aos mais necessitados: desempregados, crianças e adoles-
centes, idosos, sem-teto, sem-terra, vítimas de alguma catástrofe, pobres etc.
Na prática, a palavra política pode designar apenas a atividade de convencimento dos eleitores.
Ou seja, a busca de votos no processo eleitoral. Política pode significar a luta pelo poder e não a con-
strução do bem comum. Não por acaso, como nos alerta Simon Schwartzman (2004), no idioma inglês
temos duas palavras para nomear essas atividades que são diferentes e nem sempre complementares.
A luta pelo poder é chamada de politics, enquanto que a atividade planejada do Estado num determi-
nado setor, a nossa política pública, é chamada de policy.
Vejamos uma definição de políticas públicas onde fica evidente a segmentação da ação do Estado:
Entre as diversas políticas públicas tais como a econômica, a ambiental, a de ciência e tecnologia e outras, a política
social é um tipo de política pública cuja expressão se dá através de um conjunto de princípios, diretrizes, objetivos e
normas, de caráter permanente e abrangente, que orientam a atuação do poder público em uma determinada área.
(CUNHA; CUNHA, 2002, p. 12).

A definição expressa o fato de o social representar, no mundo político, um setor entre outros, uma
área que pode ou não receber atenção prioritária de um governo.
A definição de política social tem outro complicador, a determinação do que é social depende
da conjuntura. O que entra ou não no guarda-chuva “política social” está relacionado aos interesses
mobilizados num determinado momento no sentido de colocar na agenda política temas com o rótulo
de social, por exemplo: fome, miséria, menor abandonado, atendimento a deficientes e idosos, habita-
ção etc. A capacidade de mobilização e organização daqueles que estão em desvantagem no campo
econômico e social é que pode modificar o jogo de distribuição dos bens materiais e simbólicos. A
história mostra que a construção da identidade e da solidariedade política entre os menos favorecidos
pode equilibrar o jogo político introduzindo na agenda do Estado temas antes esquecidos, tais como as
“questões ou problemas sociais”.
Política Pública e Política Social | 63

O surgimento da “questão social”


Qual a origem da “política social”? É correto afirmar que antes do aparecimento das “políticas
sociais” surgiu a “questão social”. Uma sociedade pode reagir de diferentes maneiras diante de fatos
concretos. Realidades brutas como: miséria, crianças abandonadas, idosos passando necessidades, de-
semprego, falta de moradia, epidemias, alcoolismo, escolarização etc. Numa determinada sociedade é
possível que a maioria das pessoas olhe para essa realidade e pense que se trata do destino reservado
por Deus a cada ser humano. Ou ainda, noutro contexto, as elites podem ler tudo isso como problema
individual ligado à preguiça, vadiagem ou falta de sorte. Um exemplo de como o contexto social e
cultural influencia com força o entendimento dessas realidades está no filme japonês intitulado: A ba-
lada de Narayama. Essa película retrata a situação em algumas aldeias japonesas ao final do século XIX,
quando as dificuldades econômicas levaram à criação do costume de os idosos, ao perceberem que
estavam se tornando um fardo para os familiares e para a comunidade, subirem a montanha gelada e
aguardarem solitariamente à morte. A história demonstra que são múltiplas as possibilidades de leitura
a partir da existência de um fato social como a presença de idosos.
A pergunta a ser colocada é: quando e onde a miséria humana passou a ser construída como um
problema social? A partir de qual momento e com quais interesses as dificuldades de determinados
grupos sociais passaram a ser tematizadas e enfrentadas como “questão social”? E o mais importante,
qual o significado e os efeitos desse procedimento?
O ponto de partida da “questão social” costuma ser localizado na reforma urbana de Georges Eu-
gène Haussmann ocorrida em Paris entre 1851 e 1870, sob o domínio do imperador Napoleão III. Como
prefeito de Paris, Haussmann colocou a cidade abaixo, abriu grandes avenidas (os boulevares), instalou
monumentos gigantescos e criou parques urbanos. Mas, o ponto fundamental do novo desenho ur-
bano foi a legislação sanitária. Em nome da melhoria das condições de saúde coletiva e a partir dos
conhecimentos médicos que avançavam nesse período, Haussmann promoveu uma verdadeira cirurgia
urbana. Em meados do século XIX, já se conheciam os males causados pela falta de iluminação solar e as
dificuldades na circulação do ar. Aliás, os conhecimentos sobre a importância da circulação sangüínea
serviram como metáfora para o entendimento da cidade como um todo orgânico e funcional. As ruas
deveriam ser alargadas para que as pessoas, os veículos e o ar pudessem circular e a luz solar conseguis-
se penetrar os diferentes espaços. Os imóveis deveriam ser normalizados evitando o excesso de pes-
soas nos pequenos cômodos. Regras deveriam ser aperfeiçoadas para o melhor uso do espaço urbano
revitalizado. É importante perceber que o tema da nova funcionalidade do espaço surge associado aos
“problemas sociais”. Espaços insalubres geravam doenças e epidemias, as quais, por sua vez, conduziam
a prejuízos econômicos. Bloqueios à circulação favoreciam a desordem, pois dificultavam a presença do
poder estatal em todos os espaços da cidade. Paris, assim como outras cidades européias, experimenta-
va o confronto bélico entre as classes na forma de barricadas, por exemplo. Como afirma Topalov:
A idéia de que existem “problemas urbanos” é recente. Tem sua origem nos começos do século XX com os reformadores
de moradias e os primeiros urbanistas, os filantropos e os assistentes sociais, que tinham de enfrentar a realidade das
grandes metrópoles do mundo industrial. Mudar a cidade para mudar a sociedade e, particularmente, o povo, essa era
a sua visão estratégica (TOPALOV, 1996, p. 23).

Já na sua origem a “questão social” revelou as suas contradições, pois, ao diagnosticar a insalu-
bridade como grave problema do espaço urbano na antiga Paris, o olhar técnico construiu, ao mesmo
tempo, a população carente, os trabalhadores como responsáveis pelas péssimas condições sanitárias
e pela desordem. Trata-se do expediente de construir o “outro” como diferente e inferior e impor a ele
64 | Sociologia Política

os dispositivos de poder, supostamente necessários à sua adaptação a ordem urbana e social. Nas pa-
lavras de Topalov: “As representações do outro são inseparáveis das técnicas de ação sobre o próximo.
As categorias que permitem pensar a realidade social, e as práticas destinadas a modificá-las (saberes e
poderes), formam todo um sistema” (TOPALOV, 1996, p. 33).
Sendo assim, os trabalhadores, eleitos como responsáveis pela insalubridade, foram deslocados do
centro urbano e instalados em conjuntos habitacionais na periferia. É importante registrar que os traba-
lhadores não reivindicavam casa própria, sua demanda era por aluguéis mais baratos. Para os operários,
a presença no centro urbano era uma questão estratégica, ali eles podiam elaborar a identidade operária,
experimentar a vida urbana e suas contradições, e resistir ao capital e ao poder policial do Estado.
Haussmann inaugura muito cedo a prática contraditória que vai marcar a questão social e as
“políticas sociais”, em nome da proteção aos “necessitados” práticas de controle são implantadas. Os
trabalhadores parisienses foram construídos, ao mesmo tempo, como responsáveis pelos problemas
sociais e como alvo das políticas de reforma urbana e sanitária que os colocaram longe do centro ur-
bano em espaços considerados funcionais pela razão técnica.
A “política social” deu outro grande passo, no início do século XX, quando assistentes sociais,
sociólogos, urbanistas e outros profissionais elegeram os “problemas sociais” como tema científico e
despolitizaram a temática social, como afirma Topalov: “Os ‘problemas sociais’ assim construídos pelos
novos profissionais, adquirem a qualidade de realidades objetivas, como pode comprovar qualquer
mente livre de preconceitos. Ficam deste modo despolitizados e escapam ao âmbito das controvérsias
fictícias e perigosas do enfrentamento democrático” (TOPALOV, 1996, p. 37). Ou seja, é preciso recon-
hecer que o tratamento científico dos problemas sociais pode reduzi-los a uma questão técnica e com
isso afastar a percepção de que a existência e a superação são desigualdades que passam pelo campo
político, entendido como espaço de disputa pelo poder.

O público e o estatal
De um modo geral, as “políticas públicas” são empreendidas pelo Estado, mas, não se deve con-
fundir público com o estatal. Público não é sinônimo de estatal. Público tem um sentido mais amplo
que estatal, é público tudo que interessa à comunidade de cidadãos – essa comunidade está situada
entre o Estado, enquanto aparelho administrativo comandado por um governo, e a dimensão privada,
composta pelos indivíduos, os agentes do mercado e as famílias entendidas como células isoladas1.
Compõem o público o conjunto de associações políticas ou não: agremiações, sindicatos, ONGs, movi-
mentos sociais, os meios de comunicação etc.
O público é tanto mais fortalecido quanto mais independente for das tentativas de incorporação
feitas pelos agentes da esfera privada e também do Estado. O público é composto por indivíduos, mas
que abrem mão de interesses egoístas, pois combinam suas expectativas às de outros sujeitos num
processo de identidade coletiva. Essa associação de indivíduos forma uma comunidade de interesses,
mas a convergência precisa ser fruto da discussão e até do conflito, entendido como embate de ar-
gumentações e não como confronto bélico. Aliás, a formação do público emerge da ação civilizadora

1 A família é uma instituição com uma dupla configuração. Tanto ela pode ser uma célula privada, lar onde se desenrola a relação de indivíduos
com laços de parentesco próximo, quanto ela pode constituir-se em agente das relações públicas e alvo das políticas públicas.
Política Pública e Política Social | 65

que instaura a paz e o princípio do direito. O Estado deve executar as políticas de interesse do público
– esse interesse deve ser definido pela vontade da maioria após discussão e deliberação. Uma política
é pública quando passa pela discussão e deliberação (direta ou indireta) da comunidade de cidadãos
interessada.
A política social construída pelo interesse coletivo não gera no cidadão a sensação de favor, dá-
diva, pois segue o princípio do direito que fortalece no beneficiário a percepção de pertencimento à
comunidade de iguais. Nesse contexto, o conjunto de cidadãos vê seus laços fortalecidos pela solidarie-
dade e pela reciprocidade.
A educação serve como exemplo esclarecedor a respeito desse tema. A educação é um tema
público. Significa que a forma como a sociedade educa suas crianças e jovens, especialmente na mo-
dernidade, é uma questão estratégica e de interesse coletivo. Daí a necessidade da comunidade de
cidadãos debater o tema, com a mediação do Estado, e formar uma opinião pública. O debate deve
gerar uma deliberação democrática sobre a política nessa área. Política que deverá ser executada e
fiscalizada pelo Estado. Mas, a educação não é prisioneira do Estado, entendido como corpo técnico de
funcionários ou, como o governante do momento. A educação é uma atividade de interesse do público.
Sendo assim, a escola pode ser administrada por entes privados (empresários da educação, entidades
religiosas ou assemelhadas), desde que atendam aos interesses públicos e estejam sobre o controle do
público através de seu representante, que é o Estado. O Estado deve estabelecer as regras da Educa-
ção atendendo ao interesse público e as escolas devem seguir as determinações legais. Os gestores da
escola não podem exercer uma autonomia privada. Independente de a Escola ser privada, ela precisa
atender aos interesses públicos, ela deve se constituir em espaço público, espaço de formação de um
cidadão capaz de conviver na sociedade cumprindo sua função cívica. Também a escola estatal tem que
ser pública, ou seja, não pode sucumbir aos interesses do governante do momento ou do corpo técnico
de funcionários do Estado. Governantes e funcionários não têm autonomia para determinar sozinhos os
destinos da política educacional. A ação desses atores deve estar condicionada pelo interesse público.
Significa que a política da educação só será política social, política pública, se contar com a participação
da comunidade de cidadãos.
Nesse sentido, as políticas sociais correspondem às políticas públicas voltadas para a correção das
desigualdades, para a geração de igualdade de oportunidades, para o apoio aos excluídos crônicos ou
vítimas de circunstâncias adversas, enfim, são ações organizadas pelo Estado ou que contam com o seu
controle e apoio, para enfrentar a questão social em nome do interesse público.
As políticas sociais podem ser mais restritas, quando atuam como paliativos, não atacando as
causas dos problemas e tampouco enfrentando o desafio da correção das desigualdades. É o caso das
políticas sociais idealizadas a partir da perspectiva liberal. As políticas sociais podem também ter um
alcance amplo, quando construídas a partir de um ideário social-democrata; nesse caso, elas investem
na redistribuição de recursos materiais e simbólicos com objetivo de corrigir as injustiças promovidas
pelo mercado.
Mas, as políticas sociais podem gerar efeitos adversos. Essas adversidades ocorrem, em geral, quan-
do o espírito público está debilitado. Um efeito indesejado verifica-se quando o beneficiário da política
busca levar vantagem sobre os demais, auferindo os benefícios da assistência sem a efetiva necessidade.
Um trabalhador que está em condições de trabalhar e, ainda assim, recebe o auxílio doença, por exem-
plo, está agindo com egoísmo, não está movido pelo espírito altruísta próprio das sociedades solidárias,
talvez porque não confie nos outros cidadãos, o que indica que a esfera pública está fragilizada.
66 | Sociologia Política

Outro efeito adverso pode ser verificado quando o beneficiário se torna cliente do político. Os
governantes aparecem para ele como benfeitores privados e não como funcionários do público. O be-
neficiado oferece ao político a fidelidade, na hora do voto, por exemplo, em troca do que ele vê como
doação, favor, enfim dádiva, e não como direito. É o chamado clientelismo que opera numa lógica opos-
ta à da cidadania. Esse processo também é resultado de uma esfera pública enfraquecida.

Atividades
1. Assista com seus colegas ao filme A balada de Narayama.

2. Analise com os colegas os valores e procedimentos presentes no filme em relação ao tema social
dos idosos.

3. Compare, com a ajuda dos colegas, a situação descrita pelo filme com as políticas sociais para o
idoso no contexto contemporâneo.
A matriz histórica da
assistência social no Brasil
A herança da proteção social no Brasil
O Brasil é um país marcado pela desigualdade social e ainda enfrenta dificuldades para construir
o Estado democrático de direito. Tomando como parâmetro a história dos países do primeiro mundo
é correto associar a elevação da assistencial social à categoria de direito com o avanço da democracia.
Nesses países o reconhecimento dos trabalhadores como sujeitos políticos abriu espaço para a constru-
ção dos direitos sociais. O Brasil, por sua vez, registrou avanços políticos importantes, mas, ainda sofre
com a desigualdade social e seus efeitos sobre a consolidação da democracia institucional.
No que diz respeito à proteção e assistência social, o cenário brasileiro anterior ao século XIX
era fortemente marcado pela tradição filantrópica conduzida por entidades privadas, em geral, de ca-
ráter religioso. Nesse período notava-se no cenário assistencial a presença, ao lado das congregações
religiosas, de associações civis encabeçadas por damas da elite, as chamadas “senhoras de caridade”. É
importante sublinhar que essa herança não foi totalmente superada, daí a necessidade de entender os
princípios e a engrenagem que deram origem à assistência social.
A tradição filantrópica corresponde a um conjunto de valores presentes na sociedade. Valores
a respeito das diferenças e desigualdades sociais, elaborados pela elite e difundidos junto às classes
populares. Ao conjunto de signos que forma essa percepção da realidade costuma-se denominar de
cultura da caridade. Nessa cultura impera a idéia de que as dificuldades enfrentadas pelos pobres estão
associadas, fundamentalmente, a causas individuais. As privações resultariam do destino, do acaso ou
de problemas de índole pessoal. Sendo assim, a atenção à pobreza fica restrita a uma atividade privada,
espontânea, empreendida por almas caridosas e financiada pela bondade de quem incorpora o espírito
de ajuda ao próximo.
Nesse caso trata-se de uma atividade muito distante do Estado, cujos beneficiários são se-
lecionados pelos próprios agentes privados responsáveis pela ação caridosa. Ainda que essa ação
68 | Sociologia Política

cumpra o papel de aliviar o sofrimento dos mais humildes é preciso registrar que ela não tem como
objetivo mudar a situação dos menos afortunados no que diz respeito à sua posição na estrutura
social. Seu objetivo mais visível é amenizar o sofrimento do outro. A filantropia tradicional tende a
manter a hierarquia social. A própria relação entre quem promove a caridade e o beneficiário segue
uma matriz de mando e subserviência.
Como afirmam Colin e Fowler, a matriz da caridade privada, assistencialista, reproduz a desigual-
dade no acesso ao poder político e econômico. Posição oposta é a da assistência social constituída
como direito associado à cidadania:
Entre o concedente, sujeito do assistencialismo, e o beneficiário, o sujeitado, estabelece-se uma relação de dependên-
cia, na qual o sujeito age como se fora proprietário de um bem que é, por ato de extremo desprendimento e bondade,
transferido ao subalterno. Com isso o sujeito busca ganhar o reconhecimento e a dívida de valor do tutelado, que
permanece sob sua vontade. Já a assistência social é definida como um conjunto de bens e serviços que são prestados
pelo Estado em benefício dos “membros da comunidade social, atendendo às necessidades públicas”. Como política
pública, destina-se a superar a debilidade de certos segmentos, desfazer exclusões e assegurar o direito à vida com um
padrão mínimo de dignidade (COLIN; FOWLER, 1999, p. 13 e 14).

A prática assistencialista, ao sujeitar o beneficiário, reforça sua exclusão do campo do direito e da


cidadania. O assistido é visto e acaba se vendo como um devedor do favor recebido; pelo suposto favor
será cobrado no momento devido, por exemplo, nas eleições, quando as elites, auto-proclamadas ca-
ridosas, solicitam a lealdade daqueles que foram ajudados. É uma elaboração ideológica, pois esconde
o fato de que a desigualdade, em grande medida, tem como origem o acesso diferenciado às oportu-
nidades econômicas. O discurso da caridade não revela que a fonte das carências é fundamentalmente
social e não individual, além de obscurecer o efeito político de dominação embutido na dádiva.
Não é de todo absurdo estabelecer uma relação entre essa tradição caridosa e a Lei dos Pobres (Poor
Law) promulgada na Inglaterra em 1601 e reformada em 1834. Essa lei, ao mesmo tempo em que oferecia
benefícios aos mais necessitados, solicitava como contrapartida a renúncia dos mesmos a todos os direi-
tos civis e políticos. Ou seja, a assistência foi associada explicitamente ao reconhecimento pessoal da inca-
pacidade para a vida coletiva, pautada pelo trabalho, daí seu efeito de exclusão. É um exemplo histórico
contundente da responsabilização individual pela miséria e da construção do assistido como tutelado. O
beneficiário torna-se personagem subalterno, sem direitos, essa é a cota a ser paga pela ajuda recebida.
No caso da Lei dos Pobres, a relação entre assistencialismo e subalternização estava explícita, mas, no con-
texto de Estados que se dizem democráticos essa associação nem sempre é transparente.

A política patrimonialista
A tradição assistencial baseada na caridade remonta ao Brasil colonial, e está marcada não pelo
princípio moderno do direito e da cidadania, mas, pela cultura autoritária e conservadora cuja origem
está no poder das ‘famílias’ como modelo ordenador da vida pública. O mundo doméstico como re-
ferência para a vida social está em contraposição ao princípio do liberalismo político moderno que
estabelece uma clara separação entre a dimensão privada (familiar), e a dimensão pública, das regras e
ações coletivas gerenciadas pelo Estado que deve promover o interesse comum.
Significativa parcela da elite política brasileira herdou da cultura lusitana imperial o hábito de
tratar o Estado como patrimônio pessoal. É o que a literatura de sociologia política chama de herança
A matriz histórica da assistência social no Brasil | 69

patrimonialista (FAORO, 2000). Ou seja, no caso brasileiro mesmo depois da proclamação da República
o princípio moderno da construção do interesse público na gestão do Estado em oposição aos objeti-
vos privados não predominou. Uma parte importante da elite brasileira continuou a ver o Estado como
extensão da sua propriedade privada e perpetuou o gerenciamento das instituições públicas a partir
do modelo doméstico. A maior parte do tempo o Estado é tomado como patrimônio pessoal dos go-
vernantes e partir dele se estabelece uma distribuição de favores. Os critérios que orientam a hierarquia
assistencialista são os interesses privados. Os grupos no poder costumam trocar favores por lealdades
políticas, a conseqüência é a ampliação do poder autoritário das elites tradicionais. O historiador José
Carlos Reis explica desta forma essa complicada herança política:
A lógica da esfera familiar não é a mesma da esfera política [...]. São esferas sociais essencialmente diferentes. No Estado
mora o cidadão, o indivíduo público, com direitos e deveres, submetido a leis abstratas, impessoais, racionais, gerais.
Na família mora o indivíduo privado, corpóreo, afetivo, concreto, pessoal [...]. Mas no Brasil neoportuguês não é assim.
A família é mais forte do que o Estado e o controla. A família forte é um obstáculo à constituição do Estado moderno.
Aqui, não há separação entre a esfera pública e a privada. No Estado patrimonial neoportuguês a gestão pública é
assunto de interesse privado das famílias. (REIS, 1999, p. 133).

Um exemplo dessa cultura autoritária já no período republicano está no coronelismo. O coronel é


um senhor de terras que estabelece uma relação econômica com o trabalhador rural de caráter tradicio-
nal e não propriamente jurídica. O coronel aparece como um homem bom que oferece a oportunidade
de trabalho para o sujeito humilde. A relação é fundamentalmente privada e passa pelo batismo dos fi-
lhos do trabalhador pelo coronel. A contrapartida da bondade é cobrada na forma da fidelidade política
e a eventual deslealdade do trabalhador é lida como traição corrigida com violência. Esse é o princípio
da dádiva que opera no caminho inverso da cidadania (SALES, 1994).
A herança patrimonialista dificulta a modernização do país, principalmente, no campo político e
social. O avanço econômico experimentado pelo Brasil no século XX não foi suficiente para transformar
radicalmente as estruturas de poder e as relações sociais. A nação passou a viver um hibridismo, uma
ambigüidade, ou, se preferirmos, a contradição, que opõe elementos de um passado autoritário – a
caridade hierárquica agora instalada no Estado – e uma assistência fundada no direito, própria de uma
sociedade que se pretende democrática.
O comportamento patrimonialista pode ser exemplificado pelas raízes profundas da corrupção
em nosso país. Quando o Estado é visto como patrimônio de alguns, não prevalece a concepção de
interesse coletivo, de direito e de solidariedade, a lógica é outra, pautada pelo ideal de “levar vantagem
em tudo”, que se traduz, a bem da verdade, em levar vantagem sobre o outro.
Essa matriz faz com que muitos governantes vejam o Estado como seu patrimônio e, em contra-
partida, olhem as classes populares como coitados que precisam de ajuda. Os mais humildes não cos-
tumam ser vistos pelas classes privilegiadas como cidadãos portadores de direitos. É esse contexto que
resiste à construção da assistência social, essa tradição reproduz o assistencialismo, uma prática que
opera na lógica patrimonial, ou seja, a assistência aparece como dádiva e funciona como moeda que
reforça o poder dos governantes. A sensação gerada nos assistidos é de subalternidade. Não por acaso,
todo o gasto em assistência no Brasil não modifica significativamente a profunda desigualdade social.
Essa situação resulta da debilidade da sociedade civil e, ao mesmo tempo, acaba por reforçar a fraque-
za dessa dimensão. Por sociedade civil devemos entender a associação de cidadãos, autônomos dian-
te do Estado e desprendidos dos interesses privados, cujo principal objetivo é construir os interesses
coletivos, a vontade pública. A fragilidade dessa instância mediadora favorece aos indivíduos do mundo
privado a apropriação do Estado como seu patrimônio.
70 | Sociologia Política

Assistência e Bem-Estar Social


Com o avanço do capitalismo e suas contradições, o assistencialismo aos mais pobres, com ca-
racterísticas filantrópicas, de base moral e religiosa, passou a sofrer a concorrência da assistência social
associada ao direito e ao princípio da seguridade. Assistência passou a ser uma questão estratégica para
o Estado moderno. Ao poucos o problema de governar racionalmente a população em toda a sua ex-
tensão foi sendo valorizado em substituição ao princípio da repressão das classes perigosas (TOPALOV,
1996). Dificuldades relacionadas à pobreza foram deixando o registro da fraqueza individual e passaram
a ser representados como “problemas sociais”. As lutas e resistências das classes populares contribuíram
para que a assistência saísse do campo do favor e entrasse na esfera do direito. A participação política
da sociedade é um elemento fundamental dessa mudança.
No Brasil, entretanto, a transição do mundo da filantropia caritativa para a assistência estatal foi in-
completa e marcada por paradoxos. Essa situação se explica pelo tipo de Estado do Bem-Estar Social que
foi adotado. Essa transição limitada teve início por volta dos anos 1930, sob o governo populista de Getúlio
Vargas. O populismo se caracteriza, justamente, pela ação do governante que, em dificuldades para legiti-
mar suas ações junto às elites, busca estabelecer um diálogo direto com as massas. É importante perceber
que o populista não busca apoio das classes populares organizadas e constituídas como cidadãs de uma
sociedade democrática. O populista não reconhece a sociedade civil como fonte do poder. Não é interesse
desse tipo de governante fortalecer a esfera pública. O governante populista constrói para si a imagem de
protetor dos pobres, o discurso e a prática, nesse caso, permanecem no registro do mundo privado e não
do direito político. Não por acaso Getúlio passou para história como o “pai dos pobres”. A representação
que permanece nos discursos não-crítico é do estadista poderoso, dono do Estado, que estendeu bondo-
samente a mão aos mais necessitados; esses, por sua vez, passaram a ser leais ao governante.
Sendo assim, ainda que o populismo inaugurado por Getúlio no Brasil tenha valorizado a ação
do Estado no campo assistencial, ele não rompeu com a tradição que constrói a assistência como favor
de um sujeito (agora o governante) diante do povo sujeitado. Conforme nos informam os historiadores,
essa relação hierárquica se sofisticou com a introdução de expedientes como: a cooptação de lideran-
ças populares, a exclusão de grupos organizados da sociedade civil e a aliança dos governantes com
grupos privados baseada na oferta de privilégios. A política do favor se instaurou de vez no Estado que
se dizia republicano, a assistência não superou a barreira do clientelismo promovido pelos governantes.
Clientelismo é, precisamente, a troca de benefícios por compromisso político, o clientelismo explora a
dependência econômica do cliente desdobrando-a em dependência política e até emocional.
Sob o comando populista, o Estado do Bem-Estar Social brasileiro adquiriu um caráter simulado
quanto à assistência social. A assistência, mesmo controlada por um corpo técnico de burocratas es-
pecialistas, continuou sendo constituída pela lógica dos interesses privados, sem atacar as causas das
desigualdades e permitindo a troca de benefícios por lealdade.
Ainda que a essência da proteção social tenha sido mantida, é preciso registrar que algumas mo-
dificações foram introduzidas por Getúlio na política de assistência. Pela primeira vez na história brasi-
leira uma parcela fixa do orçamento passou a ser destinada à assistência dos grupos mais necessitados.
Num contexto de acirramento das contradições capitalistas, o Estado precisou avançar na legislação
trabalhista e nos benefícios sociais, mas, sempre com a preocupação de antecipar-se às mobilizações
políticas do operariado e tirar da assistência o significado de direito social. A própria necessidade de
organização do capitalismo exigiu do governo medidas como a instituição de um salário-mínimo à
regulamentação da aposentadoria.
A matriz histórica da assistência social no Brasil | 71

No início da década de 1940, mais precisamente em 1942, foi criada a Legião Brasileira de Assis-
tência – LBA, uma iniciativa privada que foi incorporada pelo governo. A destinação do comando da LBA
à primeira dama denota a manutenção do caráter de benefício e caridade à assistência que reproduzia,
ainda nesse período, a relação hierárquica de mando e subserviência.
A partir do pós-guerra princípios de seguridade social, promovida pelo Estado, foram sendo ins-
talados, mas, ainda seguindo a lógica da seletividade e não da universalidade de direitos. Esse princípio
estabelece que apenas alguns, selecionados a partir de critérios associados mais aos interesses políticos
do que aos fundamentos científicos, terão acesso aos benefícios sociais.
Depois de um breve período de democracia (1945-1964), a ditadura militar se instalou no Brasil.
Com os militares a assistência viveu uma multiplicação de mecanismos de seguridade, como: o FGTS, o
PIS/PASEP, o Sistema Financeiro da Habitação. A organização técnica e burocrática da assistência avan-
çou, mas, sem que as causas da desigualdade fossem enfrentadas, tampouco o princípio da universali-
dade (assistência para todos) foi adotado. Novos órgãos foram criados para atender problemas sociais
novos e específicos, como a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (Funabem). Mas, a assistência
social se caracterizou, nesse período, pela centralização administrativa combinada com a fragmenta-
ção das ações (RAICHELIS, 2000). Como o elemento central para a retirada da assistência do campo da
dominação é a participação política da sociedade civil na construção dos direitos sociais, o período da
ditadura militar em nada contribuiu para a transformação da cultura da dádiva que marca a assistência
social no Brasil.

Atividades
1. O que é o patrimonialismo?
72 | Sociologia Política

2. Como o patrimonialismo prejudica a construção da assistência social?

3. Com a ajuda dos seus colegas de classe analise o perfil da assistência social na sua região.
Assistência social e construção
da democracia no Brasil
Assistência e exclusão social
Na teoria a assistência social tem a finalidade de contribuir com a correção das desigualdades e o
fomento da cidadania. Contudo, as contradições que envolvem a sociedade abrem a possibilidade de a
assistência operar em outro registro, mesmo quando encampada pelas instituições do Estado. Observar
a história recente do Brasil, onde o mundo político passou por importantes mudanças e a política social
deparou-se com novas alternativas, pode ser elucidativo sobre o papel da assistência social no passado
e sobre suas potencialidades atuais.
A abertura democrática que o Brasil experimentou a partir de meados dos anos 1980 se viu
diante do desafio de superar o processo de modernização conservadora. O avanço econômico vivencia-
do pelo país durante os anos do ”nacional desenvolvimentismo” (1946-1964) e do ”milagre econômico”
(1968-1973) não conseguiu promover a justiça social, tampouco logrou superar os altos índices de de-
sigualdade social.
Os atenuantes impostos ao capitalismo de livre mercado pelo avanço do Estado do Bem-Estar
Social em países do primeiro mundo não encontraram ressonância no capitalismo periférico brasileiro,
mesmo num contexto de desenvolvimento econômico acelerado. Sendo assim, a assistência social não
consegue escapar as determinações do mundo econômico e político. Mesmo a transição de uma lógica
repressiva para uma prática de poder normativa vivida nos países centrais não se reproduziu no caso
brasileiro. Aqui, elementos de uma assistência social moderna se combinaram com ingredientes tradi-
cionais de repressão e exclusão, formando um hibridismo característico da simulação de modernidade
própria do Brasil. Rachel Raichelis explica o efeito dessa configuração na assistência social:
A modernização conservadora assentou-se sobre a lógica permanente de privatização dos ganhos e socialização das
perdas, favorecendo a simbiose entre interesses estatais e privados em detrimento dos interesses públicos. [...] a ques-
tão social passa a ser tratada por meio da articulação assistência/repressão (RAICHELIS, 2000, p. 92).
74 | Sociologia Política

A modernização da economia sob o comando do Estado centralizador e autoritário atendeu aos


interesses de setores específicos, como o capital nacional, o capital estrangeiro e os agentes burocráti-
co-militares. As classes médias urbanas também experimentaram uma elevação no nível de vida nesses
períodos. Nessa conjuntura, a assistência social era definida de maneira centralizada e antidemocrática
pelos agentes do Estado que procuravam atender seus próprios objetivos combinados com os interes-
ses do capital. A preocupação central estava na construção da ordem social, a assistência virou um dos
componentes da ideologia da segurança nacional (RAICHELIS, 2000).
Não esteve presente nesse período qualquer promoção da cidadania a partir de políticas sociais
redistributivas dos ganhos econômicos. A assistência social continuou operando numa lógica paliati-
va, marcada por ações fragmentadas e reprodutoras das hierarquias sociais. Nesse sentido, continuou
existindo uma cidadania restrita aos grupos integrados ao mundo do trabalho formal. Só trabalhadores
regulares tinham direitos sociais atendidos. Estavam excluídos os trabalhadores informais, os subem-
pregados e desempregados. É o que Santos conceituou como “cidadania regulada”, um reconhecimento
como sujeito de direito segundo o preenchimento de alguns critérios: ser profissional de uma ocupação
regulamentada, estar associado ao sindicato e possuir carteira profissional assinada. Para ele, a carteira
profissional funcionava como uma verdadeira ”certidão de nascimento cívico” (SANTOS, 1987).
Na “cidadania regulada” os ganhos do avanço econômico não são distribuídos pelo conjunto da
sociedade que o ajudou a construir: uma hierarquia de privilégios é estabelecida, os beneficiários pre-
cisam preencher o requisito de estarem dentro do mercado regulado de trabalho. Sônia Fleury com-
plementou a definição de Santos utilizando o conceito de “cidadania invertida” para referir-se àqueles
indivíduos que estão excluídos do alcance da cidadania, a parcela da população que fica fora da prote-
ção social vinculada ao mundo do trabalho, os não cidadãos. No caso destes é justamente o reconheci-
mento da não cidadania, da ausência de direitos por estar fora do mercado formal de trabalho, que os
tornam aptos a receber algum benefício do Estado na forma de ”assistência social”. Contraditoriamente,
ao se reconhecer como não cidadão, o indivíduo ganha a possibilidade de receber um favor do Estado
(FLEURY, 1989).
Com a definição de cidadania invertida, a autora apanha bem o paradoxo que marca a dimensão
tradicional da assistência social; não se trata de um direito que o cidadão usufrui para manter-se num
patamar de igualdade em relação aos demais, mas, justamente o oposto, o usufruto de um benefício é
o atestado da exclusão e da condição subalterna do beneficiário.
Em resumo, os avanços econômicos conseguidos pelo Brasil entre as décadas de 1940 e de 1970
não conseguiram promover a justiça social, pois a conjuntura política não era favorável. Diante dessa si-
tuação, a assistência social apenas contribuiu para reforçar procedimentos de sujeição e exclusão como
a ‘”cidadania regulada” e a ”cidadania excludente”. O desafio a partir da década de 1980, com a abertura
política, era o de reverter esse quadro.

Avanço político e recessão econômica


O declínio da ditadura militar, a partir do final dos anos 1980, indicava, por um lado, o desgaste
do arranjo de poder instaurado na década de 1960 e, por outro, o reaparecimento dos movimentos
sociais reivindicativos e a formação de uma opinião pública favorável à redemocratização do país. Foi
Assistência social e construção da democracia no Brasil | 75

um período de grandes mobilizações políticas, especialmente das classes trabalhadoras do campo e da


cidade. Muitas dessas movimentações reivindicativas tiveram na sua vanguarda grupos interessados
em transformar as políticas sociais. Importantes associações da área de saúde, assistência social e ha-
bitação juntaram forças para demandar mudanças nas políticas sociais. Sem dúvida os agrupamentos
mais combativos eram aqueles que congregavam usuários e trabalhadores do setor de saúde. Nesse
período aconteceu o florescimento de uma sociedade civil organizada, a bandeira da democracia par-
ticipativa foi empunhada por diferentes grupos progressistas. As classes populares organizadas criaram
e ocuparam importantes espaços públicos. Entre os produtos dessa mobilização encontram-se as con-
ferências e fóruns realizados em âmbito municipal, estadual e federal. Nesses espaços criados com ou
sem apoio do poder estatal, incrementou-se o debate público a respeito dos problemas sociais e das
políticas sociais. A valorização dos espaços públicos de discussão e de formação de opinião conduziu à
conscientização sobre a importância de redirecionar a assistência social para que operasse no registro
dos direitos de cidadania.
As mobilizações populares atingiram o seu auge durante os trabalhos da Assembléia Constituin-
te, entre fevereiro de 1987 e outubro de 1988. O saldo das reivindicações dos movimentos sociais foi
positivo para a democracia. A constituição de 1988 incorporou boa parte das reivindicações dos movi-
mentos populares, especialmente no que diz respeito às políticas sociais e à assistência social.
Foram introduzidos na Constituição os princípios de universalização dos direitos à saúde e à as-
sistência social. A assistência passou a ser entendida como direito e não mais como favor, ao menos na
letra da lei. O princípio da participação da sociedade civil na discussão, elaboração e decisão sobre as
políticas sociais também foi contemplado na carta constitucional. A experiência da participação demo-
crática de usuários dos serviços, trabalhadores e comunidade no processo decisório sobre as políticas
sociais foi incorporada à lei. A fórmula das conferências e fóruns foi complementada com a regulamen-
tação dos conselhos gestores de políticas públicas, espaços de interlocução entre representantes do
governo e da sociedade civil organizada.
Alguns limites e ambigüidades permaneceram no âmbito legal. A previdência social, por exem-
plo, continuou seletiva. A distinção entre beneficiário e contribuinte não foi extinta. E, o mais importan-
te, o princípio da proteção social como direito vinculado à promoção da cidadania passou a conviver
com instituições e práticas tradicionais que associam a assistência à filantropia e à troca de benefícios
por favores, num jogo que opõe sujeitos e sujeitados. O hibridismo entre modernidade e tradição conti-
nuou marcando o cenário da assistência social, ainda que avanços significativos tenham acontecido na
ponta da democratização dos serviços.
O Estado, nesse período, assumiu o discurso de “resgate da dívida social”. Planos foram elabora-
dos, mas, os resultados foram comprometidos por problemas crônicos da gestão estatal. A estrutura de
governo viciada e marcada pelo assistencialismo nas esferas municipais e estaduais forçou a pulveriza-
ção dos recursos. O montante de dinheiro destinado a determinadas políticas, ainda que constituíssem
somas razoáveis, se perdiam na burocracia fragmentada e na superposição de programas e clientelas.
Outro problema estava no fato de que a ampliação da cobertura dos programas não era acompanha-
da do devido aumento dos recursos; o efeito foi a redução do gasto real per capita. Enfim, o contexto
democrático não conseguiu superar a tradicional prática clientelística associada aos programas de as-
sistência (CASTRO; FARIA, 1989).
Os avanços das políticas sociais no campo legal, conquistados graças às mobilizações populares,
sofreram restrições na aplicação concreta da lei, pois aconteceram no momento de reação conserva-
76 | Sociologia Política

dora no campo econômico. Justamente a partir da década de 1970 foi diagnosticada a crise do Esta-
do do Bem-Estar Social. O diagnóstico alimentou o discurso conservador de coloração neoliberal, que
recomenda medidas de contenção dos gastos estatais como forma de revitalizar as finanças públicas,
cumprir as metas de pagamento de dívidas/juros e retomar o crescimento econômico.
Desenhou-se, no caso brasileiro, um cenário paradoxal: a mobilização popular que faltara no
momento de criação do Estado do Bem-Estar Social, e que resultou em políticas sociais de alcance res-
trito, finalmente tomou as ruas. Mas, agora que a prerrogativa política para avanço das políticas sociais
estava sendo cumprida, as condições econômicas não eram favoráveis. A escassez de recursos desfez
o consenso sobre gastos partilhados entre o trabalho e o capital. O contexto era de fortalecimento do
discurso único a respeito da crise econômica associada aos gastos sociais, especialmente ao déficit
previdenciário. Nesse cenário a disposição para efetuar gastos públicos com políticas sociais corretivas
das desigualdades não avançou significativamente.
Em resumo, o discurso nos períodos de desenvolvimento da economia brasileira recomendava
que “o bolo precisava crescer para depois ser dividido”, ou seja, a economia precisa se expandir primeiro
para que depois os ganhos fossem divididos por toda a sociedade e, principalmente, em benefício dos
mais necessitados. Quando finalmente as classes populares conseguiram se organizar e reivindicar uma
parte do bolo, defrontaram-se com o novo discurso, segundo o qual o “bolo tinha se reduzido e não
dava mais para ser dividido”.
O discurso conservador que se tornou hegemônico recomendava para os países em desenvol-
vimento um conjunto de prescrições restritivas dos gastos públicos, especialmente drásticas com
relação aos gastos em políticas sociais. Esse discurso recebeu uma designação elucidativa: “Consenso
de Washington”.

A assistência no cenário do “Consenso de Washington”


Um grupo de agências internacionais de financiamento e controle da economia, tais como o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), juntamente com o Departamento do Tesouro
dos Estados Unidos, se reuniram em 1989 para discutir a situação das economias em desenvolvimento.
Como resultado desse esforço conjunto os técnicos dessas instituições produziram um documento com
recomendações enfáticas para a correção da economia dos países capitalistas periféricos. Esses países
passavam por uma séria crise econômica. As recomendações tinham um teor neoliberal e o contexto
favorecia a retomada da perspectiva conservadora pró-mercado e contrária ao Estado regulador da
economia e promotor da solidariedade através das políticas sociais. Era o momento da derrocada das
economias planificadas dos países comunistas do Leste Europeu. Momento também da crise do Estado
keynesiano baseado no princípio do gasto público como alavanca para o desenvolvimento. As princi-
pais recomendações eram de controle e restrição dos gastos públicos, reforma tributária, a adoção de
juros e câmbios segundo as regras do mercado, abertura da economia, privatização e flexibilização dos
direitos trabalhistas e sociais.
Assistência social e construção da democracia no Brasil | 77

O receituário do “Consenso de Washington” foi adotado por um grande número de países peri-
féricos, com mais ou menos entusiasmo. É possível destacar, entre os países que mais avançaram nas
propostas, o Chile. O FMI passou a condicionar seus empréstimos aos países em desenvolvimento à
adoção do pacote de medidas acima apresentado. O “pensamento único” sobre a economia do tercei-
ro mundo tornou-se hegemônico e só reduziu seu domínio a partir do final dos anos 1990, atingido
pelas sucessivas crises econômicas internacionais com epicentros na Ásia, na Rússia e na Argentina.
É perceptível que as conquistas políticas brasileiras, no sentido de universalizar a assistência so-
cial e colocá-la no registro da cidadania, sofreram um duro golpe do cenário econômico conservador
que passou a vigorar a partir do final dos anos 1980. O governo Collor incorporou os princípios ditados
por Washington; a maior evidência disso foi o veto à Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que tinha
sido aprovada pelo Congresso e introduzia o princípio da assistência como direito do cidadão e respon-
sabilidade do Estado.
Os governos Itamar Franco (entre 1992-1995) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) en-
contraram um cenário de retomada das mobilizações populares e de recuo nas propostas neolibe-
rais. Nesse contexto algumas políticas e programas sociais avançaram. Também foram constituídos
órgãos que indicavam alguma intenção de viabilizar a participação da sociedade civil nas decisões
sobre as políticas sociais (RAICHELIS, 2000). Importantes diretrizes da Constituição de 1988 come-
çaram a ser regulamentadas em leis ordinárias. Foi o caso, por exemplo, do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), promulgado em julho de 1990, e da LOAS, finalmente promulgada em dezembro
de 1993.
Para alguns estudiosos, a LOAS representou uma virada importante num cenário marcado pela
assistência caritativa, operando na lógica do clientelismo, obedecendo a princípios elaborados no obs-
curantismo dos espaços privados e sem uma intenção clara de alcançar objetivos democráticos (RAI-
CHELIS, 2000).
Junto com a LOAS foi criado o Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) e os Fundos esta-
duais e municipais; ao mesmo tempo abriram-se canais de participação à sociedade civil através da
regulamentação e implementação dos Conselhos de Assistência Social que se tornaram obrigatórios
no âmbito municipal, estadual e federal. O desafio que se apresenta a partir desses avanços é garantir o
repasse dos recursos necessários à assistência social, assim como viabilizar o funcionamento das instân-
cias participativas, dessa forma, o resultado esperado é a definitiva inscrição da política social no campo
dos direitos sociais e da cidadania.
Não basta a existência de uma lei avançada nas suas proposições. É preciso que a sociedade se
mobilize e utilize os mecanismos abertos à participação para vencer a tradição clientelista associada à as-
sistência social no Brasil. Nesse sentido, os conselhos, assim como as conferências e os fóruns são espaços
públicos fundamentais para que a população participe mais ativamente das decisões políticas. Trata-se
de um caminho, segundo apontam vários estudos, com potencial para contrabalançar os vícios da demo-
cracia representativa e introduzir uma cultura de democracia participativa (FUKS; PERISSINOTTO; SOUZA,
2004). Só a sociedade mobilizada pode transformar a política social em direito e, ao mesmo tempo, fazer
valer a sua condição de cidadania.
78 | Sociologia Política

Atividades
1. Pesquise nos jornais, internet e bibliografia o tema do Consenso de Washington.

2. Com a ajuda dos colegas de classe, apresente os principais conteúdos do Consenso de Washington.

3. Debata com os colegas de classe os efeitos do Consenso de Washington sobre a assistência social.
Os movimentos sociais
O que é movimento social?
É legítimo supor que restrições ao jogo democrático favorecem reações através de movimentos
não-institucionais. Mas, ao longo da história moderna, também ficou perceptível que, apesar do avanço
das instituições democráticas, elas não conseguem funcionar como canal de mediação entre as deman-
das sociais e o campo político institucional o tempo todo. Sempre existem carências e insatisfações que
escapam aos partidos, às associações representativas tradicionais e ao Estado. A falta de canais de ex-
pressão legítimos e eficazes é um dos fatores que conduz a mobilizações espontâneas de reivindicação.
Mas, os movimentos sociais não se reduzem ao objetivo da reivindicação política, sua diversidade abar-
ca mobilizações que enfatizam a disputa por posições sociais e até pela redefinição de valores culturais.
Muitos movimentos não almejam ocupar posições políticas, mas o reconhecimento enquanto grupo ou
a mudança de comportamento.
É preciso advertir que a importância e a pluralidade dos movimentos sociais não favorecem a
construção de uma explicação única sobre o seu significado, sobre as causas que os sustentam e tam-
pouco a elaboração de uma tipologia rígida capaz de unificar esse fenômeno plural.
Quando um grupo se auto-intitula ou é entendido como “movimento”, o primeiro significado que
essa palavra traz consigo é de algo “não-institucionalizado”. Então, diferente de um partido que tem
uma sede, um estatuto, dirigentes eleitos, um corpo de funcionários estáveis (os técnicos) e também
relações institucionais claramente delimitadas pela lei, o movimento social caracteriza-se pela dinâmica
não-institucional e maleável. O movimento social tem um caráter mais fluído e, ainda que um dos seus
caminhos de evolução seja a institucionalização, muitas vezes seus agentes procuram escapar desse
desdobramento, pois integrar-se ao jogo político tradicional pode redundar na substituição do incon-
formismo crítico pela adesão condescendente aos benefícios do sistema, acrescido de controles e limi-
tações à ação política. A esse respeito é possível citar como exemplo o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) que resiste à formalização, pois, agindo assim consegue escapar da responsabi-
lização jurídica sobre seus atos, coisa que não acontece com os sindicatos.
80 | Sociologia Política

Ainda que um movimento social possa ter uma longa duração, ele não se caracteriza pelo en-
raizamento próprio das instituições sociais e políticas tradicionais. Nada impede, entretanto, que um
movimento social gere uma instituição ou promova a unidade de diferentes movimentos para dar sus-
tentação a um partido. Como aconteceu no Brasil da década de 1980 quando os movimentos sociais
elegeram o PT como seu principal interlocutor na esfera política tradicional.
Os movimentos sociais, mesmo não-formalizados, têm o objetivo, direto ou indireto, de influir no
jogo de poder, uma vez que esse jogo ultrapassa a esfera política e engloba a sociedade e a cultura. Al-
guns movimentos chegam a pressionar o poder do Estado no processo decisório e coagir as instituições
tradicionais de mediação com o poder central, como os partidos. Nesse sentido, os movimentos sociais
são movimentos políticos que têm a sua base na sociedade civil. De um modo geral, o termo “social” que
adjetiva o “movimento” assume uma conotação positiva, legitimadora da ação, pois uma nação que se
pretende democrática, uma república, sustenta o princípio que a fonte de todo o poder é o povo, leia-se a
sociedade organizada.
Não é fácil sintetizar manifestações tão diversificadas como as dos movimentos sociais numa de-
finição, mas, alguns autores o fazem usando um tom obrigatoriamente geral:
Os movimentos sociais constituem tentativas, fundadas num conjunto de valores comuns, destinadas a definir as for-
mas de ação social e a influir nos seus resultados. Comportamentos coletivos e movimentos sociais se distinguem pelo
grau e pelo tipo de mudança que pretendem provocar no sistema, e pelos valores e nível de integração que lhes são
intrínsecos (PASQUINO, 1993, p. 787).

Se por um lado o movimento social não se confunde com as instituições fixas, por outro ele tam-
bém não deve se traduzido como movimento de multidão ou comportamento associado à moda. O
que permite distinguir esses dois tipos de ação associativa é, justamente, a identidade produzida no
movimento social. Às vezes de forma prévia, outras na própria experiência participativa, os indivíduos
de um movimento social se vêem compartilhando os mesmos constrangimentos, buscando um ideal
comum, enfrentando os mesmos inimigos e partilhando os mesmo valores.

Teorias sobre os movimentos sociais


As teorizações clássicas sobre os movimentos sociais assumiram um tom conservador e sofreram
uma dupla influência: de um lado pela psicologia das massas e de outro por uma concepção de que
o Estado e o campo político – norte-americano – eram plurais e democráticos (teoria pluralista). Essa
dupla fonte levou a uma leitura negativa dos movimentos sociais, pois a psicologia informava que o
comportamento das massas não era racional e a representação positiva do Estado implicava no enten-
dimento das manifestações por canais não-institucionais como fora da ordem e ilógicas.
As concepções conservadoras colocam restrições ao papel que o povo cumpre ao aparecer no
cenário político. As massas assumem uma conotação negativa, não simplesmente no sentido moral, mas
no sentido de uma reação não-construtiva, uma manifestação irracional ligada a alguma patologia social
que necessitaria de diagnóstico. Entre os precursores dessa perspectiva destacam-se Le Bon, Tarde e
Ortega e Gasset. Mas, também podemos associar esse tipo de raciocínio aos representantes da Escola de
Chicago; esses relacionam a reação popular a uma patologia psicológica coletiva que, por sua vez, estaria
vinculada a privações socioeconômicas. O ponto de vista conservador considera que a massa não passa
de uma soma de indivíduos, o coletivo não tem especificidade. A associação negativa do movimento
Os movimentos sociais | 81

social a uma patologia (anormalidade) advém de uma leitura, nem sempre adequada, de determinadas
concepções sociológicas de Émile Durkheim, entre elas o conceito de normalidade e anomia social.
A teorização clássica dos movimentos sociais considera que as mudanças, especialmente a tran-
sição do mundo tradicional para a sociedade urbana industrial, seriam as principais causas explicativas
dos movimentos sociais. O mundo moderno comprometeria a solidariedade comunitária e dificultaria
a integração social. As transformações da sociedade conduziriam à perda de referências e comporta-
mentos anormais por parte de determinados indivíduos mais ansiosos, hostis, enfim, sem os atributos
necessários para integração à vida política normal. A frustração das expectativas de ascensão social e as
privações econômicas também são arroladas como fatores explicativos dos movimentos sociais enten-
didos como a reprodução de distúrbios individuais na esfera coletiva.
As teorias clássicas foram duramente criticadas, pois nenhum dado empírico foi convincente na
tentativa de associar agentes dos movimentos sociais a personalidades perturbadas. Ademais, as ma-
nifestações coletivas de contestação e reivindicação são perfeitamente compatíveis com a existência
de instituições democráticas e até as fortalecem. Também as teorias elitistas, ao demonstrarem que a
sociedade é comandada por grupos econômica e politicamente poderosos, possibilitaram a percepção
dos movimentos sociais como fenômeno lógico e plausível.
A tentativa de ultrapassar a associação simples entre mudança social e manifestação coletiva
levou à construção de teorias mais rigorosas sobre os movimentos sociais, a partir dos anos 1970.
A teoria da mobilização de recursos e das oportunidades políticas detectou a existência de desigual-
dades quanto ao acesso aos recursos políticos atacando as bases da teoria pluralista, segundo a qual
o Estado contemplava a diversidade da sociedade. Diante de um sistema político seletivo, é compre-
ensivo que existam manifestações conflituosas na arena social, e essas passam a ser consideradas tão
legítimas quanto outras internas às instituições políticas. É perfeitamente racional, desse ponto de
vista, que coletividades se organizem em função da busca de objetivos comuns. As explicações sobre
os movimentos sociais deveriam ser buscadas não nas anomalias de fundo psicológico, mas, nas mu-
danças no acesso aos recursos materiais e simbólicos combinadas com as oportunidades políticas. O
descontentamento dos indivíduos passa a ser considerado uma constante, portanto, ele não é capaz
de explicar porque em determinadas situações ocorre manifestação coletiva (TONI, 2001). Ao descon-
tentamento é preciso associar o aumento dos recursos e o surgimento da oportunidade política para
a eclosão do movimento social. Esses fatores seriam as variáveis explicativas do fenômeno em foco.
Nesse caminho alguns autores, influenciados pela teoria da escolha racional, vão enfatizar o compor-
tamento racional dos indivíduos associados em busca de maximizar seus ganhos. Outros pensadores
irão apontar a importância do contexto social e político para explicar os movimentos sociais.
Enfim, as novas teorias sobre os movimentos sociais distinguem claramente o comportamento
coletivo, propriamente social, do comportamento psicológico. Eles não fazem uma leitura negativa dos
movimentos sociais, pois consideram que se trata de um fenômeno associado à complexidade que a
sociedade moderna assume diante da sociedade tradicional, seriam ações coletivas que correspondem
a um processo normal rumo ao estabelecimento de novos marcos legais a partir da explicitação de
conflitos. Dessa perspectiva tratar-se-iam de ações positivas ligadas ao processo de transformação do
fortalecimento da sociedade civil.
A partir da concepção social funcionalista de Parsons, Neil Smelser considera que os movimentos
sociais são manifestações que indicam um processo de mudança social em andamento, cujos sinais não
foram interpretados e processados pelas instituições tradicionais, as características dos movimentos so-
ciais estariam vinculadas ao perfil das instituições e do aparato legal presentes na sociedade, tais como:
82 | Sociologia Política

o nível de abertura das instituições às mudanças e o grau de controle exercido sobre as demandas
sociais. Sob um ponto de vista crítico, é preciso considerar que permanece em Smelser uma percepção
dos movimentos sociais como disfunção momentânea que deve ser reabsorvida pela sociedade para
que a normalidade seja recuperada (PASQUINO, 1993). Também persiste a percepção de irracionalismo
coletivo, pois eles reagiriam a uma situação externa e se agregariam a partir de crenças comuns.
Na Europa, entre os anos 1960 e 1970, também emergiram interpretações inovadoras sobre os
movimentos sociais, cuja ênfase está na “identidade”. Nesse caso, a preocupação era superar análises
marxistas ortodoxas que associavam de modo apressado os movimentos sociais à luta de classes. Os
novos movimentos sociais – feminista, pelos direitos civis, ecológico, negro etc. – passaram a ser enten-
didos na sua dinâmica própria, não diretamente ligada a um conflito geral da sociedade. Dessa pers-
pectiva, o Estado não é o interlocutor central desses movimentos e eles não ocupam prioritariamente
o campo político tradicional: “Os novos movimentos sociais engajam-se numa guerra de posições no
âmbito da sociedade civil, e não em uma confrontação direta ao Estado” (TONI, 2001, p. 89). Esses são
movimentos típicos da sociedade civil, preocupados em mudar comportamentos, incutir valores, mar-
car identidades, disputar símbolos culturais. Os indivíduos se associam não necessariamente como um
meio para buscar um fim maior contabilizável como ganho pessoal, a associação pode representar um
fim em si, vinculado à consolidação da identidade grupal e à legitimação do grupo no espaço social e
cultural (TONI, 2001). Autores como Alain Touraine procuram demonstrar que os movimentos típicos
das sociedades industriais ou programadas estão circunscritos às fronteiras da própria sociedade, numa
espécie de “reflexividade”. Como explica Fabiano Toni, ao interpretar Alain Touraine:
Trata-se do resultado de um complexo conjunto de ações que a sociedade desempenha sobre si mesma. Em outras
palavras, a sociedade estabelece novas regras e significados culturais que fazem com que grupos se mobilizem para
controlar estes novos símbolos e significados culturais, ou para produzir outros (TONI, 2001, p. 89).

Mesmo que o conceito de identidade ainda não tenha recebido uma definição rigorosa, a teoria
sobre os novos movimentos sociais apontou a importância dos embates sociais no campo cultural. Ficou
evidenciada a importância da associação de indivíduos para a demarcação da identidade coletiva, o de-
safio teórico ainda aberto diz respeito à explicação das causas dessas manifestações e as condições que
as favorecem. O desafio político está na construção de alianças horizontais entre esses movimentos.

A política dos novos movimentos sociais


Para alguns autores, os novos movimentos sociais traduzem uma quebra de paradigma nas suas
ações políticas (LACLAU, 1986). Essa quebra refere-se à forma como as lutas políticas modernas eram
empreendidas até então. Ou seja, é a atividade política da modernidade, especialmente a de esquerda,
que entra em crise a partir dos novos movimentos sociais. Até meados do século passado, o militantis-
mo estava marcado por três elementos:
::: a centralidade colocada no trabalhador;
::: a perspectiva teleológica (a idéia de um caminhar progressivo rumo a um novo mundo);
::: o entendimento da política como um nível acima do social, unificado e de representação. Os
novos movimentos sociais rompem com esses três elementos.
Os movimentos sociais | 83

Primeiro ocorre uma ruptura do sujeito, ainda que a classe operária não saia do cenário político,
novos sujeitos emergem: mulheres, homossexuais, negros, sem teto etc. O sujeito não é mais entendido
como “unidade racional e transparente que transmite um significado homogêneo para o campo total de
condutas dos indivíduos” (LACLAU, 1986, p. 41). Não existe mais um sujeito unificado, fonte das ações do
conjunto dos ativistas políticos. Vive-se a crise dos universais, das totalidades engendradas pelo sujeito
unificado. Outra dimensão da crise está localizada no questionamento da igualdade como bandeira
legítima e única da luta pela emancipação. Durante muito tempo a luta política moderna esteve asso-
ciada à conquista da igualdade pelo acesso à cidadania. A partir dos novos movimentos sociais a luta
pela identidade do grupo, o conflito pela visibilidade da diferença, ganhou legitimidade. A dissolução
do sujeito está fortemente associada à emergência da questão da diferença.
Quanto ao segundo ponto, a perspectiva teleológica não encontra mais sentido nos novos confli-
tos, a luta política passa a ser local e pontual, não mais total e tampouco dirigida a um “fim” totalizante. E,
finalmente, a política não aparece para os agentes dos novos movimentos sociais, como uma instância
do social, como o reflexo de uma infra-estrutura econômica que abriga o conflito fundamental: a explo-
ração do trabalho pelo capital. A política, ou melhor, o poder, está acoplado as mais diferentes práticas
sociais, ele aparece disseminado no tecido social. A nova concepção de política está associada à nova
leitura sobre o poder, não mais visto apenas no seu viés repressivo, centralizado, localizado no ápice da
estrutura social e com um vetor vertical que desce sobre suas vítimas. A nova configuração dos conflitos
sociais valoriza a leitura da horizontalidade do poder e da sua distribuição nos múltiplos espaços do
social. Trata-se de uma concepção que legitima as lutas nos espaços não tipicamente políticos, como a
sociedade e especialmente o campo cultural – de validação das identidades.
De um modo geral, a crítica à atividade política moderna tem seu centro no fato de a moderni-
dade ter construído a igualdade como grande ideal a ser alcançado pela cidadania nacional, mas em
nome da igualdade o que se constituiu nas diferentes instituições sociais (a escola, partido, hospitais,
prisões) foi um modelo do que é ser igual a partir do qual as diferenças puderam ser construídas como
inferioridades. Trata-se de uma engrenagem de poder muito sofisticada que, quando opera sem re-
sistências, convence o indivíduo de que sua posição na hierarquia social corresponde às suas diferenças,
leia-se aos seus limites próprios, bem demarcados na sua passagem pelas instituições sociais. Talvez por
isso os novos movimentos sociais valorizem tanto as diferenças, enfim, a multiculturalidade.

Atividades
1. Explique a frase: “Os movimentos sociais são manifestações não-institucionais”.
84 | Sociologia Política

2. Por que a teoria clássica dos movimentos sociais era conservadora?

3. Quais as principais críticas sofridas pela teoria clássica?


Mídia e política
O poder da mídia
No mundo contemporâneo não é difícil perceber o espaço central que ocupam os meios de comu-
nicação de massa. Mas, não é tranqüilo responder à questão sobre qual papel a mídia desempenha nas
relações sociais e políticas. Muitas pessoas consideram que a mídia tem um poder enorme; por um lado ela
poderia influenciar a opinião das pessoas, a audiência, por outro, ela teria poder de pressionar os políticos.
O exercício desse poder, para muitos, ocorreria através da manipulação da informação, da distorção ou
omissão dos fatos, pela produção de imagens positivas ou negativas dos “atores” políticos e pela negocia-
ção entre os poderosos: proprietários dos meios de comunicação, políticos, grandes empresários, enfim, as
elites dominadoras. Ainda que essas formas de abordagem do tema não sejam totalmente falsas, é preciso
refletir sobre a capacidade explicativa delas. Nem tudo que tem um fundo de verdade é efetivamente
elucidativo. Essas representações podem ser catalogadas entre aquelas que mais atrapalham do que aju-
dam a entender rigorosamente um fenômeno. Primeiro porque dividem os personagens da vida real de
modo simples e maniqueísta, entre bons e maus, fortes e fracos, verdadeiros e falsos. Também pelo fato de
separar de modo simples, dual, o mundo entre os dominantes e os dominados. Não é difícil perceber que
alguns elementos fornecidos pela própria realidade complicam o cenário e limitam o poder explicativo das
leituras inspiradas em teorias da manipulação ou conspiração da mídia associada aos poderosos. A com-
plexidade envolvida no processo de produção da notícia, a concorrência entre os meios de comunicação
pela atenção dos receptores da notícia (aqueles que recebem a mensagem), a diversidade de interesses
envolvidos no mundo político, mesmo entre as elites, os critérios de plausibilidade presentes no processo
de representação do real e a capacidade da audiência em olhar criticamente as falas midiáticas são ele-
mentos que matizam o jogo da comunicação. A produção e o consumo da notícia envolvem um complexo
processo. Portanto, o entendimento rigoroso das relações existentes entre meios de comunicação de mas-
sa e poder solicita o esforço de uma disciplina como a “comunicação política”.
É importante perceber que não se trata de negar a influência que a mídia exerce. Alguns auto-
res chegam a denominar os meios de comunicação de massa de “o quarto poder” que concorreria em
importância com os poderes constituídos: Executivo, Legislativo e Judiciário. Estudos indicam o poder
adquirido pelos comunicadores nas campanhas eleitorais. Cada vez mais as pessoas tendem a orientar
86 | Sociologia Política

a decisão do seu voto considerando a imagem dos candidatos mais do que sua ideologia, seu partido
ou programa político. Não por acaso os comunicadores ocupam espaços mais importantes no corpo
técnico das campanhas eleitorais majoritárias do que os conselheiros políticos. Aliás, muitos políticos
importantes tiveram sua origem nos meios de comunicação de massa.
É necessário, entretanto, não mitificar o poder midiático localizando-o em algumas pessoas e ima-
ginando que ele se exerce de forma simples e sem resistências. Trata-se de um poder disperso, difícil de ser
localizado e precisado, mas, sem dúvida um poder que muda as relações no cotidiano da política e da so-
ciedade. Também é importante lembrar que a mídia tem o potencial de incrementar o jogo democrático.
Um dos elementos centrais do jogo democrático é, sem dúvida, a comunicação aberta entre os cidadãos,
a partir do uso de argumentações racionais, capazes de produzir o convencimento e formar uma “opinião
pública” orientadora das decisões políticas sobre os assuntos relevantes. Como as sociedades se tornaram
complexas, é inimaginável a comunicação direta entre os interessados na definição dos destinos políticos.
A mediação das instituições comunicativas torna-se fundamental, o desafio é fazer com que os meios de
comunicação de massa funcionem atendendo aos interesses democráticos e não cerceando-os.
Um exemplo negativo em relação ao comportamento da mídia diante do desafio democrático
está, justamente, no tratamento da “opinião pública”. Em geral, a mídia denomina de opinião pública
algo muito distante da construção de interesses coletivos a partir da livre argumentação entre grupos
divergentes. Os meios de comunicação de massa coletam de maneira censitária a percepção imediata
e atomizada das pessoas sobre um determinado assunto, previamente enquadrado pelos seus próprios
agentes e, sem qualquer debate prévio ou conflito argumentativo de idéias, fazem a soma matemáti-
ca das manifestações denominando-a de “opinião pública”. A maior parte do tempo a mídia interpela
indivíduos ao invés de informá-los e de promover o debate aberto de opiniões. O mais grave é que a
mídia, quando não atua criticamente, contribui com a formação de uma pseudo-opinião favorável ao
consumo de idéias políticas convencionais.
A perda de força e autonomia da opinião pública diante de vários fatores, entre eles o advento
dos meios de comunicação de massa, é assim enunciada por Esteves:
A Opinião Pública perde a capacidade de exprimir livre e genuinamente a sociedade civil e de se assumir como vincula-
tiva da vontade geral. Espaço Público e Opinião Pública tornam-se essencialmente meios: dispositivos sociais destina-
dos a uma utilização de tipo instrumental, com os quais os interesses particulares organizados (direta ou indiretamen-
te) criam uma ilusão de vontade coletiva (pseudolegitimação), com o único fim de reforçar as suas próprias posições
(ESTEVES, 2004, p. 142).

Enfim, a opinião pública, ao invés de expressar uma vontade coletiva que se impõe aos interesses
particulares, passa a ser manipulada por esses interesses privados.
Mas, que poder é esse da mídia? Será que os meios de comunicação de massa conseguem efeti-
vamente manipular a opinião e de forma planejada produzir efeitos no comportamento político e social
da sua audiência?

Teorias da comunicação política


As primeiras teorias sobre mídia e política surgiram influenciadas pelo contexto da Segunda
Guerra Mundial. O uso do rádio pelo regime nazista de Adolf Hitler na Alemanha, com o objetivo de mo-
Mídia e política | 87

bilizar as massas, repercutiu com muita força na sociedade mundial e, em especial, no meio acadêmico.
Outra influência recebida pelos primeiros pensadores sobre o papel da comunicação na sociedade veio
das teorias formuladas pela psicologia das massas. Nas suas primeiras análises, a psicologia das mas-
sas elaborou um diagnóstico negativo sobre o comportamento das multidões, realçando sua suposta
irracionalidade, propensão à desordem e complacência diante da sua própria manipulação. Sob essas
influências a reflexão inicial sobre o poder da mídia conferiu aos meios de comunicação de massa uma
capacidade extraordinária de manipulação dos receptores.
A partir dessa perspectiva, uma pessoa ao ser bombardeada pelas mensagens dos meios de
comunicação de massa sofreria seus controles e teria sua ação manipulada e induzida (WOLF, 1987).
O efeito das mensagens dos meios de comunicação de massa sobre os indivíduos seria tão imediato,
intensivo e poderoso segundo essa teoria pioneira, que ela foi chamada de “teoria hipodérmica”, ou
“teoria da bala mágica”, em inglês, bullet theory. O termo “hipodérmica” remete à metáfora de uma
agulha injetando no indivíduo determinados conteúdos. As mensagens atingiriam a massa, entretan-
to, esse coletivo não é mais do que a soma dos indivíduos atomizados. Para a teoria hipodérmica, os
indivíduos são atingidos isoladamente e reagem de forma solitária aos comandos e induções da mídia,
constituindo um comportamento de massa muito diferente de uma vontade coletiva.
O avanço de análises psicológicas behavioristas, ou seja, aquelas voltadas para o comportamento
objetivo dos indivíduos e não para o processo mental interno, contribuiu para que novas informações
surgissem e desafiassem a teoria hipodérmica. O desenvolvimento de pesquisas e conceitos baseados
no behaviorismo, a partir da matriz estímulo-resposta, suscitou a percepção de que os indivíduos não
se comportam de maneira apenas reativa ou passiva aos estímulos externos. Os receptores das mensa-
gens têm a capacidade de processá-las e fornecer a elas novos significados. A eficácia das mensagens
depende de uma série de fatores, entre eles: a formação cultural do receptor, o seu meio social e as suas
capacidades cognitivas.
O aprofundamento das análises em psicologia indicou os limites da teoria hipodérmica, entre
eles o fato de ela operar uma concepção estática e empobrecida dos atores sociais. A teoria hipodérmi-
ca via nos indivíduos um comportamento apenas reativo aos estímulos externos; essa concepção não
valoriza a capacidade dos sujeitos de processar as mensagens a partir das suas condições cognitivas a
partir da mediação do seu ambiente social. Nesse sentido, as primeiras teorias da comunicação política
colocaram muita ênfase em episódios onde as multidões,, aparentemente, se deixaram conduzir e não
consideraram as condições políticas e sociais que ambientaram esses fenômenos, não comprovaram a
origem midiática do comportamento das massas e, tampouco, perceberam as resistências às mensa-
gens, por exemplo, quando os atores conferem a elas novos significados.
A partir, principalmente, do pensador norte-americano chamado Harold Lasswell, as teorias da
comunicação avançaram e construíram um olhar sociológico sobre o fenômeno comunicativo. Inves-
tigações empíricas indicaram aos cientistas que outros fatores interferem na comunicação além dos
psicológicos. O processo comunicativo não se restringe ao emissor, é preciso verificar as condições
sociais e culturais dos receptores e as mediações entre a produção da notícia e a recepção.
As análises se voltaram para elucidação do processamento das mensagens pela audiência a partir
da sua diversidade cultural. O contexto social dos receptores e, especialmente, as relações interpessoais
vão sendo percebidos como importantes para decifrar o processo de comunicação. Esse novo olhar
sobre a mídia propiciou uma importante descoberta. Algumas pesquisas indicaram que um agente de-
sempenha um importante papel na mediação entre a emissão e a recepção da mensagem, trata-se do
88 | Sociologia Política

“formador de opinião” ou do “líder de opinião”. Num determinado ambiente, por exemplo, numa comu-
nidade de vizinhança ou numa associação de trabalhadores, determinados indivíduos desempenham o
papel de reproduzir as mensagens da mídia dando a elas certa coloração. Indivíduos que se destacam
pelo seu capital cultural (conhecimento, informação, capacidade comunicativa) e pelo capital social
(vínculos associativos) tendem a assumir o posto de formadores de opinião. Esses indivíduos exercem
uma influência muito grande sobre os demais e o processo comunicativo segue, em grande parte, o
caminho por eles direcionado. Muitas vezes, a comunicação da mídia é direcionada para o formador de
opinião e não efetivamente para o público em geral.
A partir dessas novas abordagens, o poder da mídia foi sendo relativizado e, conseqüentemente,
minimizado. Ou seja, determinados contextos e situações podem favorecer as tentativas de manipu-
lação da opinião pela mídia, mas, esses casos passaram a ser entendidos como exceções. Ademais, o
sucesso das tentativas de controle do público depende de fatores complexos, como: o contexto social
e cultural, a mediação dos formadores de opinião e a reação dos receptores. Significa que o jogo comu-
nicativo não é tão simples como se supunha anteriormente, a comunicação é uma via de mão dupla
e o poder da mídia não exerce a partir da vontade de alguns poucos. As reflexões que relativizaram o
poder da mídia ganharam o nome de teorias da abordagem empírica em campo ou, como são mais
conhecidas, “teorias dos efeitos limitados”. Desse novo ponto de vista, o poder da mídia existe, mas não
é ilimitado e não é passível de ser manipulado o tempo todo.
Alguns estudos avançaram também na investigação sobre o processo de produção das informa-
ções. Os sujeitos que produzem a notícia não têm total autonomia. No momento da seleção dos fatos e
elaboração das mensagens, os jornalistas e comunicadores em geral encontram-se constrangidos por
uma série de fatores, muitos deles não-perceptíveis no cotidiano. O jornalista não age de forma subje-
tiva, ele tem um comportamento profissional que obedece a regras objetivas construídas pela cultu-
ra jornalística. O conjunto de instituições formadoras do comunicador é responsável pela construção
dessa cultura: as escolas de jornalismo, as empresas de notícia, os sindicatos de comunicadores etc. O
jornalista não age conforme a sua vontade subjetiva, ele atua guiado pelos valores, símbolos e signos
que compõem a cultura da sua profissão.
As características do processo de produção da notícia, a partir dos valores jornalísticos, tornaram-se
alvo dos estudos da sociologia-política. Os resultados das pesquisas conduziram à tese das “distorções in-
voluntárias”, ou seja, realmente a mídia tem um poder, pois ela não reproduz com fidelidade os fatos, mas
essa deformação da realidade é menos o resultado de intenções subjetivas e mais o efeito das “distorções
involuntárias” causadas pela cultura jornalística, pelos critérios de seleção e produção das notícias, pela
idéia que se tem sobre quem é o receptor, enfim, por fatores objetivos que se impõem aos agentes da mí-
dia. A produção da notícia passa por processos e critérios que não são subjetivos, muito ao contrário, são
objetivos. O que é notícia não depende de um jornalista e dos seus valores pessoais, mas do que o campo
jornalístico convencionou caracterizar como tal.
Dentro dessa perspectiva, os cientistas perceberam a existência de um profissional muito impor-
tante nas redações de jornais, aquele que faz a seleção do que vai ou não ser noticiado, é o gatekeeper,
numa tradução livre: o selecionador, o guardião de cancela. É o profissional que aplica os critérios elabo-
rados a partir do ambiente social e cultural e determina o que vai transformar-se ou não em notícia.
O problema das análises sobre a mídia e o poder passou a ser, portanto, o processo de produção
da notícia, o tema da manipulação foi deixado de lado. Se a notícia não corresponde à “realidade”, não
é por má-fé ou manipulação por parte dos jornalistas ou dos donos dos meios de comunicação de
Mídia e política | 89

massa, mas, porque todo conhecimento, enfim, toda representação da realidade pressupõe critérios,
valores, a partir dos quais se faz um recorte e se seleciona o que vai compor o quadro representativo. O
problema dos meios de comunicação de massa não está em não produzirem notícias reais, um dos seus
limites está em quererem convencer que suas informações corresponderiam aos fatos brutos, ou seja,
seriam objetivas de forma absoluta. Enquanto as Ciências Sociais, por exemplo, procuram explicitar os
critérios utilizados na produção do conhecimento científico e mobilizar métodos rigorosos de coleta e
verificação dos dados, os comunicadores, muitas vezes, ocultam, até de si próprios, as condicionantes
que desenham a informação midiática.
Os estudos que colocam em foco o modo de produção da notícia são denominados de newsmaking,
a preocupação, nesse caso, é analisar critérios e condicionantes da noticiabilidade. Aos olhos dos comu-
nicadores o que torna um fato possuidor de valor-notícia? Essa é a questão colocada pelos estudos de
newsmaking.
Uma descoberta mais recente apresenta contribuições importantes para as análises sobre o pa-
pel da mídia no jogo democrático; trata-se do conceito de “agendamento” ou “poder de agenda” que
os meios de comunicação possuem. A partir desse ponto de vista, o poder da mídia não estaria na sua
capacidade de fazer com que as pessoas pensassem de uma determinada forma, a mídia não tem toda
essa capacidade de manipulação do pensamento. O poder dos meios de comunicação estaria em fazer
as pessoas pensarem sobre determinados temas. Quem controla os meios de comunicação tem condi-
ções de colocar determinados temas em pauta, temas que lhe interessam e, ao mesmo tempo, bloquear
ou interromper a entrada de outros temas na agenda de debates políticos; esse é o “poder de agenda”.
Temas que não interessam aos grupos dominantes não emergiriam na mídia a não ser a partir de um
grande esforço político dos interessados.
Significa que o jogo político contemporâneo é, também, uma luta pela influência sobre os meios
de comunicação de massa e, conseqüentemente, sobre a construção da agenda política. Estado, parti-
dos, movimentos sociais, sindicatos e outros agentes políticos lutam, entre outras coisas, pelo poder de
repercutir positivamente seus interesses na mídia. Alguns autores consideram esse um processo normal
do mundo contemporâneo, outros temem o comprometimento do jogo democrático, pois o espetáculo
midiático da produção e controle das imagens teria se tornado mais importante do que o debate das
idéias e programas políticos. Essa é uma polêmica atual e inconclusa (MANIN, 1995).

Atividades
1. Assista com os seus colegas de turma ao filme O Quarto Poder, de Costa Gravas.

2. Junto com os colegas de turma destaque os principais conteúdos do filme.


90 | Sociologia Política

3. À luz dos conceitos apresentados na aula discuta com os colegas a abordagem proposta pelo
filme sobre os meios de comunicação de massa e a produção da notícia.
Gabarito
O que é Sociologia Política?
1. A diferença fundamental está relacionada à abordagem abstrata (ideal) da filosofia que, assim, se
constitui em um pensamento do tipo dedutivo. Já a ciência é indutiva, busca nos dados empíricos
as explicações sobre a realidade. A filosofia política típica pensa um Estado ou regime político
ideal, enquanto a Ciência Política analisa as experiências concretas do mundo político.

2. O conjunto de instituições e associações voluntárias que ocupam o espaço entre o Estado e o


mundo privado (da família e do mercado).

3. Porque, para Sartori, a passagem do apelo de classe para a ação de classe é melhor explicada pela
atuação das instituições políticas e não pela posição dos atores na estratificação social.

Teoria das elites I


1. A aristocracia decadente de origem rural se depara com a burguesia ascendente de extrato
urbano. A aristocracia precisa abrir mão dos seus princípios e adaptar-se à nova realidade cedendo
espaço à nova elite como garantia de uma transição suave e segura, ou seja, sem a perturbação
da “ordem” pelas classes populares.

2. As reflexões de Pareto a respeito da “circulação das elites” ajudam a entender as articulações entre
a aristocracia e a burguesia como forma de transição de grupos no comando da sociedade sem a
geração de conflitos.

3. A teoria das elites surge num contexto de ascensão dos princípios democráticos com conquista
de direitos políticos pelas classes populares e também o avanço das idéias socialistas. A teoria
das elites não deixa de ser uma reação do ideário burguês conservador diante do risco, real ou
imaginário, da perda de poder.
92 | Sociologia Política

Teoria das elites II


1. A primeira considera natural e desejável que a elite composta por uma minoria governe a maioria.
A segunda percebe essa realidade, mas, não concorda com ela.

2. Porque democracia, para esses pensadores, significa a participação cotidiana dos cidadãos no
processo político e a tomada de decisão deve ser feita a partir da formação da vontade da maioria.

3. Porque, desse ponto de vista, a participação da população nas eleições já preencheria o requisito
do governo da maioria. O importante para caracterizar o governo como democrático seria a
adoção de pro cedimentos formais, tais como: eleições livres, imprensa livre, competição etc.

Os intelectuais e o poder
1. O aluno deverá levantar dados sobre algum movimento reivindicativo contemporâneo, por
exemplo: feminista, negro, gay, ecológico, sem-terra, sem-teto etc.

2. O aluno deverá explicar o organograma do movimento, ou seja, como o grupo está organizado
hierarquicamente e indicar se existem lideranças intelectuais.

3. O aluno deverá analisar o papel que essas lideranças desempenham e a relação que estabelecem
com os outros membros do grupo.

Definição e formação do Estado do Bem-Estar Social


1. É o Estado que emerge, no seu contexto original, do pacto entre representantes do capital e do
trabalho. É o Estado que promove as políticas públicas de regulação da economia e de atendimento
das demandas sociais elevadas a direitos dos cidadãos.

2. A frase é verdadeira. Principalmente na sua origem autêntica o EBE promove a supremacia da


política sobre a economia.

3. No contexto do EBE ocorre a submissão dos interesses de mercado, os interesses econômicos


aos interesses da sociedade definidos no jogo político. Por isso, é correto afirmar que a política se
sobrepõe à economia nesse cenário.
Gabarito | 93

Desenvolvimento do Estado do Bem-Estar Social


1. O aluno deverá perceber a mudança no ensino estatal; antes restrito a poucas pessoas, as classes
populares estavam fora da escola. Depois o ensino estatal foi se universalizando.

2. Através dos dados os alunos perceberão que a qualidade do ensino estatal era superior, foi declinando
com o tempo. Também o ensino estatal foi se expandindo e acolhendo as classes populares.

3. À medida que as classes trabalhadoras foram ingressando no ensino estatal, as elites e classes
médias foram saindo. Com pouco poder de participação e reivindicação as classes populares
sozinhas não conseguiram evitar a queda no serviço estatal de educação.

A crise do Estado do Bem-Estar Social


1. O aluno deverá assistir a um dos filmes.

2. O aluno deverá discutir com os colegas os aspectos da crise retratados pelo filme, como o
desemprego, a desagregação familiar, o desestímulo, o declínio dos valores de solidariedade, a
redução dos programas sociais.

3. O aluno deverá fazer uma análise das mudanças no mundo do trabalho na sua região e sobre o
perfil das políticas sociais e seus efeitos sobre a sociedade e a família.

Política Pública e Política Social


1. O aluno deverá assistir ao filme indicado.

2. Os alunos deverão debater conteúdos como o altruísmo exacerbado presente na cultura japonesa
e a imposição do interesse coletivo num contexto de dificuldades econômicas extremas.

3. Os alunos deverão perceber o contraste de uma sociedade comunitária num contexto de


dificuldades com outra sociedade pautada pela construção dos “problemas sociais” e baseada no
princípio dos direitos sociais.

A matriz histórica da assistência social no Brasil


1. Patrimonialismo é a prática das elites de apropriação do Estado como se fizesse parte dos seus
bens privados.
94 | Sociologia Política

2. A herança patrimonialista faz com que a assistência apareça como um favor dos poderosos aos
mais humildes. Sendo assim, a assistência não adquire o caráter de direito social.

3. Com a ajuda dos conteúdos apresentados na aula o aluno deverá apresentar as características gerais
dos programas de assistência da sua região e confrontar o seu diagnóstico com o dos colegas.

Assistência social e construção da democracia no Brasil


1. O aluno deverá pesquisar o tema solicitado.

2. Os alunos deverão apresentar e detalhar os conteúdos, com destaque para a contenção dos
gastos públicos, reforma tributária, privatização e flexibilização dos direitos trabalhistas.

3. Os alunos deverão discutir os efeitos restritivos do Consenso de Washington sobre as políticas de


assistência social, especialmente no Brasil.

Os movimentos sociais
1. Uma característica central dos movimentos sociais é a resistência à institucionalização. A ação do
movimento social ocorre fora do campo político tradicional, no âmbito da sociedade civil.

2. Porque ela associava aspectos negativos ao comportamento de massa, como a irracionalidade.


Dessa perspectiva o movimento social era uma patologia, fruto das mudanças na sociedade que
geravam frustrações e perda de referências nos indivíduos. O movimento social era visto como
negativo em contraposição à política tradicional lida como positiva.

3. São elas: não existe prova empírica de que os agentes dos movimentos sociais sofrem qualquer
perturbação psicológica; é perfeitamente racional a mobilização social em contextos democráticos;
as sociedades ditas democráticas também estão marcadas pelas elites, sendo assim é legítima a
mobilização social daqueles que enfrentam barreiras no campo político.

Mídia e política
1. O aluno deverá assistir ao filme com os colegas de turma.

2. Os alunos deverão destacar: a relação entre poder e mídia exposta pelo filme, a capacidade de o
jornalista influenciar os acontecimentos, a falta de controle da sociedade sobre a mídia etc.

3. Os alunos deverão discutir, principalmente, a abordagem maniqueísta proposta pelo filme, ou seja,
o filme destaca o poder subjetivo de manipulação que o jornalista exerce sobre os receptores. O
aluno deverá confrontar essa abordagem com as teorias críticas que relativizam o poder da mídia.
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