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A INSERÇÃO DO EGRESSO DO SISTEMA PRISIONAL

NO MERCADO DE TRABALHO

Lorena Tolentino Cardoso


Faculdades Unidas do Norte de Minas – FUNORTE
lorenatolentino@gmail.com
Mariane Marques de Souza
Faculdades Unidas do Norte de Minas – FUNORTE
mariane.marquess@gmail.com
Ângela Fernanda Santiago Pinheiro
UNIMONTES
angelapsicologia@gmial.com
Leonardo Augusto Couto Finelli
Faculdades Unidas do Norte de Minas – FUNORTE
leonardo.finelli@funorte.edu.br

RESUMO
As Penas de Privação de Liberdade têm hoje, positivada, a finalidade de proporcionar condições para
a harmônica integração social do condenado. E, para além da vivência do cárcere, é imprescindível
se pensar no retorno do sujeito para a vida em liberdade. Entendendo-se que o desempenho de
atividades laborais tem significativa relevância para a reestruturação da vida do sujeito egresso,
o presente trabalho pesquisou uma amostra representativa de empresas do município de Montes
Claros – MG, tendo como foco a contratação ou não de egressos do Sistema Prisional e quais
suas motivações. Em um formato de levantamento, tendo enquanto instrumento de pesquisa
um questionário com questões abertas e fechadas foram pesquisadas 29 empresas selecionadas
através de um processo de randomização com reposição. Categorizaram-se as respostas obtidas,
foi realizada a tabulação e cálculo do que é mais típico no grupo pesquisado, a moda. A grande
maioria não emprega egressos (94%). Nenhuma empresa faz uso dos benefícios ofertados pelo
Estado para empregarem-se egressos. Os resultados indicaram necessidade de divulgação dos
benefícios supracitados e implementação de políticas públicas que fomentem a discussão acerca
do tema.
613 Palavras-chave: egresso, mercado de trabalho, Sistema Prisional, (re)inserção social.
Introdução

Visando não só a reparação do dano cometido e a prevenção de novos delitos, as Penas de Privação
de Liberdade têm hoje, positivada, a finalidade de proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado. O objetivo, portanto, é de recuperar e reeducar os mesmos, para
que estes possam, quando saírem da penitenciária, ser (re)integrados ao convívio social (BRASIL,
1984).

Entende-se que o preso não apenas possui deveres a cumprir, mas é também sujeito de direitos.
Dessa forma, o Sistema Prisional Brasileiro deve possuir mecanismos que auxiliem os indivíduos no
que diz respeito à educação, à capacitação profissional, conscientização social e apoio psicológico,
partindo de um cuidado humanizado e digno, garantido pelo Art. 5º da Constituição da República
Federativa do Brasil que cita: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988).

Segundo Figueiredo Neto et al. (2009), o Sistema Penitenciário Brasileiro encontra-se em situação
caótica, com superlotação, tendo, por vezes, alimentação inadequada e convivendo com a falta de
higiene e assistência sanitária. O autor acrescenta ainda que tais prisões não ofertam condições
dignas de vida, tampouco de aprendizado, sendo que, nas condições supramencionadas, o papel
(re)socializador da Pena Privativa de Liberdade torna-se mais distante de se tornar uma realidade
e o retorno do egresso ao Sistema Prisional pode tornar-se contínuo.

Cabe ao Estado propiciar condições de maneira efetiva, para que estes sujeitos cumpram sua
pena e, assim, possam levar uma vida digna após o cumprimento da mesma. A Lei de Execução
Penal – LEP, em seu artigo 10º cita que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado,
objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único: A
assistência estende-se ao egresso” (BRASIL, 1984).

A LEP, já em seu Art. 25, cita “a assistência ao egresso consiste: I - na orientação e apoio para
reintegrá-lo à vida em liberdade” e em seu Art. 27 cita “o serviço de assistência social colaborará
com o egresso para a obtenção de trabalho” (BRASIL, 1984).

Uma das formas de atender a proposta da LEP é a Lei 20.624, sancionada pelo governo do Estado
de Minas Gerais, que entrou em vigor em 2013. Essa busca garantir às pessoas jurídicas que
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contratam egressos do Sistema Prisional, subvenção econômica correspondente a dois salários
mínimos para cada egresso contratado (BRASIL, 2013).

Outra iniciativa do Estado é o projeto Começar de Novo, do Conselho Nacional de Justiça, que visa
inserir o egresso no mercado de trabalho, disponibilizando um sistema online que reúne ofertas
de vagas de postos de trabalho direcionadas aos egressos do Sistema Carcerário, tais vagas são
divulgadas pelos próprios contratantes e abrange todo o Brasil no web site oficial do CNJ (2015).
Até a presente data, não constam vagas disponíveis para a cidade de Montes Claros – MG.

Há também o Programa de Reintegração Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp), realizado


pelo governo de Minas, que funciona também na cidade de Montes Claros. O programa acolhe
os egressos e tem como um de seus objetivos, a inclusão dos mesmos no mercado formal de
trabalho. Porém, nenhuma empresa na cidade possui, no momento, parceria formal para empregar
tais egressos, segundo a equipe técnica do Programa (DAVID, 2015).

Observa-se portanto que, ainda que haja iniciativas do Estado, existem fatores dificultadores da
adesão das empresas de Montes Claros na ocupação de postos de trabalho por egressos.

No entendimento de Marx (1844/2006), o trabalho acompanha o homem ao longo da história


como característica central do ser social e enquanto uma atividade aplicada sobre a natureza. Neste
sentido, pode-se inferir que, para o egresso do Sistema Prisional, o desempenho de atividades
laborais tem significativa relevância para a reestruturação da vida do sujeito.

Uma vez que a não inserção do egresso no mercado de trabalho pode ser fator decisivo para uma
possível reincidência criminal, inferiu-se que havia importância no questionamento da participação
da sociedade na mudança dessa realidade. Diante do exposto, realizou-se um levantamento acerca
do percentual de empresas contratantes de egressos do Sistema Prisional na cidade de Montes
Claros - MG, pretendendo ainda, entender as motivações que incitavam a contratação e a não
contratação.
A pesquisa foi feita com natureza quanti e qualitativa, com caráter exploratório, corte transversal
e em formato de levantamento. A população do estudo foi composta por empresas situadas na
cidade de Montes Claros – MG. Tendo como fonte específica, o cadastro industrial da Federação
das Indústrias do Estado de Minas Gerais – FIEMG, que inclui 190 empresas. Fez-se uso de uma
amostra formada por 29 (vinte e nove) pesquisados. Sendo que o instrumento de pesquisa foi
615 respondido pelo responsável pelas contratações de cada empresa. Foi selecionada uma amostragem
aleatória simples, utilizando a técnica de randomização com reposição, via sorteio.
Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário anônimo autoaplicável, contendo perguntas
fechadas e abertas. As perguntas abordavam aspectos da contratação de egressos do Sistema
Prisional tais como: consulta a Certidão de Antecedentes Criminais dos candidatos, número
de egressos que atualmente fazem parte do quadro de funcionários da empresa, percepção do
empregador sobre este tipo de contratação, além da ciência e uso dos benefícios da lei 20.624/2013.
Antes de ser iniciada a coleta de dados, tal questionário passou por um julgamento de pares,
onde pesquisadores avaliaram os instrumentos, visando garantir sua eficiência. Os pesquisados
sorteados foram convidados a participar da pesquisa via contato telefônico e o questionário foi
respondido pessoalmente pelos mesmos.
A pesquisa em questão foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Unidas
do Norte de Minas – FUNORTE, de acordo a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de
Saúde (2012), que fixa as Diretrizes e Normas regulamentadoras sobre pesquisa envolvendo seres
humanos. Todos os pesquisados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e todas
as informações foram mantidas em anonimato.
Durante o tratamento dos dados, foram estabelecidas categorias, de modo que as respostas abertas
foram organizadas para serem adequadamente analisadas. Categorias estas, derivadas de um único
princípio de classificação e mutuamente exclusivas, de forma tal que, uma mesma resposta não
possa ser incluída em mais de uma categoria.

Para agrupar e contar os casos que estão nas categorias de análise, foi realizada uma tabulação
simples dos dados. Já no processo de análise estatística dos dados, a descrição dos dados foi com
o objetivo de caracterizar o que é típico no grupo pesquisado, usando como medida de tendência
central a moda.

1. As empresas e os egressos do sistema prisional


Quando analisada a pergunta referente à consulta da Certidão de Antecedentes Criminais, 59%
dos pesquisados afirmam que consultam a certidão para todos os cargos pretendidos, 24% não
consultam para nenhum cargo e 17% consultam apenas para alguns cargos. Sobre contratar egressos
do sistema prisional, 48% Declaram contratar egressos do Sistema Prisional contra 52% que não
contratam. Mesmo diante destas declarações, 94% não empregam egressos atualmente.
No que concerne os motivos de contratação, 15% dos pesquisados declararam contratar egressos
por considerarem uma contribuição social, 23% declararam contratar devido a falta de mão
de obra, de não egressos, disponível no mercado de trabalho. 31% dos pesquisados declaram
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contratar egressos por não considerarem o fato de se ser egresso do Sistema Prisional um fator
relevante na contratação e os outros 31% forneceram respostas diversas que não enquadraram
em categorias de análise. Quanto ao motivo de não contratarem egressos do Sistema Prisional,
13% dos pesquisados declararam não contratar por receio da reincidência criminal no âmbito do
trabalho, 27% declararam não contratar por não ter surgido tal demanda e 53% dos pesquisados
declararam não contratar, porém não souberam justificar o motivo.
No que tange da ciência dos benefícios oferecidos pela lei 20.624/2013, constatou-se que 55% não
estão cientes de seus benefícios e 45% estão cientes, mesmo assim, 100% dos pesquisados não
fazem uso dos benefícios da lei supracitada.
Referindo-se à percepção dos pesquisados sobre a contratação do Egresso do Sistema Prisional,
34% dos pesquisados consideram a contratação interessante, porém com ressalvas, 28%
consideram interessante, por ser uma contribuição social e 10% não consideram interessante este
tipo de contratação, por não acreditarem na reeducação promovida pelo Sistema Prisional. 28%
dos pesquisados deram respostas diversas que não se enquadraram em categorias de análise.
Os resultados apresentados revelaram que a maioria dos contratantes consultam a Certidão de
Antecedentes Criminais durante o processo seletivo e afirmam ainda que o fato de ser egresso do
Sistema Prisional é fator decisivo na não contratação dos candidatos. Ainda que a não contratação,
exclusivamente por tratar-se de egresso do Sistema Prisional, configure prática discriminatória, o
que é vedado pela Lei 9029/1995. É possível que os egressos não tenham conhecimento de tal lei
e de que os mesmos são protegidos por ela. Tal desconhecimento pode ser um fator dificultador na
busca por seus direitos. Questão que pode vir a ser pesquisada.

2. As motivações para a (re)inserção social

No que tange as motivações da não contratação, foi possível perceber que a maioria dos contratantes
que declaram não contratar egressos, não sabem justificar tal posicionamento, o que indica que o
assunto em pauta tem sido pouco discutido no âmbito das empresas.

Como previsto na hipótese da presente pesquisa, a grande maioria dos contratantes não emprega
egressos, equivalendo a noventa e quatro por cento, o que demonstra que o acesso destes candidatos
ao mercado de trabalho tem sido demasiadamente restrito. Há uma pequena parcela dos pesquisados,
equivalente a apenas dois por cento, que desconhece a informação sobre empregar atualmente
egressos ou não. Isso se dá em função de não consultarem a certidão de antecedentes criminais.

Em relação à Lei 20.624/2013, que beneficia as empresas que empregam egressos do Sistema
617 Prisional, a maioria dos pesquisados a desconhece, o que pode indicar uma necessidade de
maior divulgação da mesma e consequente possível aumento de adesão. A parcela relativamente
representativa que possui conhecimento da lei 20.624/2013, ainda assim não faz uso de seus
benefícios. O que pode indicar a necessidade de implementação de políticas públicas que facilitem
a mudança de posicionamento dos possíveis empregadores frente aos egressos do Sistema
Prisional. Visto que a mera alteração formal, implementação da lei supracitada, não demonstra
grandes mudanças na situação problema, faz-se necessário intervenções estatais enquanto políticas
públicas.

3. A percepção da contratação ou não contratação de egressos

No que concerne à percepção dos pesquisados quanto à contratação do egresso do Sistema


Prisional, a grande maioria declara considerar uma prática interessante. Este posicionamento pode
ter sido influenciado pela desejabilidade social, visto que, apesar de suas declarações, na prática os
mesmos não contratam egressos.

Uma parcela considerável dos pesquisados afirmam que não consideram a contratação dos egressos
interessante para sua empresa em função de não acreditarem na reeducação promovida pelo Sistema
Prisional. Alguns pesquisados declararam ainda que o fator influente na não contratação não é o
ato infracional cometido pelo egresso e sim o fato de o sujeito passar pelo Sistema Prisional.
Denotando uma descrença na possibilidade de reeducação e, além disso, indica uma crença em
uma possível corrupção àqueles que passam pelo Sistema Prisional.

As informações obtidas a partir do estudo em questão possibilitou a percepção da necessidade


de discussão sobre a temática junto às empresas, o aprofundamento da reflexão sobre a questão
do egresso dentro dos espaços que têm possibilidade de recebê-los. Para que se possa superar
conceitos pré-concebidos. O que pode ser promovido a partir de intervenções estatais como
políticas públicas.

Considerações finais

A partir dos dados colhidos permite-se concluir que a maioria das empresas foram acessíveis em
responder a esta pesquisa, apresentando aspectos significativos para a compreensão da problemática
da inclusão de egressos do Sistema Prisional como trabalhadores.

O ambiente laboral representa um cenário de muitas implicações quanto à saúde, qualidade de 618
vida, além dos já conhecidos aspectos que envolvem a obtenção de renda e sustento. Deste modo,
percebe-se que a inserção de egressos do Sistema Prisional se apresenta como uma temática que
envolve estes aspectos citados agregados, ainda, de estigma e preconceitos que perpassam estes
sujeitos.

Portanto, como os próprios dados demonstraram, abre-se precedente para futuras pesquisas que
busquem entender as dificuldades que se apresentam na contratação de egressos do Sistema
Prisional no mercado de trabalho.

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Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de


1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acesso em: 04 abr. 2015.
BRASIL. Lei nº20624, de 116 de Janeiro de 2013. Altera a Lei n° 18.401, de 28 de setembro de
2009, que autoriza o poder executivo a conceder subvenção econômica às pessoas jurídicas que
contratarem egressos do sistema prisional do estado. Disponível em: <http://www.almg.gov.br/
consulte/legislacao/completa/completa.html?ano=2013&num=20624&tipo=LEI>. Acesso em: 04
abr. 2015.
BRASIL. Lei Nº 9.029, de 13 de Abril de 1995. Proíbe a exigência de atestados de gravidez e
esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da
relação jurídica de trabalho, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.
br/cCivil_03/LEIS/L9029.HTM >. Acesso em: 16 set. 2015.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Website. Texto descritivo disponível em: <http://
www.cnj.jus.br/sistemas/sistema-carcerario-e-execucao-penal/20550-portal-de-oportunidades-
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CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução nº 466, de 12 de Dezembro de 2012. Aprova
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<http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2015.
DAVID, Amanda. Parceria formal de empresas no município de Montes Claros com o
Programa PRESP. Montes Claros: CPC, 2015. (Comunicação oral).
FIGUEIREDO NETO, Manoel Valente, et al. A ressocialização do preso na realidade brasileira:
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MARX, Karl. (1844). Manuscritos Econômico-Filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São
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MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 3. ed. v. 1. Rio de Janeiro: Civilização
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