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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA

UM OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO


COM RELATOS DE VIVÊNCIA

Igor da Conceição Gonçalves

Rio de Janeiro
2022
Igor da Conceição Gonçalves

Um olhar sobre a educação no contexto do sistema prisional brasileiro com relatos


de vivência

Monografia apresentada como à coordenação


do curso de Pedagogia, da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Bacharel em Pedagogia.

Orientadora: Fátima Lobatp

Rio de Janeiro
2022
Igor da Conceição Gonçalves

Um olhar sobre a educação no contexto do sistema prisional brasileiro com relatos


de vivência

Trabalho de conclusão de curso apresentado à coordenação do curso de Pedagogia, da


Universidade Estadual do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Bacharel em Pedagogia.

Aprovado em: data

Banca examinadora:

________________________________
Presidente, [Nome Completo]
________________________________
Prof. [Nome Completo]
________________________________
Prof. [Nome Completo]

Rio de Janeiro
2022
[Ficha catalográfica]
Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus, que fez com que meus objetivos fossem alcançados, durante
todos os meus anos de estudos.

Agradeço também a minha família, especialmente a minha mãe Adriana Ferreira, por todo
esforço em proporcionar uma educação de qualidade desde pequeno.

A minha professora Fatima Lobato, por ter sido minha orientadora e ter desempenhado tal
função com dedicação, paciência e amizade, deixo meu muito obrigado.

Agradeço aos meus amigos, que me apoiaram e me ajudaram durante todo o período
acadêmico: Anne de Castilho, Taiane Tavares, Dayane Pereira e José Luiz.

Por fim, sobretudo agradeço a aquelas pessoas que compartilharam as suas vozes para
tornarem possíveis estudos como este através dos seus relatos. Doar seu tempo e abrir a sua
intimidade movidos pelo desejo da mudança de paradigmas certamente é algo admirável e
meritório.

iv
Resumo

GONÇALVES, Igor da Conceição. Um olhar sobre a educação no contexto do sistema


prisional brasileiro com relatos de vivência. 2022. x f. Trabalho de Conclusão de Curso.
Faculdade de Educação, Curso de Bacharelado em Pedagogia, Universidade estadual do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

País com a terceira maior população carcerária do mundo, o Brasil também conta com um
quadro onde o índice de escolarização é baixo entre os reeducandos , com um gritante número
de apenados sem nem o Ensino Fundamental. Entendendo que as pessoas que estão no cárcere
não deixam de ser membros da sociedade, e que em algum momento a ela retornarão,
compreender e pensar em políticas públicas que tenham aspecto ressocializador, evitando a
reincidência de futuras delinquências é de suma importância. A educação, mais que um direito
Constitucional, é uma ferramenta para ressignificar a vida não apenas fora, mas dentro do
cárcere, expandindo horizontes e trazendo novas oportunidades para o indivíduo privado de
liberdade. Neste estudo então, pretende se olhar a questão da educação no context do Sistema
Penitenciário Brasileiro, trazendo como suporte ao aporte teórico os relatos de experiência de
um professor e de um aluno, ambos com a vivência da experiência, e a professional neste
contexto.

Palavras-chaves: Sistema Penitenciário, Ressocialização, Educação, Prisões, Funpen.

v
Abstract

Country with the third largest prision population in the world, also has a defying situation
where the schooling rate is low among inmates, without even Elementary School completed.
Understanding that people who are in prision, are still members of society, and that at some
point will return to it to live their lives, acknowledging and thinking about public policies that
have a ressocializing aspect, and avoiding the recurrence of future delinquencies is of
paramount importance. Education, more than a constitutional right, is a tool to reframe life not
only outside, but inside prision, expanding horizons and bringing new opportunities to the
individual deprived of freedom. In this study then, the intention is to look at the issue of
education in the context of the Brazilian Penitentiary System, bringing support to the theory
with the contribution of the experience reports of a teacher and a student, both with life
experience, and the professional experience in this context.

Keywords: Penitentiary System, Ressocialization, Education, Prisions,Funpen.

vi
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Distribuição da população do sistema penitenciário de acordo com a escolaridade15

vii
LISTA DE ABREVIATURAS

CF Constituição Federal
CNPCP Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
DEPEN Departamento Penitenciário Nacional
FUNPEN Fundo Penitenciário Nacional
INFOPEN Sistema de Informações Estatísticas do Sistema Penitenciário Brasileiro
MJ Ministério da Justiça
ONU Organização das Nações Unidas
PEESP Plano Estratégico de Educação no Âmbito do Sistema Prisional
SISDEPEN Ferramenta de Coleta de Dados do Sistema Penitenciário Brasileiro
STJ Superior Tribunal de Justiça

viii
Sumário

1. Introdução.............................................................................................................................10

1.2. Objetivos........................................................................................................................12
1.3. Metodologia...................................................................................................................12
1.4. Tema e Justificativa.......................................................................................................12

2. A prisão e a sociedade...........................................................................................................14

2.1. Dados gerais sobre a comunidade carcerária no Brasil.................................................14


2.2. Perfil acerca da escolarização dos reeducandos: Dados gerais......................................15

3. Ressocialização.....................................................................................................................20

3.1. Reincidência...................................................................................................................22

4. A educação e o trabalho na reinserção social.......................................................................27

4.1. O papel da educação na visão de um professor e um aluno do sistema prisional


brasileiro: o estudo através de relatos de experiência...........................................................29

5. Considerações Finais............................................................................................................30

5.1. Os dois lados de uma moeda: o relato do aluno, o relato do professor e as suas
complementaridades.............................................................................................................30

6. Referências Bibliográficas....................................................................................................31
ANEXO I – Entrevista 1: As visões de um ex – Reeducando sobre educação........................34
ANEXO II – Entrevista 2: A visão de um professor atuante no sistema carcerário sobre a
educação....................................................................................................................................45

ix
10

1. Introdução
Crimes, suas vítimas e as suas consequências são assuntos que nunca saem de pauta.
As consequências do delinquir para o todo, sobretudo para populações que vivem em locais
com elevada criminalidade certamente são uma problemática a muito enfrentada, e que
continua em voga na moderna sociedade, assunto discutido exaustivamente por uma mídia
cada vez mais sensacionalista.
A dinâmica é praticamente uma só, o delinquente é punido com a reprovação da
sociedade, sua pena, e o estigma que carrega após o cumprimento dela, em algumas
sociedades inclusive sendo lhe impingida a pena capital, como tentativa de frear a “ameaça”.
Uma quantidade significativa de países, tem visto a elevação de sua taxa de
criminalidade, incluindo o Brasil, com a terceira maior população carcerária do mundo,
perdendo em números apenas para os Estados Unidos e a Rússia, ambos também
consideravelmente maiores em território.
Este número cada vez maior de pessoas em situação de encarceramento não vem
separado do sucateamento crescente do sistema prisional, que já opera em condições de
superlotação a anos, hoje operando quase que com o dobro de detentos para a real capacidade,
tendo outros problemas relacionados com o elevado contingente, como motins, violência entre
os internos, problemas de vigilância, com apenados usando entorpecentes e aparelhos
celulares para cometer crime mesmo que dentro do cárcere, falta de condições mínimas de
dignidade humana, higiene... A lista é interminável.
A ideia em si de punir um ser humano alienando o do convívio social e das regras
mínimas para viver em sociedade que são aplicadas no dia a dia de todos é em si debatível, e a
permanência durante anos em ambientes hostis e indignos como apresentam em sua
configuração hoje os presídios brasileiros na visão de alguns autores é totalmente
contraproducente, estando a própria sociedade de acordo, quando chama advertida ou
inadvertidamente os presídios de “escolas do crime”.
O interno penitenciário, muitas vezes é excluído de seus direitos sociais mais primais,
contudo a ideia de ressocialização hoje já é discutida, e já se há entendimento, inclusive da
forma escrita da lei que este é um caminho necessário, no entanto, alicerces são necessários
para levantar estes pilares. Um dos grandes problemas que figuram dentre a comunidade
carcerária é a baixa escolaridade, com um grande número de apenados sem alfabetização e
conclusão do Ensino Fundamental figurando em seu currículo escolar.
11

Estudar é um direito, no Brasil garantido pela Constituição Federal em seu artigo 205
“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Estudar garante princípios
fundamentais da CF, a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a vida e a liberdade, e
melhora a perspectiva da conquista de outros direitos também fundamentais: o direito ao
trabalho, ao lazer e a moradia.
Considerando o estudo um direito fundamental, e que o reeducando em algum
momento irá ser reinserido ao convívio social, faz sentido que este volte ao seio da sociedade
munido de meios para que tenha uma vida digna e não volte a delinquir. Uma maneira de
garantir, isto é, através da educação.
A educação para o apenado, não é apenas um direito, mas uma forma de abrir novos
horizontes, tanto no entendimento de mundo do reeducando, tirando o mesmo que
momentaneamente de uma lógica diária de punitivismos e alienação do eu, quanto para
horizontes profissionais. Educar é dar perspectiva, chance, oportunidade.
Dentro desta perspectiva, o presente trabalho, dividido em três blocos principais traz
uma discussão sobre a educação no contexto do sistema prisional brasileiro, abordando o
assunto em três blocos principais, no primeiro entendendo o papel da prisão na sociedade, e os
dados gerais sobre encarceramento no Brasil, incluindo o perfil acerca da escolaridade.
No segundo bloco são debatidos os conceitos de ressocialização e reincidência,
fazendo um paralelo entre as oportunidades que a educação, a cultura e o trabalho podem
trazer para a vida de um ex reeducando, e sua inserção de volta ao meio social.
Seguindo para o terceiro e último bloco, na primeira parte é discutido com detalhes o
papel e a importância da educação e do trabalho na vida de uma pessoa privada de liberdade
para seu futuro. Na segunda parte, é feita a discussão sobre o papel da educação na visão de
um aluno e de um professor que passaram pela experiência educacional dentro de um
presídio, em lados diferentes. Ambas as entrevistas figuram transcritas em sua íntegra nos
anexos I e II deste trabalho.
As considerações finais trazem uma discussão acerca do aporte teórico, e em um
segundo momento um debate comparativo entre as falar do aluno e do professor, e o que
ambos puderam perceber acerca da experiência da educação no cárcere através de seus relato
de vivência trazidos no anexo.
12

1.2. Objetivos

O presente trabalho tem como objetivo trazer uma visão geral sobre a educação no
contexto do sistema prisional brasileiro, como os programas educacionais, o perfil da
comunidade carcerária e a influência da educação na ressocialização, trazendo relatos de
experiência como forma de contrapor a literatura com a vivência dos voluntários.

1.3. Metodologia

Para a realização do presente trabalho de conclusão de curso, foi adotada a


metodologia da revisão bibliográfica qualitativa analítica, trazendo o caráter exploratório com
as entrevistas presentes no anexo, que caracterizam as experiências tanto de um ex
reeducando, quanto as de um professor do sistema penitenciário, comparando os dados
presentes na literatura com a experiência destes indivíduos.
Para a operacionalização do estudo bibliográfico foram consultadas além das bases de
dados usuais para a construção do arcabouço teórico, como a SciELO, os periódicos Capes e
repositórios de monografias, dissertações e teses, plataformas com dados governamentais
oficiais e documentos do ministério da justiça com as legislações necessárias.
Ciente das questões éticas envolvendo o uso dos relatos de terceiros, estes relatos
foram disponibilizados com a devida autorização dos entrevistados, que tiveram apenas o seu
primeiro nome revelado, o sobrenome tendo sido abreviado por questões de privacidade. Os
entrevistados foram informados acerca da temática e conteúdo da pesquisa e comunicados que
o uso do conteúdo da conversa transcrita na íntegra tem fins puramente educacionais, tendo o
autor também disponibilizado o nome da instituição ao qual está vinculado e o curso.

1.4. Tema e Justificativa

A temática desenvolvida neste trabalho é um assunto que certamente me vem em


mente pela minha experiência pessoal enquanto morador de comunidade. Na minha memória,
ao decorrer dos anos, me recordo de diversas vezes vez conhecidos, vizinhos ou colegas
“sumindo” do convívio por terem entrado para o mundo do crime e acabado presos, ou terem
suas vidas ceifadas pelo desenvolver destas atividades de alto risco.
Ter crescido imerso neste ambiente e tendo vivido estas situações, sempre me
questionei sobre qual foi a armadura que me protegeu, e permitiu que eu não tivesse o mesmo
fim trágico que tantos colegas. Esta reflexão me voltou a considerar o real papel que a
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educação teve na minha vida, e que talvez a falta dela tenha impactado na proporção reversa a
tantos que vi decair em caminhos mais tortuosos.
A partir desta reflexão, me veio de forma clara não apenas a escolha do curso de
pedagogia, mas o caminho em pesquisar e contribuir com alternativas para o entendimento do
papel da educação na vida das pessoas privadas de liberdade. A escolha de trazer relatos,
sobretudo um inspirador, de um ex reeducando que teve sua vida transformada positivamente
pela educação é uma tentativa de trazer o entendimento do quanto a educação pode ser
libertadora pra um indivíduo, nas palavras de Freire (1987, p.88) lembrando que necessitamos
“de uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política” e que advertisse o
homem “dos perigos de seu tempo, para que, consciente deles, ganhasse a força e a coragem
de lutar, ao invés de ser levado e arrastado a perdição de seu próprio “eu”, submetido ás
prescrições alheias” (FREIRE, 1967, p.90).
De acordo com dados comparativos acessados para a realização desta pesquisa,
vivemos em um país com uma taxa de criminalidade alta, não sendo incomuns crimes
violentos, sobretudo em centros urbanos. O medo gerado pela possibilidade de sofrer com um
ato criminoso, torna muitas vezes o desejo popular conivente a atitudes revanchistas.
A educação, frente a uma sociedade que por diversas questões delinque, além de ser
uma alternativa humanitária aos problemas que se apresentam, é uma alternativa prevista
como direito pela Constituição Federal do Brasil (CF):

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e


incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho (BRASIL, 1988).

Visto que é uma garantia fundamental, a educação, sobretudo das pessoas sob custódia
do sistema penitenciário não pode ser vista como uma mera regalia, uma vez que é direito
garantido, inclusive pelo artigo 17 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210 de 1984).
Compreender o papel da educação na vida do apenado então, e pensar alternativas para que
esta população possa gozar de seus direitos e ter uma experiência capacitante e
transformadora certamente é um objetivo meritório para um educador.
14

2. A prisão e a sociedade

2.1. Dados gerais sobre a comunidade carcerária no Brasil

Coletar dados e recensear uma determinada população é uma prática de suma


importância não apenas para conhecer as principais características daquele grupo, mas
também para conhecer suas reais necessidades e carências. Diversos estudos voltados a
melhoria de vida podem ser feitos através do levantamento dos dados de uma população.
Neste sentido, no Brasil para analisar os dados com informações sobre a população carcerária,
temos principalmente 3 ferramentas: o DEPEN, o INFOPEN e o SISDEPEN.
O DEPEN é a sigla para Departamento Penitenciário Nacional, um órgão executivo
que acompanha e controla a aplicação da Lei de Execução Penal e das diretrizes da Política
Penitenciária Nacional, emanadas, principalmente, pelo Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária – CNPCP. O DEPEN também gere o Fundo Penitenciário Nacional,
o FUNPEN (INFOPEN, 2016).
O DEPEN geralmente libera o Levantamento Nacional de informações penitenciárias
(INFOPEN), que compila informações estatísticas acerca do sistema penitenciário brasileiro,
através de formulários de coleta estruturados que devem ser preenchidos pelos gestores dos
estabelecimentos prisionais a nível nacional (INFOPEN, 2016).
O relatório conta com diversas informações incluindo questões relativas a fluxo de
entrada e saída, natureza da prisão e tipo de regime, ocupação, movimentação, vagas,
estabelecimentos penais infra estrutura, políticas de assistência e garantia de direitos ao
apenado, e dados diretos sobre a população carcerária como faixa etária, raça, escolaridade,
estado civil, pessoas com deficiência, filhos, estrangeiros, tipo penal e tempo de pena, assim
como dados acerca da gestão dos serviços penais como recursos humanos, saúde, mortalidade,
educação, trabalho etc.
Os dados levantados pelo INFOPEN, se referem tanto a população carcerária
masculina, quanto a feminina, desde 2014 e são extremamente importantes não só para
políticas de transparência, garantindo a lisura na gestão do sistema, como para planejamento
estratégico e destinação do FUNPEN, que afeta diretamente a qualidade de vida dos
reeducandos e a garantia dos seus direitos mais básicos.
Finalizando as definições cabe mencionar o SISDEPEN, que é de fato a ferramenta de
coleta de dados do sistema penitenciário brasileiro, concentrando informações sobre os
estabelecimentos penais e a população carcerária, criado pela Lei n° 12.714/2012, que dispõe
15

sobre o sistema de acompanhamento das penas, prisão cautelar e medidas de segurança


aplicadas aos custodiados do sistema penal brasileiro. Para alimentar o sistema SISDEPEN,
os gestores das unidades prisionais alimentam o sistema num período pré estabelecido, e os
dados são coletados semestralmente, ao fim de cada ciclo sendo extraídos do SISDEPEN para
síntese e posterior análise e visualização, como os dados do INFOPEN (MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, 2022).
Os dados dispostos deste ponto em diante neste tópico são todos do relatório geral do
INFOPEN (2016) disponibilizados pelo DEPEN e pelo Ministério da Justiça e Segurança
Pública, relatório este escolhido pela facilidade no acesso, e sua completude de forma geral.
Até junho de 2016, o Brasil contava com uma população carcerária de 726.712mil
pessoas, ultrapassando pela primeira vez o marco de 700 mil pessoas privadas de liberdade,
contando com apenas 368.049 mil vagas, com déficit de 358.663 mil vagas e uma taxa de
ocupação de 197,4%, quase o dobro de sua capacidade (evidenciando já o problema de super
lotação). Cabe ressaltar aqui que nos 16 anos decorridos de 2000 a 2016m a taxa de
aprisionamento no país aumentou em 157%, sendo 40% da população carcerária no sistema
ainda sem condenação (INFOPEN, 2016).
Ainda de acordo com os dados do Infopen (2016), 74% das unidades prisionais se
destinam a homens, 7% ao público em geral e 17% consideradas “mistas”, significando que
podem contar com alas e celas específicas para o aprisionamento de mulheres dentro de um
estabelecimento originalmente masculino.
Acerca do perfil da população carcerária, o relatório informa que até o momento do
relatório, 55% por cento da população prisional é formada por jovens, assim considerados por
terem idade até 29 anos de acordo com o Estatuto da Juventude (Lei nº 12.852/2013), 64% é
composta por pessoas negras, 60% por pessoas solteiras, apenas 1% com algum tipo de
deficiência (sendo a maior parte deficiências intelectuais) e 83% de pessoas com 1 ou mais
filhos (INFOPEN, 2016).

2.2. Perfil acerca da escolarização dos reeducandos: Dados gerais

O primeiro ponto que dever ser ressaltado neste tópico é que o acesso a assistência
educacional é um direito garantido a pessoa privada de liberdade pelo estado, conforme
estabelece a Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210, art. n°11), e deve ser oferecido pelo estado
na forma de instrução escolar e formação profissional, como medida que visa reintegrar o
apenado a sociedade.
16

O relatório do INFOPEN (2016), acerca das atividades educacionais que são


realizadas no sistema penitenciário, ressalta que compreendem atividades de alfabetização,
formação de ensino fundamental até ensino superior, cursos técnicos (com acima de 800 horas
de aula), cursos de formação inicial e continuada, com capacitação profissional acima de 160
horas de aula, e atividades complementares, que compreendem pessoas matriculadas em
programas de remição pelo estudo com atividades complementares como esporte, leitura,
videoteca e outras atividades culturais.
Os dados presentes no relatório trazem que apenas 12% da população carcerária está
envolvida em algum tipo de atividade educacional. É interessante que isto coaduna com a fala
do voluntário entrevistado, no ANEXO I, (entrevista realizada neste estudo que será debatida
mais detalhadamente a frente), que relata que em sua experiência “... Nós estávamos em lugar
onde tinha quase mil presos, e nem dez pessoas iam”. É claro que não se pode culpar
exclusivamente a vontade ou não dos reeducandos de comparecer a atividades educacionais,
pois também existem questões relativas à infraestrutura.
Em relação as atividades complementares, apenas 2% da população prisional total do
país se encontra envolvida em atividades de remição pela leitura ou pelo esporte e demais
atividades complementares. Dos apenados em atividades escolares, 50% estão em formação
no nível fundamental. Curiosamente, o Ensino Fundamental é destacado na Lei de Execução
Penal como o nível que deve obrigatoriamente ser oferecido no sistema prisional, sendo oferta
dos demais níveis dependentes da demanda da população carcerária e disponibilidade de
professores e infraestrutura (INFOPEN, 2016).
O Ensino Médio só passa a ser instituído oficialmente nas penitenciárias através da Lei
n° 13.163 de 9 de setembro de 2015, que acresce a Lei  Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984
os seguintes artigos:

Art. 2º A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 , passa a vigorar acrescida dos


seguintes artigos:
“Art. 18-A. O ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação
profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em obediência ao
preceito constitucional de sua universalização.
§ 1º O ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á ao sistema estadual e
municipal de ensino e será mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio
da União, não só com os recursos destinados à educação, mas pelo sistema estadual
de justiça ou administração penitenciária.
§ 2º Os sistemas de ensino oferecerão aos presos e às presas cursos supletivos de
educação de jovens e adultos.
§ 3º A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal incluirão em seus
programas de educação à distância e de utilização de novas tecnologias de ensino, o
atendimento aos presos e às presas.”
“Art. 21-A . O censo penitenciário deverá apurar:
17

I - o nível de escolaridade dos presos e das presas;


II - a existência de cursos nos níveis fundamental e médio e o número de presos e
presas atendidos;
III - a implementação de cursos profissionais em nível de iniciação ou
aperfeiçoamento técnico e o número de presos e presas atendidos;
IV - a existência de bibliotecas e as condições de seu acervo;
V - outros dados relevantes para o aprimoramento educacional de presos e presas.”
Art 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação (BRASIL, 2015).

O levantamento de dados sobre a educação dos privados de liberdade no Brasil traz


ainda um problemático dado: o baixo grau de escolaridade. O dado é particularmente
alarmante quando lembramos como mencionado no tópico anterior, que a maior parte da
população carcerária é formada por jovens de menos de 30 anos, e que a maioria destas
pessoas têm filhos.
Conforme os dados do Infopen (2016), 17,75% por cento da população prisional
brasileira ainda não acessou o ensino médio, tendo concluído, no máximo, o ensino
fundamental, e 45% ainda não concluiu de fato o ensino fundamental.

A figura abaixo (Figura 1) demonstra detalhadamente a situação escolar da população


carcerária no Brasil:

Figura 1 - Distribuição da população do sistema penitenciário de acordo com a escolaridade

Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN, 2016, p.61)

O gráfico disponibilizado pelo INFOPEN expressa o alarmante número de reeducando


com o Ensino Fundamental incompleto. Sem esta ferramenta mínima fica de fato discutível a
18

condição de reincidência, visto que as oportunidades destas pessoas se tornam limitadas pela
baixa escolaridade. Segundo a resolução 2002/12 da ONU, que dispõe sobre a justiça
restaurativa, mesmo princípio adotado em nosso país, o apenamento deve promover condições
de dignidade, recuperação e reinserção do reeducando na sociedade. Nunes (2009, p. 12)
sobre isto dispõe que:

(...) é preciso distinguir finalidade da pena e objetivos da execução penal. São duas
completamente diferentes. Enquanto a pena tem o condão de prevenir, reprimir e
reintegrar socialmente o condenado, a execução da pena tem a finalidade de efetivar
o cumprimento da sentença penal condenatória e, também, de realizar a recuperação
do condenado (...).

A ausência ou baixa escolaridade, refletem em suma numa baixa “qualidade


profissional” do indivíduo de acordo com Machado (2017), e em momentos futuros e a
inserção em vagas precarizadas, trabalho informal sem garantia de pagamento mínimo ou
mesmo e situação de desemprego, o que pode levar o ex reeducando a voltar a delinquir.
Sobre isto, Adorno (1996, p.13) dispõe:

[…] a escolaridade também deve ser analisada, pois é um dos


componentes fundamentais da cidadania: Por um lado, a escola é vista
como a agência de socialização por excelência, muitas vezes até
detentora de um papel superior ao desempenhado pela família na
formação de novos cidadãos. Depositam-se na escola não poucas
expectativas: o aprendizado de conhecimentos formais, o respeito à
ordem constituída e às hierarquias, a valorização de símbolos
nacionais e morais, a internalização de hábitos metódicos e
sistemáticos. Por outro lado, espera-se que a escola habilite seus
educandos a competir e a desfrutar das oportunidades oferecidas pelo
mercado de trabalho. Por essa via, a escola é valorizada como veículo
de mobilidade e de ascensão social.

Fica evidente então que a necessidade de programas educacionais em presídios é de


suma importância, não apenas para garantir ao apenado o direito básico a educação, garantia
de todo brasileiro graças a nossa Constituição Federal, mas para assegurar que este tenha
dignidade e seja reinserido em boa posição na sociedade, garantindo o seu sustento e o de sua
família.
Cabe aqui citar que como forma de estímulo existem mecanismos legais para encorajar
os detentos em atividades educacionais quando estas são disponibilizadas nas unidades em
que estão cumprindo a pena, como por exemplo a inclusão feita pela Lei n° 12.433 de 2011 a
19

Lei n° 7.210 de 11 de julho de 1984 que dispõe acerca da remição por frequência em
atividades educacionais:

I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de


ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de
requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias,
II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.
§ 2o  As atividades de estudo a que se refere o § 1 odeste artigo poderão ser
desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e
deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos
frequentados.
§ 3o  Para fins de cumulação dos casos de remição, as horas diárias de trabalho e de
estudo serão definidas de forma a se compatibilizarem.
§ 4o  O preso impossibilitado, por acidente, de prosseguir no trabalho ou nos estudos
continuará a beneficiar-se com a remição
§ 5o  O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um
terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o
cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de
educação.
§ 6o  O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui
liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de
educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova,
observado o disposto no inciso I do § 1o deste artigo.  

Mais uma vez a realidade destes fatos coaduna com o depoimento dado pelo ex
reeducando entrevistado no ANEXO I, que relata que “gostar eu gostava, por que eu
encontrava com pessoas diferentes e a cada 3 dias que você ia fazer isso (estudar) você
ganhava um dia. Então também já era uma coisa que eu gostava, mas tinha essa condição
então eu fiquei indo”, o que demonstra que o benefício da remissão é benéfico para estimular
o apenado a comparecer as atividades educacionais, tão importantes para sua reintegração a
sociedade.
Certamente ainda deve se percorrer um longo caminho no sentido de fornecer mais
atividades educacionais aos apenados e sanar desde a base a ausência de escolarização tão
gritante entre estes jovens.
20

3. Ressocialização
Neste capítulo, com o objetivo de compreender os conceitos de ressocialização e
reincidência, que são complementares, no entendimento que sem um o outro não é possível,
iniciaremos primeiramente a definição e entendimento dos termos, começando com a
definição do termo “ressocialização”, objetivando um entendimento claro sobre o caminho
pelo qual as reflexões posteriores serão pautadas. Uma definição inicial, pode ser a de “tornar
a socializar”, “socializar novamente”.
Definindo aqui através do dicionário Michaelis da língua portuguesa temos para
socialização “Processo pelo qual o indivíduo, no sentido biológico, é integrado numa
determinada comunidade e desenvolve o espírito de solidariedade e de cooperação” e para
ressocialização, o dicionário online “Dicio” define: “Inserção em sociedade; processo de
ressocializar, de voltar a pertencer, a fazer parte de uma sociedade”.
Evidente então que o termo têm uma pesada carga social por trás, dando a entender
que o processo de socialização do indivíduo, e consequentemente de ressocialização trazem a
ideia de que certos padrões de comportamento devem ser adotados no intuito de fazer parte da
sociedade, que tem suas normas, regras e valores, que se estendem não apenas a adequação a
vida em grupo, mas a esfera política e a entender os direitos, deveres e privilégios que se têm
enquanto integrante da sociedade.
Émile Durkhein (1978) trazendo uma perspectiva diferente, aponta que socializar é
sinônimo de educar, e que a nossa forma de viver conflita tanto com nossos quereres
individuais, quanto com o conjunto de crenças e hábitos que nos são ensinados e partilhados
pelas sociedade, onde aceitamos “coerção” que o todo impõe às partes através da educação.
Citando Ipsi Literis o entendimento abordado acima nas palavras do autor:

A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas não ainda
amadurecidas para a vida social. Tem por objetivo suscitar e desenvolver, na
criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela
sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança
particularmente se destine (DURKHEIN, 1978, p.10).

Nesta perspectiva então, podemos entender que o meio vai ter uma ação direta em
moldar o indivíduo e sua concepção moral, incluindo a cultura, a geração, os valores que o
cercam, logo não há como excluir a influência dos fatores sociais para a formação de um
agente do mundo do crime (SILVA, 2018). O exercício da liberdade não é compatível sem
acesso aos direitos constitucionais básicos, de acordo com a CF, (1988) saúde, alimentação,
trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, a previdência social, e proteção à maternidade,
21

e eles serem ou não prestados pelo estado de acordo coma garantia pode acarretar em
prestações positivas ou negativas, igualizando ou não situações sociais desiguais, que podem
afetar no exercício factual da liberdade (SILVA, 1999).
Desta forma vale refletir que se ressocializar, é socializar novamente, é trazer de volta
a sociedade, e isto perpassa por aspectos educacionais, e de acordo com os dados visos a
grande maioria dos apenados são pessoas pobre e com baixa escolarização, será que estas
pessoas, uma vez livres do cárcere estarão usufruindo dos direitos que lhes foram
primordialmente negados e assim podendo fazer uso de fato de sua liberdade?
Na ideia da legislação penal na sociedade moderna, especificando aqui o caso
brasileiro, embora por natureza o sistema judiciário seja coercitivo e punitivo com aqueles
considerados injustos ou agressores, existe a ideia da obediência aos princípios da natureza da
liberdade (JULIÃO, 2009).
Alijado a este princípio, vemos na legislação penal uma característica que deixa
apenas de prever a punição, e passa também a celebrar o processo chamado “ressocialização”,
através da execução da pena, ao mesmo tempo em que se pune, reabilitando o delinquente a
viver na sociedade, a ser reintegrado, tornando assim a pessoa em um membro útil da
comunidade. Julião (2019) ressalta que as ideias de reinserção, reabilitação social e
ressocialização são ideias correlacionadas, sendo a ressocialização o momento posterior ao
cumprimento da pena, onde a pessoa passa então a viver de acordo com que é disposto na lei.
Sobre este assunto, é possível trazer a luz os pensamentos de diversos teóricos, tendo
três chamado a atenção quanto a sua ligação com este trabalho. O primeiro , de Focault (2000,
p.20), de sua obra “vigiar e punir: nascimento das prisões” diz acercado aprisionamento que
este não se destina “sancionar a infração, mas a controlar o indivíduo, a neutralizar a sua
periculosidade, a modificar suas disposições criminosas, a cessar somente após obtenção de
tais modificações”, se acordo com esta visão então, o indivíduo podendo se reintegrar a
sociedade no momento em que modificar o comportamento delinquente.
Christie (1998), no seu trabalho “a indústria do controle do crime” traz uma visão mais
humanista, entendendo o crime enquanto uma construção social, onde são atribuídos a aquele
indivíduo atos ilícitos. A autora aponta:

[…] o crime não existe. É criado. Primeiro existem atos. Segue-se depois um longo
processo de atribuir significado a esses atos. A distância social tem importância
particular. A distância aumenta a tendência de atribuir certos atos o significado de
crimes, e às pessoas o simples atributo de criminosas. (CHRISTIE, 1998, p.13)
22

Pormenorizando a fala, entendemos que além de entender o crime em si, é necessário


entendermos o contexto deste crime, buscar o motivo pelo qual o indivíduo comete delitos,
seu perfil e histórico, procurando os paralelos, e pensar na estrutura em que está inserido, no
caso o sistema carcerário e a qualidade de vida e oportunidades que têm neste ambiente para
que não reincida em delinquir.
Outro fator de importância a ser ressaltado, é que o ato de condenar o ato criminoso
não deve ser um ato de revanchismo, e sim a necessidade de efetivar o que dispõe a sentença
condenatória visando unicamente o cumprimento da lei vigente. Acerca disto dispõe Marcão
(2010, p.31) “(...) a natureza retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas também a
humanização. Na senda da teoria elétrica ou mista, a execução penal também visa “punir e
humanizar’’”.
Analisando esta última fala temos então que a pena na sociedade moderna, longe dos
princípios de Talião (Lex Talionis) para a cumprir com vários objetivos conjuntamente,
figurando na visão de Julião (2009), dentre eles a retribuição do mal causado pelo
delinquente, a prevenção da prática de novas infrações ( no caso da prisão intimidando o
condenado e potenciais criminosos através do exemplo causa et effectus), a regeneração do
preso (transformando o em um indivíduo não criminoso) e a ressocialização.

3.1. Reincidência

Como anteriormente salientado, o Brasil é um dos países com a maior população


prisional do mundo, e também um dos que mais prendem, atualmente ocupando a 26° posição
no ranking mundial com outros 222 países. No número absoluto de presos, o país se encontra
atrás apenas de gigantes em território como a China e os Estados Unidos, ocupando a terceira
posição. Outro dado alarmante sobre o encarceramento no Brasil, é o fato de que no país há
altíssima taxa de superlotação, ao mesmo tempo que mais de 31% dos presos ainda não foram
julgados por seus crimes (RODRIGUES et. Al, 2021).
Julião (2019) analisando dados do DEPEN (2008), acresce as informações
supracitadas uma informação importante: de cada 10 presos, 7 retornam a prisão. O dado que
não pode ser uma mera estatística deve servir de reflexão a que tipo de política de execução
penal estamos aplicando, e se ela está sendo eficiente e providenciando que os apenados
possam contar com a re (socialização) uma vez fora do cárcere. A privação de liberdade está
de fato sendo eficiente frente a possíveis medidas socioeducativas?
23

O relatório INFOPEN visto no capítulo 2 deste trabalho, criado em 2004, é um passo à


frente no sentido de começar a compreender este duro panorama que se apresenta, trazendo
um diagnóstico da realidade penitenciária que auxilie na percepção das políticas públicas mais
urgentes a serem implementadas.
Novamente partindo para definições, o termo “reincidência” de acordo com o
dicionário Michaelis da língua portuguesa têm o significado de “ação ou efeito de reincidir,
repetir um ato ou processo, recair na mesma falta ou delito; recidiva”. O Código Penal (Lei n
7.209) em seu 63° art. dispõe que a reincidência se verifica quando o agente comete um novo
crime, depois de transitar em julgado a sentença que no país ou fora dela o tenha condenado
por crime anterior (BRASIL, 1984).
Partindo se do princípio que o reincidente ainda não de fato ressocializado, os juízes
interpretando o Código Penal consideram a reincidência como um agravante de pena,
podendo constituir ou qualificar um crime, ou ser uma circunstância agravante (art. 61 da Lei
n 7.209), retirando os benefícios de progressão de regime e livramento condicional
(BRASIL,1984).
Adorno & Bordini (1986) apud Julião (2019, p.83) destaca que o conceito de
reincidência apreende cinco situações distintas:
1- A reincidência natural ou genérica, que trata da prática de um novo ato criminal,
independente de condenação anterior. É percebida sem levar em consideração a
condenação do indivíduo;
2- A reincidência social, que supõe uma condenação anterior, ou seja, há necessidade
de condenação anterior para qualificar a reincidência;
3- A reincidência legal, que é anunciada nos códigos e legislações penais, ou seja,
além da condenação necessária para a reincidência social, se levam em
consideração os requisitos técnicos jurídicos evidenciados na legislação do país, no
caso brasileiro, o prazo de 5 anos da data de cumprimento ou extinção da pena (Lei
n°7.209art. 64 – I);
4- A reincidência penitenciária, que se aplica a casos de permanência prévia em
prisão correspondendo ao percentual anterior de reincidentes, quando estes,
independente do crime cometido retornam ao sistema penitenciário devido a nova
condenação judicial, para cumprir nova pena;
5- A multireincidência, que explica o fenômeno da reincidência reiterada (que na
ótica do STJ 2020, seria um fator de necessidade de maior repressão e rigor penal);
24

Independente das definições científicas ou estudos teóricos sociais complexos


avançados, um fato observável é que o modelo atual fracassa na ressocialização do apenado,
considerando a altíssima taxa de reincidência, se isto ocorre, cabe compreender o porquê, e
agir no sentido de diminuir esta taxa. Buscando alternativas para entender o fenômeno da
reincidência Bittencourt (2007, p.80) entende não ser possível “recuperar alguém para a vida
em liberdade em condições de não-liberdade”, considerando os resultados da pena privativa
de liberdade “desalentadores”. Fazendo crítica ao quadro de ex apenados que voltam a
delinquir, o autor ainda ressalta que “a prisão, ao invés de conter a delinquência, tem lhe
servido de estímulo, convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda espécie de
desumanidade. Não traz nenhum benefício ao apenado; ao contrário, possibilita toda sorte de
vícios e degradações”.
Julião (2019, p.90) fazendo coro a este pensamento dispõe que entende que seja difícil
que alguém ingresse no sistema penitenciário na situação atual, em condições desumanas e
saia sem quaisquer sequelas negativas da experiência (só para citar um fator já mencionado no
presente texto evocando dados da INFOPEN, o sistema carcerário brasileiro opera com quase
200% de sua real capacidade) , sendo assim igualmente difícil atribuir culpa de uma eventual
reincidência apenas ao reeducando.
Outros fatores apontados por Silva (2017), sobre o assunto denotam que a ineficiência
ou a ausência de políticas públicas que contemplem a população geram sentimento de
inferioridade quanto a sua prosperidade no meio social, uma vez que o indivíduo, inserido no
contexto social se sente encarregado de acompanhar a modernidade e padrões impostos, e
uma vez que não consegue alcançar estes padrões poder vir a delinquir. O autor ainda infere
que o crime, muitas vezes pode se apresentar como fruto das frustrações advindas da
modernidade.
Ainda seguindo esta linha de pensamento, o autor expõe que seria mais eficiente, ao
invés de precisar recorrer a punição, que o estado cumprisse seu papel social com o indivíduo
assim evitando o crime, investindo mais em uma educação de base forte e uma sociedade
amparada que em políticas de repressão e controle (SILVA, 2017).
Silva (2018, p. 42) sobre o assunto explicita:

A violência decorre da ausência de um espaço civil, um espaço saudável, leve e que


os indivíduos se encontram capazes de organizar-se e participar, sem obstáculos e,
ao fazê-lo, reivindiquem seus direitos e influenciem as estruturas políticas e sociais
em torno deles. Há um aglomerado grupo de pessoas sem vínculo com seu habitat,
25

desamparados devido às desigualdades, inseguranças e demais fatores que


desestabilizam a paz social e acaba ferindo a liberdade de associação, reunião e
expressão que definem o espaço civil

Se nosso papel é cumprir as leis, o papel do governo é também cumprir o que dispõe a
CF, e não se eximir da construção de uma sociedade justa e igualitária que goze dos seus
direitos sociais. A crise no sistema penal pode atuar então como qualificadora do crime e do
criminoso, e a ausência de perspectiva pode sim trazer um cenário onde o indivíduo volte a
delinquir.
Em uma matéria escrita por Silva et Al. (2015), os autores trazem diversos relatos
sobre a dificuldade de superação após a passagem pelo sistema carcerário de diversos
entrevistados, que relatam sentir dificuldade na busca por emprego e qualificação,
dificuldades estas por serem egressos do sistema penitenciário. Em um dos relatos os autores
trazem a história de uma mulher de 54 anos, egressa do sistema prisional que foi demitida
após seu chefe descobrir seu passado como detenta, tendo que para sobreviver entrar pro
mercado de trabalho como trabalhadora informal.
Um segundo depoimento na matéria, de um homem de 64 anos, também egresso do
sistema prisional, traz os aspectos positivos da oportunidade de entrar em contato com
atividades educacionais. O homem que atende pelo nome artístico “Krick Cruz” em seu
tempo no presídio Carandiru, formou uma banda carcerária com colegas do mesmo pavilhão,
e entende que a combinação de educação e cultura a qual pode experienciar naquele momento
de sua vida teve um aspecto positivo na sua ressocialização e na forma como conseguiu
encontrar novas perspectivas após a saída (SILVA et. Al, 2015).
O ex apenado entendendo o aspecto positivo da experiência na sua vida hoje comanda
um espaço cultural para jovens na Vila Missionária, na Zona Sul de SP: o "Espaço Cultural
2C – Fomento à cultura na periferia", e relata: "Há muita dificuldade pelo estigma de ser ex-
presidiário. A pessoa cumpre [a pena], sai e vai procurar emprego de alguma forma, quer
mudar de vida, sair dessa vida. E, pensando nessa dificuldade, a gente começou a pensar em
um plano de ajuda.".
Sobre isto, como conclusão deste bloco cabe citar na íntegra um trecho do trabalho de
Capeller (1985, p.132) acerca da perspectiva ressocializadora:

(...) Como pressupor que o indivíduo que está preso possa ressocializar se e ser
reintegrado ao sistema produtivo se não há a menor possibilidade de que aprenda um
ofício e possa trabalhar no interior do sistema penitenciário? Como pensar em dar
trabalho ao homem encarcerado, (...) se não há trabalho para os indivíduos que não
cumprem pena, se o desemprego é absoluto? Como colocar em funcionamento real a
26

ideia de ressocializar pessoas que estão sobre o controle direto do Estado, se o


binômio que fundamenta o sistema penitenciário ou qualquer instituição correcional
é o binômio disciplina/segurança e não trabalho /educação? Como pretender aplicar
o próprio binômio disciplina/segurança em sistemas superlotados, que recebem a
cada ano um número maior de pessoas excluídas da possibilidade de sustento e
inscritas nas normas dos crimes proprietários?
O capítulo seguinte busca discutir e discorrer sobre o papel da educação, do trabalho e
da cultura na vida do reeducando e na sua reinserção social, evitando posteriores problemas
com a lei e efetiva melhoria de vida. No segundo bloco do capítulo serão discutidos os
conceitos vistos sob a ótica dos relatos de vivência dos voluntários entrevistados, refletindo
sobre os paradoxos da ótica regeneradora e a realidade apresentada.
27

4. A educação e o trabalho na reinserção social


Através do estudo bibliográfico trazido a luz nos tópicos anteriores, fica mais que
evidente que a educação é um direito de todos, incluindo as pessoas privadas de liberdade.
Sobre a demanda que temos quanto a isso como a terceira população carcerária do mundo,
com detentos com baixo grau de escolarização, o Brasil vem aprovando diversas medidas para
tentar garantir aos presos acesso à educação no cárcere, ainda que de forma incipiente, como a
Resolução CNE/CEB n° 2/20 1 O, que estabelece as Diretrizes Nacionais para oferta de
Educação para jovens e adultos em estabelecimentos penais e a assinatura do decreto no
7.626, de 24 de novembro de 20 1 1, que institui o Plano Estratégico de Educação no âmbito
do Sistema Prisional - PEESP.O presente capítulo propõe então, debater o papel da educação
e do trabalho na reinserção social do apenado, e consequentemente na elusão de que haja uma
nova delinquência.
Um comentário inicial que vale ser trazido à tona, longe de intencionar um tom
pessimista, e sim na verdade uma reflexão para mudança, é que existirem leis e propostas não
significa que estas sejam efetivas na realidade do dia a dia. Sales (2014, p.42) cita um trecho
de Teixeira (1962, p.19) onde o autor faz a seguinte fala “o que será da educação, não é a lei
que vai dizer”, ou seja, a mera existência de uma lei, não garante que esta esteja sendo
cumprida a todo seu vigor (se fosse uma garantia não haveria tão grande número de pessoas
em situação de cárcere), e direitos no papel, não são direitos de fato se não estiverem em vigor
na realidade.
Vale trazer o comentário, pois como temos demonstrado pelos dados do INFOPEN, a
quantidade de pessoas em situação de cárcere analfabetas ou que ainda não completaram o
ensino fundamental nos dois segmentos é gritante, o que evidencia a importância das escolas
nas prisões, mas demonstra também que talvez este direito ainda não tenha sido garantido.
Primeiramente, como versa Sales (2014) em seu trabalho, em concordância com a fala
do entrevistado no ANEXO II, um professor do sistema carcerário, a escola na prisão
significa dentro daquele ambiente uma quebra com o padrão de silêncio e quebra da
autonomia que existe na relação do detento com os demais agentes penitenciários. No espaço
da sala de aula os alunos tem a oportunidade de falar, debater, escrever, se expressar, construir
conhecimentos e não apenas ser punido e alijado seu eu.
Onofre (2011), em seu trabalho “o papel da escola na prisão: saberes e experiências de
alunos e professores” traz relatos importantes sobre esta vivência, e discute trazendo novas
28

perspectivas sobre fatores da educação que podem mudar a realidade do apenado enquanto
mesmo este cumpre a pena.
Em trabalho anterior, o mesmo autor já seguindo esta linha de pesquisa, relembra que
a possibilidade de ler e escrever de forma não a apenas decifrar o código do alfabeto romano,
permite autonomia ao reeducando, uma vez que este não se encontrará mais em situação de
dependência direta de outrem para escrever suas cartas, ler seu processo e outros documentos,
como bilhetes, informes ou simplesmente regras. Isto significa não apenas autonomia, mas
também liberdade e privacidade.
Onofre (2011) também chama a atenção para o aspecto humanizador que a educação
tem na vida do apenado, quebrando um pouco o padrão diário de desumanidade. Quando
subjugado a uma estrutura autoritária, de rotina rígida, com o controle exercido sobre todos e
os mais mínimos aspectos do dia a dia, o autor entende que vai haver em diferentes graus
assimilação da cultura carcerária. Este viver lentamente pode atuar de forma pungente para a
deterioração da identidade da pessoa, e a desadaptação da vida livre, que é obviamente o
oposto do que se deseja.
Um adendo aqui que faz a literatura e cabe a fala, é que como salienta Onofre (2011),
a escola neste ambiente institucionalizado não está livre da “imagem forjada de
comportamentos” que estes indivíduos precisam adotar para sobreviver no meio repressivo
em que se encontram, e que a frequência as atividades escolares pode ser justificada sim do
mero desejo de aprender, mas também da possível busca de benefícios, como um parecer
positivo em exames criminológicos, a possível alteração de seu tempo de estada na prisão, ou
a possível passagem para um regime semi aberto, o mesmo valendo para a situação do
trabalho. Vale a consideração: o movimento para saída de um estado de letargia, em prol de
mudanças positivas, mesmo que a remição e a conquista de alguma liberdade de movimento
já não é alguma busca por uma mudança?
Certamente, como relembra Julião (2009), o trabalho e a educação são duas categorias
que fazem parte da ressocialização e da reinserção social, e que podem e devem estar
articulados, entendendo que as medidas socioeducativas devem capacitar os trabalhadores
para o atual mercado. Contudo, é importante entender, se este trabalho está ligado apenas ao
desgaste físico, ou se há o estímulo também do aspecto intelectual.
Outro fator de questionamento acerca do trabalho no cárcere são as condições de fato
deste trabalho. Obviamente existem disposições legais e éticas sobre a remuneração 1,
1
Existe debate sobre a adequação da remuneração dos presos no Brasil, pois seu trabalho não está sujeito ao
regime CLT, prevendo a legislação específica que a remuneração não pode ser inferior a três quartos do salário
29

condições e o número de horas se pode trabalhar, como é comum a todos os trabalhadores, em


situação de cárcere ou não.
Há que se levar em conta no entanto, que embora a atividade laboral do preso seja
caracterizada por monotonia e ausência de especialidade, por muitas vezes colocado os
detentos trabalhadores em regimes com disposições inferiores ao que prevê a CLT, qualquer
atividade laboral pressupõe remissão de pena, conforme a Lei de Execução Penal (LEP),
descontando da pena 1 dia a cada três trabalhados, que leva muitos a optarem pelo trabalho, as
vezes inclusive em detrimento da escola (ONOFRE, 2011).
Julião (2009) apela então para o fato que embora existam diversas situações sim que
levam ou tiram o reeducando da sala de aula, é um fato que há um entendimento da
comunidade carcerária da escola como uma alternativa de ocupar a mente com “coisas boas”,
e resistir através da própria reintegração social.
Nas entrevistas e relatos recolhidos Onofre (2011), que transformou este trabalho de
coleta de dados em um artigo para reflexão, os apenados que tiveram a oportunidade de
frequentar a escola em suas estadas no presídio relataram diversas sensações trazidas pela
experiência na sala de aula, a citar:
 Sensação de liberdade dentro do ambiente confinado, por poderem falar e se expressar
mais livremente, e conversar com colegas de todos os pavilhões e professores nos quais
sentem algum nível de confiança;
 Sentir que estão em um local seguro, como relata o entrevistado no trabalho de Onofre
(2011.p.280) “Na escola me sinto mais livre, até mais que no raio tomando sol... Na
escola você está num lugar bom. Lá você está livre, se acontecer alguma coisa.”;
 Se sentirem atualizados com o mundo externo, já que na escola podem discutir e falar
sobre acontecimentos exteriores ao presídio, entendendo as mudanças que estão ocorrendo
no mundo guiados pelas mãos de um professor, que os ajuda a resistir ao processo de perda
ao qual a prisão submete;
 Se sentirem mais aptos a demonstrar conquistas de valor a sociedade e ao próprio tribunal,
demonstrando que tiveram interesse no crescimento pessoal e estão abertos a novas
oportunidades futuras;
 Se sentirem aptos a acompanharem os próprios processos criminais;
 A criação de expectativas de futuro e condições de vida melhores quando em liberdade;
 Favorecimento do companheirismo entre os colegas em um ambiente menos intimidador;
mínimo (no entanto pode não chegar de fato a um salário no total), além de não garantir seguro no aso de
acidentes de trabalho
30

Fica claro então, destro destas assertivas baseadas em estudo bibliográfico e


depoimentos, que a escola dentro do presídio possui características e espaços que lhe são
peculiares (JULIÃO, 2009), sendo o papel dela talvez até mais amplo, por que além de
permitir ascensão social e pensamento crítico através do estudo, permite toda uma
transformação na dura realidade vivida no dia a dia no próprio ambiente muitas vezes
coercivo que é o ambiente prisional.
Este educar também reflete na situação do trabalho no presídio, entendendo que maior
nível de educação pode influencias nas posições a serem galgadas. A realização de ambas as
atividades, como saldo final então são consideradas positivas, operando mudanças diretas e
imediatas não só na ressocialização, mas no dia a dia do interno.
No próximo tópico deste capítulo, serão analisadas as falas dos entrevistados sobre a
visão deles sobre a educação no sistema prisional, fazendo um paralelo com o aporte teórico,
entendendo o relato de experiência como uma adição a bibliografia, trazendo a realidade,
mesmo que de um grupo amostral pequeno.

4.1. O papel da educação na visão de um professor e um aluno do sistema prisional


brasileiro: o estudo através de relatos de experiência
31

5. Considerações Finais

5.1. Os dois lados de uma moeda: o relato do aluno, o relato do professor e as suas
complementaridades
32

6. Referências Bibliográficas

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33

Nacional de Juventude – SINAJUVE. Disponível em:


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ANEXO I – Entrevista 1: As visões de um ex – Reeducando sobre educação

Entrevista realizada no dia 16 de outubro de 2021 transcrita na íntegra, com o ex


reeducando José R., sobre suas visões sobre a educação
Dados do entrevistado:
 Idade: 49 anos
 Estado Civil: Casado
 Naturalidade: Rio de Janeiro
Objetivos desta entrevista:
Conhecer a história de vida e coletar informações sobre a sua vivência com a educação
na sua infância e vida adulta, além de conhecer os motivos de sua interdição e os efeitos desta
em sua vida após o cumprimento da pena.

Igor: Tem filhos?


José: Sim, tenho quatro filhos. Dois registrados (de sangue) e dois de coração
Igor: Frequentaram ou frequentam a escola?
José: Sim
Igor: Sua esposa frequentou a escola?
José: Sim, até a sétima série.
Igor: E o Sr.? Frequentou a escola?
José: Sim
Igor: Como foi a experiência?
José: Eu achei legal, achei de boa. Você diz a minha escola na infância né?
Igor: Sim, sim. O que você lembra?
José: Da época da escola?
Igor: Isso
José: Tudo bem (risos). O que, por exemplo?
Igor: Alguma situação que te marcou, algo que você gostava.
José: Eu gostava, pois tinha uma professora, a D.a Antônia Estelinda. Ela do meu primeiro
ano
ao terceiro ano, ia me buscar na entrada da comunidade, ela também comprava meus
materiais
tá, eu me lembro disso bem. Tem várias coisas... Eu brigava muito no colégio.
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Igor: Você se considerava muito brigão?


José: Sim, eu me considerava muito brigão. Mas com aluno, nunca contra professores ou
qualquer outro educador. Eu sempre fui muito querido pelos educadores.
Igor: E o ensino fundamental, você chegou a concluir?
José: É, na verdade não. Depois eu larguei a escola na quarta série, fui parar na FUNABEM,

voltei e fiz a quarta e quinta série, aí parei de novo e depois fiz o ENCCEJA.
Eu tinha duas opções, terminar o ensino fundamental ou o ensino médio. Aí falei: “vou fazer
logo pro ensino médio” aí fiz.
Igor: Mas você consegue lembrar por qual motivo o Sr. interrompeu os estudos?
José: Ah lembro.
Igor: Pode compartilhar?
José: Eu só queria fumar, cheira e roubar. E não tinha mais tempo para estudar, só para fazer
outras coisas.
Igor: Durante a sua infância você teve alguém que te incentivava e estudar?
José: Na minha infância?
Igor: Isso
José: Bom, na verdade quem me matriculou na escola não foi nem minha mãe. Foi uma
vizinha
nossa que eu fui criado na casa dela, A D.a Maria. E questão assim de incentivo pra estudar só
dessa professora que eu te falei aí. Minha mãe, não tinha nem como me incentivar, minha mãe
trabalhava pra sustentar quatro filhos. Minha mãe não tinha tempo disso, minha mãe também
não frequentou muito a escola.
Igor: Por quanto tempo você ficou encarcerado?
José: Da última vez, foram cinco anos.
Igor: Você ficou mais de uma né?
José: Sim. Só que algumas foram dias, outras foram meses, outra foi anos. E essa foi anos,
entendeu.
Igor: Você poderia compartilhar como era o seu dia a dia lá?
José: No cárcere?
Igor: É
José: Depende. Delegacia a gente passava mais o tempo sentado né. Em um cubículo pra
dez pessoas tinham vinte, vinte e cinco, trinta pessoas. É... Cada um tinha horário pra limpar a
37

cela, todo mundo tem que ser bem asseado, não pode ser sujo. Mesmo por que os
companheiros não deixam, não pode, isso em delegacia. Agora em presídio é mais amplo, no
presídio você pode dormir o dia todo se quiser, e passar a noite acordado. Eu preferia na parte
da manhã, como é o presídio a porta era aberta. Eu preferia fazer um esporte, a de tarde eu
estudava na escola que tinha dentro do presídio e de noite eu ficava lendo a bíblia.
Igor: A próxima pergunta ia ser até sobre isso, se tinha algum projeto de educação lá no
presídio.
José: Tinha, por que... Assim, nós tínhamos uma ONG, um grupo de pessoas, não sei eram
católicos ou evangélicos, não lembro. Mas tinha essa parte da educação e a gente fazia... Nós
íamos para uma sala de aula com séries mistas né. E a gente recapitulava algumas coisas que
tínhamos aprendido. Isso tomava um pouco do nosso tempo né, passava o tempo melhor. A
gente fazia isso de 14h às 16h, era legal.
Igor: Mas você ia para essas aulas por que gostava ou por algum interesse?
José: Não, gostar eu gostava, por que eu encontrava com pessoas diferentes e a cada 3 dias
que você ia fazer isso (estudar) você ganhava um dia. Então também já era uma coisa que eu
gostava, mas tinha essa condição então eu fiquei indo.
Igor: Entendi. Você ficou mais ou menos quanto tempo lá? Desde quando entrou?
José: É os cinco anos.
Igor: E essa experiência você gostava né?
José: É. Por isso quando no ENCCEJA eu via as matérias, linguagens, códigos e suas
tecnologias, vi ciências da natureza, ciências humana, matemática. Eu a falei “pow eu me
lembro disso aqui (risos)”.
Igor: Bom, você disse que era uma ONG, mas tinha alguns dias específicos? Horário? Como
funcionava essa questão?
José: Tinha dias e horários, não era todo dia. Vamos dizer que era umas ou duas vezes na
semana. Aí recapitulava algumas coisas, aprendia outras. Eu lembro muito vago, eu lembro
que falamos de planalto, planície. Nunca gostei muito de física (risos), não compreendo muito
dessas fórmulas aí, essas matemáticas lógicas. Mas gostava muito de história, geografia,
gostava muito disso, me chamava atenção. Nós falávamos de imigração dos italianos, dos
japoneses no Brasil, falávamos do café, das indústrias, dos países industrializados, da segunda
guerra. Essas coisas eu acho maneiro.
Igor: Além dessas matérias pré estabelecidas, vocês tinham algum debate de algumas coisas
que aconteciam no mundo, naquele momento?
38

José: Não
Igor: Não? Apenas a matéria né!
José: É, era... Nós estávamos em lugar onde tinha quase mil presos, e nem dez pessoas iam.
Igor: Então essa questão de debater de coisas que acontecia, não rolava né?
José: Não, não.
Igor: Qual a visão que você tinha dos educadores lá dentro?
José: Pow, os caras queriam ajudar né, de alguma forma. É... Queria te ver se tinha alguém
preparado para fazer um ENEM, perguntavam se tinha alguém estudado, se dava pra trazer
histórico, essas coisas assim. Os caras eram legais, mais aí depois paravam um pouco, as
coisas
eram meio complicadas. Pra você ver, até pra fazer uma biblioteca na cadeia é difícil, a pessoa
fala, fala, fala, mas pra fazer é difícil. Eu lembro que fizeram uma biblioteca no Bangu 3,
quem
fez a biblioteca lá foi meu pai. Montou a biblioteca, teve uma reportagem e tudo da
bandeirante, às vezes tem pessoa lá que quer. Tem vezes que tem pessoas lá que nem
cometeu crime sabia? Lógico, tem muita gente lá culpada, mas tem muita gente que tá
pagando um crime que não cometeu. E tem pessoas muito bem instruídas lá, escreve bem, lê
bem é inteligente nas palavras. Tem pessoas muito inteligentes lá, não tem só pessoas
ignorantes na cadeia não, na cadeia você conhece todo tipo de pessoa.
Igor: E como era essa relação do detento com o educador?
José: Era sempre com muito respeito. Era sim senhor, não senhor, tinha uma regra de uma
distância, era muito rigoroso. Não era nem pela questão policial, a questão era entre presos. É
uma regra! Uma distância entre o visitante e o detento. Tive um professor, que deu aula por
um período no presídio. Ele contava que no começo, tinha um muito de medo. Não pelo fato
de receber algum ataque dos presidiários, até por que ele se sentia muito respeitado a todo o
momento. Mas sentia medo por situações externas. Por exemplo, teve uma vez que ele estava
dando aula e um telefone tocou, no primeiro momento ele pensou que era o dele, mas não era,
pois ele tinha deixado o celular na revista. Aí ele percebeu que era de um detento, então ele
tinha medo dessas situações. De alguém ver e achar que ele estava ajudando, ou caso essa
história chegasse aos ouvidos dos policiais, os detentos acharem que foi ele quem falou.
Igor: Quando você saiu e decidiu voltar a estudar, foi por conta própria ou teve incentivo de
alguém?
José: Na verdade... Eu não preciso nem contar a minha história de vida, por que você já
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conhece. Mas quando saí e quando comecei a refletir, vi que o caminho que eu estava
tomando era um caminho de duas vias. Eu ir pra cadeia e sair de lá velho, passar meu tempo
todo de homem maduro ou ia morrer. Eu tinha minha filha Eduarda, minha filha Edilene já
estava pra nascer. Ainda estava meio drogado, mas uma coisa diferente aconteceu comigo.
Inclusive no Maracanã, uma vez escutei uma voz no Maracanã, em 2007 isso. Estava vendo o
jogo fluminense x cruzeiro, fluminense x vasco, não me lembro agora. Foi em um dia de
domingo, tinha usado cocaína de terça a sábado, o jogo foi no domingo, eu tinha dormido
muito pouco e me chamaram pra ir ao Maracanã. E lá eu escutei uma voz falar comigo “Ou tu
deixa das suas práticas ou vou permitir que você desça a sepultura”, aquilo ficou, eu sabia que
tinha sido algo diferente, mas não sabia o que era ainda. Aí perguntei aos dois amigos que
estavam comigo, se eles tinham falado alguma coisa e eles disseram quem não. Então falei pra
eles “olha, não vou mais roubar, não vou mais fumar, não vou mais traficar, não vou fazer
nada de errado não. Vou mudar minha vida”. Eles riram pra caramba da minha cara, mas eu
sentia que tinha algo diferente em mim. Aquele dia foi um dia especial na minha vida, foi o
dia que tive a consciência que eu precisava mudar. Por que cara, eu acho que o ser humano é
privilegiado por isso. Por que o ser humano pode mudar, ele pode mudar seus atos, suas
atitudes, seu jeito de falar, seu jeito de pensar. O ser humano é um ser racional, e quando o ser
humano analisa e ver que o caminho que tá tomando não é o certo, não está correto como tem
que ser diante de uma sociedade, diante da sua família, eu acho que ele tem todo o direito de
mudar. E eu decidi mudar, eu aceitei Jesus, a gente tem que mudar. Não adianta você “mudar”
fazendo as mesmas coisas, falando as mesmas coisas, tendo as mesmas atitudes. Isso não é
mudança, e quando eu resolvi mudar, percebi que precisava melhorar como pai, como marido,
como filho, como irmão, tinha que melhorar como pessoa. Então falei “como fazer essa
mudança?” Ah, então se eu fumava, não fumo mais, se eu bebia eu não bebo mais, se eu
traficava eu não trafico mais. Eu decidi mudar totalmente. Então a primeira coisa que fiz foi
procurar um emprego. Porém não tinha experiência de trabalho, mas mesmo assim corri atrás.
Eu trabalhei primeiro informalmente. Você deve lembrar quando eu carregava as compras no
mercado.
Igor: Sim, sim. Eu lembro.
José: Depois fui trabalhar nas kombi, mas aí eu pensei que precisava melhorar. Então fui atrás
de tirar uma carteira “D” de motorista, fui trabalhar com caminhão e falei “vou melhorar, vou
trabalhar com ambulância”, mas trabalhar com ambulância, preciso fazer um curso de veículo
de emergência, curso de resgate, de APH. Então isso vai somando pra pessoa melhorar. A
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partir do momento que você aprende, conhece novas pessoas, você tem novas ideias. Então
por que não voltar a estudar, mas pensei em como eu ia estudar se tinha que trabalhar, tinha
que sustentar uma família e qual tempo ia ter pra isso. Então fui procurar, aí vi a oportunidade
do ENCCEJA, por que com o ensino médio eu teria portas abertas. Até as empresas de
ambulância pedem ensino médio, você sabia? Tem que de APH (Atendimento Pré
Hospitalar),
tem que ter curso veículo pré emergência. Então procurei melhorar, para poder atingir meus
objetivos. Aí fiz o ENCCEJA, fiz em 2017, passei até com uma boa nota. Mas pra isso eu
fiquei
igual um doido aqui em casa, “comia” apostila deste tamanho (indicando que era uma apostila
grande). Estudando dia e noite, levava pro trabalho. Não pedia ninguém pra fazer nada não,
era eu lendo, eu e Deus na frente. Então consegui passar. Logo depois pensei “poxa, se
consegui passar, por que não posso fazer uma faculdade? Se eu tenho facilidade em
aprender”. Ai como sou atraído por turismo, precisaria de uma segunda língua, então estou
terminando o espanhol. Cada vez que você procura aprender, sua mente abre mais. Então é
por isso que acho importante as pessoas estudarem. Por isso falo para minhas filhas
estudarem, por que estudar importa, por que o estudo abre portas. Se quer uma vida melhor,
então estuda, tenha uma boa profissão, pois é assim que a gente consegue crescer. Eu sempre
gosto de aprender, aprender é muito bom. Quando você aprende, começa a enxergar os erros.
Se eu não tivesse largado meus estudos, como larguei lá em 1983, hoje eu já estaria formado e
aposentado. Se eu me atento pelos cursos que já fiz, quando jovem, hoje eu estaria
aposentado. Mas não quis isso, mas por que o ser humano é produto das suas próprias
escolhas. Um dia eu escolhi mal pra mim, agora estou escolhendo melhor. Tem pessoas que
não conseguem perceber essas coisas. Mas aí quando falam “ah, mas por que você ficou
viciado em drogas? Por que virou assaltante? Por que virou traficante? Por que era pobre era
isso?” Vivia em um barraco na ribanceira do morro, com quatro irmãos, em um barraco de
quatro cômodos com quatro/cinco pessoas. Isso não é desculpa pra ninguém, isso não pode
ser desculpa. Hoje eu aprendi que não pode ser o lugar que moramos que vai determinar quem
eu sou, hoje aprendi que não é o salário que recebo que vai determinar
onde vou chegar e o que vou fazer. Meus sonhos, meus projetos não podem estar definidos
pelo local geográfico de onde eu moro, nem pela situação financeira que eu tenho. Agora eu
consigo enxergar isso, antes não conseguia. Eu pensava “sou moleque aqui do morro mesmo,
tenho meu barraquinho. Vou entrar pra boca e ganhar dinheiro”. Quando a vida é mais que
41

isso, aí às vezes eu olho esses garotos de hoje em dia e penso “caramba, eu vivia no mesmo
erro”. Mas tinha uma diferença, eu não tinha ninguém pra dizer que aquilo era errado, nunca
tive. Hoje eles têm, hoje minhas filhas tem. Essa é a grande diferença, hoje os pais estão mais
preparados pra cuidar dos filhos. Não tô falando de questão cultural, não tô falando de grau de
escolaridade. Por que todas as pessoas, mesmo que simples, hoje tem muita informação de
como criar filhos. Se você tem um filho, se você quer criar bem seu filho, você faz um curso
de psicologia da família, isso agrega, você tem a bíblia sagrada que te ensina a cuidar do filho.
Estou falando disso independente de religião, então os pais de hoje têm mais informação que
os pais de 30/40 anos atrás. Hoje o jovem... Porque as crianças de hoje nascem com olhos
aberto? Antes as crianças
nasciam, ficavam com os olhos fechados, demoravam sete dias pra abrir os olhos. Aí o pai
pensa “eu era esperto quando criança”, mas os filhos são muito mais espertos que ele, por
causa da informação. Você pega um negócio desse (celular) e dá pra uma criança de 1 ano e 8
meses, ela liga e vai direto pro youtube. Coisa impensável na minha época. Pegar um celular?
Não sabia nem ligar um rádio quem dirá um celular. Então a informação hoje tá muito legal,
mas quando você consegue perceber isso? Quando você decide mudar a sua vida. A época do
presídio, do vício ficou no passado. Eu tenho que viver a partir do momento que eu decidi
mudar pra sempre e buscar o melhor e aprender com os erros. Não que eu não vá errar agora,
lógico que vou. Mas eu tenho que aprender com meus erros. Bom seria se eu aprendesse com
os erros dos outros, mas de vez em quando temos que aprender com a própria carne. E a vida
é assim, acho que a gente sempre tem que buscar aprender alguma coisa, não podemos ficar
estacionado.
Igor: Em qual lugar você acredita que mais aprendeu?
José: Cara, questão... É complicado falar. Tenho uma concepção de vida agora pautada no
cristianismo, no braço evangélico. E eu sei, tenho certeza que a bíblia fala de tudo, te ensina
muita coisa. Mas eu vou dizer uma coisa pra você, eu aprendi muito ainda antes de aceitar
Jesus. Antes de aceitar Jesus, eu aprendi uma parte, agora eu estou aprendendo outra parte.
Não que todas as pessoas que conheci fossem mais. Não é isso, eu aprendi coisas boas até
quando fiz coisas erradas. Mas hoje com a consciência melhor, com um entendimento melhor,
uma percepção melhor das coisas da vida, pessoas, locais. Eu digo que agora eu aprendo mais,
por que agora, além de estar aprendendo como lidar com as pessoas, também estou
aprendendo a não ferir as pessoas, não magoar tantas pessoas. Quando antes eu não ligava
muito pra isso, hoje tenho mais preocupação de não decepcionar tantas pessoas. Não por que
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quero me achem bonzinho, não é isso, é por que isso me faz bem. Isso me faz bem, isso me dá
forças pra continuar fazendo isso, as pessoas agora podendo me olhar e poder dizer “Pow
cara, o José é um bom pai, José é um bom esposo. Eu sei José não era assim, mas hoje ele tá
melhor que aquele cara no passado”. Então quando a gente faz uma pergunta de qual tempo
que você aprendeu mais, o tempo que aprendei mais vai ser sempre o agora, vai ser o amanhã.
Por que cada dia a gente aprende e a gente nunca vai cessar disso. O aprendizado é pra vida
toda e cada fase da nossa vida a gente aprende coisas novas, e acaba que ficamos melhores. A
bíblia “o sábio que aceita conselho se faz mais sábio, mas o sábio que não aceita conselho ele
é comparado ao um tolo”, então aquele que aprende e procura saber um pouco mais, esse cara
é bom, é um cara que vai ter uma posição boa, uma fala boa, um pensamento bom, uma
atitude boa. Sabe, uma dinâmica boa dentro da situação.
Igor: O que a educação significa pra você?
José: Pow cara, vou dizer pra você. A educação é mais que oitenta por cento, vou falar pra
você, uma pessoa ignorante é terrível, é terrível. Você olhar e vê que a pessoa não é uma
pessoa má, mas é uma pessoa ignorante. Você que a pessoa não teve a condição de
aprendizado, você ver que o modo de se expressar da pessoa é um modo rude. Então a
educação trás muito benefício a sociedade, a educação faz com que a pessoa seja mais
amável, não só nas suas atitudes, mas no jeito de falar e de empregar as palavras. Por que
quando você vê uma pessoa ignorante, a pessoa ignorante é diferente da pessoa burra. Uma
pessoa ignorante é aquela pessoa que não aprendeu mesmo, agora pior é quando é aquela
pessoa que conhece e mesmo assim não assimila aquilo, não pratica aquilo, essa é uma pessoa
burra. Sabe o que é certo, sabe o que é correto, mas não faz. Então a educação pra mim é mais
de oitenta por cento da uma pessoa, a educação molda a pessoa. Se ela for educada de uma
forma certa, além de tratar as pessoas bem, ela vai somar. É que nem eu falo, nós seres
humanos queremos saber sempre quais são nossos direitos, nós somos craques nisso. Que
tinha que ser assim, tinha que ser assado, tinha que fazer aquilo, tinha que fazer aquilo outro,
mas quando chega aos deveres do ser humano uma pessoa bem instruída vai assimilar melhor
isso. Por que se eu não faço meus deveres, não posso cobrar os meus direitos. Se eu te trato
bem o mínimo que eu espero de você é que me trate bem, mesmo que você não goste de mim.
Se eu te tratei com educação o mínio que você tem que fazer é me
tratar a mesma maneira. Então às vezes os seres humanos tem dificuldade disso, agora tem
gente que tem essa dificuldade por que é ignorantes, mas como eu disse, tem outros que são
burros mesmo. Então a educação é essencial.
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Igor: Você chegou até comentar, mas eu vou ter perguntar. Você acredita que se você tivesse
estudado no tempo “certo”, poderia ter ajudado a fazer as coisas diferentes?
Jose: Eu creio sim. Cara, quando eu converso com as minhas filhas, sempre falo com elas. Se
eu tivesse estudado desde 1979, quando eu entrei na sala de aula, se eu venho estudando de lá,
me formo. Hoje a nossa vida estava diferente, nem estou reclamando da minha vida, eu acho
até que eu vivo com muito conforto dentro das minhas limitações. Eu vivo com muito
conforto
graças a Deus. Aqui em casa não falta comida, tenho minha casa, é dentro da comunidade,
mas é minha casa, tenho meu carro, tenho meu trabalho, tenho meus filhos minha esposa,
meus filhos me respeitam. Então eu vivo uma vida boa dentro das minhas condições, mas se
eu venho estudando desde quando eu fui matriculado, eu creio que eu poderia estar muito
melhor, pois eu tive muita oportunidade quando jovem. Eu servi o exército, eu ia fazer prova
pra cabo, hoje eu poderia ser um segundo sargento já me aposentando, por que já faz trinta
anos que servi o quartel. Hoje estaria com uma vida estabilizada, hoje estaria curtindo minha
vida ao invés de tá trabalhando só, ou curtindo e trabalhando. Então com certeza as coisas
seriam diferentes, não tenha dúvida disso. Mesmo eu sem estar reclamando da minha vida
hoje, sou muito feliz com minha esposa, minhas filhas, meu trabalho. Eu trabalho no que
gosto, mas com certeza seria diferente, com certeza.
Igor: Você acha que a vida foi justa com você?
José: O que é a vida justa? Eu não posso dizer que não tive oportunidade, eu não posso dizer
isso, eu não posso falar que eu fui daquele jeito por causa da sociedade, eu não posso falar
isso. Por que, minha mãe não me matriculou na escola, mas teve uma senhora que matriculou
quando eu tinha sete anos de idade. Eu parei de estudar, fui pra FUNABEM, fiz vime (trançar
cadeirinha de palha), fiz artes cênicas, eu pintura a pistola. Nunca quis isso, fiz, mas nunca
exerci isso, a vida me deu oportunidades, colocou pessoas no meu caminho, mas eu não
aproveitei. Trabalhei na secretária da fazenda, secretária de educação e cultura, me
mandaram fazer um curso no SENAIS, fiz de carpintaria, me mandaram pra empresa pra
trabalhar eu quis? Não! A vida me deu oportunidade, fui pro exército, era um dos três
melhores soldado do quartel, no meu segundo ano eu ia fazer prova pra cabo aí me tiraram e
colocaram o “peixe” do outro coronel, aí o outro coronel me disse que pra ficar que no ano
seguinte eu faria, eu quis? Não! A vida me deu oportunidade cara, na minha vida inteira eu
que não quis aproveitar. Como eu posso dizer que a vida foi injusta pra mim, se eu não quis.
Agora se eu aproveito e tal, aí acontece uma coisa ao contrário eu poderia dizer. Mas eu não
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posso dizer pra ninguém que Deus não me deu oportunidade, que a sociedade não me deu
oportunidade, que eu fui um pobre coitado da comunidade, não posso falar isso. Quando eu
falo no meu testemunho, eu falo que tive oportunidade, mas que nunca aproveitei. As
oportunidades que nós temos, são únicas, às vezes vêm uma, duas, três, quatro, cinco
oportunidades, mas cada uma delas é única e elas têm uma velocidade, elas passam muito
rápidas. Se nós não aproveitarmos, ela passa e passou. Só outra agora, igual àquela, não volta
mais. Ela tem uma dinâmica, a vida é rápida, na vida você pega agora por que quando você
pegar depois já não é a mesma coisa que pegasse lá na frente. Perdeu essa oportunidade da
frente, pega essa de trás. Não estou dizendo que é tarde, pois nunca é tarde pra nada. Mas
quando mais rápido nós pegamos o timing das oportunidades, melhor. Quando eu dou palestra
pra jovens eu falo “Olha, Deus vai apresentar pra vocês oportunidades. Vocês têm que ter esse
discernimento de aproveitar essas oportunidades. Por que quando passa aquela oportunidade
não volta mais” e eu não aprendi isso vendo os outros, eu passei, porém não aproveitei. Eu fui
aproveitar uma oportunidade de Deus com trinta e cinco anos, aí eu resolvi mudar minha vida,
com trina e cinco anos. É tarde? Não, nunca é tarde pra mudar pra melhor, mas eu poderia ter
feito isso antes. Então eu não posso culpar a vida, não posso culpar o destino, não posso
culpar a sociedade, não posso culpa meu pai e minha mãe. Não me vejo em condições disso.
Igor: Pra finalizar, uma última pergunta. O que você deseja alcançar e quais são seus sonhos?
José: Eu tenho vários sonhos, tenho muitos sonhos. Não sei se vou chegar em todos, mas em
algum lugar eu vou chegar. Vou te contar primeiro dos meus projetos pessoais, quero terminar
meu espanhol, quero fazer uma faculdade de turismo. Pós isso, quero depois parar de
trabalhar com ambulância e trabalhar com turismo, mas paralelamente a isso quero ver
minhas filhas formadas, é um sonho meu. Eu tinha um sonho, ainda tenho que é de colocar
minhas filhas pra estudar em colégio particular, mas não pude. Agora quero colocar pra fazer
inglês. Coloquei a Eduarda, ela não quis. Vou colocar a Edilene, em janeiro se Deus quiser a
Edilene tá no inglês, quero ver elas formadas, quero ser um pastor de Jesus, quero ser um
pastor da igreja de Cristo. Quero ganhar alma pra Cristo, quero ver meus filhos melhores,
quero me mudar daqui. Eu tenho planos, quero comprar mais dois barraquinhos e colocar pra
alugar com essa aqui mais o de baixo. Meter o pé, projetos, planos eu não sei se vai acontecer
tudo na íntegra. Mas vai acontecer alguma coisa, eu não vou ficar da mesma maneira que
estou. Por que os sonhos... nem todos os sonhos vão ser concluídos na íntegra, mas em algum
lugar a gente vai chegar. Que não vai ser esse lugar que estamos agora, então por isso é
importante sonhar, sonhar é tudo. Pessoas que não tem sonho não tem projetos, não tem
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desejo de viver, tem que te sonhos, tem que ter objetivos, tem que ter planos. O ser humano é
movido por sonhos, planos e objetivos. Por que as pessoas entram em depressão? Por que
deixam de sonhar, deixam de acreditar, deixam de produzir um pensamento de mudança e
crescimento. As pessoas não querem mais projetar, então elas se trancam na sua casa, no seu
quarto. Não querem falar mais com ninguém, não querem comer, não querem beber, não
querem sair do quarto, por que perderam os sonhos, perderam os projetos, perderam o sentido
da vida. Se eu parar de sonha vou ficar parado aqui olhando pra televisão, nem vou olhar pra
televisão, por que a televisão é um vendedor de sonhos, vou desligar a tv. O ser humano tem
que sonhar, tem que projetar, pra viver, o ser humano vive através de propósito e o ser
humano sempre pode melhorar, esse é o timing. É buscar a melhora todos os dias, é o que eu
falo, a bíblia fala tudo. Nós estamos e um versículo que tá em Ósseas 6, 3. Só a primeira parte
diz “conhecemos e prossigamos em conhecer ao Senhor”, que é isso? É uma busca do
conhecimento sem cessar, um conhecimento contínuo. Conhecer Jesus é como a vida, é você
ter sonhos, ter projetos, ter objetivos, buscar a cada dia melhora como ser humano, como pai,
como amigo, como pessoa. É o tempo todo você buscar uma mudança, a vida é assim, a vida
é rápida, a vida é ligeira e a cada dia a vida parece que está mais vida. Você olha aqui,
quantos amigos seus já faleceram? Amigos que cresceram com você, nasceram na mesma
geração que você e que hoje já não estão aqui. Essa é a vida rápida, mas cada uma trilha a sua
vida e sua história. Mas cada um de nós podemos mudar a nossa história, isso que é
interessante do ser humano. Se você pegar um macaco, um peixe, eles têm a vida pé
determinada. O peixe nasceu pra nadar e vai respirar só ali, é ali que o peixe via ficar. Eu não,
eu posso ir ali onde o peixe está e posso estar aqui.
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ANEXO II – Entrevista 2: A visão de um professor atuante no sistema carcerário sobre


a educação

Entrevista realizada no dia 16 de outubro de 2021 transcrita na íntegra, com o professor


B. , sobre suas visões sobre a educação
Dados do entrevistado:
 Idade: 32 anos
 Formação: Geógrafo
Objetivos desta entrevista:
Conhecer um pouco sobre o dia a dia de um professor que exerce suas atividades de
ensino em escola de presídio, e suas visões sobre a escola neste contexto, seus desafios,
benefícios e perspectivas

Igor: Boa tarde professor, primeiramente, você pode falar um pouco da sua experiência na
área de ensino:
B.: Sou professor de Geografia na rede pública estadual e municipal de ensino, e já atuo a
mais de 15 anos na área da educação.
Igor: Na educação em presídios, a quantos anos o senhor atua como professor?
B.: Atuo atualmente já a 5 anos no sistema prisional.
Igor: Como chegou a este cargo e como é o seu cotidiano como professor no sistema
prisional?

Deste ponto em diante da conversa o professor ficou livre pra falar da sua experiência,
como chegou ao cargo, como é o seu cotidiano como professor no sistema prisional, e sua
visão da importância e dificuldades deste processo

B.: Primeiramente este é um tema muito denso, muito complexo, e é do interesse de todos
enquanto sociedade, a educação e ressocialização do preso. Eu como professor faço parte de
um processo de ressocialização, de construção de um conhecimento crítico nas escolas de
presídio, mas o processo em si é do interesse de todos.
O nosso trabalho lá infelizmente é baseado na experiência aqui de fora. O ingresso até têm um
concurso específico para DIESP (Diretoria Especial de Unidades Escolares Prisionais e
Socioeducativas), onde eu sou lotado, mas também tem possibilidade de ingresso por
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transferência interna entre coordenadorias. Têm o concurso específico, mas nós não temos
uma formação específica para o trabalho em unidades prisionais, o que eu considero um
obstáculo para nossa atividade docente lá. As formações ainda são muito superficiais, muito
escassas, e o acolhimento se da muito por conta dos colegas e equipe da escola, mas não há
uma formação sólida pra trabalho nestes ambientes, que é muito necessário.
Embora nossa visão sobre os alunos seja a mesma dos que estão aqui fora, o objetivo, o
trabalho e a linguagem são bastante específicos. Eu por exemplo, apesar de só trabalhar a 5
anos no sistema prisional, comparando com colegas que estão lá a muito mais tempo que eu,
tenho uma carga horária extensa, devido a carga lá sendo reduzida, eu acabei trabalhando em
muitas escolas pra poder suprir e em várias unidades, e tive neste ponto de vista uma
experiência benéfica, embora nossa luta seja se manter em uma escola só, mas no meu caso,
isto abriu muitos horizontes, e me trouxe a fazer muitas pesquisas e especializações.
A minha formação quando entrei no sistema não existiu, nós contamos com a ajuda uns dos
outros, dos nossos próprios colegas. Aqui no estado (referindo se ao estado da região sudeste
em que leciona), nós sabemos que existem grupos, facções, e estes grupos tem
particularidades. Uma unidade que acolhe determinado grupo, vai diferir bastante de outro
grupo, e nós aprendemos a lidar com essa diversidade no dia a dia, mudando assuntos,
palavras e comportamentos de um grupo para o outro, a gente vai se adequando, não tem uma
formação que nos prepare pra isso, nós nos preparamos entre nós mesmos sem suporte do
estado. A educação no sistema prisional na minha visão exigiria mais formação, pra exercer
um trabalho de qualidade.

B. Um outro tópico que eu gostaria de destacar, e acho que a sociedade deveria estar mais
antenada neste assunto, é sobre a visão que o professor tem sobre seu aluno. O professor
enxerga um aluno como um aluno,

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