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Basílio Patrício

Resumo

Curso de licenciatura em ensino Básico

Universidade Rovuma

Extensão de Cabo Delgado

2022
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Basílio Patrício

Resumo

Curso de licenciatura em ensino Básico

Trabalho individual de carácter avaliativo a


ser entregue ao docente da cadeira de
Estudos Contemporâneos, leccionado no
curso de licenciatura em Ensino Básico,
4oAno, 2o semestre sob orientação do MA.
Perlo A. M. Rebeca

Universidade Rovuma

Extensão de Cabo Delgado

2022
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Índice
1. Introdução...............................................................................................................4

1. Educar para a democracia e em direitos humanos..................................................5

2. Como educar para e pela cidadania e democracia no contexto escolar?................5

3. Como o Estado pode contribuir para a gestão democrática?..................................6

4. A leitura do mundo como momento funda mental no processo de formação para e


pela cidadania e democracia........................................................................................10

5. Os princípios de convivência em uma perspectiva democrática e cidadã: cuidar


do ambiente e da s relações humana s no processo educacional.................................16

6. Sociedade contemporânea: alguns modelos teóricodescritivos relevantes para o


direito penal.................................................................................................................20

7. A sociedade global do risco..................................................................................20

8. A sociedade do descontrole..................................................................................21

9. A sociedade hiper-complexa e funcionalmente diferenciada...............................22

10. A sociedade colonizada em seu mundo da vida...............................................23

11. A sociedade da ambivalência, do mal-estar e das vidas desperdiçadas............24

12. Sociedade actual e suas transformações...........................................................25

13. Educação neste cenário.....................................................................................27

14. Democracia e Cidadania na Escola: do Discurso à Prática..............................30

15. Por que democracia na escola?.........................................................................30

16. A escola é um equipamento público prestador de serviços à população..........31

17. O que é uma escola justa?.................................................................................33

17.1. A escola das oportunidades...........................................................................33

17.2. O que é uma escola justa?”,..........................................................................33

18. Escola, democracia e cidadania........................................................................37

18.1. Democracia e cidadania na educação escolar...............................................40

19. Do exercício da democracia e da cidadania à cidadania emancipatória...........43


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19.1. Implicações da (não) democracia e da (não)cidadania à Educação escolar na


vida social,...................................................................................................................44

19.2. Proposta de algumas práticas possíveis de teorias........................................45

Que teoria da educação devemos escolher?.................................................................47

22. Conclusão..........................................................................................................49

23. Referências bibliográficas.................................................................................50


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1. Introdução

Ao acompanhar as modificações das coisas no mundo, em especial na


contemporaneidade, pode-se relacionar algumas consequências de tais
mudanças quando se introduz a dinâmica das tecnologias emergentes na
educação e na sociedade. Eminente, acções, imagens, sons e/ou experiências têm
provocado mudanças significativas na constituição e formação do sujeito
contemporâneo.
A velocidade dessas transformações é abrupta e, por isso, não cede espaço para a
sociedade, ou a educação, explorar os acontecimentos com facilidade, do ponto de vista
percepto-cognitivo. Nesse caso, as coisas transformam-se aceleradamente com a
rapidez do movimento que as compreende, como lugar inusitado de instabilidade
reflexível. Isso demonstra a nas tecnologias emergentes, para tentar pontuar acções
educativas à complexidade brasileira.
Retomando, a passagem dessas modificações na actualidade (re) instaura um
“outro/novo” modo de ser/estar dos objectos, seus contextos e as representações
das coisas no mundo. Com isso, também se altera o entorno da constituição e formação
do sujeito.
Nota-se que tais transformações existem a partir do momento em que se recorre ao
uso do computador, de forma intensa, como recurso ferramental eficiente no
desenvolvimento das potencialidades humanas (capacidade, competências e
habilidades), na prática didático-pedagógica. (Re) dimensiona-se o ensinar e o
aprender. Ambos caminham juntos, em suas variáveis de tempo-espaço, sobretudo com
a flexibilidade das tecnologias emergentes. Por isso, torna-se fundamental perceber as
directrizes comunicacionais que fortalecem o desempenho de competências e
habilidades no processo de ensino-aprendizagem, entrelaçado à cultura digita
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1. Educar para a democracia e em direitos humanos.


A educação para a cidadania que forma o cidadão participativo, democrático e solidário,
consciente de seus deveres e direitos, precisa se associar à educação em direitos
humanos. “Não existe democracia sem direitos humanos, assim como não existem
direitos humanos sem a prática da democracia”. (Benevides, 2000). A educação
emancipadora cria condições para a superação de valores e costumes arraigados,
decorrentes de vários factores historicamente definidos: passamos por um longo período
de escravidão, que significou exactamente a violação de todos os princípios de respeito
à dignidade da pessoa humana, a começar pelo direito à vida; nosso sistema de ensino
autoritário, elitista e com uma preocupação muito mais voltada para a moral privada do
que para a ética pública; nossa complacência com a corrupção, dos governantes e das
elites, assim como em relação aos privilégios concedidos aos cidadãos ditos de primeira
classe ou acima de qualquer suspeita; nosso descaso com a violência, quando ela é
exercida exclusivamente contra os pobres e os socialmente discriminados; nossas
práticas religiosas essencialmente ligadas ao valor da caridade em detrimento do valor
da justiça; nosso sistema familiar patriarcal e machista; nossa sociedade racista e
preconceituosa contra todos os considerados diferentes; nosso desinteresse pela
participação cidadã e pelo associativismo solidário; nosso individualismo consumista,
decorrente de uma falsa ideia de “modernidade” (BENEVIDES, 2000).
O mundo ao avesso nos ensina a padecer a realidade ao invés de transformá-la, a
esquecer o passado ao invés de escutá-lo e a aceitar o futuro ao invés de imaginá-lo.
Eduardo Galeano
O mundo não é. O mundo está sendo. Paulo Freire

2. Como educar para e pela cidadania e democracia no contexto escolar?


Oferecendo à população espaços de exercício da cidadania. Garantindo a oportunidade
de aprender a ser democrático, a ser solidário, a acreditar na capacidade de cada um na
mudança. Criando condições para que os professores, os pais, a comunidade, o aluno
tomem para si o destino da sua escola, para que sejam sujeitos activos na elaboração do
projecto político pedagógico com que sonham. É fundamental aprender a falar em
público, a vivenciar o conflito como espaço de aprendizagem, a defender ideias, a se
organizar e a se articular para viabilizar uma proposta, a escolher seus representantes, a
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avaliar colectivamente, a reorientar a prática quando a avaliação apontar essa


necessidade.
Quando realizamos uma assembleia para eleição dos representantes de classe, quando
incluímos a participação de alunos e pais nos Conselhos de Classe para que, tanto
quanto os professores e a coordenação pedagógica, possam avaliar o desempenho de
cada aluno e da classe como um todo, quando definimos os conteúdos, a metodologia,
os critérios de avaliação com a participação dos alunos, etc., estamos educando para e
pela cidadania e democracia no contexto escolar.
Ninguém vive plenamente a democracia nem tampouco a ajuda a crescer, primeiro se é
interditado no seu direito de falar, de ter voz, de fazer o seu discurso crítico; segundo, se
não se engaja, de uma ou de outra forma, na briga em defesa deste direito, que no fundo,
é o direito também a actuar.
Paulo Freire1997
A democratização da gestão implica não só o acesso da população à educação, mas
também a participação desta na tomada de decisões que dizem respeito a seus interesses.
Isso pressupõe distribuição do poder centralizado do Estado para as instâncias da base
da pirâmide estatal onde se dá o contacto directo com os cidadãos, desenvolvendo na
sociedade os mecanismos necessários para levar o Estado a, cada vez mais, agir de
acordo com os interesses dos cidadãos e das cidadãs. Daí a importância dos Conselhos
de Escola e de outras tantas iniciativas que criam espaços para a vivência da
participação e da democracia na escola.

3. Como o Estado pode contribuir para a gestão democrática?


Um dos caminhos é superar o elenco de medidas pontuais, isoladas, no sentido de
favorecer o exercício da democracia no dia-a-dia da escola.
A gestão democrática não se constrói reservando, ao longo do ano lectivo, um dia
específico para o exercício da participação. Muitas campanhas estimulam o “dia da
cidadania”, o “dia da família na escola”, mas, acabado o dia, não dão continuidade às
ações. A democracia não é incorporada no quotidiano da escola por meio de acções
isoladas.
É necessário um trabalho permanente para desmontar as bases do poder autoritário, das
relações de desrespeito, do medo, do clientelismo, do patrimonialismo, da
discriminação, enfim, é necessário um investimento em acções continuadas que criem
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condições de materialização da democracia e da cidadania no dia-a-dia da unidade


educacional.
Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postulados, receitas,
ameaças, repreensões e punições, mas, para participar colectivamente da construção de
um saber, que vai além do saber de pura experiência feito, que leve em conta as suas
necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe transformar-se em sujeito
de sua própria história.
(...) A escola deve ser também um centro irradiador da cultura popular, à disposição da
comunidade, não para consumi-la, mas para recriá-la. A escola é também um espaço de
organização política das classes populares. A escola será então um centro de debate de
ideias, soluções, reflexões, onde a organização popular vai sistematizando sua própria
experiência. O filho do trabalhador deve encontrar nessa escola os meios de auto-
emancipação intelectual independentemente dos valores da classe dominante. A escola
não é só um espaço físico. É um clima de trabalho, uma postura, um modo de ser.
(PAULO FREIRE, 1991, p. 16)
Um governo comprometido com a gestão democrática investe na formação para a
participação. Para isso, garante orçamento, pois são necessários recursos para elaborar
material didático-pedagógico, para pagar professores que ministrem cursos, para
produzir material de divulgação e visibilidade das acções realizadas, etc., assim como
promover encontros, seminários, conferências para reflexão e troca de experiências.
O Estado contribui para a gestão democrática quando põe a máquina burocrática a
serviço dos sonhos progressistas e emancipadores, reinventando o poder,
democratizando-o, reestruturando a máquina de forma que ela seja meio e não fim em si
mesma.
No processo de construção do conhecimento, ele parte sempre de temas relacionados ao
contexto do educando e da compreensão inicial que este tem do problema, para, por
meio de um processo dialógico, da relação entre educandos e educadores, ir ampliando
a compreensão dos alunos, construindo e reconstruindo novos conhecimentos.
O respeito, então, ao saber popular implica necessariamente o respeito ao contexto
cultural. A localidade dos educandos é o ponto de partida para o conhecimento que eles
vão criando do mundo. A partir dela, uma “re-admiração” da realidade inicialmente
discutida em seus aspectos superficiais vai sendo realizada com uma visão mais crítica e
mais generalizada.
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O ser humano é “ser de relação”, dizia Paulo Freire. Um ser caracterizado pela sua
“incompletude”, pelo seu “inacabamento” e pela sua condição de “sujeito histórico”. Os
seres humanos “estão sendo”, são “seres inacabados, inconclusivos”. Seres situados em
e com uma realidade que, sendo igualmente histórica, é tão inacabada quanto eles, por
isso passível de mudança, de transformação.
O diálogo é condição para o conhecimento. O ato de conhecer se dá em um processo
social, e é o diálogo o mediador desse processo. Para o pensamento freiriano, ele se dá
sob algumas condições.
Ele não existirá sem uma profunda relação amorosa com o mundo e os homens. Quem
tem amor à vida, aos seres humanos, ao mundo, busca o diálogo na esperança de
encontrar caminhos para a mudança e a construção de novas realidades. Não se trata de
uma relação amorosa ingénua ou piegas, limitada a uma manifestação de sensibilidade
ao problema, a uma ajuda temporária, que não transforma. Paulo Freire fala de uma
relação amorosa que implica comprometimento com a promoção da vida. Refere-se a
um amor “armado”, para que a esperança na mudança, a esperança na possibilidade de
construir um mundo melhor, mesmo em condições adversas, não se esmoreça e alimente
o permanente diálogo e compromisso.
Outra condição que a relação dialógica impõe é a humildade. Não haverá diálogo entre
educador e educando quando aquele se reconhecer como o único a possuir saber e este
como o que deverá recebê-lo. A humildade está presente no educador que se reconhece
ser incompleto e inacabado (tendo sempre, portanto, algo a aprender) e reconhece que o
educando também é portador de conhecimento, tendo, nesse sentido, algo a ensinar.
A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser
um ato arrogante. O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber
agir, rompe-se, se seus pólos (ou um deles) perdem a humildade. Como posso dialogar,
se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim? (Paulo Freire,
1981, p. 94 e 95).
A fé nos seres humanos é outra exigência da dialogicidade. “Fé no seu poder de fazer e
de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de Ser Mais” (Paulo Freire, 1981, p.
95). Está aberto ao diálogo aquele que entende o ser humano como sujeito histórico,
capaz de agir no contexto em que vive e construir novas realidades. Dialoga aquele que
sabe da capacidade de o ser humano rever-se, reinterpretar-se, de “renascer”, de
aprofundar a compreensão sobre seu estar sendo no mundo e sobre seu próprio mundo e
transformá-lo.
9

Além do amor ao mundo e aos homens, da humildade e da fé, Paulo Freire fala-nos da
necessária confiança e esperança para a relação dialógica se concretizar.
Sem a esperança, que nos estimula, dá sentido, movimenta nossas ações em direção ao
projeto com o qual sonhamos, não pode haver diálogo.
Se o diálogo é o encontro dos homens para Ser Mais, não pode fazer-se na
desesperança. Se os sujeitos do diálogo nada esperam do seu quefazer já não pode haver
diálogo. O seu encontro é vazio e estéril (...) Finalmente, não há diálogo verdadeiro se
não há nos sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico.
(...) Este é um pensar que percebe a realidade como processo, que a capta em constante
devenir e não como algo estático (Paulo Freire, 1981, p. 97), que a entende como
construção histórica e social, por isso, mutável".
Não é possível, para Paulo Freire, que a leitura de mundo seja esforço intelectual que
uns façam e transmitam para outros. Ela é uma construção coletiva, feita com a
multiplicidade das visões daqueles que o vivem.
Transmitir ou receber informações não caracterizam o ato de conhecer.
Conhecer é apreender o mundo em sua totalidade, e essa não é uma tarefa solitária.
Ninguém conhece sozinho. O processo educativo deve desafiar o educando a penetrar
em níveis cada vez mais profundos e abrangentes do saber. Nisso se constitui uma das
principais funções do diálogo, que se inicia quando o educador busca a temática
significativa dos educandos, procurando conhecer o nível de percepção deles em relação
ao mundo vivido.
É necessário um trabalho permanente para desmontar as bases do poder autoritário, das
relações de desrespeito, do medo, do clientelismo, do patrimonialismo, da
discriminação, enfim, é necessário um investimento em ações continuadas que criem
condições de materialização da democracia e da cidadania no dia-a-dia da unidade
educacional.
Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções, postulados, receitas,
ameaças, repreensões e punições, mas, para participar coletivamente da construção de
um saber, que vai além do saber de pura experiência feito, que leve em conta as suas
necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe transformar-se em sujeito
de sua própria história.
(...) A escola deve ser também um centro irradiador da cultura popular, à disposição da
comunidade, não para consumi-la, mas para recriá-la. A escola é também um espaço de
organização política das classes populares. A escola será então um centro de debate de
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idéias, soluções, reflexões, onde a organização popular vai sistematizando sua própria
experiência. O filho do trabalhador deve encontrar nessa escola os meios de auto-
emancipação intelectual independentemente dos valores da classe dominante. A escola
não é só um espaço físico. É um clima de trabalho, uma postura, um modo de ser.
(PAULO FREIRE, 1991, p. 16)
Um governo comprometido com a gestão democrática investe na formação para a
participação. Para isso, garante orçamento, pois são necessários recursos para elaborar
material didático-pedagógico, para pagar professores que ministrem cursos, para
produzir material de divulgação e visibilidade das ações realizadas, etc., assim como
promover encontros, seminários, conferências para reflexão e troca de experiências.
O Estado contribui para a gestão democrática quando põe a máquina burocrática a
serviço dos sonhos progressistas e emancipadores, reinventando o poder,
democratizando-o, reestruturando a máquina de forma que ela seja meio e não fim em si
mesma.

4. A leitura do mundo como momento funda mental no processo de formação


para e pela cidadania e democracia
Por que adoptar a Leitura do Mundo como um momento importante do processo de
formação? O que vem a ser a Leitura do Mundo em Paulo Freire?
Para Paulo Freire, a educação é um ato político. Jamais é neutra, porque,
necessariamente, contém uma intencionalidade. A educação pressupõe escolhas;
estejamos, ou não, conscientes delas. Ao preparar nosso trabalho pedagógico,
deparamo-nos com decisões. Vamos definir conteúdos, metodologia, forma de avaliar,
forma de nos relacionar com os alunos, etc.
Dependendo das decisões, ou seja, das escolhas que fazemos, a educação que vamos
realizando ao longo do tempo que convivemos com nossos alunos pode contribuir para
silenciar, para “naturalizar” a opressão, para formar sujeitos passivos, submissos,
resignados diante das adversidades, ou pode contribuir para formar um educando
crítico, propositivo, criativo, participativo, capaz de interpretar o mundo e seu “estar
sendo” nesse mundo... Um educando que assume seu papel de sujeito na história. Um
educando que lê, compreende e reescreve o mundo.
Para Paulo Freire, educar é promover a capacidade de ler a realidade e de agir para
transformá-la, impregnando de sentido a vida quotidiana. Para isso, a educação não
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pode se dar alheia ao contexto do educando, nem o conhecimento pode ser construído
ignorando o saber dos alunos. Daí a importância da leitura do mundo.
Desde seus primeiros escritos, Paulo Freire procurava uma teoria do conhecimento que
possibilitasse a compreensão do papel de cada um no mundo e de sua inserção na
história. Ele estava preocupado em elaborar uma pedagogia comprometida com a
melhoria das condições de existência das populações oprimidas. O conhecimento
construído através do processo educativo, nessa perspectiva, tem a função de motivador
e impulsionador da acção transformadora. O ser humano deve entender a realidade
como modificável e a si mesmo como capaz de modificá-la. Sua pedagogia proporciona
aos educandos a compreensão de que a forma de o mundo estar sendo não é a única
possível. Ela revela como possibilidade tudo aquilo que a totalidade opressora apresenta
como determinação.
Nesse processo de leitura e de releitura do mundo, de leitura e de releitura da palavra,
uma leitura mais crítica do mundo e da palavra forma o sujeito, que constrói uma visão
de mundo e que pode, a partir dessa visão, não apenas vê-lo, entendê-lo melhor, mas
pode, assim fazendo, entender melhor como somos capazes de mudar o mundo pela
nossa acção. Nessa problematização, o educador desafia os alunos para que expressem
de maneiras variadas o que pensam sobre diferentes dimensões da realidade vivida. O
educando dialoga com seus pares e com o educador sobre seu conhecimento, sobre sua
vida. Essas discussões permitirão ao educador apreender a visão dos alunos sobre a
situação problematizada para fazê-los perceber a necessidade de adquirir outros
conhecimentos a fim de melhor entendê-la. No processo de construção do
conhecimento, ele parte sempre de temas relacionados ao contexto do educando e da
compreensão inicial que este tem do problema, para, por meio de um processo
dialógico, da relação entre educandos e educadores, ir ampliando a compreensão dos
alunos, construindo e reconstruindo novos conhecimentos.
O respeito, então, ao saber popular implica necessariamente o respeito ao contexto
cultural. A localidade dos educandos é o ponto de partida para o conhecimento que eles
vão criando do mundo. A partir dela, uma “re-admiração” da realidade inicialmente
discutida em seus aspectos superficiais vai sendo realizada com uma visão mais crítica e
mais generalizada.
O ser humano é “ser de relação”, dizia Paulo Freire. Um ser caracterizado pela sua
“incompletude”, pelo seu “inacabamento” e pela sua condição de “sujeito histórico”. Os
seres humanos “estão sendo”, são “seres inacabados, inconclusivos”. Seres situados em
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e com uma realidade que, sendo igualmente histórica, é tão inacabada quanto eles, por
isso passível de mudança, de transformação.
O diálogo é condição para o conhecimento. O ato de conhecer se dá em um processo
social, e é o diálogo o mediador desse processo. Para o pensamento freiriano, ele se dá
sob algumas condições.
Ele não existirá sem uma profunda relação amorosa com o mundo e os homens. Quem
tem amor à vida, aos seres humanos, ao mundo, busca o diálogo na esperança de
encontrar caminhos para a mudança e a construção de novas realidades. Não se trata de
uma relação amorosa ingénua ou piegas, limitada a uma manifestação de sensibilidade
ao problema, a uma ajuda temporária, que não transforma. Paulo Freire fala de uma
relação amorosa que implica comprometimento com a promoção da vida. Refere-se a
umamor “armado”, para que a esperança na mudança, a esperança na possibilidade de
construir um mundo melhor, mesmo em condições adversas, não se esmoreça e alimente
o permanente diálogo e compromisso.
Outra condição que a relação dialógica impõe é a humildade. Não haverá diálogo entre
educador e educando quando aquele se reconhecer como o único a possuir saber e este
como o que deverá recebê-lo. A humildade está presente no educador que se reconhece
ser incompleto e inacabado (tendo sempre, portanto, algo a aprender) e reconhece que o
educando também é portador de conhecimento, tendo, nesse sentido, algo a ensinar.
A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser
um ato arrogante. O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber
agir, rompe-se, se seus pólos (ou um deles) perdem a humildade. Como posso dialogar,
se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim? (Paulo Freire,
1981, p. 94 e 95).
A nova perspectiva educacional, vê o aluno como construtor do seu próprio futuro,
porque ele tem a capacidade de planejar suas acções e compartilhá-las no processo de
aprendizagem. E, porque vivemos em uma sociedade em constante transformação,
como exigência histórica, a educação como “campo de acção e aplicação do
pensamento ou conhecimento científico” e, como tal, é catalizadora de todas as áreas do
conhecimento.
Segundo Kilpatrick (2011, p. 11), “a educação como condutora do processo de
reorganização social, deve discutir e conceituar as novas demandas por uma
organização mais equilibrada das instituições, começando por ela mesma na sua
organização interna”. Cabe à educação a condução duma reflexão sobre as mudanças
13

estruturais mediante um projecto novo e promissor que tem um plano científico com sua
especificidade, e a escola serve de locus de experimentação e renovação.
O primeiro estímulo que marcou o pensamento político-pedagógico de Paulo Freire, foi
a concepção duma educação virada para a formação do ser humano e das suas
implicações; onde a grande preocupação dele, para com o processo educativo, residia na
fundamentação da ontologia humana. Contudo, Freire têm como ponto de partida do seu
projecto pedagógico as relações político pedagógico que ocorrem particularmente
dentro da escola. Entretanto, é preciso criar um projecto virado mais para as relações
educadores-educandos, orientados para a prática desse diálogo político-pedagógico em
que se fazem sentir as virtudes éticas, e que se estabeleçam as condições que abram a
possibilidade de ambos se existenciais na autonomia, na cidadania responsável e na
apropriação crítica do conhecimento e sua recriação (FREIRE, 2014a).
A concepção pedagógica da autonomia Freireana, apresenta uma plataforma
teóricoprática sobre a qual os educadores tem a missão de se encontrar, junto com os
demais especialistas de outras áreas do conhecimento, para em conjunto analisar as suas
práticas e projectar da melhor forma possível o futuro da educação. Na visão de Freire
“toda a prática educativa pressupõe uma inter-ralação ou existe um vínculo cooperativo
entre os sujeitos envolvidos” (FREIRE, 2014a, p. 12).
A busca da autonomia é uma das grandes preocupações centrais de todos os pedagogos
que edificaram a pedagogia moderna. Já em a Pedagogia do oprimido, publicado em
1968, Freire articulou seu pensamento pedagógico dialógico dentro duma realidade em
conflito; por um lado, pretendia que houvesse a passagem da sociedade fechada para
uma sociedade aberta, e doutro lado, do homem-objecto para o homem-sujeito, e
somente com a pedagogia, dentro da sua radicalidade, seria preciso recriar-se para uma
identificação explícita com aqueles que têm rejeitado o seu direito de “ser mais”.
De acordo com Freire (2014a, p. 11), “fazer do aluno conhecer a liberdade, tornar-se
apto a se construir crítico e responsável, foi sempre o grande objectivo da sua
pedagogia”. Ele, sendo um homem comprometido com a vida: não pensava em ideias,
mas sim, na existência do ser humano. A sua pedagogia sendo mais existencial, virada
ao esforço da práxis humana, estava mais ligada com a “prática da liberdade”.
No entanto, Freire via a educação libertadora não compatível com a pedagogia que, de
forma consciente ou mistificada, era palco duma prática de dominação. Para isso, era
necessário, encontrar uma pedagogia em que os oprimidos tivessem condições mais que
14

suficientes, reflexivos, descobrir-se e conquistar-se como sujeitos e fautores de sua


própria história.
Assim, a educação freireana sempre apontou para uma direcção, isto é, visa algo.
Enquanto “prática formativa tem como objectivo ir mais além de onde se está”. Mas,
para que isso ocorra, envolve uma necessária directividade da educação, entendida
como um “mover-se até”; a abertura de um horizonte, a busca incessante de alguma
coisa. Para que isso ocorra, Freire defende uma prática pedagógica que concorra para a
efectivação da democracia nas suas mais variadas esferas (CARDOSO, 2012, p. 45).
De facto, a criação de uma base epistemológica pedagógica, para discutir a questão da
autonomia proposta por Freire, depende de certo modo, do reconhecimento mútuo em
que estamos condicionados, mas não determinados. Porém, abriu-se assim as condições
que possibilitam a construção da própria história. Contudo, sendo a pedagogia virada ao
método de alfabetização, ela possui uma ideia animadora com uma amplitude humana
da “educação como da prática da liberdade”
A escola como espaço da democratização e garantia da re-humanização dos cidadãos
Falar da escola como espaço da re-humanização dos cidadãos implica, dizer que em
primeiro lugar, a educação exigida deve propor conteúdos e métodos de ensino
democráticos que incentivam a participação responsável dos professores e alunos no
processo de criação de uma escola que valoriza os trabalhos práticos, através das fontes
de conhecimentos adquiridos nas várias teorias estudadas, que criam uma profunda
ligação entre a escola e comunidade. Trata-se de construir uma escola em que, através
da educação, forja homens capazes de serem sujeitos da transformação das condições da
sua própria existência, homens e mulheres capazes de enfrentar os desafios das
mudanças exigidas pelo processo transformador (SOPA, 2001, p. 85).
A fé nos seres humanos é outra exigência da dialogicidade. “Fé no seu poder de fazer e
de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de
Ser Mais” (Paulo Freire, 1981, p. 95). Está aberto ao diálogo aquele que entende o ser
humano como sujeito histórico, capaz de agir no contexto em que vive e construir novas
realidades. Dialoga aquele que sabe da capacidade de o ser humano rever-se,
reinterpretar-se, de “renascer”, de aprofundar a compreensão sobre seu estar sendo no
mundo e sobre seu próprio mundo e transformá-lo.
Além do amor ao mundo e aos homens, da humildade e da fé, Paulo
Freire fala-nos da necessária confiança e esperança para a relação dialógica se
concretizar.
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Sem a esperança, que nos estimula, dá sentido, movimenta nossas acções em direção ao
projeto com o qual sonhamos, não pode haver diálogo.
Se o diálogo é o encontro dos homens para Ser Mais, não pode fazer-se na
desesperança. Se os sujeitos do diálogo nada esperam do seu quefazer já não pode haver
diálogo. O seu encontro é vazio e estéril (...) Finalmente, não há diálogo verdadeiro se
não há nos sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico. (...) Este é um pensar que
percebe a realidade como processo, que a capta em constante devenir e não como algo
estático (Paulo Freire, 1981, p. 97), que a entende como construção histórica e social,
por isso, mutável".
Não é possível, para Paulo Freire, que a leitura de mundo seja esforço intelectual que
uns façam e transmitam para outros. Ela é uma construção coletiva, feita com a
multiplicidade das visões daqueles que o vivem.
Transmitir ou receber informações não caracterizam o ato de conhecer.
Conhecer é apreender o mundo em sua totalidade, e essa não é uma tarefa solitária.
Ninguém conhece sozinho. O processo educativo deve desafiar o educando a penetrar
em níveis cada vez mais profundos e abrangentes do saber. Nisso se constitui uma das
principais funções do diálogo, que se inicia quando o educador busca a temática
significativa dos educandos, procurando conhecer o nível de percepção deles em relação
ao mundo vivido.
A educação, em uma perspectiva libertadora, exige a dialogicidade, portanto, a leitura
do mundo coletiva. É a partir dela, do conhecimento do nível de percepção dos
educandos, de sua visão do mundo, que Freire considera possível organizar um
conteúdo libertador. A realidade imediata vai sendo inserida em totalidades mais
abrangentes, revelando ao educando que a realidade local, existencial, possui relações
com outras dimensões: regionais, nacionais, continentais, planetária e em diversas
perspectivas: social, política, económica, que se interpenetram. A localidade do
educando é, dessa forma, o ponto de partida para a construção do conhecimento do
mundo. Fazer os educandos falarem a partir de seu território, do seu lugar de vida, de
convivência, de trabalho, das relações sociais e, em um movimento solidário, dialéctico
e dialógico, criativo e crítico, ir permitindo que eles desvendem o local e o universal,
denominem o mundo e se comprometam com as acções necessárias à construção do
mundo novo, com justiça social e sustentabilidade, é a grande exigência de um projecto
político-pedagógico voltado à formação da cidadania activa e da transformação social.
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5. Os princípios de convivência em uma perspectiva democrática e cidadã:


cuidar do ambiente e da s relações humana s no processo educacional
O que entendemos por “Princípios de Convivência”?
O nosso estar sendo no mundo implica a convivência. Existir humanamente é conviver.
Não há existência humana no isolamento. O ser humano é “ser de relação”,
caracterizado pela sua “incompletude”, por seu “inacabamento” e pela sua condição de
“sujeito histórico”.
É fundamental, contudo, partirmos de que o homem, ser de relações e não só de
contactos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. Estar com o mundo resulta de
sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é (Paulo Freire, 1999, p.
47).
A partir das relações do homem com a realidade resultantes de estar com ela e de estar
nela, pelos actos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai
dominando a realidade. Vai humanizando.
Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os
espaços geográficos. Faz cultura (Paulo Freire, 1999, p. 51).
(...) Inacabado que dizer ‘eu sou o movimento de estar sendo’, eu não sou alguma coisa
que se completou. Nem na morte a gente se completa. (...)
Nós somos incompletos porque relacionais, porque a gente não existe sem a relação.
Somos incompleta porque parte de um fluxo. Nós não existimos sem aquele com quem
nos relacionamos, sem meio, sem a biosfera da qual somos uma emergência, mas
também somos incompletos porque somos um fluxo, nós indivíduos e nós espécie, nós
vida. (MENEZES, Luiz Carlos de. In: ANTUNES, 2002, p.17)
Educar é tornar “o estar sendo no mundo” um permanente processo de humanização. E,
como vimos, esse processo só é possível na convivência.
Urge que assumamos o dever de lutar pelos princípios éticos fundamentais como o
respeito à vida dos seres humanos, à vida dos outros animais, à vida dos pássaros, à vida
dos rios e das florestas. Não creio na amorosidade entre mulheres e homens, entre os
seres humanos, se não nos tornamos capazes de amar o mundo. (...) Neste sentido me
parece uma contradição lamentável fazer um discurso progressista, revolucionário e ter
uma prática negadora da vida. Prática poluidora do mar, das águas, dos campos,
devastadora das matas. (...) De violência contra a vida das árvores, dos rios, dos peixes,
das montanhas, das cidades, das marcas físicas de memórias culturais e históricas. De
17

violência contra os fracos, os indefesos, contra as minorias ofendidas... (FREIRE, 2000,


p. 66-67, 132-133)
A existência humana supõe o plural, a dependência dos demais.
O ser humano só vive na convivência com outros seres humanos. Mas cada sujeito, que
é detentor de vontades, aspirações, anseios, interesses, expectativas, relaciona-se com
outros sujeitos igualmente portadores de vontades, aspirações... No processo educativo
emancipador, o ser humano percebe-se histórico e plural e aprende a conviver com
outros sujeitos individuais e coletivos. O papel da “educação como prática da liberdade”
é propiciar condições para que essa construção de convivência cooperativa,
democrática, solidária, cidadã e pacífica seja possível. Nesse sentido, são necessários
todos os esforços e recursos, individuais e coletivos, para promover o entendimento e a
convivência social pacífica no processo de convívio escolar. Daí a importância dos
princípios de convivência que orientam nossa prática nos processos educacionais no
interior da escola e na relação da escola com a comunidade a fim de que essa
convivência seja promotora da cultura da paz e da sustentabilidade.
Não cabe, nessa construção, relações verticais, autoritárias, de mando e subordinação.
Assim como não cabem relações em que uns decidem, outros referendam, uns falam e a
maioria ouve.
Fazem-se necessárias relações horizontais, de cooperação, de participação, de decisão
coletiva, de solidariedade emancipatória. São necessárias relações de respeito aos seres
humanos, envolvendo as questões de género, de raça, de classe social, de etnia, das
diferenças biofísicas, de cognição, etc. Bem como relações de respeito ao espaço, ao
ambiente em que vivemos.
Construir princípios de convivência é construir condições para a formação da cidadania.
“Na dramaticidade da hora atual” é criar condições de “esperançar”. Os princípios de
convivência devem levar em conta que o lugar e o tempo de aprender não se separa do
lugar e do tempo de ensinar.
Onde e quando se aprende também se ensina. Os círculos de cultura trazem a prática de
cada um, a sua vivência, a sua história, os saberes dos educandos, e permitem a reflexão
sobre eles, a ampliação do conhecimento sobre o visto e o sentido, ressignificando a
existência dos partícipes do processo. O papel do educador é dar sentido a essa
construção.
Nós somos incompletos porque sem o outro não existimos. Não há sentido em pensar
“eu e o mundo”. É preciso pensar “eu como um pedaço do mundo”. Esse caráter
18

relacional do ser humano; essa é a grande percepção do humanismo do Paulo Freire.


Nisso consiste a incompletude.
(...) Inacabado que dizer ‘eu sou o movimento de estar sendo’, eu não sou alguma coisa
que se completou. Nem na morte a gente se completa. (...)
Nós somos incompletos porque relacionais, porque a gente não existe sem a relação.
Somos incompletos porque parte de um fluxo. Nós não existimos sem aquele com quem
nos relacionamos, sem meio, sem a biosfera da qual somos uma emergência, mas
também somos incompletos porque somos um fluxo, nós indivíduos e nós espécie, nós
vida. (MENEZES, Luiz Carlos de. In: ANTUNES, 2002, p.17)
Educar é tornar “o estar sendo no mundo” um permanente processo de humanização. E,
como vimos, esse processo só é possível na convivência.
Urge que assumamos o dever de lutar pelos princípios éticos fundamentais como o
respeito à vida dos seres humanos, à vida dos outros animais, à vida dos pássaros, à vida
dos rios e das florestas. Não creio na amorosidade entre mulheres e homens, entre os
seres humanos, se não nos tornamos capazes de amar o mundo. (...) Neste sentido me
parece uma contradição lamentável fazer um discurso progressista, revolucionário e ter
uma prática negadora da vida. Prática poluidora do mar, das águas, dos campos,
devastadora das matas. (...) De violência contra a vida das árvores, dos rios, dos peixes,
das montanhas, das cidades, das marcas físicas de memórias culturais e históricas. De
violência contra os fracos, os indefesos, contra as minorias ofendidas... (FREIRE, 2000,
p. 66-67, 132-133)
A existência humana supõe o plural, a dependência dos demais.
O ser humano só vive na convivência com outros seres humanos. Mas cada sujeito, que
é detentor de vontades, aspirações, anseios, interesses, expectativas, relaciona-se com
outros sujeitos igualmente portadores de vontades, aspirações... No processo educativo
emancipador, o ser humano percebe-se histórico e plural e aprende a conviver com
outros sujeitos individuais e coletivos. O papel da “educação como prática da liberdade”
é propiciar condições para que essa construção de convivência cooperativa,
democrática, solidária, cidadã e pacífica seja possível. Nesse sentido, são necessários
todos os esforços e recursos, individuais e coletivos, para promover o entendimento e a
convivência social pacífica no processo de convívio escolar. Daí a importância dos
princípios de convivência que orientam nossa prática nos processos educacionais no
interior da escola e na relação da escola com a comunidade a fim de que essa
convivência seja promotora da cultura da paz e da sustentabilidade.
19

Não cabe, nessa construção, relações verticais, autoritárias, de mando e subordinação.


Assim como não cabem relações em que uns decidem, outros referendam, uns falam e a
maioria ouve.
Fazem-se necessárias relações horizontais, de cooperação, de participação, de decisão
coletiva, de solidariedade emancipatória. São necessárias relações de respeito aos seres
humanos, envolvendo as questões de género, de raça, de classe social, de etnia, das
diferenças biofísicas, de cognição, etc. Bem como relações de respeito ao espaço, ao
ambiente em que vivemos.
Construir princípios de convivência é construir condições para a formação da cidadania.
“Na dramaticidade da hora atual” é criar condições de “esperançar”. Os princípios de
convivência devem levar em conta que o lugar e o tempo de aprender não se separa do
lugar e do tempo de ensinar.
Onde e quando se aprende também se ensina. Os círculos de cultura trazem a prática de
cada um, a sua vivência, a sua história, os saberes dos educandos, e permitem a reflexão
sobre eles, a ampliação do conhecimento sobre o visto e o sentido, ressignificando a
existência dos partícipes do processo. O papel do educador é dar sentido a essa
construção.
Os princípios de convivência que definimos nos espaços educacionais devem contribuir
para desnaturalizar a prática autoritária, burocrática, automatizada, impessoal,
patrimonialista, individualista, competitiva, excludente, etc.
Se não posso, de um lado, estimular os sonhos impossíveis, não devo, de outro, negar a
quem sonha o direito de sonhar. Paulo Freire, Pedagogia da
Autonomia. São Paulo, 1997.
Os princípios de convivência que definimos nos espaços educacionais devem contribuir
para desnaturalizar a prática autoritária, burocrática, automatizada, impessoal,
patrimonialista, individualista, competitiva, excludente, etc.
Se não posso, de um lado, estimular os sonhos impossíveis, não devo, de outro, negar a
quem sonha o direito de sonhar. Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia. São Paulo,
1997.
Após realizarmos o estudo sobre “democracia e cidadania na educação escolar”, em que
foi possível levantar algumas questões que consideramos necessárias à prática pe-
dagógica consciente e reflexiva, podemos afirmar ainda, que as possibilidades de acções
precisam considerar os diferentes conceitos e posicionamentos sistematizados cientifica-
mente pelos pesquisadores, e denunciados na prática pedagógicos.
20

Acreditamos, inicialmente, que a questão da cidadania crítica implica práticas demo-


cráticas solidárias, participativas e colectivas, se desejarmos uma cidadania
emancipatória e crítica.

6. Sociedade contemporânea: alguns modelos teóricodescritivos relevantes


para o direito penal

7. A sociedade global do risco


Segundo o sociólogo alemão, a sociedade contemporânea é uma verdadeira “caixa de
pandora” ou “vulcão civilizatório” que promove o crescente e contínuo processo de
liberação aleatória de “novos riscos” que redundam no retorno da incerteza, da
imprevisibilidade e da insegurança, em suas dimensões cognitiva e normativa4. Este
quadro é fruto da “modernização reflexiva”, fenómeno em que as consequências do
moderno se protejam sobre suas próprias bases: a modernidade começa a desmoronar
justamente em razão de seu sucesso (capitalismo industrial). Em lugar da “modernidade
simples” (“primeira modernidade” ou “modernidade industrial”) emerge sub-
repticiamente uma “nova modernidade” (“segunda modernidade” ou “modernização da
modernização”), marcada pela “destradicionalização das formas de vida”
(individualização, socialização, formação de classes, política, trabalho, ciência,
matrimónio, paternidade, sexualidade, amor, amizade, estética, arte, etc.). A economia
capitalista não envolve mais apenas a distribuição de riquezas e bens, senão também a
distribuição dos riscos derivados do processo de produção: efeitos colaterais da
modernidade industrial, antes despercebidos ou estimulados em prol do progresso,
escapam das tradicionais instituições de controlo da primeira modernidade e se
disseminam como riscos políticos, sociais, económicos, científicos, ecológicos e
individuais.
Em verdade, riscos sempre existiram. Mas o “novo risco” é quantitativa e
qualitativamente diferente do “velho risco”. Primeiramente, sua fonte principal não é
mais a natureza (“riscos naturais”), mas sim as actividades humanas voltadas para a
produção de riquezas, como a produção e utilização de produtos químicos, a exploração
da energia nuclear, a produção de alimentos e medicamentos, a tecnológica genética, a
exploração dos recursos ambientais, etc. (“riscos artificiais”). Por isto pode ser
calculados, prevenido e controlado. Em segundo lugar, os riscos modernos possuem
intensidade e extensão nunca antes vistas, escapando com frequência às medidas físicas
21

fundamentais de tempo e espaço: ameaçam um número indeterminado e potencialmente


enorme de pessoas (riscos globais.
São inevitáveis e estão por toda parte como elemento (des) estruturante da sociedade: os
conflitos sociais não são mais processados como questões de ordem, mas sim como
questões de desordem. Há uma “democratização do risco”, evidenciada pelo “efeito
boomerangue”: o risco incide sobre todas as camadas sociais, inclusive e principalmente
sobre aquela classe que o produz e se beneficia de sua criação. Por fim, a
criação/liberação destes riscos não é perseguida intencionalmente: são efeitos
secundários ou acessórios indesejados, frequentemente não previstos e às vezes
imprevisíveis do processo tecnológico, inicialmente orientados para fins valorados
positivamente.
Esta situação cria um contexto de “complexidade organizativa das relações de
responsabilidade”. O aumento das interconexões causais, falta de conhecimentos
seguros quando à explicação dos fenómenos, a progressiva substituição dos contextos
de acção individuais por contextos colectivos através da divisão de trabalho e a
acumulação de condutas individuais por sinergia compõe um quadro de intensiva
interacção entre vários e complexos processos. Os riscos precisam ser distribuídos,
evitados, controlados e legitimados, mas faltam critérios precisos para a definição da
imputação de competências. A “organização da responsabilidade” se transforma em
“irresponsabilidade organizada”. O grande avanço técnico-científico e político
democrático da civilização industrial reduziu “velhos riscos” proporcionou maiores
oportunidades para o livre desenvolvimento pessoal e melhorou em larga escala o bem-
estar humano (basta pensar na evolução da medicina, dos meios de transporte, do
controle sanitário, dos meios de comunicação, etc.), mas também acabou produzindo
uma inédita gama de ameaças. Eis o “paradoxo do risco”: nunca estivemos tão seguros,
mas também nunca vivemos tão expostos a graves ameaças. Ao mesmo tempo em que
aumenta a demanda colectiva por controlo, este se torna cada vez mais improvável.

8. A sociedade do descontrole
Um segundo modelo é proposto por Anthony GIDDENS. Para o sociólogo britânico, a
pós-modernidade ainda está por vir. Estamos na modernidade, mais precisamente em
seu estágio derradeiro: a era actual é a “modernidade tardia”, “tardo-modernidade”,
“alta modernidade” ou “modernidade radicalizada”, onde as consequências da
modernização se tornam mais radicalizadas e universalizadas do que antes. Esta
22

radicalização é uma fase de auto-elucidação ou reflexividade, em que a modernidade


pretende entender (e não superar) a si mesma. Tais “consequências tardias” convergem
para a ausência de critérios suficientemente sólidos a orientação de condutas no
contexto das interacções sociais. Trata-se da “crise do controle”, concebida como perda
de domínio sobre o mundo em virtude do surgimento de perigos quantitativa e
qualitativamente novos (inevitáveis, incontroláveis, intensos e globais), marcados pela
diluição e dispersão espaço-temporal seus contornos.
GIDDENS ilustra esta “síndrome do descontrole” através da metáfora do “carro de
Jagrená da modernidade”. Na tradição hinduísta o carro de Jagrená (do hindu
Jagannãth, que significa “senhor do mundo”) é um grande veículo que transportava um
ídolo-divindade Krishna pelas ruas da cidade durante certa festividade anual,
oportunidade em que seus seguidores se atiravam debaixo das rodas do carro em
movimento para obter a “purificação” de suas almas através do esmagamento.

9. A sociedade hiper-complexa e funcionalmente diferenciada


Um terceiro paradigma explicativo pode ser encontrado na teoria dos sistemas sociais
autopoiéticos formulada por Niklas LUHMANN. Segundo o sociólogo alemão, duas
são as características próprias da sociedade pós-moderna: a hiper-complexidade e a
diferenciação funcional13.
A complexidade é o conjunto de possibilidades de eventos, i.e., o conjunto daqueles
acontecimentos que podem ou não ocorrer. A sociedade atual é marcada por um
altíssimo grau de complexidade. Como sempre há mais “possibilidades” do que
“necessidades” (apenas uma parcela dos fatos possíveis se realizam na prática) e tudo é
possível, surge o problema da contingência: toda a realidade do mundo poderia ser
diferente do que é. Para o observador a possibilidade do real pode ser enganosa,
confirmando-se ao final como algo inexistente e inatingível, contrariando as
expectativas originárias. Isto significa que é impossível conhecer o mundo em todas as
suas possibilidades de realização. O sistema surge como entidade destinada a reduzir a
complexidade do mundo através da selecção de uma específica parcela de complexidade
assimilável, tornando a realidade apreensível para o observador. A contingência é o
risco, definido como vínculo com os acontecimentos futuros. A estrutura do sistema
social é constituída pelas expectativas que o Ego tem sobre o comportamento de Alter.
O processo de diferenciação reduz o patamar da “complexidade desestruturada” e
aumenta os níveis de “complexidade estruturada”. Cada “subsistema social” possui
23

autonomia e postula a hegemonia de sua função e todas as funções são igualmente vitais
para o funcionamento do sistema social global. Esta múltipla auto-exortação significa
que nenhum deles (Política, Economia, Direito, Educação, Moral, Religião, etc.) pode
pretender isoladamente a condição de centro representativo (“cartão de visitas”) da
sociedade como um todo: inexiste qualquer tipo de superioridade ou hierarquia. Não há
“categorias centrais”. Cada um dos sistemas realiza sua própria descrição da sociedade,
segundo o ponto de vista exclusivo estabelecido pelo respectivo código binário de
diferenciação16. Em suma, a sociedade actual é “a cêntrica”, marcada pela
“policontextualidade” (diferenciação funcional).

10. A sociedade colonizada em seu mundo da vida


Jürgen HABERMAS também dedica seus esforços ao diagnóstico dos problemas da
contemporaneidade. Segundo o filósofo alemão, a sociedade actual é marcada pela
erosão do “conteúdo normativo da modernidade”, i.e., pela destruição dos padrões de
orientação de comportamentos18. Trata-se da “colonização” ou “decomposição” do
chamado “mundo da vida”, definido como aquele “pano de fundo” latente,
imperceptível, intuitivamente conhecido, não problemático, indesmembrável e holístico,
pré-estruturado simbolicamente, que constitui o “contexto dos recursos” necessários
para o processo de comunicação intersubjectiva, a “comunidade de interpretação
compartilhado intersubjectivamente”.
O mundo da vida é “o horizonte de convicções comuns não problemáticas”, uma “rocha
ampla e inamovível de lealdades, habilidades e padrões de comportamento consentidos”
cuja missão é reduzir o “alto risco de dissenso” e “estabilizar expectativas de
comportamentos sociais” através da oferta de “padrões de interpretação consentidos” (o
saber que alimenta os conteúdos proposicionais, integrantes do “mundo objectivo”),
“solidariedades” (padrões de relações sociais de confiança no plano normativo que
tácita e implicitamente apoiam os aptos elocutórios, compondo o “mundo social”) e
“competências adquiridas no processo de socialização” (que, enquanto base das
intenções do locutor, constituem o “mundo subjectivo”) aos atores que interagem no
“ato de comunicar” (falante, ouvinte e assistentes não participantes). Ao gerar “certezas
estabilizadoras do comportamento”, o mundo da vida constitui o horizonte de situações
de fala e a fonte das interpretações (função de “coordenação de acção”). Sua
deterioração implica na “liberação do risco da dissensão” nele embutido.
24

A crescente complexidade da sociedade significa a pluralização de formas de vida e na


individualização de histórias de vida, fenómenos que inibem as zonas de sobreposição
ou de convergência de convicções que constituem o mundo da vida e “na medida de seu
desencantamento, decompõem-se os complexos de convicções sacralizadas em aspectos
de validade diferenciados, formando os conteúdos mais ou menos tematizáveis de uma
tradição diluída comunicativamente”. Esta destruição é fruto do exagero da
“racionalidade instrumental” (“razão prática”, “razão centrada no sujeito”, “razão
estratégica”, “razão teleológica” ou “razão meio-fim”) típica da filosofia da consciência,
modelo pelo qual o sujeito actua exclusivamente segundo a satisfação utilitarista e
egocêntrica de seus próprios interesses, nos moldes de um homo oeconomicus. Esta
lógica do “cada um por si” expressa no “agir instrumental” como “agir orientado pelo
sucesso” ou “pelos efeitos” significa que os indivíduos não podem mais ser definidos
como membros de uma colectividade ou partes de um todo que se constitui pela ligação
de suas partes: a sociedade aparece como um amontoado atomizado de sujeitos voltados
à maximização das próprias oportunidades de vida.

11. A sociedade da ambivalência, do mal-estar e das vidas desperdiçadas


A ambivalência é a relativização do horizonte hermenêutico-filosófico. Trata-se do
esfumaçamento dos padrões de “beleza”, “limpeza” e “ordem” típicos da modernidade.
O que caracteriza a sociedade pós-moderna é alteração demasiadamente rápida, súbita,
brusca e aleatória daqueles modelos, o que impede que os seres humanos “se dêem
conta” e assimilem o “novo”. Este déficit de orientação cognitiva e normativa significa
que o mundo moderno é “notoriamente instável e constante apenas em sua hostilidade a
qualquer coisa constante”.
Assim, “já nada parece seguro: a incerteza a desconfiança governam a época”. Fatos,
objectos e pessoas já não são mais destinatários de uma atribuição de sentido unívoca,
pois podem ser vinculados a um sem-número de possibilidades e categorias de
significado. O sistema classificatório rígido claro e definitivo já não é mais possível:
emergem diversas estruturas que não se encaixam no catálogo de categorias binárias
existente e as pessoas se vêem diante da tarefa de “enquadrar o círculo”. Surge o
“estranho”, que não é “igual” nem “diferente”, mas um ser “fronteiriço”: se apagam os
limites entre bem e mal, justo e injusto, útil e inútil, amigo e inimigo, legal e ilegal, etc.
A “sujeira” deve ser combatida através de rotinas higiénicas que protegem a “saúde do
organismo social” contra a “doença” encarnada no estranho. A inevitável ambivalência
25

do mundo actual resulta no “fim da clareza”, manifesto na confusão entre o cálculo dos
acontecimentos e a relevância das pautas de comportamento vigentes. Em suma, a
preocupação com os estranhos é a principal marca da contemporaneidade: “num mundo
constantemente em movimento, a angústia que se condensou no medo dos estranhos
impregna a totalidade da vida diária.
O mal-estar da modernidade era fruto da renúncia aos prazeres da vida, ou seja, da
limitação do princípio do prazer pelo princípio da realidade (“o homem civilizado
trocou um quinhão das suas possibilidades de felicidade por um quinhão de
segurança”). Resultava do “excesso de ordem” e da consequente “escassez de
liberdade” para busca do prazer: mais liberdade significa menos mal-estar e mais ordem
significa mais mal-estar. Já o mal-estar da pós-modernidade resulta da
desregulamentação e da privatização, i.e., da desordem. A liberdade individual reina
mais soberana do que nunca e o princípio do prazer limita o princípio da realidade: “o
homem pós-moderno troca um quinhão de suas possibilidades de segurança por um
quinhão de felicidade”. A questão fundamental é encontrar um “equilíbrio óptimo” entre
estas duas exigências: liberdade sem segurança não garante mais felicidade do que
segurança sem liberdade. muitas terras habitáveis desabitadas ou escassamente
ocupadas), mas no sentido sociológico e político, referido não à situação natural da
Terra e sim a cada vez mais intensa degradação das formas e meios de subsistência de
seus “moradores” (o que fazer para “ganhar a vida” neste ambiente pós-moderno?

12. Sociedade actual e suas transformações


Contemporaneamente, vemos em nossa sociedade contemporânea profundas
transformações com características novas e diferentes que trouxeram significativas
mudanças que transformaram nossa maneira de pensar, de agir, enfim de viver em
sociedade. Isso resultou numa sociedade, chamada por alguns autores, de sociedades
complexas, ou seja, o termo complexo é o que mais se aproxima do termo empregado
por Habermas, onde os autores Ângelo Vitório Cenci e Telmo Marcon (2015) optam
por caracterizar a complexificação da sociedade todos os processos sociais sistêmicos
ou culturais, servindo-se de referência o argumento de Simmel (2009 apud CENCI e
MARCON, 2015b) onde as relações pessoais não somente cresceram, mas também
deram origem a relações e tensões múltiplas e complexas centradas na economia.

O fato é que a partir das últimas três décadas do século passado o


mundo passa por grandes e cada vez mais aceleradas transformações
de modo a gerar mudanças profundas em praticamente todas as
26

dimensões da vida humana. Trata-se de um significativo deslocamento


operado dentro do horizonte da modernidade afetado profundamente
pelo ritmo e alcance de tais mudanças. Essas, por sua vez, originam
novos e diferentes modos de configuração das instituições, da vida
social e da subjetividade, o que nos permite compreender as
sociedades contemporâneas sob a denominação de sociedades
complexas. (CENCI & MARCON, 2015, p.2).

Tânia Zagury, filósofa, professora e escritora nos fala que essa ascensão do consumismo
trouxe a troca de valores na formação ética do ser humano. A sociedade está sendo
bombardeada por falsos conceitos que estão deturpando os nossos valores. Temos hoje
exemplos de “heróis”, falsos modelos que passam para as gerações futuras maus
exemplos. Ela relata também que a corrupção, a impunidade está enfraquecendo o
tecido estrutural da sociedade e para salvar as novas gerações precisamos sanar a
impunidade. A sociedade precisa crer que vale a pena ser honesta, íntegra, que o mal
será castigado, não podemos deixar a corrupção e a impunidade tomar conta de nossa
sociedade. Nussbaum defende a tese em suas várias pesquisas reproduzidas por
Zimbardo, que existem várias estruturas que são perniciosas que fazem as pessoas
agirem de determinada maneira e a primeira delas é “as pessoas se comportam mal
quando não são responsabilizadas pessoalmente”, elas agem muito pior escondidas
sobre uma “massa sem rosto”, como a nomeia, “do que quando são observadas e
responsabilizadas como indivíduos”. Tânia Zagury finaliza dizendo que a família
precisa agir, dar bons exemplos, passar valores que promovam a cidadania, precisa
pensar e ensinar a pensar o que realmente tem valor. Fazer prevalecer os verdadeiros
valores que regem uma família, enfim educar para o futuro para ser um cidadão, não um
cidadão que apenas pensa em si.

Porém, uma formação positiva no ambiente familiar, à qual posteriormente


vem se juntar uma educação adequada, podem fazer com que as crianças
sintam um interesse compassivo pelas necessidades dos outros, podendo
levá-las a considerar que as outras pessoas têm os mesmos direitos que elas.
Na medida em que as normas sociais e as imagens sociais de maturidade ou
de masculinidade predominantes interferirem nessa formação, haverá
dificuldade e tensão; contudo, uma educação adequada pode combater tais
estereótipos, fazendo com que as crianças percebam a importância da
empatia e da reciprocidade”.

Nossa vida cotidiana está sendo bombardeada por uma sequência de eventos rápidos, de
diversos assuntos ao mesmo tempo em que tomamos conhecimento, mas não nos dá o
tempo necessário para nos envolvermos completamente. A revolução tecnológica, a
globalização nos remete ao imediatismo, as relações passageiras, tudo muito rápido e
27

efêmero. Não se dá tempo necessário para se investir nas relações sociais. Será essa
sociedade que queremos para nós? É essa sociedade que nos dá alegria?
A família a e escola, até então únicos agentes socializadores, dividem este papel com
um grande, múltiplo e constante desenvolvimento das tecnologias, com a revolução dos
meios de comunicação e das tecnologias digitais e de rede que surgem a partir do século
XX. Este acontecimento faz com que o ser humano tenha um enorme número de
escolhas que o força a ter mais autonomia não apenas seguindo as massas, mas seja
capaz de ter juízos próprios e projetos seus, sem imposição dos meios de comunicação
de massa ou do grupo a qual pertence, seja um sujeito autônomo, construindo sua
própria identidade. Giddens (apud CENCI e MARCON, 2015b) chama este processo de
reflexividade a capacidade de os indivíduos fazerem escolhas conscientes entre várias
alternativas existentes com base em novas formas de conhecimento que estão a seu
dispor. Todo esse cenário demanda do ser humano um grande esforço de decisão.
Com o processo de globalização e a evolução dos meios de comunicação um evento que
acontece agora, em um local bem distante pode repercutir mundialmente influenciando
nosso dia-a-dia. A reflexividade inclui a vida social do indivíduo e suas instituições
como também a seu auto identidade. Cenci e Marcon cita Giddens que “defende a tese
de que as mudanças em aspectos íntimos da vida pessoal (auto identidade) passaram a
estar diretamente relacionados a conexões sociais de grande amplitude envolvendo o
pessoal e o global, o eu e a sociedade” (2015, p. 7).
Uma das características centrais da sociedade moderna é a sua reflexividade, sinaliza
Giddens, como nos fala Elimar Pinheiro do Nascimento: “esta é a única sociedade que
tem a obsessão de pensar sobre si mesma.

13. Educação neste cenário


Como educar pessoas neste cenário social tão complexo e plural, com muitos códigos?
Como aprender a respeitar as diferenças desses códigos? Como implantar valores
universalmente desejáveis?
Antigamente, no tempo da Paidéia grega, da humanitas latina e do iluminismo moderno
a educação foi pensada como formação cultural, como formação integral do ser
humano. Com relação ao conceito de formação, embora nos leve aos gregos e aos
latinos é na Bildung alemã que exerceu maior influência nas teorias educativas. Bildung
é utilizada em referência ao “grau de “formação” de um indivíduo, um povo, uma
língua, uma arte (...) Sobretudo (...) tem uma forte conotação pedagógica e designa a
28

formação como processo” (BERMAN apud CENCI, 2015a). A formação tem como
objetivo formar indivíduos capazes de ter uma visão de mundo, de fazer uma leitura do
mundo aberta, ampla. O ser humano deve sim ter instrução, especialização no campo a
que se propõe, mas sem perder o foco também na formação. O conhecimento técnico
deve ser usado como uma ferramenta para se chegar ao objetivo de ensinar, mas não
pode ser o único. Hoje o nosso cenário social econômico fez com que muitas
instituições educativas mercantilizassem o ensino, realizando a educação sem formação,
apenas instrutiva, tecnicista o que está resultando em profissionais também dentro deste
padrão.
Como pensar em sujeitos que possam se constituir como humanos sem formação? Uma
mídia bombardeando e deturpando os valores, criando falsos modelos a seguir, numa
família que não age, numa corrupção e impunidade enfraquecendo a sociedade?

Já nas Universidades hoje, encontramos também a dificuldade de se formar académicos,


como muito bem elenca Demo (2014) devido a vários factores como: o professor
universitário é considerado como horista, pagos apenas para dar aulas, apenas
reproduzem conteúdos, tecnicistas, sem ter tempo para estudar, pesquisar, enfim se
aperfeiçoar. Ainda segundo Demo (2014), a Universidade hoje deve ter duas funções
centrais como: 1º) reconstruir conhecimento e 2º) educar novas gerações. A
Universidade no Brasil está fora do contexto de cidadania, por isso o surgimento dos
cursos de extensão que vieram para atender demandas sociais e necessidades
educacionais. Na visão dele esses objectivos deveriam estar no currículo de formação e
pesquisa de todos os cursos e não ser uma coisa a parte disso, como acontece na Europa,
pois o que se espera de uma Universidade? “Espera-se que a Universidade não se torne
apenas sucursal do mercado, olvidando seus horizontes educacionais e culturais” Demo
(2014, p.2). É papel da universidade manter uma maior qualidade ao conhecimento e
educação para a cidadania, evitando o instrucionismo.
Tudo isso nos faz reflectir também sobre o papel do educador como formador e não
somente a pessoa que passa conhecimentos. Pedro Demo coloca que a aula deve ser o
lugar onde o aluno construa conhecimento próprio, argumente com autonomia. O papel
do professor é o de facilitador, mas sabemos que conhecimento em si é um processo
solitário, onde ele próprio precisa agir. O professor deve argumentar e contra
argumentar fazendo o aluno querer procurar as respostas e com elas, como ele próprio
disse, criativamente conviver. O professor universitário hoje precisa ser o profissional
29

que se preocupa com a formação, educando para a cidadania, educando as gerações


preocupadas com o bem comum.

Desse modo:
Ao mesmo tempo, todo professor precisa ser pedagogo, no sentido de
assumir, para além da capacidade de reconstruir conhecimento, o
compromisso com a aprendizagem do aluno. Trata-se menos de
tácticas de motivação como quer a “qualidade total”, por mais que
estas possam ser pertinentes, do que da habilidade de “formar”. O
professor é figura essencial da “formação” do aluno, através de
processos bem conduzidos de aprendizagem reconstrutiva política.
Com isso, formamos não só profissionais de bom porte, mas
principalmente cidadãos que possam mudar nossa sociedade e
economia (DEMO, 2014, p.9).

Nas palavras de Freire:


É defender uma prática docente em que o ensino rigoroso dos
conteúdos jamais se faça de forma fria, mecânica e mentirosamente
neutra. É nesse sentido, entre outros, que a pedagogia radical jamais
pode fazer nenhuma concessão às artimanhas do “pragmatismo”
neoliberal que reduz a prática educativa ao treinamento técnico-
científico dos educandos. Ao treinamento e não à formação. A
necessária formação técnico-científica dos educandos porque se bate a
pedagogia crítica não tem nada que ver com a estreiteza tecnicista e
cientificista que caracteriza o mero treinamento. É por isso que o
educador progressista, capaz e sério, não apenas deve ensinar muito
bem sua disciplina, mas desafiar o educando a pensar criticamente a
realidade social, política e histórica em que é uma presença. (FREIRE,
2000, p.22).
Freire chama o educador de progressista, capaz e sério que deve desafiar o seu aluno a
pensar e intervir na sociedade com autonomia.
Fazendo uma analogia com a metáfora do Peregrino e do Turista do sociólogo e escritor
Zygmunt Bauman, mostrada no vídeo de Yves de La Taille, poderia dizer que o
peregrino seria o ser humano com formação cidadã e o turista o instrucionista.
O peregrino viaja motivado pela busca de algo para melhorar a si mesmo e ao seu redor.
Ele não tem pressa de chegar, pois para ele o percurso é tão importante quanto à meta.
Ele olha, pergunta, aproveita, traz experiência e aprendizagem de vida, se adapta aos
lugares que passa respeitando a cultura local, enfim participa da vida dos lugares por
onde passa.

Nussbaum coloca que estamos passando por uma crise silenciosa em nosso sistema de
educação mundial, fazendo-nos jogar fora imprudentemente as competências
indispensáveis para a democracia. Para ela:
Estamos em meio a uma crise de enormes proporções e de grave
significado global. Não me refiro à crise económica global que
começou em 2008. Pelo menos naquela época todos sabiam que
estavam diante de uma crise, e muitos líderes mundiais agiram de
30

forma rápida e desesperada para encontrar soluções. Não, refiro-me a


uma crise que, como câncer, passa em grande parte despercebida; uma
crise que, no longo prazo, provavelmente será muito mais prejudicial
para o futuro dos governos democráticos: uma crise mundial na
educação. (NUSSBAUM, 2015, p.3)
Para Nussbaum a educação precisa formar cidadãos com o espírito crítico e questiona o
porquê das instituições de ensino fundamental e médio como no ensino superior tirarem
disciplinas humanísticas, como por exemplo a arte e a literatura da universidade, visto
que essas disciplinas são essenciais na formação do sujeito, na formação democrática.
Ainda, segundo ela:
Não devemos ser contra a ciência de qualidade e a educação técnica, e não estou
sugerindo que os países devam parar de tentar progredir nessa área. Minha preocupação
é que outras competências, igualmente decisivas, correm o risco de se perder no
alvoroço competitivo; competências decisivas para o bem-estar interno de qualquer
democracia e para a criação de uma cultura mundial generosa, capaz de tratar, de
maneira construtiva, dos problemas prementes do mundo. (NUSSBAUM, 2015, p.8)
As competências decisivas, segundo ela, cheia de humanidades, traz ao indivíduo a
capacidade de pensar criticamente; a capacidade de abordar as questões mundiais como
um “cidadão do mundo”, com empatia, com a capacidade de enxergar o mundo do
ponto de vista de outro ser humano, podendo levá-lo a considerar que as outras pessoas
têm os mesmos direitos que elas.

14. Democracia e Cidadania na Escola: do Discurso à Prática

15. Por que democracia na escola?


A relação autoritária exclui e impede que todos sejam sujeitos do processo educacional.
A escola não pode prescindir da democracia, da cidadania, da participação, da
autonomia. Se ela se pretende um espaço educacional por meio do qual educandos e
educandas se apropriam do conhecimento historicamente acumulado, tendo como ponto
de partida a prática social concreta e a realidade onde ela acontece, objetivando a
humanização e a viabilização da convivência justa, solidária e sustentável, a escola não
pode estruturar seu trabalho e as relações humanas em bases autoritárias.
A escola pode contribuir para a análise da prática quotidiana e da realidade concreta
vivida pela comunidade, criando condições para que ela entenda a realidade mais
imediata como manifestação das contradições macroestruturais.
A escola pode ser a grande mediadora do conhecimento necessário à comunidade, para
que ela possa construir realidades mais humanas para viver. Como afirma Paulo Freire,
31

o conhecimento não é neutro. Ele possui uma função social. Na perspectiva


emancipadora, ele deve contribuir para compreender mais criticamente a realidade
vivida, para, assim, compreendendo-a mais profundamente, termos condições de agir
sobre ela, transformando-a para melhor. Nesse sentido, o ponto de partida do processo
de construção de conhecimento será a prática social concreta e a realidade onde ela
acontece. A partir da análise dessa prática e da realidade em que ela está inserida, vão
sendo construídos novos níveis de compreensão sobre elas, entendendo sua
complexidade histórica tanto em âmbito político e social quanto em âmbito económico e
cultural e buscando caminhos para a organização e a transformação social.
A relação pedagógica, na perspectiva da humanização, necessariamente, pressupõe a
democracia. Relações autoritárias, fundamentadas no “eu penso, você executa; eu
mando, você cumpre; eu decido, você se submete” negam, na relação pedagógica, a
vivência daquilo que nos caracteriza como humanos: pensar, reflectir, avaliar, projectar,
propor, recriar, agir sobre a realidade, transformando-a e transformando a nós mesmos.
A relação autoritária exclui e impede que todos sejam sujeitos do processo educativo.
Então, poderíamos dizer que uma das razões que explicam a importância da democracia
na escola é que não há relação verdadeiramente pedagógica estruturada em bases
autoritárias. A democracia é condição para a existência da relação pedagógica (PARO,
1993).

16. A escola é um equipamento público prestador de serviços à população.


A escola, também pelo fato de ser uma agência prestadora de serviços à população,
precisa levar em conta os interesses dos cidadãos, a quem ela deve servir e para os quais
foi criada.
A esse respeito, chega, às vezes, a ser assustadora a falta de
consciência do carácter público da instituição em que prestam seus
serviços, revelada por professores e servidores da escola pública em
geral: pais e mães que chegam ao guiché de uma secretaria da escola,
pedindo uma simples informação e são tratados de mau humor por
funcionários que agem como se estivessem fazendo um favor e não
cumprindo um dever e atendendo ao direito dos usuários (BICUDO,
in: PARO, 1999, p.209).
Como atender aos usuários negando-lhes sistematicamente o direito à participação na
gestão da escola? Como servir bem ignorando os cidadãos, ignorando o que pensam
sobre o serviço que recebem?
O Estado se revela à maioria da população pelo funcionário público, pelo ser humano
que atende ao telefone e atende ao balcão, pelo cidadão que trabalha na secretaria da
escola, pelo profissional que atende ao pedido do pai que deseja o histórico escolar do
32

seu filho, pelo médico que realiza uma consulta em um posto de saúde, pelo professor
que realiza uma reunião de pais na escola, etc. O servidor público é a presença física,
material, do Estado para muitos cidadãos. Dependendo da forma como o funcionário
atende à população, ele reforça o conceito de que tudo que vem do Estado não é de boa
qualidade e endossa o discurso daqueles que, insistentemente, desqualificam essa
categoria.
Segundo Dalmo de Abreu Dallari, “o servidor público é quem trabalha para a
administração pública em carácter profissional, não eventual, sob vínculo de
subordinação e dependência, recebendo remuneração directamente dos cofres públicos”.
(2001, Internet). Ao entrar para o serviço público, o funcionário implicitamente assina
um contrato para ser um agente do Estado na busca do bem-estar de toda a sociedade, e
deve estar sempre comprometido com essa missão. Todo funcionário público é um
servidor do público, e a ele deve servir com eficiência e cortesia. A gestão democrática
cria espaços para que o cidadão exerça melhor controle e acompanhamento do serviço
que lhe é oferecido.
Por outro lado, não podemos ignorar que ainda predomina em nosso país um Estado que se
revela insuficiente para tratar das questões sociais e em permanente aperfeiçoamento para
atender aos interesses da reprodução e ampliação do capital. Um Estado assim constituído traz
consequências para o quadro do funcionalismo público: não investe na actualização dos
funcionários (educação continuada); não valoriza o funcionário pagando melhores salários; não
oferece condições favoráveis de trabalho – os funcionários lidam com equipamentos obsoletos,
espaços inadequados para a realização de suas atribuições, etc.
A gestão democrática, no interior da escola, cria oportunidade de a população apresentar suas
insatisfações, seus projectos, seus interesses e, por outro lado, também de ouvir, conhecer e
compreender com mais profundidade as condições de trabalho do próprio servidor. Dessa forma
ambos os lados têm a chance de se juntar em lutas colectivas, pois há questões que ultrapassam
a escola e exigem uma luta mais ampliada na sociedade, para fazer uma mudança para melhor
tanto para os funcionários como para a comunidade. Quanto mais a população se sente
representada e acolhida pelo funcionário, mais ela defende o espaço público conquistado e
melhor é a relação entre o servidor e o cidadão. Servidor e população percebem que são vítimas
de uma política económica e de uma estrutura social que exigem actuação conjunta para sua
transformação.
Não interessa o que fizeram connosco. Mas o que fizemos com o que fizeram connosco.
Sartre
33

Se a educação que defendemos é aquela que contribui para a democracia, a escola deve
começar por ela mesma, se organizando como campo de relações democráticas que
antecipem uma ordem social mais colectiva, mais participativa, mais igualitária, mais
comprometida com a construção de uma sociedade mais justa.

17. O que é uma escola justa?


17.1. A escola das oportunidades.
Ao final da primeira década do século XXI vivemos uma conjuntura política ímpar no
terreno da educação - forjada pela correlação de forças entre a sociedade política e a
sociedade civil organizada - que culminou na Conferência Nacional de Educação
(CONAE) e no actual Projecto de Lei 8035/2010 que tramita no Congresso Nacional.
Esse movimento, ao deflagrar o processo de elaboração e aprovação do novo Plano
Nacional de Educação, reacende as discussões acerca de um projecto de escola mais
justa, especialmente quando confrontado com a perpetuação secular de nossos dois
maiores problemas educacionais: o analfabetismo e a inacessibilidade à educação
básica.
Nesse contexto, a possibilidade de interferir nos rumos da educação de nosso país – via
acompanhamento e proposição de emendas ao PL 8035/2010 – nos mobiliza a repensar
os contornos da escola que queremos: consensualmente adjectivada de [mais] justa e
igualitária.
Não obstante, propor o desenho de uma escola sob o crivo da Justiça e da Igualdade,
numa sociedade marcadamente desigual, pode caracterizar certo nível de ingenuidade e
ilusão.
Desse modo, para não criar simulacros que imobilizem a realização do possível hoje –
ainda que nos limites da sociedade capitalista – é que torna-se indispensável a leitura
desta obra de Dubet, cujo movimento é desencadear, sob a égide da justiça e da
igualdade, políticas possíveis para que [no contexto específico do livro] a escola
francesa aproxime-se mais do princípio meritocrático da igualdade das oportunidades.

17.2. O que é uma escola justa?”,


Recoloca em discussão, já no primeiro capítulo do livro, debates primevos que
permanecem inconclusivos, (re) articulando princípios como os de justiça e igualdade e
o modo como eles se forjam e são forjados no ambiente escolar.
A actualidade e densidade desse debate é condição sine qua non para pensar políticas
educacionais que, além de ampliar as demandas emergentes de acesso, também
34

respondam às demandas relativas à permanência e qualidade da educação escolar. Nesse


sentido, Dubet não é o único a destacar a indissociabilidade entre os princípios de
justiça e igualdade. Norberto Bobbio também afirma que a “igualdade e a justiça
possuem, na realidade, uma importante característica comum: ambas só podem ser
sustentadas por regras que determinam como certos benefícios ou gravames há-de ser
distribuídos entre as pessoas.” (BOBBIO, 2010, p.598).
Essas regras são desveladas por Dubet nesta obra, especialmente quando o autor
demonstra o imbricamento existente entre a constituição de sociedades modernas
democráticas e o princípio da igualdade das oportunidades e da valorização do mérito;
tal pressuposto permite “conciliar dois princípios fundamentais: de um lado, o da
igualdade entre os indivíduos; do outro, o da divisão do trabalho necessário a todas as
sociedades modernas.” (. BUBET, 2008, p. 19) É nesta direcção que se institui o
consenso de que a igualdade das oportunidades delineia um modelo mais justo de
escola, pois as desigualdades que se constroem reflectem, supostamente, a competência
e a capacidade individual de cada um.
Destarte, o livro desmascara a lógica capitalista que reduz a igualdade a uma pseudo-
neutralidade, omitindo os elementos fundantes da desigualdade pela prática compulsória
da meritocracia.
É assim que “(...) a igualdade meritocrática das oportunidades permanece a figura
cardinal da justiça escolar. Ela designa o modelo de justiça, permitindo a cada um
concorrer numa mesma competição sem que as desigualdades da riqueza e do
nascimento determinem directamente suas oportunidades de sucesso e de acesso a
qualificações escolares relativamente raras. (DUBET, 2008, p. 11) Cria-se, no bojo
desse constructo, a ficção necessária às sociedades democráticas modernas, capaz de
justificar as diferenças de remuneração, prestígio, poder e, especialmente, de
performance escolar.
Contrariamente, desenhar contornos mais poliárquicos dos princípios de justiça escolar
esbarra, segundo o autor, numa dificuldade empírica que engendra o modelo da
igualdade das oportunidades, pois “esse modelo nunca foi totalmente realizado” haja
vista a impossibilidade de neutralizar o sistema escolar dos efeitos decorrentes das
desigualdades sociais em suas múltiplas facetas. (DUBET, 2008, p. 11)
É nesse contexto, recheado de antagonismos, que desloca-se o esforço necessário para
construir uma escola mais justa que amplie o conceito de igualdade sem, no entanto,
35

prescindir o modelo de igualdade das oportunidades. Mais do que renunciar a este


modelo – fato que traria perdas históricas à educação das massas – é preciso ampliá-lo.
Para validar tal premissa Dubet retrata episódios do modelo escolar francês destacando,
especialmente, as mudanças decorrentes da passagem de uma concepção denominada de
elitismo republicano ao pressuposto da igualdade das oportunidades, referenciando
empiricamente o plano Langevin-Wallon. Segundo o sociólogo, nesse período, começa
a constituir-se, na França, um modelo escolar em que somente o mérito e o talento
individual poderiam justificar possíveis desigualdades escolares; “uma sociedade na
qual as desigualdades procedam unicamente do mérito e das performances pessoais.”
(DUBET, 2008, p.24)
Essa ‘revolução’ no sistema escolar francês imprimiu uma democratização quantitativa
(acesso) incontestável; mas, concomitantemente, também explicitou outros obstáculos à
igualdade das oportunidades, mais difíceis de combater por estarem visceralmente
arraigados à sociedade de classes.
“Os alunos são colocados no centro de uma contradição fundamental: todos eles são
considerados fundamentalmente iguais por estarem todos engajados numa série de
provações cuja finalidade é torná-los desiguais. (...) Assim, o aluno que fracassa aparece
como o responsável pelo seu próprio fracasso e, ao mesmo tempo, sua igualdade
fundamental é preservada, pois tudo se passa como se ele tivesse decidido “livremente”
sobre suas performances escolares trabalhando mais ou menos.” (DUBET, 2008, p.40-
41)
Por isso, a pugna do autor é elucidar as contradições do mérito como expressão de um
modelo escolar consubstanciado no princípio da igualdade das oportunidades. Para
tanto, paradoxalmente, ele “aceita” e questiona o mérito: “não se pode ignorar que as
provações do mérito, mesmo justas, são de uma grande crueldade para os que
fracassam, principalmente quando esse fracasso é necessário ao funcionamento do
mérito e da igualdade das oportunidades. Entretanto, seria muito difícil imaginar um
princípio de justiça escolar alternativo à igualdade meritocrática e tão forte quanto ela.”
(DUBET, 2008, p. 47)
“A igualdade distributiva das oportunidades”, o sociólogo francês subverte a ficção
necessária da igualdade das oportunidades para as sociedades democráticas, acrescendo-
lhes uma nova sensibilidade: a da igualdade dos resultados e
36

de suas implicações na gestão escolar. Nesse ínterim, descreve as vicissitudes do mapa


escolar, bem como os diversos mecanismos intra e extra-escolares utilizados para burlá-
lo.
Descritos tais aspectos do sistema escolar francês, a centralidade desse capítulo recai
sobre o conceito de equidade, definido politicamente como “dar mais e, sobretudo,
melhor, aos que têm menos.” (DUBET, 2008, p.60) As acções que se encaminham
nessa direcção são chamadas pelo autor de discriminação positiva. No Brasil, há
políticas similares conhecidas como ‘acções afirmativas’; mas, na França, aponta-se
para que a discriminação positiva incida sobre os sujeitos individualmente. “A
discriminação positiva deve ser defendida com a condição de que sirva para apontar
indivíduos e não colectivos, pois é no nível de cada indivíduo que se cristalizam
verdadeiramente os handicaps e as desigualdades sociais.” (DUBET, 2008, p. 62)
A política francesa do mapa escolar tem seu equivalente, no Estado do Paraná,
denominado de georreferenciamento. Trata-se de um sistema da Secretaria de Estado da
Educação que consiste em encaminhar os alunos da rede pública à escola estadual mais
próxima de sua residência.
Mobilidade intra-escolar (conhecimento das regras e dos códigos escolares, explícitos
ou não) como condição indelével de sucesso. “A desigualdade das oportunidades não se
deve apenas às desigualdades de remuneração dos indivíduos e aos diferenciais de
qualidade da oferta escolar, ela procede também das competências dos pais que sabem
utilizar relativamente bem essa oferta” (DUBET, 2008, p. 64-65)
Explicitadas as diferentes facetas das desigualdades escolares o autor insiste na
necessidade de se formular políticas de discriminação positiva, voltadas tanto aos
indivíduos quanto às instituições escolares mais frágeis.
Na sequência, além da igualdade distributiva,
Dubet trata d“A igualdade social das oportunidades”, título do capítulo III, que tem
como tema central o pressuposto de que “a equidade de um sistema escolar pode
também ser julgada pela maneira como os mais fracos são tratados” (DUBET, 2008,
p.13), ou seja, “as desigualdades engendradas por uma competição equitativa e aberta
para acessar recursos e vagas são aceitáveis desde que não degradem ainda mais a
condição dos menos favorecidos.” (DUBET, 2008, p. 73)
Sem atacar o princípio do mérito, convém garantir a todos os alunos a aquisição da
cultura comum a que têm direito. Ao lado de uma igualdade das oportunidades que deve
37

possibilitar aos melhores alcançarem a excelência, é preciso definir o que a escola


obrigatória deve obrigatoriamente garantir a todos os alunos (DUBET, 2008, p. 75).
Dubet reafirma a urgência da reforma escolar a partir de acções políticas que
considerem a igualdade distributiva, social e individual em detrimento ao conceito
monolítico de justiça imbricado a igualdade meritocrática das oportunidades – suporte
da escola republicana francesa. Não obstante, em nenhum momento o autor assume uma
postura ingénua relativa às necessárias transformações escolares, ao contrário, expõe
com propriedade e discernimento as dificuldades inerentes a esse processo de mudança,
caracterizando o espaço escolar como um “terreno de lutas extremamente ferozes no
qual os grupos que conseguem se sair bem não estão dispostos a correr o risco de mudar
as regras.” (DUBET, 2008, p. 118).
Tal postura decorre do fato de que as mudanças desejadas são pensadas sob o crivo do
Estado Moderno de Direito, portanto, sob um Estado capitalista que tem sua génese
articulada à constituição das classes sociais; mas, também este Estado, como defende
Poulantzas, é um espaço de disputa – ainda que desigual entre forças contraditórias e
antagónicas.
Assim, é neste cenário, de disputas possíveis e crescentes, no interior de uma sociedade
real e contraditória, que se inscrevem os pressupostos desse ensaio. Nas palavras do
autor “a ambição deste livro é menos convencer da excelência de suas respostas do que
da urgência de seus questionamentos” (DUBET, 2008, p. 119).

18. Escola, democracia e cidadania


Aprender a ser cidadão e a ser cidadã é, entre outras coisas, aprender a agir com
respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça, não-violência; aprender a usar o
diálogo nas mais diferentes situações e comprometer-se com o que acontece na vida
colectiva da comunidade e do País. Esses valores e essas atitudes precisam ser
aprendidos e desenvolvidos pelos estudantes e, portanto, podem e devem ser ensinados
na escola.

Para que os estudantes possam assumir os princípios éticos, são necessários pelo menos
dois factores:

 Que os princípios se expressem em situações reais, nas quais os estudantes


possam ter experiências e conviver com a sua prática;
38

 Que haja um desenvolvimento da sua capacidade de autonomia moral, isto é, da


capacidade de analisar e eleger valores para si, conscientemente e livremente.

A melhor forma de ensiná-los, portanto, é fazer com que sejam alvo de reflexões e de
vivências. Mais do que os discursos, são a prática, o exemplo, a convivência e a
reflexão sobre eles em situações reais que farão com que os alunos e as alunas
desenvolvam atitudes coerentes com os valores que queremos que aprendam. Por isso, o
convívio escolar é um elemento-chave na formação ética dos estudantes e, ao mesmo
tempo, é o instrumento mais poderoso que a escola tem para cumprir sua tarefa
educativa nesse aspecto. Daí a necessidade de os adultos reverem o ambiente escolar e o
convívio social que ali se expressa, a partir das relações que estabelecem entre si e com
os estudantes, buscando a construção de ambientes mais democráticos.

Além disso, é necessário considerar o acolhimento dos estudantes – de suas diferenças,


potencialidades e dificuldades – e o papel reservado a eles e a elas na instituição. O
cuidado e a atenção com suas questões e problemáticas de vida precisam concretizar o
respeito mútuo, o diálogo, a justiça e a solidariedade que queremos ensinar, caso
contrário, não estaremos dando alguma razão plausível para que os estudantes os
aprendam e os pratiquem.

Por fim, é necessário introduzir tais conteúdos e preocupações como temas sociais que
integrem os conteúdos trabalhados nas escolas, de forma que seus princípios estejam
presentes nas acções quotidianas nas salas de aula e nos demais espaços das instituições
escolares.

Outro aspecto importante a ser considerado nesse processo é o papel activo dos sujeitos
do aprendizado, estudantes e professores, que interpretam e conferem sentido aos
conteúdos com que convivem na escola a partir de seus valores previamente construídos
e de seus sentimentos e emoções. Tal premissa está de acordo com a visão de que os
valores e princípios éticos são construídos a partir do diálogo, na interacção estabelecida
entre pessoas imbuídas de razão e emoções e um mundo constituído de pessoas,
objectos e relações multiformes, díspares e conflituantes. Enfim, uma educação em
valores deve partir de temáticas significativas do ponto de vista ético e propiciar
condições para que os alunos e as alunas desenvolvam sua capacidade dialógica, tomem
consciência de seus sentimentos e emoções (e das demais pessoas) e desenvolvam a
39

capacidade autónoma de tomar decisões em situações conflituantes do ponto de vista


ético/moral.

No livro Educação: um tesouro a descobrir1, destacam-se algumas ideias que ajudam a


compreender o papel da escola na construção da democracia e da cidadania. Por
exemplo:

Nas escolas em que são respeitados princípios como respeito mútuo, solidariedade,
justiça e diálogo, em que alunos e alunas se apropriam de canais de participação na vida
escolar e são incentivados pelos educadores a fazê-lo, cria-se um espaço democrático,
do qual emergem as características de uma cidadania plena.

Os educadores devem sempre estar atentos à coerência entre o discurso e a acção:


respeitar para ser respeitado, assumir e cumprir suas responsabilidades como forma de
compartilhar com os estudantes a importância dessas atitudes.

A participação dos estudantes na escola e na comunidade ajuda a formar seu carácter de


cidadãos e de cidadãs. Em particular, a participação dos diferentes atores da
comunidade educativa nas decisões da escola é uma prática cívica – uma actuação no
espaço público democrático que possibilita conhecer os processos que caracterizam a
vida cívica e política na comunidade. A participação nas decisões vai de simples
contribuições à manutenção e à organização do espaço, possível desde a mais tenra
idade, até a participação em decisões gerenciais e acadêmicas, por meio dos Conselhos
de Escola e das Assembléias Escolares.

A disposição para a mudança (incluindo formação de professores em serviço, trabalho


com os estudantes, participação dos demais funcionários e articulação com a
comunidade) potencializa a capacidade de atuação da escola e fortalece todo o trabalho
educativo. A escola tem mais força para atingir suas metas educativas, o que reforça a
própria instituição e produz um efeito cumulativo, propiciando transformações cada vez
mais profundas e duradouras.

18.1. Democracia e cidadania na educação escolar


A temática “democracia e cidadania na educação escolar” surge em virtude das ati-
vidades de ensino1, pesquisa2 e extensão3, por meio do Programa Institucional de Bolsa
1
40

de Iniciação Científica (PIBIC), do Programa Bolsa de Extensão, instituído como


Programa de Assessoria Pedagógica e Psicológica (PEAP) da Universidade Regional
Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), Campus de Erechim, do Departamento
de Ciências Humanas(Curso de Pedagogia), Grupo de Pesquisa Ética e Educação, tendo
como linha de pesquisa “políticas públicas, currículo e educação”. Justifica-se pelo que
segue:
A educação, tanto no sentido amplo como restrito, exerce uma função social. Isso
significa que tanto educação sistemática quanto assistemática exercem influência
decisiva na formação humana, o que leva ao entendimento de que as práticas sociais
dominantes de individualismo e competição estão, de maneira prevalente no espaço
social, representadas pela busca do ter e do poder, principalmente na sociedade de
consumo. São, dessa forma, estimuladas no seio das práticas sociais e educativas. A
sociedade, no seu conjunto, vem privilegiando ações individuais em detrimento das
ações coletivas do grupo e da comunidade. Assim, ao centralizar o indivíduo, mediante
suas ações e suas conquistas, exclui os contextos grupais, coletivos, comunitários,
históricos e temporais. Com isso, elimina todas as possibilidades de construção para a
humanização partir de estímulos visuais e sensitivos, que são enfatizados pela sociedade
dominante e pelas suas organizações institucionais. Assim sendo, geram-se, no
imaginário individual, necessidades materiais inclusas nos desejos, sonhos e anseios a
serem conquistados individualmente. Nesse jogo de centralismo das práticas
individuais, elevam-se o “eu” em detrimento do “tu” e do “nós”. Exibir e proclamar as
conquistas individuais passa a ser parte de crescimento, progresso individual e de
competência social. Isso conduz à construção de um humano desumano, egocêntrico e
com patologia. Nesse sentido, existe a necessidade de repensar-se a sociedade, a
educação e o humano.
b) A existência de uma sociedade humana requer ações planejadas e intencionais.
Devido ao quadro exarcebado de estímulo e divulgação de ações individuais, em de-
trimento das ações coletivas, a sociedade encontra-se em situação de risco e de crise.
Risco nas relações e na convivência humana, dado que as existenciais estão sendo
vivenciadas por múltiplas violências. Crise de valores, de ética e de moral, tendo como
responsável o paradigma herdado (cartesiano). Isso significa práticas impositivas de
condicionamento dos indivíduos a exercícios de classificação, divisão, seleção,
manifestados na dicotomia de aptos e não aptos, dos que podem e dos que não podem,
41

dos que sabem e dos que não sabem, dos talentosos e dos não talentosos. Tal situação
direciona o pensar sobre o real e o ideal de pessoa humana e da sociedade, com vistas à
mudança e à transformação. Para tanto, emerge também uma necessidade de ações
planejadas e intencionais, por parte da escola e de seus educadores, visando à trans-
formação social, de forma que todos possam participar efetivamente na reconstrução do
humano que habita em cada ser.
c) As possibilidades de uma emancipação social estão na emancipação humana de
todos. As providências e os estímulos para que o indivíduo busque e realize sua emanci-
pação social, são evidentes na sociedade. Porém, a observação que se tem encontra-se
no fato de que o humano se educa na construção de sua relação com o mundo e com os
outros. (FREIRE, 2002). Por isso, é impossível falar em conquista humana sem situá-la
no espaço e no tempo, uma vez que é preciso refletir sobre o que, como, quando e onde
ocorrem as conquistas dos indivíduos. Na reflexão sobre essas interrogativas, apreende-
se que as ações dos indivíduos originam-se das oportunidades e condições
proporcionadas em sua historicidade. Fato que encaminha a escuta e a visão de que
poucos são os indivíduos que estão envolvidos nessa situação, embora estejam situados
como parte desse todo denominado sociedade. Enaltecer práticas individuais em
detrimento do grupo, do coletivo e/ou de uma comunidade, é excluir o todo e as partes
que o compõem. Nesse sentido, a busca de uma emancipação social encontra-se
condicionada à emancipação de todos. Quanto mais houver eclosão individual, isolada e
solitária, maiores serão o afastamento e o distanciamento da emersão social de todos.
Nesse caso, educação escolar e educação não escolar desempenham esse papel de
trabalhar e privilegiar ações coletivas, por meio de vivências e experimentações, sem
perder de vista o eixo giratório da sociedade. (MORIN e MOIGNE, 2000).
d) As práticas educativo-pedagógicas solidárias, coletivas e reflexivas podem levar
à conscientização crítica. Potencializar e creditar práticas educativo-pedagógicas
solidárias e coletivas torna-se necessário na sociedade atual.

e) O preparo para o exercício da cidadania é parte dos princípios e fins da atual


Lei da Educação brasileira. Observa-se que o discurso sobre a formação condizente
com a Educação Básica, ao tornar indispensável o exercício da cidadania entre
educandos(as) da Educação Infantil ao Ensino Médio, vem sendo constituído por clichês
e muito pouco se sabe sobre o que, de fato, as escolas vêm realizando. Nesse contexto, a
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Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei Nº. 9.394/96, art. 32, salienta que,
para o Ensino Fundamental, a formação básica do cidadão tem como objetivos:

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o


pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecno-


logia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aqui-


sição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana


e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.
Ao considerarmos os pesquisadores em Educação, que centram seus estudos nas
questões de cidadania, democracia, direitos humanos e participação, destacando
proposições sobre essas temáticas, inserindo alguns elementos básicos para que o
cidadão possa se emancipar, progredir no trabalho e em estudos posteriores, bem como
para contribuir com o pleno desenvolvimento da pessoa humana, indagamos sobre a
realidade a fim de conhecer o que realmente acontece e o que não acontece, ou como
poderia ocorrer o exercício da democracia e da cidadania na Educação escolar.
Com isso, objectivamos, neste momento, externar nossas inquietações sistematizadas,
visando a contribuir para a ampliação do processo de construção da cidadania em todos
os níveis e modalidades da Educação brasileira. Especificamente, pretendemos reflectir
sobre alguns pressupostos teóricos em que acreditamos e que consideramos necessários
às actividades que envolvem democracia e cidadania. Além disso, buscamos
contextualizar tais pressupostos com as realidades apresentadas, para propor algumas
práticas pedagógicas possíveis ao exercício da democracia e da cidadania. Para tanto,
organizamos nosso estudo e reflexões em três eixos: no primeiro eixo, procuramos
sublinhar a fundamentação teórica para uma educação voltada à democracia e à
cidadania na perspectiva crítica. Já no segundo eixo, tentaremos realizar nossa leitura e
interpretação de algumas realidades, com vistas ao estudo que vimos efectuando.
Finalmente, apresentamos propostas de algumas práticas teóricas possíveis e realizadas
no período de Agosto de 2008 até o momento actual.

19. Do exercício da democracia e da cidadania à cidadania emancipatória.


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A leitura e as reflexões críticas sobre “democracia e cidadania” iniciam-se com


Locke (1999) e Rousseau (1996) 4, encaminhando a afirmativa de que a luta pela sua
construção e efectivação principia nos séculos XVII e XVIII, final da Idade Moderna e
início da Idade Contemporânea, aproximadamente, quando, por um lado, Rousseau
(1996, p.12-13) afirmava que:

O mais forte nunca é bastante forte para ser sempre


o senhor, se não transformar sua força em direito e
a obediência em dever.
[...] Ceder à força é um ato de necessidade, e não
de vontade; é quando muito um ato de prudência.
[...] Ora, o que é um direito que perece quando
cessa a força? Se é preciso obedecer pela força, não
há necessidade de obedecer por dever, e, se já não
se é forçado a obedecer, também não já se é
obrigado a fazê-lo. Vê-se, pois, que a palavra
direito nada acrescenta à força; não significa, aqui,
absolutamente nada.
Por outro lado, Mello (1999, p.86, op.cit. LOCKE), ao explicar o pensamento de
John Locke como um dos precursores do Individualismo liberal, destaca:

Em Locke, o contrato social é um pacto de


consentimento em que os homens concordam
livremente em formar uma sociedade civil para
preservar e consolidar ainda mais os direitos que
possuíam originalmente no estado de natureza. No
estado civil os direitos naturais inalienáveis do ser
humano à vida, à liberdade e aos bens estão melhor
protegidos sob o amparo da lei, do árbitro e da
força comum de um corpo político unitário.
Entretanto, as realidades deste século nos mostram que os princípios de democracia e de
cidadania na Educação escolar ainda continuam permeados de princípios individualistas
liberais ao invés de princípios sociais. Percebemos que no seio da prática pedagógica
dominante, encontramos, ainda, a democracia e a cidadania em nível da permissão,
daquilo que é concedido, desfavorecendo o que possa vir a ser construído. Isso porque
um número significativo de sujeitos da Educação escolar apresenta, em suas maneiras
de ser, através de suas atitudes e comportamentos, medo de se expressar, à espera de
que seja concedida autorização, motivação e apoio para a emersão de opiniões e
pensamentos no que se refere à realidade cotidiana da prática escolar e social.
Coabitam, no interior das práticas pedagógicas e sociais predominantes, os princípios
liberal-positivistas5. Em consequência disso, existe um sentimento no aluno, no
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professor e nos profissionais da Educação escolar de que as manifestações contrárias às


expostas e estabelecidas na Instituição e no Sistema Escolar provocam conflitos e
desestabilizam o instituído, prejudicando o crescimento dos organismos institucionais,
bem como a vida escolar e profissional dos envolvidos. O silêncio e/ou omissão
encontram-se como alternativa presente. Assim, a democracia e a cidadania são vistas
como motivação e entrada de problemas institucionais, e não como uma busca pela
solução de conflitos.

19.1. Implicações da (não) democracia e da (não)cidadania à Educação escolar na


vida social,
O problema da formação social deve ser posto no primeiro
plano das nossas preocupações referentes aos programas de
ensino, deve ser considerado em toda a sua vastidão e ir do
conhecimento dos grandes processos sociais do mundo
moderno à capacidade de compreender o meio concreto em
que se age e se vive. (WOJNAR, 2010, p.134).

O pensamento dirigido sobre “implicações da (não)democracia e da (não) cidadania da


Educação escolar na vida social” fundamenta-se, principalmente, na dimensão social da
escola, atribuída pela sociedade de classe dominante. Se, por um lado, a sociedade
dominante reafirma, por meio de sua organização social, política, territorial, econômica
e cultural, a divisão de classes, determinando as condições e oportunidades para a
grande maioria, por outro lado, exige dessa grande maioria o cumprimento de princípios
e normas definidos e estabelecidos por ela sem a participação e envolvimento destes.
Isso faz com que desejos e anseios de muitos indivíduos inseridos historicamente na
classe marginalizada, sejam pela busca constante de ocupar, também, os espaços da
classe dominante, correndo o risco de passarem de oprimidos a opressores.
Essa realidade já vem sendo apresentada
Na medida em que o homem perde a capacidade de optar e vai sendo
submetido a prescrições alheias que o minimizam e as suas decisões já
não são suas, porque resultadas de comandos estranhos, já não se
integra. Acomoda-se. Ajusta-se. O homem integrado é o homem
sujeito. A adaptação é assim um conceito passivo – a integração ou
comunhão, ativo. Este aspecto passivo se revela no fato de não ser o
homem capaz de alterar a realidade, pelo contrário, altera-se a si para
adaptar-se. A adaptação daria margem apenas a uma débil ação
defensiva. Para defender-se, o máximo que faz é adaptar-se. Daí que a
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homens indóceis, com ânimo revolucionário, se chame de subversivos.


De inadaptados. (FREIRE, 1976, p. 42).

Outras implicações compreendidas pela (não)democracia e pela (não)cidadania dizem


respeito a comportamentos autoritários e individualistas, com o desenvolvimento de
práticas de intolerância social, traduzidas em violência social e escolar, bem como
dificuldades de escuta e reconhecimento do outro. Isso porque as lacunas históricas de
vivências de democracia, de igualdade, de acesso e oportunidades ao bem público, ao
bem comum, são levadas no âmbito de concessão de direitos individuais em detrimento
dos colectivos.
Se o indivíduo é hoje o pior inimigo do cidadão, e se a individualização significa
problema para a cidadania e para as políticas baseadas na cidadania, é porque são as
preocupações e os interesses dos indivíduos que indivíduos preenchem espaços
públicos, pretendendo ser seus únicos ocupantes legítimos e expulsando todo o resto do
discurso público. O público é colonizado pelo privado; o interesse público é reduzido à
curiosidade a respeito das vidas privadas das figuras públicas, limitando a arte da vida
pública à exposição pública dos casos privados e das confissões públicas de sentimentos
privados (quanto mais íntimos melhor). As questões públicas que resistem a tal redução
se tornam incompreensíveis (BAUMANN, 2008, p.68).

19.2. Proposta de algumas práticas possíveis de teorias.

A tarefa do pedagogo consiste em ajudar os indivíduos nas condições de sua vida


real e cotidiana. Se afirmarmos que o ser humano, nascido biologicamente, nasce
novamente como homem graças à educação, o sentido moderno dessa definição
deve implicar a problemática da formação dos indivíduos, com vistas à
realização das suas tarefas colocadas pelo desenvolvimento histórico da huma-
nidade (WOJNAR, 2010, p.138).

A sustentabilidade de práticas possíveis teóricas em educação escolar, para o


processo construtivo e educativo da cidadania e da democracia, compreende ações
direcionadas à retomada do projecto de hominização que envolve: princípios de ética e
moral emancipatórias para todos; práticas solidárias, fraternas e compartilhadas; práticas
reflexivas contínuas sobre “cuidar e educar”, em prol da cidadania e da democracia
igualitárias; processo permanente e dinâmico do planejamento e gestão educacional na
perspectiva de direitos humanos, cidadania, participação e democracia igualitária;
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avaliação periódica caracterizada como contínua, cumulativa e diagnóstica do projecto


educativo-pedagógico da escola, visto que

A concepção do homem toma, por isso, um carácter social e histórico; o homem


converte-se num ser concreto que actua na realidade e a reflecte nas suas vivências, num
ser que está determinado por relações de produção concretas e que está integrado em
determinadas classes da sociedade. A educação obtém, com isso, uma orientação
objetiva e social que está livre de opiniões falsas sobre a vida interna independente e
sobre a natureza humana irracional, e que certa terapêutica psíquica poderia melhorar os
indivíduos e as relações sociais. (Ibid, 2010, p.80).

Nessa dimensão, ao se considerar a “educação como uma orientação objectiva e social”


a serviço de uma educação democrática e cidadã, é que elegemos alguns pressupostos
que consideramos necessários a acções dirigidas a uma prática pedagógica
emancipatória e transformadora dos sujeitos educativos. Assim, encaminhamos algumas
ponderações que podem torná-las democráticas:
19.3. Por uma ética e moral emacipatórias
Dermerval Saviani (2010, p.98), ao ser indagado sobre “ética e moral”, declara que:
Correntemente as palavras “ética” e “moral” são usadas, de modo geral, como
sinônimos, significando os princípios e normas da boa conduta ou a própria conduta
quando guiada por regras que conduzem a praticar o bem e evitar o mal. Em sentido
técnico, a “ética” refere-se aos princípios e normas como tais e, mais especificamente, à
ciência ou à parte da filosofia que estuda princípios e normas buscando distinguir entre
o bem e o mal, ao passo que a “moral” corresponde à rectidão dos costumes que
conduzem a acções consideradas correctas e meritórias no seio de uma determinada
comunidade que compartilha um mesmo sistema de valores construírem e ou se
apresentarem modelos de pessoa humana ética e moral, a fim de que possamos restituir
o que é do humano e de sua natureza própria. Para tanto, acreditamos que é possível
fazer emergir, nos alunos de Educação Básica, reflexões e práticas de democracia, de
cidadania e, por conseguinte, de direitos humanos.

20. Ressignificação do projeto político-pedagógico da escola


Sustentado em vivência de práticas democráticas, participativas e cidadãs, isso
porque a construção do projecto político-pedagógico da grande maioria das escolas
configura-se em fragmentos de democracia, de cidadania e de direitos humanos. A
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Escola, em seu todo, necessita indagar-se sobre quais práticas dominantes vem
protagonizando.
20.1. Pedagogia de Projecto Interdisciplinar
Tendo como princípio a gestão democrática e participativa de todos os sujeitos
educativos (pais, alunos, funcionários, professores, comunidade em que a Escola se
insere), a partir dos problemas que a escola enfrenta em termos de (não)democracia e
(não) cidadania.
20.2. Reelaboração da matriz curricular
Existe possibilidade de reorganização da matriz curricular que se configurará em plano
de estudos, através de eixos temáticos integradores das diferentes áreas de conheci-
mentos, na perspectiva de uma escola cidadã que inclua a avaliação escolar na dimensão
crítica, participativa e cooperativa.
20.3. Oficina de Cidadania
Com o propósito de se trabalhar uma das problemáticas referidas pela acção
diagnóstica, tendo como princípio a gestão democrática, é possível incluir nas oficinas
pedagógicas temáticas que envolvam situações do quotidiano social, tais como:
violência, corrupção, acesso aos serviços públicos, direitos humanos, participação,
democracia, política e políticos, entre outras.

21. As teorias contemporâneas da educação


Vivemos um período em que de toda a parte, surgem interrogações acerca das orientações a dar
para a educação. Todos nós nos interrogamos acerca da natureza das mudanças educativas. 

Que teoria da educação devemos escolher?


A realidade actual mostra um mundo ao mesmo tempo homogéneo e heterogéneo, num
processo de globalização e individualização, afectando sentidos e significados de indivíduos e
grupos, criando múltiplas culturas, múltiplas relações, múltiplos sujeitos.

A educação ocupa-se das tarefas de formação humana em contextos determinados por marcos
espaciais e temporais. O objecto de investigação na educação, implica considerá-lo como uma
realidade em mudança.

Bertrand ( 2001) ,recorre à metáfora do triângulo.

Classifica as teorias da educação contemporânea em sete grandes correntes: académicas,


humanista espiritualista, humanista personalista, social, sociocognitivas, psicocognitivas e
tecnológicas.
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Para fazer esta classificação encontrou quatro aspectos polarizadores: 

   o aprendiz/formando, beneficiário da educação;

   a sociedade, em benefício da qual e em nome da qual se faz a educação e


formação;

  os conteúdos, por intermédio dos quais  se educa.

 e interacção, seja ela presencial, à distância ou  mista, formal ou informal,


que consubstancia o acto educativo.

Em suma:

            As teorias humanistas  -       dão mais ênfase ao sujeito/aprendiz

            As teorias sociais  -                põem em ênfase a sociedade

            As teorias académicas -        têm como pólo preferencial os conteúdos

As teorias psicocognitivas-   dão ênfase às interacções didácticas

As teorias sociocognitivas e tecnologias -   quando o foco é posto nos media

Bertrand, não incluiu as teorias comportamentalistas, por não as considerar contemporâneas.

As teorias contemporâneas da educação têm sido associadas cada uma a um só pólo, apesar
disso, cada vez mais, esses pólos interferem entre si, criando ligações interdisciplinares,
multidisciplinares e transdisciplinares.

Para todos estes construtivismos a organização do conhecimento é feita pelo homem e não
aparece como um dado objectivo da natureza.

Segundo Von Glaserfeld (1996), o conhecimento não é recebido passivamente mas é construído
activamente pelo sujeito conhecedor. O processo de construção do conhecimento está
dependente da sociedade da qual o indivíduo faz parte.

O Construtivismo conduz a uma prática que sustenta que:

 o conhecimento reside nos indivíduos e não lá fora;


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  as palavras não são embalagens de conceitos (havendo que negociar


significados) a estratégia de aprendizagem é, geralmente, de resolução de
problemas;

  os outros são muito importantes (pois provocam perturbações que ao


resolverem-se conduzem à aprendizagem cooperativa ou mesmo colaborativa);

 a experiência é muito importante mas visa provocar uma harmonização parcial


com a realidade (já que os sentidos não são condutas através das quais a verdade
seria transmitida a partir do exterior);

  os conhecimentos prévios dos aprendizes são muito importantes; a


aprendizagem deve desenvolver-se em torno das questões à volta das quais as
pessoas estão a estudar; significado exige a compreensão do todo e não só das
partes e estas devem ser compreendidas no contexto dos todos a que pertencem

  e para se ensinar bem é preciso compreender bem os modelos mentais que os


estudantes usam para a percepção do mundo e os pressupostos que fazem para
suportar esses modelos.

O construtivismo em relação à profissionalidade do  docente, refere  dimensões fundamentais


para a orientação da sua prática, tais como: o estímulo da auto reflexão, a articulação e
avaliação do desempenho, e a catalisação de um debate.

22. Conclusão
Na expectativa de deixar mais claro o problema da educação junto as tecnologias
emergentes, o discurso comunicacional contemporâneo que envolve mercado, parece
redignificar a produção do conhecimento, em consonância com a mudança do modo de
perceber e experimentar a vida. Cada vez mais, os jovens realizam novas experiencias
com abordagens distintas e, ao mesmo tempo, inusitadas, que surpreendem a sociedade.
A cada nova investigação, um exercício de percepção experimenta outro desafio
aplicado que provoca a reformulação de uma teoria geral. As actualizações revigoram
os sentidos em efeitos. E o saber atesta-se na complexidade contínua do pensamento
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contemporâneo desdobrado numa infinita fluidez (acção) sobreposta no


objecto/contexto.
Por sua vez, as tecnologias impactam a produção de bens e serviços e no conjunto das
relações sociais, há a modificação dos conceitos de tempo, espaço e realidade. São
tecnologias mediáticas que provocam um repensar, em termos de realidades virtuais a se
actualizarem a mediação corpo/máquina. E essas questões de mediação apontam para
itens básicos das configurações futuras, em termos sociais, tais como o modo de
produção, as tecnologias da informação, da comunicação e a democracia política

23. Referências bibliográficas


Textos de apoio

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