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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Natan Mario Krutzsch

ENTRE A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E A LIBERDADE DE APRENDER: a


construção histórica do sentido da educação no cárcere brasileiro entre 1984-2019

Florianópolis
2022
Natan Mario Krutzsch

ENTRE A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E A LIBERDADE DE APRENDER: a


construção histórica do sentido da educação no cárcere brasileiro entre 1984-2019

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós


-Graduação em História pela Universidade Federal de
Santa Catarina para obtenção do título de Mestre em
História.
Orientador: Prof. Dr. Adriano Luiz Duarte

Florianópolis
2022
Ficha de identificação da obra
Natan Mario Krutzsch
Entre a privação de liberdade e a liberdade de aprender: a construção histórica
do sentido da educação no cárcere brasileiro entre 1984-2019

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca


examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.(a) Elison Antonio Paim, Dr.(a)


Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Prof.(a) Ana Claudia Ferreira Godinho, Dr.(a)


Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Prof.(a) Prof. Adriano Luiz Duarte, Dr.(a)


Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi
julgado adequado para obtenção do título de mestre em História.

____________________________
Coordenação do Programa de Pós-Graduação

____________________________
Prof. Dr. Adriano Luiz Duarte
Orientador

Florianópolis, 2022.
Este trabalho é dedicado a todos que acreditam na capacidade de ser mais do ser
humano.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a meu orientador e colegas da linha de pesquisa que auxiliaram na


delimitação e elaboraram proposições ainda na fase de construção desse trabalho; minha mãe,
que sempre me incentivou a ser mais por meio da educação; minha companheira, Luiene, a qual
foi peça chave para a discussão e ampliação dos debates aqui propostos, além de me auxiliar
com os percalços do período de elaboração dessa dissertação. Agradeço, por fim, a todos
familiares e amigos que discutiram esse processo e deram suporte para que ele fosse concluído.
RESUMO

O presente trabalho, buscou investigar historicamente o sentido atribuído à educação em


espaços de privação de liberdade no Brasil, com destaque para o caso catarinense, durante o
período de 1984 a 2019, tendo como fonte histórica a legislação e analisando-a a partir da
compreensão de que essa se apresenta como síntese do processo de articulação de sujeitos em
determinadas condições materiais a eles colocadas pelo contexto. De maneira geral, a educação
tem adquirido, no âmbito legal, papel fundamental para a ressocialização, além de se configurar
como direito inalienável do ser humano. Ao longo da análise, é possível perceber que a partir
da ampliação dos direitos, bem como do regime democrático, após 1984, e das lutas travadas
pela classe trabalhadora, se avança na defesa da educação enquanto direito de todos, incluindo-
se as pessoas privadas de liberdade, o que tem significado a ampliação do acesso à educação
ainda que não sua universalização. Observou-se também neste período a regulamentação da
educação nos espaços de privação de liberdade dentro dos marcos legais.

Palavras-chave: Educação; Prisões; Ressocialização; Direito à Educação.


ABSTRACT

The present work sought to historically investigate the meaning attributed to education in spaces
of deprivation of liberty in Brazil, with emphasis on the case of Santa Catarina, during the
period from 1984 to 2019, having the legislation as a historical source and analyzing it from the
understanding that this is presented as a synthesis of the process of articulating subjects in
certain material conditions placed on them by the context. In general, education has acquired,
in the legal sphere, a fundamental role for resocialization, in addition to being an inalienable
right of the human being. Throughout the analysis, it is possible to perceive that from the
expansion of rights, as well as the democratic regime, after 1984, and the struggles waged by
the working class, progress is made in the defense of education as a right for all, including
people deprived of freedom, such a struggle has meant the expansion of access to education
even if not its universalization. It was also observed in this period the regulation of education
in spaces of deprivation of liberty within the legal frameworks.

Keywords: Education; Prisons; Resocialization.


LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Perfil educacional dos detentos no Brasil em 2019 .................................................. 70


Tabela 2 - Oferta de Educação segundo SISGESC .................................................................. 91
Tabela 3 - População Privada de Liberdade em SC ................................................................. 95
Tabela 4 - Bibliotecas nos estabelecimentos prisionais por ano .............................................. 96
Tabela 5 - Salas de aula nos estabelecimentos prisionais ......................................................... 96
Tabela 6 - Professores e pedagogos nos estabelecimentos prisionais ...................................... 97
Tabela 7- Total de pessoas privadas de liberdade em atividades educacionais........................ 98
Tabela 8 - Pessoas envolvidas na Educação Básica ................................................................. 98
Tabela 9 - Pessoas envolvidas em outros níveis e modelos de educação ................................. 99
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACT - Admissão de Professores em Caráter Temporário

CE - Ceará

CEA - Centro de Educação de Adultos

CEB - Câmara de Educação Básica

CEE – Conselho Estadual de Educação

CEJA – Centro de Educação de Jovens e Adultos

CF – Constituição Federal

CGJA - Corregedoria Geral da Justiça

CGSE – Coordenação Geral de Supervisão Estratégicas

CNE – Conselho Nacional de Educação

CNJ - Conselho Nacional de Justiça

CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

COAPE - Coordenadoria de Administração Penitenciária

CONAE - Conferência Nacional de Educação

CONFITEA - Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos

DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional

DF – Distrito Federal

DIRPP - Diretoria de Políticas Penitenciárias

DPAEJA - Diretoria de Políticas de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos

EITICE - Encontro Internacional de Estudantes e Pesquisadores sobre a Temática Cárcere e


Acesso a Direitos Educativos

EJA – Educação de Jovens e Adultos

ES – Espirito Santo

EUA – Estados Unidos da América


FMI – Fundo Monetário Internacional

FUNDEB – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica

INFOPEN - Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LEP – Lei de Execuções Penais

MEC – Ministério da Educação

MG – Minas Gerais

MJ – Ministério da Justiça

OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OEI - Organização dos Estados Ibero-americanos

ONU – Organização das Nações Unidas

PAR - Plano de Ações Articuladas

PCC – Primeiro Comando da Capital

PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação

PEEP – Plano Estadual de Educação em Prisões

PEESP - Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional

PNE - Plano Nacional de Educação

PPP – Projeto Político Pedagógico

PR - Paraná

RJ – Rio de Janeiro

RO - Rondônia

RS – Rio Grande do Sul

SC – Santa Catarina

SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

SECADI - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão


SED – Secretaria de Estado da Educação

SJC – Secretaria de Justiça e Cidadania

SP – São Paulo

STJ - Superior Tribunal de Justiça

UFF – Universidade Federal Fluminense

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

USP – Universidade de São Paulo

WPB - World Prison Brief


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 15
1 - PREMISSAS E PERSPECTIVAS 21
1.1 - As Prisões 22
1.1.1 - O sentido geral das prisões 22
Transição entre o binômio prisão-custódia para prisão-pena 22
As prisões com a ascensão da burguesia e a formação do Estado Moderno 24
1.1.2 - A ressocialização 32
1.1.3 - As prisões no Brasil 37
1.2 - A Educação 40
1.2.1 - O direito à educação 41
1.2.2 - A Educação de Jovens e Adultos 42
1.2.3 - A Educação para a Emancipação Humana 48
2 - A EDUCAÇÃO NO CÁRCERE BRASILEIRO: ENTRE O DIREITO E A
RESSOCIALIZAÇÃO 54
2.1 - Lei de Execuções Penal de 1984 57
2.2 - As primeiras experiências educacionais no cárcere 59
2.2.1 - Experiências díspares de educação no cárcere brasileiro 59
2.2.2 - Ensaios locais para uma política educacional (1984-2005) 60
2.3 - Uma experiência de educação nacional institucionalizada (2005-2011) 64
2.4 - A efetivação da remição de pena pelo estudo em 2011 67
2.5 - Os anos pós institucionalização: a educação de 2011 a 2019 68
3 - A EDUCAÇÃO EM PRESÍDIOS DE SANTA CATARINA 76
3.1 - A Educação Prisional em SC: primeiras aparições legais 76
3.2 - As Diretrizes operacionais para a Educação em Presídios - 2012 79
3.3 - O Plano Estadual de Educação em Prisões de SC 2015-2016 81
3.4 - O Plano Estadual de Educação em Prisões de SC 2016-2026 89
3.5 - O PPP do CEJA - Rio do Sul e os dados da educação em SC entre 2015 e 2019 93
CONSIDERAÇÕES FINAIS 101
REFERÊNCIAS 104
ANEXO A – Programação do curso e seminários estaduais de educação em
prisões de 2010 e 2014. 113
15

INTRODUÇÃO

Esta dissertação e a curiosidade acerca da temática da educação no cárcere nasce da


minha experiência como professor, pelo CEJA, no Presídio Regional de Rio do Sul, Santa
Catarina. Durante os dois semestres em que lá estive, mantive uma postura de observação do
espaço e diálogo com todos nele envolvidos, alunos, técnicos, professores, direção e agentes
prisionais, buscando conhecer e reconhecer um pouco das suas visões sobre a educação em um
espaço tão singular. Ministrei nesse período as disciplinas de Geografia para o Ensino
Fundamental e Médio e de Sociologia para o Ensino Médio. Parte das reflexões aqui
apresentadas surgem dos espaços de diálogo, em especial com os alunos do Ensino Médio.
Em minha experiência como educador no sistema prisional, presenciei muitos alunos
que tinham aula apenas um período em um único dia da semana, pois só existia uma sala de
aula na unidade prisional. Portanto, os alunos que estudavam geografia no Ensino Médio, por
exemplo, só participavam dessa aula na semana. Ou seja, a fim de abarcar o maior número de
pessoas na educação, se restringia os dias de estudo dos alunos. Também o tempo ali era outro,
as manhãs de aulas que duram regularmente quatro horas, ali duravam aproximadamente duas
horas e meia. Ainda assim, nem todos os alunos interessados conseguiam um período de estudo.
Diversas foram as vezes em que os alunos relataram a dificuldade de criar uma dinâmica de
aprendizagem e que possuíam o interesse em estudar mais dias na semana. Por vezes
perguntavam também quando outros colegas começariam a estudar, pois já tinham
encaminhado requisição e realizado todos os trâmites burocráticos, mas não haviam obtido
retorno quanto à solicitação.
O acesso ao direito à educação daqueles que frequentavam as aulas é questionável,
uma vez que a educação não se dá por um processo contínuo. O direito também não é garantido
para os outros detentos que, conforme relatavam os colegas, tinham interesse, mas não
poderiam frequentar as aulas devido à falta de estrutura. Ou seja, foi possível observar limites
impostos à educação dentro do presídio em diversos aspectos: falta de estrutura física,
contávamos com apenas uma sala de aula para os mais de 300 detentos; poucas orientações
quanto às necessidades específicas dos estudantes; falta de reconhecimento do papel da
educação por parte de funcionários do presídio; falta de incentivo financeiro aos professores do
sistema prisional; inexistência de material didático específico a este grupo da EJA; falta de
continuidade no processo educativo devido à rotatividade de professores e ao limitado tempo
de aula por semana; inexistência de profissionais da educação concursados para o trabalho no
presídio, situação que se repetia nos Centros de Educação de Jovens e Adultos (CEJA’s).
É preciso observar que, ao negar educação, nega-se também a liberdade de apreender
e, por conseguinte, a emancipação humana. Daí o desconforto gerado em um professor nessas
observações que culmina na tomada de postura por uma análise mais profunda dessa realidade.
Essas dificuldades observadas geraram um anseio na busca por compreender o porquê de não
ser garantida a educação a esse grupo de sujeitos, tanto na forma de acesso, quanto de
permanência, bem como, compreender mais amplamente a educação e seus sentidos nesse
espaço.
Ao iniciar a prática docente no espaço prisional, desconhecia a legislação específica e
tampouco fui orientado a consultá-la. Assim, por conta própria, e por considerar ser função do
professor, comecei a investigar esses percalços a partir do que era público. Percebi inicialmente
que a educação no sistema prisional possui a primazia de ser utilizada para o que a legislação
chama “ressocialização”. Me postei, então, a questionar tal conceito e logo percebi uma
contradição: para ressocializar é preciso que os sujeitos não estejam mais socializando, ou não
o estejam fazendo nos termos que a sociedade deseja, algo que vai de encontro à concepção de
educação crítica, para a qual todos os sujeitos estão em permanente processo de socialização a
partir da realidade na qual estão inseridos.
Ao observar não apenas o conceito, mas também o contexto, percebemos que hoje, em
números absolutos, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, são mais
de 713 mil pessoas privadas de liberdade em nossos cárceres. O país fica atrás apenas de Estados
Unidos e China. Segundo a World Prison Brief (WPB), no que diz respeito à taxa de
encarceramento (presos a cada 100 mil habitantes), o Brasil figura no top 20, muito à frente de
países considerados referência em segurança pública como Nova Zelândia (77º), Portugal
(137º), Áustria (151º), Dinamarca (171º), entre outros.
O que observamos diariamente, entretanto, é que, apesar do Brasil ter uma larga taxa
de punição e encarceramento, o país tem uma população livre que não se sente segura, ao
contrário, cada dia o povo brasileiro sente-se mais refém e vítima da violência, o que leva alguns
autores a considerarem essa uma questão de saúde mental pública. Esse contexto aparentemente
contraditório, entretanto, articula diferentes interesses e se alicerça em questões históricas
profundamente enraizadas na cultura brasileira.
17

Este Estado punitivista, caso do brasileiro, se alicerça em grande medida na herança


maldita da escravidão, ou seja, serve como forma de controle social das camadas pobres e
periféricas, daí resulta o medo da violência por parte do Estado, que tem como foco a
discriminação e intimidação das classes subalternas perante o status quo. Outro elemento
bastante importante, que aparece para a manutenção do sentimento de insegurança e das altas
taxas de encarceramento, diz respeito às relações políticas populistas, especialmente no caso
brasileiro, no qual a insegurança é utilizada como fonte para a aproximação de políticos com
uma parcela da população que a cada dia se sente mais insegura e busca respostas para tal
angústia em “soluções” rápidas e fáceis. Muitos governantes, perante tal situação, propagam
tais medidas ganhando destaque diante destes grupos e da mídia, especialmente, a
sensacionalista. É nesse contexto ou em oposição a ele, em determinados momentos, que a
educação passa a figurar como elemento central nos debates sobre segurança, violência e
criminalidade no Brasil.
Em Santa Catarina, a realidade é semelhante à encontrada a nível nacional; a população
prisional do Estado está na ordem de 21.472 pessoas, com uma taxa de aprisionamento de 310,7
por 100 mil habitantes e taxa de ocupação do sistema de 154,8%. Cabe destacar que 40% dessa
população sequer foi sentenciada, estando, portanto, privada de sua liberdade sem uma
condenação que respeite o devido processo legal1. Segundo o IFOPEN, no Brasil, a população
carcerária é majoritariamente formada de jovens (55% entre 18 a 29 anos), negros(as) (64%),
solteiros(as) (60%) e de baixa renda.
No que diz respeito à educação dessa população, em Santa Catarina, os dados
apresentam que: 3% da população carcerária é analfabeta, 7% alfabetizada sem recursos
regulares, 48% possuem Ensino Fundamental Incompleto, 18% Ensino Fundamental Completo,
12% Ensino Médio Incompleto. Apenas 10% possuem Ensino Médio Completo, 1% Ensino
Superior Incompleto e 1% Ensino Superior Completo. Como podemos observar, 88% da
população carcerária do Estado não possui Ensino Básico Completo. Explicita-se assim a
necessidade da sua promoção nesses espaços.
Por outro lado, ainda segundo o levantamento, apenas 12% da população prisional
brasileira está de algum modo envolvida com atividades educacionais. Em Santa Catarina, esse

1
Daqui decorre a postura de não utilização do conceito de “apenado” utilizado por alguns autores, pela
compreensão de que apenado diz respeito ao sujeito condenado dentro do devido processo legal.
percentual chega a 13%, sendo 9% no ensino escolar e outros 4% em atividades educacionais
complementares. A educação, atrelada à ressocialização nos marcos legais, é direito inalienável
do ser humano, mas vem efetivamente sendo ofertada nesse espaço para uma parcela muito
pequena dessa população. Ou seja, a análise dos dados nos leva a observar que a educação não
tem sido resguardada como direito. O conceito de ressocialização, sendo assim, nos parece
fundamental, pois carrega em sua gênese o deslocamento do presídio da realidade, como se o
mesmo fosse um espaço a-social.
A política de resolução de conflitos, por vezes sociais, no Brasil, passa pela privação de
liberdade e encarceramento em massa2 , sobretudo nos últimos anos, algo que tende a se manter
elevado e mesmo se ampliar frente a atual conjuntura/crise econômica e política do país. Sendo
assim, ou passamos a garantir o direito e acesso das pessoas à educação e com isso fomentamos
o processo de socialização e desenvolvimento humano ou essa continua a ser colocada como
um “privilégio”3 de poucos dentro do sistema carcerário.
O recorte temporal deste trabalho se alicerça na compreensão de que a pena privativa
de liberdade assume uma nova função no capitalismo neoliberal, pois nesse se dá a passagem
de um Estado Social para um Estado Penal, conforme analisado por Wacquant (2001; 2003).
Na legislação brasileira, colaboram para tal tese a Lei de Crimes Hediondos de 1990 e a Lei de
Drogas de 2006 que tiveram como resultado o substancial aumento da população carcerária.
A questão penal no país, entretanto, tem como principal marco moderno o ano de 1984,
quando se dá a promulgação da Lei de Execuções Penais (LEP), nº 7.210 de 11 de julho. Tal
lei, que será analisada adiante, além de dispor sobre os objetivos da execução penal, decreta os
direitos dessa população e confere a possibilidade de remição de pena pelo trabalho, que servirá
de base para a remição de pena pelo estudo instituída a partir da lei 12.433/11, que altera a LEP
equiparando o trabalho ao estudo para fins de remição.
Em síntese, este trabalho de pesquisa teve como objetivo examinar a legislação e os
marcos regulatórios da educação em presídios com destaque para o caso catarinense. Buscou-
se observar quais as concepções e o sentido atribuído à educação nesses espaços, seguido de
um diálogo entremeado pelos dados da atual situação dessa população que demonstram a não
efetivação da educação como direito inalienável do ser humano. Ao buscar uma leitura histórica
da concepção de educação apresentada nos documentos normativos, bem como na legislação,

2
Para uma visão mais completa sobre o conceito, inserido na realidade brasileira atual consultar: BORGES,
Juliana. O que é encarceramento em massa?. Letramento, 2018.
3
Quando um direito não é garantido o mesmo se torna um privilégio se visto por outro que dele não dispõem.
19

se pretendeu observar as limitações e potencialidades que esses apresentam frente ao sentido


de ressocialização atribuído à educação em presídios por parte do sistema penal.
Assim algumas questões que colaboraram para o nosso estudo foram:
1 - Qual a concepção de educação apresentada nos documentos oficiais sobre a educação
em presídios?
2 - Qual relação se estabelece entre essa concepção e a concepção de educação para
Jovens e Adultos?
3 - Como as concepções se forjaram no âmbito da formulação desses documentos?
4 - Qual o percurso histórico em que se configura o conceito de ressocialização?
5 - Quais os sentidos apresentados para a educação no espaço dos presídios?
6 - Quais os embates travados na elaboração de normativas e leis que regem a oferta de
educação em espaços de privação de liberdade?
Para responder tais questões, bem como alcançar nosso objetivo, tomamos
comoreferencial teórico o materialismo histórico e dialético (MARX, 1974, 2008; KOSIK,
2010), bem como seus desdobramentos em análises no âmbito da educação (MÉZÁROS, 2008;
FRIGOTTO, 2012), nas quais a realidade é construída pelo trabalho do ser humano sendo
expressão histórica na forma de produto e produtora da realidade.
Tal referencial foi tomado por compreender que é o que mais se adequa à análise
proposta e também por entender a pesquisa dentro de um sentido ético-político que vai além da
mera explicação da realidade. A pesquisa, assim como a educação, é um campo de mudança
social e se configura naquilo que Marx (1974) delimitou como práxis e ao qual Mészáros (2005)
coloca como fundamental para a superação da lógica capitalista, única capaz de promover a
emancipação humana. A produção de conhecimento só tem sentido justo e igualitário se
alicerçada nos sujeitos que vivenciam determinada experiência, a fim de expor suas
contradições, que são também as de nosso sistema econômico e de reprodução social. Nesse
sentido, a máxima “a prática é critério da verdade” (MARX, 1974. p. 57) se insere de forma
explícita na oferta de educação em presídios.
Com essa base teórica, a análise historiográfica que utilizamos é a que coloca o
documento enquanto fonte, dessa forma busca-se uma análise crítica dos conceitos
apresentados. Para isso, compreende-se que é necessário levar em conta as contradições, as
permanências e rupturas que os mesmos expõem. No que se refere aos documentos fontes,
partimos da concepção de que os mesmos conversam com o pesquisador a partir de suas
indagações. A perspectiva da História Social, no que diz respeito à análise4, compreende que
documentos são sínteses de processos históricos e que, em sua estrutura, deixam traços das
relações de forças que o produziram. É nesse sentido e na busca por desvelar sua essência que
cabe indagar o documento nos seguintes aspectos: quem o produz, em que condições o produz,
por que o produz, para quem o produz, como o produz, etc. Ou seja, qual o contexto histórico
que lhe dá sustentação. Destaca-se que o documento não fala por si só, assim como, todo
produto oculta seu processo produtivo e as relações de produção estabelecidas (KOSIK, 2010).
Cabe observar no documento, enquanto fonte histórica, o que ele também não é, ou seja, aquilo
que o documento não diz, os atores e especificidades que ele não apresenta, pois não dizer algo
é também se posicionar.
Por conseguinte, compreende-se que a formulação de determinados conceitos, assim
como sua utilização em determinado momento histórico, é fruto de forças sociais em
movimento. É nessa lógica que se buscou construir a análise dos conceitos e sentidos
apresentados para a educação em presídios, tendo em vista que são produções humanas
delimitadas pelo tempo e espaço. Ou seja, os próprios conceitos são atravessados pela história
e, portanto, podem expressar as relações que o produziram.
A partir da compreensão de que “[…] a perspectiva do conflito deriva não de uma
escolha da vontade, mas da própria materialidade das relações sociais ordenadas por uma
estrutura classista” (FRIGOTTO, 2012, p.28), nossa opção de análise segue na busca por expor
parte das contradições inerentes a não garantia do direito de acesso à educação em espaços de
privação de liberdade. Compreendemos, por fim, que a modificação da sociedade e dos
indivíduos em um determinado contexto passa necessariamente pela alteração nas condições
materiais de reprodução de suas vidas enquanto sujeitos de classe, muito antes de entrar no
sistema prisional.

4
A crítica documental historiográfica se desenvolve em especial a partir da Escola dos Annales. Marc Bloch em
Apologia da História se torna, neste sentido, uma excelente referência inicial sobre o assunto.
21

Vou resumir. A prisão não coíbe os atos


antissociais; pelo contrário, aumenta seu número.
Não reabilita quem prende, podem reformá-la o
quanto quiserem, será sempre uma privação de
liberdade, um sistema falso, como um convento,
que torna o prisioneiro cada vez menos apto a vida
social. Não atinge o que propõe. Mancha a
sociedade. Deve desaparecer por consequência.
Resto de barbárie, com mescla de filantropia
jesuitística, o primeiro dever da Revolução será
acabar com esses monumentos da hipocrisia e da
vileza humana, que chamam de prisões.
Na sociedade igualitária, entre homens livres,
onde todos trabalhem para todos, onde todos
tenham recebido uma educação sadia e se apoiem
mutuamente em todas as circunstâncias da vida,
os atos antissociais não se produzirão. A maior
parte destes careceriam de fundamento, e o resto
será arrancado em semente. Sobre os indivíduos
de inclinações perversas que a sociedade atual
nos legará, teremos que impedir-lhes que
desenvolvam seus maus instintos. E se não
conseguirmos, o corretivo, honrado e prático, será
sempre o tratamento fraternal, o apoio moral que
há em todos, a liberdade, por fim. Isto não é
utopia; isto que se pratica com indivíduos ilhados,
se converterá em prática geral. E tais meios serão
mais poderosos para reprimir e melhorar que
todos os códigos, que todo o sistema vigente de
castigos, fonte abundante de novos crimes, de
novos atos contra a sociedade e indivíduos.
(KROPOTIKIN, 1897, s.n.)

1 - PREMISSAS E PERSPECTIVAS
Ao se pensar a educação em presídios é fundamental discutir esse espaço singular para
uma maior compreensão da prática nele proposta. Neste sentido, o presente capítulo discute os
aspectos gerais sobre o cárcere e a educação nele, a qual é tema central da análise apresentada
nos capítulos subsequentes, e encontra-se dividido em dois eixos fundamentais para nossa
análise: o espaço e a ação, ou seja, as prisões e a educação.
1.1 - AS PRISÕES
Esta primeira parte do capítulo diz respeito às premissas e perspectivas referentes ao
espaço que se busca analisar, os presídios. Assim, três questões nos parecem fundamentais:
primeiro, o sentido geral das prisões, sua formação histórica e a relação com o sistema
capitalista, bem como os desdobramentos disso decorrente; segundo, o aspecto ressocializador
tido como um dos sentidos da pena privativa de liberdade no estado moderno e vinculado nos
documentos legais e nos discursos à educação; terceiro, um breve histórico das prisões no
Brasil, seus aspectos específicos e que dialogam diretamente com nossa sociedade.

1.1.1 - O sentido geral das prisões


Passamos então a discutir as questões amplas dos presídios na sociedade capitalista
observando algumas linhas de análise crítica de sua formação, manutenção e superação. O
objetivo é reconhecer que os presídios são espaços sociais, produto e produtores da sociedade
capitalista que tem em sua gênese, final do XVII e início XVIII, elementos fundamentais para
compreender seus limites (entre os quais está o da ressocialização). De maneira geral, a reforma
prisional daquele período é apresentada como fruto da mudança no processo de acumulação de
capital e do desenvolvimento do sistema capitalista. Além disso, cabe destacar que o aumento
do punitivismo, a partir do fim do Estado de Bem Estar Social na década de 1970, influenciou
fortemente o aumento do punitivismo no Brasil e na América Latina. Por fim, tendo em vista
seu contexto de reforma/criação, apresento uma perspectiva abolicionista das prisões como
horizonte. Para o desenvolvimento destas questões, utilizei dos estudos de diferentes áreas do
conhecimento com destaque para a criminologia crítica.

Transição entre o binômio prisão-custódia para prisão-pena


A história do desenvolvimento e evolução das prisões passa pela compreensão da
mudança do binômio prisão-custódia para o de prisão-pena. De maneira geral, a prisão na
antiguidade é tida como espaço de custódia antes da pena, que, em geral, era física. Bitencourt
(2001) cita, entretanto, a existência, já naquele período, da prisão como finalidade, ou seja,
como forma da pena. Na Idade Média, o sentido geral da prisão como custódia se mantém,
buscando com ela, por vezes, gerar um medo coletivo e reafirmar o poder de extratos superiores
da pirâmide social. É naquele momento, entretanto, que a prisão aparece vinculada ao Estado,
23

bem como o sentido da prisão-custódia começa a se modificar, alicerçado, especialmente, no


modelo das prisões eclesiásticas.
O direito canônico contribuiu consideravelmente para com o surgimento da prisão
moderna, especialmente no que se refere às primeiras ideias sobre a reforma do
delinquente. Precisamente do vocábulo "penitência", de estreita vinculação com o
direito canônico, surgiram as palavras "penitenciário" e "penitenciária". "O crime era
um pecado contra as leis humanas e divinas. (BITENCOURT, 2001, p.35)

Com a crise social e política na Europa, em fins do século XVII e início do XVIII, a
quantidade de pobres e “delinquentes” começa a aumentar consideravelmente. É naquele
momento que o Castelo de Bridwell (Bitencourt, 2001, p.38), por exemplo, passa a ser utilizado
para “reformar os criminosos” na Inglaterra. Cabe destacar que, durante aquele período, outro
sistema de punição bastante utilizado foram as galés5, tendo existido até a segunda metade do
século XVIII, inclusive com a venda de presos para potências marítimas da época por parte de
países da periferia do sistema.
O modelo prisional com caráter reeducacional ou de ressocialização tem origem no
final do século XVI com a criação de Casas Correcionais para homens e mulheres,
como a pioneira House of Correction, com a transformação do Castelo de Bridewell
em prisão (1553), próximo a Londres, Inglaterra, para disciplinar delinquentes. Um
pouco depois (1596) em Amsterdã (Holanda) foi criada a prisão de Rasphuis,
destinada a homens. E entre 1597 e 1600 criou-se a Spinhis para mulheres, com seções
especiais para meninas. (ALMEIDA, 2016, p. 2)

Um dos exemplos mais marcantes nesse processo de transição é a experiência de Fellipo


Franci, em fins do XVII, de criação de um hospício preocupado com o resultado da correção
ou reintegração dos “delinquentes” na sociedade, entre diversos outros exemplos, muitos são
os reformistas do século XVII e XVIII que propõem a prisão como pena para corrigir tais
sujeitos.
Segundo Foucault em seu clássico livro, “Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão”, os
suplícios do período anterior vão sendo superados por uma nova estrutura de punição. Para ele,
a punição passa do corpo para a “alma”, sendo esta o "coração, o intelecto, a vontade, as
disposições". Cabe destacar daquele período a identificação, na forma de afronta ao soberano,
das camadas populares com os “novos criminosos”. Esse processo de identificação, segundo o
autor, pode ser relacionado ao que Hobsbawm definiu como "bandidos heróis"6.

5
Galés é um tipo de embarcação. Muito utilizada na antiguidade foi já no período moderno espaço para o
cumprimento de penas de trabalhos forçados.
6
Tal descrição aparece na obra “Bandidos” de Eric Hobsbawm publicada em 1969.
A mudança de um sistema baseado nos suplícios para a criação de um sistema prisional
com a finalidade da pena, para Foucault (2001), não se sustenta em uma maior humanização da
punição, mas na limitação do poder do soberano e principalmente numa nova política do poder,
com novos saberes sobre o crime e principalmente sobre os "delinquentes". Punir melhor é a
chave de interpretação, de forma menos severa, porém mais universal.
Bitencourt (2001) ao analisar as teorias absolutas ou retributivas da pena, durante o
Estado Absolutista, coloca que a prisão e a pena ainda eram vistas como um "castigo com o
qual se expiava o mal (pecado) cometido.". Era um mal contra o próprio soberano e contra
Deus. O que vai ao encontro do analisado por Foucault. Assim, a mudança do Estado
Absolutista para o Estado Moderno irá alterar também as linhas de argumentação sobre a forma
e o objetivo da pena de prisão.

As prisões com a ascensão da burguesia e a formação do Estado Moderno


Dentre as diversas análises sobre o surgimento da prisão moderna destaca-se o trabalho
de Melossi e Pavarini (2001) que, ao analisar as prisões, colocam que o contexto de ascensão
do capitalismo é fundamental para sua compreensão. Afirmam que "essa nova e original forma
de segregação punitiva responde mais a uma exigência relacionada ao desenvolvimento geral
da sociedade capitalista que à genialidade individual de algum reformador." (Melossi e
Pavarini, 2001, p. 39).
Tal afirmação se coloca como crítica às análises positivistas que colocavam a mudança
dos sistemas punitivos, e das prisões, como fruto de alguns sujeitos ímpares de viés humanista.
Conforme Gelson de Almeida:
Melossi e Pavarini estabelecem conexões entre cárcere e organização econômica e
política da sociedade, com a preocupação de situar o cárcere num contexto histórico
preciso. Ao mesmo tempo procuram constantemente comparar os esquemas teórico-
interpretativos que propõem para explicar primeiro a gênese e depois o
desenvolvimento dos distintos sistemas penitenciários e a incidência concreta que as
instituições penitenciárias têm na organização econômica e social que estão
analisando. (ALMEIDA, 2016, p. 9)

Bitencourt (2001) ao se apropriar da obra de Melossi e Pavarini propõe uma leitura


teórica importante acerca das análises propostas pelos autores, diz ele:
Analisando de uma perspectiva dinâmica (com sentido dialético), onde não fosse
possível uma visão unilateral sobre as relações entre infraestrutura e superestrutura,
não seria suficiente dizer que a prisão e seu afã de reforma são simples reflexos das
necessidades e da evolução da infraestrutura econômica, senão que se deve admitir
que aqueles têm, como parte da superestrutura, relativa autonomia em relação à
infraestrutura econômica, por essa razão resulta insuficiente a afirmação de que a
prisão e seu afã de reforma são simples reflexos dos modo de produção capitalista, já
25

que sua função se circunscreve a impor a dominação econômica e ideológica da classe


dominante. (BITENCOURT, 2001, p.48)

O autor segue sua análise afirmando que:


Também seria ingênuo pensar que a pena privativa de liberdade surgiu só porque a pena
de morte estava em crise ou porque se queria criar uma pena que se ajustasse melhor a
um processo geral de humanização ou, ainda, que pudesse conseguir a recuperação do
criminoso. Esse tipo de análise incorreria no erro de ser excessivamente abstrato e
partiria de uma perspectiva a-histórica. (BITENCOURT, 2001, p.48)

Quanto à reforma do sistema prisional, para o autor, a função econômica que a prisão
desenvolve é múltipla e segue em pelo menos duas frentes:
A alternância é clara: mão de obra barata, quando há trabalho e salários altos; e, em
períodos de desemprego, reabsorção dos ociosos e proteção social contra a agitação e
os motins. Não esqueçamos que as primeiras casas de internamento aparecem na
Inglaterra nos pontos mais industrializados do País: Worcester, Norwich, Bristol”.
(BITENCOURT, 2001, p.50)

Dentre os principais reformadores, aos quais se dirigem os argumentos anteriores, estão


Cesare Beccaria, John Howard e Jeremy Bentham. De modo geral, são três figuras que, ao
produzir propostas sobre a organização e função das prisões no século XVIII, influenciam ainda
hoje nas concepções sobre os presídios. Beccaria é fortemente alicerçado no contrato social de
Rousseau, que é rompido com o delito e, portanto, a reforma do indivíduo segue no caminho
de reformá-lo a fim de que o mesmo volte a cumpri-lo. Howard segue um caminho semelhante,
porém sua maior contribuição está em separar o direito penal da execução penal, buscando
tornar “mais humana” a execução e dotando-a de um fim reformador. Por fim, Bentham em seu
panóptico para dominação e submissão, "inaugura" a preocupação com o pós-reabilitação no
sentido de vigilância permanente. Dentre suas proposições está a de que a prisão não pode ser
um espaço agradável, pois, se assim fosse, serviria como indução aos pobres7. É neste sentido
que:
No final do século XVIII, países como a França, Inglaterra e principalmente os
Estados Unidos, influenciados pelas idéias de teóricos iluministas como Rousseau e
dos ideais liberais propagados por movimentos como a Revolução Francesa,
começaram a reformular suas leis, seus códigos criminais e suas prisões, passando a
existir um elemento novo que influenciará todas as penas, os “direitos humanos”,

7
Tal pressuposto é conhecido como “less eligibility” e foi uma política do governo britânico aprovada na Lei de
Emenda à Lei dos Pobres de 1834. Aparece em diversos estudos como presente ainda hoje de forma velada na
cultura punitiva. Para uma visão sobre a presença dela no Brasil ver: CASTILHO Et Al. A less eligibility e a sua
presença velada no sistema político-criminal brasileiro como forma de seletividade social. In: Anais do II
Congresso em Pesquisa em Ciências Criminais. São Paulo - SP, 2018. p. 278-299
levando à extinção formal no século XIX das penas de suplício por desconsiderar a
humanidade do condenado. Data desse período histórico o desenvolvimento de
estudos e reflexões sobre o que veio a se constituir como sistema penitenciário, com
destaque para Jean Mabillon (Reflexões sobre as prisões monásticas – 1695), Cesare
Beccaria (Dos Delitos e das Penas – 1764) e John Howard (O Estado das Prisões na
Inglaterra e no País de Gales – 1776). (ALMEIDA, 2016, p. 3)

Destas propostas e reformas das prisões surgem diferentes sistemas penitenciários pelo
mundo, dentre os quais destaco:
1 - Modelo da Filadélfia ou celular: surgido no ano de 1790, na prisão de Walnut Street,
Filadélfia, Estados Unidos da América. Sua concepção parte de uma moral reformadora para a
punição.
2 - Sistema Auburniano: surgido em 1823, em Nova Iorque, que previa o trabalho
comum em silêncio e solitária à noite.
3 - Sistemas progressivos: surgidos na Inglaterra e de forte influência na Irlanda, o mark
system, busca a medida da duração da pena por uma soma de trabalho e de boa conduta, tal
sistema, disperso pelo mundo, teve diversas vertentes. Parece, neste sentido, ser nos sistemas
progressivos que encontramos a gênese da remissão de pena, como veremos adiante.
4 - A experiência de Manuel Montesinos e Molina: não se configura como um sistema.
Entretanto, cabe destacar que, ao ser nomeado em 1835 para gerir o presídio de Valência na
Espanha, Molina reduz as taxas de reincidência de mais de 30% para 1%, chegando a zero em
alguns períodos. Montesinos acaba por pedir demissão em 1854, após fortes ataques da
sociedade ao seu trabalho, especialmente por parte de industriais, pois os produtos produzidos
internamente no presídio de Valência apresentavam ótima qualidade e possuíam baixos preços
em comparação aos dos artesãos da cidade, os quais tinham ainda de pagar taxas sobre sua
produção.
Como podemos perceber, no decorrer do século XIX emergem diversos sistemas que
buscavam abarcar a, cada vez maior, taxa de encarceramento, especialmente nos países em
franco desenvolvimento de suas forças produtivas. Ao analisar a obra de Foucault sobre as
prisões, Gaulia (2013) aponta que a grande pergunta que se coloca é: como pôde a detenção
tornar-se uma das normas mais gerais dos castigos, mesmo não tendo alcançado o objetivo de
ressocialização? A resposta estaria em tal sistema, organizar o trabalho penal auferindo ganhos
econômicos. Neste sentido, afirma, a partir do Foucault, que "a disciplina aumenta as forças do
corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos
de obediência)", assim se vê “o sujeito submetido ao esquema prisional como sujeito obediente,
27

submisso e dobrado as regras e hábitos, que visam a reinseri-lo no pacto social dos "homens de
bem." (GAULIA, 2013 p. 21).
Tal processo se dá pelo que Foucault chamou de "nova microfísica do poder", por
"arranjos sutis'', dispositivos que “levaram à mutação do regime punitivo, no limiar da época
contemporânea" (GAULIA, 2013, p. 21). Para o autor, a disciplina busca a imposição do poder
e fortalece o controle para a "utilização do homem pelo homem" (GAULIA, 2013, p. 21).
Surgem assim conceitos como cerca, clausura (cada um no seu lugar), localização funcional,
fila, entre outros, e também o maior controle das atividades com horários definidos para toda
tarefa, elaboração temporal de cada ato, a noção de que corpos e gestos inúteis devem ser
descartados, uma nova relação corpo-objeto, a utilização máxima do tempo e, por fim, um "bom
adestramento" de todos no sistema (ideologia). Emerge assim o castigo disciplinar (coercitivo)
e a gratificação (positivo). Por fim, ao diferenciar os indivíduos e examiná-los "concilia-se as
técnicas da hierarquia que vigia, e as da sanção que normaliza" (GAULIA, 2013, p. 23).
Como podemos observar, tais elementos das prisões analisados por Foucault se
assemelham em muito a de outras instituições daquele período como as fábricas, as escolas, os
conventos. Não há, neste sentido, nada mais parecido com as ideias de prisão-pena trazidas pelo
autor do que uma fábrica ou grande empresa. Assinala ele:
Minha hipótese é que a prisão esteve, desde sua origem, ligada a um projeto de
transformação dos indivíduos. Habitualmente se acredita que a prisão era uma espécie
de depósito de criminosos, depósito cujos inconvenientes se teriam constatado por seu
funcionamento, de tal forma que se teria dito ser necessário reformar as prisões, fazer
delas um instrumento de transformação dos indivíduos. Isto não é verdade: os textos,
os programas, as declarações de intenção estão aí para mostrar. Desde o começo a
prisão devia ser um instrumento tão aperfeiçoado quanto a escola, a caserna ou o
hospital, e agir com precisão sobre os indivíduos. O fracasso foi imediato e registrado
quase ao mesmo tempo que o próprio projeto. Desde 1820 se constata que a prisão,
longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar
novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade. Foi então que
houve, como sempre nos mecanismos de poder, uma utilização estratégica daquilo
que era um inconveniente. A prisão fabrica delinquentes, mas os delinquentes são
úteis tanto no domínio econômico como no político. Os delinquentes servem para
alguma coisa. (FOUCAULT, 1998, p. 75.)

Almeida (2016), ao estabelecer uma crítica a Foucault, a partir da materialidade


interpretativa proposta por Melossi e Pavarini, explica exemplarmente que, enquanto no
primeiro o domínio dos corpos dos indivíduos aparece como centro da análise, no segundo há
uma modificação dos sistemas penitenciários relacionado a cada momento produtivo,
especialmente nos EUA e na Inglaterra.
Na sociedade de produção de mercadorias, a reprodução ampliada do capital pela
expropriação de mais-valia da força de trabalho — a energia produtiva capaz de
produzir valor superior ao seu valor de troca (salário), como ensina Marx —,
pressupõe o controle da classe trabalhadora: na fábrica, instituição fundamental da
estrutura social, a coação das necessidades econômicas submete a força de trabalho à
autoridade do capitalista; fora da fábrica, os trabalhadores marginalizados do mercado
de trabalho e do processo de consumo — a chamada superpopulação relativa, sem
utilidade direta na reprodução do capital, mas necessária para manter os salários em
níveis adequados para valorização do capital —, são controlados pelo cárcere, que
realiza o papel de instituição auxiliar da fábrica. Assim, a disciplina como política de
coerção para produzir sujeitos dóceis e úteis, na formulação de Foucault, descobre
suas determinações materiais na relação capital/trabalho assalariado, porque existe
como adestramento da força de trabalho para reproduzir o capital, processo definido
por Dario Melossi como fenômeno de economia política. (ALMEIDA, 2016, p. 6)

O autor coloca ainda que "a transformação crescente da escala da produção


manufatureira para a industrial seria então a base da crise das workhouses estadunidenses,
reduzindo estas casas de trabalho a instituições de terror, com trabalho manual repetitivo e sem
função de adestramento da força de trabalho encarcerada." (ALMEIDA, 2016, p. 6).
O que sucede nesse movimento entre a política econômica dos corpos e a ascensão das
estruturas jurídicas do estado moderno é a consagração de uma nova estrutura de punir, bem
como de suas formas e finalidades. Assim podemos concluir que:
Com o surgimento do mercantilismo, o Estado absoluto inicia um processo de
decomposição e debilitamento. Isso dá margem a uma revisão da até então
estabelecida concepção de Estado, caracterizada pela vinculação existente entre o
Estado e o soberano e entre este e Deus. Surge o Estado burguês, tendo como fundo a
teoria do contrato social. O Estado é uma expressão soberana do povo, e com isso
aparece a divisão de Poderes. Com essa concepção liberal de Estado, a pena não pode
mais continuar mantendo seu fundamento baseado na já dissolvida identidade entre
Deus e soberano, religião e Estado. À pena passa então a ser concebida como “a
retribuição à perturbação da ordem (jurídica) adotada pelos homens e consagrada
pelas leis. A pena é a necessidade de restaurar a ordem jurídica interrompida. À
expiação sucede a retribuição, a razão divina é substituída pela razão de Estado, a lei
divina pela lei dos homens”. (Bitencourt, 2001, p. 118)

Esta nova prisão e forma de controle social se estabelece como norma nos mais diversos
países, reservadas as suas especificidades, no decorrer do século XIX e XX. Neste sentido,
Bitencourt (2001) é feliz ao definir:
[...] que a uma concepção de Estado corresponde uma de pena, e a esta, uma de
culpabilidade. [...] Estado, pena e culpabilidade formam conceitos dinâmicos inter-
relacionados." (p. 113-114). Para o autor "[...] a pena é um mal que se impõe por causa
da prática de um delito: conceitualmente, a pena é um castigo. (p. 117)

O que se vê modificado nesse percurso são especificidades do sistema e não o sistema


de segregar e punir chamado prisões. Destas modificações destaca-se especialmente, do nosso
interesse, questões ligadas aos direitos humanos que emergem já no final do século XIX no
29

contexto da Grande Depressão (1873-1896) e a disseminação do pensamento de Marx ao fim


da primeira metade do século XX, mais especificamente após a II Guerra Mundial.
Segundo Guimarães (2006), com a consolidação do capitalismo na segunda metade do
século XIX e a burguesia definitivamente no poder, ascende o movimento operário e a luta por
direitos, em um contexto no qual a luta de classe se torna brutal, com a segregação dos espaços
dos ricos e seus bairros e o espaço do proletário nos bairros mais insalubres. Naquele momento,
as classes operárias investem contra a opressão, surgem os partidos políticos, sindicatos, e
passam a se organizar para enfrentar a burguesia e a realidade que lhes condena. "Estamos,
pois, diante de um importante marco histórico, que acarretaria profundas mudanças na ideologia
punitiva: o nascimento do movimento operário organizado." (GUIMARÃES, 2006, p. 193). E
“é este movimento que nos anos seguintes garantirá o reconhecimento e a positivação dos
direitos e garantias fundamentais.” (GUIMARÃES, 2006, p. 193).
O movimento das garantias fundamentais que, se sustenta na luta da classe trabalhadora,
é alavancado pelo fim da II Guerra Mundial (1939-1945) e a crise “das ideias extremistas de
prevenção especial pela inocuização – total ou parcial – do delinquente anormal”
(GUIMARÃES, 2006, p. 197). Se consolidam a partir daí ideias “moderadas” especialmente
vinculadas a correção do criminoso, as quais são desenvolvidas depois pelos partidários da tese
da “Nova Defesa Social''. Afirma Guimarães (2006) que este foi um “momento inadiável de
mudança do discurso do poder para o bem de sua própria manutenção." (p. 198).
Assim, vemos no período pós guerra os maiores e melhores resultados no processo de
defesa dos direitos humanos, do respeito à dignidade da pessoa privada de liberdade, bem como
experiências positivas no processo de “ressocialização” dos detentos, especialmente na Europa.
Entretanto, esse processo, para Guimarães (2006), entra em crise já na década de 1970 com o
desmonte das políticas do Estado de Bem Estar Social na Europa e a emergência do Estado
Neoliberal, o qual influenciou fortemente o aumento do punitivismo no Brasil e na América
Latina. É possível perceber, a partir de então, um abandono dos fins ressocializadores e a
retomada da prisão como depósito de delinquentes, é o que afirma Guimarães (2006):
[...] pode-se afirmar, sem sobressaltos, que o controle social da sociedade globalizada
neoliberal, exercido pelo Estado, está se transformando, dia após dia, em algo
exclusivamente punitivo, pela única razão de que é o único tipo de controle social que
se coaduna com a política excludente posta em prática por tal ideologia. (p. 300)
Concomitante a esse processo de controle social pela exclusão da sociedade livre,
daqueles considerados “delinquentes”, acontece em outros âmbitos da sociedade a retirada de
programas de proteção social.
E é exatamente nesse ponto que se constitui o mais perverso paradoxo do controle
social exercido pelas políticas neoliberais: remedia-se com mais Estado policial e
penitenciário o menos Estado econômico e social, que é a própria causa da escalada
generalizada de criminalidade e, consequentemente, de insegurança. (GUIMARÃES,
2006, p.308)

Assim, conclui ao autor:


No que pertine à pena privativa de liberdade, em específico, desde sua gênese até os
dias atuais, transparece com bastante nitidez o seu verdadeiro objetivo, qual seja: é o
principal instrumento utilizado pelo Direito Penal para garantir a manutenção e a
perpetuação das desigualdades sociais geradas pelo modo de produção capitalista.
(GUIMARÃES, 2006, p.338)

Por fim, conforme Almeida (2016):


[...] para além de Foucault, destarte sua fundamental contribuição, o Estado estabelece
com o seu sistema penal e sistema prisional, intimamente articulados, senão fundidos,
um rígido sistema de controle social. O seu objeto não é o corpo ou o indivíduo: é a
classe. A lei e a ordem são definidas para extrair artificialmente comportamentos
delinquentes das relações sociais, onde possuem um contexto, uma inserção, um
sentido, uma história. (p. 21)

Perspectiva abolicionista das prisões como horizonte


Se as prisões cumprem um papel de manutenção das desigualdades, inclusive
produzindo-as, é dentro das teorias críticas à punição que surge o movimento pela abolição das
prisões da sociedade. Dentre os diversos autores, destaco o trabalho de Angela Davis (2020).
Em seu livro, Davis faz um recuo interessante ao buscar as justificativas que na década
de 1980 levaram às políticas de encarceramento em massa nos EUA e de como, somente
esquecendo o passado, foi possível no presente naturalizar o encarceramento em massa “sem
finalidade” ou com falsos pressupostos. O centro da questão para Davis se estabelece ao
elucidar um sistema que contradiz seu pressuposto, mas que encontra respaldo nas “vultuosas
quantias que a construção e a administração de prisões começam a atrair”. Da premissa falsa de
seus defensores, de que as prisões geram segurança, Davis exclama uma pergunta: por que as
pessoas se sentem mais seguras, mesmo não estando, com as prisões? Sendo assim, a autora
coloca que "esse é o trabalho ideológico que a prisão realiza – ela nos livra da responsabilidade
de nos envolver seriamente com os problemas de nossa sociedade, especialmente com aqueles
produzidos pelo racismo e, cada vez mais, pelo capitalismo global.” (p. 17).
Na análise aparecem ainda outros elementos chaves para a autora, como o “complexo
prisional-industrial”, as fortes relações entre a escravização e o sistema prisional, as relações
31

de gênero que se estabelecem nesse espaço, entre outros pontos, interessa-nos aqui que a
reforma do sistema, alavancada por outros autores, é colocada em xeque ao se observar o
surgimento da prisão como uma reforma dos sistemas punitivos.
Dentre os exemplos do terror que os presídios representam, o abuso sexual sofrido por
mulheres nas prisões femininas talvez seja o mais funesto. Afirma a autora, “o abuso sexual é
incorporado às escondidas a um dos aspectos mais habituais do encarceramento feminino: a
revista íntima.” (DAVIS, 2020, p.87).
É, neste sentido, que
[…] a demanda por abolir a prisão como a forma dominante de punição não pode
ignorar que a instituição da prisão armazenou ideia e práticas que, espera-se, se
aproximam da obsolescência na sociedade geral, mas que retêm toda sua horrenda
vitalidade por trás dos muros da prisão. (DAVIS, 2020, p.89).

A autora não fica só na crítica, passando a elencar uma série de medidas chamadas
“alternativas abolicionistas”, e destaca que para a abolição dos presídios “o primeiro passo,
portanto, seria deixar de lado o desejo de encontrar um único sistema alternativo de punição
que ocupasse o mesmo raio de ação do sistema prisional.” (DAVIS, 2020, p. 115). Segundo, é
necessário compreender e desestruturar as ligações entre punição-lucro e isto passa por uma
nova sociedade e pela
[...] desmilitarização das escolas, a revitalização da educação em todos os níveis, um
sistema de saúde que ofereça atendimento físico e mental gratuito para todos e um
sistema de justiça baseado na reparação e na reconciliação em vez de punição e na
retaliação. (DAVIS, 2020, p. 116)

Assim, Davis defende que é preciso desvincular o crime da punição, compreendendo a


segunda não como a sequência lógica do primeiro, mas como projetos políticos que desejam o
lucro auxiliados pelas representações midiáticas. Destituir a prisão, passa por “desvincular
crime e punição, raça e punição, classe e punição, gênero e punição” e, portanto, nosso foco
não pode ser apenas o sistema prisional, mas deve se voltar “para todas as relações sociais que
sustentam a permanência na prisão”. Por fim, pensar um sistema de reparação e não retaliação
aparece como horizonte à abolição dos presídios, sem excluir, entretanto, as conquistas
vinculadas aos direitos humanos dos presos, conquistadas pela classe trabalhadora.
1.1.2 - A ressocialização
Neste subitem é feita a discussão teórica e histórica sobre a ressocialização como
finalidade da pena privativa de liberdade, bem como seus limites. Segundo o dicionário, a
definição para ressocialização é "inserção em sociedade; processo de ressocializar, de voltar a
pertencer, a fazer parte de uma sociedade: ressocialização de presos ou encarcerados.”. O
contrário de ressocialização seria “exclusão, banimento, discriminação”. Neste sentido, é
irônico que o espaço do presídio, que tem por finalidade ressocializar, seja justamente um
espaço de exclusão e banimento da sociedade livre e que gera discriminação.
Ademais, como observado anteriormente, as bases do que viria a ser o conceito de
ressocialização se encontram no processo de reforma dos presídios ainda no século XVII. De
maneira geral, os presídios buscaram “corrigir” os delinquentes fazendo com que os mesmos
se adequassem às normas e códigos sociais. Acerca do conceito, destaca Julião (2009), que o
mesmo surge no século XIX, sendo fruto também do desenvolvimento da ciência positivista do
direito, seu sentido é o de reintegração social dos indivíduos. Se articula assim, ao movimento
de substituição das penas inquisitoriais pela nova “tecnificação do castigo”. Esse processo,
como analisado por Foucault, busca mecanizar os corpos e as mentes para o trabalho nas
fábricas.
Julião (2009), alicerçado em Bitencourt (2007), destaca que do conceito de
ressocialização emergem pelo menos duas propostas de intervenção diferentes: a primeira, tem
como objetivo adequar os sujeitos às leis e fazer com que deixem de cometer crimes,
adequando-se às normas sociais. A segunda, que os indivíduos assumam seus papéis sociais,
respeitando nesse sentido sua própria autonomia de “escolher seus próprios conceitos, suas
ideologias, sua escala de valores”; assim, vai muito além da simples ideia de que o sujeito deixe
de reincidir.
Logicamente, como assinala Julião (2009), para o conceito ter fundamento, é preciso
admitir duas coisas, primeiro que “o indivíduo, interno penitenciário, estava [quando privado
de liberdade] totalmente fora da sociedade” e segundo que “no seu retorno para a referida
sociedade viesse, realmente, a participar socialmente das práticas e atividades que lhe conferem
a condição de cidadão, tendo não só deveres, mas também direitos.” (p. 71).
Os presídios, entretanto, se configuram como instituições totais, as quais são definidas
como sendo “um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com
situação semelhante, separados da sociedade mais ampla, por considerável período de tempo,
levam uma vida fechada e formalmente administrada.” (GOFFMAN, 1961, p. 11). Ou seja, são
33

instituições que, de alguma forma, impõem barreiras às relações sociais com o mundo externo
a elas, onde tudo se desenvolve internamente. Goffman (1961) destaca outras instituições
semelhantes, como asilos, manicômios e conventos. Alguns aspectos centrais destas instituições
são: possuem um mesmo local e uma única autoridade; se compõem de um grupo de pessoas;
possuem horários; e, por fim, buscam redesenhar toda a história de vida do interno. Além disso,
o meio interno é diferente do meio externo, o contato é por vezes restrito, a diária não é
governada pelos internos, se vive de uma cultura aparente, há, muito provavelmente,
desculturamento e mudanças radicais na carreira moral.
Diferente de outras instituições totais, entretanto, afirma Bitencourt (2001), as prisões
formam um terceiro grupo destas. Esse grupo é composto por instituições nas quais se busca
proteger a comunidade contra aqueles que lhe são perigosos intencionalmente e é uma
instituição que não tem como finalidade direta o bem estar dos internos como em outros casos,
a exemplo dos hospitais e asilos.
Almeida (2016) segue uma linha semelhante afirmando que "A burocratização das
condições de vida e as limitações à liberdade pessoal são contornos inevitáveis do
encarceramento” (p.14). O autor coloca ainda que nenhuma reforma modificou o fato de que
nos presídios a condição de vida deveria ser inferior à vida em liberdade; ou seja, que se busca
os “efeitos dissuasivos da punição”. Para o autor, esses dois conceitos de dissuasão e
reabilitação são contraditórios e antagônicos, sendo ainda reflexo da própria sociedade na qual
são construídos.
Outro elemento destacado, tanto por Goffman (1961), quanto por Bitencourt (2001), é
o que o primeiro chama de “mortificação do eu”: “Na linguagem exata de alguma de nossas
mais antigas instituições totais, começa uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações
e profanações do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente,
mortificado.” (GOFFMAN, 1961, p. 24). Ou seja, elemento fundamental para um convívio
social, ao ser mortificado, o eu, acaba por afunilar o indivíduo ao romper com o diálogo com a
realidade, daí, em parte, os altos índices de problemas psicológicos causados pela prisão.
Julião (2009) destaca que a perspectiva de uma instituição total hoje encontra seus
limites de forma bastante clara, florescendo por outro lado a ideia de incompletude do sistema,
nesse sentido afirma o autor que:
[...] o conceito de ressocialização e reinserção social se deterioram, emergindo o de
socialização. Ambos os conceitos (ressocialização e reinserção social), ao contrário
da socialização, estão impregnados da concepção político-pedagógica de execução
penal que compreende o cárcere como instituição total/instituição completa, em que
o indivíduo é capturado da sociedade, segregado totalmente da comunidade livre.
Com esta nova concepção, compreende-se o sistema penitenciário como uma
instituição social como tantas outras, reconhecendo a sua incompletude tanto
institucional, quanto profissional, valorizando uma maior interseção das demais
instituições com o cárcere, de outros profissionais extra-muros com os agentes
operadores da execução. Cria-se uma nova dinâmica política e ideológica que prima
pela não segregação total do indivíduo, pela compreensão de que o ser humano vive
em um constante processo de socialização. Assim, reconhece-se que o papel do
sistema de privação de liberdade é de socio educar: do compromisso com a segurança
da sociedade; e de promover a educação do delinquente para o convívio social.
(JULIÃO, 2009, p. 77)

Nesse sentido, ao repensar a ideia de ressocialização, se faz necessário também, como


expresso por Bitencourt (2001), observar diversos fatores que se relacionam com as prisões
desde seu surgimento e que a ela estão vinculados:
Não se pode ignorar o forte condicionamento que a estrutura socioeconômica impõe
às ideias reformistas — sobretudo razões econômicas e de necessidade de dominação
— que propiciaram o nascimento da pena privativa de liberdade. Precisamente, os
propósitos reformistas de que tanto se tem falado (desde os penitenciaristas clássicos)
não se realizam pelo poderoso condicionamento e limitação que impõem as
necessidades do mercado de trabalho e as variações nas condições econômicas. A
motivação econômica referida por Foucault é determinante para o salto qualitativo
que dá à prisão. É interessante apontar que a vinculação da prisão à necessidade de
ordem econômica, que inclui a dominação da burguesia sobre o proletariado, dito em
termos muito esquemáticos, faz surgir a tese de que é um mito pretender ressocializar
o delinquente por meio da pena privativa de liberdade. [...] não se pode afirmar sem
ser ingênuo ou excessivamente simplista que a prisão surge sob o impulso de um ato
humanitário com a finalidade de fomentar a reforma do delinquente. Esse fato não
retira importância dos propósitos reformistas que sempre foram atribuídos à prisão,
mas sem dúvida deve ser levado em consideração, já que existem muitos
condicionamentos, vinculados à estrutura sociopolítica, que tornam muito difícil, para
não dizer impossível, a transformação do delinquente. (BITENCOURT, 2001, p.51)

Bitencourt (2001), fortemente alicerçado em alguns efeitos sociológicos causados pela


prisão e que se ligam atravancando o “sentido ressocializador”, assinala que há um antagonismo
entre o pessoal (agentes) e os internos (detentos). A prisão transforma os internos em seres
passivos com vistas à adesão às regras do próprio sistema. Profana, assim, o ego e mortifica o
eu sistematicamente levando à coisificação da pessoa. Produz esse processo violando e
anulando a intimidade do indivíduo a partir dos dados recolhidos e registrados e pela efetiva
falta de privacidade diária. Submetem o interno à desculturalização do que se exige na
sociedade em geral. Esses pontos reforçam a crise da prisão como resposta penológica com
vista à ressocialização.
Para Elionaldo Julião:
35

A criminologia do século XXI se coloca a partir de duas concepções do cárcere, uma


fundamentada na criminologia clínica tradicional, de cunho positivista; outra baseada
nos pressupostos da Criminologia Crítica. [...] A primeira orienta-se pelo interesse e
bem-estar da sociedade e do sistema, enquanto que a outra pelo interesse e bem estar
da população carcerária. [...] um centrado na valorização da responsabilidade
individual sobre o fato social e outro, oposto, priorizando o indivíduo nas suas
relações histórico-sociais. (JULIÃO, 2009, p.46-47)

Acerca da possibilidade de ressocialização nos presídios, destacam-se ainda outras


questões que tornam o sistema incapaz de cumprir sua proposta de indução a uma “socialização
positiva”. Entre elas, vale destacar a cultura própria originada na prisão, com língua, códigos e
condutas, chamada por Donald Clemmer, de consciência coletiva, um sentimento antagônico à
relação com a comunidade livre. Assim: "Todos os valores e atitudes do sistema carcerário
estão impregnados de forte antagonismo em relação aos valores da sociedade exterior."
(BITENCOURT, 2001, p. 178).
De maneira geral, as relações internas ao sistema são estabelecidas pelo poder baseado
na fama e força, ou seja, de forma bastante primitiva. Há, neste sentido, uma estratificação
social dos detentos, ou seja, de grupos e papéis. "A estratificação carcerária organiza-se em
função de um subsistema social que repudia o modo de vida, o poder e os valores da sociedade."
(BITENCOURT, 2001, p. 183). Por vezes ainda, a administração apoia a dominação de
determinados grupos em relação a outros, devido às circunstâncias de “manejo” dos
encarcerados.
Esses processos são observados, por exemplo, nas gírias carcerárias, que, para Elias
Neuman, tem em seus termos "aríetes de ironia, de ansiedade, de dor, lançados através de um
submundo marginal" (BITENCOURT, 2001, p. 185). Todos esses processos e a existência de
um código de normas próprias dos detentos tornam necessário adaptar-se a ele para sobreviver
e, mais uma vez, "as normas em relação às quais se devem aplicar esses valores são opostas à
sociedade livre, o que não quer dizer que os valores do código do recluso sejam em todos os
seus aspectos "antissociais"” (BITENCOURT, 2001, p. 186).
A prisionalização, neste sentido, é a forma como a cultura carcerária é absorvida pelos
internos.
[...] a prisionalização é um processo criminológico que leva a uma meta
diametralmente oposta à que pretende alcançar o objetivo ressocializador. [...] O
recluso adapta-se às formas de vida, usos e costumes impostos pelos próprios internos
no estabelecimento penitenciário, porque não tem outra alternativa [...] O processo de
assimilação e de "socialização" que implica a prisionalização faz com que o recluso
aprofunde sua identificação com os valores criminais (ideologia criminal).
(BITENCOURT, 2001, p. 191)

Como exposto, pudemos observar que o conceito de ressocialização encontra limites


bastante explícitos e que estão de forma direta relacionados com a história dos presídios. Por
outro lado, a compreensão mais ampla e diagnóstica da vida dentro dessa instituição leva-nos a
compreender que tal processo é histórico, assim como a socialização que dentro dele ocorre.
Portanto, parece fundamental que, ao pensarmos a educação em presídios, estejamos atentos
para os elementos de socialização específicos desses espaços.
37

1.1.3 - As prisões no Brasil


Apresento agora, de forma breve, um percurso histórico das prisões no Brasil
destacando o ano de 1984, quando se dá a aprovação da Lei de Execuções Penais, que é fruto
de um movimento específico da sociedade e dos debates em torno da função da pena privativa
de liberdade. Busco também destacar alguns estudos históricos sobre as prisões que podem nos
ajudar a compreender os debates historiográficos em seu entorno.
De maneira geral, os debates historiográficos sobre o sistema prisional brasileiro são
recentes e debruçam-se temporalmente sobre o tema, especialmente até a década de 1930. Maia
(2009a) destaca que os acadêmicos, desde o acolhimento das ideias de Foucault na década de
1970, “produziram muito sobre os mecanismos de controle, mas parecem ter evitado a prisão
como objeto.” (p. 6). A autora destaca que, ao fim da década de 1970, a prisão se aproximou de
parte dos acadêmicos, tornando o objeto bastante latente devido às prisões políticas de diversos
indivíduos pertencentes a esse grupo. Neste sentido, afirma que “[...] a história das prisões de
Foucault era inadequada às exigências imediatas da luta política e foi deixada à sombra. Tomou
corpo um importante discurso sobre os direitos humanos na prisão, mas sem a crítica radical do
modelo.” (Maia, 2009a, p. 7-8). Tais discussões parecem ainda bastante persistentes nas
análises sobre a história das prisões, tanto em seus aspectos teóricos quanto da tomada das
prisões enquanto objeto de análise.
Corrêa (2021) ao analisar os direitos no cárcere brasileiro coloca que “O
desenvolvimento do direito penal no Brasil contou com grande recepção dos modelos vindos
de fora, chegando aqui como espécies de traduções adaptadas à prática nacional.” (CORREA,
2021, p. 35). Os modelos referidos, citados na primeira parte deste capítulo, são transpostos dos
países centrais para o Brasil. Destarte a isto, alguns elementos são fundamentais para
compreender a gênese das prisões no Brasil e, neste sentido, os aspectos decorrentes da
escravização são talvez os mais importantes. Pinheiro (2016) chega a afirmar que: “Os cárceres
das principais cidades brasileiras talvez se assemelham ainda às prisões coloniais, construídas
para abrigar escravos criminosos no século XVIII.” (p. 183).
Almeida (2014), ao analisar as prisões no Brasil a partir de uma análise histórica, coloca
que o elemento ressocializador nas terras tupiniquins se constrói especialmente:
A partir da década de 1920, e sobretudo a partir dos anos 1990, um discurso que
enfatiza o aspecto recuperador passa a ser dominante no sistema. Amplia-se a
percepção dos direitos humanos do preso. Apesar disso, a realidade das cadeias, de
um modo geral, não chega a mudar muito. E, mais uma vez, a contradição se explicita:
nunca se prendeu tanto na história desse país. (ALMEIDA, 2014, p. 27)

Tal movimento de ampliação nos debates acerca da ressocialização, como colocado por
Almeida (2014; 2016), se expande na esteira do processo de redemocratização do país, em
partes signatárias das discussões colhidas do Estado de Bem Estar Social, vivenciado na
Europa. Loïc Wacquant (2001), ao analisar tal questão, tem como conclusão que tais
características, como o foco na ressocialização, começam a desmoronar na Europa,
especialmente, com a ascensão do Estado Neoliberal. Assim, diversos autores, da sociologia à
criminologia, ao analisar o Brasil, têm se alicerçado nas teses de Wacquant observando que, no
caso brasileiro, as políticas neoliberais se postam juntamente a debates de forma vinculadas ao
Estado de Bem Estar Social europeu. Neste sentido, as contradições se apresentam ainda mais
claras na sociedade brasileira, que não vivenciou tal processo.
Gelson de Almeida (2014), ao discorrer sobre a formação dos presídios no Brasil e sua
relação com o sentido da pena, destaca algumas permanências e rupturas desse processo, desde
o período colonial até nossos dias. Dentre esses aspectos, coloca que em 1830 o Império
Brasileiro adotou pela primeira vez um Código Criminal revogando as Ordenações Filipinas8,
mas mantiveram, entretanto “[...] a pena de morte para os que liderassem insurreições escravas,
roubos com agravantes e homicídios, mantendo ainda as galés temporárias e perpétuas. Para os
“homens bons” surgiram as penas pecuniárias e de prisão, nitidamente com caráter mais brando
que para escravos e pobres." (p. 1-2).
Nesse contexto, e influenciado pelos ideais de reforma, o Estado Imperial introduz a
pena de prisão com trabalho “destacando o duplo objetivo de reprimir e reabilitar.”. Porém, tal
perspectiva se consolida efetivamente com a construção no século XIX da Casa de Correção da
Corte. Segundo o autor:
As primeiras unidades prisionais buscavam a reprodução integral ou parcial do
modelo arquitetônico panóptico e o sistema adotado era uma forma híbrida dos
sistemas de Filadélfia e Auburn, com crescente influência deste último. No primeiro,
o preso deveria receber uma cela individual, primando pelo isolamento, silêncio
absoluto, vigilância permanente, orações e penitências visando o arrependimento e
incluía castigos físicos para os casos de transgressão das regras. No segundo, o
silêncio e a vigilância permaneciam, mas havia contato com os demais presos e a
preocupação central com a realização do trabalho produtivo. (ALMEIDA, 2014, p. 2)

8
Promulgada em 1603, foi um código legal criado por Portugal que definiu crimes e punições. Destaca-se que o
mesmo ficou vigente no Brasil até 1917.
39

Podemos observar que caminha os presídios e todo o sistema jurídico-prisional


brasileiro à trilha dos discursos do norte. Essa perspectiva se mantém, segundo o autor, com a
proclamação da república em 1889 que “não alterou a situação do sistema prisional no Brasil,
que continuava bastante precária." (p. 11). Entretanto, com a República, “a forma que o Estado
definiu para lidar com o problema da criminalidade e delinquência foi, além da punição, a
correção dos delinquentes. Desde o início do século XX ocorre uma tendência do discurso
médico dentro do discurso criminológico." (p. 12)9.
Tal perspectiva é incorporada pelo direito penal e pode ser resumida em: "o criminoso
é um doente, a pena é um tratamento e a prisão deve curar e não punir. A psiquiatria se torna
um complemento da repressão do Estado, dando à repressão um caráter científico." (p. 13). Por
outro lado, surge também nesse período o “estreitamento entre crime e pobreza na criminologia
predominante dessa época”, a concepção, entretanto, era de que a miséria devia ser combatida,
pois “a indisciplina e a ociosidade” seriam a progenitora do crime, e não necessariamente as
péssimas condições materiais de vida da população.
Tal perspectiva se modifica, especialmente a partir da década de 1930, quando passa a
haver um número excessivo de pessoas presas, ao passo que a polícia ganha, durante o governo
de Epitácio Pessoa, prerrogativas que a colocavam em uma posição superior ao poder judiciário.
Para Almeida (2014), tal questão leva a duas perspectivas:
A primeira delas, a mais visível e direta, era a enérgica repressão aos que houvessem
se transformado em inimigos potenciais ou objetivos do regime. Portanto, uma
instituição de ameaça e de controle institucionalizados. A segunda perspectiva,
extremamente eficaz sob o ponto de vista psíquico, era a de fazer com que a sociedade
como um todo pudesse imaginar muito bem os perigos e a violência a que poderiam
ser expostos aqueles a quem a polícia pudesse considerar como “inoportunos” ou
“indesejáveis” ao Estado, quer do ponto de vista político quer do social, e dirigi-los à
prisão. (p. 19)

Almeida (2014) destaca que durante a década de 1940 houve um esforço por parte do
governo Vargas em modernizar o sistema prisional brasileiro, com discussões acerca do
“regime vigente, do salário e trabalho do preso, entre outras. Questões sem dúvida de enorme
relevância para o sistema penitenciário brasileiro.” (p. 23). Por outro lado, as contradições
inerentes ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil ficam evidentes, o crescimento das
cidades e o êxodo rural levam às prisões grande contingente de pessoas e as prisões passam a
ser vistas como “depósito de presos”. E nesse sentido, como destaca o autor, o êxodo rural pode
ser compreendido como herança do período escravocrata.
É nesse momento que as prisões se modificam ainda mais, pois:
Não cumpriria mais o papel de disciplinador e formador de mão de obra, ou ao menos
não seria mais essencial, posto que a própria mão de obra não-qualificada não seria
apenas excedente ou de reserva, mas “supérflua” e “descartável”. A crise do sistema
prisional a partir da década de 1960, presente em grande parte da Europa e dos EUA,
encontra-se instalada também no Brasil. Agravada por nossas contradições internas,
tal é o desafio que se apresenta em nossos dias. (ALMEIDA, 2014, p. 26)

Nesse sentido, ao se pensar a economia da punição e da segurança, percebemos que


[...] no Brasil, já não se pode taxar de novidade a intensificação do uso do cárcere
como forma privilegiada de controle social de uma determinada camada da população.
Os espaços proibidos também já se fazem notar em toda sua pujança. O que surgiu de
novo, por clara influência norte-americana, no âmbito do controle social punitivo, é
tão-somente o fato da implementação, em terras tupiniquins, da incipiente, mas
promissora, indústria do controle do crime. (GUIMARÃES, 2006, P. 319)

Como pudemos perceber, o Brasil tem seguido, em grande parte, os debates sobre a
função das prisões vindos da Europa e EUA. Esse movimento, entretanto, é complexificado
pelas questões internas da sociedade brasileira, em especial as heranças da escravização e o
processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Como veremos melhor adiante, mas já
brevemente anunciado aqui, a partir da década de 1960 instaura-se uma nova crise do sistema
prisional brasileiro. A superlotação dos presídios, bem como o avanço nos debates sobre
direitos humanos desta população, força a reestruturação, ao menos em seus termos legais, do
sistema prisional. Neste sentido, a LEP de 1984 materializa tais disputas e processos na forma
de lei.

1.2 - A EDUCAÇÃO
Parte-se agora para a análise dos debates que se estruturam em torno da educação. Para
isso, a segunda parte está subdividida em três: em “O direito à educação”, busca-se retomar os
debates que constroem a noção da educação enquanto direito, em âmbito geral e seu percurso
de institucionalização no Brasil. Em “A Educação de Jovens e Adultos” (EJA), apresenta-se o
sentido da EJA na sociedade brasileira e as especificidades desta modalidade de ensino. Por
fim, a “Educação para a Emancipação Humana” discutirá tal compreensão de educação tendo
em vista sua apresentação como norteadora dos documentos analisados no terceiro capítulo.

9
Tal perspectiva fica bastante elucidada no livro “Visões do Cárcere” de Sandra Jatahy Pesavento. Nesta obra
Pesavento analisa as notas do criminologista Sebastião Leão, que inspirado pelos métodos de Lombroso e
Lacassagne, busca analisar a partir da fisiognomonia os detentos da Casa de Correção da cidade de Porto Alegre.
41

1.2.1 - O direito à educação


O presente subitem apresenta a construção da educação como direito nos marcos
liberais, reconhecendo os avanços e limites de tal compreensão. Neste sentido, a
institucionalização/regulamentação da educação no Brasil nos ajuda a compreender a legislação
como fruto de um processo histórico. Destaca-se que a educação como direito de todos no Brasil
aparece na constituição de 1934, suplantada com o golpe de Getúlio Vargas, e volta a aparecer
como direito de todos em 1967, e se consolida efetivamente como “direito de todos e dever do
Estado e da família” apenas em 1988 com a promulgação da atual Constituição Federal, a qual
é fruto de um momento bastante específico da história brasileira, o fim da Ditadura Militar e a
emergência da Nova República. Neste sentido, a educação, bem como a ressocialização, surge
como direito em contexto similar, com ênfase para sua elaboração no período Iluminista e
formação dos estados nacionais. Seu reconhecimento legal, a âmbito internacional, é marcado
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, a qual é tida como horizonte no
Estado de Bem Estar Social e colocada em xeque com a ascensão do neoliberalismo.
Oliveira (2019), a partir da declaração de 1948, afirma que: “A educação pode ser
considerada como um direito potencializador, ou seja, um direito habilitante que contribui para
o exercício de outros direitos e promove a cidadania, articulando-se à formação e inclusão no
trabalho, na participação política e social.” (p. 38). Destaca-se que, por ser um direito
inalienável, não deve ser restringido a nenhuma pessoa independente de sua condição.
O Estado brasileiro, neste sentido, assume o papel fundamental de propulsor da
educação, a partir de políticas públicas, como forma de viabilizar outros direitos. Também, o
papel exercido pela sociedade civil organizada fomenta e força a elaboração dessas políticas.
Neste sentido, Oliveira (2019) coloca que: “A partir das relações travadas entre sociedade,
educação e Estado, e as formas de alianças e comunicação entre grupos sociais e órgãos
públicos, podemos dizer que uma das resultantes é a elaboração de políticas públicas.” (p. 37).
Exemplos de tal articulação são as reformas educacionais e as alterações na legislação
visando a universalização da educação básica, a descentralização e autonomia dos entes
federados, a instituição de modalidades de ensino, como é o caso da EJA, e a elaboração de
planos de educação. Entretanto, ainda que continuamente reafirmados, direitos humanos
fundamentais seguem, por vezes, sendo negados e violados.
Sobre a educação enquanto direito humano:
É possível afirmar que o desenvolvimento do direito à educação no nosso país,
certamente um processo acelerado nas últimas décadas, pode ser caracterizado por
duas ênfases: a expansão da escolarização e a afirmação da construção de uma
educação escolar comum a todos, na perspectiva da afirmação da igualdade.
(CANDAU, 2012, p. 720)

Para Candau (2012) os direitos humanos viveram, recentemente, uma crise de


significação com a ascensão das questões ligadas à diversidade. A defesa da igualdade foi
colocada em tensão com a defesa das diferenças. A resposta encontrada para esta questão se dá,
para alguns autores, a partir da igualdade na diferença. Assim, “temos o direito a ser iguais,
sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade
nos descaracteriza” (SANTOS, 2006, p. 462, Apud CANDAU, 2012, p. 719).
Cabe destacar que tal perspectiva se constrói, no Brasil, especialmente a partir dos anos
de 1990, pois, concebida na perspectiva da igualdade, a educação, por vezes, foi interpretada
como homogeneização e uniformização, buscando ser igual para todos(as). Conforme Candau
(2012), esta perspectiva vai aos poucos sendo questionada e suplantada pelos movimentos da
educação.
Importante destacar que a partir desses movimentos a educação passa a se rearticular
com os direitos humanos. Pensar uma educação em direitos humanos faz a busca pela cidadania
se transformar na própria luta pela garantia dos demais direitos. Neste sentido, quanto aos
direitos dos detentos e, entre eles, à educação, Godinho Et al (2020) assinala que:
Partimos do princípio de que paira sobre o imaginário social a ideia de que o papel da
prisão é de mera privação de liberdade dos indivíduos que cometeram algum crime
ou ato infracional. Conforme previsto na legislação brasileira, principalmente na Lei
de Execução Penal - LEP (Lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984) e no Art. 5.º da
Constituição Federal (1988), os sujeitos privados de liberdade só estão privados do
direito de ir e vir, portanto, todos os demais direitos estão mantidos: “a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Entendemos
que a pessoa privada de liberdade não deixa de ser um sujeito de direitos, que precisa
ser reconhecido como ser dotado de dignidade, entendendo-se esta como qualidade
inerente à essência do ser humano, bem jurídico absoluto, portanto, inalienável,
irrenunciável e intangível. A execução penal, de acordo com os artigos 1.° e 3.º da
LEP, “tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e
proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do
internado” (p. 1) e a eles “serão assegurados todos os direitos não atingidos pela
sentença ou pela lei (p. 2). (p. 3-4)

1.2.2 - A Educação de Jovens e Adultos


O presente subitem discute a EJA em seus aspectos gerais e, mais especificamente,
dialoga com outros trabalhos que discutiram o ensino para a educação de jovens e adultos
privados de liberdade. Miguel Arroyo (2008) coloca que a EJA se relaciona diretamente com o
lugar e a realidade dos jovens e adultos excluídos, neste sentido, “a história oficial da EJA se
43

confunde com o espaço social reservado aos setores populares” (p. 221). Assim, por vezes, na
história da EJA, e ainda hoje, encontramos discursos que colocam tal modalidade como de
menor valor, inferior, entre outros adjetivos. A educação de jovens e adultos nasceu da
educação popular, como destaca Arroyo (2008): “A educação popular, um dos movimentos
mais questionadores do pensamento pedagógico, nasce e se alimenta de projetos de educação
de jovens e adultos colados a movimentos populares nos campos e nas cidades, em toda a
América Latina” (p. 222). Dentre os maiores exemplos desta perspectiva, se destaca a
experiência de alfabetização de adultos promovida por Paulo Freire em 1963 em Angicos (RN).
Nesse sentido, a EJA no Brasil carrega uma herança acumulada nas últimas décadas,
especialmente a partir de 1960. Tais características ainda hoje se apresentam como
fundamentais de serem pensadas com esses sujeitos excluídos social e economicamente na
sociedade capitalista. Assim, Arroyo (2008) destaca que a EJA nomeia os sujeitos de sua
aprendizagem, para sua condição humana, característica marcante especialmente na EJA
Prisional, como observado no segundo capítulo.
Ao analisar a educação em contextos de privação de liberdade, Godinho (2019) assegura
que muitas das questões da EJA como um todo nela aparecem. Os sujeitos de tal modalidade,
de maneira geral, são pessoas que têm suas vidas marcadas por condições precárias de
existência, desempregados ou subempregadas, tais sujeitos são ainda marcados pela exclusão
da educação básica, ou pela falta de acesso, ou pelas dificuldades de permanência, as quais em
geral se ligam a suas condições social e econômica.
Tais características da EJA, apesar de marcantes, não foram compreendidas de forma
direta, mas construídas historicamente. Gadotti (2013) destaca que a compreensão do que é a
educação de adultos começa a ser desenhada, a nível internacional, em 1949, logo após a
Segunda Guerra Mundial, na I Conferência Internacional de Educação de Adultos, na qual, a
perspectiva de educação para tal grupo caminhava no sentido de uma “educação moral”,
“paralela” e “alternativa” à educação tradicional e , neste sentido, seu “objetivo seria contribuir
para com o respeito aos direitos humanos e para a construção de uma paz duradoura, que seria
uma educação continuada para jovens e adultos, mesmo depois da escola.” (p. 15).
É, entretanto, na IV Conferência Internacional de Educação de Adultos, em 1985, que
a concepção de Educação de Adultos, conforme Gadotti (2013), é “implodida”, derivando dela
uma gama de conceitos como: alfabetização de adultos, pós-alfabetização, educação rural,
educação familiar, educação da mulher, educação em saúde e nutrição, educação cooperativa,
educação vocacional, educação técnica.
Por fim, a V Conferência Internacional de Educação de Adultos, realizada em
Hamburgo em 1997, aprovou a “Declaração de Hamburgo” e adotou uma “Agenda para o
futuro”, na qual foi incluída a “Década Paulo Freire da Alfabetização”:
[...] entendendo a Educação de Adultos como um direito de todos e destacando a
importância de diferenciar as necessidades específicas das mulheres, das comunidades
indígenas e dos grupos minoritários. Essa Declaração realçou a importância da
diversidade cultural, os temas da cultura da paz, da educação para a cidadania e o
desenvolvimento sustentável. Vários temas fizeram parte da agenda: a educação de
gênero, a educação indígena, das minorias, a terceira idade, a educação para o
trabalho, o papel dos meios de comunicação e a parceria entre Estado e sociedade
civil. (GADOTTI, 2013, p. 16)

Neste sentido, como coloca Saraiva et al (2019), o reconhecimento da EJA “[...]


significa também o alcance de desenvolvimento social, político, econômico e cultural da
população brasileira.” (p.97). Entretanto, o contexto neoliberal tem enfraquecido tal perspectiva
ao transitar das propostas de soberania nacional para as de “globalidade”. Essa dicotomia
“obscureceu também os direitos ‘dos povos’ diante dos direitos dos ‘indivíduos’”. Assim as
questões sociais e educacionais da EJA, enquanto direito de todos, tem sido vilipendiada, o que
é possível observar na falta de políticas específicas para essa parcela da população já
historicamente excluída.
No mundo da meritocracia neoliberal, a individualidade se sobrepõe aos interesses
coletivos, se tornando esse, para Saraiva et al (2019), o “principal motor da produção e do
consumo”, assim, as avaliações para implementação de políticas públicas, têm tomado o caráter
de julgamento e ranqueamento dos indivíduos a partir da sua capacidade de consumo.
Ainda acerca das questões legais da EJA, se faz importante destacar que a Constituição
de 1988 decretou o ensino fundamental gratuito, “inclusive para aqueles que não tiveram acesso
na idade própria.” (CF, art. 208, I). A Emenda Constitucional nº 59, amplia tal questão ao
colocar também a educação básica como gratuita e obrigatória, dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)
anos de idade. Saraiva et al (2019) destaca, entretanto, que em ambos os casos a obrigatoriedade
da EJA, bem como suas especificidades, não foram consideradas. “Isto é, criam-se políticas de
inclusão marcadas simbolicamente pela exclusão social, porque não são oferecidas as condições
necessárias ao desenvolvimento, mas se aposta em medidas paliativas de controle social.”
(SARAIVA et al, 2019, p. 100). Entre tais medidas, de controle social, destaca-se o cárcere.
Por outro lado, como destaca Aguiar (2009), tem ocorrido um avanço no campo teórico
e também na mobilização de diferentes setores da sociedade na busca por uma educação de
45

qualidade para todos, forçando a implementação de políticas públicas para jovens e adultos
dentro de uma perspectiva crítica que pressupõe o reconhecimento desses sujeitos e de suas
singularidades. Conforme o autor, "é mediante o reconhecimento dessa diversidade que jovens,
indígenas, mulheres, trabalhadores da cidade e do campo passam a ser alvo de políticas
educacionais específicas no âmbito da educação de jovens e adultos.” (AGUIAR, 2019, p. 102).
Dentre os avanços nas discussões sobre a EJA destaca-se a superação dos processos
formais de transmissão de conteúdos, ou seja, se busca os diferentes saberes e processos,
superando a ideia de um “público alvo”, conotado como passivo, ou ainda a lógica mercantil
da educação. Esta questão é ainda mais clara quando falamos de uma população carcerária, na
qual as individualidades buscam ser subtraídas dentro do sistema. Entretanto, como sugere
Aguiar (2009), “[...] o que impede que os homens se transformem em “mortos-vivos” é
justamente a diferença individual, a identidade única do indivíduo.” (p. 103).
Assim sendo, a participação da sociedade civil, nas suas mais diversas formas de
organização, é desde os primórdios da educação de jovens e adultos elemento central para sua
elaboração e efetivação. No Brasil, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº.
9.394/96), o campo da educação de jovens e adultos passa a ser trabalhado como política
pública. Seu artigo 37, parágrafo 1º, coloca que os sistemas de ensino devem assegurar
gratuitamente aos jovens e adultos que não puderam efetuar os estudos na idade regular
oportunidades apropriadas e exames. Além disso, a LDB territorializa a EJA a fim de resguardar
as especificidades de cada lugar, assim os Estados têm relativa autonomia para a elaboração e
oferta de educação.
Arroyo (2008) destaca que a LDB carrega, em parte, a herança da educação popular ao
se referir à educação de jovens e adultos, diferente do que acontece com a infância, adolescência
e juventude, as quais a palavra educação e a nomeação dos sujeitos, é subtraída de sua
nomenclatura, passando para ensino fundamental e médio. Não só os sujeitos, mas a ação
também nos diz muito sobre as disputas e construções históricas da EJA e o respeito às
condições dos indivíduos. Arroyo (2008) argumenta que não se fala em educação das diferentes
fases de desenvolvimento dos sujeitos, mas de ensino:
[...] quando se refere a jovens e adultos, nomeia-os não como aprendizes de uma etapa
de ensino, mas como educandos, ou seja, como sujeitos sociais e culturais, jovens e
adultos. Essas diferenças sugerem que a EJA é uma modalidade que construiu sua
própria especificidade como educação, com um olhar sobre os educandos. (p. 224)
É nesse caminho que outra questão aparece como um traço da EJA, a de ter como
problema pedagógico, o ser humano e sua humanização. Característica esta que é incorporada
inclusive por pensadores, diretrizes e regulamentos do ensino regular. A EJA se construiu
pensando na formação integral dos sujeitos de forma totalizante enquanto “ser humano com
direito a se formar como ser pleno, social, cultural, cognitivo, ético, estético, de memória…”
(ARROYO, 2008, p. 226).
Assim a EJA se aproxima do campo dos direitos e consequentemente da educação
enquanto direito humano, conforme Miguel Arroyo, “não podemos esquecer que as
experiências mais radicais de EJA nascem, alimentam-se e incentivam movimentos sociais ou
sujeitos coletivos constituindo-se como sujeitos de direitos.” (2008, p. 229).
É nesse percurso de construção da EJA que em 2000 é aprovado pelo Conselho Nacional
de Educação as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos
(Resolução CNE/CEB 01/2000), parecer nº 11. Aguiar (2009) destaca que tais diretrizes
contribuíram para “eliminar o caráter compensatório dessa modalidade e para que ela seja vista
como um direito inalienável de todo cidadão”. Ou seja, se passa a compreender a dívida social
e se busca reverter as desigualdades ao reconhecer as especificidades do público da EJA.
Conforme o autor “... [A EJA] deve considerar as situações, os perfis dos estudantes, as faixas
etárias e se pautará pelos princípios de equidade, diferença e proporcionalidade na apropriação
[...] e na proposição de um modelo pedagógico próprio.” (p. 105).
O Plano Nacional de Educação – Lei nº 10.172, de 2001, que tem por objetivo elevar o
nível de escolaridade da população, reforçou o direito ao ensino fundamental para todos e
definiu, como veremos no capítulo 2, meta específica para educação em prisões. O que podemos
observar é que, ao longo da regulamentação legal, os aspectos teóricos e de mobilização de
diferentes agentes vão sendo incorporados na legislação a fim de resguardar a diversidade do
público da EJA.
Outro marco importante nesse processo acontece em 2010, quando são aprovadas, pelo
Conselho Nacional de Educação, as diretrizes operacionais para a educação de jovens e adultos
nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para o ingresso; idade mínima para
certificação nos exames; e educação de jovens e adultos desenvolvida por meio da educação a
distância (Resolução CNE/CEB 03/2010).
Apesar de resguardada enquanto direito, os dados apontam que nem todos conseguem
acessar a educação de jovens e adultos, e aqueles que a conseguem, por vezes não encontram
condições de permanência. Tal situação é ainda mais clara quando falamos da educação nos
47

presídios, na qual, a partir dos dados do INFOPEN, apenas 0,9% da população prisional que
não concluiu a educação básica (89% nesses espaços) conseguiu acesso à educação em 2019.
Como observado na primeira parte deste capítulo, o sentido das prisões vai de encontro
à educação nesse espaço, e essa se configura como resistência da dignidade humana em um
lugar reconhecidamente degradante a ela.
Tomando-se por esse ângulo, estamos diante de uma situação paradoxal, e um dos
desafios a ser enfrentado é o de encontrar caminhos para o desenvolvimento de uma
educação emancipadora em um espaço historicamente marcado pela cultura da
opressão e repleto de contradições: isola-se para (re)socializar, pune-se para reeducar.
(ONOFRE, 2015, p. 240-241)

Conforme assinala Saraiva et al (2019), é possível perceber a banalização da EJA


concomitante ao processo de reconhecimento legal, ou seja, avança-se no caminho de
reconhecer sua necessidade, ao passo que se coloca em segundo plano a implementação de
políticas públicas eficazes para sua promoção, para o acolhimento e permanência desses grupos
de pessoas. Assim, as autoras expõem a necessidade de se construir seminários, fóruns com a
participação dos que desta modalidade fazem parte, ou seja, professores, alunas e sociedade,
para um diagnóstico baseado na escuta desses sujeitos que constroem a EJA na sua dimensão
mais imediata.
Pensar a EJA é nomear os sujeitos de tal modalidade de educação como sujeitos da
exclusão desde sua origem, mas que buscam com a educação a garantia de direitos básicos.
Neste sentido, a história da EJA nos possibilita pensar a manutenção das desigualdades e da
exclusão social e econômica de parte da população, especialmente a privada de liberdade. Aí
encontra-se nosso maior desafio, alçar voos para a liberdade, para a emancipação humana e a
conquista e garantia dos direitos dessa população.
Por fim, para pensarmos a educação, especialmente a educação em presídios, frente às
dificuldades de estrutura física que se encontram, se faz necessário, como veremos no segundo
capítulo, repensar a própria estrutura educacional, não limitando-se ao acesso à educação a
partir da seriação, pois a mesma, nesses espaços, implica excluir jovens do processo de ensino,
sendo que:
Crianças, jovens e adultos podem aprender juntos muitas coisas. A idade não é o único
critério para organizar as aprendizagens. Todos aprendem juntos, “mediados pelo
mundo”, dizia Paulo Freire. Não devemos estabelecer limites entre o escolar, o não
escolar, o formal, o informal e o não formal. Devemos criar comunidades de
aprendizagem onde todos aprendem juntos, independentemente da idade, sem
segmentação, mas articuladamente. Trata-se de aprender para a vida e para o bem
viver. A meta não deve ser mais declarar um país livre do analfabetismo, mas
universalizar a Educação Básica. (GADOTTI, 2013, p. 26)

1.2.3 - A Educação para a Emancipação Humana


Este subitem discute a concepção de educação enquanto emancipação humana,
compreendida como concepção crítica da educação, e para além do capital. A ela é feita alusão
nos diversos documentos sobre a educação para privados de liberdade, analisados no terceiro
capítulo, documentos esses que por vezes apresentam a concepção sem fundamentação na
concepção teórico-prática que as estruturam.
Neste sentido, como assinala Gadotti (2013), se faz fundamental para além de
compreender a educação como direito de todos nos perguntar: qual educação queremos? De
que educação estamos falando? Para onde caminha a educação? Com quem caminha a
educação?
Falamos e defendemos uma educação que seja transformadora da realidade, tanto em
sua forma como no seu conteúdo. Uma educação que construa a solidariedade entre as pessoas
e os grupos que dela fazem parte. Uma educação que disponibilize instrumentos não apenas
para a superação individual, mas que fomente a organização social e a superação das
desigualdades e do próprio sistema capitalista. Uma educação que responsabiliza a todos pela
superação do analfabetismo, do preconceito, das desigualdades, da exploração do “homem pelo
homem”.
Neste sentido, cabe destacar a diferença estabelecida por Marx do conceito de
emancipação política e emancipação humana, pois eles nos ajudam a compreender a realidade
da educação no sistema prisional. Tasoniero (2018) ao analisar o conceito de emancipação,
alicerçado em Marx, afirma que:
A emancipação política é [...] parcial e abstrata, o homem emancipa-se por meio de
um intermediário, pois quando afirma, “O Estado é o mediador entre o homem e a
liberdade do homem” (MARX, 2010, p. 39), o autor assume a crítica à noção liberal
de emancipação política que se limita a defender a igualdade formal e desconsidera as
desigualdades da vida real. (p. 47).

Exemplo disto é a LEP/84, na qual o Estado assegura aos detentos direitos iguais aos
dos cidadãos livres. Em seu 10º e 11º artigo, consta que os detentos e os egressos do sistema
têm direito à assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Entretanto,
o que encontramos na realidade das prisões é diametralmente oposto, celas superlotadas e a não
prestação destas assistências a todos os detentos. Ou seja, a igualdade é formal e não leva em
conta as desigualdades reais da vida. Tasoniero (2018) assinala que “a emancipação humana,
49

ainda que não prescinda da emancipação política, surge da superação de seus limites e se realiza
por meio da negação do cidadão burguês, abstrato, submetido à sociedade de classes e à
propriedade privada.” (p. 49).
Para Tasoniero (2018) não podemos falar de emancipação sem citar as grandes
contribuições do intelectual marxista Antonio Gramsci, para o qual a “emancipação intelectual
e moral” são fundamentais no processo educativo. O autor destaca que a concepção de educação
de Gramsci
se estende a toda população, ‘escola unitária’, deve ser assimilada como um processo
intencional de formação, com atendimento padrão e de qualidade e que, sobretudo,
esteja vinculado a uma formação ampla, que garanta os elementos necessários ao
entendimento e a intervenção na sociedade. (p. 51)

Na esteira do pensamento de Marx e Gramsci, Mészáros, em “A educação para além do


capital”, defende que a emancipação humana é possível apesar das características da escola no
sistema capitalista. Para isso, o intuito da educação deve ser o de relacionar forma e conteúdo,
expondo as contradições e tomando os estudantes como sujeitos de sua própria história com
vistas à emancipação.
Para o autor, a escola atual se estrutura a partir de dois conceitos: doutrinação e
internalização. A doutrinação se coloca no sentido de a escola buscar fazer com que os
indivíduos tomem como natural e normal o mundo desigual no qual vivem, pois não haveria
alternativa à lógica atual da sociedade. A internalização, a qual se liga a doutrinação, busca
construir um consenso sobre o papel da educação quanto à manutenção do sistema, sendo
contrário a busca e modificação da mesma.
É neste sentido, como assinala Gadotti (2013), que “[...] a concepção da aprendizagem
sustentada pelas políticas neoliberais centra-se na responsabilidade individual. A solidariedade
é substituída pela meritocracia.” (p. 18). Assim encontramos o espaço de luta a ser travada no
campo da educação e da organização social, econômica, política e cultural da nossa sociedade.
O neoliberalismo concebe a educação como uma mercadoria, reduzindo nossas
identidades às de meros consumidores, desprezando o espaço público e a dimensão
humanista da educação. O núcleo central dessa concepção é a negação do sonho e da
utopia, não só a negação ao direito à educação integral. Por isso, devemos entender
esse direito como direito à educação emancipadora. (GADOTTI, 2013, p. 23)

A educação emancipadora, não reducionista e com dimensão humana, aparece de forma


bastante articulada à práxis em Freire (1987) que, a partir da apropriação das construções
marxista, coloca a humanização dos sujeitos oprimidos como processo para a superação dos
condicionamentos históricos. Assim os sujeitos mais desfavorecidos e oprimidos da sociedade,
coletivamente organizados, transformam sua existência concreta e a realidade no processo de
emancipação humana.
Outro elemento, destacado por Freire (1987), é de que uma pedagogia do oprimido deve
ser construída com os oprimidos e não para os oprimidos, conforme o autor ela é
[...] aquela que tem de ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos,
na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão
e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento
necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará. (FREIRE,
1987, p. 20)

Neste sentido, tal pedagogia é também um processo inconcluso e não finito no qual se
valoriza o sentido dialético da construção do ser humano no mundo, fazendo-o e refazendo-se
enquanto sujeito da história. É uma teoria humana, no sentido de que é feita entre os sujeitos.
Social, ao reconhecer as opressões. De luta, ao buscar superar tais condições. Crítica à educação
tradicional, ao reconhecer o limite e transitoriedade dos conhecimentos. E, por fim, também
propositiva, ao buscar construir uma nova forma de entender e praticar o conhecimento, a
aprendizagem, e a escola.
Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os
homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos
objetos cognoscíveis que, na prática “bancária”, são possuídos pelo educador que os
descreve ou os deposita nos educandos passivos. (FREIRE, 1987, p. 44)

O diálogo com os estudantes sobre suas visões de mundo e a nossa, enquanto


educadores, apresenta a possibilidade de investigação a partir do pensamento e da linguagem,
referidas à realidade e os níveis e visões desta por esses sujeitos. Assim, essas emergem como
potencial de se tornarem “temas geradores” para a pedagogia do oprimido. “O diálogo com as
massas não é concessão, nem presente, nem muito menos uma tática a ser usada, como a
sloganização o é, para dominar. O diálogo, como encontro dos homens para a ‘pronúncia’ do
mundo, é uma condição fundamental para a sua real humanização.” (FREIRE, 1987, p. 84).
Neste sentido, como assinala Godinho Et al (2020), “a problematização do mundo e da
própria existência liberta os sujeitos de naturalizar e reproduzir os mecanismos de opressão que
os mantém subjugados pelas classes dominantes.” (p.6) e os presídios são um dos lugares onde
a exclusão e opressão se apresentam para o domínio do ser humano.
Se a educação para a emancipação humana busca o diálogo com os sujeitos,
reconhecendo seus lugares no mundo, é possível admitir como assinala Godinho El al (2020),
que “a educação em contextos de privação de liberdade tem potencialidades, assim como
51

dificuldades e contradições, mas isso não impede a criação de processos educativos pautados
nos princípios da educação popular” (GODINHO Et al. 2020, p. 5).
Dentre os desafios traçados pelas autoras está “o de estabelecer confiança, condição
imprescindível ao diálogo”, porém, nesse processo se encontra como dificuldade a cultura
estabelecida no espaço prisional, a qual foi anteriormente mencionada ao pensarmos a
ressocialização em presídios. Questiona Godinho El al (2020)
como criar vínculos de confiança entre educandos/as e educador/a dentro desta
instituição que é repleta de desconfiança, onde as pessoas têm permanentemente o
receio de que suas palavras sejam incorporadas ao seu “relatório”; onde um colega de
cela pode ser o caguete, que denuncia infrações a um agente ou à Direção. (p.12)

Neste sentido, se faz conhecer que os demais agentes do sistema de privação de


liberdade, atuam para a educação, ainda que não seja a educação escolar na prisão, mas da
prisão10, portanto “[...] trabalhar a confiança dos demais agentes operadores da execução penal
em relação aos apenados é outra dimensão do mesmo problema” (GODINHO Et al, 2020, p.12).
Conforme avaliado anteriormente, ao tratarmos a educação de jovens e adultos, e não
só nesta modalidade de ensino, se faz fundamental construir processos de debates e formações
entre os diversos sujeitos envolvidos no espaço educativo, seja ele a prisão ou a escola dita
“regular”, para além dos educadores e com os educandos e toda a comunidade.
No que confere a prisão, entretanto, as questões da cultura do sistema prisional se
apresentam como um empecilho ainda maior à educação.
[...] como lidar com a perspectiva da educação popular que visa contribuir para a
consciência crítica do educando em um espaço em que a manutenção da “calma” é
uma prioridade para a maioria dos agentes operadores da execução penal? Nessa
direção, como refletir sobre uma sociedade que produz pobreza e desigualdades,
prioriza políticas penais em vez de políticas sociais de garantia de direitos humanos,
sem abalar esta “calma”? (GODINHO Et al, 2020 p. 13)

Se os problemas são vários, e até mesmo geram embate entre as diferentes funções que
os presídios executam, o empenho e o recurso humano e financeiro investido também devem
ser. Como destacado, as formações, discussões e até mesmo redefinições dos limites devem ser
pautadas, discutidas, definidas, financiadas, pois, como já destacado, uma educação popular
que se paute na dialogicidade e na superação da realidade desigual e opressora, na qual os

10
Para uma maior elucidação da escola na ou da prisão ver: JULIÃO, Elionaldo. Escola na ou da prisão? Cad.
Cedes, Campinas, v. 36, n. 98, p. 25-42, jan.-abr., 2016.
sujeitos explorados e excluídos do sistema se encontram, passa por questionar as próprias
práticas do sistema, como afirma Godinho Et al:
Dentre os desafios da educação popular em contextos de privação de liberdade,
tomando como base os conceitos de dialogicidade e conscientização, ressaltados por
Freire, destacamos a importância de promover, na escola da prisão, um processo
educativo antagônico às práticas autoritárias e desumanizadoras denunciadas. A
dialogicidade é compreendida como a base de uma educação libertadora. Esta não age
sobre os sujeitos, tomando como objeto os homens e mulheres que dela participam –
e esta é uma importante ruptura em relação à educação bancária, pois tem como
pressuposto que educandos e educandas são sujeitos com experiências e saberes
produzidos nas culturas populares em que estão inseridos. Sem esse reconhecimento,
não poderia existir educação libertadora, no entender de Freire, nem pode existir hoje
a educação popular em contextos de privação de liberdade.” (GODINHO Et al, 2020,
p. 13)

Assim, a internalização e a doutrinação, anteriormente destacadas, se apresentam


também na realidade prisional, não apenas dos apenados, mas de todos ali inseridos. Portanto,
repensar a naturalização que detentos e agentes produzem de sua realidade é fundamental para
a superação e desvelamento da realidade complexa que estrutura as prisões. A falta de noções
críticas dos “detentores do poder” no espaço prisional, bem como a identidade de “bandidos”
assumida por parte dos sujeitos privados de liberdade, devem ser consideradas, pois produzem
normalização de questões estruturais da sociedade que os oprimem e que dispõem tais sujeitos
nesse ambiente.
Como destacado, analisar a educação em presídios pela perspectiva da educação popular
e crítica, com vistas a emancipação humana, passa por questionar as bases fundantes das
próprias concepções dos sujeitos ali envolvidos. As visões sobre si e sobre o outro no mundo,
devem ser repensadas junto a esses sujeitos, para que assim as perspectivas de futuro se abram,
a condição não se torne sinônimo de imobilidade. E que os mesmos possam humanizar-se na
busca por “ser mais”, dissociando assim passado e futuro.
Onofre (2016) sugere pensarmos as práticas sociais que acontecem na instituição
prisão, pois esta pode ser uma forma de abrir pequenas fendas que podem anunciar
possibilidades de enfrentamento dos paradoxos entre punir e educar. Nesse sentido,
analisar a prisão como instituição socioeducativa nos leva a sinalizar a relevância de
se tomar as práticas que ali acontecem como práticas que educam, uma vez que nelas
se estabelecem o convívio, as aprendizagens e o respeito ao outro. (GODINHO Et Al,
20020, p.16)

Ou seja, é preciso assumir, ao falarmos das prisões, que as mesmas são espaços sociais
e, portanto, há socialização nesse espaço e a mesma pode e deve ser pensada como “tema
gerador” para a construção de uma educação crítica com vistas a emancipação humana. Assim,
“Embora reconheçamos a prisão como instrumento punitivo, que desestrutura as pessoas, ela
53

própria cria mecanismos de resistência que lhe permitem sobreviver.” (GODINHO Et al, 2020,
p. 16).
Por fim, fica explícito a necessidade de superação de questões que extrapolam os muros
das prisões. Se os presídios se articulam a sociedade e essa, à educação, pensar a superação de
um espaço, o dos presídios, que vai de encontro a humanização, é a única possibilidade da
conquista coletiva da liberdade. Como colocado por Godinho Et al (2020):
Em síntese, elencamos os seguintes desafios: garantir o direito à educação para os
grupos sociais mais vulneráveis e estigmatizados nos dias atuais; avançar no que diz
respeito à qualidade da educação de jovens e adultos; resistir aos ataques de grupos
conservadores contra os direitos humanos; e encontrar brechas no sistema
penitenciário para colocar em xeque esta instituição e avançar na produção de
alternativas ao encarceramento em massa. (p. 17)

É nessa perspectiva e com as questões postadas aqui que nos dispomos a analisar a
educação prisional nos capítulos que se seguem, buscando contribuir para o campo da análise
crítica, não apenas da educação em presídios, mas de nossa própria sociedade e sua potência de
“ser mais”.
2 - A EDUCAÇÃO NO CÁRCERE BRASILEIRO: ENTRE O DIREITO E A
RESSOCIALIZAÇÃO
A questão da segurança pública tem se colocado como campo de disputa entre os mais
diversos atores no Brasil. Se por um lado acredita-se que o aumento e/ou intensidade das penas
(como a defesa da pena morte), em especial a privativa de liberdade, são a solução para a
violência e a criminalidade em nosso país, emerge por outro, a compreensão mais ampla e
diagnóstica das razões pelas quais se vê ampliada a insegurança, o crime e a violência em nossa
sociedade. É, neste sentido, que se busca colaborar ao abordar a questão da educação no cárcere
observando de forma ampla a temática da segurança pública, discutindo a partir do contexto no
qual a luta pela garantia do direito e acesso à educação nas prisões tem sido incorporada à
legislação brasileira compreendendo que essa é fruto da articulação entre sujeitos e forças
sociais.
Assim, ao observar a construção histórica do sentido atribuído à educação no cárcere
brasileiro entre os anos 1984 e 2019, busco compreender o contexto e a sociedade na qual se
insere esse movimento de defesa do direito e acesso à educação e assim tornar possível
compreender o Brasil contemporâneo. Para isso, se faz necessário responder algumas perguntas
chaves como: qual sentido atribuído pela legislação para a educação no cárcere? Como se dá a
inserção da educação no cárcere, especialmente o brasileiro? Como se desenvolveu a
construção da necessidade/direito de educação no espaço do cárcere e de seu sentido
ressocializador? Há contradições inerentes a esse sentido? Há limites da educação vinculada à
ressocialização? Qual é a potência que a educação tem nesse espaço? Quais são as ligações
entre o contexto macroestrutural da sociedade brasileira e essas questões?
Em alguma medida, os debates que ganham força no Brasil a partir da década de 1980,
acerca das questões da educação no cárcere, tem como referência algumas experiências
positivas no processo de ressocialização durante o Estado de Bem Estar Social, especialmente
na Europa, e que, com o processo de abertura política já no final da Ditadura Militar brasileira,
é retomado, assim como muitos dos debates reprimidos durante esse período.
Dentre os discursos que ganham força está o da necessidade de garantir o acesso à
educação para as pessoas privadas de liberdade. Tal questão se respalda, especialmente, em
uma série de tratados em que o Brasil vai se tornando signatário11, além da ascensão do discurso
que relaciona a educação à ressocialização do apenado e a mobilização e organização de presos,

11
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é a principal, mas dela decorrem diversos outros
tratados.
55

familiares e organizações sociais em busca da garantia do direito à educação. Em todos os casos


temos a visão positiva da educação como principal instrumento de desenvolvimento e
emancipação humana atrelado ao resguardo legal tanto nacionalmente quanto
internacionalmente.
Boiago (2013), ao apresentar uma análise das políticas públicas internacionais e
nacionais para a educação em estabelecimentos penais a partir de 1990, destaca a participação
de agentes externos, especialmente da Organização das Nações Unidas (ONU), Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e da Organização dos
Estados Ibero-americanos (OEI). Vale destacar que as concepções destas entidades foram
"aceitas" por agentes internos aos governos brasileiros nas últimas décadas, tanto nacional
quanto estaduais, e não necessariamente impostas. A autora destaca:
Essas agências, por meio da disseminação não só de diretrizes como de planos de
ação, influenciam na elaboração de políticas públicas educacionais para o país e seus
estados ao articular consensos globais que objetivam a construção de uma Agenda
Globalmente Estruturada para a Educação (Roger Dale) adequando a educação
nacional às necessidades do capital global. As políticas educativas destinadas a
pessoas privadas de liberdade mantêm relação com estratégias de regulação social que
visam responder manifestações da "questão social, tais como o aumento da violência,
da criminalidade e da pobreza. (BOIAGO, 2013, p. 7)

Como destacado no primeiro capítulo, as relações capitalistas no mundo globalizado


passam a inserir diversos setores, da economia à política, e acabam por transformar as relações
internas dos países que se integram às organizações e instâncias de regulação supranacionais
como o Banco Mundial, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), Fundo Monetário Internacional (FMI), UNESCO, OEI, entre outros. O processo de
uma política nacional de educação em presídios, nesse sentido, dialoga com um movimento
internacional especialmente orientado pela ONU e seus mais diversos braços de atuação,
especialmente a partir da década de 1990.
Entre os documentos que versam sobre a questão em âmbito internacional, destaca-se
da ONU a Resolução 45/112 intitulada "A Educação em Matéria de Justiça Penal", a Resolução
1990/20, "A Educação nos Estabelecimentos Penitenciários" e a Resolução 1990/24,
"Educação, Capacitação e Consciência Pública na Esfera da Prevenção de Delito", todas, de
1990. Em 2009 a ONU publica também o "Relatório Promoção e Proteção de Todos os Direitos
Humanos, Civis, Políticos, Econômicos, Sociais, Culturais, incluindo o Direito ao
Desenvolvimento: o Direito à Educação das Pessoas Privadas de Liberdade". Da UNESCO
destaca-se o "Relatório A Educação Básica nos Estabelecimentos Penitenciários – 1991" e da
OEI em parceria com a UNESCO o "Plano Ibero-Americano de Alfabetização e Educação
Básica de Pessoas Jovens e Adultas para os anos de 2007-2015".
No Brasil, a questão penal, especificamente, tem como um de seus marcos históricos o
ano de 1984, quando se dá a promulgação da Lei de Execuções Penais (LEP), nº 7.210 de 11
de julho. Tal lei, que será analisada a seguir, dispõe, entre diversos outros temas, do direito à
educação e da possibilidade de remição de pena pelo trabalho, a qual servirá de base para a
remição de pena pelo estudo a partir da lei 12.433/11 que altera a LEP equiparando o estudo ao
trabalho para fins de remição.
O presente capítulo busca, então, discutir, a partir dos dois eixos anteriormente
apresentados no primeiro capítulo, o direito à educação e ressocialização, e a educação no
cárcere brasileiro. Para isso, além do diálogo com autores que caminharam por questões
semelhantes à nossa, buscamos apresentar o percurso legal da regulamentação do direito ao
acesso à educação nos espaços de privação de liberdade. Ao analisar tais documentos, é
necessário levar em conta os pressupostos deste trabalho, quando inserimos os presídios e a
educação como frutos de um momento específico de desenvolvimento do capitalismo, o Estado
Neoliberal. Sendo assim, é preciso atentar que os documentos e os conteúdos que versam, sobre
a relação de ambos, educação e presídios, são também geridos dentro da lógica capitalista,
sendo frutos portanto das relações de poder entre classes em determinado contexto histórico.
Ao investigar historicamente o sentido atribuído para a educação em espaços de
privação de liberdade no Brasil durante o período de 1984 a 2019, tendo como fonte histórica
a legislação e analisando-a a partir da compreensão de que essa se apresenta como síntese do
processo de articulação de sujeitos em determinadas condições materiais a eles colocadas pelo
contexto, percebe-se de maneira geral que a educação tem adquirido, no âmbito legal, papel
fundamental para a ressocialização, além de se configurar como direito inalienável do ser
humano. Pudemos perceber ao longo da análise que houve a ampliação do direito ao acesso à
educação em espaços de privação de liberdade, durante tal período, ainda que não sua
universalização, bem como o avanço nas discussões sobre seu sentido. Observou-se também
que a regulamentação da educação nos espaços de privação de liberdade se deu dentro do que
podemos chamar de período democrático brasileiro.
57

2.1 - LEI DE EXECUÇÕES PENAL DE 1984


Tida como marco que delimita temporalmente este trabalho, a Lei de Execuções Penais
de 1984 será discutida neste subcapítulo, em especial no que diz respeito à educação e à
ressocialização. Boiago (2013) coloca que: "No Brasil, o Direito Penal é constituído por três
conjuntos de leis, a saber, Código Penal de 1940, o Código do Processo Penal de 1941 e a Lei
de Execução Penal de 1984." (p.94). Os dois primeiros, de viés positivista, tornaram-se “colchas
de retalhos” nas décadas seguintes à sua elaboração e dizem respeito ao que se denomina
política criminal. A LEP, entretanto, situa-se como um dos primeiros movimentos que visa
estabelecer uma política penitenciária que até então caracterizava-se pela descentralização das
práticas de controle e métodos de aplicação das penas privativas de liberdade. Em termos gerais
podemos situar a política criminal como sendo a forma de combater e prevenir a violência e a
criminalidade, enquanto a política penitenciária diz respeito ao controle social sobre o sistema
penal e aplicação das penas, bem como da fiscalização dos estabelecimentos prisionais e os
métodos internos ao sistema aplicados. Neste sentido, a Política Penitenciária brasileira começa
a ser discutida no âmbito legal, especialmente a partir da LEP/84, na qual fica responsável o
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) pela sua elaboração e o
Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) pela sua execução.
Segundo Julião (2003), na LEP se estabelecem duas visões, primeiro, assenta-se sobre
um olhar conservador que acredita na resolução da violência a partir de penas severas. Segundo,
apresenta as penas alternativas e o viés de reeducação. Inicialmente contraditórias, tais visões
se efetivam no texto da lei. A LEP discorre sobre diversas questões da execução penal, estando
dividida em nove títulos, 3 capítulos, seções e subseções, passando desde o objeto, os sujeitos,
seus direitos e deveres, os órgãos responsáveis pela execução penal, os tipos e formas de
estabelecimentos penais, as formas de execução das penas, as medidas de segurança e
penalidade sobre incidentes. De nosso interesse específico, a educação, destaca-se o título II,
intitulado “Do condenado e do internado”, que em seu capítulo II apresenta as “assistências”,
dentre as quais na seção V está a “assistência educacional”, e o capítulo IV intitulado “Deveres,
Direitos e Disciplina'' quando assinala-se a educação como direito dos internos.
Em seu primeiro artigo, ao estabelecer o objetivo da execução penal, a LEP afirma que
a mesma busca “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do
internado''. Quanto à educação, em seu artigo 18 destaca que: “O ensino de 1º grau será
obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa.”. O artigo 21 estabelece
a previsão de ao menos uma biblioteca por estabelecimento penal. A Lei nº 13.163, de 2015
acrescentou ao artigo 18 a alínea A, constituída de três parágrafos, que orientam mais
especificamente o direito à educação, incluindo-se nesse momento o ensino médio vinculado à
EJA, além do objetivo de universalização da educação em espaços de privação de liberdade.
Destaca-se que passa a vigorar na LEP, a partir de tal alínea, o papel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal com apoio da União na implementação das políticas de educação,
diferentemente do preconizado em 1984, quando restringia-se o sistema escolar à unidade
federativa no qual se encontrava. Também é acrescida, a partir da lei 13.163/2015 no artigo 21,
alínea A, que dispõe sobre a apuração do censo penitenciário, incluindo-se a esse as questões
relativas à educação.
O artigo 41, no qual se encontram os “direitos dos presos e internados”, apresenta que
se constitui como direitos, entre outros, “VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais,
artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII -
assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;”
Como avaliado anteriormente, o contexto de criação e aprovação da legislação dialoga
diretamente com seus termos, e com a LEP não é diferente. Sendo assim, é importante destacar
que antes de sua aprovação temos uma série de mudanças históricas em curso que influenciam
a forma, os termos e os horizontes da presente lei, não obstante a isso, após sua aprovação, a
mesma será fruto de diversas modificações, com destaque para a alteração pela lei 12.433/11,
a qual institui a remição pelo estudo12 e será comentada mais adiante.
Fica manifesto a partir da análise das penas em Bitencourt (2001) e Guimarães (2006),
conforme capítulo primeiro, que cada regime político e de poder possui suas formas de punição,
assim o capitalismo criou sua própria estrutura punitiva baseada no direito penal. Durante a
formação do Brasil, diferentes foram as formas de encarar a punição, das regras importadas de
Portugal passando por novas formas após a Independência em 1822 e a constituição de 1824.
O Brasil, entretanto, organiza e codifica disposições sobre a execução penal efetivamente, no
âmbito legal, apenas na legislação mais recente.
O contexto de promulgação da LEP, em 1984, é marcado pela euforia no cenário político
brasileiro, que desde 1964 vivia sob a Ditadura Militar e que passa a partir de 1974 para uma
abertura “lenta, gradual e segura”. Nesse contexto temos a ampliação de debates das diferentes

12
A remição pelo estudo é contada na razão de um dia de pena para doze horas de efetivo estudo.
59

correntes criminológicas, em especial as de caráter humanista formatando os modelos de


política penitenciária, ainda que com permanências de viés conservador. Se faz notar que
diversos dos debates retomados com o processo de reabertura política se apresentam
especialmente em nossa Constituição Federal de 1988 na forma de direitos e deveres do
cidadão. Destaca-se, nesse momento, o movimento da nova defesa social, signatário do Estado
de Bem Estar Social, e que orienta fortemente o sistema prisional para uma função corretiva e
reabilitadora.
O grande mérito da LEP, neste sentido, está na desvinculação da execução penal do
Código de Processo Penal, garantindo maior autonomia e adequação a seu próprio fim, “efetivar
as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e do internado”. O texto é, entretanto, bastante sintético quanto
ao tema da educação, o que demonstra que, apesar do avanço de previsão e reconhecimento da
mesma enquanto direito, ela não se configura como tema central.

2.2 - AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS EDUCACIONAIS NO CÁRCERE


Dividido em dois subitens, esse capítulo mostra na primeira parte que, mesmo antes da
LEP e da Constituição Federal de 1988, existiam experiências de educação no cárcere, porém
é a partir delas que se organiza e se apresenta de forma mais explícita tais propostas,
especialmente por, a partir daí, encontrarem respaldo legal. Sendo assim, apesar de não
resguardado legalmente, nos espaços de privação de liberdade, as primeiras experiências de
educação antecedem a legislação. No segundo subitem observamos que há uma tentativa de
instauração de políticas públicas organizadas por algumas unidades federativas com apoio de
organizações da sociedade civil, de promoção e institucionalização da educação para as pessoas
privadas de liberdade.

2.2.1 - Experiências díspares de educação no cárcere brasileiro


Chamamos experiências díspares as que houveram de educação no cárcere brasileiro
antes da promulgação da LEP em 1984. Para tal, foram utilizadas fontes secundárias,
especialmente os trabalhos de Julião (2013; 2016; 2020), referência nos estudos sobre educação
em presídios, que contribuiu enormemente para a formulação das políticas nacionais de
educação no cárcere a partir de 2006. Cabe destacar que Elionaldo foi também consultor na
formulação do Plano Estadual de Educação em Prisões do Estado de Santa Catarina, abordado
no último capítulo desta dissertação.
Como anteriormente exposto, o recorte temporal se dá em especial pela promulgação
da LEP em 1984, entretanto, cabe destacar que não é a partir dela que se reconhecerá o direito
à pessoa privada de liberdade ao acesso à educação e tampouco marca o início das primeiras
experiências no cárcere brasileiro. Conforme Julião:
A história das primeiras experiências de educação para jovens e adultos no sistema
penitenciário remonta a algumas décadas [antes da LEP]. Muitas delas surgiram
através de experiências isoladas em unidades penais, promovidas por voluntários que
se sensibilizavam com a situação dos apenados. Mobilizados por questões de fé ou de
ordem ideológica, representantes religiosos ou de organizações não governamentais,
agregando suas ações assistenciais, desenvolviam projetos pontuais de alfabetização
em espaços improvisados, sem qualquer apoio dos gestores locais, bem como do
próprio Estado. (JULIÃO, 2016, p. 26)

O autor apresenta que uma das primeiras experiências de educação no cárcere de forma
organizada e respaldada por órgãos governamentais ocorreu em 1967 no Estado do Rio de
Janeiro em uma parceria entre a Secretaria de Estado de Justiça e a Secretaria de Estado da
Educação. Além dessa, outras experiências são citadas, ainda que de maneira vaga, entretanto,
poucas são as referências sobre elas. Conforme assinalado:
Poucos são os estudos existentes no país que remontam a história da educação em
espaços de privação de liberdade. Raros são os documentos que possibilitam a
reconstituição desta história, visto que muitas das experiências desenvolvidas nos
estados nunca registraram o trabalho realizado, assim como não mantiveram ao longo
dos anos os parcos documentos, registros produzidos das ações desenvolvidas.
(JULIÃO, 2013, p.2)

Nesse sentido, há dificuldade de acesso e da própria existência de arquivos


penitenciários sobre o tema, bem como dificuldade na reconstrução desse percurso.
Recentemente, entretanto, tem-se buscado garantir e promover o acesso a tais documentos e
espaços para pesquisadores a partir dos variados documentos legais aprovados. Assim, apesar
de parcos relatos, é possível afirmar que a educação se insere no cárcere brasileiro pela primeira
vez antes dos marcos temporais aqui escolhidos para a delimitação do trabalho.

2.2.2 - Ensaios locais para uma política educacional (1984-2005)


Durante o período de 1984 a 2005 é possível observar uma série de experiências a nível
local, especialmente de alguns Estados da federação, de organização de um processo educativo
no cárcere. O que veremos até o ano de 2005, quando se dá a primeira experiência nacional,
segundo Julião (2016): “De norte a sul do país, é possível se ouvir falar de experiências isoladas
61

que foram se consolidando com o tempo em ações públicas de educação para jovens e adultos
no sistema penitenciário.” (p.27).
Neste sentido, a Constituição Federal de 1988 afirmou o compromisso do país com a
educação com vistas ao desenvolvimento nacional, especificamente em seu Artigo 205, quando
afirma a educação como direito de todos e dever do Estado e da Família. Destaca-se também o
artigo 206 que afirma que a oferta de educação deve se dar em igualdade de condições de acesso
e permanência, e que a mesma deve ser obrigatória e gratuita, incluindo-se a garantia a ela para
aqueles que não tiveram acesso em idade adequada, leia-se EJA, caso da população prisional.
Além disso, cabe destacar que a constituição afirma a busca pela erradicação do analfabetismo
e a universalização da educação básica. Nesse sentido, reafirma, ainda que não explicitamente,
o direito à educação aos privados de liberdade. Para tal compreensão é importante destacar que
as pessoas privadas de liberdade, de maneira geral, perderam apenas seu direito de ir e vir,
sendo consideradas cidadãs e, portanto, devem ter seus direitos sociais, como a educação,
resguardados.
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, Lei nº 9.394, nota-
se a ausência de propostas para a educação prisional, entretanto é possível atrelá-la à EJA, a
qual é referenciada no documento. Importante destacar que é a partir da LDB que a EJA passa
a vigorar como política pública no Brasil. Do debate sobre a EJA no país destaca-se ainda, no
campo legal, a resolução da CNE/CEB 01/2000, na qual é colocada como etapa da educação
básica, e a Resolução CNE/CEB 03/2010, que Institui Diretrizes Operacionais para a Educação
de Jovens e Adultos nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso,
certificação e oferta de Educação a Distância. O que podemos observar é que ainda em 1996 a
educação prisional não é inserida de forma explícita no âmbito legal da educação no Brasil.
Tal perspectiva começa a se redesenhar a partir do Plano Nacional de Educação em
2001, no qual se apresenta pela primeira vez a questão da educação no cárcere de forma
orientada, fruto, em alguma medida, do avanço nos debates sobre a EJA e a necessidade de
respeito às especificidades de cada público por ela abarcado. Além disso:
Ao estender a oferta do ensino aos estabelecimentos penais, o Plano [2001] visou
responder aos compromissos firmados na Conferência de Dacar sobre a Educação
para todos em 2000, na Declaração de Hamburgo em 1997 e nos demais documentos
da ONU e da UNESCO referentes à garantia dos direitos humanos" (BOIAGO, 2013,
p. 109)
No plano, a meta nº 17, referente a EJA, afirma a necessidade de implantação de
programas de educação em todas as unidades prisionais, afirmando ainda que para tal
“clientela” seja garantido
[...] em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam a
adolescentes e jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de nível
fundamental e médio, assim como de formação profissional, contemplando para esta
clientela as metas n° 5 e n° 14.” (BRASIL, 2001, p. 75)

A meta número 5 dispõe sobre a adequação de material didático, enquanto a meta 14


dispõe sobre a expansão da educação a distância, “incentivando seu aproveitamento nos cursos
presenciais”.
Eli Torres (2017) destaca, entretanto, que "no Brasil, o processo de institucionalização
da remição pela educação decorreu, primeiramente, do entendimento de alguns juízes" (p. 38).
A autora apresenta processos de remição no RS em 1990 e a tentativa de instauração de
precedente legal em SP em 2000. Cabe ressaltar que, especialmente no caso paulista, tais
medidas encontraram forte resistência por parte da mídia, do Ministério Público e de juízes,
destaca ela:
Estranha-se, portanto, que membros do Ministério Público, descompromissados com
a dignidade do homem preso, tenham, absurdamente, caracterizado, pela mídia
eletrônica, a educação como fonte de sabedoria para aperfeiçoar o crime quanto,
sabidamente, uma sociedade instruída é uma sociedade que preza a cidadania e bane
a violação de direitos. Estranha-se, sobretudo, porém, que juízes responsáveis pela
Vara de Execuções Penais da Capital, tenham dito que “só vão aprovar se houver um
efetivo controle da carga horária de estudo” (Folha de S. Paulo, Cotidiano, C4
26/09/2000). Sendo a execução entre nós jurisdicionalizada, cabe justamente ao
Judiciário, autorizando a implantação do sistema, fiscalizar sua perfeita aplicação.
Bem por isto, juízes de diversas comarcas do interior do Estado já têm deferido
remições pelo ensino [...] (TORRES, 2017, p. 40 APUD AJD, 2000, grifo meu).

Nesse caminho, em 2007 o STJ, a partir da súmula 341, pacifica o entendimento sobre
remição de pena para quem cursa o ensino fundamental. O Poder Judiciário do Mato Grosso do
Sul parece ser o primeiro a reconhecer a súmula 341 em sua portaria nº002/2008. Segundo
Torres, “até o ano de 2010 o dispositivo jurídico da remição de pena pela educação também
fora acolhido pelo judiciário dos Estados do Rio de Janeiro (RJ), Paraná (PR), Espírito Santo
(ES), Minas Gerais (MG), Rio Grande do Sul (RS), Distrito Federal (DF), Rondônia (RO) e
Ceará (CE) (2017, p, 41).”
O que percebemos é que as experiências individuais e de coletivos antecipam a
institucionalização e a regulamentação legal das práticas de ensino. Cabe destacar também que
movimentos sociais, internos e externos ao sistema prisional no período acabam por contribuir
para a discussão e ampliação dos debates em torno da educação e da remição pelo estudo. Ponto
63

central na tese de Eli Torres (2017), o "dispositivo remição", para a autora, decorre do encontro
de dois movimentos internos ao sistema prisional: o excesso de lotação, que desdobrou-se em
uma série de rebeliões, como a que resultou no massacre do Carandiru em 1992, e por outro
lado, o surgimento de facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) em 1993.
Assim, por um lado, as junções destes processos levaram às rebeliões ocorridas no
início dos anos 2000 no país. Esses acontecimentos, que estiveram estreitamente
associados à forte ampliação do encarceramento que teve lugar no Brasil a partir de
1990, coincidem no tempo com o início das mobilizações dos grupos de diferentes
tipos que, ao se articularem, contribuíram para produzir uma “questão carcerária”, ela
própria mobilizadora de outras forças. (TORRES, 2017, p. 92. Grifo meu)

Assim, a questão instaurada internamente parece, no início dos anos 2000, ganhar corpo
de articulação entre o Estado brasileiro e projetos internacionais que debatem e fomentam ações
no campo da educação prisional. Boiago (2013), ao analisar as políticas internacionais e
nacionais sobre a oferta de educação em espaços de privação de liberdade, coloca que “os
debates sobre a educação de jovens e adultos privados de liberdade vêm alcançando contornos
internacionais.” (p.130). O autor refere-se, especialmente, ao desenvolvimento no ano de 2004
do Projeto EUROsociAL no qual o Brasil a partir da SECAD/MEC, que propôs a introdução
da temática da educação prisional nas discussões do projeto. É nos marcos dele, por exemplo,
que é criada a Rede Latino Americana de Educação em Prisões (RedLECE):
[...] criada no âmbito do Projeto EUROsocial de Educação, é financiada pela
Comissão Europeia e dirigida pelo Centro Internacional de Estudos Pedagógicos
(CIEP) do Ministério da Educação Nacional da França. Foi aprovada por ministros e
representantes governamentais de países latino-americanos responsáveis pela política
de educação prisional, reunidos em Belo Horizonte, de 20 a 24 de novembro de 2006.
A RedLECE é constituída pelos seguintes países: Argentina, Brasil, Colômbia, Costa
Rica, Equador, El Salvador, Honduras, México, Paraguai, Peru e Uruguai.
(REDLECE, 2012 APUD BOIAGO, 2013, p. 131)

O Projeto EUROsociAL/Educação é vinculado à RedLECE, que em 2008 realizou o I


Encontro Regional sobre Educação em Prisões, conforme Boiago (2013), e dentre os objetivos
estavam a reflexão sobre a situação da educação prisional e o fortalecimento do intercâmbio de
ideias no âmbito regional.
Conforme destaca Julião (2020), a RedLECE não obteve êxito, pois “desde 2010,
podemos dizer que, por irresponsabilidade dos governos, a Rede foi extinta.” (p. 21).
Entretanto, desde 2014 os pesquisadores que estiveram vinculados à rede têm proposto eventos
a fim de “manter o andamento das discussões”. Dentre os eventos, destaca-se o Encontro latino-
americano de educação para jovens e adultos em situação de restrição e privação de liberdade,
realizado em 2014, e o Encontro Internacional de Estudantes e Pesquisadores sobre a Temática
Cárcere e Acesso a Direitos Educativos (EITICE) que chegou a sua quarta edição em outubro
de 2021.
Como pudemos observar, durante a década de 1990 e o início dos anos 2000, movidos
por um amplo debate nacional e internacional acerca dos direitos humanos e, portanto, das
pessoas privadas de liberdade, diversos estados da federação tiveram experiências no campo da
educação prisional, tanto na criação de projetos educativos quanto de reconhecimento, via
remição, das experiências de educação existentes no sistema prisional.

2.3 - UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO NACIONAL INSTITUCIONALIZADA (2005-2011)


A partir de 2005 temos a primeira experiência institucional a nível nacional com o
projeto “Educando para a Liberdade”, ancorado na SECAD/MEC e Ministério da Justiça, com
apoio da UNESCO e patrocínio do governo japonês. Destaca-se que a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) havia sido criada recentemente, em 2004,
pelo Decreto Presidencial nº. 5.159/2004, no governo do então presidente Luis Inácio Lula da
Silva. Conforme destaca Jakimiu (2021):
A criação da SECADI significou um avanço sem precedentes na garantia do direito à
educação ao implementar políticas educacionais voltadas para sujeitos
historicamente excluídos. No período de sua existência (2004-2019), as ações,
programas e documentos orientativos e normativos formulados pela SECADI
fomentaram políticas educacionais democráticas, inclusivas e compensatórias. (p.
133)

Vale destacar que a SECADI13 foi extinta a partir do Decreto nº 9.465, de 2 de janeiro
de 2019 do então empossado Presidente da República Jair Messias Bolsonaro. O decreto
modificou a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das
Funções de Confiança do Ministério da Educação, remanejou cargos em comissão e funções de
confiança e transformou cargos na comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores -
DAS e Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE. Tal questão é parte da justificativa
para o recorte temporal final desse trabalho no ano de 2019.
Ao analisar o sentido, as funções, bem como, a extinção da SECADI, Jakimiu (2021)
afirma que:
A exclusão da SECADI, significou: a) a invisibilização e naturalização das diferenças
reforçando os preceitos neoliberais e os pressupostos da meritocracia, b) o movimento
de fortalecimento da política de despolitização no sentido atribuído por Girouxe
Figueiredo (2020), c) a negação do direito à educação (para e com a diversidade), e,

13
A diferença na sigla se dá pela adição da Inclusão ao nome da secretaria.
65

d) a materialização do projeto de governo de Jair Bolsonaro voltado para o desmonte


da democracia e dos ideais democráticos. (p. 133)

Ao observar o movimento de criação do projeto Educando para a Liberdade,


desenvolvido em duas etapas, 2005-2006 e 2007-2008, percebemos que o mesmo já objetivava
a criação de uma política nacional de educação em espaços de privação de liberdade, o qual se
estabelece ao longo dos anos seguintes com a aprovação pela Câmara de Educação Básica do
Conselho Nacional de Educação (CNE/CEB), Resolução nº 2, de 19 de maio de 2010, que
estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação no Sistema Prisional. Tais
diretrizes foram construídas especialmente a partir das propostas encaminhadas pelo Plenário
do I e II Seminários Nacionais de Educação nas Prisões, que aconteceram em 2006 e 2007,
respectivamente, e foram frutos do projeto Educando para a Liberdade. Anterior à aprovação
pela CNE, as medidas foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP) em 2009.
Em 2008 foi elaborado o Plano Diretor do Sistema Penitenciário, resolução nº 1 de 29
de abril de 2008, que estabeleceu as metas para o cumprimento da LEP e das diretrizes do
CNPCP. Dentre as 22 metas, duas se destinam à educação. A meta 15 reafirma a implantação
de projetos de instrução escolar, enquanto a meta 16 se refere a criação de espaços literários e
bibliotecas. Destaca-se que cada Estado, a partir do plano, ficou responsável pela elaboração
do Plano de execução e cumprimento do cronograma de ações estabelecido, a fim de garantir a
liberação de recursos federais para o sistema de segurança.
Boiago (2013) coloca que o Projeto Educando para a Liberdade “Promoveu a inclusão
da educação nos estabelecimentos penitenciários na modalidade da educação de jovens e
adultos. Houve o fomento da parceria entre o governo federal e a UNESCO, fortalecendo-se os
vínculos entre o Ministério da Educação e o da Justiça, pela cooperação internacional.” (p. 125).
Durante a execução do projeto, foram elaboradas diversas atividades visando a discussão dos
temas relacionados à educação em espaços de privação de liberdade. Dentre esses eventos,
destaca-se o I e II Seminários Nacionais pela Educação em Prisões, realizados respectivamente
em 2006 e 2007, a fim de discutir as questões relacionadas à educação no espaço prisional. O
seminário de 2006, segundo Boiago (2013),
[...] resultou em propostas e encaminhamentos para a oferta e manutenção da
educação nos estabelecimentos prisionais. As propostas decorrentes foram divididas
em três eixos, os mesmos que norteiam o Projeto Educando para a Liberdade: gestão,
articulação e mobilização; formação e valorização dos profissionais envolvidos na
oferta; e os aspectos pedagógicos (UNESCO, 2006, p. 128)

Destaca-se ainda que no segundo eixo - Formação e Valorização dos Profissionais


Envolvidos na oferta da Educação - atentou-se que a educação prisional deve ser tema abordado
nos cursos de pedagogia e demais licenciaturas associadas a EJA. (UNESCO, 2006, p. 40). No
último eixo - Aspectos Pedagógicos - defendeu-se a criação de um regime escolar próprio para
a educação em prisões, assim cada Estado deveria formular uma proposta curricular e um
Projeto Político Pedagógico para tal modalidade. No segundo seminário nacional, conforme
Boiago (2013), os participantes “[...] debateram e apresentaram propostas para a implementação
de uma política de educação prisional em estabelecimentos penais.” (p. 129).
Além disso, o Projeto Educando para a Liberdade levou a inclusão da educação prisional
no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), instituído por decreto em 2007 e no qual a
EJA prisional aparece resguardada, diferente do que acontece no Plano Nacional da Educação.
O PDE é avaliado como uma "tentativa de preenchimento de um espaço vazio, ou de lacunas
deixadas pelo PNE até então vigente [2001-2010]" (Oliveira, D. A. (2011) in Boiago (2013), p.
115). Destaca-se, nesse sentido, que as metas do PNE/2001 que diziam respeito à educação em
espaços de privação de liberdade, não foram alcançadas.
O PNE de 2011, Projeto de Lei nº 8035/2010, como anteriormente colocado, não destaca
nenhuma meta específica para educação em presídios, incluindo, no entanto, metas referentes
à EJA, modalidade de ensino na qual, de forma geral, se inclui a prisional. Cabe destacar que
na Conferência Nacional da Educação (CONAE), realizada em 2010, o tema foi abordado,
indicando em sua terceira diretriz o “[...] estabelecimento de políticas que atendam à
necessidade educacional da diversidade dos sujeitos privados de liberdade e em conflito com a
lei, fomentando a ampliação do atendimento educacional na modalidade EJA integrada à
formação profissional [...]” (GRACINDO, 2011, p. 143).
Faz-se notar que:
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), por meio da
Resolução n° 3, de 6 de março de 2009, instituiu as Diretrizes Nacionais para a Oferta
da Educação nos Estabelecimentos Penais. Essas Diretrizes foram elaboradas com
base nas propostas do I Seminário Nacional de Educação nas Prisões, realizado em
2006, no Plano Nacional de Educação 2001-2010, na legislação nacional vigente, nos
pactos internacionais sobre os direitos do preso e nos resultados do Projeto Educando
para a Liberdade (BRASIL, 2009). (BOIAGO, 2013, p. 116)

Com a aprovação no CNPCP das diretrizes, as mesmas passam a ser avaliadas pela
SECADI, sendo aprovadas em 09 de maio de 2010 e instituídas pela Resolução CNE/CEB nº
67

2, de 19 de maio de 2010. Nas diretrizes, a EJA no sistema prisional fica a cargo das Secretarias
Estaduais de Educação.
Neste sentido:
Logo após a aprovação das Diretrizes Nacionais para Educação nas Prisões, foi
realizado o Seminário Internacional Educação em Prisões: convergências e
perspectivas atividades de reflexão e convergências, em Brasília, entre os dias 07 a 10
de junho de 2010. O evento foi promovido pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério
da Educação, em parceria com a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI).
Reuniu autoridades e especialistas nacionais e internacionais com o propósito de
firmar uma carta de intenções com os compromissos assumidos referentes à educação
no sistema prisional. (BOIAGO, 2013, p. 119)

Por fim, as Diretrizes Básicas para a Arquitetura Penal, elaboradas pelo Ministério da
Justiça em 2011, foram aprovadas e relacionam-se diretamente com as diretrizes anteriormente
explicitadas, pois reafirma a necessidade de criação de salas de aula, bem como, de bibliotecas
para a promoção da educação em espaços de privação de liberdade.
Boiago (2013) destaca, quanto ao projeto Educando para a Liberdade, que:
É enfatizado que a presença da UNESCO na execução do Projeto, juntamente aos
órgãos do governo, possibilitou que a educação nas penitenciárias fosse tratada como
questão mais ampla. A temática foi relacionada com a “[...] realização dos direitos
humanos fundamentais (no caso, o direito à educação) e a construção de uma cultura
da paz [...]” (UNESCO, 2006, p. 16), direitos estes que movimentam os esforços de
toda comunidade internacional. (p. 125)

Ou seja, no âmbito da atuação do projeto, a educação é apresentada como direito


fundamental e não apenas como elemento do processo de “ressocialização”, não estando
inclusive a ele condicionado. Como podemos observar até aqui, a questão da educação em
presídios ganhou, na primeira década dos anos 2000, um caráter institucional a nível nacional
com a aprovação de diversos parâmetros legais por parte do Governo Federal e apoio de
organizações estrangeiras, especialmente ligadas à ONU e seu braço para a educação, a
UNESCO, o que facilitou a implantação da educação no cárcere, direito reivindicado a tempos
por diversos setores sociais, especialmente a partir da ampliação da “questão carcerária” na
década de 1990.

2.4 - A EFETIVAÇÃO DA REMIÇÃO DE PENA PELO ESTUDO EM 2011


Um dos elementos destacados pelo Seminário Nacional de Educação em presídios, em
2006, foi a proposta de que “[...] a remição pela educação seja garantida como um direito, de
forma paritária com a remissão concedida ao trabalho [...]” (UNESCO, 2006, p. 37). Assim em
2011, como um dos principais passos na efetivação do direito à educação, fruto da luta de
diversos setores da sociedade, acontece a alteração da LEP pela lei 12.433/11, que institui a
remição de pena pelo estudo, garantindo assim, no âmbito legal, o direito à educação vinculado
à remição de pena.
Nesse processo, um elemento destacado tanto por Torres (2017) quanto por Julião
(2016) é o papel fundamental de movimentos sociais e de intelectuais para a institucionalização
da educação como direito e necessidade (quando da função ressocializadora) dentro do sistema
prisional. Eli Torres, acerca da aprovação da Lei 12.433/11, coloca que:
Cabe ressaltar que durante o andamento da proposta no Senado Federal (2006- 2010)
e na Câmara Federal, em 2010, representantes de instituições como a Pastoral
Carcerária, Associação dos Juízes pela Democracia (AJD), Instituto Paulo Freire,
ONGs Ação Educativa, Alfasol, IDDD, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC)
e Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito (Ilanud),
além dos intelectuais militantes, permaneceram em constante lobby junto aos
senadores e deputados federais sobre as demandas carcerárias, neste caso, pela
aprovação da remição educacional. (TORRES, 2017, p. 207)

É também em 2011 que se publica o Decreto Presidencial n. 7.626 de 24 de novembro


de 2011 que institui o Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional (PEESP).
O plano contempla “a educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos, a
educação profissional e tecnológica, e a educação superior” e tem como finalidade “ampliar e
qualificar a oferta de educação nos estabelecimentos penais”, para isso reafirma a articulação
entre MJ e o MEC definindo as competências de cada um, bem como, a execução em
colaboração entre União, Estados e Distrito Federal e Municípios.
Assim, com a promulgação da lei de remição de pena pelo estudo, outros instrumentos
de educação começam a ganhar mais força e a serem mais intensamente pensados e debatidos
para o sistema prisional. É o caso dos cursos técnicos, da remição de pena pela leitura, e mais
recentemente, a aprovação da Resolução CNJ 391/2021 que estabeleceu procedimentos e
diretrizes para o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais e
educativas.

2.5 - OS ANOS PÓS INSTITUCIONALIZAÇÃO: A EDUCAÇÃO DE 2011 A 2019


A partir da aprovação da remição de pena pela educação, passa a ser elaborada uma
série de planos para a educação em prisões, neste sentido, há a ampliação no número de detentos
vinculados à educação, como mostram os dados do INFOPEN. Importante destacar, entretanto,
os limites dos números apresentados, buscando a partir deles compreender a complexa prática
da educação em espaços de privação de liberdade que se apresentou no capítulo primeiro desta
69

dissertação. Destaca-se neste subcapítulo a delimitação temporal final do trabalho no ano de


2019 com a posse do novo presidente da República e a extinção da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, a qual foi responsável, em grande parte,
pela ampliação do debate e institucionalização da educação em espaços de privação de
liberdade.
Como podemos observar, o ano de 2019 materializa o desmonte das políticas
democráticas que vinham se deteriorando, especialmente a partir de 2016, com o impeachment
da então presidenta Dilma Rousseff e se consolida com a chegada ao poder de Jair Messias
Bolsonaro. No que diz respeito a nosso objeto de pesquisa, temos durante esse período, entre
2016 e 2019, além da extinção da SECADI, a alteração da resolução nº 9 do Conselho Nacional
de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública que garantia
a obrigatoriedade de espaços destinados para a educação na construção e reforma de presídios,
conforme veremos adiante.
O que pudemos ver no ínterim entre a promulgação da Lei 12.433 em 2011 e 2019 são
relativos avanços no plano da educação, em sua proposta e também no âmbito legal. Neste
último caso, o reconhecimento de outras práticas que não o ensino regular é o maior exemplo.
Por outro lado, percebemos diversos movimentos de contenção desses avanços que ganham
força especialmente a partir de 2016. É o caso da revogação, em 2017, pelo Conselho Nacional
de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública, da resolução
nº 9 de 2011, a qual estabelecia as Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal, ou seja, estabelecia
uma série de medidas arquitetônicas, a fim de garantir espaços físicos às diversas atividades
necessárias ao resguardo dos direitos das pessoas privadas de liberdade, dentro de presídios, e
que objetivam a ressocialização como finalidade da pena, nesse caso estavam previstos espaços
como salas de aula, bibliotecas, entre outros.
A medida, segundo o Ministério da Justiça, estava dificultando a construção de novos
presídios. “Não estamos abrindo o leque para grandes modificações”, disse o então
Ministro da Justiça Osmar Serraglio em maio, quando solicitou formalmente que os
conselheiros flexibilizassem a medida. “Não pretendemos fugir de especificidades
técnicas, mas, às vezes, não temos condições de garantir uma ou outra coisa”, disse.
(BIANCHI, 2017, n.p.)

Fica explícito na fala do então ministro que os presídios encontram sua finalidade em si
mesmos (segregar da comunidade livre), sem a garantia dos direitos dessas pessoas, ou seja só
depois, se possível, será pensado a sua finalidade, que é a ressocialização, segundo a LEP.
Podemos observar, nesse sentido, um descaso na promoção da educação nesses espaços,
mesmo após todos os avanços legislativos, acadêmicos e de organização social. Segundo os
dados divulgados pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN,
2019), o Brasil possui atualmente a terceira maior população carcerária do mundo, em números
absolutos de pessoas (755.274). Sua taxa de encarceramento por habitante (359,4 para cada 100
mil) e o déficit de vagas no sistema (312.925) não para de crescer. Cabe destacar que por volta
de 30% desta população sequer foi sentenciada estando, portanto, privada de sua liberdade sem
uma condenação que respeite o devido processo legal14. Segundo o IFOPEN, a população
carcerária é majoritariamente formada de jovens (44% entre 18 a 29 anos), negros(as) (58%),
solteiros(as) (45%) e de baixa renda.
O perfil da população privada de liberdade, em 2019, similar à de anos anteriores e
posteriores, pode ser observado na tabela abaixo:
Tabela 1- Perfil educacional dos detentos no Brasil em 2019

Nível educacional Número de Percentual


pessoas

Analfabetos 20.023 3,06%

Alfabetizados sem recursos 33.861 5,17%


regulares

Ensino Fundamental Incompleto 327.789 50,02%

Ensino Fundamental Completo 85.697 13,08%

Ensino Médio Incompleto 106.159 16,20%

Ensino Médio Completo 69.892 10,67%

Ensino Superior Incompleto 6.980 1,07%

Ensino Superior Completo 4.301 0,66%

Pós-Graduação 578 0,09%

Total 655.280 100,00%


Fonte: INFOPEN. Elaborado pelo autor.
Como podemos observar, os dados da educação apresentam que dos 748.009
custodiados no Sistema Penitenciário, 20.023 (2,6%) são analfabetos, 33.861 (4,5%)

14
Daqui decorre a postura de não utilização do conceito de “apenado” utilizado por alguns autores, pela
compreensão de que apenado diz respeito ao sujeito condenado dentro do devido processo legal.
71

alfabetizados sem recursos regulares, 327.789 (43,8%) possuem Ensino Fundamental


Incompleto, 85.697 (11,4%) Ensino Fundamental Completo, 106.159 (14,1%) Ensino Médio
Incompleto. Ou seja, 89% da população carcerária não possui Ensino Básico completo. Apenas
69.892 (9,3%) possuem Ensino Médio Completo, 6.980 (0,9%) Ensino Superior Incompleto,
4.301 (0,5%) Ensino Superior Completo e outros 578 acima do Ensino Superior. É interessante
salientar que não foi obtida informação relacionada ao grau de escolaridade de 92.729 membros
da população carcerária.
Explicita-se assim a necessidade de ampliação e universalização do acesso à educação
nesses espaços, visto que a partir da lei nº 12.061/200915, o ensino médio passa a ser obrigatório
e, portanto, deve ser “assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos que a ela não tiveram
acesso na idade própria”. Para além:
Conforme estabelecido pela Lei de Execução Penal, o acesso à assistência educacional
é um direito garantido à pessoa privada de liberdade e deve ser oferecido pelo Estado
na forma de instrução escolar e formação profissional, visando a reintegração da
população prisional à sociedade. (INFOPEN/2016, p. 53, grifo meu)

Em 2016 era apenas 12% da população prisional brasileira que estava de algum modo
envolvida com atividades educacionais (INFOPEN), incluindo-se também nesse percentual
outras atividades educacionais para fins de remição, como remição pela leitura e pelo esporte,
cursos de formação inicial e continuada e cursos profissionalizantes, ou seja, não
necessariamente relacionados à Educação Básica.
Segundo o Infopen de 2019, no decurso daquele ano, 14.790 detentos estavam
matriculados na alfabetização, 40.386 no ensino fundamental e 19.077 no ensino médio, ou
seja, pode-se considerar que, inicialmente, 74.253 pessoas privadas de liberdade tiveram acesso
à Educação Básica. A esses somam-se 796 no ensino superior, 345 em cursos técnicos com
mais de 800 horas e 3.634 em cursos de formação inicial e continuada com carga horária acima
de 160h. 26.862 matriculados em projeto de remição de pena pela leitura, 346 pelo esporte e
17.416 em atividades complementares (lazer, videoteca, cultura). No total, essas outras
atividades abarcam 49.399 (6%) da população carcerária.
Ao constatar que, dos 89% da população carcerária que não possui Ensino Básico,
apenas 0,9% se encontravam vinculados à Educação Básica, é possível afirmar que a quantidade

15
Altera o inciso II do art. 4º e o inciso VI do art. 10 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para
assegurar o acesso de todos os interessados ao ensino médio público.
de pessoas envolvidas em processos de educação é muito inferior ao dos que não tiveram acesso
na idade recomendada. Sendo assim, percebe-se um forte desalinhamento entre a legislação e a
prática. Ainda que somados, tanto as atividades de educação básica, quanto as demais atividades
relacionadas à educação, chega-se a 123.652 (16%) da população que de alguma forma se
vinculou à educação. Outro dado do INFOPEN/2019, que cabe destacar, é que 35% dos
presídios brasileiros sequer possuem pessoas estudando. A fala de Osmar Serraglio, então
Ministro da Justiça, parece caminhar no sentido de manutenção desta realidade ao incentivar a
flexibilização das normas técnicas para a construção e reforma de presídios.
Interessante notar que, conforme relatório do Seminário Nacional de Educação em
Prisões, “assim é que, como demonstram dados do Ministério da Justiça, de 240.203 pessoas
presas em dezembro de 2004, apenas 44.167 encontravam-se envolvidas em atividades
educacionais, o que equivale a aproximadamente 18% do total.” (BRASIL, 2006a, p. 3).
Constata-se, a partir disso e dos dados de 2016 e 2019 aqui apresentados, que a parcela da
população carcerária brasileira se tem mantido estável em termos relativos, abarcando 18% em
2004, 12% em 2016 e 16% em 2019. Em números absolutos, entretanto, houve um aumento
significativo na oferta de educação. A explicação para a manutenção no percentual de detentos
com acesso à educação encontra-se no elevado punitivismo do período, o qual fez com que a
população carcerária desse um salto de pouco mais de 240 mil presos em 2004 para mais de
750 mil, em 2019. Tal constatação parece expor as contradições do sistema prisional e o caráter
ideológico da política de segurança pública no Brasil.
À medida que a educação assumiu papel fundamental no processo de ressocialização
das pessoas nesse sistema, no âmbito acadêmico e legal, passou-se a reconhecer legalmente a
educação como direito inalienável do ser humano, porém, a mesma não se efetivou, atendendo
apenas um percentual muito pequeno desta população. Ou seja, a educação não tem sido
resguardada como direito e tampouco pode-se considerar que tenha sido efetivamente posta a
favor do processo de ressocialização.
Mesmo a experiência de acesso à educação mostrada até aqui pode, deve e tem sido
questionada.
Assim, a exposição de índices informados pelos estados não concretiza a afirmação
de que essas pessoas tiveram acesso a uma atividade educacional, pois as matrículas
ou inserção na ação podem não ter se transformado em participação ou permanência,
uma vez que há evasão e alta rotatividade no que concerne à educação de pessoas no
sistema prisional. (TORRES Et al, 2021, p.8)
73

Voltando nossos olhos para os dados divulgados no Infopen (2019), percebemos que
existe um déficit na estrutura física dos presídios. Destaca-se que apenas 65% das unidades
prisionais possuem salas destinadas à educação. No total, são 3.140 salas de aula distribuídas
entre as 947 unidades, ou seja, uma sala de aula a cada 238 presos no sistema. Destaca-se
também que 384 (26%) unidades não possuem atualmente nenhum módulo de educação, sem
salas de aula, sem sala de informática, sem biblioteca. Sem estudo. Diante da falta de estrutura
física, compromete-se ainda mais o acesso e a qualidade da educação daqueles poucos
"incluídos" nesse privilégio que é o acesso à educação no sistema penitenciário brasileiro.
Como destaca Tasoniero:
Entretanto, na realidade das unidades penais, verificamos que a educação escolar é
relegada a um segundo plano. Na prática, há muito mais pessoas presas que poderiam
ser incluídas no sistema educacional e que não o são por sérias limitações, tanto da
estrutura física quanto do próprio funcionamento do sistema penitenciário. A
educação prisional não consegue atender a grande maioria dos apenados. E, mesmo
os poucos matriculados, em sua maioria, não compreendem a educação como
prioridade, tendo em vista que grande parte dos presos, ao coincidir os horários de
escola e trabalho, acabam optando pelo trabalho, dada sua necessidade material de
existência. (TASONIERO, 2018, p. 144)

É a partir disso que podemos afirmar que a educação tem assumido outro caráter que
não o de direito e de fundamento para o processo de ressocialização. Do conceito de
ressocialização podemos, de forma simples, observar o deslocamento do presídio da realidade,
como se o mesmo fosse um espaço a-social ao encarar que aquilo que ali dentro é vivenciado
não é fruto de um processo de socialização ou que aquele ali detido não possui esta capacidade
e, portanto, é necessário ressocializar esse sujeito.
Ademais, a política de resolução de conflitos, por vezes sociais no Brasil, passa pela
privação de liberdade e encarceramento em massa, algo que tende a se manter elevado e mesmo
se ampliar frente a atual conjuntura/crise econômica e política do país, entretanto como já
destacado e observado, tal política não aumenta a segurança da população.
[...] a política educacional é gestada num contexto de crescente encarceramento e de
constantes violações de direitos, fatos que refletem negativamente em todo o processo
educacional. Os dados sobre a questão de superlotação são dramáticos e, em geral, as
unidades prisionais não foram planejadas nem construídas pensando na necessidade
de acomodar uma boa parte da população em sala de aula. (TORRES Et al, 2021, p.
15)

Sendo assim, ou passamos a garantir o direito de acesso das pessoas à educação e com
isso fomentamos o processo de socialização e desenvolvimento humano, ou ela continuará a
ser colocada como um “privilégio” de poucos dentro do sistema carcerário. Em tempos em que
se torna necessário dizer o óbvio, é por meio da educação, enquanto direito, que podemos
promover o desenvolvimento humano social, econômico e cultural e, portanto, o
desenvolvimento do próprio país.
A legislação, no Brasil, com seu discurso articulado e conciliatório, induz à aparente
ideia de ressocialização dos apenados, ou seja, no âmbito da lei, todos os presos vão
encontrar nas prisões a - oportunidade da ressocialização, e a educação emancipatória
é uma das principais ferramentas para essa ressocialização. Entretanto, na prática, o
espaço da prisão impõe severos limites para a liberdade das pessoas presas, privando-
lhes de decisões básicas do cotidiano, como comer, dormir, tomar banho, estudar,
trabalhar, etc, além de condições desumanas de alojamento, alimentação, higiene,
entre tantos outros aspectos degradantes. Isto é, as prisões, na realidade cotidiana,
apenas fomentam a violência, multiplicando ou transformando a quantidade de crimes
e criminosos; um efeito perverso e oposto ao seu objetivo formal de humanização,
ressocialização e emancipação. (TASONIERO, 2018, p. 146)

Ao longo dessa jornada de luta pela educação para a liberdade, os processos de inclusão
da educação no cárcere têm carecido de investimentos, elemento fundamental para a
universalização do acesso à educação:
[...] o caminho para a universalização da educação em prisões no Brasil carece de
maior investimento e fomento por parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública
(MJSP), mediante intervenção do Depen, como órgão responsável pela política que
compartilha com os estados a responsabilidade e a regência das diversas fases da
política, do planejamento, passando pela execução (de instruções e investimentos),
até o monitoramento, avaliação e criação de arranjos e rearranjos institucionais com
foco em progressivos investimentos. (TORRES Et al, 2021, p. 16)

Além disso, tal movimento histórico tem servido a ideologias que desgastam o
potencial da educação, tanto em seu sentido específico quanto no sentido de ressocialização
tomado pelo sistema carcerário. Conforme assinala Silva (2012):
No Brasil, sobretudo, o sistema carcerário não cumpre outra função diferente da
imposição de medo e extermínio dirigidos as classes trabalhadoras, em geral
desprovidas dos robustos recursos necessários ao caminho de acesso a justiça
burguesa.
Tal evidência valida à perspectiva de Marx e sua ponderação sobre a relação do
cárcere no processo de exploração capitalista, se agregando a este, seu caráter de
controle social compreendido como controle de povos e mentes, ou seja, sua função
ideológica frente à sociabilidade vigente, que estabelece discursos a favor do
endurecimento penal a fim de justificar o aumento de pessoas levadas ao cárcere,
cunhando um retorno a antiga proposta de força e dominação que se efetiva através
do aprisionamento em massa, salientando a ocorrência de significativa demanda
reprimida - que consiste em um número elevado de mandados de prisão que ainda não
foram cumpridos -, velhos métodos de um homem em busca de afirmação pessoal
pela subjugação do outro aos desígnios de sua arbitrariedade, em campanha pela via
de uma mórbida lógica de medo coletivo. (p.16)

Assim, ao não efetivarmos o direito ao acesso a uma educação de qualidade aos


detentos, fortalecemos discursos e práticas de exclusão, bem como o desgaste desta que é nossa
mais poderosa fonte de reestruturação da realidade.
75

Constatou-se a partir dos dados apresentados e da análise até aqui desenvolvida que
apesar da institucionalização da educação em prisões e os avanços no debate nesses espaços,
em números proporcionais, a parcela da população privada de liberdade com acesso à educação
não sofreu grandes modificações, ao passo que tivemos quase duplicado a quantidade absoluta
de detentos vinculados às atividades educativas. Tal questão encontra resposta no aumento do
punitivismo, ou seja, no aumento substancial do uso da pena privativa de liberdade para a
resolução de conflitos. Conforme assinala Julião (2020) em sua análise das experiências de
educação nas prisões da América do Sul, “ainda há um grande descompasso entre o âmbito
legal e o experienciado no cotidiano da execução penal” (p. 145).
Na prática, o que podemos observar é a tendência punitivista do Estado brasileiro e uma
necessidade de aumento do número de encarcerados, alicerçada em uma visão ideologicamente
orientada pelo aumento da punição, que encontra em si mesmo seu sentido: o de reproduzir a
lógica populista da política nacional, na qual o diálogo entre políticos e a população
amedrontada busca soluções para o problema da violência com respostas simplistas, como a do
aumento do aprisionamento e das penas.
Por outro lado, com a força da sociedade civil organizada junto a intelectuais que
pensam a segurança pública e a educação, foi possível a institucionalização desta como direito
também no âmbito do sistema prisional. As lutas pela educação dos sujeitos privados de
liberdade e por eles, como destacado por Eli Torres, fizeram avançar no âmbito legal as
definições de tal política, mas as mudanças ainda são limitadas e limitadoras. Além disso,
especialmente a partir de 2016, alicerçada em discursos conservadores ideologicamente, é
possível observar um desmonte de instituições e de parte das propostas para a educação em
espaços de privação de liberdade, nesse sentido, as lutas passadas pela institucionalização da
educação no cárcere necessitam agora de novo investimento humano para caminhar rumo à
universalização da educação e, quem sabe um dia, a própria extinção dos presídios da
sociedade.
3 - A EDUCAÇÃO EM PRESÍDIOS DE SANTA CATARINA
Esse último capítulo analisa a construção do sentido da educação em presídios de Santa
Catarina, como parte da investigação até aqui apresentada, observando que se trata de um
recorte a nível estadual, mas que é signatário de um processo histórico nacional e mesmo
internacional. Nesse sentido, o subdividimos em cinco partes: A Educação Prisional em SC:
primeiras aparições legais; A regulamentação da Educação em Presídios - 2012; O Plano
Estadual de Educação em Prisões de SC (2015-2016); O Plano Estadual de Educação em
Prisões de SC (2016-2026); O PPP do CEJA - Rio do Sul e os dados da educação em SC entre
2015 e 2019. Para tal análise utilizamos a legislação, bem como o Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias (INFOPEN).

3.1 - A EDUCAÇÃO PRISIONAL EM SC: PRIMEIRAS REFERÊNCIAS LEGAIS E NORMATIVAS


Neste primeiro subtópico observamos que a educação nos presídios de Santa Catarina,
assim como em outros locais do país, antecede o reconhecimento legal por parte da legislação.
No Estado, tal processo de orientação à prática educativa em presídios acontece a partir da
publicação, em 2012, das diretrizes operacionais para a oferta de educação para jovens e adultos
em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais do Estado de Santa Catarina
(RESOLUÇÃO CEE Nº 110/2012).
Dentre as primeiras experiências de educação em presídios do Estado, destaca-se ainda
durante a década de 1930, no que viria a ser o presídio de Florianópolis, a então Penitenciária
da Pedra Branca, atividades de educação vinculadas às oficinas de trabalho, criadas após sua
inauguração em 21 de setembro de 1930 (MIRANDA, 1998).
Ainda nesse sentido, a própria oferta pelo setor educacional do Governo do Estado,
parece se iniciar em 1975, segundo o PEEP/2017. Entretanto, o Plano Estadual, com vigência
entre 2016-2026, afirma que: “Há registros e relatos que em 1974, na antiga Penitenciária Pedra
Branca, [...] uma escola iniciava o seu funcionamento e a sua criação foi justificada no grande
número de pessoas não alfabetizadas que cumpriam pena à época.” (p. 31).
Por outro lado, é apenas no ano de 1987 que o Conselho Estadual de Educação de Santa
Catarina, autoriza o funcionamento da Escola Supletiva da penitenciária, a partir do parecer nº
187: “Inicialmente foram criados quatro cursos: de Alfabetização, Nivelamento, Supletivo de
Ensino Fundamental e Supletivo de Ensino Médio, os dois últimos como cursos preparatórios
para a realização dos exames de supletivo como forma oficial de certificação.” (PEEP, 2017, p.
31).
77

Assim como a nível nacional, o que percebemos é que, legalmente, a educação em


prisões floresce concomitante ao processo de democratização do país. Os movimentos de
educação anteriores a tal período acontecem de forma não processual pelo Estado, ficando a
cargo, em sua maioria, de organizações da sociedade civil, especialmente ligadas a entidades
religiosas, é o que afirma, inclusive, o PEEP/2017: “A oferta de educação em estabelecimentos
prisionais de Santa Catarina iniciou com o processo de alfabetização de adultos realizado por
voluntários ligados a entidades religiosas que prestavam assistência às pessoas privadas de
liberdade.” (p. 31).
Se, por parte da Secretaria de Estado da Educação (SED), o processo de reconhecimento
da educação nas prisões do Estado é marcado por esses momentos, no que diz respeito ao penal,
a mesma aparece como direito dos detentos nos Regimentos Internos do Sistema Penal de SC
(Decreto 3494 de 27 de junho de 1989; LEI COMPLEMENTAR Nº 529, de 17 de janeiro de
2011) e do Regimento das Penitenciárias do Estado de Santa Catarina (DECRETO n° 4.600, de
22 de junho de 1994).
O regimento de 1989, assegura em seu artigo 26, que:
São instrumentos de tratamento penitenciário, entre outros: I - Assistência material,
médica, jurídica, social, religiosa e educacional; § 2º - A educação tem por fim atingir
um mínimo ético-social quanto à personalidade do preso. Nela se inclui o lazer
prisional. (p. 4)

Neste sentido, a seção III, destinada exclusivamente à assistência educacional, afirma


em seu artigo 37, que: “O sentenciado receberá educação física, intelectual, moral, cívica e
profissional, sob orientação psicopedagógica.” (p.6). É destacado ainda que o “ensino de
primeiro grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar do Estado.”, leia-se Ensino
Fundamental. Destaca-se que até esse momento, o atual Ensino Médio não era obrigatório,
passando a ser pela emenda constitucional 059/2009 que alterou o artigo 208 da Constituição
Federal.
Vale destacar ainda que o Regimento Interno do Sistema Penal de SC (1989) afirma
que:
Art. 43 - Não haverá limitação às formas de educação e instrução, devendo dar-se
ênfase especial às atividades artísticas, culturais e outras que possam produzir no
preso nova visão de vida, bem como se incentivar a educação física e
profissionalizante.
Art. 44 - Será conferida especial atenção ao lazer prisional, voltada para o relaxamento
da tensão e para o entrosamento da vida social do preso, visando a sua integração à
sociedade.
Parágrafo único - Todas as formas sadias de lazer aconselhadas para o tipo e idade
dos presos devem ser desenvolvidas. (p. 6)

Neste sentido, percebemos uma orientação da educação para “o relaxamento da tensão”,


assim dando ênfase às atividades físicas para atingir tal objetivo.
A Lei Complementar nº 529, de 17 de janeiro de 2011, que tem como objetivo
disciplinar os direitos e deveres dos sentenciados, assegura que a educação é um dos meios para
alcançar “o objetivo de promover a boa convivência comunitária e permitir que levem uma vida
de respeito às leis, de modo a prepará-los para o retorno à sociedade." (p. 2). Ao lado da
educação aparecem também com vistas a esse objetivo:
II - orientação vocacional e treinamento profissional;
III - fortalecimento do caráter, de acordo com a necessidade individual de cada
sentenciado, de suas capacidades e aptidões físicas e mentais e de suas prospecções
depois do livramento. (p. 3)

Ainda de acordo com a lei nº 529 de 2011, em seu artigo 24, se afirma que:
São instrumentos de tratamento penitenciário, entre outros:
I - a assistência material, à saúde, jurídica, social, religiosa e educacional;
II - o trabalho;
III - a disciplina; e
IV - a assistência do egresso. (p. 10)

Assim, o parágrafo segundo afirma que: “A educação tem por fim transmitir conceitos
éticos e sociais, nela estando incluído o lazer prisional.” (2011, p. 11). A seção III, “Da
Assistência Educacional”, não sofre alterações significativas em relação ao já afirmado
anteriormente, seu texto é modificado apenas quanto à nomenclatura, substituindo-se o “ensino
de primeiro grau” por “Ensino Fundamental” (2011, p.16).
Interessante notar que acerca das “prerrogativas fundamentais inerentes à personalidade
do preso” é destacado que “V - o dever de trabalhar, de se dedicar a atividades educativas e o
condicionamento disciplinar não serão convertidos em exigências constrangedoras da
personalidade, mas organizados como expedientes de ressocialização e de preparação do
interno para a vida do homem livre.” (2011, p. 43). Ou seja, no âmbito do penal novamente é
reafirmada a educação para a ressocialização.
Quanto ao Regimento das Penitenciárias do Estado de Santa Catarina (DECRETO n°
4.600, de 22 de Junho de 1994), no que diz respeito à educação, sua seção III, “Da Gerência
dos Serviços de Saúde, Ensino e Promoção Social”, afirma que tal gerência tem como
competência “I - supervisionar, controlar e fiscalizar as atividades da Escola da Penitenciária”
(1994, p. 15), compete ainda a partir do artigo 19, para além do disposto no artigo 39, “oferecer
79

aos sentenciados os ensinamentos de alfabetização, preparativo para o exame supletivo de 1° e


2° graus e educação física.” (1994, p.8).
Quanto à segurança, se faz notar que dentre as atribuições dos agentes prisionais, artigo
43, se destaca que os mesmos devem “XVI - vigiar na escola pela segurança dos sentenciados
e pela garantia pessoal do professor” (p. 16).
Por fim, cabe destacar que o regimento de 1994 apresenta, vinculado a área de saúde e
educação, preocupação quanto às doenças infectocontagiosas. Conforme artigo 39, se orienta
“planejar, executar e avaliar programas educativos com relação às doenças infectocontagiosas,
buscando o controle dos casos diagnosticados, orientando a população afeta do problema.”.
Além disso, aparece vinculado a esta questão a elaboração de palestras educativas sobre o tema,
tanto no artigo 29 quanto no artigo 17 do regimento.
Como podemos perceber, a educação, na prática, se inicia no Estado a partir de ações
bastante dispersas, de grupos da sociedade civil organizados, e do próprio Estado a partir de
1987. Por outro lado, a legislação estadual direcionada à política penal, apesar de assegurar o
direito à educação, é impregnada por noções de contenção e vigilância dessa população e nada
avança no sentido de garantir uma educação a partir de uma concepção crítica na qual os
presídios se inserem dentro da estrutura social disposta.

3.2 - AS DIRETRIZES OPERACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO EM PRESÍDIOS - 2012


Neste subcapítulo analisamos a regulamentação a partir da Resolução da CEE nº
110/2012, que dispõe sobre as diretrizes para a oferta de educação em presídios e demais
espaços de privação de liberdade.
Ante a existência de educação em prisões desde 1975, a construção de diretrizes efetivas
para sua prática acontece apenas em 2012, na esteira do fomento nacional. Ou seja, parece
manifesto uma posição legalista e vertical, haja vista a existência de práticas educativas em
presídios anteriores à resolução 110/2012 da CEE e a própria concepção da educação enquanto
direito dos detentos assegurado pela CF/88, juntamente com os regimentos internos ao sistema
penal do Estado analisados anteriormente.
É a partir dessas diretrizes que se oficializa o papel da Secretaria de Educação em ofertar
a EJA nos níveis fundamental e médio, via recursos do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação
(FUNDEB) e de formas complementares. Se destaca das diretrizes que, conforme artigo 2º: “III
– Os docentes que atuam nos espaços penais deverão ser profissionais do magistério
devidamente habilitados e com remuneração condizente com as especificidades da função.”.
Cabe destacar, entretanto, que a contratação de docentes não habilitados nas áreas específicas,
e mesmo ainda não habilitados, é praxe no processo de contratação de professor no Estado de
SC.
Outra questão que se apresenta a partir de tal resolução é que: “IV – Anualmente deverá
ser realizada chamada pública destinada a matrículas no EJA – Ensino Fundamental e Médio.”
É contraditório, portanto, que um espaço com tamanha rotatividade, como observado
anteriormente, tenha resguardado apenas anualmente chamadas para matrícula.
No que diz respeito à organização dos cursos, afirma-se no artigo 6º que: “O processo
educacional poderá ser organizado em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância
regular de períodos de estudos, grupos não seriados, ou por forma diversa de organização,
sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.”. Na prática, o que
vemos é a reprodução das estruturas de seriação já dispostas nos CEJAs. Ou seja, não se garante
o que preconiza o artigo 5º da resolução que assegura a necessidade de se respeitar as
especificidades e necessidades de cada grupo. Conforme a Resolução 110/2012:
O projeto pedagógico do curso contemplará a forma de atendimento ao jovem e adulto
de acordo com as especificidades de cada medida e/ou regime prisional, considerando
as necessidades de inclusão e acessibilidade, bem como as peculiaridades de gênero,
raça e etnia, credo, idade e condição social da população a ser atendida. (p. 3)

Por outro lado, percebemos avanços no que diz respeito a programas de formação
continuada para professores, apregoado no artigo 10º da resolução. Entretanto, a rotatividade
de profissionais da educação nos presídios, como observado nos dados ao final deste capítulo,
dificulta o processo de avanço das práticas educativas a partir de tais formações.
O artigo 11º da resolução define a SJC como responsável pela disponibilização de
espaços físicos para as práticas educativas:
A Secretaria de Estado da Justiça deverá, conforme previsto nas Resoluções do
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, propiciar espaços físicos
adequados às atividades educacionais, esportivas, culturais, de formação profissional
e de lazer, integrando-as às rotinas dos estabelecimentos penais, evitando improvisos
e mudanças constantes.

Por fim, o artigo 13º afirma que: “A Secretaria de Estado da Educação deverá tornar
público, por meio de relatório anual, a situação e as ações realizadas para a oferta de Educação
de Jovens e Adultos, em cada estabelecimento penal sob sua responsabilidade.”.
81

Como podemos observar, a Resolução 110/2012 busca estabelecer as diretrizes para a


oferta de educação em presídios, garantindo, a partir das singularidades do sistema, a oferta de
educação. Há uma preocupação com o acompanhamento da educação nesses espaços com vistas
a efetivação desse direito, bem como a publicização de relatórios. Além disso, é garantido
relativa autonomia para que os CEJAs reorganizem sua prática conforme as necessidades
específicas desse espaço com vistas a garantir o processo educativo.

3.3 - O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO EM PRISÕES DE SC 2015-2016


Passamos agora a analisar o primeiro Plano Estadual de Educação em Prisões, publicado
em 2015 e válido até 2016, quando foi lançado o novo plano de educação. Podemos definir que
a elaboração desse plano é um marco estadual da institucionalização da oferta de educação em
prisões do Estado.

Construção do PEEP
O PEEP/SC, de 2015, é uma proposição para a obtenção de apoio financeiro pelo Plano
de Ações Articuladas e/ou do Fundo Penitenciário Nacional, que tem por objetivo promover a
ampliação e a qualificação da oferta de educação em estabelecimentos penais. O plano é
executado pela SED/SC e SJC-SC, a partir da proposição do Governo do Estado. Sua
construção se dá na esteira da regulamentação nacional, especialmente a partir da aprovação do
Plano Diretor do Sistema Penitenciário de 2008 e da Resolução nº 2 da CNE, de 19 de maio de
2010, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação no Sistema Prisional,
anteriormente aprovadas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP)
em 2009. Tais resoluções, analisadas no segundo capítulo desta dissertação, provocam os
Estados a elaborarem seus planos de ação no que diz respeito à educação em presídios.
O Plano Estadual de Educação em Prisões de SC é elaborado a partir de 2010, mais
especificamente a partir de agosto desse ano, quando acontece, conforme o Anexo A, o Curso
Educação em Prisões (I Seminário Estadual de Educação em Prisões16). É nesse momento, que
se formula a primeira versão do plano. O curso aconteceu de 23 a 27 de agosto, em
Florianópolis, e foi elaborado pela SED em parceria com a SJC e envolveu agentes

16
Fonte: https://www.policiapenal.sc.gov.br/index.php/noticias/321-seminario-estadual-de-educacao-em-prisoes
penitenciários, professores e técnicos. O curso e as discussões foram construídos especialmente
a partir da LDBEN e da LEP, ou seja, contemplando e integrando o âmbito educacional e penal.
Destaca-se no próprio PEEP, lançado em 2015, a dificuldade de elaborar em poucos dias uma
proposta para a educação em presídios.
Segundo o PEEP/2015, as discussões “foram marcados por dois parâmetros muito
objetivos: legalidade para fortalecer a cultura de direitos, na qual se insere esse Plano, e
exequibilidade para que os esforços não resultem em frustrações pela impossibilidade de
concretizar as propostas.” (p. 8).
Interessante notar que o PEEP/2015 destaca que foi preciso uma definição precisa do
papel da educação, afirmando que:
A atividade finalística da Educação não é converter pessoas nem melhorar os
indicadores penitenciários, mas sim ofertar o acesso ao processo de escolarização
formal para homens e mulheres privados de liberdade no sentido de exercerem os
direitos da cidadania e para usufruir das oportunidades gestadas no âmbito da própria
sociedade. (p. 8)

A seguir o plano explana sobre o parâmetro da legalidade e de forma objetiva traz a


legislação nacional e internacional, as quais se subordinam à construção do plano e a oferta de
educação em presídios. Entretanto, ao tratar a exequibilidade algumas contradições entre os
setores que o construíram aparecem. Exigir adequação da educação às possibilidades de
exequibilidade, dentro do espaço prisional, reduz a capacidade de ela alcançar sua finalidade e
auxilia na manutenção da realidade e da condição dos presídios como fomentador das
desigualdades. Ou seja, se apresenta como empecilho, tanto a garantia da legalidade, quanto ao
potencial/finalidade da educação nesse espaço. Sendo assim, tal questão expõem a resistência
do sistema prisional às mudanças, como já exposto no primeiro capítulo.
Interessante notar que o plano reconhece a necessidade de ampliação dos debates e a
necessidade de um espaço democrático para a construção da educação prisional. Neste sentido,
afirma que: “Foi necessário esperar a democracia brasileira amadurecer e revigorar o Estado
Democrático de Direito para que a cultura de direitos de fato se instalasse no país [e] acolhesse
sob suas asas os novos sujeitos de direitos emergidos após a Constituição de 1988.” (PEEP,
2015, p. 7).
A influência das discussões a nível nacional no fomento e elaboração do PEEP estadual
fica compreensível na análise do próprio documento, ao se constatar que a segunda etapa de
construção do mesmo aconteceu em maio de 2012 e “teve como marco a realização do III
Seminário Nacional de Educação em Prisões que ocorreu em Brasília.” (p. 10), bem como “A
83

mais recente etapa de reformulação do Plano foi através de Diligência do


MEC/SECADI/CGJA/DPAEJA e a COAPE/CGSE/DIRPP/DEPEN/MJ” (p. 10).
O PEEP em sua primeira versão, foi apresentado no II Seminário Estadual de Educação
em Prisões (Anexo A), em 15 de julho de 2014, mesmo ano em que acontece o Curso de
formação continuada de educação em prisões - SC, e teve a participação de gestores, professores
e agentes prisionais das duas Secretarias, SED e SJC. O foco foi a elaboração do PPP das
unidades prisionais de Santa Catarina. Ou seja, uma participação significativamente ampla dos
sujeitos envolvidos na educação nas prisões, apesar de não constar a participação dos
alunos/detentos.
Interessante notar que esses espaços, construídos pela SED juntamente com a SJC,
apresentaram bastante dinamismo em seu processo, contemplando painéis, mesas temáticas,
debates e trabalhos orientados de construção, tanto do PEEP quanto do PPP. Neste sentido,
algumas participações de especialistas e pesquisadores da área se fazem destacar, como a do
professor da UFF/RJ, Elionaldo Julião, na segunda etapa do curso de formação continuada, e
do Professor da USP, Dr. Roberto da Silva, entre outros.
O Curso Educação em Prisões (I Seminário Estadual de Educação em Prisões), em 2010,
se desenvolveu a partir de três espaços: os painéis, os relatos de experiências e os eixos
temáticos. Iniciou com a apresentação dos cinco painéis propostos, com os seguintes títulos: O
Sistema Penitenciário Nacional; Diretrizes Nacionais para oferta de educação nos
estabelecimentos penais; O Sistema Penitenciário do Estado de Santa Catarina; O Sistema
Educacional nas Prisões do Estado de Santa Catarina; Remição de Pena pela Educação no
Estado de Santa Catarina.
Ou seja, iniciou com uma abordagem elucidativa acerca das construções já
estabelecidas, tanto no âmbito penal quanto da educação, contemplando especialmente aspectos
legais, importantes para a elaboração posterior durante os eixos temáticos. Os quatro relatos de
experiências, Florianópolis, Chapecó, Tijucas e Rio do Sul, foram contemplados antes e depois
das discussões nos eixos temáticos.
Embasados no exposto nos painéis, os eixos discutiram a formação propriamente do
PEEP, divididos em quatro grupos de trabalho, orientados pelas seguintes temáticas:
Organização do Ensino; Formação e Recursos Humanos; Infraestrutura e Recursos Didáticos
Pedagógicos; Normatização e Regulamentos Disciplinares. Após a síntese produzida pelos
grupos a mesma foi apresentada.
Conforme exposto, o Curso Educação em Prisões foi capaz de articular elementos legais
através dos painéis, a prática educativa - então em curso em algumas cidades -, espaços de
discussão e a construção do PEEP, portanto, caminhou por um espaço de integração e
construção coletiva de diversos atores, com voz e vez na sua elaboração.
Conforme exposto até aqui, o Curso de Formação Continuada (Anexo A) proporcionou
espaços de discussão e elaboração da proposta de forma explícita. Na primeira etapa, realizada
em julho de 2014, apresentou discussões acerca dos “paradoxos da 'ressocialização' dos
apenados” e das “Ações de Segurança e a Integração das Assistências – Saúde, Trabalho e
Assistência Social”, ou seja, temas mais próximos do campo penal. Por outro lado, os grupos
de trabalho se debruçaram sobre a “Construção do Projeto Político Pedagógico das Unidades
Prisionais”.
Na segunda etapa do Curso de Formação Continuada, que teve como objetivo a
elaboração dos PPP’s das unidades prisionais do Estado e que aconteceu em novembro de 2014,
os espaços de discussão e elaboração se apresentam de forma mais objetiva a partir da proposta
de “Grupo de Trabalho/Oficina”, os quais foram divididos em três temáticas: As especificidades
dos sujeitos da EJA nas prisões e os desdobramentos para o PPP; Alfabetização e Letramento
dos sujeitos em situação de privação de liberdade – desafios para o PPP; Prisão, aprendizagem
e identidade.
Por outro lado, o II Seminário de Educação destoa ao não apresentar espaços de
construção, se fixando a exposições por meio de palestras e mesas temáticas. Se apresenta,
entretanto, como espaço para a apresentação do PEEP, base e fundamento para a elaboração
dos PPP’s.

O sentido da educação no PEEP/2015


Intitulado no plano de “Concepções Fundamentais e Norteadoras da Educação no
Sistema Prisional”, o sentido da educação em presídios é apresentado ao longo de seis páginas,
nas quais a concepção de educação em presídios, bem como, suas especificidades, são
desenvolvidas. Iniciando por uma referência a conferência de Hamburgo e da compreensão
desta como marco para a oferta da EJA, adentra o campo da educação prisional afirmando que
[a] educação em Prisões possui especificidades e singularidades que precisam ser
contempladas em qualquer proposta educacional e não são poucas as perguntas que
se faz em relação à propriedade, adequação e pertinência da mera migração da EJA
85

oferecida no sistema regular de ensino para a Educação em Prisões. Mesmo as


adaptações, adequações e ajustes não configuram necessariamente ainda um modelo
pedagógico para a Educação em prisões. (PEEP, 2015, p.12)

Neste sentido, se faz notar a necessidade de que a EJA prisional possua especificidades
ainda que seu público-alvo seja, assim como a EJA regular, jovens e adultos. Reafirma também,
o aspecto legal, alicerçado na legislação acerca da educação e do sistema penal, bem como a
busca por contemplar tanto os “interesses dos presos, das unidades prisionais, do Estado e da
sociedade.” (PEEP, 2015, p. 12).
Conforme afirma o PEEP/2015: “A concepção pedagógica defendida neste Plano é de
uma pedagogia integral, integrada e integradora; que possibilite a otimização dos recursos
existentes tanto no sistema penitenciário como no sistema público de ensino.” (p.12). Se
destacam daí duas questões fundamentais, uma quanto ao aspecto conceitual/pedagógico
idealizado e do outro a concepção de exequibilidade, ao reafirmar a necessidade de “otimização
dos recursos existentes”.
Quanto à orientação e concepção, o plano tem como chave para sua construção o
conceito de Cidade Educadora, ao compreender esse como um importante elemento para a
construção de políticas públicas. No PEEP o conceito é reformulado e significado para Prisão
que Educa, tal conceito para o PEEP é análogo ao primeiro. Entretanto pouco é explorado,
resumindo-se ao uso para afirmar a necessidade de explorar as “potencialidades explícitas e
implícitas”, a participação de todos os atores envolvidos, para além dos da educação, integrando
e responsabilizando pelo processo também os trabalhadores do sistema penal. É a partir dessa
integração e responsabilização que se afirma, no PEEP, a necessidade da interdisciplinaridade,
conceito que novamente se resume a ser citado, mas não explorado.
O PEEP reconhece que, no que diz respeito aos sujeitos da EJA prisional, “falharam
todas as instâncias tradicionais de socialização” (p. 12). Para o plano, esses “tem na prisão uma
última oportunidade para completar seu processo de desenvolvimento humano.” (p.12). Neste
sentido, é possível observar que tal compreensão dá corpo a necessidade anteriormente exposta
de adequação da EJA no/para o sistema prisional, por outro lado, no entanto, na grande maioria
das vezes a prática é apenas transposta da EJA regular para a prisional. Destaca-se ainda que se
coloca a prisão como fim desses sujeitos, como último espaço possível de educação, ao qual
esse aparece aprisionado.
A concepção pedagógica, apresentada no plano, termina por compreender que a
concepção de prisão que educa se aproxima do conceito de Educação Integral sem, novamente,
adentrar a esse vínculo e tampouco definir a educação integral defendida.
A partir disso, o plano passa, no que diz respeito à construção de fundamento e “norte”,
a discutir as especificidades do sistema prisional, elencando também proposições baseadas na
concepção pedagógica brevemente apresentada e acima elucidada. Neste sentido, destaca como
condicionantes das especificidades: “espaço, tempo, contexto, perfil dos presos, natureza das
experiências individuais, a condição de confinamento e os imperativos de segurança e disciplina
que lhe são característicos.” (p. 13). Destaca ainda, alguns fatores que acabam por intervir no
processo educativo, como “a estrutura do Sistema Prisional de cada Estado, a Cultura prisional
predominante, a violência, a insegurança e o medo.” (p. 113). Por fim, cita a necessidade de se
levar em conta a relação “preso x agente”, trabalho x educação e as limitações de espaços
físicos.
A partir desses fatores, destaca a necessidade de
nomenclatura própria na carreira do magistério, à proposta de formação continuada e
em serviço, ao desenvolvimento de material didático específico, à integração entre
saberes formais e não formais, à formulação de indicadores de avaliação próprios e ao
concurso das instituições não escolares. (PEEP, 2015, p. 13)

A EJA prisional, segundo o PEEP/2015, tem por finalidade mediar os objetivos da


educação e da pena de prisão, afirmando, neste sentido, que “[...] a questão fundamental é a
qualidade da formação de quem faz a mediação entre os objetivos da Educação e os objetivos
da pena e da prisão e é esta a tarefa que se quer seja assumida pela EJA em estabelecimentos
penais.” (p. 14).
Definidas tais orientações, concepção, sentidos e especificidades, o plano passa a
analisar estas últimas, no que diz respeito especificamente aos possíveis alunos. Ao analisar o
grau de escolarização da população prisional, a partir dos dados disponíveis, se divide em
módulos a possibilidade ofertada.
O primeiro módulo, diz respeito aos 58% dos presos que não são alfabetizados e aqueles
que não cumpriram o ensino fundamental. A segunda modelagem diz respeito aos 20% que
possuem o ensino fundamental completo, mas que não adentraram ao ensino médio. A terceira
modelagem diz respeito aos que começaram, mas não concluíram o ensino médio, grupo que
gira em torno de 11%. Por fim, a quinta e última modelagem correspondente aos
aproximadamente 10% que concluíram o ensino médio, o PEEP/2015 indica, neste sentido, o
benefício da educação profissional. De maneira geral, o PEEP ao definir os módulos se resume
87

a reafirmar o que está na LDB quanto à orientação para cada “modelagem”, especialmente no
que diz respeito às três primeiras.
Importante destacar que termos e conceitos substanciais da concepção são pouquíssimos
ou nada elaborados (educação integral, interdisciplinaridade, ressocialização). Se apresenta
também uma contradição entre a relação educação e ressocialização que: hora usando-se da
segunda busca reafirmar a primeira, ora busca distanciar a finalidade da primeira do objetivo
do processo penal disposto na segunda.
Novamente aqui, pudemos observar que as concepções se voltam para a exequibilidade
da proposta, concluindo tal parte do documento afirmando que: “A fundamentação desta
concepção de EJA Prisional prima por seu baixo custo, - não impondo ao Estado e ao
contribuinte novos investimentos – pela exequibilidade - por potencializar recursos existentes
na Educação e no Sistema Penitenciário.” (PEEP, 2015, p. 17).
Por fim, podemos definir que, de maneira geral, o PEEP/2015, busca caminhar na
construção de uma proposta que vise a educação integral e interdisciplinar a partir do conceito
de prisão que educa, sendo este, para o plano, análogo ao de cidade educadora. Esse conceito
é buscado especialmente para afirmar a necessidade de explorar todos os espaços e sujeitos
envolvidos no espaço prisional, não apenas os da educação e dos detentos. Neste sentido, o
PEEP, reconhece determinados limites impostos pelo sistema prisional à construção da
proposta de educação apresentada, especialmente no que diz respeito às características próprias
do sistema e que, por vezes, vão de encontro a finalidade da educação.

Demais considerações acerca do PEEP/2015


Se faz notar que o PEEP/2015 buscou reconhecer o espaço dos presídios quanto ao
potencial da educação nesse. Destaca-se, entretanto, a adequação dos profissionais da educação
ao sistema penal e não do espaço prisional à finalidade da educação. Tal questão nos parece
explicitada na orientação exposta nas “Regras e Procedimentos de Rotina aos Professores” (p.
19), nas quais se apresenta as normas de segurança para os docentes. Por outro lado, não são
apresentadas aos agentes penitenciários orientações quanto à educação e aos processos
educativos. Tal questão, inclusive, se apresenta alheia ao trabalho daqueles que gerenciam a
pena no sistema prisional, haja vista que nos cursos dos dois anos anteriores realizados pelos
agentes penitenciários “não houve formação específica para a área” (p. 73). Ou seja, a educação
não se apresenta como tema a ser trabalhado pelos executores da pena, apesar de colocada a
necessidade de integração destes com aquela. Por outro lado, entretanto, o próprio documento
afirma que “foi elaborado um Plano de Formação para os Professores e Agentes Penitenciários,
em 2012, contando com recursos do PAR.” (p.73).
Outro fator importante a ser destacado é que, dos 160 professores que atuavam nos
espaços de privação de liberdade em 2015, apenas dois eram concursados e efetivos, sendo os
outros 158 admitidos em caráter temporário (ACT). Tal característica, que se expande à EJA
regular, torna impossível um processo de formação e reforma das práticas educativas nesse
espaço, haja vista a rotatividade dos docentes que ali atuam.
Ainda acerca dos professores contratados, o plano afirma que “este número de
professores poderia atender mais alunos privados de liberdade, no entanto, algumas unidades
prisionais ainda resistem a ofertar a educação, muitas vezes por falta de espaço físico adequado
e outras por questões internas.” (p.62). Nesse sentido, mais uma vez se tornam explícitas as
contradições entre a educação e o espaço prisional quando da busca pela exequibilidade.
Se por um lado o plano afirma a possibilidade de atendimento a mais pessoas por esses
professores, por outro a falta de profissionais se apresenta quando assume que “[...] a função de
mediação entre os estabelecimentos penais e as escolas referências/CEJAs, [...] é realizada em
alguns casos por professor da unidade ou por assistente pedagógico, ou assessor de direção
vinculados à unidade escolar – CEJA.” (p.62-63).
A formação de professores que atuam no sistema prisional e, portanto, a qualidade da
educação disponibilizada pode ser questionada ao constatar que do total de professores atuando
na educação prisional, 25 não eram sequer habilitados. (PEEP, 2015, p. 72).
Na busca pela exequibilidade, especificamente no que diz respeito aos recursos
financeiros necessários, o PEEP/2015 busca apresentar questões que dificultam e mesmo
impossibilitam o acesso a recursos já disponíveis, haja vista a não habilitação das prisões que
educam como aptas a receber os repasses. Mesmo os recursos já disponíveis aos CEJAs não
são distinguidos dos recursos para a EJA prisional.
O modelo de atendimento, entretanto, baseado na estrutura de CEJAs, não viabiliza a
clara distinção quanto ao total de presos matriculados como alunos, portanto, não há
distinção entre os recursos que devam ser direcionados para a EJA Regular e para a
EJA nos estabelecimentos penais. A Escola Supletiva Penitenciária, com melhor
vocação para ser a Escola de Referência do Sistema Penitenciário do Estado, não
possui estruturas equivalentes a Conselho de Escola e Associação de Pais e Mestres,
logo, neste momento não está habilitada como caixa escolar para receber os repasses
que, por lei, são devidos a cada unidade escolar pública, tanto por meio do FUNDEB
quanto por meio dos demais órgãos de fomento à Educação. Isso, em síntese, que dizer
que a Educação em Estabelecimentos Penais no Estado conta com o financiamento
89

público estatal, mas a estrutura organizacional existente e o modelo de gestão não


favorece[sic] a potencialização que estes recursos representam, além de inibir a
captação de novos recursos dada a relação hierárquica a que está submetida. (PEEP,
2015, p.64)

Sendo assim, o plano coloca como fundamental habilitar as unidades de EJA prisional
a fim de possibilitar a captação de recursos juntos às diferentes esferas de organização do Estado
e mesmo para com a iniciativa privada (PEEP, 2015, p.94).
Por fim, apesar de destacada a especificidade do espaço e dos sujeitos da EJA prisional
em relação a EJA regular, e da necessidade de material adequado e adaptado, o que percebemos
é que o material didático utilizado é o mesmo da EJA regular, sendo feito apenas sua
transposição para os espaços de educação nos presídios conforme o próprio PEEP/2015 (p. 84).

3.4 - O PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO EM PRISÕES DE SC 2016-2026


Revisado o PEEP/2015, em 2017 é lançado o novo PEEP, com vigência de dez anos, ou
seja, válido até 2026. O novo plano avança em algumas questões de nosso interesse, como o
sentido da educação. O PEEP/2017, traz em suas primeiras páginas mensagem do então
governador do Estado, Raimundo Colombo, do Secretário de Educação estadual e da Secretária
de Cidadania e Justiça estadual. Interessante notar que o primeiro afirma, na contramão da
proposta elaborada, tanto no PEEP/2015 quanto no PEEP/2017, que “a sala de aula [...] oferece
oportunidade iguais para todos” (p. 15) e encerra sua apresentação afirmando que “a educação
em Santa Catarina, que é referência para o país, deve ser a mesma para todos, sem distinção.”
(p.15). Neste sentido, é possível observar as incoerências por parte do poder executivo e da
própria compreensão da educação por setores da política estadual em relação à educação
prisional, aqui representado na apresentação do plano pelo então governador.
No que diz respeito a sua orientação e organização, o PEEP/2017 segue as linhas já
construídas anteriormente e afirmadas no PEEP/2015. Neste sentido, as “concepções
fundamentais e norteadoras" da proposta seguem a observar os aspectos legais tanto da
educação quanto do sistema penal brasileiro, bem como a exequibilidade. De maneira geral,
reproduz o já exposto no plano anterior, acrescentando, entretanto, uma maior explanação sobre
os marcos legais instituídos pelas CONFITEAs, quando das concepções fundamentais.
Desse modo o PEEP/2017, assim como o PEEP/2015, traz os conceitos que orientam o
plano estadual, como o conceito de prisão que educa, formação humana integral e
interdisciplinaridade, mas não adentra nas suas construções e concepções. O plano segue ainda
a proposta já constante no PEEP/2015 de separar em módulos conforme os níveis de
escolarização da população carcerária. Se apresentam, entretanto, no PEEP/2017 duas novas
preocupações, que, ainda que não relacionadas a EJA, dizem respeito à educação, são elas a
educação infantil e o ensino superior, este último inclusive desconsiderado no PEEP/2015.
Quanto aos aspectos históricos da oferta de educação em presídios do Estado, o
PEEP/2017, afirma que “no ano de 1987, o Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina
emitiu parecer de autorização de funcionamento da Escola Supletiva da Penitenciária, sob
registro de nº 187, como oferta institucionalizada de educação.” (p.31), entretanto, em contato
com a CEE e na consulta ao documento referenciado, nada consta acerca da educação em
presídios.
O PEEP/2017 traz um balanço da atual situação da educação em presídios, assim como
apresentado no PEEP/2015, neste sentido, cabe notar que dos 51 espaços de privação de
liberdade do Estado, 9 (nove) ainda não possuíam oferta de educação, dentre os quais se
incluem 2 presídios e 3 penitenciárias (PEEP, 2017, p. 33). Outro dado que colabora para a
compreensão da ampliação da oferta, mas no qual transparece as contradições dessa, está nos
462 professores então contratados para atuar nesses espaços, sendo apenas 0,43% destes,
efetivos, enquanto os demais 460 eram contratados em caráter temporário. Neste sentido, uma
questão que se apresenta é a de que “Os professores efetivos vinculados aos CEJAs, que atuam
nos espaços de privação de liberdade dos estabelecimentos penais, recebem o adicional de
periculosidade conforme decreto estadual nº 2.073, de 10 de março de 2014.” (PEEP, 2017, p.
58). Ou seja, aos professores temporários, em geral mais desvalorizados, não é garantida a
isonomia. O PEEP/2017, então, orienta a “garantir a realização de concurso público voltado
especificamente para a contratação de professores que atuarão nas unidades prisionais.” (p. 60),
entretanto, o concurso público de ingresso na carreira do magistério catarinense, realizado em
2017, nº 2272/2017/SED, não contemplou tal demanda, não tendo sido chamado nem mesmo
professores efetivos para os CEJAs em sua estrutura regular. Cabe destacar que após 2017 não
foi realizado novo concurso para o magistério estadual.
No que diz respeito aos espaços de salas de aula, nos dados apresentados constam que
existiam em 2016, 111 salas de aula, as quais proporcionaram 2443 vagas disponibilizadas
conforme tabela abaixo:
91

Tabela 2 - Oferta de Educação segundo SISGESC

A educação em prisões de Santa Catarina, que se dá pela cooperação entre SED e SJC,
carece de normatização até este momento, estando no decurso desse período alicerçada por
termos de convênio de cooperação, válidos por 12 meses. Tais termos estabelecem as normas
e atribuições referentes à oferta de educação de cada secretaria (SJC e SED). Se faz notar, então,
a instabilidade da oferta a partir da transitoriedade do termo, bem como, sua não normatização
permanente. De maneira geral, tais termos têm colocado como responsabilidade da SED as
questões da educação e da SJC questões vinculadas à segurança e a disponibilização de espaço
físico para a prática educacional.
Destaca-se, entretanto, tanto no Convênio firmado em 2014, nº 2014 TN 000573, quanto
no de 2015, nº 2.015 TN 001500, a obrigação da SJC em “IV – Acatar efetivamente as
orientações quanto aos princípios filosóficos que norteiam a ação do governo do Estado,
referente à Educação de Jovens e Adultos.”. Ou seja, apresenta novamente a necessidade do
penal em se nutrir das construções de sentido da educação nesse espaço, questão esta que só
ganha sentido de ser exposta quando não há compreensão por parte desse da função da
educação. Neste sentido, os termos entram em acordo com o PEEP/2017, que se faz proponente
ao elencar ainda que a SJC deve: “X – Garantir aos gestores, técnicos e agentes a participação
em cursos de capacitação integrados aos professores.”.
Interessante notar, nos termos da Lei Complementar nº 675, que Institui o Plano de
Carreira e Vencimentos dos cargos de Agente Penitenciário e Agente de Segurança
Socioeducativo do Quadro de Pessoal da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (SJC), a
ausência quanto a função dos agentes penitenciários no que diz respeito à educação, não
constando nenhuma referência à mesma, questão que na função de agente socioeducativo é
apresentada nos termos de “Corresponsabilizar-se pelo processo educacional do adolescente”
(p. 27).
Um avanço significativo, do PEEP/2017 em relação ao PEEP/2015, é a indicação e
orientação em seu capítulo X de: “Práticas Pedagógicas e Atendimento à Diversidade”. Se
alicerçando na Proposta Curricular de Santa Catarina, lançada em 2014 e que aborda a proposta
de trabalho pedagógico para toda a educação estadual, se apresenta a necessidade, a partir do
reconhecimento de que o atendimento prisional é diferenciado, de buscar estabelecer “práticas
pedagógicas diferenciadas” (p. 70), bem como atender às diversidades.
No que diz respeito às práticas pedagógicas, as atividades devem ser pensadas pelos
professores levando em conta as especificidades do sistema prisional anteriormente citadas e
possui como base teórica a concepção histórico-cultural. Neste sentido, afirma o PEEP/2017
que “os professores devem ter condição de repensar tempos, espaços e formas de aprendizagem,
planejando atividades que possibilitem ao aluno analisar a realidade vivida. Muitas são as
atividades que possibilitam essa vivência, como: mostras de trabalho; projetos de arte e cultura;
[...].” (p. 70). Ainda que de forma generalista, e bastante sintética, tal questão influi para a
elaboração de propostas ao lhes conceder legitimidade.
Com relação à diversidade, a análise do PEEP/2017 parte da compreensão de que: “na
prisão, as trocas de saberes e relações interpessoais requerem estratégias pedagógicas
específicas ao aprendizado. O apenado encontra-se inserido em um ambiente social cujas
normas e práticas estão fora do seu controle formal.” (p. 71). Neste sentido, a Educação em
Direitos Humanos apresentada pela Proposta Curricular de Santa Catarina (2014) se posiciona
como chave para a prática educativa. O PEEP/2017 orienta, a partir de tal compreensão, em seu
plano de ação, a elaboração e organização de práticas pedagógicas para o sistema prisional, bem
como a produção de material didático e paradidáticos específicos para a EJA prisional.
Por fim, é apresentado a necessidade de busca pela construção de dados que retratem de
forma real a situação da educação no sistema prisional, neste sentido, afirma o plano que:
“Considera-se necessária a implementação dos indicadores que retratem de forma real a
situação carcerária no estado de Santa Catarina, de forma que se possa migrar os dados do
sistema prisional para o sistema educacional.” (p. 82). Tal questão explicita a deficiência, nos
termos da educação, dos dados apresentados pelo INFOPEN. Dentre os indicadores
apresentados, e que devem ser construídos para uma melhor avaliação da educação em
presídios, se apresentam os seguintes: comportamento da taxa de matrícula; diminuição da taxa
de analfabetismo; taxa de conclusão do ensino fundamental; taxa de conclusão do ensino médio;
taxa de concluintes de cursos técnicos; grau de especialização dos professores para a EJA em
estabelecimentos penais; elevação da escolaridade média da população prisional do estado.
93

Como pudemos observar, há um grande número de trabalhos a serem desenvolvidos


dentro do campo das possibilidades para que a oferta de educação em presídios se torne maior
e mais qualificada. Por outro lado, observamos resistências vindas especialmente do campo
penal, nesse sentido, os limites a uma prática educativa emancipatória, no espaço dos presídios,
se explicitam também no plano estadual de educação, assim como analisado no âmbito teórico
no primeiro capítulo.

3.5 - O PPP DO CEJA - RIO DO SUL E OS DADOS DA EDUCAÇÃO EM SC ENTRE 2015 E 2019
No derradeiro subcapítulo faço uma análise do PPP do CEJA-Rio do Sul, espaço de
minha experiência como professor da EJA no Presídio Regional de Rio do Sul/SC, em 2018. E
utilizando dos dados apresentados pelo INFOPEN para SC no período de 2015 a 2019 busco
expor alguns avanços, continuidades e limitações da educação em presídios do Estado.

A EJA (CEJA) no Presídio Regional de Rio do Sul


O CEJA - Rio do Sul, foi criado em 1992 com a então nomenclatura de 9º CEA (Centro
de Educação de Adultos), portaria E/0307/92/CEE, e buscava oferecer formação de Ensino
Fundamental e Médio para a população da cidade e municípios vizinhos. Em 1999, assim como
os demais CEA’s, passa a ser chamado CEJA, atendendo a partir de então também os níveis de
alfabetização e nivelamento. A atuação no Presídio Regional de Rio do Sul, segundo o PPP do
CEJA, é iniciada em 2003.
A Proposta Político Pedagógica apresentada, tem por finalidade promover a educação
integral humana e há uma forte caracterização e busca por reconhecimento da diversidade de
público atendido. O tópico 20 destaca, especificamente, o “Programa de Educação nas
Unidades Prisionais'', não há, entretanto, uma discussão sobre o trabalho com esse público da
EJA, mas um balanço sobre as condições de oferta da educação nesse espaço. Assinala que
“São oferecidos cursos nos níveis de Alfabetização, Nivelamento (1º ao 5º ano), Ensino
Fundamental (6º ao 9º ano), e Ensino Médio para que os jovens e adultos inseridos no Programa
possam iniciar, continuar ou concluir sua escolaridade.” (PPP, 2021, n.p). Ou seja, ainda que
não explícito, há um reconhecimento da educação no presídio com vistas a ofertar a educação
a esse público enquanto direito.
Ainda no que diz respeito ao programa de educação em prisões, se expõem que há
apenas uma sala de aula disponibilizada pela unidade penal, que como observado anteriormente,
impõe dificuldades para o processo educativo, bem como para acolher a demanda. Um aspecto
destacado no PPP do CEJA-Rio do Sul é a necessidade de permanente levantamento dos
detentos interessados em ter acesso à educação e, neste sentido, é possível observar um avanço
em relação ao apresentado nos PEEP’s, anteriormente analisados, e que orientam a realização
desse processo de forma anual. Afirma o PPP que: “Em decorrência da grande rotatividade de
público, nas Instituições atendidas pelo Programa, deverá ser realizado levantamento atual para
matrícula/cadastramento dos alunos no sistema e a formação das turmas.” (2021, n.p). Vale
destacar, ainda, a primazia do aluno sobre o detento nos termos utilizados.
Outra questão importante apresentada no PPP é a não diferenciação quanto à grade
curricular e material didático utilizado no espaço prisional em relação a EJA fora da prisão. Por
outro lado, há o reconhecimento da singularidade desse espaço, especialmente quanto a sua
dinâmica de funcionamento, ou seja, aos horários e dinâmica de funcionamento da unidade
prisional, se apresentando novamente uma sobreposição entre as questões da unidade prisional
às da educação. Tais aspectos elucidam temas já abordados anteriormente como a posição
superior do penal frente ao educativo e da não adequação dos materiais didáticos, bem como,
de uma proposta orientada para as especificidades da prisão que educa.
O PPP não traz uma orientação método-pedagógica específica para esse grupo de
estudantes, entretanto a proposta apresentada se encaixa dentro de uma visão crítica da
educação e, portanto, capaz de ser compreendida dentro dos marcos históricos de formação da
EJA e consequentemente para a EJA prisional.
Quanto à proposta de ensino:
Evidencia-se que é através do processo de mediação que o conhecimento e a cultura
são repassados de uma geração para outra resultando na humanização do sujeito,
levando à ressignificação dos aspectos emocionais, cognitivos, psicológicos e
sociológicos, de modo a tornarem-se elementos importantes da conduta, da percepção,
da linguagem, do pensamento e da consciência. (PPP, 2021, n.p)

Ou seja, a perspectiva do professor mediador entre a realidade dos estudantes e do


conhecimento científico produzido pela humanidade é o horizonte de trabalho apresentado.
Neste sentido, afirma o PPP que: “O processo de elaboração conceitual é o resultado do
encontro entre conhecimento cotidiano e sistematizado e tem como objetivo o aprofundamento
e ampliação da capacidade de compreensão e ação do sujeito.” (2021, n.p).
95

Para o CEJA - Rio do Sul, suas principais funções são três: reparadora; equalizadora;
qualificadora. Reparadora no sentido de incluir essas pessoas historicamente marginalizadas no
processo escolar. Equalizadora no que diz respeito a dar cobertura e reinserir esses sujeitos
novamente no processo educativo, a fim de buscar integrá-los no trabalho e vida social. Por
último, a qualificação no sentido de uma educação permanente e que busca o potencializar os
sujeitos e sua cidadania.
Como podemos observar, o PPP do CEJA-Rio do Sul não define um sentido específico
para a educação prisional, mas o engloba na concepção ampla da EJA, historicamente disposta
a garantir o direito à educação de sujeitos marginalizados ao longo da vida e excluídos do
processo regular de ensino, compreendendo que dentre os diferentes grupos desses encontram-
se também as pessoas privadas de liberdade.

Os dados da EJA prisional em SC de 2015-2019


A fim de encerrar esse trabalho, observamos agora os dados do INFOPEN para os
estabelecimentos prisionais do Estado de Santa Catarina, buscando observar os avanços em
termos quantitativos da oferta de educação nesses estabelecimentos. Em dezembro de 2015 a
população carcerária do Estado era composta por 18.471 detentos e, assim como a nível
nacional, seguiu aumentando e chegou em dezembro de 2019 a 23.483. Um crescimento de
cerca de 27% para o período. Os dados ano a ano podem ser observados na tabela abaixo.
Tabela 3 - População Privada de Liberdade em SC

Ano 2015 2016 2017 2018 2019

População 18.471 20.545 21.945 24.271 23.483

Crescimento 0,00% 11,00% 18.8% 31,00% 27,00%


acumulado
fonte: INFOPEN. Elaborado pelo autor.

No que diz respeito aos espaços destinados à educação dessa população, observamos no
decorrer desses anos um aumento significativo. O número de bibliotecas, bem como de salas
de aula e da capacidade de atendimento, tem aumentado, conforme podemos observar nas
tabelas abaixo.
Tabela 4 - Bibliotecas nos estabelecimentos prisionais por ano

Ano 2015 2016 2017 2018 2019

Estabelecimentos 60,00% 65,00% 72,00% 78,00% 88,00%


com Biblioteca

Número de 26 30 35 40 45
Bibliotecas

Capacidade 267 233 286 323 524


atendimento por turno

Crescimento 0,00% -12,00% 7,00% 21,00% 96,00%


acumulado da cap. de
atendimento
fonte: INFOPEN. Elaborado pelo autor.

Podemos perceber que o número de estabelecimentos contemplados com bibliotecas


saltou de 60% em 2015, para 88% em 2019. Em números absolutos, o crescimento também foi
significativo, passando de 26 bibliotecas em 2015 para 45 bibliotecas em 2019, o que
representou um acréscimo de 96% da capacidade de atendimento.
A seguir observamos o número de salas de aulas, seu crescimento e sua capacidade de
atendimento. Vale destacar que segundo o PEEP/2017:
“Os estabelecimentos penais com construções recentes, no estado de Santa Catarina
oferecem espaços físicos adequados para a realização das atividades educacionais,
porém as construções mais antigas, ainda, não estão adaptadas para atender essa
demanda mas a SJC já encaminhou, no presente momento, projetos de reforma e
reestruturação desses espaços físicos.” (p. 74)

Assim, os dados apresentados na tabela parecem colaborar com o afirmado.


Tabela 5 - Salas de aula nos estabelecimentos prisionais

Ano 2015 2016 2017 2018 2019

Estabelecimentos 84,00% 86,00% 86,00% 96,00% 96,00%


com sala de aula

Número total de salas 91 113 122 150 159

Capacidade 1383 1581 1384 1885 1948


atendimento por turno

Crescimento 24,00% 34,00% 64,00% 74,00%


acumulado nº salas
fonte: INFOPEN. Elaborado pelo autor.
97

Podemos notar que, ao longo dos anos analisados, houve um crescimento no número de
presídios com salas de aula, de 84% em 2015 passou para 96% das instituições contempladas
em 2019. O número total de salas também cresceu, passando de 91 em 2015 para 159 em 2019.
Com isso a capacidade de atendimento também se viu aumentada em torno de 40%, atingindo,
neste sentido, a meta estabelecida pelo PEEP/2017: “Construir novos espaços, destinados às
atividades escolares, gradativamente, num prazo de 4 (quatro) anos, a partir da publicação deste
plano, nos estabelecimentos penais.” (p. 78).
Em termos de recursos humanos, a tabela apresentada a seguir demonstra a quantidade
de professores e pedagogos atuando em espaços de privação de liberdade, bem como, o regime
de trabalho ao qual esses estão submetidos.
Tabela 6 - Professores e pedagogos nos estabelecimentos prisionais

Ano 2015 2016 2017 2018 2019

Total Pedagogos 3 6 5 12 6

Total Professores 80 260 222 261 260

Efetivos 40 29 19 36 29

Terceirizados 21 68 38 32 68

Temporários 16 163 165 193 163

Comissionado 3 0 0 0 0
fonte: INFOPEN. Elaborado pelo autor.

Ao observar a tabela acima, nota-se que a questão apontada anteriormente, pode ser
reafirmada: a falta de professores efetivos vinculados aos espaços de privação de liberdade. Em
termos absolutos, constatamos que o número de professores cresceu, entretanto, na maioria são
professores temporários e que, portanto, possuem condições de trabalho menos estáveis. Tal
característica acarreta em um processo de contínua renovação dos quadros do magistério
atuando nos presídios. A não garantia de permanência dos professores nos presídios prejudica,
em especial, sua formação enquanto docente, bem como a qualidade da oferta, haja vista que
todo ano o quadro de professores se modifica.
A partir da ampliação no número de salas de aula, bem como de docentes, podemos
observar, na tabela a seguir, que nos dados relativos à quantidade de detentos vinculados a
atividades educativas no Estado de Santa Catarina houve crescimento significativo.
Tabela 7- Total de pessoas privadas de liberdade em atividades educacionais

Ano 2015 2016 2017 2018 2019

Total absoluto 2024 4294 6429 7627 11335

Crescimento 0,00% 112,00% 217,00% 276,00% 460,00%


acumulado

% da 11,00% 21,00% 29,00% 31,00% 48,00%


população
envolvida
fonte: INFOPEN. Elaborado pelo autor.

Como podemos observar, houve crescimento tanto em números absolutos de pessoas


privadas de liberdade vinculadas às atividades educativas, quanto em termos relativos ao
percentual total dessa população. Nesse sentido, quanto à incorporação às atividades
educativas, se comparado ao crescimento da população privada de liberdade, observado na
primeira tabela, percebemos que os dados apontam para um crescimento que supera o aumento
da população privada de liberdade no Estado.
Os próximos dois quadros expõem em números absolutos a quantidade de pessoas
envolvidas em atividades educativas por nível da educação básica, bem como de outras
atividades educativas que não são regulares.
Tabela 8 - Pessoas envolvidas na Educação Básica

Ano 2015 2016 2017 2018 2019

Alfabetização 371 413 530 591 743

Ens. 1530 2021 1860 2488


764
Fundamental

Ens. Médio 353 552 408 438 930

Educação 1488 2495 2959 2889 4161


Básica
fonte: INFOPEN. Elaborado pelo autor.

Como já anunciado pelo aumento no número de salas de aula, bem como a capacidade
de atendimento, vemos como reflexo de tais processos o aumento do número de pessoas
99

envolvidas na educação básica. Ainda assim, apenas 21% das pessoas que não possuíam
educação básica estiveram vinculados a ela no ano de 2019, ou seja, uma parcela pequena se
comparada com a expectativa de demanda.
Mas não só a educação básica abarcou um maior número de pessoas privadas de
liberdade, conforme tabela a seguir, observamos também o envolvimento em outras atividades
educativas que não a regular básica.
Tabela 9 - Pessoas envolvidas em outros níveis e modelos de educação

Ano 2015 2016 2017 2018 2019

Ens. Superior 11 11 89 79 173

Curso Técnico 75 126 86 125 97


(acima de 800
horas de aula)

Curso de 105 141 129 362 660


Formação Inicial e
Continuada
(capacitação
profissional, acima
de 160 horas de
aula)

Pessoas 345 1503 2966 3885 5683


matriculadas em
programa de
remição pelo
estudo através da
leitura

Pessoas envolvidas 0 18 200 287 561


em atividades
educacionais
complementares
(videoteca,
atividades de lazer,
cultura)

Total 536 1799 3470 4738 7174


fonte: INFOPEN. Elaborado pelo autor.
Como podemos observar, houve um aumento substancial no número de pessoas
envolvidas em outras atividades educativas, dentre as quais se destaca pelo grande número de
sujeitos envolvidos o projeto de remição de pena pela leitura, o qual representou em 2019 79%
das pessoas envolvidas em outras atividades educativas que não a educação básica.
Os dados apresentados refletem o resultado do esforço travado nas últimas décadas pela
garantia ao direito à educação das pessoas privadas de liberdade. Apontam também alguns
limites, como a manutenção de uma maioria de professores temporários atuando nesses espaços.
Se os avanços são vários, tanto em termos qualitativos, cujo exemplo mais edificante é o plano
estadual de educação em prisões, quanto quantitativos, aumento significativo de pessoas
envolvidas em atividades educativas, os desafios também o são, especialmente no que diz
respeito à universalização da educação básica nesses espaços e a integração das concepções de
educação ao sistema penal.
101

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os presídios são espaços sociais, produto e produtores da sociedade capitalista que os


formaram na passagem do binômio prisão custódia para o de prisão pena, no fim do XVII e
início XVIII. Naquele momento, passam a ter a função de segregar e punir, principalmente os
pobres, a partir da concepção de que os “delinquentes”, cada vez em maior número com o
aumento das desigualdades, deveriam ser segregados da comunidade livre. O final do século
XIX é especialmente marcante para a transformação dos presídios, em especial com o
nascimento dos direitos humanos, fortemente alavancados pela luta da classe trabalhadora e a
criação de sindicatos, partidos políticos e outras organizações para a defesa de garantias
fundamentais. Tal processo se expressa exemplarmente ao fim da II Guerra Mundial, quando
se consolidam ideias mais “moderadas” em relação aos considerados “criminosos”, que nas
ideias extremistas do período anterior, deveriam ser eliminados. É, então, após aquele período
que vemos florescer, em especial na Europa, o Estado de Bem Estar Social e com ele a defesa
dos direitos humanos e do respeito à dignidade da pessoa privada de liberdade. Esse momento,
que tem curta duração, começa a ser superado já na década de 1970 com o desmonte de tais
políticas e a emergência do Estado neoliberal, o qual influencia o aumento do punitivismo frente
à crescente desigualdade social gestada pelo desmonte das políticas de proteção social. Assim
as prisões passam a retomar o aspecto de mero depósito de pessoas na sua função de exclusão
da comunidade livre.
Nesse sentido, as prisões cumprem um papel de controle e também de manutenção das
desigualdades produzidas pelo sistema capitalista, inclusive reproduzindo-as. Assim, a única
perspectiva que nos parece plausível na construção de uma sociedade justa e igualitária é a
abolição dos mesmos.
Nesse processo amplo, no qual os presídios estão inseridos, floresce um conceito que se
torna chave para a elaboração da finalidade da pena, o de ressocialização. Esta função almejada
pelo sistema penal, e que surge no século XIX, busca fazer com que os sujeitos, após segregados
da comunidade livre, se adequem às normas e códigos sociais. Entretanto, o mesmo encontra
diversas incongruências desde sua concepção, passando pela crítica ao espaço prisional, e
chegando na sua dissolução por parte de teóricos já no século XX. O sistema prisional, sendo
assim, é incapaz de induzir a uma socialização positiva ao se pautar por elementos antagônicos
ao da comunidade livre.
No Brasil, a constituição do sistema penal e, portanto, dos presídios possui algumas
especificidades históricas, especialmente dos tempos de desenvolvimento do capitalismo, que,
entretanto, não alteram seu sentido em relação às concepções históricas globais nas quais se
alicerçam os presídios e o conceito de ressocialização. Ou seja, de maneira geral seguem-se as
linhas de construção de sentido e práticas construídas nos centros do capitalismo global, como
a Europa e posteriormente os EUA.
Partindo desses pressupostos sobre o espaço prisional, analisamos a construção da
educação enquanto direito, especialmente no que diz respeito à EJA e sua ideia crítica de
formação dos sujeitos. Foi possível perceber que tal concepção é fortemente alicerçada no
reconhecimento das exclusões e desigualdades promovidas pelo sistema capitalista e que
gestam uma população carente, inclusive das ferramentas que a educação proporciona. Assim,
a EJA é pensada em um sentido diametralmente oposto ao dos presídios, ao se orientar pela
emancipação humana, na capacidade de ser mais dos sujeitos excluídos, na construção da
autonomia com esses e na possibilidade de superação de tais condições econômicas e sociais
produzidas por tal sistema.
Frente ao elucidado, parece objetivo que, para os sujeitos privados de liberdade, a
educação de forma orientada e normatizada tenha florescido apenas recentemente. Nesse
sentido, nos parece significativo que tal processo se desenvolveu de forma mais ampla a partir
de momentos da história do Brasil onde a atuação popular e a possibilidade de participação
foram mais amplas, ou seja, durante os períodos democráticos de nossa República.
Nesse percurso, entretanto, fica expressa as disputas travadas pelos diferentes setores
da sociedade e do próprio dilema da educação no espaço prisional, em especial no que diz
respeito ao embate entre o fim ressocializador e a defesa da educação enquanto direito de todos.
Tal disputa foi possível de ser observada nos documentos legais, bem como nas análises de
outros pesquisadores. Ou seja, se constitui a garantia da educação em presídios como campo de
disputa e em construção.
O sentido da educação, desde 1984, tem sido construído de forma relacionada à
ressocialização, por outro lado se apresentou nos últimos anos uma tentativa de independência
da educação de tal conceito e de defesa da oferta enquanto direito humano inalienável. Tal
embate se mostrou explicitado durante grande parte de nossa análise e expõem a resistência de
103

modificação do sistema penal e, portanto, se apresenta como empecilho para a oferta do direito
de acesso e garantia do processo educativo.
É a partir desse momento político democrático e da possibilidade de discussão sobre a
função dos presídios, bem como da luta pela garantia de direitos fundamentais, que se viu
legitimada, normatizada e regulamentada a educação em presídios no Brasil. Tal processo teve
como principal resultado a ampliação na oferta e possivelmente em sua qualidade, processo
esse que ainda se encontra em curso.
Ao analisar o caso específico de Santa Catarina, observamos que questões como a
ampliação do debate e dos grupos envolvidos colaboraram na elaboração da proposta de
educação em prisões do Estado. Tal processo, entretanto, não pode ser considerado original no
sentido em que é signatário de uma proposição nacional e internacional de ampliação e
qualificação da oferta de educação em presídios. Observamos também que há ainda algumas
limitações no que diz respeito à proposta de educação em prisões do Estado e de sua
compreensão por parte de atores importantes desse processo. Por outro lado, os dados
analisados nos mostram que houve uma ampliação na oferta de educação, tanto do ensino
regular quanto de outras práticas educativas, tanto em números absolutos quanto percentuais
em relação à população prisional.
Há muito ainda para ser construído a nível nacional e estadual para que a universalização
da educação seja atingida e, também, a ampliação dos debates, bem como a formação dos
sujeitos envolvidos, que nos parece chave central para que se supere a concepção da educação
para a ressocialização num espaço reconhecidamente degradante e excludente. A chave da
educação enquanto direito foi capaz de fomentar tal processo, ampliando a oferta, entretanto, a
mesma encontrará novos percalços ao se projetar em um espaço a ela antagônico e, nesse
sentido, novas análises bem como chaves devem ser construídas para abrir a cela que prende a
liberdade e a educação de todos.
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ANEXO A – Programação do curso e seminários estaduais de educação em prisões de


2010 e 2014.
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