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Duas abordagens podem ser adotadas para explicar como a ciência psicológica

se desenvolveu: a teoria personalista e a teoria naturalista. A teoria


personalista da história científica, concentra-se nas realizações contribuições
monumentais de certos indivíduos. Nos termos dessa concepção, o progresso e
a mudança; são diretamente atribuíveis à vontade e à força de pessoas ímpares
que mapearam e modificaram o curso da história. Um Napoleão, um Hitler ou
um Darwin foi, assim diz essa teoria, forças motrizes e plasmadoras de grandes
eventos. A teoria personalista afirma implicitamente que eventos particulares
não teriam ocorrido sem a participação dessas figuras singulares. Ela diz, na
verdade, que a pessoa faz a época.

A primeira vista, parece evidente que a ciência é de fato a obra de homens e


mulheres criativos, talentosos e inteligentes que determinaram a sua direção.
Costumamos definir uma época pelo nome da pessoa cujas descobertas, teorias
ou outras contribuições marcaram o período. Falamos da física “depois de
Einstein”, da escultura “depois de Michelangelo” e da psicologia “depois de
Watson”. É óbvio, tanto na ciência como na cultura em gemi, que indivíduos
produziram mudanças dramáticas -e às vezes traumáticas -que alteraram o
curso da história. Basta pensar em Sigmund Freud para reconhecer a verdade
disso.

Por conseguinte, a teoria personalista tem méritos, mas nem por isso é
suficiente para explicar o desenvolvimento de uma ciência ou de uma
sociedade. A obra de cientistas, filósofos e eruditos é muitas vezes ignorada ou
negada num dado período de tempo, apenas para ser reconhecida bem depois.
Essas ocorrências implicam que a época determinava se uma idéia vai ser
seguida ou desdenhada, louvada ou esquecida. A história da ciência está
repleta de exemplos de rejeição as novas descobertas e percepções. Mesmo os
maiores intelectos (talvez especialmente os maiores) foram constrangidos por
um fator contextual chamado Zeitgeist, o espírito ou clima intelectual de uma
época. A aceitação e aplicação de uma descoberta pode ser limitada pelo
padrão dominante de pensamento de uma cultura, de uma região ou de uma
época, mas uma idéia demasiado nova para ser aceita num período pode sê-lo
prontamente uma geração ou um século depois. A mudança lenta parece ser a
regra do progresso científico.

Assim sendo,a noção de que pessoa faz a época não é inteiramente correta.
Talvez como diária a teoria naturalista da história científica, a época faça a
pessoa, ao menos possibilite e reconhecimento daquilo que uma pessoa tenha a
dizer. A não ser que o Zeitgeist esteja pronto para a idéia nova, o seu esteja
pronto para a idéia nova, o seu proponente pode não ser ouvido; pode ser alvo
de zombaria ou mesmo de condenação à morte. Isso também depende do
Zeitgeist.

A teoria naturalista sugere, por exemplo, que se Darwin tivesse morrido na


juventude ainda assim uma teoria da evolução teria sido formulada na metade
do século dezenove. Alguma outra pessoa teria proposto, porque o Zeitgeist
estava pedindo uma nova maneira de considerar a origem da espécie humana.
(Veremos no Capítulo 6 que uma outra pessoa de fato propôs essa teoria.).

A capacidade inibidora ou retardadora do Zeitgeist opera não somente no nível


da cultura, mas também no âmbito da própria ciência, onde os seus efeitos
podem ser ainda mais pronunciados. Muitas descobertas científicas
permaneceram adormecidas por um longo tempo, sendo então redescobertas e
acolhidas. O conceito da resposta condicionada foi sugerido por Robert Whytt,
um cientista escocês, em 1763, mas ninguém estava interessado nisso na
época. Mais de um século depois, quando os pesquisadores do campo da
psicologia estavam adotando métodos mais objetivos o fisiologista russo Ivan
Pavlov reelaborou as observações de Whytt, e as ampliou tornando-as a base
de um novo sistema de psicologia. Uma descoberta tem freqüência de esperar
a sua época. “Não há muitas coisas novas neste mundo”, observou um
psicólogo, “e certamente não muita coisa nova acerca da natureza psicológica
dos seres humanos. O que passa atualmente por descoberta tende a ser a
redescoberta, por um dado cientista, de algum fenômeno já bem estabelecido”
(Gazzaniga, 1988, p. 231).

Exemplos descobertas simultâneas independentes também sustentam a teoria


naturalista da historia. Descobertas semelhantes têm sido feitas por pessoas
que trabalham bem distantes em termos geográficos, muitas vezes sem que
uma conheça o trabalho da outra. Em 1900, três pesquisadores que não se
conheciam redescobriram coincidentemente o trabalho do botânico austríaco
Gregor Mendel, cujos escritos sobre a genética vinham sendo amplamente
ignorados há trinta e cinco anos.

Posições teóricas populares e correntes num campo científico costumam


obstruir ou interditar a consideração de novos pontos de vista. Uma teoria pode
dominar uma disciplina a tal ponto que as pesquisas de um novo método ou
linha de investigação ficam impossibilitadas. Uma teoria consagrada também
pode determinar o modo pelos quais fenômenos ou dados são organizados e
examinados o que pode evitar que cientistas considerem os dados a partir de
outras perspectivas; “É a teoria”, disse Albert Einstein, “que determina o que
podemos observar” (Broad e Wade, 1982, p. 138).

Além disso, uma teoria dominante pode determinar o tipo de resultados de


pesquisas que são publicados nas revistas científicas. Descobertas que
contradigam as visões prevalecentes ou se oponham a elas podem ser
rejeitadas pelos editores das revistas, que, inadvertida ou deliberadamente,
funcionam, nesses casos, como censores. Eles podem fazer prevalecer a
conformidade ao recusar ou trivializar uma idéia revolucionária ou uma
interpretação incomum.

Um exemplo disso ocorreu na década de 70, quando o psicólogo John Garcia


tentou publicar os resultados de uma pesquisa que desafiava a teoria E-R
(estímulo-resposta) da aprendizagem vigente (Lubek e Apfelbaum, 1987). As
revistas da corrente dominante se recusaram a aceitar os artigos de Garcia,
embora o trabalho fosse considerado bem feito e já tivesse recebido
reconhecimento profissional e prestigiosos prêmios. Ele terminou por publicar
suas descobertas em revistas menos conhecidas, de menor circulação, o que
retardou a disseminação de suas idéias junto a um público mais amplo.

O Zeitgeist no âmbito de uma ciência pode ter um efeito inibidor sobre os


métodos de investigação, as formulações teóricas e a definição do objeto de
estudo da disciplina. Descreveremos nos próximos capítulos a tendência
vigente no início da psicologia científica de concentrar-se na consciência e nos
aspectos subjetivos da natureza humana. Mesmo quando os seus métodos se
tomaram mais objetivos e precisos, o foco de estudo da psicologia continuou a
ser subjetivo.

A psicologia teria de esperar a década de 20 para finalmente mudar de direção.


Contudo, meio século mais tarde, sob o impacto de um Zeitgeist distinto, a
psicologia começou a retomar a consciência como foco de estudo, respondendo
continuamente ao clima intelectual em mutação da época.

É fácil compreender essa situação a partir de uma analogia com a evolução de


uma espécie viva. Tanto uma ciência como uma espécie viva muda ou evoluem
em resposta às condições e exigências do ambiente. O que acontece com uma
espécie ao longo do tempo? Muito pouco, enquanto o seu ambiente permanece
essencialmente constante. Quando o ambiente muda, no entanto, a espécie
deve adaptar-se às novas condições ou enfrentar a possibilidade de extinção.

Suponha que o clima tenha ficado significativamente mais frio ou que as águas
costeiras tenham ficado estéreis. Para sobreviver, os animais das áreas
afetadas têm de alterar suas formas. uma espécie sem pêlos, por exemplo,
precisará desenvolvê-los para enfrentar temperaturas mais frias; uma espécie
de pernas curtas precisará tomar-se uma espécie de pernas longas se o
alimento antes disponível em águas rasas só for encontrado em águas mais
fundas. Algumas espécies não se adaptaram às mudanças ambientais, e a
ciência só conhece seus vestígios históricos. Outras modificaram sua forma de
alguma maneira, mantendo, porém características básicas; nesses casos, as
formas mais novas revelam claramente seu vínculo com as mais antigas. Outras
ainda se modificam tão radicalmente que se tornam novas espécies, e sua
relação com os predecessores não são tão evidentes. Por mais branda ou
extrema que seja a alteração, o importante é que as espécies vivas podem
adaptar-se às exigências ambientais. Quanto mais o ambiente muda, tanto mais
a espécie deve transformar-se.

Consideremos o paralelo com a evolução de uma ciência. &ta última também


existe no contexto de um ambiente ao qual deve reagir. O ambiente de uma
ciência, seu Zeitgeist, não é tanto físico quanto intelectual. Mas, tal como o
ambiente físico, o Zeitgeist está sujeito a mudanças. O clima intelectual que
caracteriza uma geração ou século pode ser totalmente diferente na seguinte.
Isso ocorreu, por exemplo, quando a crença em Deus e nos ensinamentos da
Igreja estabelecida como fonte de todo conhecimento humano foi substituída
pela crença na razão e na ciência.

Esse processo evolutivo marca toda a história da psicologia. Quando o Zeitgeist


favorecia a especulação, a meditação e a intuição como caminhos para a
verdade, a psicologia também dava preferência a esses métodos. Quando o
espírito da época ditava uma abordagem observacional e experimental da
verdade os métodos da psicologia seguiam essa direção. Quando uma forma de
psicologia se encontrava em dois climas intelectuais diferentes, ela se tornava
duas espécies de psicologia; quando a forma alemã inicial de psicologia
emigrou para os Estados Unidos, foi modificada para tomar-se uma psicologia
peculiarmente americana, enquanto a psicologia que permaneceu na Alemanha
teve uma evolução distinta.

A nossa ênfase no Zeitgeist não nega a importância dos grandes homens e


mulheres da história da ciência; contudo, ela nos impõe considerá-los numa
perspectiva diferente. Um Copérnico ou uma Marie Curie não modifica sozinhos
o curso da história pela pura força do seu gênio. O sujeito faz isso apenas por
que o caminho já está limpo. Veremos que isso seja aplicado a todas as grandes
figuras da história da psicologia.

Assim, parece claro que, embora a evolução da psicologia deva ser considerada
em termos das teorias personalista e naturalista da história, o Zeitgeist parece
ter o papel mais importante. Por mais valiosas que suas contribuições sejam
consideradas hoje, se as figuras significativas da história e da ciência tivessem
tido idéias demasiado distantes do clima intelectual de sua época, suas
percepções teriam desaparecido na obscuridade. O trabalho criativo individual
se parece mais com um prisma que difunde, elabora e magnífica o espírito da
época – do que com um farol, embora um e outro lancem luz no caminho à
frente.

Leia o texto original aqui http://pablo.deassis.net.br/aulas/historia/1-historia-e-


psicologia/personalista-e-naturalista/

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