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ESTADO DE MATO GROSSO

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA E TECONOLOGIA


UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO – UNEMAT
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE JUARA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE PEDAGOGIA

GEOVANE LUZES GALVÃO

A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DO SISTEMA PRISIONAL

JUARA/MT
2016/2
ESTADO DE MATO GROSSO
SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA E TECONOLOGIA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO – UNEMAT
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE JUARA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE PEDAGOGIA

GEOVANE LUZES GALVÃO

A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DO SISTEMA PRISIONAL

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)


apresentado ao curso de Pedagogia da
Universidade do Estado de Mato Grosso
(UNEMAT), Campus de Juara, como requisito
parcial para a obtenção do gral de licenciado em
pedagogia.

Orientador: Prof. Esp. Saulo Augusto de Moraes


JUARA/MT
2016/2

GEOVANE LUZES GALVÃO

A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DO SISTEMA PRISIONAL

DEFESA REALIZADA EM: 31/01/2017

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________
_______
Prof. Esp. Saulo Augusto de Moraes
Orientador - UNEMAT

______________________________________________________________________
Profa. Ma. Rosalia de Aguiar Araujo
UNEMAT

_____________________________________________________________________
Prof. Dr. Jairo Luiz Fleck Falcão
UNEMAT

JUARA/MT
2016/2
A realidade não pode ser modificada,
senão quando o homem descobre que é
modificável e que ele pode fazê-lo1.
(FREIRE)

1 IDOCinternational, Paris, Ed. Seuil, n°29, 15 agosto, 1° setembro


Dedico este trabalho
aos que usam a educação para combater
o sequestro da dignidade humana

AGRADECIMENTOS

A Deus pelas imerecidas bênçãos que me foram dadas a cada dia.

A minha família, pelo incondicional apoio e principal fonte de incentivo.

A todos os professores com quem tive o privilegio de trocar experiências tão


necessárias para o processo de formação.

Ao Professor Saulo Augusto de Moraes, pela imensa contribuição e dedicada


parceria na construção deste trabalho.
Aos professores da banca examinadora, não só pela avaliação, mas pelo
acompanhamento prestado.

Aos amigos tão especiais que Deus me deu durante este curso.

Enfim, a todos que de alguma forma deixaram algo nesse importante período da
minha vida.

A todos vocês, muito obrigado!

RESUMO

O presente trabalho apresenta uma discussão sobre as condições de vida da pessoa em


situação de prisão no Brasil e a função social das cadeias e presídios na atualidade. Os
objetivos do Estado brasileiro com aplicação da pena privativa de liberdade às pessoas
que cometeram crime e sua obrigação para com as ações de reintegração social por meio
da educação. A pesquisa nos mostrou o quanto ainda precisamos crescer socialmente
para que possamos superar as mazelas que torna ineficiente todo esforço aplicado para o
desenvolvimento de uma politica criminal e penitenciaria que seja realmente capaz de
cumprirem com a função criar uma sociedade menos violenta. A educação nesse
contexto é presentada como uma possibilidade de produzir transformação, de acordo
com a bibliografia a mudança da situação de calamidade em que se encontra o sistema
prisional é o anuncio de que ações concretas de efeito permanente tem de ser colocadas
em pratica urgentemente sob o risco de se colapsar o sistema prisional brasileiro.

Palavras-chave: Educação Prisional. Educação de Jovens e Adultos. Reintegração


Social da Pessoa em Situação de Prisão.

ABSTRACT

This paper presents a discussion about the conditions of life of the person in prison in
Brazil and the social function of the jails and prisons in the present time. The objectives
of the Brazilian State with the application of the penalty of deprivation of liberty to the
people who committed crime and its obligation to the actions of social reintegration
through education. Research has shown us how much we still need to grow socially so
that we can overcome the ills that make every effort to develop a criminal and
penitentiary policy that is really capable of fulfilling the function of creating a less
violent society inefficient. Education in this context is presented as a possibility of
producing transformation, according to the bibliography the change of the calamity
situation in the prison system is the announcement that concrete actions of permanent
effect must be put into practice urgently under the Risk of collapsing the Brazilian
prison system.

Key words: Prison Education. Youth and Adult Education. Reintegration Of the person
in prison.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................10

1.O ESTADO DA PRISÃO...........................................................................................12

2.A PRISÃO COMO PEÇA PUNITIVA 14


2.1. A CONTRADIÇÃO DA PRISÃO COMO MEDIDA PEDAGÓGICA 15

3. A GÊNESE É SOCIAL 18
3.1. EDUCAÇÃO NA PRISÃO 18

4. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA 25

CONSIDERAÇÕES FINAIS 30

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 32
10

INTRODUÇÃO

Na busca de conhecer as possibilidades da atuação do pedagogo fora do contexto


escolar direcionamos essa pesquisa para o sistema prisional, que em sua proposta como
sua principal razão e sendo a educação o objeto privilegiado de estudo da pedagogia
O sistema prisional está inserido dentro de um conjunto de instrumentos de
controle e educação social que pode ser denominada de politicas publicas, tais politicas
se constituem por meios e procedimentos dos quais o estado se utiliza para combater e
prevenir a criminalidade, reparar bens ofendidos pelo crime e promover a segurança
pública e custodiar pessoas condenados a penas privativas de liberdade pautando-se em
documentos legais e planos de ações que direcionam a atuação de diversos agentes
responsáveis pela implementação dessas politicas (ADORNO, 1991)
A função social das prisões modernas são duas: punir o crime e buscar reinserir
seu autor na sociedade por meio da (re)educação que o possibilite conviver
harmoniosamente em sociedade e é nessa perspectiva que a educação escolar aparece no
contexto prisional, uma vez que a escola na prisão tem o objetivo de exercer um papel
educativo amplo sendo um meio que permita a transformação da realidade do preso.
Dessa forma a educação escolar na prisão significa possibilitar reflexões acerca daquilo
que por meio dela pode ser feito na vida da população carcerária por meio da
aprendizagem motivada pelo desenvolvimento pessoal e coletivo.
De maneira geral o sistema prisional aparece permeado por contradições entre a
razão de sua existência e a realidade vivenciada pelos sujeitos de seu contexto. Com a
complexa realidade social que envolve sua conjuntura, hoje, há pouca esperança para o
sucesso de propostas de humanização e reintegração social, por isso a necessidade de
pesquisa nesse campo.
Ao analisar a esfera educativa do sistema prisional, buscamos provocar uma
discussão que possa dar condições de compreender a realidade desse contexto.
A sociedade tem como característica o conflito social, fato gerador de variados
problemas que implica aos sujeitos que a compõe a necessidade de superar as mais
variadas adversidades, nesse sentido o papel de maior relevância para o educador é
refletir essa sociedade e desenvolver discussões que a possibilite para rever suas
trajetórias de maneira que nela exista sempre uma melhora na qualidade de vida para o
coletivo. A vida da população carcerária é sem duvida uma das mais desconfortáveis,
vivendo em condições de subsistência é ai que a educação se torna extremamente
11

necessária para diminuir os problemas que geram os conflitos sociais provenientes de


seus enredamentos.
Essa pesquisa tem caráter teórico e visa conhecer o retrato do sistema prisional
brasileiro a partir da Cadeia Pública de Juara/MT com ênfase nas politicas e praticas
educativas desse cenário tendo como base para nossas analises documentos jurídicos e
autores que caracterizam este espaço e discutem a educação voltada para a massa
carcerária.
O trabalho de conclusão de curso esta estruturado em quatro capítulos o primeiro
introduz a educação como um direito que esta relacionado à dignidade da pessoa
humana e não sofre a sanção da pena prevista no ordenamento jurídico criminal. O
segundo capitulo aborda o surgimento da prisão moderna e faz uma breve discussão da
ideia de utilizar apena de prisão para recuperar o sujeito delinquente, destacando os
apontamentos contraditórios entre os objetivos das politicas para o cárcere e o que
temos como situação real. O capítulo terceiro abre a discussão para os enredamentos
que antecedem e corroboram para a ampliação da trágica situação das prisões no Brasil
e colocando a educação como uma maneira de superação desta condição, entretanto esta
precisa ser entendida como uma medida a ser encarada com maior compromisso pela
sociedade. O quarto capítulo encerra com contribuições das características do sistema
prisional mais próximo a nós e colocações referentes a pesquisa.
12

1. A EDUCAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

De acordo com a legislação, a execução da pena ocorrerá em instituições


prisionais as quais administrarão a pena que se configura em restrição da liberdade de ir
e vir. Compreende-se na legislação que a punição para o crime é tão somente essa
restrição de liberdade e que todos os demais direitos e garantias à dignidade da pessoa
humana permanecem garantidos. Um desses direitos é o acesso à educação.
A educação no sistema prisional objetiva garantir ao preso o direito ao
conhecimento e ao crescimento pessoal intencionando sua reintegração social, contudo
a realidade dos presídios e cadeias da atualidade denunciam direitos humanos
negligenciados pelo Estado.
A punição para o crime não é mais a liberdade de ir e vir restringida, mas o
martírio e o flagelo da dignidade humana. Para Malaquias (2008, p. 19):

A realidade do sistema prisional brasileiro, que é conceituado


nos jargões político e jornalístico como verdadeira sucursal do
inferno. É que a pena de reclusão, um dos mais violentos rituais
do processo penal, verdadeiro martírio que o ser humano pode
enfrentar, constitui-se num dos maiores problemas do Estado-
Nação na contemporaneidade. Transcendendo o legalismo
positivista de códigos ultrapassados, transformou-se em objeto
de reflexão das ciências humanas, notadamente da antropologia
e da sociologia, pela sua ineficácia na recuperação do
delinquente.

Foucault (1977, p. 195) localiza na prisão o lugar de produzir “o ‘corpo dócil’,


economicamente produtivo, socialmente civilizado, politicamente disciplinado e
culturalmente devotado à prática e ás razões do Estado”.
A possibilidade do sistema prisional reintegrar seus egressos na sociedade como
cidadãos de bem diminuem-se a passos largos, pois a cultura do cárcere o modela e
reafirma ainda mais a cultura do crime. “A execução da pena vai se tornando um setor
autônomo, em que um mecanismo administrativo desonera a justiça, que se livra desse
secreto mal-estar por um enterramento burocrático da pena” (JUNIOR, 2014, p. 21).
De acordo com Carreira (2009, p.10)
13

As pessoas encarceradas, assim como todos os demais seres


humanos, têm o direito humano à educação. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos reconhece o direito humano à
educação em seu artigo 26° e estabelece que o objetivo dele é o
pleno desenvolvimento da pessoa humana e o fortalecimento do
respeito aos direitos humanos.

O Direito à educação é parte integrante de um conjunto de direitos


denominados como direitos sociais, inspirados no valor da igualdade e isonomia entre
os indivíduos. No Brasil temos o reconhecimento a partir da Constituição Federal de
1988, e inúmeras outras legislações, decretos e resoluções implementam esse direito.
Freire (2003, p. 104) apresenta a educação como uma forma de liberdade, pois
possibilita ao sujeito uma tomada de consciência e com isso o capacita a fazer uma
analise sobre a sua condição de vida. O autor defende a mudança individual pela
liberdade e não pela imposição, pois a educação deve ir contra qualquer forma de
opressão.

Ai é que a posição anterior de autodesvalia, de inferioridade,


característica da alienação, que amortece o ânimo criador dessas
sociedades e as impulsiona sempre às imitações, começa a ser
substituídas por uma outra, de autoconfiança(FREIRE, 2003,
p.62).

Onofre (2007, p. 12) compreende o problema prisional como um problema


social.

Os presos fazem parte da população dos empobrecidos,


produzidos por modelos econômicos excludentes e privados de
seus direitos fundamentais de vida. Ideologicamente, como os
‘pobres’, são jogados em um conflito entre as necessidades
básicas vitais e os centros de poder e decisão que as negam. São,
com certeza, produtos da segregação e do desajuste social, da
miséria e das drogas, do egoísmo e da perda de valores
humanitários. Pela condição de presos, seus lugares na pirâmide
social são reduzidos á categoria de ‘marginais’, ‘bandidos’,
duplamente excluídos, massacrados, odiados.

O contexto do sistema prisional é inundado de aspectos contraditórios aos seus


objetivos tornando a prisão inútil, ou se não for, só pode ser geradora de efeitos opostos
à sua função social (Foucalt, 1977)
14

2. A PRISÃO COMO PEÇA PUNITIVA

A prisão como peça punitiva é recente. De acordo com Fragoso (1995, p.273) “a
prisão como pena é de aparecimento tardio na história do Direito Penal”.
As primeiras prisões organizadas datam da primeira metade do século XVI. Foi
em Londres, no ano de 1553, que foram fundadas os primeiros estabelecimentos
penitenciários. Em 1603, foi criada na Inglaterra a primeira casa de correção para jovens
delinquentes onde foi praticada a primeira experiência de isolamento celular. Na
Holanda, outros estabelecimentos foram criados em 1595 e 1596 respectivamente,
destinados aos homens e às mulheres que consistiam na realização de um trabalho e na
obrigação imposta aos detentos de receber uma educação religiosa (FALCONI, 1988)2.
No entanto, o aprisionamento involuntário do homem é antigo e remonta a
tempos imemoriais. Até a modernidade, o aprisionamento do homem não era um fim em
si mesmo, pois a prisão era lugar onde o réu aguardava a execução da pena (geralmente
trabalhos forçados ou morte por suplício). A ideia de punir com a supressão da
liberdade, compreendida como um bem comum universal, surge a partir das reformas
dosséculos XVII e XVIII, principalmente na Europa, quando o pensamento iluminista
provocava forte influência em variadas áreas do conhecimento.

[...]novas teorias da lei e do crime, nova justificação moral ou


política do direito de punir; abolição das antigas ordenanças,
supressão dos costumes; projeto ou redação de códigos
“modernos”: Rússia, 1679; Prússia, 1780; Pensilvânia e
Toscana, 1786; Áustria, 1788; França, 1791, Ano IV, 1808. Para
a justiça penal, uma era nova. (FOUCAULT, 1987, p.11)

Na modernidade a prisão como peça punitiva não seria apenas um espaço de


grades e concretos, vazio, onde o preso pudesse ter a chance de tomar conta do
ambiente. Fez-se necessário encontrar formas de “educar” e vigiar o preso. Assim surge
o sistema prisional como instituição total 3. O sistema de investimento do Estado
moderno, caracteristicamente viciado, corrupto e de interesses, busca (prefere) investir
na totalidade da instituição punitiva e na segurança pública mediante a construção de
2 http://www.fragoso.com.br/ptbr/arq_pdf/heleno_artigos/arquivo71.pdf acessado em 14/10/2016
15

presídios, de colônias agrícolas de carceragem, de hospitais psiquiátricos de internação


carcerária, aumento do efetivo de agentes de segurança (etc) em vez de investir em
ações efetivas de educação que possa promover a reintegração social do preso. A
intenção do Estado moderno seria reeducar o preso pela mortificação do “eu civil”.
Nesse sentido a prisão tem o objetivo de tornar os corpos dóceis e úteis (FOUCAULT,
2008). Nesse ambiente o preso, privado de sua liberdade, passa a sentir os efeitos de
uma instituição repleta de regras, sendo forçado a conviver em um ambiente
completamente adverso.

Um conjunto de bens individuais tem uma relação muito grande


com o eu. A pessoa geralmente espera ter certo controle da
maneira de apresentar-se diante dos outros [...]. No entanto, ao
ser admitido numa instituição total, é muito provável que o
indivíduo seja despido de sua aparência usual, bem como dos
equipamentos e serviços com os quais a mantém, o que provoca
desfiguração pessoal (GOFFMAN, 1992, p. 28).

Para Goffman (1992, p. 22) as instituições totais são estufas que atuam na
transformação de pessoas, assim, cada sujeito é um experimento sobre o que se pode
fazer ao “eu civil”, o que se espera de tal situação é fazer com que os presos possam
adequar-se a instituição fazendo com que os mesmos estejam sempre lembrando das
causas que os levaram a tal condição.

2.1. A contradição da prisão como medida pedagógica

Uma pesquisa realizada em várias instituições penitenciárias brasileiras aponta


que a violência dentro dos presídios tem aumentado: um levantamento realizado junto
às secretarias de Administração Penitenciária de 22 dos 26 estados brasileiros concluiu
que cerca de 197 detentos foram assassinados no interior dos presídios em 2013”
(NAIDITCH2014, p. 18apud MORAES 2014). O portal de Noticias
http://www1.folha.uol.com.br/ afirma que os presídios “foram cenário de ao menos 218
homicídios em 2013”.

3 Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número
de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de
tempo levam uma vida fechada e formalmente administrada. (GOFFMAN, 1992, p. 11).
16

Moraes (2014) reporta-nos também uma entrevista do presidente nacional da


comissão de direitos humanos da OAB em 2013 concedida ao site de noticias ‘Último
Segundo’ o qual é enfático ao denunciar a situação grave do sistema penitenciário
brasileiro:

O presidente nacional da Comissão de Direitos Humanos da


Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Wadih Damous em
entrevista ao portal de Notícias
http://ultimosegundo.ig.com.br/4, no inicio deste ano, disse que o
sistema prisional brasileiro, hoje, ‘tangencia a barbárie’. Disse
ainda que ‘quem vira hóspede do sistema prisional brasileiro, é
hóspede do inferno’.

Moraes (2014) aponta que o aumento da criminalidade não é só uma realidade


do sistema prisional, mas da sociedade circundante.

O aumento do crime não é uma realidade isolada no interior das


cadeias e presídios do país, reflete a própria realidade
circundante, pois o é também da sociedade civil e tem mostrado
dados percentuais alarmantes nos últimos anos. Segundo o
portal de noticias http://interessenacional.uol.com.br/:
‘Entre 2003 e 2007, mais de 240 mil pessoas foram vítimas de
homicídio no Brasil, o que significa uma média anual, no
período, de aproximadamente 27 homicídios para cada grupo de
100 mil habitantes. Essa taxa coloca o Brasil entre os países
mais violentos do mundo. Para ser preciso, o país está entre os
5% mais violentos do mundo, com uma taxa que é quase três
vezes a taxa média mundial de 9,2, segundo os dados da
Organização Mundial da Saúde de 2004’.

Informações do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) 5 dão conta que


o número de presos por reincidência ao crime também tem aumentado. Moraes (2014)
comenta que muitos dos crimes ocorridos na sociedade civil “são perpetrados por ‘ex-
presos/presidiários’ que por razões diversas retornam a práticas criminosas quando
livres (pelos meios legais ou não) das cadeias e presídios”.
Em 2015, Paulo Vannuchi, ex-preso político durante a ditadura militar brasileira,
hoje membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da
4 http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2014-01-09/pelo-menos-197-presos-foram-assassinados-no-
brasil-em-2013.html

5http://www.justica.gov.br/Acesso/participacao-social/subpaginas_consultas-publicas/departamento-
penitenciario-nacional-depen acessado em 12/07/2015.
17

Organização dos Estados Americanos (OEA), durante audiência em Washington (EUA)


disse que “a situação dos presídios no Brasil está pior hoje do que na época da ditadura
militar. Como isso foi acontecer? Parece que a roda da história andou para trás. Está
muito pior do que na época em que eu fui preso político” 6.
Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (IPEA) e o
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP), divulgada este ano pelo ‘Atlas da
Violência 2016’ aponta que:

O Brasil atingiu a marca recorde de 59.627 mil homicídios em


2014, uma alta de 21,9% em comparação aos 48.909 óbitos
registrados em 2003. A média de 29,1 para cada grupo de 100
mil habitantes também é a maior já registrada na história do
país, e representa uma alta de 10% em comparação à média de
26,5 registrada em 2004. [..] A pesquisa ainda revela que jovens
negros e com baixa escolaridade são as principais vítimas. No
mundo, os homicídios representam cerca de 10% de todas as
mortes no mundo, e, em números absolutos, o Brasil lidera a
lista desse tipo de crime7.

O aumento da criminalidade dentro e fora dos presídios e o aumento da


reincidência sugere a ineficácia total do sistema prisional brasileiro em seu modelo
atual. É mais do que latente a necessidade de mudança nas medidas pedagógicas da
pena. Uma possibilidade de mudança, acreditamos, é o investimento em ações concretas
de educação dentro do sistema prisional brasileiro.

6http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/mundo/brasil/noticia/2015/10/23/situacao-de-presidios-brasileiros-
e-pior-do-que-na-ditadura-diz-ex-ministro-205077.php

7http://oglobo.globo.com/brasil/mapa-da-violencia-2016-mostra-recorde-de-homicidios-no-brasil-
18931627#ixzz4UA6nQ8EC
18

3. A GÊNESE É SOCIAL

Onofre (2007, p. 12) compreende a gênese do problema prisional na sociedade,


não na genética do sujeito.

Os presos fazem parte da população dos empobrecidos,


produzidos por modelos econômicos excludentes e privados de
seus direitos fundamentais de vida. Ideologicamente, como os
‘pobres’, são jogados em um conflito entre as necessidades
básicas vitais e os centros de poder e decisão que as negam. São,
com certeza, produtos da segregação e do desajuste social, da
miséria e das drogas, do egoísmo e da perda de valores
humanitários. Pela condição de presos, seus lugares na pirâmide
social são reduzidos á categoria de ‘marginais’, ‘bandidos’,
duplamente excluídos, massacrados, odiados.

Julião (2007, p. 34, apud ONOFRE, 2007)apurou que “dados do Ministério da


Justiça (2005), ‘informações penitenciárias’, dos 336.366 presos [...] 95% são pobres ou
muito pobres [...]”.
O problema está longe de ser, se quer, minimizado, uma vez que o Estado tem
seus próprios interesses nesse modelo: incutir no sujeito a ideologia dominante (Estado
neoliberal, trabalho como redenção e a despersonalização e internalização dos valores
do cárcere, aceitação de sua condição “natural” de pobre etc). Para Onofre (2007, p. 14)
“Foucult localiza na prisão um dos espaços sociais apropriados para produzir o ‘corpo
dócil’, economicamente produtivo, socialmente civilizado, politicamente disciplinado e
culturalmente devotado à prática e ás razões do Estado”.
Acreditar na reintegração social do preso a partir do modelo atual de prisão é
acreditar em mito e negar completamente a realidade.

3.1. Educação na Prisão

A literatura educacional para a área prisional sugere a necessidade de se buscar


formas alternativas de socialização, humanização e construção do conhecimento8 do

8 Optamos aqui pelo termo socializar em lugar de ressocializar no entendimento de que a maioria dos
internos do sistema prisional brasileiro não tiveram chances de sociabilidade desde pequenos, dado suas
realidades sociais, econômicas e culturais.
19

preso. Mas essa busca não é tarefa simples. Onofre (2007, p.11) comenta que no âmbito
prisional:

Os problemas na área da educação são complexos e não existem


respostas imediatas ou soluções rápidas para eles, o que justifica
a necessidade de estudos, reflexões e, especialmente, a
formulação de projetos sociais e educacionais voltados para os
excluídos, os marginais, os insatisfeitos, os não-clientes, a
maioria perdedora.

Moraes (2014) citando Ottoboni (1984, p. 93) argumenta que:

Um início importante para que qualquer projeto educacional no


âmbito prisional dê resultados significativos é a compreensão de
que ‘[...] somente quando o preso sente a presença de alguém
que lhe oferece uma amizade sincera, destas que não exigem
compensações ou retorno, é que se inicia o processo de
desalojamento das coisas más armazenadas em seu interior e a
verdade começa a assumir o seu lugar, restaurando,
paulatinamente, a autoconfiança, revitalizando os seus próprios
valores. Isso se chama libertação interior’.

Acreditamos que para surtir efeito, as ações educativas propostas ao sistema


prisional, aos presos, “devam alcançar a sua subjetividade, sua historicidade, a sua
cultura, suas emoções, que agucem sua sensibilidade, sua criatividade e sua percepção
das questões sociais” (MORAES, 2014).
Na teoria, as politicas educacionais voltadas para a população carcerária são
políticas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) que no passado, objetivavam
meramente a qualificação da mão de obra dos trabalhadores, dado a força das politicas
econômicas liberais (MACHADO, 2009), mas com as transformações ocorridas até os
dias atuais, os objetivos supracitados foram em parte superados. Contudo, ainda é
preciso avançar para que a proposta da EJA atinja a população carcerária de forma
integral em um sentido de internalização de valores humanos e construção do saber. É
nesse sentido que Freire (2001, p. 23) chama atenção para o seguinte:

Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções,


postulados, receitas, ameaças, repreensões e punições, mas para
participar coletivamente da construção deum saber, que vai além
do saber de pura experiência feito, que leve em conta as suas
20

necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe ser


sujeito de sua própria história. (Freire, 2001, p. 23).

Para este pesquisador a Educação de Jovens e Adultos precisa acontecer em sua


plenitude, possibilitando de fato ao educando o perceber-se como sujeito, o
compreender-se na sua relação com a natureza e com a sociedade em que vive e o saber-
se que é possível se integrar a ela e modificá-la.
Beisiegel (2010) quando disserta sobreo pensamento freireano, destaca que para
Freire a educação se fundamenta como processo de conscientização oportunizando ao
educando participar de um processo de humanização, e isto quer dizer possibilitar aos
sujeitos do processo educativo se situarem em suas realidades histórico e socialmente
tornando estes capazes de exercerem sua atuação criadora. Em 2001 a Educação para
Todos: Compromisso de Dakar9reafirmou internacionalmente o compromisso dos países
com a educação de todos, incluindo-se a educação para jovens e adultos e seus
objetivos.

[...] Reafirmamos a visão da Declaração Mundial de Educação


para Todos (Jomtien, 1990),apoiada pela Declaração Universal
de Direitos Humanos e pela Convenção sobre os Direitos da
Criança, de que toda criança, jovem ou adulto tem o direito
humano de se beneficiar de uma educação que satisfaça suas
necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais pleno
sentido do termo, e que inclua aprender a aprender, a fazer, a
conviver e a ser. É uma educação que se destina a captar os
talentos e o potencial de cada pessoa e desenvolver a
personalidade dos educandos para que possam melhorar suas
vidas e transformar sua sociedade. (Unesco, 2001, p. 8, grifos
nosso)

Apesar de toda a literatura que chama atenção para o assunto, as legislações, os


acordos internacionais etc, dados do INFOPEN do Ministério da Justiça e Cidadania
(Relatório Infopen 2015)10 apontam para uma população carcerária AINDA com nível
extremamente baixo de instrução escolar conforme demonstrado no gráfico abaixo.
Gráfico 1 – Escolaridade da população prisional

9 Fórum Mundial de Educação, UNESCO/CONSED, 2001.

10 http://www.justica.gov.br/slides/relatorio-do-infopen-2015
21

Fonte: Infopen

Considerando que “a parcela da sociedade que fica fora da vida econômica


reflete em um perfil de presos, que geralmente são jovens entre 18 e 30 anos, pobres, e
com pouca escolaridade” (ARAUJO, 2013, p. 04), a modalidade de educação no âmbito
prisional deve abarcar o conceito de EJA que:

[...]é uma modalidade da Educação Básica, nas suas etapas


fundamental e média. O termo modalidade é diminutivo latino
de modus (modo, maneira) e expressa uma medida dentro de
uma forma própria de ser. Ela tem, assim, um perfil próprio,
uma feição especial diante de um processo considerado como
medida de referência. Trata-se, pois, de um modo de existir com
característica própria. (Brasil. CNE, 2000a, p. 26).

A EJA no âmbito do sistema prisional foi tema da V Conferencia Internacional


de Educação de Adultos (Confintea) da Agenda para o Futuro da Educação de Adultos.

Reconhecer o direito dos detentos à aprendizagem:


a) informando os presos sobre as oportunidades de ensino e de
formação existentes em diversos níveis e permitindo-lhes o
acesso a elas;
b) elaborando e pondo em marcha, nas prisões, amplos
programas de ensino, com a participação dos detentos, a fim de
responder às suas necessidades e aspirações em matéria de
educação;
22

c) facilitando as ações das organizações não-governamentais,


dos professores e dos outros agentes educativos nas prisões,
permitindo, assim, aos detentos, o acesso às instituições
educativas, estimulando as iniciativas que tenham por fim
conectar os cursos dados na prisão com os oferecidos fora dela.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96)prevê no


título V, capítulo II, a educação de jovens e adultos para pessoas que não tiveram acesso
ou continuidade dos estudos nos ensinos fundamental e médio em idade própria. O
Plano Nacional de Educação prioriza a erradicação do analfabetismo, considerando a
alfabetização de jovens e adultos ponto de partida intrínseca desse nível de ensino
(FAGUNDES, 2013 et al).
O termo educação aponta para um tipo de saber que é um modo
amplo de valores e fins, e é preciso legitimá-los através de
fundamentos. Estes, porém, têm que ser definidos por um
modelo pedagógico que, em presídios, exige um
desenvolvimento diferenciado. Essa diferenciação tem como
objetivo (re) construir alguns valores como cidadania,
valorização pessoal e profissional para que, quando o indivíduo
sair da cadeia, tenha condições de se reintegrar à sociedade
(FAGUNDES, 2013, p. 11, et al).

Quando tratamos da ideia da universalização da educação, a educação de jovens


e adultos no âmbito prisional é uma temática que merece especial atenção. A legislação
penal pune o crime com a restrição (completa ou parcial) da liberdade de ir e vir,
contudo garante integralmente os demais direitos de cidadania da pessoa em situação de
prisão (Lei de Execuções Penais – LEP 7.210/84). Assim, quando o Estado brasileiro
nega esse e outros direitos fundamentais (por negligencia e/ou incompetência de
gestão), fere a legislação.
O contexto do sistema prisional é inundado de aspectos contraditórios aos seus
objetivos tornando a prisão inútil, ou se não for, só pode ser geradora de efeitos opostos
à sua função social (Foucalt, 1987).
Segundo as informações que obtivemos, os presos da Cadeia Pública de
Juara/MT que estudam são apenas os escolhidos pela gestão prisional. Os critérios são
variados: presos com bom comportamento; os de menor periculosidade etc. Verifica-se
aí o completo desrespeito à legislação por parte do Estado que fere um direito humano
fundamental deliberadamente sem qualquer punição.
23

Dessa forma, o que é um direito de todos passa a ser


configurado pelos presos como uma oportunidade, revelando o
que é imediato. Ou seja, a lógica de premiação e castigo do
sistema prisional, pautada na conduta de cada preso, transforma
o direito de todos à educação em um benefício individual e algo
a ser conquistado. Constata-se, assim, que os presos não
vislumbram a educação como um direito de todos legalmente
constituído, o qual, além de ser dever do Estado, refere-se a uma
das conquistas sociais instituídas para contribuir com a sua
formação pessoal, como facilitador nas oportunidades
socialmente construídas.(OLIVEIRA, 2013, p. 961).

A escola na prisão, que deveria ser um direito garantido a todos os internos, tem
o potencial legitimo de transformar historias. Mas essa escola, por meio de seus
profissionais, deve ser de uma concepção e uma prática:

capazes de privilegiar, acima de tudo, a formação de cidadãos e


cidadãs conscientes da sua realidade social e de seus direitos. E,
para isso, torna-se fundamental que os órgãos competentes
assumam a educação como uma das políticas de inclusão social
e, em articulação com as políticas setoriais, vislumbrem a
construção coletiva de uma educação voltada à formação crítica
e abrangente, e não apenas escolarizada. [...] Nessa perspectiva,
coloca-se a necessidade de se construir uma proposta
pedagógica para a execução penal nas unidades prisionais, tendo
em vista a realização de outras atividades dentro da prisão, tais
como saúde, trabalho, assistência social e cultura. Esse aspecto é
fundamental, pois muitos presos não estudam por não ser
possível, nessas unidades, conciliar mais de uma atividade.
Diante do exposto, e partindo do pressuposto de Freire (1998) de
que “o mundo está sendo”, não se pretende esgotar o debate
proposto neste estudo. Ao contrário, compreende-se que a
dinâmica social e a emergência de pesquisas e leis sobre o tema
caracterizam o trabalho acadêmico, em sua forma e conteúdo,
como inacabado, pois foi produzido em determinadas
circunstâncias históricas, que compreendem aspectos
econômicos, políticos, emocionais, institucionais e sociais.
(OLIVEIRA, 2013, p. 966).

A pesquisa demonstrou que não apenas o direito à educação é cerceado pelo


Estado no âmbito prisional, mas a negligência de sua implementação chega ser
fomentada. Um exemplo são os concursos estaduais para o sistema prisional que
preveem, no geral, muito mais vagas para os cargos de agente, psicólogo, assistente
social, advogado, do que para pedagogo, profissional previsto para este espaço
conforme legislação. Como alcançar a reintegração social da população carcerária (que
24

só aumenta) sem profissionais da pedagogia concursados para atuarem nesse espaço?


Como minimizar os índices alarmantes do crime, dentro e fora das cadeias e presídios se
a educação que transforma o homem que transforma o mundo não é prioridade no
âmbito prisional? O estado investe em muros, em cercas elétricas, em grades cada vez
mais reforçadas e não em escolas nas prisões, chegara um tempo em que esse sistema
vai se colapsar, inevitavelmente.
25

4. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA PESQUISA

O interesse pela pesquisa surgiu quando percebemos que “a temática sobre a


‘educação nas prisões’ encontra-se a margem da historiografia da educação brasileira
[...]” (VASQUEZ, 2008, p. 17). Nossas indagações e questionamentos a esse respeito
nos mobilizaram a querer entender e compreender porque o direito à educação é negado
às pessoas que se encontram em situação de prisão sendo que 95% dessa população é
muito pobre e iletrada. Assim propomos uma pesquisa.
Toda pesquisa investigativa surge de indagações e de questionamentos sobre
problemas vivenciados pelo pesquisador, que na sua curiosidade mobiliza técnicas e
recursos que o auxiliam a delimitar suas hipóteses e responde-las a partir da coleta de
informações e análises sistematizadas. Portanto, é um trabalho intelectual construído
artesanalmente pelo pesquisador (MINAYO, 2011).
A pesquisa é considerada uma busca de soluções às indagações da realidade, e
é neste sentido que se faz indispensável o conhecimento teórico.

[...] o domínio de teoria fundamenta nosso caminho do


pensamento e da pratica teórica, além de constituir o plano
interpretativo para nossas indagações de pesquisa, seja para
desenvolvê-las, ou para, a partir delas, propor um novo discurso.
Uma pesquisa sem teoria corre o risco de ser uma simples
opinião pessoal sobre a realidade observada (MINAYO, 2011,
p.19).

Por se tratar de uma pesquisa social, a abordagem metodológica utilizada foi a


qualitativa, uma vez que:

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares.


Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade
que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela
trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das
aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes (MINAYO,
2011, p. 21).

A técnica escolhida para a pesquisa foi a pesquisa bibliográfica que de acordo


com Oliveira (2007, 69) “[...] é uma modalidade de estudo e análise de documentos de
domínio científico tais como livros, enciclopédia, ensaios críticos, dicionários e artigos
26

científicos”. Para ele a pesquisa bibliográfica possibilita “o pesquisador (a) entrar em


contato direto com obras, artigos ou documentos que tratem do tema em estudo”
(ibidem).
Nesse sentido, realizamos leitura e análise de obras acadêmicas, artigos
científicos e da legislação vigente em torno do direito à educação da pessoa em situação
de prisão.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da


família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. (Constituição Federal do Brasil)

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes


princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
(Constituição Federal do Brasil).

A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) é uma lei específica, ainda em


vigor, que busca garantir esse direito à educação, previsto na Constituição Federal do
Brasil, às pessoas que se encontram custodiadas em cadeias e presídios.

Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução


escolar e a formação profissional do preso e do internado.
Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no
sistema escolar da Unidade Federativa.
Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de
iniciação ou de aperfeiçoamento técnico.
Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional
adequado à sua condição.
Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de
convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem
escolas ou ofereçam cursos especializados.
Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada
estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as
categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos
e didáticos. (Lei nº 7.210/1984).
27

No ano de 2009 o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária –


CNPCP do Ministério da Justiça publicou a Resolução nº 03 dispondo sobre as
Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação nos Estabelecimentos Penais.

Art. 2º - As ações de educação no contexto prisional devem estar


calcadas na legislação educacional vigente no país e na Lei de
Execução Penal, devendo atender as especificidades dos
diferentes níveis e modalidades de educação e ensino.
[...]

A legislação educacional brasileira está orientada principalmente pela


Constituição Federal e Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional), às quais garantem a todos o direito à educação deixando claro que sua
competência é DEVER do Estado.
No ano de 2010 o Conselho Nacional de Educação – CNE publicou a Resolução
nº 2, dispondo sobre as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e
adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais. O referido
documento explicita que:

Art. 2º As ações de educação em contexto de privação de


liberdade devem estar calcadas na legislação educacional
vigente no país, na Lei de Execução Penal, nos tratados
internacionais firmados pelo Brasil no âmbito das políticas de
direitos humanos e privação de liberdade, devendo atender às
especificidades dos diferentes níveis e modalidades de educação
e ensino e são extensivas aos presos provisórios, condenados,
egressos do sistema prisional e àqueles que cumprem medidas
de segurança.

No ano de 2011 o Decreto presidencial nº 7.626 instituiu o Plano Estratégico de


Educação no âmbito do Sistema Prisional a ser efetivado pelo Ministério da Educação e
Ministério da Justiça e visa, principalmente a:

I - promoção da reintegração social da pessoa em privação de


liberdade por meio da educação; II - integração dos órgãos
responsáveis pelo ensino público com os órgãos responsáveis
pela execução penal [...].

A legislação federal também obriga os Estados a instituir seus Planos e


Diretrizes para a educação no sistema prisional. Em 2014 foi instituído o Plano Estadual
28

de Educação em Prisões do Estado de Mato Grosso. Este documento objetiva


regulamentar os mandamentos legislativos de âmbito federal no concernente a matéria.
Em sua concepção fundamental e norteadora sublinha que:

A Educação em Prisões tem como pressuposto a compreensão


da educação como direito, fundamenta-se, no plano
internacional, na Declaração Universal dos Direitos Humanos
no Artigo XXVI referente ao acesso a Instrução. Adotada e
proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das
Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. A Declaração
Universal dos Direitos Humanos, no seu artigo XXVI,
estabelece que toda pessoa tem direito à instrução e esta será
gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. No
caso da instrução elementar, esta será obrigatória e a instrução
técnico-profissional será acessível a todos, bem como a
instrução superior será baseada no mérito (Art. XXVI da
Declaração Universal dos Direitos Humanos).

Podemos perceber que a legislação brasileira em torno da educação no sistema


prisional é expressiva e “garante” a essa população acesso e permanência à educação.
Há uma gama de garantias legais que seguem orientações internacionais de direitos
humanos fundamentais. Mesmo assim o sistema prisional brasileiro continua sendo um
dos piores do mundo, cada vez mais degradante à dignidade da pessoa humana e cada
vez mais ineficaz para com sua função social (MORAES, 2015).
A coleta de dados na Cadeia Pública local não se deu por meio de questionário
nem entrevista formal uma vez que não fora permitido gravar com os presos e os
agentes prisionais não se disponibilizaram a responder questionário ou entrevista
gravada.
Assim, foi possível uma aproximação da realidade local por meio de conversas
informais com alguns agentes prisionais. Essas conversas nos possibilitaram obter
informações suficientes para descrevermos parte dessa realidade uma vez que o agente
prisional falará, naturalmente, da perspectiva de sua formação profissional como agente
de segurança pública do Estado, não da do preso. A isso tomamos cuidado, pois

As análises centradas no discurso oficial do Estado, dos


governos ou das instituições políticas podem obscurecer a
práxis, pois carregam a natureza ideológica – compreendida
aqui conforme a concepção marxista, referindo-se à falsa
consciência propiciada pelo discurso lacunar, que legitima
29

instituições sociais, atribuindo-lhes funções diversas das


realmente exercidas (HÖFLING, 2001, s/p.).

Esse cuidado se deve ainda à compreensão de que o Estado que determina, é o


mesmo Estado que não dá condições reais de implementação. Alheio a essa sua
responsabilidade, concorre em suas políticas objetivas para um emaranhado de
abstrações, dificultando as conexões intersubjetivas na busca por superação e resolução
de problemas (MORAES, 2015).
A Cadeia Pública de Juara/MT tem capacidade para abrigar 64 presos, mas
atualmente abriga 82, refletindo a realidade nacional das cadeias e presídios que tem
como uma de suas características a superlotação. A Cadeia Pública de Juara/MT é
apenas para presos do sexo masculino. Não há Cadeia Feminina em Juara/MT. Desse
total de presos, há 10 presos matriculados nas séries iniciais do Ensino Fundamental e
10 presos matriculados nas séries finais do Ensino Fundamental. Para um preso poder
estudar alguns critérios são exigidos. O preso deve ter bom comportamento, não pode
ser considerado de alta periculosidade.
A educação escolar que acontece na cadeia Pública de Juara/MT é uma extensão
da Fundação Nelson Mandela (antiga Fundação Nova Chance) da Secretaria de Estado
de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SEJUDH).
Na Cadeia Pública de Juara/MT há duas pedagogas contratadas pelo Estado e um
coordenador pedagógico concursado.
Os presos/alunos são avaliados a cada três meses e demonstrando capacidade
para irem para a próxima fase/série, são transferidos para a nova etapa.
O diretor da Cadeia Pública é quem decidirá, no final, qual preso pode ou não
estudar, após realizar algumas avaliações de segurança etc.
Não pudemos analisar como ocorrem na prática cotidiana as ações didático-
pedagógica em função de não nos ter sido autorizado visitas ao local onde ocorrem as
aulas. Também não conseguimos informações acerca do índice de reincidência.
Na tentativa de encontrar formas de obtermos mais informações, tentamos
recorrer ao Conselho Municipal de Segurança, mas o mesmo encontra-se inativo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
30

O sistema prisional brasileiro hoje é uma instituição falida no sentido de sua


função social. As cadeias e presídios superlotam cada vez mais11, contudo a sociedade
civil organizada sofre cada vez mais com o aumento do crime. É possível perceber
empiricamente a ineficácia do sistema prisional como instrumento de minimização e
controle do crime. Compreendemos que o sistema prisional tornou-se meramente local
de suplício. Ali a pessoa em situação de prisão sofrerá o flagelo físico e psicológico.
Nesse tocante, o Estado brasileiro incorre em crime, pois não garante o direito á vida
nem à dignidade humana da pessoa em situação de prisão, previstos na Constituição
Federal, prova disso foi o massacre de 56 presos, dos quais 30 foram decapitados,
ocorridos no complexo penitenciário “Anísio Jobim” em Manaus/AM, este mês, que,
certamente, ceifou vidas inocentes, pois em entrevista, o Ministro da Justiça, Alexandre
de Moraes, disse que é um erro ligar o massacre em Manaus/AM somente às guerras
entre organizações criminosas, pois a metade das vitimas não tinham qualquer ligação
com facções criminosas. “[...]. A sociedade os rejeitou e os puniu. Os rejeitados por sua
vez rejeitaram a moral, as normas e as regras da sociedade e reagiram com uma nova
cultura e com a criação de suas próprias leis”. (LIMA, 2003, p.77)

Nenhum ser humano deveria passar pelo horror de uma prisão


brasileira. A condição humana exposta aos limites do flagelo. É
um mundo fétido e insalubre que subsiste ao tempo, com suas
próprias leis, transitando entre o passado e o presente das
sociedades humanas. Negar ao ser humano a liberdade – esse
conceito que se traduz maior do que a não servidão ou
aprisionamento, historicamente tão caro a própria humanidade –
já é em si negar-lhe o direito de viver, mas periclitar-lhe a vida
pelo sofrimento cruel e injusto, que nenhuma medida
jurisdicional-administrativa pode conter (ainda que possa
prever) sob o argumento da ressocialização, da reeducação, da
reinserção social, é incutir ódio. Mas esse mundo subjacente não
tem sua matricial constitutiva em algo original. Antes se
apropria de fragmentos da cultura comum das sociedades e se
“reorganiza”. Surge daí como uma hidra, reproduzindo de mil
formas (do passado e presente) as próprias práticas das
sociedades “civilizadas”: para o erro, o castigo! Contudo, com
uma diferença apenas: nesse submundo o castigo é ainda mais
feroz, mais atroz, mais cruel.(MORAES, 20
Todos nós temos o dever de discutir os problemas de nossa sociedade e buscar
formas de superar as barreiras que nos impedem de nos desenvolvermos. A educação se
propõe iniciar esta ação, entretanto o envolvimento da sociedade como um todo é fator
11 http://www.justica.gov.br/noticias/populacao-carceraria-brasileira-chega-a-mais-de-622-mil-detentos
31

primordial para que alcancemos este objetivo, a ideia de coletividade é um conceito que
tem de ser interiorizado, do contrario continuaremos nos distanciando e nos dividindo
em parcelas que visam defender não os direitos, mas os interesses inerentes a cada
grupo ou classe social.
Quando discutimos que os direitos das pessoas devam ser garantidos o
crescimento coletivo ganha muito mais força, pois a luta por direitos é a promoção da
igualdade na diversidade social, entretanto quando defendemos interesses naturalmente
cerceamos direitos de outros, cada direito constituído consequentemente gera uma
responsabilidade e limites, esses limites são entraves para que alguns consigam atingir
interesses individuais impedindo o crescimento equilibrado nos variados campos
sociais. Para nós, a educação é a forma mais imediata de prevenção e combate às
práticas delituosas por isso devemos insistir em uma educação de qualidade para as
pessoas que se encontram em situação de prisão no Brasil, um dos países mais violentos
do mundo que não mostra sinais de melhoras, a curto prazo, nesse aspecto.

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