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08/02/2018 A crescente onda de militarismo estadunidense no século XXI.

Artigo do sociólogo James Petras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU

A crescente onda de militarismo


estadunidense no século XXI. Artigo do
sociólogo James Petras

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18 Março 2017

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“Os repetidos contratempos de Trump, a pressão constante exercida sobre os
cargos que nomeou e os estragos que os meios de comunicação causaram em
todos os aspectos de sua pessoa e de sua vida pessoal, apesar do aumento
histórico do mercado de ações, indicam a existência de uma profunda divisão no
seio da oligarquia estadunidense sobre o manejo do poder e sobre ‘quem
governa’. Desde o final da Segunda Guerra Mundial não havíamos
presenciado algumas divisões tão fundamentais em torno da política exterior”,
analisa o sociólogo estadunidense James Petras, em artigo publicado por
Rebelión, 17-03-2017. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Introdução
O militarismo dos Estados Unidos cresceu exponencialmente ao longo das duas
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08/02/2018 A crescente onda de militarismo estadunidense no século XXI. Artigo do sociólogo James Petras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
O militarismo dos Estados Unidos cresceu exponencialmente ao longo das duas
primeiras décadas do século XXI, amparado tanto pelos presidentes democratas
como pelos republicanos. A histeria com a qual os meios de comunicação de
massas ressoaram o aumento do gasto militar do presidente Trump ignora
deliberadamente a enorme expansão que teve o militarismo, em todas as suas
facetas, sob a presidência de Obama e de seus dois predecessores, Bill Clinton
e George Bush filho.

Neste artigo, iremos comparar e analisar o ininterrupto aumento que o


militarismo experimentou nos últimos dezessete anos. Em seguida,
demonstraremos que o militarismo é uma linha estrutural essencial, mediante a
qual o imperialismo estadunidense se insere no sistema internacional.

Militarismo
Os enormes aumentos no gasto militar foram uma constante, independente de
qual presidente dos Estados Unidos e da retórica utilizada em campanha a
respeito do corte de gasto militar para dedicar mais recursos à economia
interna.

Bill Clinton aumentou o orçamento bélico de 302 bilhões de dólares, em 


2000, para 313 bilhões, em 2001. Com o presidente Bush filho, o gasto militar
disparou de 357 bilhões, em 2002, para 465 bilhões, em 2004, e para 621
bilhões, em 2008. Com o presidente Obama (“candidato da paz”), o gasto
militar seguiu crescendo de 669 bilhões, em 2009, para 711 bilhões, em 2011,
para depois “aparentemente” diminuir para 596 bilhões em 2017. Na
atualidade, o recém-empossado presidente Trump solicitou um aumento para
até 650 bilhões, em 2018.

É necessário esclarecer algumas coisas: o orçamento militar de Obama para


2017 não incluía o custo de diversos departamentos do governo “relacionados à
Defesa”, entre eles o aumento de 25 bilhões para o programa de armas
nucleares do departamento de energia. O gasto militar total de Obama para
2017 subiu para 623 bilhões, ou seja, 30 bilhões a menos que a proposta de
Trump. Além disso, o orçamento designado por Obama às Operações de
Contingência no Exterior, que não se inclui nas propostas orçamentárias
anuais, disparou durante seu mandato. Esta rubrica é destinada a pagar as
guerras dos Estados Unidos no Afeganistão, Iraque, Síria, Iêmen, Líbia e muitos
outros países. A realidade é que, em seus oito anos de presidência, Obama
superou em mais de 816 bilhões o gasto militar de George Bush filho.

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O aumento do gasto militar proposto por Trump está em conformidade com a


trajetória do presidente democrata, ao contrário do que afirmam os meios de
comunicação de massas. Claramente, tanto democratas como republicanos
aumentaram tremendamente sua dependência do exército como força
impulsionadora do poder mundial. O orçamento bélico de Obama incluiu 7,5
bilhões para “operações contra o ISIS” (um aumento de 50%) e 8 bilhões para a
ciberguerra e o (contra)terrorismo, mas o maior aumento foi o destinado a
aviões de combate indetectáveis por radar, submarinos nucleares e porta-aviões,
claramente destinados a confrontos com a Rússia, China e Irã. Os três quartos
do orçamento foram destinados à Marinha e a Força Aérea.

Durante a presidência de Obama, a escalada de armamento não teve como


objetivo o combate a “grupos terroristas”, mas contra a China e a Rússia.
Washington tem a determinação de levar a Rússia à bancarrota, com a
finalidade de retornar à vassalagem da época anterior a Putin. A feroz
campanha da CIA (Obama) e do Partido Republicano contra Trump se
fundamenta em sua abertura a Rússia. A chave para alcançar a dominação
unipolar que os Estados Unidos estão há décadas tentando conseguir depende,
agora, de conseguirem desapossar Trump de seu poder e de seu gabinete, o 
qual consideram que mina, parcial ou totalmente, a estrutura do imperialismo
estadunidense baseado na potência militar, que as quatro administrações
prévias tentaram conquistar.

Aparentemente, o aumento do gasto militar de Trump corresponde ao desejo


de convertê-lo em uma “peça de negociação” de seu plano para expandir as
oportunidades econômicas estadunidenses, chegando a acordos com a Rússia e
renegociando o comércio com a China, Ásia Oriental (Singapura, Taiwan e
Coreia do Sul) e Alemanha, países credores da maior parte do déficit comercial
anual dos Estados Unidos, cifrado em centenas de milhares de milhões de
dólares.

Os repetidos contratempos de Trump, a pressão constante exercida sobre os


cargos que nomeou e os estragos que os meios de comunicação causaram em
todos os aspectos de sua pessoa e de sua vida pessoal, apesar do aumento
histórico do mercado de ações, indicam a existência de uma profunda divisão no
seio da oligarquia estadunidense sobre o manejo do poder e sobre “quem
governa”. Desde o final da Segunda Guerra Mundial não havíamos
presenciado algumas divisões tão fundamentais em torno da política exterior. As
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anteriores discussões partidaristas ficaram defasadas. A imprensa financeira (o
Financial Times e o Wall Street Journal) está descaradamente alinhada
com os militaristas, ao passo que os agentes financeiros de Wall Street
respaldam os programas internos favorecedores do empresariado e da abertura
conciliatória com Rússia e China. A maior parte da maquinaria de propaganda,
ou seja, os chamados laboratórios de ideias ou think tanks, com seus estábulos
de acadêmicos, “especialistas”, editorialistas e ideólogos liberais e
neoconservadores, promove uma agressão militar contra a Rússia. Enquanto
isso, os meios de comunicação populistas, os seguidores de base de Trump, os
empresários nacionais e as câmaras de comércio do país pressionam para
conseguir cortes de impostos domésticos e medidas protecionistas.

O exército está a favor de Trump e de seu conceito de guerras regionais que


conseguem benefícios econômicos. Ao contrário, a CIA, a Marinha e as
Forças Aéreas, que se beneficiaram enormemente com os orçamentos bélicos
assimétricos de Obama, buscam uma política de confrontos militares globais
com a China e a Rússia e múltiplas guerras contra seus aliados, como Irã, sem
considerar a devastação que tais políticas provocariam na economia interna.

O conceito de imperialismo de Donald Trump se baseia na exportação de 


produtos e na captura dos mercados, ao mesmo tempo em que atrai o capital
das corporações multinacionais de regresso aos Estados Unidos para que
reinvistam seus benefícios no mercado interno. O novo presidente se opõe às
alianças econômicas e militares que aumentaram o déficit comercial
estadunidense, em contraste com as administrações anteriores de militaristas
que aceitaram gigantescos déficits comerciais e um gasto desproporcional em
intervenções militares, bases no exterior e sanções contra a Rússia e seus
aliados.

O objetivo de Trump em obrigar a Europa Ocidental a contribuir


economicamente com uma maior cota dos gastos da OTAN (reduzindo, assim, a
dependência europeia dos gastos militares estadunidenses) conta com a rejeição
dos dois partidos políticos. Cada um dos pequenos passos dados por Trump
para melhorar as relações com a Rússia levantou a ira dos imperialistas
militaristas que controlam as direções de democratas e republicanos.

O imperialismo militarista ofereceu algumas poucas concessões táticas aos


aliados da Rússia: os acordos instáveis com o Irã e o Líbano e os débeis acordos
de paz na Ucrânia. Ao mesmo tempo, Washington está ampliando suas bases
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militares, das regiões nórdicas-bálticas até a Ásia. E ameaça apoiar golpes


militares no Brasil, Venezuela e Ucrânia.

A finalidade estratégica destas ações belicosas é cercar e destruir a Rússia como


potencial contrapeso independente à supremacia global estadunidense.

As políticas iniciais de Trump tem como objetivo converter os Estados Unidos


em uma “fortaleza”: o aumento do orçamento militar, o reforço do poder
policial e militar ao longo da fronteira mexicana e nos estados do Golfo, ricos em
petróleo. A agenda de Trump pretende reforçar o poder do exército na Ásia e
em outros lugares, com a finalidade de melhorar a posição econômica dos
Estados Unidos frente a uma negociação bilateral, com o objetivo de aumentar
os mercados para a exportação.

Conclusão
Os Estados Unidos estão presenciando um confronto letal entre dois
imperialismos muito polarizados.

O militarismo, a forma assentada do imperialismo estadunidense, está


profundamente arraigado dentro do aparato permanente do Estado. Neste se

incluem os 17 organismos de inteligência, os departamentos de propaganda, a
Marinha e as Forças Aéreas, assim como o setor de alta tecnologia e as elites
econômicas capitalistas que se beneficiaram das importações estrangeiras e da
mão de obra qualificada barata às custas dos trabalhadores estadunidenses. Seu
histórico está repleto de guerras desastrosas, perda de mercados, redução dos
salários, deterioração do nível de vida e transferência de empregos bem
remunerados ao estrangeiro. No melhor dos casos, a única coisa que
conseguiram é assegurar a lealdade de uns poucos regimes vassalos fracos,
pagando um preço enorme.

A pretensão do regime de Trump em esboçar uma alternativa imperialista se


baseia em uma estratégia mais sutil: utilizar o poder militar para melhorar o
mercado de trabalho interno e conseguir o respaldo das massas para realizar
intervenções econômicas no estrangeiro.

Primeiro de tudo, Trump é consciente de que não é possível isolar a Rússia de


seus mercados europeus, nem a derrotar mediante sanções. Isto o levou a propor
a negociação de um acordo global que permita tratados comerciais em grande
escala, o que favoreceria os bancos estadunidenses, assim como os setores do
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A crescente

petróleo, a agricultura e a alta indústria.

Em segundo lugar, Trump é partidário do “imperialismo social”, graças ao


qual os mercados de exportação, baseados na indústria local, mão de obra e
bancos estadunidenses, produziriam um aumento dos salários e dos benefícios
para as empresas e os trabalhadores deste país. O imperialismo dos Estados
Unidos não dependeria de invasões militares custosas e destinadas ao fracasso,
mas de “invasões” ao estrangeiro sob a responsabilidade das indústrias e bancos
estadunidenses que, depois, retornariam seus benefícios para os Estados
Unidos, para poder investir e impulsionar o mercado de ações já estimulado por
seus planos anunciados de desregulamentação e cortes fiscais.

A transição do presidente Trump para este novo paradigma imperial se


confronta com um adversário formidável que, até o momento, conseguiu
bloquear sua agenda e ameaça derrubar seu regime.

Trump não foi capaz, desde o início, de consolidar o poder do Estado, um erro
que minou sua administração. Ainda que a vitória eleitoral o situou no
Escritório da Presidência, seu regime é só um aspecto do poder do Estado, 
vulnerável à erosão e destituição imediata por parte dos ramos coercitivo e
legislativo, determinados a provocar sua morte política. Os outros ramos do
governo estão cheios de remanescentes do regime de Obama e dos anteriores e
completamente comprometidos com o militarismo.

Em terceiro lugar, Trump não conseguiu mobilizar seus partidários entre as


elites e a sua massa de seguidores em torno de alguns meios de comunicação
alternativos. Seus “tuítes no primeiro momento da manhã” são um contrapeso
muito frágil ao ataque concentrado dos meios de comunicação sobre sua forma
de governo.

Em quarto lugar, ainda que Trump tenha conquistado alguns apoios


internacionais após seus encontros com governantes do Japão e Inglaterra,
retrocedeu em suas negociações com a Rússia, fundamentos para minar seus
adversários imperiais.

Em quinto lugar, Trump não conseguiu conectar suas políticas de imigração a


um programa eficaz para relançar o emprego interno, nem lançar à luz e
capitalizar as draconianas políticas anti-imigração colocadas em marcha pela
administração Obama mediante as quais se encarcerou e se expulsou do país
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administração Obama, mediante as quais se encarcerou e se expulsou do país
milhões de pessoas.

Em sexto lugar, Trump fracassou na hora de comunicar o vínculo entre seus


programas econômicos favorecedores do mercado e o gasto militar e sua relação
com um paradigma totalmente diferente.

Como consequência de tudo isso, o êxito do ataque militarista liberal-


neoconservador ao novo presidente colocou em retirada sua estratégia central.
Trump se encontra submetido a um assédio que o coloca na defensiva. Ainda
que consiga sobreviver a este ataque concentrado, sua concepção original de
“reconstruir” a política imperial e a política interna dos Estados Unidos está
destruída e os pedaços desta mesclarão o pior dos dois mundos: Sem a expansão
dos mercados exteriores para os produtos estadunidenses e um programa de
emprego interno que consiga êxito, as perspectivas de que Donald Trump
volte às guerras no estrangeiro e abra passagem à queda do mercado não
deixam de aumentar.

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