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Não se pode provar uma negativa universal?

(traduzido do artigo Can Science Prove that God Does Not Exist? de Theodore Schick,
Jr. Free Inquiry magazine, Vol. 21, 1. )

"Não se pode provar uma negativa universal" é a resposta típica para afirmar que a
Ciência não pode provar que Deus não existe. Uma negativa universal é uma afirmação
que algo não existe em lado algum. Como não é possível examinar todo o Universo
(segue o argumento) não se pode provar conclusivamente a não-existência de algo. No
entanto, o princípio que não se pode provar uma negativa universal é uma negativa
universal. Ele afirma que não existem provas de negativas universais. Mas se não há
provas, então ninguém pode provar que não se pode provar negativas universais! E se
ninguém pode provar que não se pode provar, então é logicamente admissível que se
pode provar uma negativa universal. Assim, este princípio auto-refuta-se: se é
verdadeiro, é falso.

De facto existem muitas negativas universais que foram provadas. Parmenides (há
2500 anos) afirmou que não podem existir contradições lógicas: não há solteiros
casados, nenhum circulo é quadrado, e não existe o maior número porque estas noções
são contraditórias. Elas violam a mais fundamental lei lógica: a lei da não-
contradição (nada pode ter e não ter uma dada propriedade). Uma forma de provar uma
negativa universal é provar que uma dada noção é contraditória (também se designa
inconsistente). Para provar que Deus não existe, basta demonstrar que a concepção
de Deus é inconsistente:

O teísmo tradicional define Deus como o ser supremo, do qual não se pode conceber
maior, como Santo Agostinho disse. Sabemos que não existe um número supremo X - se
existisse, o número 2^X era um número maior (contradição). Muitos acreditam que a
noção de um ser supremo é análoga ao de um número supremo.

Outros (o cristianismo, por exemplo) afirmam que Deus é perfeitamente justo e


misericordioso. Se é perfeitamente justo, todos terão o que merecem. Se é
perfeitamente misericordioso, perdoará a todos. Mas não parece ser possível ser as
duas coisas. Assim, esta noção pode ser inconsistente.

Estão são apenas algumas inconsistências encontradas nas definições tradicionais de


Deus. [...] Os teístas afirmarão que se estas noções forem bem entendidas não
existe contradição lógica. E se tiverem razão? Se for logicamente possível existir
Deus? Será que isso implica que não se pode provar a inexistência de Deus? Não,
para provar que algo não existe basta provar que é epistemologicamente
desnecessário, ou seja, que esse algo não é necessário para provar nada. A Ciência
tem provado a não-existência de vários conceitos desta forma, como o flogisto, o
éter e o planeta Vulcão. As provas cientificas não são como as provas lógicas, não
precisam estabelecer as suas conclusões para lá de qualquer dúvida. Basta que as
suas conclusões estejam para lá de qualquer dúvida razoável, sendo justificação
suficiente para lhes dar valor.

O flogisto, o éter e o planeta Vulcão são entidades teóricas postuladas para


explicar certos fenómenos. O flogisto foi usado para explicar o calor, o éter para
justificar a propagação da luz através do espaço, e Vulcão para acertar as
perturbações da órbita de Mercúrio. A Ciência, desde então, mostrou que os
respectivos fenómenos podem ser explicados sem invocar estes conceitos. Ao
demonstrar a sua inutilidade, ficou provada a sua inexistência.
Deus é uma entidade teórica postulada pelos teístas para explicar diversos
fenómenos, como a origem e o desenho do Universo ou a origem da vida. A Ciência
moderna prossegue o seu caminho para explicar todos estes fenómenos sem a ajuda de
Deus. Como Laplace disse ao Czar da Rússia: "não preciso dessa hipótese". Ao provar
que Deus não é necessário para explicar nada, a Ciência mostra que há tanta razão
para acreditar em Deus, como para acreditar no flogisto, no éter ou em Vulcão.
Um argumento explicativo geralmente assume a seguinte forma:
(A) Comece com um ou mais fatos que precisam de explicação.
(B) Examine criticamente o máximo de possíveis explicações potenciais possíveis
(onde uma explicação potencial é aquela que, se verdadeira, explicaria os fatos em
questão, e uma explicação plausível é consistente com teorias existentes e bem
estabelecidas e antecedentes gerais em formação).
(C) Classifique uma explicação como a "melhor" explicação com base nas medidas
padrão (poder explicativo, escopo explicativo, probabilidade anterior,
simplicidade, consistência interna e externa, fecundidade, etc.).
(D) Conclua que a explicação classificada como a melhor explicação é provavelmente
verdadeira .

Os cientistas preferem as explicações naturais à sobrenaturais, não devido a um


preconceito metafísico, mas porque as explicações naturais produzem um melhor
entendimento do que nos rodeia. Como Platão disse, dizer que foi Deus não é
explicar, é apenas uma desculpa por não ter uma explicação. A eficácia de uma
explicação é determinada pela forma como sistematiza e unifica o nosso
conhecimento. A extensão desta sistematização é medida por diversos critérios como
a simplicidade (o número de asserções que faz), conservadorismo (se se encaixa nas
teorias naturais vigentes) e utilidade (se faz novas predições com sucesso).

Explicações sobrenaturais são inerentemente inferiores às naturais. Por exemplo,


são menos simples porque assumem a existência de entidades sobrenaturais
(fantasmas, poltergeist, anjos, deuses, relações não triviais como na astrologia);
não explicam os fenómenos de forma conveniente, produzindo mais perguntas que
respostas; são menos conservativas porque é normal violarem leis naturais; não são
úteis porque não são aptas para preverem acontecimentos novos. Por isso os
cientistas as evitam.

[...] E se não existir uma razão natural plausível para algum fenómeno? Poderá isso
justificar a existência de Deus? A nossa incapacidade para encontrar uma explicação
conveniente pode simplesmente ser devido à nossa ignorância sobre o funcionamento
das leis naturais. Muitos fenómenos que já tiveram explicações sobrenaturais como
vulcões, terramotos e doenças são agora entendidos como fenómenos naturais. Como
Santo Agostinho entendeu, os milagres não são contrários à Natureza, são contrários
ao nosso conhecimento da Natureza.

Dada a inferioridade das explicações sobrenaturais e a incompletude do nosso


conhecimento, os teístas apenas deveriam oferecer uma explicação sobrenatural de um
fenómeno se conseguissem provar ser impossível encontrar uma explicação natural
para o mesmo. Ou seja, para invalidar a prova científica da não-existência de Deus,
os teístas têm de provar uma negativa universal: que nenhuma explicação natural
para o fenómeno pode ser encontrada. E isso, acredito, é uma negativa universal que
nenhum teísta será capaz de encontrar.

http://sonhoslx.blogspot.com.br/2004/07/no-se-pode-provar-uma-negativa.html
http://sonhoslx.blogspot.com.br/2004/07/no-se-pode-provar-uma-negativa_26.html

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