Cada um de nós, por crença ou conveniência, se inclui na concepção de ser humano que adota . E, por ela, concebe e julga os demais. Se adotarmos a concepção cristã de pessoa hum ana, que fecunda a civilização ocidental há mais de 2.000 anos, a atitude diante da vi da humana não pode ser casuística, reducionista e relativa, pois a vida humana trans cende todas as possibilidades de apreensão absoluta, de definição coisificante e fechada ao imanente, em qualquer situação. Após 2.000 anos de História, somente nas últimas décadas, sem segurança de qualquer ordem, nem mesmo científica, mas inebriada por promessas paradisíacas, há muitos interesses não revelados, a sociedade ocidental procura relativizar o fundamento ontológico de nossa civilização. Esse processo medra à medida que cresce o hedonismo consumista, sob o suposto de que a única verdade é o relativismo materialista, encimado pela liberd ade comprometida com o hedonismo, elevada ao absoluto. A nova visão que se desenha, sem rosto definido, esvazia todos os valores fundante s da pessoa humana, relativizando-os, para torná-los meros regulamentos positivos e transitórios, sempre sujeitos às vicissitudes dos humores dos de que se julgam inv estidos de algum Poder. Pouco a pouco, nós, pobres mortais, somos empurrados a rev iver, quanto aos direitos fundamentais, modelos pré-cristãos a começar pelo direito à vi da. O que deveria ser valor por si mesmo em razão de constituir a própria pessoa humana, transforma-se em benesse do Poder. À medida que os valores da pessoa humana são rel ativizados, o Poder do Estado se diviniza. Assim, uma nova história contra a pessoa humana, encurtando sua vida, relativizand o-a, começa a ser desenhada. Bem dizia Heidegger, ao denunciar nossa civilização, que nunca se acumulou tantos e tão diversos conhecimentos a respeito do homem como em nossa época e, paradoxalmente, em nenhuma fase histórica se soube tão pouco como agora o que é ele. Essa a razão da crise que abocanha o humano do ser humano e institui o aborto. O aborto é fruto da decadência, não da evolução e do engrandecimento da pessoa hu mana. Mata-se o homem, ao menos no seu início, por enquanto, para trazer mais paz e feli cidade a todos, principalmente às mulheres, fonte da vida, como se no nascituro es tivesse o problema, sem se aperceber que esse ato é decorrência da perda dos referen ciais valóricos transcendentes ao próprio homem e da conseqüente euforia relativista. O que era respeito à vida, tornou-se um direito de morte, pela ação dos agentes do abo rto. É imperioso que nasça um grito de alerta para cortar o silêncio da morte. Morte é m orte. Morte de vida humana. Agimos acreditando que conhecemos o suficiente a respeito da vida humana, para d efini-la objetivamente, dada a estimativa da quantidade de conhecimentos produzi dos, mas não queremos admitir que, ainda, para responder às questões que nascem das ma is profundas exigências do nosso ser, a ciência não nos dá a resposta reclamada e digna à vida humana, e, por isso, continua a interrogação existencial o que somos? -, exigin do o complemento da fé como resposta, ou seja, o apoio de fora de tudo o que o pos itivismo e o iluminismo alcançam. Com efeito, há uma fé do materialista em encontrar todas as respostas na pura matéria, fé que ultrapassa tudo o que se conhece através da matéria. Ora, da matéria macro e mic ro, nada conhecemos, a partir de um determinado grau, mas nem por isso deve-se n egar a existência dela. Se a vida não é conhecida cientificamente, em si mesma, na sua totalidade, nem por isso podemos dizer que a vida não exista. A insistência nas pos sibilidades auto-suficientes e onipotentes de a matéria poder dar todas as respost as à vida humana, por meio dos sagrados cientistas , leva-nos a um panteísmo cósmico, de retorno, em termos filosóficos e valóricos, ao panteísmo anterior ao nascimento da Fil osofia, enquanto ciência do conhecimento produzido pela nossa razão natural a respei to dos fundamentos últimos de tudo o que existe. Mais uma vez, temos que convir que o que sabemos, apesar de ser muito, é muito pou co para conhecer a vida, mas mesmo assim arriscamos a reduzi-la a este pouco, a torná-la quase nada, e, mais que isso, arvoramo-nos no tirano direito de definir, sem elementos racionais de definição, que a vida tem início quando o homem quer e não de sde a ordem natural e ontológica da concepção. Eis o suposto do voluntarismo hedonista , alimentado pelo relativismo, que conduz toda a motivação para o aborto, concebendo a vida humana como uma manifestação que se esgota na matéria, cujos sacerdotes são os c tistas que professam o materialismo cientificista, não apenas como método, mas como m etafísica do fim último de tudo. E há os que, dizendo-se religiosos , no agrado aos cient ificistas, em nome de uma modernidade que não sabem o que é, fingem compatibilizar o Deus da Vida com o direito de morte ao nascituro, relativizando o Não Matarás e destr onando o evangélico direito à vida desde a concepção, cuja ação visa, inclusive, a ferir a greja Católica. Cada vez mais, quem defende o direito à vida do nascituro é confundido com católico e católico não tem direito de falar porque os donos da vida já decidiram q ue acabarão por convencer o povo de que o aborto é uma necessidade para salvar os vi vos.