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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

ESCOLA NORMAL SUPERIOR

CURSO DE LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA

BRUNO DE SOUSA ANDRADE

MANAUS
2009
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS

ESCOLA NORMAL SUPERIOR

CURSO DE LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA

BRUNO DE SOUSA ANDRADE

Trabalho apresentado ao Prof. Dr.


Allison Leão, como requisito parcial para
obtenção de nota na disciplina de
Literatura Brasileira I, referente à
Avaliação Parcial 2.

MANAUS
2009
Para compreensão acerca de uma totalidade em Padre Antônio Vieira, tanto no

que diz respeito às obras quanto ao extra-literário, é preciso entender, primeiramente,

qual visão estética melhor se insere no contexto vieirense e, em seguida, como esse

plano estético se aplica nessa totalidade.

Explica Coutinho (1983, p. 3) que, principalmente nos séculos XVI e XVII, ao

termo barroco agregaram-se definições como “sinônimo de bizarro, extravagante,

artificial, ampuloso, monstruoso, (...) uma argumentação estranha e viciosa, evasiva e

fugidia, tendente a subverter as regras do pensamento”. O lisboeta, ao contrário do

exposto, foge desse Barroquismo e atem-se de maneira singular à estética barroca,

utilizando o jogo de contradições, antíteses e oposições não de forma gongórica – neste

caso, tido como uma linguagem dificultosa e sem problematização da realidade –, mas

conceptista, como garante Moisés (2003), “barroco, conceptista e não gongórico (...)

parte de um fato real ou de flagrante presença (...), para, de pronto, galvanizar o ouvinte

(...)”. Constata-se também essa afirmação, como muito bem ressaltado ainda por Moisés

(2003), a partir do franco posicionamento do próprio Antônio Vieira no “Prólogo do

Autor”, que abre os Sermões:

Se gostas de afetação e pompa de palavras, e do estilo que chamam culto,

não leias. Quando este estilo mais florescia, nasceram as primeiras verduras

do meu (que perdoarás quando as encontrares), mas valeu-me tanto sempre a

clareza, que só porque me entendiam comecei a ser ouvido; e o começaram

também a ser os que reconheceram o seu engano, e mal se entendiam a si

mesmos. (VIEIRA, apud MOISÉS, 2003, p. 76).

Percebe-se, então, a estruturação de um plano conscientemente traçado desde

sua expressão até sua atitude, que utiliza de maneira singular a estética barroca: não pela
representação de um homem dilacerado entre um interesse espiritual e mundano, mas

por uma atitude estilística, indo além de seus contemporâneos, ao mesclar o uso

contraditório da linguagem a um conflito mais profundo – a crítica ao Estado Português.

Onde se constata, a exemplo das afirmações, no Sermão de Santo Antônio – na festa que

se fez ao Santo na Igreja das Chagas de Lisboa em 14 de setembro de 1642 –

(PÉCORA, 2003), um texto que se inicia com a vida de um santo e parte para uma

análise crítica social; retomando o santo no final. Ou seja, observa-se que, além da

crítica ao Estado Português, ao fazer essa retomada, Vieira quebra novamente o

paradigma barroco do homem dilacerado e propõe uma visão de homem em que se

fundem esses elementos contrastivos, secular e eclesiástico, afirmando que o homem é a

unidade tanto de um quanto de outro.

Além disso, observa-se que há em seu conjunto literário um outro conflito, que

vai além do plano estético: o conflito interno entre Sujeito e Estado, possível de se

relacionar ao complexo edipiano; pois, enquanto o padre alude às questões sociais,

como a dos escravos (sermões da série Rosa Mística), das invasões holandesas (Sermão

de Santo Antônio aos Peixes), dos indígenas (Sermão da Primeira Dominga da

Quaresma), busca matar simbolicamente uma imagem paterna: a do Estado Português,

da maneira como ela estava se configurando. Assim, esse Sujeito cria, pelos seus

projetos, paradigmas para esse “pai”. É exatamente nesse sentido, o de superar o “pai” e

de poder se reinventar como Sujeito, a partir dessa morte simbólica, que se configura

uma expressão edipiana em Antônio Vieira.

Ainda, pode-se dizer que o jesuíta apresenta um “objetivo artístico” muito bem

definido, guiado por uma postura iconoclasta: derrubar o “instituído” – neste caso, a

forma arcaica do Estado Português de se manifestar como Estado –, o que reforça sua

faceta precursora e moderna, uma vez que somente nos artistas modernistas pós-
Baudelaire, segundo Gay (2009), se configura essa característica consciente. Portanto, é

possível classificar o Padre Antônio Vieira como nosso primeiro moderno.

Ao afirmar “nosso”, torna-se importante ressaltar que no cenário ibérico

contemporâneo a Vieira já existem autores como, por exemplo, Cervantes e Gil Vicente,

donos de textos fundadores da modernidade ocidental, mas que, entretanto, não excluem

a personalidade do padre dessa modernidade precursora. Ainda nesse cenário, verifica-

se um grau acentuado de contradições. Como nos conta a História, havia grandes

avanços tanto filosóficos quanto tecnológicos; este último fruto de dois séculos de

navegações, que consolidou Portugal como uma referência em técnicas náuticas. E,

concomitantemente, havia o conflito entre uma proposição racionalista de fé, conhecida

como protestantismo, e a Contra-Reforma. Ou seja, de um lado, a modernidade se

difundindo no cenário europeu e, de outro, uma forte amarra ao medievalismo. Sendo

isso não só comprovado, mas também comparado à própria biografia de Antônio Vieira,

pois, por apresentar um pensamento esclarecido, racionalista, pré-iluminista,

encontrava-se cassado pela Santa Inquisição, a qual tinha um fundo extremamente

conservador e repressor.

Todavia, pode-se observar que, apesar de a referência em Vieira não ser voltada

para o Brasil, não se exclui de uma realidade brasileira. Constata-se essa alusão no

Sermão de Santo Antônio aos Peixes, proferido na cidade de São Luís do Maranhão em

1654, três dias antes de embarcar escondido para Portugal, o qual o padre “critica a

prepotência dos grandes, que, como peixes, vivem do sacrifício de muitos pequenos, os

quais ‘engolem’ e ‘devoram’” 1, onde os grandes se referem aos colonos portugueses,

que no Brasil são grandes, mas em Portugal não:

Assim foi; mas, se entre vós se acham acaso alguns dos que, seguindo a

esteira dos navios, vão com eles a Portugal e tornam para os mares pátrios,
bem ouviriam estes lá no Tejo que esses mesmos maiores que cá comiam os

pequenos, quando lá chegam, acham outros maiores que os comam também

a eles. (PÉCORA, 2001, p. 329).

Tem-se aqui um elemento diferençável e que o garante como nosso primeiro

moderno: o de ter a colônia como panorama parcial de sua obra. Antônio Vieira,

portanto, se torna precursor de uma modernidade avant la lettre; este tipo de

característica, presente no plano de atitudes tanto literário quanto propriamente político

de Vieira, de forte ruptura sistemática, que ocasiona um abalo da estrutura literária

brasileira, só se dará em 1922 com o modernismo – salvo um ou outro caso.

Em suma, compreende-se, à luz do exposto, que a obra de Antônio Vieira

pertence a uma estética singular, pois se diferencia tanto da Tradição, a respeito das aqui

explicadas questões estéticas, quanto da Modernidade, uma vez que, apesar de já

possuir a característica iconoclasta moderna, ainda mantém alguns elementos dessa

Tradição; portanto, uma leitura de Vieira deve ser feita tendo em vista sua

especificidade precursora (em maior relação ao contexto brasileiro), para que não se

enquadre a completude literária do jesuíta aos moldes tradicionais estéticos e se esqueça

do que mais importante há em sua obra: o exercício estético em que se mesclam

tradição e renovação.
Referências

COUTINHO, Afrânio. O processo de descolonização literária. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1983. A literatura das Américas na época colonial.

GAY, Peter. Modernismo – O fascínio da heresia. De Baudelaire a Beckett e mais um

pouco. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. 32ª ed. São Paulo: Cultrix, 2003.

PÉCORA, Alcir. Sermões: Padre Antônio Vieira. 2ª ed. São Paulo: Hedra, 2001.

PÉCORA, Alcir. Sermões: Padre Antônio Vieira. São Paulo: Hedra, 2003.

¹ Revista Lusofonia: comentário acerca do Sermão de Santo Antônio aos Peixes.

Disponível em: <http://www.revistalusofonia.net/ed54/belosmomentos02.htm>. Acesso

em: 19 de nov. 2009.

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