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{romance}
xico sá
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ser utilizada ou reproduzida em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia,
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tenha objetivo comercial e seja citada a fonte (autor e editora), tradução e prefácio.
i s b n 978 85 60054 07 7
Nihil obstat
Imprimatur
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Até a mais analfabeta das traças dos sebos deste pueblo sabe que os prólogos são
feitos para serem pulados como cercas de um latifúndio, cancelas de rodagem ou
barreiras de provas hípicas.
Um volume que tem como personagem principal um cavalo, jamais um bípede,
nem mesmo um corvo miserável e agourento, é para ser lido mais aos pulos ainda.
(...)
Insisto, porém. A teimosia é a espada nua de um escriba, na velha lição de
Lazarillo de Thormes, parente muy longínquo pero distante apenas no tempo e nos
mapas, insisto, digo, em uma nobre e cerimoniosa advertência:
“No hay libro, por malo que sea, que no tenga alguna cosa buena”.
Ou seja, em livre tradução deste portunholista selvagem que não vale um falso
guarany em cédula rasgada: até mesmo no mais odiável dos compêndios poderemos
pescar alguma nobre manjuba perdida nos mares gutenberguianos.
Eu bebo sim em Lazarillo de Thormes e em todos os pícaros que os castelhanos
estrelados ostentam.
Bebo sem culpa alguma porque o misterioso autor de fabuloso volume picaresco
já estava a beber no sábio Plínio, o Velho, naturalista romano, algo semelhante cuja
memória carcomida por bebedeiras tantas não me permite um registro mais honesto.
(...)
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“Só o leitor que salta me importa”, disse, pelo que entendemos do seu escorreito
castelhanês, voz miúda, o recém-chegado à taberna dos bravos cavaleiros forjados a ferro,
bronze e esquecimento.
“Ao leitor que pula páginas me dirijo. Asseguro-te que lestes todo o meu romance
sem te dares conta, te tornastes leitor seguido à tua revelia, à medida que vou te contando
tudo dispersamente e antes de iniciar o romance. Comigo, o leitor que salta é quem mais se
arrisca a ler seguido”, deu tintas finais à tese-chiste, era de fala pouca, voz miúda, don
Macedonio Fernández, egresso da província de Buenos Aires, ainda com cheiro de estradas e
margens perdidas.
Don Diegues de la Verga, muy amable, astronauta dos chacos paraguayos, bebia o
seu composto de sete ervas guaranys ao lado do impagable Domador de Yacarés, filósofo
rupestre, verdadeiro xamã como todo poeta da tríplice fronteira.
El Domador hablava algo sobre a verossimilhança ou não do amor e as suas
possibles malasartes.
Bievenidos, comancheros!
Donde outro forasteiro, novidade em nuestra tertúlia, pula do seu místico biombo
com os segredos típicos daquelas criaturas que vêm de longe, muito longe, ponha longe
nisso, de las tabernas do fim dos mundos:
“Se vocês quiserem que eu conte, eu conto, mas têm de me pagar uma bebida
antes, para que eu possa molhar a prosódia e agradar mi suerte”, diz o sr. Steven Brust,
chamemos assim o distinto viajante igualmente empoeirado.
Sabe-se que o sr. Steven Brust toca bateria e dumbek, aquele tambor árabe da
dança do ventre, numa banda gypsi-punk dos mundos também finais. O distinto
cavaleiro, conforme a mística, sempre muda de nome para fugir das groupies-
motosserras, aquelas garotas selvagens dos trópicos que decepam todos os paus, troncos e
membros dos seus ídolos estrangeiros.
Na tempestade, Steven Brust estica a mão na janela com o seu copo longo de
uísque, enchendo-o de granizo até as bordas. Celebra a vida nos trópicos, onde se diverte,
deixando para trás o passado de menino criado num castelo escuro. Agora tem o sol o dia
inteiro para brincar com as mungangas da própria sombra.
Steven também bebe previsíveis cowboys quando a melancólica besta-fera do
lusco-fusco embaça seus óculos verdes com a poeira do amor ou da ira.
Steven Brust tem aquele jeitão de cigano húngaro, é o que dizem, mas como
nunca vi um cigano húngaro na minha frente, Steven continua a ser apenas aquele escriba
vagabundo que encontrei na secção Luz, sítio deste pueblo, do Sandman´s Drinks, célebre
no recinto por trocar boas histórias e solos de dumbeck por bebida e sexo. O que mais o
diverte nesta vida é contar com a musa da encomenda e a velha da foice a bafejarem
prazos fatais no juízo, pequenas biografias de assombrações nocturnas. Tínhamos a
mesma impressão sobre o mundo, além do mesmo ofício, pelo menos é o que me ficou
como areia especulativa na ampulheta do enferrujado cocoruto.
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(1) “Il Maestro e Margherita”, como preferia traduzir o cavaleiro, trata-se de um romance do ucraniano Mikhail
Afanasievich Bulgakov (1891-1940).
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Nem mesmo os morcegos em festim sob as copas das árvores do bosque noticiavam,
àquela noite, a presença do demo, no que o cavaleiro de alma perra, na inércia da sua ressaca
monstruosa, mirava, calmamente, o cavalo lunar de São Jorge refletido na poça em câmera
lenta. Tentava montá-lo a todo custo, debalde, en vano, como narraria tempos depois a este
biógrafo de mal-assombradas criaturas de la noche.
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“A vida é um pangaré paraguayo que nos pega na curva”, cismava ainda o cavaleiro
solitário, desembestadamente, capaz de transformar a mais encorpada bílis que escorria pelo
canto da boca em gracejo ou chiste; eis a vantagem suprema de quem já havia perdido tudo
que um homem pode perder neste deserto.
As gargalhadas nervosas não escondiam lágrimas russas. Era a vida-vidinha, senhores,
ordinária, minúscula como um anzol de pegar manjubas como se fossem Moby Dicks, baleias
para a fartura de nuestra língua gracilianíssima.
“Ninguém ampara o cavaleiro do mundo delirante”(2), ouviu uma voz ao longe. A voz
se aproximava com as correntes da friaca. “Ninguém ampara o cavaleiro do mundo delirante”,
a voz se repetia. “Nin-nin-guém-guém... am-am-pa-ra...”, agora como se o vento fizesse um
scratch sobre um vinil, 75 rotações por minuto, na vitrola da ante-sala do inferno.
Não havia um cão feridento a lamber-lhe os beiços e muito menos um problema a
atormentar a vida do cavaleiro que se despedira, há tempos, das marmotas da glória e da
maciez das falsas plumas.
Não havia uma testemunha com olhos de sugadores corvos, apenas este biógrafo à
espreita, por dever de ofício, e um gigante e leso traveco recém-chegado de Espanha que ali
batia ponto na parte mais erma do bosque.
“Bem-aventurados os que perdem de vez o rumo, estes herdarão apenas o desassossego
particularíssimo dos seus próprios e solenes blues”, o cavaleiro tangia os morcegos com o seu
chapéu negro de cowboy sem nome. ”No máximo ouvirão uma voz ou outra a lembrar-lhes a
inútil verdade dos poemas”, agora o cavaleiro dava um tapa em uma ratazana que roía-lhe as
dobradiças das janelas d´alma e suas remelas pessoanas.
Agora o cavaleiro imagina-se tocando um banjo melancólico que ri da vida, como uma
balada de Bob Dylan no paraíso perdido.
Agora o cavaleiro pensa que é Tom Sawyer, pescando no rio do Bronx.
Agora o cavaleiro copia a autobiografia de Lawrence Ferlinghetti e ouve um sermão de
rock´n´roll com direito a trombone no solo desta noche.
O cavaleiro viaja todos os mundos, quando lava os olhos nas turvas águas do bosque
do parque da Luz.
Agora o cavaleiro leva uma vida mansa, lendo os classificados das criaturas que não
levam jeito para a coisa doravante denominada bida nueves fuera nada.
“Restaurar sonhos não me interessa, minha ourivesaria é outra”, o cavaleiro resmunga
para o olhão do Monstro da Piedade que pastoreia nos derredores, disposto a gastar toda a
remela cristã com os piores trastes da área.
Profissão: tenho vagueado nas pradarias de la noche.
(2) Embora o cavaleiro atribuísse a Jorge de Lima (1893-1953), a memória havia sido carcomida pela síndrome de
Korsacov, trata-se de um verso de “Overmundo”, poema de Murilo Mendes (1901-1975)
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Uma mulher ainda sem nome, pernas não tão grandes pero alongadas por lindas botas
em couro de lagartos vulcânicos, ojos cortados com navalha de cão andaluz...
Esta mujer está por perto e é capaz de fazer boiar na travessia melancólica dos seus
zolhinhos até mesmo o mais babilonizado dos cavaleiros deste pueblo.
Se o desejo envelhecido dos kabrones por esta chica destilasse de uma hora para outra...
daria no melhor uísque cowboy do fim dos mundos.
Ela traz marcas de agulhas, fabriquetas coreanas de confecções e uma tatuagem de
Simon Bolívar nas costas.
O nome de um filho também tatuado pelo próprio pai, que se perdeu na selva escura de
Cochabamba.
Juan, eis o batismo do chico.
Não, ela não está triste, mesmo ouvindo uma canción desesperada de La Lupe.
“Teatro, tu és puro teatro... falsidade ensaiada, estudiado simulacro”.
Agora ela ouve Johnny Cash ladeira acima, como num trote de uma bela égua que foge
do barulho dos fogos de artifício:
“Cry,Cry,Cry...”
(...)
Benvenido Granda, um bolero:
Uma guarânia...
O relato desde o manicômio do grupo Querembas, rock pesado da sua Bolívia natalícia.
(...)
Chavela Vargas canta “Luz de luna”, ela não imaginava que a faixa estava na lista, não
pode ouvi-la sem machucar-se um pouco mais.
Os céus minguam por alguns minutos, “Saturno em virgem”, ela especula com os astros.
Su horóscopo naquele dia, Sagitário, segundo um ex-astrólogo del Clarin com o qual
teve um romancito acá en San Pablo:
“Amor: Auspicioso. Deja atrás el rancor y expone sus necesidades sin perder la
confianza. El amor fluye con naturalidad. Despejar dudas logra suavizar tensiones y ayudará a
los reencuentros que permiten abandonar la soledad. Busque encuentros sin mucha exigência.
Salud: Haga ejercicios de elongación. Sopresa: Com um cambio de actitud supera escollos.”
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(...)
“Naci para llorar”, com Roberto Carlos, no portuñol levemente selvagem e casto de
vossa majestade enquanto rei de la juventud brasileña.
(...)
Agora, como se o lindo rabo fosse la rendeción das dores do mundo, a pequena criatura
rebola, saltos no horizonte, com “Walk On The Wild Side”, do viejo Lou Reed, o hino de todas
las calles do universo, seu mundo.
Ela ouve uma antologia eclética que abarca várias fases do seu quarto de século sob o
signo de Sagitário.
Quando vai se aproximando mais uma vez dos becos das trevas, volta a ouvir aquela de
Roy Orbinson, que descobriu recentemente em uma película:
“Llorando por ti,/ llorando por ti,/ y tú lo dijiste tan claro/ y me deixaste tan solo/ solo e
llorando/ llorando, llorando, llorando...”
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É tempo de tudo, menos de contar as desventuras dos perdedores, melhor, dos refugos
que vagam no mundo sem encontrar mais sequer o rodízio inglês das suas operárias camas
quentes. O destino, todavia, com a sua mão peluda e invisível, delegou a este cronista de
costumbres o penoso ofício, ofício por sua vez tão obsoleto quanto o jejuador profissional, o
homem-bala, o calígrafo, o faroleiro, o amolador de facas, o taxidermista...
Apresento-me orgulhosamente como biógrafo possível dos refugos do mundo que
encontraremos pelas ruas, nuvens de cachimbos fatais, becos e tabernas deste pueblo.
Velho Charles Dickens, aqui não haverá esperanza, a não ser que algo, no calor da hora
deste repórter-biógrafo, mude o rumo das coisas.
Um biógrafo.
Não um simples catalogador ou fria alma com pendores estatísticos.
Um biografo passional, por supuesto.
“Um Daniel Defoe no seu Diário do Ano da Peste?”(3), provoca o amigo inseparável
don Fracasso Morales, que faz temporal de perdigotos nos meus óculos-pára-brisa de modo a
obnubilar-me. “Te gusta los miserables, non?, sempre a copiar algum modelito, hein, seu
aproveitador de assombraciones da Zumbilândia”, o desgraçado ainda fala no portunhol que,
aos poucos, ainda inexplicavelmente, tomava conta de la calle àquela altura.
“Não basta os lambe-lambes que retratam o miserere-nóbis?”, seca os beiços com a
língua depois de mais uma aguardente envelhecida nas ancoretas do sarcasmo.
Donde Fracasso Morales aproveita para humilhar mais ainda este biógrafo:
“Seu Maníaco do Trechinho, sempre a copiar, sample ao infinitum, pedaços,
fragmentos, intimidades, delicadezas... Que coisa feia: até o teu Complexo de Édipo é com a
mãe alheia!”
(3) Naquele instante, don Fracasso Morales, capaz de decifrar em segundos qualquer truque ou armadilha de
escolha narrativa do amigo biógrafo, acabara de tirar o pirulito da boca de uma criança, no que o biógrafo, puto da bida,
é obrigado a mudar de rumo e referências, por supuesto, bamus nessa, trata-se de um invencible caballero.
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Quis o destino, este virtuoso maestro do óbvio, que o velho e negro gato fosse
esquecido no sótão da casa pelos donos sem memória. Ali sobrou também um rato, o mesmo
que agora avança sobre a ratoeira armada cuja isca é um corte de queijo atacado pelos vermes.
O gato, com o seu apuradíssimo senso de justiça, impede a morte do inimigo histórico. Não é
justo morrer por um pedaço de queijo apodrecido. Para salvá-lo da morte injusta, o gato foi
obrigado, porém, como determina a ordem natural das coisas, a devorar o rato.
Os mal-assombros da taberna do sr. Knut, Knut Petersen(4), onde o crachá de acesso é
um rosário de fracassos nem sempre naturais e explicáveis, ouvem a historieta ali contada por
um ex-funcionário da firma responsável pela demolição do antigo imóvel dos arredores.
O ex-funcionário chegou ao local do suposto crime quando o gato ainda sufocava o rato e
entendeu que não havia o que fazer diante da ordem natural das coisas, apenas salvar o felino
da demolição do antigo imóvel.
Ninguém na taberna toma como fábula moralista o episódio. Era apenas a historieta de
um velho e negro gato abandonado pelos donos sem memória que salva da morte injusta um
rato atraído por um pedaço de queijo da ratoeira esquecida no sótão. Os zumbis apenas
miram, agora em silêncio, o velho e negro gato que salta sobre o balcão por desconfiar que
era sobre ele que girava a conversa na taberna, naquele instante.
(4) Por mais que se esforçasse, o sr. Knut não convencia os místicos admiradores de Knut Hamsun (1859-1952) de
que não haviam laços, nem sanguíneos e muito menos espirituais, entre ele e o autor dos lendários “Fome” e “Um vagabundo
toca em surdina”. Além de ser um batismo comum na Noruega, dizia, o nome original de Hamsun é Knut Petersen, não bate
com a tal criatura em jogo.
O cavaleiro solitário lambia o solo dos seus próprios infortúnios como se lambesse,
numa manobra de homem-borracha, a sola dos seus desconfortáveis pés rachados e
empretecidos pelo negrume das calçadas nada serenosas.
Como um felino, com sua língua áspera, lambe a mão de quem o ampara sob
escombros, mesmo com toda a empáfia dessa zoologia fantástica e inegociável. Como el gato
niegro dançaria, se precisasse, uma milonga do adiós para la vieja de la foice, única maneira de
driblar la muerte como don Diego Maradona a los ingleses durante el segundo tiempo da
batalha das Ilhas Malvinas... tal qual Sherezade a enfileirar um batalhão de árabes a comê-los
pelos ouvidos...
Há melhor maneira de comer um homem do que pelas beiradas das suas próprias orejas?
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...Como erristir, gracias a la bida, como las desimportâncias todas de quem insiste em
tecer narrativas como se a aranha pudesse um dia reverter el juego e reinvertar seu próprio
herói imbatível, agora na pele do aranha-homem.
(...)
Lambia este caballero, doravante conhecido como Fodasno(5), a resina dos perdedores, o
sobejo dos torpes, o vômito de um junkie sem estômago, o cuspe final visguento dos ninjas de la
calle, a gosma dos rastros mais trôpegos, las penas de las gallinas y sus niños olvidados, chicos
buñuelitos de méxicos e de todas las Américas alhures y desconhecidas... Diós, que madres crueles,
inescrupolosas, que madres de nobellas, que película sem piedad, mi virgem de Guadalupe...
Lambia com esta língua de dragão da maldade las perebas dos rejeitados até miesmo por las moscas
famintas da taberna do sr. Knut, quando aquele bravo pangaré paraguayo derrubou o orgulhoso
herói(6) na laje da praça e correu até a margem esquerda de la sarjeta-blues, amparando este
cavaleiro solitário que rastejava, réptil de tudo, yacaré del amor e de la suerte.
O suposto cavaleiro recebeu o apelido Fodasno por não conseguir, depois de fazer
ranger dolorosamente a velha engenhoca de madeira da memória, lembrar-se de algo mais
próximo do seu batismo verdadeiro, que seguramente passava longe deste ora posto e firmado
como marca de fantasia para a nuestra viagem, ora, tiene que tener um nombre, desalmado,
pensas que vais sair desta para outra com a leveza dos animais anônimos?.
O cavaleiro confabulava, confabulava, e não conseguia reconstituir a sua trajetória.
(Faltavam-lhes os dados elementares, por mais relapso que fosse este biógrafo).
(5) Salvo melhor juízo, o cavaleiro Fodasno foi gerado por Maubrun, que gerou Hacquelebac, que gerou Grelepixa,
que gerou Grandebocarra, que gerou Gargantua, que gerou Pantagruel, entre outras grandezas não garantidas, uma vez que
o cavaleiro apreciava mesmo era el viejo Panurge.
(6) Na versão espalhada à época nas tabernas daquele pueblo, tudo indica que se tratava de uma estátua de Duque
de Caxias, situada na praça Princesa Isabel, centro de San Pablo, donde o celebrado herói brasileiro vem a ser um dos
responsáveis pelo genocídio da Grande Guerra do Paraguai (1864-1870), quando foram assassinados 606 mil paraguaios,
sendo praticamente extinta a população masculina. Brasil, Argentina e Uruguai formaram a Tríplice Aliança para derrotar o
país vizinho, o mais moderno e avançado da América Latina à época.
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Quarta-Feira usava um chicote de aço, que fazia fogo com os seus açoites na mal-iluminada
noite deste pueblo...
Terça-Feira, tetraplégico, policial afastado pela corregedoria da polícia, estava em uma
noite de suprema generosidade: só pingou chumbo quente no olho direito do cavaleiro delirante.
Segunda-Feira fez o cavaleiro beber gasolina...
Domingo e Sábado preparavam a chama...
“Aí, Fim-de-Semana!!!”, os dias de trabalho duro deram a senha e o salve! para a dupla.
(7) “Entrectanto Barbadilha, ardiloso e revoltoso, quer a todo transe desthronar Plutão, para tanto architeta
uma revolução no inferno”, pensava enquanto era surrado o nobre cavaleiro, mal sabendo que se tratava de um texto
de don Valêncio Xavier, no seu “O mez da grippe”.
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Como se ateassem fogo, cinzas-de-índio, fazer cinzas de caboclos ainda era costumbre
deste pueblo...
O pangaré paraguayo largou o herói de araque e saltou en la calle...
Donde o solípede distribuiu coices de cimento e bronze de alto calibre técnico e afastou
os assassinos escalados para aquele macabro evento.
Agora o cavalo beija, com o beijo da compaixão deveras sentida, o rosto refratário do
cavaleiro, um beijo de garoto quase puro e capaz de milagres à beira de um caminho.
Com o beijo, o cavalo retoma a sua carne, a sua alma e a sua fortaleza óssea de
outros pastos, despede-se do cimento e do bronze aos quais se acomodara... e parte, afável,
muy amable, com o tal mal-assombro são e salvo sobre o lombo em uma interminável
viagem ao fim da noite.
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(8) Certamente um batismo em homenagem ao herói boliviano homônimo, responsável por um dos primeiros
movimentos insurgentes dos índios do país vizinho, ainda em 1870.
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Não era incomum la muerte de um ou outro artilheiro que entrava com la pelota e tudo
no fundo das redes inimigas. Uma desonra que carecia de justiça imediata, “pois que nos
vazem, mas que não nos humilhem”, era o código daqueles honestíssimos hombres sobre os
ladrilhos da praça.
Havia quem dissesse, sem fazer muito mistério, que o cavaleiro se comportava dessa
forma por habitar, há tempos, o mundo do vai-sem-volta onde vivem as criaturas abençoadas
pelos gigantes cogumelos sebastianistas cultivados no melhor estrume fantasmagórico dos
cavalos dos belos bandidos gnósticos.
Decerto o cavaleiro havia sido visto, na sua busca pelo Santo Graal dos cogumelos
recentes, em currais agripinícos nos arredores de Embu das Artes (9), pueblo vizinho a San Pablo.
Los rovens ofereciam las nuevas pastilhas químicas de las pistas de baile ao caballero, ele
ingeria todas, sem culpa, mas era um ingrato no pronunciamento em relación a las nobidades:
“Fraquinha, fraquinha, mucha velocidad para la pista de baile e poca viarrem para el
cabeçote de um Caballero que carece despirocar-se”, balbuciava o inssurreito.
(9) Teria sido visto pelos escribas Roca Tejon y Rosé Bressaldo na companhia de José Agripino de Paula (1937-2007),
autor de “Panamérica”. A dupla foi responsável pela última entrevista com o iluminado vagabundo.
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Um buraco vazio sem nome tinha-se instalado na parte posterior do cérebro deste
cavaleiro(10) e um pesadelo era majoritário àquela altura: uma junta de médicos-carrascos
fazia uma contagem regressiva para que batizasse urgentemente o buraco vazio sem nome na
parte posterior do cérebro.
Soltava palavras em línguas estranhas, como os apóstolos no Pentecostes, além de
oxímoros primários, lógico, seu vício menos perigoso neste deserto onde é solitário andar por
entre as gentes.
(...)
Havia perdido a mulher da sua vida, a mulher do mês, a mulher da quinzena e a mulher
da semana e a mulher da noite por causa dos malditos oxímoros ditos com bafo de imoderável
bagaceira envelhecida em barris de flor-do-Lácio, no seu delirium havia uma tomada definitiva
do portunhol selvagem e adeus ao solitário português de latinoamérica sangue-quente.
No delirium tremens piorava: baixavam-lhes os maiores palíndromos do universo, como
aquele clássico atribuído ao poeta Manuel du Bocage, que lhe chegava como uma despedida,
numa gare melancólica, da língua portuguesa isolada:
(10) Na Praça Roosevelt e nos seus arredores havia, entre as belas e sábias gazelas das artes dramáticas, quem
atribuísse a origem do pesadelo a alguma influência enviesada e mal-compreendida de escritos avulsos do francês Antonin
Artaud (1896-1948), especialmente as cartas sobre o ópio e da sua relação com as chocantes tremelicas da abstinência.
Cap. VIII - Donde o que está embaixo, seja homem ou seja cavalo,
é o que está em cima
Agora o solípede, em fuga daquela maldita estátua eqüestre, voa pelos becos soturnos
do centro de San Pablo e a sombra magra, esticada como um super-herói de borracha, projeta-
se sobre as laterais dos prédios como a única prova verossímil de que este cavaleiro se encontra
vivo, depois de décadas nas veredas do excesso.
Eufórico com a nueva vida, o pangaré-caxias só tem uma breve queixa: a sina de estátua
eqüestre. Mesmo em alta velocidade e vida nueva no pueblo, não há fuerza neste mundo que o
livre das cagadas constantes dos pombos. Os pombos de San Pablo, cisma o panga, cagam
césio e urânio.
Maldita sina de estátua.
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Afeito a animações, porém, o danoso diverte o seu novo cavaleiro ao fazer cinema da
sua caveira mal-assombrada em altas mungangas e manobras pelas paredes. Visto por uma
criança, porém, parece que Fodasno monta um cavalo de pau, de tão duro que é Fodasno em
cima do seu honesto pangaré de guerra. Fazia tempo que Fodasno não sentia o prazer e a
crença em uma dança, um bailado, o fabuloso cavaleiro Fodasno nos últimos anos só havia
treinado quedas, tombos, desacertos, nado livre e revesamento quatro-por-quatro em sarjetas,
atos falhos e pesadelos do gênero, perseguição seguida de violência gratuita.
O vento frio do deserto de San Pablo, em silvos cortados, recita algo que só podemos
atribuir a Hermes Trimegisto, orai-vos, destemidos:
“O que está embaixo é como o que está em cima, e o que está em cima é como o que
está embaixo; por estas coisas se fazem os milagres de uma só coisa...”
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As estátuas de Luiz Vaz de Camões y Miguel de Cervantes Saavedra, ali nos arredores
da Biblioteca Mário de Andrade, também no centro deste pueblo, como não dependiam de
seres eqüestres nas heróicas poses, apenas ajeitaram seus belos saiotes de época e continuaram
a fingir que estão de olhos fechados para os novos tempos, gracias.
A essa altura este biógrafo não havia lido os seus “Papeles de recienvenido”, don
Macedonio Fernández, que me acabam de chegar por mãos finas de moça, babo por elas qual o
cãozinho viciado na sineta alimentar de Pavlov, don Macedonio, mãos finas de moça, talvez as
mais lindas falanges, falanginhas e falangetas que já presenciei, empunhando um nobre volume
da grandiosa e retumbante literatura de Latino América.
Bravíssima, dê-mo aqui, hermosa chica, na bandeja iluminada, por supuesto.
Don Macedonio, impressiona-me o vosso desgosto pelas estátuas. Este biógrafo está
deveras orgulhoso de tamanha coincidência de pensamento. Quem dera fosse plágio ou pelo
menos uma ressonância tardia e involuntária. Ah, bastava uma osmose sovacal, dava-me por
eleito, desses pedaços de livros que, de tanto exibirmos debaixo dos sobacos por aí, a
engambelarmos as poucas gazelas que ainda se impressionam com tais brochuras, acabam por
furar-nos a pele e juntar-se ao álcool que corre nas veias em moto-perpétuo, contínuo,
combustível da última diligência do espírito.
Don Macedonio, antes que partas, um breve alerta: todo cuidado é pouco neste
Mercosul fantasmagórico, se não estão respeitando autores vivos... muito menos os mortos.
Que mantenhas las ideas próprias em buelsillo costurado e secreto das tuas vestes, espero que
la esposita tenha te costurado los buelsillos internos, porque las nuestras mujeres adoram
proteger nuestro patrimônio simbólico, porque lo patrimônio materiale é delas miesmas, non?
Agora hablando sério, seriíssimo, don Macedonio, la gangue dos Trombadiñas
Metalingüísticos está a suelta em todo el pueblo, nas pradarias, nos aeroportos, nos
manicômios, nas aduanas, nas carreteras, en las fronteras... um bater de pestana e já era aquela
idea gordinha cevada há anos nos melhores pastos das fazendas metafísicas y gaúchas, aquela
Idéia, aquele fiat lux pronto para o abate, aquela idéia com quatro, cinco dedos de toucinho das
fazendas uruguayas de Brizola... Aquele cordeiro-mote, entonces, seja uruguaio ou dos pastos
escassos dos sertões, pode ser vítima de um seqüestro-relâmpago, principalmente ali nas
cercanias do Martin Fierro, bravíssima cozinha argentina de la Vila Madalena nesta supracitada
San Pablo de Piratininga, si, don Macedonio, estão a subtrair las ideas de nuestros visitantes,
los gracejos, los chistes, boutades, las frases de efecto, até miesmo las próprias mierdas estón a
usar para florescimentos de burreguitos futuros e cogumelos naturales.
Os nativos, então, bastam ter a mínima redação própria, motivo suficiente para serem
humilhados pelo fisco e terem as carteiras apanhadas no vuco-vuco mental de la calle, como
me sopra el deflorador-mor, el Visconde hodedor de Amparo, señor Marçal y Aquino.
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Nas cadeias, don Macedonio, faltam tantos que, se faltar mais um, não vai caber.
Aos “Papeles de recienvenido”, pois, que hay me presenteado hermosa chica que
acaba de volver de Buenos Aires, cidade invadida pelos brasileiros, portunholistas selvagens
inveterados e principalmente los habitantes de San Pablo, que vuelvem orgulhosos com las
camisetas de Maradona, para desguesto-mor de Edson Arantes, el Pelé, rei das artes
ludopédicas.
Las chicas mais finas, todavia, nos trazem regalitos muy nobres, pricipalmente las
chicas enamoradas de Los Tres Hombres, viejo e tradicionale conjunto roqueiro deste pueblo,
que hay lhes trazido todas las estantes contemporâneas.
Aos “Papeles de recienvenido”, don Macedonio, é com mucha honra que llamamos ao
micrófono de nuestra taberna, ao micrófono de nuestra mais prestirriada tertúlia lítero-
borrachesca, o nuestro sarau Quinta dos Infiernos, Jueves de los Infiernos, por supuesto,
donde don Macedonio recita em apurado lusitanismo sem que houvesse sequer um sopro do
seu renial traductor nestas plagas:
“Tenho um temperamento tão pedagógico que não posso deixar de lhes informar que
todos os povos existentes - ou inexistentes doentios - devem possuir uma estátua do inventor
dos lados direito e esquerdo e dos de frente e verso, distinção da qual somente os buracos se
eximem. Não me perguntem agora porque os comissários mais abusivos sempre se abstiveram
de prender quaisquer estátuas, que vivem nas praças como os vagabundos, ostentando o mau
exemplo da vadiagem. Abomino as estátuas: quase sempre são homens envergando manto
grego ou ampla sobrecasaca de mármore. Se o traje atual masculino costuma ser absurdo, esses
botões e galões de mármore, esse troço grossíssimo de mármore que simula as pontas
levemente roçadas pela brisa são intoleráveis, e tudo isso para um homem que fica ali
assegurando-nos com a mão e com a boca que vai nos dizer coisas eloqüentes, mas não dá um
pio o dia todo.”
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Não é que a biografia da moça ainda sem nome caiba na lista do arquivo musical que
embala os seus passos reboladores en la calle.
Agora ela escuta, por exemplo, um batuque de candomblé, deuses que dançam, por
supuesto, e aquela bunda governa mais ainda o universo.
Tem aquele rabo que não dá tempo os homens pensarem direito, simplesmente não dá
tempo os homens refletirem sobre o perigo da hora.
Ela sabe-se dona do melhor traseiro das Américas, rainha-mor dos torcicolos deste pueblo.
“É a maior vendedora de emplastro do mundo”, diz don Fracasso Morales, “deve ter
uma comissão da indústria farmacêutica para flanar assim pelas ruas”.
Permitam-me uma breve confissão: este biógrafo devota-se à tal fêmea desde os
primeiros estudos para o seu “Caderno de Alumbramentos Diários”(11), no qual descrevia
minuciosamente as raparigas que abalavam os seus sentidos durante as andanças en San Pablo
de Piratininga.
Lá, no supracitado caderno, estavam os melhores pescoços, as melhores titelas, as
saboneteiras mais cavadas, os ilíacos, os mais incríveis perônios deste pueblo, os joelhos com
aquelas marquinhas de quedas da infância, os melhores rádios, as cicatrizes mais amadas, as
melhores covinhas de fáceis sorrisos, as coxas mais possantes, aqueles dois buraquinhos nas
costas antes de chegar nas belas bundas, os mais polidos cotovelos de infindáveis esperas, as
tatuagens mais incendiárias, as metonímias todas de uma costela, los mamilos, las mejores
colunas, las omoplatas, as pintinhas nas costas que deixam louco um exímio apanhador do
campo sem fim de sardas...
A cabeçorra de Goethe, pesando umas vinte arrobas, na mesma área del pueblo de San
Pablo em que todas as estátuas se mexeram esta noche, tentou sair bolando pela Praça Don
José Gaspar, mas já era tarde demais.
Gângsteres o levaram para derreter o mármore em alguma oficina de desmanche de
estátuas, bustos e cabeças de literatos ilustres deste sítio.
(...)
“Ah, ninguém morre de amor tão fácil assim nos tristes trópicos”, relinchou o pangaré
paraguayo ao tomar conhecimento de que se tratava da cabeça de onde saiu “O Jovem Werther”.
Um raro relincho de Chivas desprovido, gracias, do já insuportable portunhol selvagem.
Muy amable, don Chivas, muy amable.
(11) Composto e impresso na Typographia da Donzela Guerreira, Barra Funda, São Paulo, por ocasião da virada
do século XX para o XXI. Trata-se do primeiro livro de vulto de don Augusto Sombra, el biógrafo de mal-assombros de la
calle e de las tabernas.
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Supõe-se, neste pueblo, que haveria, naturalmente, outras maneiras mais divertidas de se
estragar a pele, jovem Werther.
“Com esse solzão danado sobre os olhos, qualquer suicídio de ordem amorosa é,
para dizer o mínimo, de uma deselegância imperdoável, perigas inclusive borrar feio a
maquiagem”, Phedra de Córdoba teria soprado mais um chiste no redemoinho do seu jardim
suspenso sobre o abismo do vale que nos interessa.
Phedra conta que mantém réstias de espanholito cubano na sua fala porque tal cantiga
comove los brasileños.
“Ao ouvido de um militar, durante las fuedas, és irresistible”, morre de rir a chica.
“En la transición lenta e graduallll de la dictadura para la democracia, diós, foi um sucesso!”
Phedra hay devorado muchos y muchos do gênero. Suerte deles, por supuesto.
Não se morre de amor nos trópicos, mas corre também neste pueblo a versão de que a
mala suerte e o infortúnio do cavaleiro solitário tinha como origem uma trágica e mal-contada
história de amor.
O cavaleiro, porém, em vez de precipitar-se no abismo das flores finales, atirou-se à
milagrosa lama das ruas e das tabernas.
Só a lama cura.
“Não se morre de amor nos trópicos”, uma voz parecia encorajá-lo en la noche, dessas
tantas vozes que lhe chegam cortadas como vinis sob rigoroso regime de scratchs ou como se o
vento desta Carençolândia do Oeste fosse gago.
“Só a la-la-la-ma cu-cu-ra”.
Era tudo que ele queria ouvir mesmo, uma vez perturbado pela síndrome de Korsakov
que o atacara cedo. (12)
Só a lama cura.
Este cavaleiro tem a lama como purgante e remate dos males, pero los chifres épicos,
aqueles que doem para o resto da bida, estes levam às grandes obras e às mais conhecidas
aventuras humanas.
(12) A síndrome de Korsakov (ou Korsakoff), segundo as enciclopédias em voga aqui livremente copiadas, é uma
neuropatologia associada à carência de Vitamina B1 (tiamina), traumas cranianos, encefalite herpética, intoxicação pelo
monóxido de carbono e indiretamente, mas muito comumente ao alcoolismo agudo, pois o álcool prejudica a capacidade do
organismo de absorver a Vitamina B1. Essa vitamina está associada à transformação do ácido pirúlico, que por sua vez
realiza transformações bioquímicas de proteínas, gorduras e especialmente hidratos de carbono, sendo que em sua ausência
as células nervosas são as mais afetadas. Os sintomas da Síndrome de Korsakov são a amnésia anterógrada, amnésia
retrógrada e muito comumente a confabulação e uma desorientação temporoespacial. Acompanham esses sintomas uma
severa apatia e desinteresse por parte do doente, que muitas vezes não é capaz de ter consciência de sua condição. A amnésia
anterógrada está relacionada com o comprometimento da memória de curto prazo, ou seja, o doente se torna incapaz de
formar novas memórias, a partir do momento em que desenvolve a doença, e a amnésia retrógrada está relacionada à
memória de longo prazo, assim o doente perde grande parte da memória que havia se formado antes da doença. É baseado
nessa severa condição que o neurologista Oliver Sacks (em "O homem que confundiu sua mulher com um chapéu", relaciona
a síndrome de Korsakov à perda da identidade, pois vítima de uma amnésia retro-anterógrada o doente perde por inteiro
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sua linha biográfica, sua história, e permanece incapaz de construir outra, sendo obrigado a viver como uma pessoa sem
história de vida. Essa linha seria fundamental para a formação do senso de identidade na consciência. Como conseqüência
desse severo quadro é que ocorre a confabulação, que seria uma tentativa do doente de preencher suas lacunas mnemônicas
com imaginações e ficções aparentemente verossímeis, nas quais ele próprio poderia acreditar. Outra conseqüência seria a
desorientação temporoespacial, claramente causada pela incapacidade da pessoa de marcar sua existência no tempo.
Nesta hora é falha a aspirina, mesmo cabralina, e talvez incertos todos os sóis de bolso,
como don Paulo Henriques Britto, nestes mesmos tristes trópicos, denominou as pílulas
antidepressivas.
Muito menos com divãs virá a cura, muito menos zen-budismos, pseudo-orientalismos
ou carmas-colas possíveis, por que os chifres crescem e avançam mais do que a gaia ciência e a
crendice que fura nuvens, os chifrados ruminam o milagroso capim pantagruélico com o qual a
respeitável senhora Bicaberta hay alimentado seu mitológico filho milagrosamente gerado em
seu ventre gigante, amém, e que venha o próximo chifre a enfeitar-nos a fronte longeva e triste.
Gracias que os chifres épicos não têm nem nunca tiveram cura. Levamos os tais ao fim
da existência, ao túmulo, aos vermes vorazes que sentem o gosto dos chifres como gongonzola
infiltrado nos miolos da memória e do juízo.
Como um touro que governa, entre a vida e a morte, a sorte de um toureiro, os chifres
são indispensáveis, porque um hombre sem chifre é um animal desprotegido.
Os mongóis, comandados por Gengis Khan, dominaram quase toda a Ásia graças aos
poderosos arcos de chifres, embora histórias do gênero se tornem inteiramente dispensáveis a
essa altura da desgraça humana.
Se não fossem os chifres épicos, por erremplo, não teria habido la braba revuelta de
Canudos, onde reinou o sebastianismo de Antônio Conselheiro (1828-1897), porque los
hombres, mesmo os mais vocacionados para o heroísmo, carecem de uns cornos para
enfrentarem o mundo.
Pai de dois lindos hijos, Conselheiro, como era conhecido Antônio Vicente Mendes
Maciel, rábula dos pobres e dos lascados como maxixe em cruz, caixeiro viarrante, Antônio é
traído, supostamente traído, como diriam nos dias que correm los periodistas inseguros, por um
furriel, patente antiga e intermediária entre cabo e sargento.
Natural de Quixeramobim, desierto de Siryará, encontrava-se, na ocasião, em Ipu, nos
arredores, quando o destino, qual uma daquelas mãozinhas de madeira japonesa para solitários
coçarem as costas, quis ungir-lhe justamente na fronte luminosa.
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Desiludido, Conselheiro corre para o então sítio Tamboril, também nas proximidades,
onde dedica-se a alfabetizar aquela gente. Sua missão ajudava-lhe a esquecer dos
acontecimentos, donde se sabe que muitos cornudos, para voltarmos ao mundo de hoje, correm
a fundarem ONGs, organizações não-governamentais, para salvar o universo da fogueira
gigante que se aproxima, donde também tem que ser dito que nem todo ongueiro és um
chifrudo, por supuesto, que a sentença valha apenas para quem a essa altura já enfiou a
carapuça sobre os incatáveis piolhos da desconfiança.
No caso do bravíssimo Conselheiro, por supuesto, havia mesmo por trás uma mulher
daquelas capazes de arruinar uma vida, desgraçar com nuestra existência, hoder com tudo,
daquelas que nos deixam a nadar no seco, pensando em solamente duas coisas: dar um tiro no
toitiço ou salvar o mundo na mais ingrata das luchas perdidas como são todas as lutas épicas.
Esta mulher se chamava...
Nunca houve um batismo mais hermoso!, preparem-se.
Esta mulher, senhoras e senhores...
Donde esta mulher se chamava Joana Imaginária.
Si, reparem o que vem a ser o destino, uma fêmea cuja pia batismal da paróquia de
Santa Quitéria havia banhado, naqueles idos dos mil e oitocentos y macaúbas, com o santo
nome de... Joana Imaginária.
Com Joana Imaginária, além dos dois meninos antes relatados, tivera mais um
comedorzinho-de-favas sob fartos-sóis semi-áridos, pelo que supõe o inquérito biográfico deste
que vos bafeja o cangote. Sim, Joana fertilizara outra criatura no seu ventre-massapê
cacimboso, molhadinho meu deus, fogosa, barro liguento, favas debulhadas na pouca chuva
de março, por amor, fêmea de responsa, era a própria chuva no lugar que nem o divino, como
seria dos seus afazeres, molhava o roçado de nuncas.
No baú de couro de onça curtida pelos sóis dos poucos sorrisos do avô deste
biógrafo de sertanejas miragens, encontra-se até os dias que correm um folheto de feira
que diz, entre outras sextilhas:
Do barro que sobrou de Eva
Deus reproduziu uma binária,
Moldou, esculpiu, ave, benzeu...
Aquela costela das arábias...
E daquela fôrma nunca mais saiu
Uma fêmea como Joana Imaginária!
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De Cervantes contam lo miesmo, pero tambíen não importa aqui nesta narración
vertiginosa rumo ao nada.
O que são os moinhos se não chifres em cabeças de pangarés nervosos que incorporam
las dores de sus distintos caballeros?
Los chifres son ficciones laboriosas.
Para muitos, os chifres representam a desgraça; no que tange ao rebanho dos iluminados
em chamas, os chifres representam a glória, a glória que desce um certo dia na tempestade e
gruda aos cornos como relâmpagos encomendados por infalíveis pára-raios. Que assim seja,
amém, para siempre.
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Quanto ao biógrafo oficial dos mal-assombros deste pueblo, vos digo, confesso, os
chifres são tantos que o sr. Knut, que chegou aos trópicos por causa de seguidos chapéus de
deuses vikings, faz questão de consolar-me com lendas e contos populares nórdicos cheios
destes semelhantes chifrudos.
Não passa nada.
“Non passaran”, grasna o corvo urubuzento do sr. Knut, que fica o tempo todo bicando
as cobras das garrafas das melhores aguardientes da taberna.
“Non passarán los chifres en la puerta”, explica o famigerado.
Mal sabe este miserável que, por exemplo, no Nordeste brasileño, essa história de corno
é mais paródia e dionisíaca do que qualquer onda que se tire nesse mundo sobre quaisquer uma
destas sagradas personagens, que Deus os tenha, por supuesto.
Em algumas ocasiões pode dar em morte, óbvio, a faca alumiada em noite obscura a
puxar as tripas do adúltero mais destemido. Costuma-se beber o sangue do desalmado nestes
episódios, pelo menos um daqueles copos engana-bêbados pelas bordas. Poesia pura, crimes de
honra; os gracejos, porém, reza a ciência, costumam encobrir com uma demão de sátira as
tintas mais berrantes da tragédia.
Como diz a filosofia de pára-choque de caminhão das carreteras daquele mundo semi-
árido que engana a vista como no deserto das miragens infinitas: chifre é para homem, o touro
usa de enxerido.
Mesmo o touro de épicas touradas, viejo Manolo madrileno de imbatíveis pelejas.
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O agora fabuloso cavaleiro Fodasno desconfia que a sua viagem não se trata de uma
viagem qualquer ao fim da noite, como as outras tantas, embora el caballero houvesse
percorrido, em contornos semelhantes, as mesmas vielas do estrago e da sorte vezes infinitas.
Se havia uma busca, era uma busca comum a todos os poetas, assassinos, ladrões e
sangue-ruins da cidade nesta mesma hora.
Os malassombros, cujas molas dos colchões de hotéis baratos estão sempre a ejetá-
los para as tabernas mais imundas onde possa acontecer ao menos uma boa encrenca para
recarregar o ódio e pôr em dia as munhecas.
Os colchões são buenos para los amantes ou para los enfermos, non para los heróis
e destemidos.
A la noche, comancheros!
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A busca seria mais ou menos comum: preencher o buraco vazio instalado na parte
posterior do cérebro.
Uns com álcool, outros com mulheres, alguns com a caspa do capeta(13) na Estrada das
Lágrimas e outros simplesmente estourando os miolos dos suspeitos de sempre.
Os faroestes particulares variam conforme a extensão de deserto que cada um carrega
no velho oeste da caixa torácica, amigos.
Neste faroeste há poeira nos sonhos, neste faroeste supostamente freudiano nem mesmo
nuestras madres escapam dos nuestros próprios canos fumegantes.
(13) Como don Fracasso Morales, que se dizia amigo do cavaleiro solitário, batizou a cocaína em uma taberna
da Estrada das Lágrimas, zona sul deste pueblo, segundo relato de don Claudio Rúlio, reportero desta mesma freguesia.
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Naquela noite única, noite do Dia das Mães, maio do ano da graça de 2006, a mais
perigosa falange do crime havia feito o primeiro ataque em massa a San Pablo de Piratininga.
A cidade-refém do que se contava, não obrigatoriamente do que se vivia.
Donde...
Cada um contava um rio a dar numa Guarapiranga de histórias, a enchente suprema
com os sofás da acomodación e da desgraceira boiando sobre as águas dos tietês,
tamanduateís e pirajuçaras.
Quem pára no meio, quem não conta, se afoga, caso deste biógrafo, sempre a melhorar
os objetos de estudo com a demão do malditismo romântico e primário.
“É uma doença”, persegue don Fracasso Morales, esse traste que cavalga não ao meu
lado, mas sempre por perto. Numa distância que seja possível fiscalizar vacilos, quedas,
lapsos, citações e samples, don Fracasso Morales não perdoa o free-style, o repente, o jazz
reinventado, don Fracasso Morales persegue a matriz única, como se isso ainda fosse possible
hoy, simbora don Fracasso, já já te pego na curva com meu pangaré nervoso.
Os Gângsteres do Sol Quadrado tocavam o terror telepático dos subsolos das sibérias
caipiras de erres arrastados como o matraquear de metralhadoras, as penitenciárias do interior
hablavam metralhandês àquele instante e a velha da foice se multiplicava como se reproduzida
num poderoso gravador de CDs piratas de um caubói high-tech coreano recém-chegado a estas
plagas babilônicas.
“Esse aí queria achar o amor no baile, uma bala perdida encontrou ele antes”, aponta
don Fracasso Morales para mais um defunto na vala-comum deste desierto. “O amor é uma
bala perdida, rapay, ponto, deixa desse teu romantismo de mierda”.
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“Tudo isso aconteceu, mais ou menos. As partes da guerra, pelo menos, são bem
verdadeiras”, sopra o ladrão Dimas, ali na cruz, ao lado do cabeludo, na beira dos chiqueiros
de porcos do Jardim Damasceno, na zona norte deste pueblo.
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Dois nomes balançavam na rede ciganosa do alpendre do cocuruto do teu pai naquele
momento, hija:
Soledad ou Esperanza.
Corria por fora Tristessa, que yo achava a cara de tu melancólica madre muito antes de
saber que o tio Jack tinha uma aventura mexicana homônima.
E não me perguntes porque diabos chama-se Viridiana, filha.
Acordara certa manhã tu padre de uma monstruosa ressaca(14) e já ouvia vozes no
sótão e por toda a casa a lhe chamar Viridiana, o cachorro a latir Veridiana, com E, vê
que tonto, e enroscar nas suas pernas, o gato, sempre mais sábio que o cachorro, com
feições de quem sabia que já se chamava Viridiana havia séculos, com todos os pingos
nos IS, por supuesto.
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Queria que visse as fotos de tu madre nas noites em que vagamos pela Espanha, hija.
Olhos iluminados além do rrrrumm, rrrrom, e do biño que corria em nossas goelas
como riachos de beiras férteis, distantes e generosas.
Avistas o ribeirinho de Rioja? Mira, mira, logo ali depois das janelas d´alma dos ojos
melancólicos de tu madre, si, aquela aguazita vermelha a cair sobre los piés de las árbores, los
arbustos, las marejadas perdizes de la erristência mula-manca.
(14) Donde tanto o cavaleiro quanto o biógrafo concluem que a ressaca depois dos quarent´anos não é apenas uma
ressaca. Trata-se de, no mínimo, uma dengue existencialista, donde a epidemia tropical que amolece os ossos, como se um
trator tivesse passado por cima, encontra a náusea sartreana numa harmonia inexplicável.
Sinos a tocar flamenco para os viúvos, para os ateus e, quizas, quizas, quizas, para os
tementes de Alá, quen tiene cullo tiene medo, hija querida.
Paco de Lucia cumprimenta Camarón de la Isla em uma encruzilhada niegra...
Mais um jerez, compay, bulerias.
(...)
Tu madre, jambo-girl dos tristes trópicos, a blasfemar contra o destino, como uma
Carmen a roer os caroços imaginários das pitombas ancestrais, em vez de apanhar facilmente
as amargas naranjas sevilhanas.
Nas margens do Guadalquivir los ojos de tu madre derramavam lágrimas de
Capibaribes, Beberibes, Paraybas, Jaguaribes, Tietês, Tamanduateís...
De tão cética, tu madre não acreditava que houvesse, en la bida, seja em que sítio
estivesse, pelo menos una naranja de graça.
“Ou está birrada, Rosé, ou tiene marimbuendo nel pié”, como no samba da nuestra rente
inzoneira, aqui na versão que ela entoou em plena Espanha, tirando la buena onda, kabrones.
Tu madre sequer pensava na possibilidad real de uma bomba terrorista no trem, como se
temia naquele momento.
A crença no noticiário e nos seus infortúnios nunca fizeram parte dos seus olhares
longínquos.
Se dependesse de tu madre, los abutres e los periodistas morreriam de hambre com
suas manchetes garrafales.
La realidade non passa de una opinón, non?, como dizia o titio-abuelito Timothy
Leary, mi hija.
O máximo que dizia tu madre, quando mostrava-lhe o El País nas bancas, era algo
como, perdoname em caso de infidelidad na reprodución de las palabras maternas:
“Pior é nos trópicos, adonde a febre da selva mata o que sobrou das chacinas...”
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Quando eu tentava acertar o passo trôpego a usar meus primeiros óculos multifocales,
teu padre já viejo, ela, de nuevo:
“Pior é nos trópicos...”
E completava sempre como alguma comparación selvagem maluca.
Meu anjo, não havia dialógo possível com tu madre quando o assunto era o amor ou o perigo.
“Terrorismo é o luxo da história”, blasfemava tu madre, com a sua pele índia a
enfeitiçar os branquelos que transitavam borrachos na Calle de la Cruz.
Ela tinha simplesmente la noción exacta de que o terrorismo já fazia parte da sua
origem há séculos seculorum, desde a matança dos Tabajaras e dos Kariris, além, muito além
de todas las chacinas de las missiones redundantemente assassinas & jesuíticas sobre los tupys
y guaranys.
Difícil era na hora em que ela, já passionária ao extremo, clamava por uma certa
matemática, nunca o fuerte de tu padre:
“Quantos índios foram mortos pelos europeus, aí incluindo espanhóis e portugueses, na
América Latina?”.
Décimo rrrummmmmm, por favor.
Devia até saber uma certa conta exagerada feita pelos cuervos marxistas, evidentemente,
mas, ao décimo primeiro rrrrommm, hija, só mirei tu madre, mirei com cara de um hombre
que amava de verdad. Lá estão os zolhões vermelhos estourados na foto que não me deixam
ser inverossímil a esta hora de la noche. Filha, amo fotos com los ojos vermelhos, me gusta
também la falta de fueco para la erristência, entendes? Ojos de um amor entorpecido, porque
o amor é sempre borrado de riscos incompreensíveis.
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Cap. III - De como la hija foi gerada numa banheira de um hotel da Gran Via
(15) “Aprendi a nadar no seco. Acaba sendo mais vantajoso do que fazê-lo na água. Não há o temor de afundar, pois
você já está no fundo e, pela mesma razão, está afogado de antemão. Também se evita que tenham que nos pescar sob a luz
de um farol ou da deslumbrante claridade de um lindo dia. Por último, a ausência de água evitará que fiquemos inchados.”
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A poesia é como andar de bicicleta pela primeira vez, mi hija, escoriações nos joelhos
para siempre.
No que Viridiana faz dos aros dos óculos gigantes do seu pai as rodas de uma bicicleta e
pedala ao infinito.
Montada na sua bicicleta, transpassa as telhas e goteiras por onde pinga a vida e alcança
os céus como a bicicleta do filme E.T., é isso que ela lembra de imediato, ainda a subir ao cielo.
Viridiana percorre as galáxias em um segundo.
Viaja, viaja... e volta cheia de histórias e confabulações.
Ficou impressionada com a hora do rush dos discos voadores.
Viridiana só conseguiu voltar para casa gracias a uma busca no Google Earth!
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Eis a sua piadinha recorrente e sem graça quando narra a sua viagem verdadeira.
Mi hija, por favor, mas amor e devoção aos verdadeiros sueños.
Somente sete luas depois tentei te responder a contento, Viridiana, puxando na memória
quando eu tinha ouvido pela primeira vez na vida a palavra poeta.
Não, filha, andar de bicicleta pela primeira vez é comovente, um acontecimento do
outro mundo, mas ainda não é poesia.
Poesia é apenas um descuido, mi hija, está mais para a queda mesmo, por supuesto.
Quando um prato de feijão e sonho, quente, caía descuidadamente da mão de alguém,
plaft no cimento vermelho do chão da nossa casa, tua abuellita gritava:
“Ah, o poeta, o poeta outra vez a me dar prejuizo!”
Portanto, o poeta é alguém com a cabeça nas nuvens, lesadito, distante e que quebra
pratos como um grego involuntário, entiendes?
Quando tu abuella chamou teu pai de poeta pela primeira vez, já sabia que estava
perdendo o seu pintassilgo para el corazon das chicas, perdendo para las rodoviárias, os tantos
pneus dos caminhões e ônibus, la calle, los desiertos, las carreteras, as partidas que furtam os
pobres hijos de las madres e os põem no acostamento de la erristença, las margens de la bida.
Filha, hay una maldición, assombración, na palabra poeta!
Mal saía dos cueros, tu padre já provava que era um andarilho.
O primeiro medo de mi madre foi com os ciganos, cujos bandos eram muito comuns
nos anos 1970 nos sertões brasileños.
Quando ela dava fé, teu futuro padre ao longe, lombo de jegue, ou pangaré tocado
pelos ciganitos.
Mas como tu abuello, sempre estava, por mero acaso, no ponto futuro do caballero
delirante...
Teu padre era resgatado.
Todas as vezes em que teu padre ia fugindo, morto de feliz, deu-se dos ciganos pararem
justo no povoado onde teu abuello estava bebendo.
Mas se meu pai emborrachou-se em todos os cantos dos sertões ao mesmo tempo,
pensava quando mi madre fazia escândalos, claro que tu padre sempre estaria, infelizmente,
salvo dos amables e manhosos ciganos.
Talvez teu padre confiasse nisso naquelas fugas primárias.
Meu pai borracho morria de rir quando me via nos lombos dos pangarés dos gipsys-punks.
Um poeta que não derruba pratos no chão e que nunca está nas nuvens, hija, chama-se
gângster, de tão preciso e necessário nos seus versos fumegantes.
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(16) La grand lengua da tríplice fronteira, Brasil, Paraguay y Argentina, cuja reinvenção em escrita fina o cavaleiro
e o seu pangaré nervoso devem a un astronauta del chaco, poeta de la tríplice fronteira, conhecido como don Diegues De la
Verga ou simplesmente don Douglas Diegues. Além do português chulo de las tabernas e do castelhano de la calle, el
portunhol selbage diegueano é pontuado com um hermosito guarany daquelas aldeias perdidas en comezo del mundo. Em su
libro “Uma flor na solapa da miséria”(Buenos Ayres, 2005, Eloísa Cartonera), em virtuosíssimo portuñol salvaje, o majestoso
escriba define o portunhol salbaje como la língua falada por la gente simples que increiblemente sobrevive de teimosia, brisa,
amor al imposible, mandioca, vento y carne de vaca: “Es la lengua de las putas que de noite vendem seus sexos en la linha de
la fronteira. Brota como flor de la bosta de las vakas. Es una lengua bizarra, transfronteiriza, rupestre, feia, bella, diferente.
Pero tiene uma graça salvaje que impacta. Es la lengua de mi mãe y de la mãe de mis amigos de infância. Es la lengua de mis
abuelos. Porque ellos sempre falaram em portunhol salbaje comigo. Us poetas de vaguarda primitibos, ancestrales de los
poetas contemporâneos de vanguarda primitiba, non conociam u lenguague poético, justamente porque llos solo conocian un
lenguaje, ele lenguaje poético. Con los habitantes de las fronteras du Brasil com u Paraguay acontece mais ou menos la
misma coisa. Ellos solo conocen u lenguaje poético, porque ellos no conocen, non conhecem, outro lenguaje. El portunhol
salbaje es una música diferente, feita de ruídos, rimas nunca bistas, amor, água, sangre, árboles, piedras, sol, ventos,
fuego, esperma.”
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Donde Carlos Cesar Araña Castañeda encontra numa tarde de relâmpagos - era preciso
chover um pouco em nuestra história tão árida e sem umidade alguma - Don Juan Matus, el
viejo índio yaqui, que também não faz idéia onde nasceu, nuvens baixas.
Usted hablou Datura inoxia?
Usted hablou Ayahuasca?
O encontro chamou a atenção dos conquistadores espanhóis. O sangue de Cristo, mais
uma vez, contra os feiticeiros.
Eles não sabem ainda que o mundo é como uma cebola, mestre Juan, em camadas.
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“Vê esse quibe, Sr. Knut, e um conhaque”, o cavaleiro Fodasno aponta na pequena
vitrine do balcão de fórmica, batendo fortemente no vidro escurecido.
O sr. Knut pega primeiro a bebida, na mesma prateleira daquela garrafa de aguardente
com raízes e uma pequena cobra mística da Amazônia peruana, sobre a qual falava lendas e
atribuía o poder fabulador dos beberrões da sua maloca.
O taberneiro das sobras gerais do Largo do Glicério, no epicentro miserável da
cidade de San Pablo, vai com a sua mão branca de veias azuladas em direção ao salgado...
Os vagabundos contam suas histórias esburacadas.
(...)
O caballero dá um gole no conhaque e lembra daquela máxima, irlandesa, crê, de algum
santo: vinho para as mulheres, uísque para os homens, conhaque para os heróis.
Quando a mão branca de veias azuladas e norueguesas do sr. Knut toca a iguaria, uma
mal-assombrada nuvem de moscas voa de cima daquele ser disforme, que os presentes
imaginavam ser um maltratado quibe, e a assombrada nuvem se debate contra o vidro.
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“Só se ama uma vez na vida?”, don Isaías questionava, sério, todos os cavaleiros da taberna.
“Que idéia fazem do suicídio?”, don Isaías de novo, antes de qualquer resposta dos
bebuns eutanásicos.
O sr. Knut cortou a prosa bem antes que o primeiro desalmado da távola respondesse.
“Quantas vezes preciso dizer que tais assuntos aqui são terminantemente proibidos?!”
Sempre que o taberneiro se dirigia de forma ríspida aos mal-assombros, o gato
branco roçava a sua perna esquerda, como se tentasse amaciar as possíveis tragédias que ali
fizeram seu ninho permanente.
“Sossega, mi señor, desse faroeste ninguém sai vivo”, ronronava el gatito, “nem miesmo
nuestras santas madrezitas de Guadalupe e outras madres santas de altares alhures”.
Aconteciam pelejas horríveis entre o sr. Knut e os deserdados que bebiam na sua
taberna a bagaceira envelhecida nos barris dos desistentes.
Bastava uma das duas partes puxar pela memória alheia.
De um lado e outro do balcão, ninguém ali queria saber do passado imperfeito.
O sr. Knut, questão de origem, mantinha a luta inglória, em um didatismo medonho,
entre civilização & barbárie.
Sempre a fraudar o par ou ímpar com o destino, o cavaleiro solitário seguia com o seu
cavalo que lembrava, inicialmente, as feições de Tony, o quadrúpede que justificaria a
existência de Tom Mix, e também do cavalo de Roy Rogers, Trigger. Lembrava também, de
alguma forma, Silver, porque todo cavalo de mocinho tem nome e todo cavalo de bandido não
passa de um animal anônimo. Não foi à toa que o cavaleiro cuidou logo de batizar de Chivas o
seu garboso mamífero que ainda se encontra desaparecido, menos nos seus sonhos e delírios
em San Pablo de Piratininga.
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A imagem mais triste de qualquer faroeste é a do cavalo que parte sozinho depois da
morte do seu dono.
Ali o solípede, mesmo pertecente a um mocinho, perde o seu nombre, ali morre a memória.
O cavalo, nada metafísico, nada sabedor da possibilidade da morte, fica condenado a
vagar e obter um novo nome de um novo dono.
Esse rebatismo, porém, é a sua única idéia de morte e desmemória.
Nunca vi maior desamparo do que o do cavalo que parte solitário e sem nome.
Muito maior do que a nossa dor de amor mal-resolvido, aquele pé-na-bunda numa noite
de inverno, com todas as tabernas de portas cerradas ao mesmo tempo, quando só nos resta os
passos trôpegos e cambaleantes, além de mal-ajambrados decassílabos camonianos que nos
chegam inexplicavelmente bêbados ao juízo em poeirento redemoinho que tange uma cambada
de paródias chinfrins, como esta que ocorreu ao cavaleiro nesta mesma noite, quando tentava,
inultimente, resistir à melancolia do seu português definitivamente tomado pelo portunhol
selvagem, que lhe deixou de herança o foragido pangaré rocambalesco y recitoso:
(17) Ao delirar com a péssima paródia ao nobre Soneto 11 de Luis de Camões, de maneira nada solene, o cavaleiro
parece acreditar na cura da sua obsessão por oxímoros e pelo portunhol mais tosco.
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Na noite em que Chivas se jogou na vida, te juega, comemorava-se lá dentro do seu ventre
alguma efeméride da memória do Conde D´Eu, o sanguinário comandante da Grande Guerra do
Paraguay.
Quando o caballo saltou, sangre do demo, de lá se jogaram não se sabe quantos velhos
ditadores enferrujados da América, como se no ventre del pangaré selvagem bolassem nuevos
planos e reiventassem o realismo fantástico ao qual foram condenados no fogo dos infernos.
De lá voaram pelos ares deste pueblo, por exemplo, o mexicano Antonio López de Santa Anna,
o gallero, velho amante de rinhas de galo; Juan Vicente Gómez, presidente de la Venezuela
durante trinta anos; Maximiliano Hernandez Martinez, de El Salvador; o boliviano Enrique
Peñaranda... além dos anfitriones brasileños, a começar por Castello Branco e a terminar por
João Baptista de Oliveira Figueiredo, famoso por dizer que preferia o cheiro de cavalo ao
cheiro do povo.
Havia séculos que este bravo pangaré suava de vergonha daquele suposto herói brasileño
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Nem mesmo a dor amorosa tem a nobreza de montar esse cavalo que parte sem destino
e sem dono como os cavalos perdidos e sem nome na poeira dos faroestes, sempre tangidos
pela melodia Cry Cry Cry, de Johnny Cash, porque todos os cavalos e todos os homens em
desespero correm sob regime de tal trilha sonora; mesmo aqueles que nunca ouviram Johnny
Cash, desandam a trotar Cry Cry Cry pelas pradarias possíveis, meus bares, meus mares, meus
cavalos marinhos, nuestros faroestes de poeiras imaginárias, mesmo debaixo d´água ou sob os
choques elétricos dos manicômios.
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Nem o skate que se dilacera solitário contra a parede, quando o respeitável skatista
quebra os ossos da cara como um boxeur peso-pesado decadente, consegue ser mais dramático
que o cavalo que parte triste, solitário e final, sina, acaso e sorte, contra os ventos
supostamente leves do oeste. O cavalo é aquela imagem que os pintores de la calle
emprestaram como símbolo de popularesca liberdade, anda-lhe anda-lhe anda-lhe, anda, peste.
Não há um desfile mais triste do que o cavalo que vaga sem o peso do cavaleiro de
costume, como quem se adaptou, mesmo no calor dos trópicos, a dormir como quem dorme
com o peso e a leveza de outrem sobre as costelas mais bíblicas.
O que não hei de te mostrar, hija, é O Grande Golpe, do viejo Kubrick, el cineasta. Ali o
cavalo é que se sai de vítima e tomba no sétimo páreo milionário, tiro certeiro de um bandido
contratado para tal épico na curva do Jocquey.
Pensando bem, hija, ali está o sentido da vida, do truque, de la picaretagem, te exibirei
si, desde que oportuno, que clássico, tu padre ficou passado, non passa nada, non passarán,
quando viu pela primeira vista.
Hija, sabe o que aprendi com este filme?
Nada.
Tudo que se aprende na vida.
De que não adianta bolar planos bolaños.
De que na vida temos que ser invisíveis e leves como el viejo Yañez, el lucho loco,
grand jockey chileno que fez história neste pueblo.
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Quase isso, hija, basta un perro, de uma velhota que habla com perros como se perro
gente fosse, para que la fortuna, mesmo a fortuna crítica, vá para o espaço [vide la película
supracitada].
Cap. XII - De um pintor chamado Tom Castro e ainda sobre cavalos em fuga
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Chivas ainda não sabe que podemos acreditar no sorriso de um cavalo como apostamos
na metafísica de um gato vira-lata que ronrona parábolas, na ligeireza de um rato perseguido
por um homem a imitá-lo, como o don Fracasso Morales, que imitava um rato como um
homem de verdade deve imitar um rato, naquele armazém de milho no meio do vale quase
deserto, e o rato caía no jogo como um patinho cujo lago evapora de uma hora para outra em
paisagem semi-árida.
O caso de Chivas não era único, naquele pueblo, de um cavalo que pula da sua estátua
ou paisagem e ampara um cavaleiro do mundo delirante.
Um amigo pintor chamado Tom Castro contara outro episódio do gênero.
Quando ouvi, apenas tirei onda e guardei no embornal de caçador e biógrafo para não
humilhar o cavaleiro Fodasno. Guardei junto com as perdizes que bicam gramíneas nas veredas
dos motoboys, no fundo do embornal das lendas urbanas dos vagabundos desta praça.
Era a história de um desalmado cuja vida foi salva por um cavalo azul de um quadro
popular da Praça da República.
O vagabundo estava a lamber a lua minguante na sarjeta, quando o cavalo saltou, ainda
na montagem da feira republicana, e lhe deu amparo ímpar.
Tom Castro, quando bebe muito, tem sempre uma tese sobre tal ocorrência, não
carecem ouvi-lo ainda, não derretam as ceras dos juízos:
“Todas aquelas pinturas, de tão rejeitadas desde o nascimento pela Gang do Bom-
Gostismo, uma das tantas que serão exterminadas mais adiante, não percam, costumam
ganhar vida de verdade en la calle”.
Cap. XIII - Das gazelas bulímicas e anoréxicas que saltam como boterinhas
espevitadas
Outro amigo, um místico pintor colombiano, dizia viver um pesadelo diário naqueles
mesmos derredores: pintava mulheres supermagras, anoréxicas até, bulímicas, gazelas,
giseles, giselíssimas, e elas ganhavam as ruas com mais de 200 quilos cada uma, boterinhas
faceiras, fogosas, satisfeitíssimas que em nada contribuem, há uma certa isonomia nas
ventosidades de magros e gordos, para o aquecimento do planeta.
“As criaturas dos pincéis ditos populares se vingam, à vera, com sangue, sem
populismos”, insiste Tom Castro.
Outro pintor, cujo nombre és recomendable não mencioná-lo, tinha como tema a
guerra urbana, la biolência, como nas mais elementares películas brasileñas, e viu sair
dos seus quadros o horror das terríveis falanges.
“Dá azar mexer com a realidade”, dizia ele, “é pior que emparedar sete gatos
niegros sete seguidas vezes”.
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Aquele rabo que se mexe por toda a cidade, mais tarde no Love Story, boate-mor de San
Pablo, a casa de todas as casas, como hay bisto outra madruga, diós de todos los meus
infiernos-alabamas...
Sem Chivas, el caballero Fodasno, delirante no último, voltaria a ser apenas um antigo
pintor de rodapés, um homem pequeno que, de tão entregue à inércia e ao pântano das
monstruosas ressacas, só pintaria deitado, caído, como as arrastadas e preguiçosas barras das
paredes de todo el pueblo.
Repare, meu anjo, esse quadrúpede que foge é tudo na vida de um outrora afundado
hombre, este cavalo, o último dos cavalos que riem no planeta, ri mais do que o gato de Alice
depois do ácido supremo, este cavalo pôs de pé, devolveu a la bida, o cavaleiro que avistas
antes de dormir em sombras gigantes nos edifícios, como teu pai hay mostrado pelos buracos
dos combongós de tua pequenita erristência.
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Sem o pangaré paraguayo, o cavaleiro não passava de um bicho minúsculo, uma pulga
do próprio caballo, dessas pulgas de cadeiras dos últimos cinemas do centro das cidades
grandes, lesadas, perdidas, incapazes de atrapalhar a percepção de qualquer filme, mesmo uma
película vagaba.
Não passa de um carrapato, melhor dizendo, daqueles que atraem bem-te-vis para o
lombo de quadrúpedes que pastam na morta natureza e sobem nos ares nos seus bicos
cantantes como maçãs piratas de Cezzanes, voando nas domingueiras da Praça da República.
Não lhe gusta de la condición de bípede e o cavalo subtrai essa pobreza humana,
como dita ao gravador deste biógrafo lo próprio caballero:
“...a condição de bípede me faz lembrar das pernas tomadas pela crônica sensação de
dormência, como se todos os formigueiros do mundo habitassem os membros inferiores nas
manhãs de ressacas abomináveis. Tantos caminhos para se perderem essas formigas e fazem
das minhas veias suas melhores roças de nuncas e fábulas, como se tivessem seguido todos
os Jecas Tatus do universo, de modo que nem meu angiologista, o qual não procurei ainda
por medo de diagnóstico apocalíptico, sabe mais o que fazer com esse formigueiro que
festeja sobre meu corpo a existência do açúcar da desgraça, a diabetes do fim de feira de
um alcoólatra. Sempre sinto que uma banda do corpo está muerta. Resta-me apenas o lado
izquierdo, corazones, esse músculo cafona e sensacionalista, eternamente denunciador e
cheio das suas palpitaciones fora de lugar e hora, sempre a ler Fernando Pessoa em
qualquer gare ou despedida, corazón entreguista, por mais que eu tente manter distância
das comociones baratas.”
El corazón que nomeia, de longe, as lacunas, os buracos todos, não somente o da parte
posterior do cérebro, é o que guarda os segredos e os batismos dos seus futuros donos.
Melhor não dar ouvidos aos nomes de gente soprados por nuestros corazones.
Nuestros corazones não passam de cupidos malucos que nos flecham de dentro para
fuera, como aqueles pescadores que vêem as cidades de dentro dos seus Tietês, Tejos, Paraybas,
Paraguays, Jaguaribes, Guadalquavires, Capibaribes...
Morte a los cupidos.
Cupidos do mundo inteiro, fudei-vos uns aos outros com as suas infalíveis e priápicas
flechas que não matam uma mosca.
Não se morre de amor nos trópicos.
Como diz don Estebito, agora um caçador de formigas gigantes d´Áfricas - segundo me
contou sua própria abuellita -, “estoy amando, estoy a mando do demo!”
Cap. XVI - Donde a poesia não passa de uma maçã caramelada e derretida
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El pangaré supostamente paraguayo avança e cresce a cada dia muitos metros e fica
cabeça a cabeça com o roncinante de São Jorge, meu anjo, minha menina, chance de te levar
para conhecer a lua, la luna caliente, por supuesto, a morada dos poetas, mi hija, mi musita
precoce, já foste a la luna, hija?
Sabia, minha menina, que teu avô morreu sem acreditar que o homem foi a la luna?
Com este cavalo gigante que avisto ao longe posso te levar para conhecê-la,
independentemente de quaisquer sospechas!
Irás tocar la luna e chegar em casa com os dedinhos melados de tantos adjetivos que os
poetas lhe dedicam, adjetivos são doces como pirulitos, filha, e derretem sobre la camada externa
de la luna. La luna, hija, non passa de una maçã caramelada do parque de diversiones de los poetas
e demais enamorados, mi hija, não caia nessa, quer dizer, mi hija, faças o que quiseres, mil
desculpas, foi mal, ciúmes...
Domingo é um bom dia para irmos a la luna, quieres ou não quieres, hija amada e única?
Cap. XVII - Donde o cavaleiro cai e não cai das nuvens e muito menos
em cima do seu cavalo
Sem o cavalo, talvez o único ofício que me restaria, digamos assim, fosse mais baixo
ainda do que um pintor de rodapés... Eu não passaria de um mecânico de skates, minha
menina, entraria abaixadinho na vida qual um mecânico do gênero, azeitando o eixo do sol dos
rolamentos que tiram fogo do asfalto e dores-rolimãs dos joelhos, sabe aquele barulho
iluminado, aquele relâmpago de carne contra o cimento?
Cresce, mas somente à noite, o pangaré, qual o seu novo dono, que durante o dia é mais
réptil que a sua própria sombra, um tatu-peba perdido diante de vira-latas magros e farejadores.
Teu abuello, meu anjo, ainda hoje é um grande caçador de tatus, os tatus que rastejam sobre
mosaicos lisos e barrocos da guerra do tempo com os seus cascos-caos pré-históricos.
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A sorte do cavaleiro Fodasno é que os seus sonhos diurnos são fragmentos de rolos de
filmes inacabados de cineastas mortos.
Seus sonhos não guardam a mínima ligação com o inconsciente ou delírios do
tiozinho Jung e sua assombrada bodega de miniaturas.
Às siestas, os sonhos não pasam de uma maneira de deus ocupar os cineastas no
purgatório, fornecendo-nos alguns pesadelos exemplares que ficaram adormecidos na rede
armada no cocoruto de senhores como don Luis Buñuel - rolos e rolos não editados de
Viridiana e de Los Olvidados - e Pierre Paolo Pasolini, Uccellacci e Uccellini, Gaviões e
Passarinhos, uma fábula sobre a crise dos perdedores de sempre, segundo o próprio corvo do
filme, e assim todas as horas não editadas que formam uma nova película em sonhos e
pesadelos vespertinos, chance única de nosotros, principalmente os cegos, podermos também
cevar los cuervos e comê-los como boníssimos tira-gostos para los ojos embriagados.
Nunca confiem nos sonhos diurnos, nada é verossímil ou contável, e nada mais intenso
do que saber narrar seus sonhos como se fossem filmes incompletos, cheios de buracos e
reticências, como quem conta algo na parada de ônibus. O ônibus passa e leva o sujeito que
estava contando a história e só nos resta emendá-la com as pistas precariamente deixadas,
enquanto não vem o próximo ônibus.
Falar em don Buñuel, outro dia revi, nada como um ocioso biógrafo numa tarde-noite
de inverno, assim meio na esticada siesta, revi com una hermosa niña-costela, que também
poderia ser mi hija Viridiana...
Embora a gente tenha visto, como é próprio dos sueños das siestas, o primeiro copião
da película, concluímos: que tara a de fazer da freira la nobia!
Mas o que és mais amable mesmo em la película é aquele maluco, do banquete dos
mendigos, que perguntado sobre o que sabe fazer, diz apenas:
“Sei fazer rir, señorita!”
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“Nas rugas do palhaço involuntário, no que não carece pintar a cara, está a grande arte,
senhoras e senhores”, bolinou os lençóis azuis uma voz que veio com o vento frio, persiânico
e combogóstico, naquele acochegante quarto de ácido que nos dava abrigo.
O pesadelo é, sobretudo, quando alguém, não chamado, se mete a ser a memória das
nossas jornadas.
Nunca me contem o que se passou ontem, nem eu nem o sr. Knut e muito menos as
criaturas daquela taberna carecem dessa narrativa enevoada.
O monstro da ressaca nessa luta contra o monstro da memória... E a gosmenta ninja
cristã de cócoras num canto da sala sem cortina a esperar-nos com suas lições inoportunas.
As acontecências enevoadas são para serem revistas apenas sob as lentes grossas da
ressaca, que nos repassam as noites aos poucos, em câmera lenta, slow motion iraniano, no
máximo a sensação demorada de um punheteiro de Cabul, um guerrilheiro, o gozo na guerra,
demorado ou nem tanto, além, muito além dos vagarosos limpadores dos pára-brisas da culpa
que nos repetem, automaticamente, as certezas da guerra, para um lado e para o outro na
neblina - como uma teimosa criatura que diz não com a cabeça -, as imagens das merdas
dantes cometidas e, principalmente, nos senões esquisitos de quem não sabe assumir as coisas.
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Em sendo mulher, então, não nos conte nada nunca. Faz de conta que todas nasceram
com Alzheimer, porque a narrativa feminina dos infernos anteriores é mais cruel ainda e já nos
prescrevem os infernos futuros, o que há de lobotomizar-se no percurso entre uma dobra ou
outra de tempo, como se dobra um guardanapo para entender as distâncias dos pontos ou dar
uma exemplar aula de física nas mesas dos bares, como hay hecho el compay don Niltola en la
cumeeira madalenística deste pueblo.
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O cavalo Chivas fica mais crescido do que todos os prédios del pueblo e sua auto-
estima, mesmo ele odiando essa palavra composta e feita sob encomenda para os ricos foderem
mais ainda com los pobrezitos, alcança as galáxias mais infinitas. La luna caliente às vezes não
passa de um néon minguante, uma vírgula de luz sob o palato que ele suga como um
tamanduá-bandeira comeria pontinhos e sinais eletrônicos de uma fachada, imaginando
formigas se mexendo numa chino-luminosa roça de pernas.
O pangaré devora principalmente os relógios do alto dos edifícios, quer parar o ponteiro
deslizante do tempo para agradar seu velho dono, que tem fome de viver, ou se iludir
bravamente com esse tema, pouco importa, anda-lhe, anda-lhe, anda-lhe...
O cavaleiro Fodasno não teve escolha, tem metade da vida, a vida nocturna, como se
Deus parasse o cronômetro na parte ensolarada, e não falamos aqui da tradição romena ou
vampiresca, o cavaleiro cisma com o aparente das coisas como um judeu que responde uma
pergunta com outra.
Como como?
Por que por que?
Simplesmente era uma vez na encruzilhada, há muitos e muitos anos, num tempo em
que nem um de nós éramos nascidos, gracias, nem mesmo a árvore que daria no cabo de
vassoura, que daria nos cavalos-de-pau da infância, e o diabo perguntou, na bucha, para o
cavaleiro ibérico que tempos depois iniciaria a sucessão de gametas que daria origem à estirpe
deste cavaleiro solitário:
- Blanco ou niegro?
Metade branca ou metade preta, escolha!, um anjo e um demônio, desses que andam
juntos para confundir o universo, mostravam uma coisa assim como uma bolacha de chope,
como o SIM ou NÃO da carne, verde e vermelho, numa churrascaria estilo brasileña.
Como adorava lesar os sóis e celebrar las lunas, foi fácil o antepassado deste cavaleiro
dizer que ficaria com as viagens ao fim da noite, sem ao menos se importar que isso teria
implicações e lendas urbanas, os homens e suas inocentes escolhas primárias, para muitas e
muitas gerações futuras.
Um homem não pode amar o dia e a noite igualmente, sob pena de ser desprezado por
ambos, pensou ao decidir por um dos lados da bolacha, repetia o avô deste cavaleiro a
história do seu tataravô durante a cachaça com teju cozido à beira do fogão da avó índia,
uma sábia cabocla de Águas Belas, Pernambuco, que apenas ria das aventuras repetidas -
brigara com onças vermelhas, onças pintadas, onças comedoras dos seus bodes e filhos,
sempre estava a matar uma onça por dia nas suas simples buscas por lenha verde antes das
raras chuvas sertanejas, uma panela no fogo sempre representava mortes anteriores ou
futuras, todos os tempos eram cozidos nos mesmos vapores, morreu a tanger onças na rede
em que foi enterrada numa tarde chuvosa em que os homens embriagados e velozes a
tocaram, desabalada carreira, para o cemitério cujos defuntos eram comidos por tatus-pebas
que, por sua vez, eram caçados por nuestros perros famintos que, ao fim das refeições,
ficavam apenas com os ossos.
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O pior é que Deus descumpriu o seu trato com nuestro longínquo parente, meu
anjo, mi hija querida.
Pense na ressaca, ao saber deste acontecimento.
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O correto, pelo acordo ao fio do bigode vassoural suado e nervoso de Diós, era parar o
cronômetro, como em um jogo de basquete, todas as vezes que a noite acabasse.
Pela herança sanguínea, este cavaleiro continuaria usufruindo até hoje deste beneplácito.
Em chegando a manhã, Deus delisgaria o relógio para este cavaleiro, mas sem essa
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frescura obrigatória de ser vampiro, repito, sem caixão, sem velas, sem nada, apenas cortinas
baixas e ventilador de teto no último volume dos trópicos, os moinhos possíveis dos campos
dos sonhos.
Castigo, mas essa é uma explicação ainda muito barata, prefiro acreditar em algumas
outras lendas particulares.
Alguns dos nuestros são rotineiramente acusados de lobisomens nos confins dos
sertões, um tio acredita incorporar uma Rasga-Mortalha, aquela agourenta ave que risca
as unhas nos telhados antes da morte de um ente querido da casa, teu abuello sai a la
noche, apenas com a sua espingarda caçadora e a vira-lata com nome de peixe ou de
grandes mamíferos marítimos, todos os cães de pobres têm nomes de nadadores, minha
menina, teu abuellito sai ao encontro de botijas, que são tesouros de monedas, potes de
ouro escondidos nas veredas e encruzilhadas que são os seus mares, mas que exigem,
mesmo nas madrugas mais sossegosas, uma longa conversa com o diabo, como todos los
contratos, porque Deus só dá a inutilidade da paz e o descuido da poesia, um prato no
chão vermelho do inferno idem, plaft.
Em um desses encuentros, o demo narrou ao teu abuello Niildemar [um certo niilismo
marítimo na origem do nome segundo o latim do vigário Cristhiano, de Santana do Cariri, à
sombra da Chapada do Araripe, a terra dos maiores fósseis do mundo] o motivo pelo qual o
Divino havia quebrado o trato e por que estamos condenados a vagar pela noite, seja nos
sertões, seja na mais moderna das metrópoles babilônicas.
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Até inventei, com o meu bom cavalo Chivas, uma nova modalidade para ver se Diós,
que só compreende metáforas esportivas, entendia como recado ou indireta mensagem aqui da
sua pobre alma penada.
O Pangaball ou simplesmente pangabol, espécie de basquete jogado nos arrabaldes
del chaco deste pueblo por destemidos cavaleiros em cima dos seus belos pangarés ou de
faunos obscurantistas.
No calor dos minutos finais dos embates, o pangabol guarda uma certa semelhança com
as batalhas do Rei Arthur e a dramaturgia das Cruzadas, Lancelot, o feio, ora, assim imaginei o
jogo, porque homem que é homem roteiriza o jogo antes mesmo de fazer o filho para
brincarem juntos, mi hija, e talvez esse seja um jogo de homens fracos. Não te importes, rogue
el juego, por supuesto, neste game mora a clave dos que se saberão perdedores e nada perderão
com isso doravante. Perder de um, perder de dez, tanto faz, a vida é cada vez menos, no
calendário, na pele e nos cabelos.
E não é que Chivas, sabe Chivas?!, mi hija, foi coroado recentemente como o melhor
cavalo de Pangaball do mundo! Mas, sou sincero, não é nos esportes que ele me orgulha,
embora já se enquadre no que batizamos vulgarmente como heróico, o gênero, embora por
outras causas marginales.
Até agora Diós não entendeu nada, não sabe que o pangabol se trata de uma forma de
avisar-lhe que o cronômetro, assim como num jogo de basquete, deve ser paralisado durante o
dia, como rezava o seu trato com os meus antepassados ibéricos.
Deve ser paralisado quando a vida não vale a pena, quando se torna melodramática
ou sóbria.
A moral do pangabol é esta, hija.
Mas é difícil mesmo fazer Deus entender minimamente os que começam perdendo de
muito. Deus não acredita na lucha de classes, minha pequeña.
(...)
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Pra finalizar a viagem, una frase de Rocio que causa ondas jigantescas na baia de
Asunción: “Me gusta que me deixem halagada!”
Risos na Delega.
-Peraí, também não esculhamba - adverte o delega -, mas precisava emparedá-la, porra?
-Dotô, se não cimentasse, ela saía de qualquer canto e não me deixava em paz.
-Como você teve essa idéia, caralho?
-Dotô, as idéias vêm de um canto esquisito, um buraco aqui atrás da cabeça que não
tem e nunca terá reboco...
-Fala, porra!!!
(...)
-Mas era tua mulher, idiota!
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Cap. XXVII - Donde os mortos vagam em busca dos seus espíritos dubladores
Ela diz algo no ouvido esquerdo do cavaleiro solitário e segue antes mesmo que a
última sílaba quente derreta a cera dos adiamentos amorosos, talvez seja ela, a moça sem nome
da cumeeira, com muitas goteiras, dessa história toda.
O desejo do cavaleiro, preso e envelhecido, acaba de ser destilado nos alambiques
particulares das idéias inatas. Lá onde se escondem da luz os morcegos, de ponta-cabeça nas
ripas e caibros do sótão, criaturas que geram ratos e recalques que fazem cair nossos cabelos e
fichas do insconsciente como “D´ont be cruel”, música do Elvis, cai desavisada de tudo numa
juke box, plaft, da Rua Augusta, cabarezito del Rapariguero Preguiçoso, también conhecido
como La Galeguita das Flores Fatales, neste exato momento.
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Como uma agulha suja cai lentamente sobre um vinil de Billie Holliday ou sobre o
pássaro preto de Nina Simone.
Suefre, desalmado, quem mandou ser gente! Se foste ator estaria a salvo.
Porque sempre é melhor ser ator do que ser gente, negociações de possíveis falsidades.
Deixem las ilusiones na chapelaria, senhoras e senhores, kabrones, pelo menos esta
noite: não se trata da pobre superstição do amor à primeira vista.
Se fosse assim, seria fácil, facílimo, mas fácil que empurrar bêbado em ladeira.
Não era apenas um desejo, suponho, tratava-se de uma resina lenta que ia
derretendo como o choro do tronco de uma árvore que teima, depois de morta, em
assombrar a floresta escura.
Esperanza disse um verso, tinha um ritmo, e sumiu como um lento e compassado
inferno sobre botas.
“Hell on hells”, me sugere aqui o gringo viejo da área que nos deixa tonto de
trocadilhos babélicos por minuto. La globalización”, repete o puto, “la globalización...”
“La globalizacíon de cu és ruela”, relincha ao longe o velho Chivas.
Conheceria esse verso, o que Esperanza acaba de soprar nos ouvidos dos homens da
noite, de algum tardio flash back, aquele ácido com o sorriso de Mao Tsé-Tung que
imperava na cidade São Paulo dos anos 1990.
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Não, creio que seja apenas um dos meus tantos zumbidos, os mesmos que perseguem
o cavaleiro na noite de inverno, vozes dos mortos em busca de novos dubladores.
A primeira vez que vi Esperanza foi no Parque da Luz, belo bosque, nos meus
primeiros dias de pré-cavaleiro neste pueblo também denominado, nas internas, el desierto
final de Carençolândia do Oeste & seus labirínticos arredores de vales assombrados,
anhangabaús, tamanduateís, pirajussaras, córregos de desejos represados, tietês y sus piratas
laertísticos de responsa, estradas de lágrimas e sorrisos sem gatos aliciosos.
Ela chorava ao lusco-fusco, de amor, banzo ou ambos, depois de mais uma jornada em
um subsolo do bairro do Bom Retiro, rovem entregue ao trabalho-escravo em uma oficina de
costura daquele sítio.
Esperanza, que se faça justiça com as suas lágrimas, não se achava sob jugo de
escravidão alguma:
“...”,
Foi tudo que soluçou numa entrevista meio forçada pela vereança aos jornais, na
ocasião fora ouvida e nada disse e nada mais foi perguntado na Comissão Parlamentar de
Inquérito que investigava o tema na cidade de San Pablo.
“...”.
Da sua boca não choviam bandeirosas aspas, apenas as reticências capazes de, pontinho
a pontinho, levar-lhe de volta, dormente a dormente, para seu pueblo de origem em
Cochabamba ou numa selva alhures.
Em certas noites ela tinha essa vontade, espalhar suas reticências ao largo dos trilhos
do trem da morte.
Se também suas lágrimas represadas, voltaria fácil, Esperanza crê que hay llorado pelo
menos duas bacias amazônicas.
Tempos depois este cavaleiro saberia, pela bocarra indiscreta do biógrafo, que se tratava
de uma dessas Penélopes que tecem o interminável manto da inadaptação e da estranheza.
Nada querem ou esperam dos mares, nem mesmo o rateio final do nunca dantes.
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Não havia nada lá, por supuesto, ou lá já era o rio de outros banhos.
Não havia nada lá, mas isso não significava que não houvesse espera capaz de roer
até fazer pó dos cotovelos cor de cinza sobre a janela nostálgica e ventaniosa da Polaroid
do nunca mais.
Ela mira como uma desconfiada guarany boliviana da região de Chaco, de lá viera ainda
de colo, apenas com a mãe, para esta Babilônia, em busca do ouro da estrangeirice mais
próspera, pero quando o trem parou em Santa Cruz de la Sierra... suas lágrimas já tinham gosto
de tempestade de granizo.
El Caballero monta em su pangaré e segue, desperado, como se estivesse saído da
carcaça e apenas se importasse com a sombra magra delirante nas pradarias nocturnas
deste pueblo.
Sua alma tinha dono e isso, de alguma forma, era o seu batismo em San Pablo.
“Ainda mais nesta hora fatídica em que enfrentamos um certo buraco psíquico por causa
do desmantelamento das ideologias em suposta ruína”, dizia ao cavaleiro o xamã da vizinhança,
um amigo sempre a caminho dos jardins que se bifurcam, don Alltunes de la Augusta.
Cavalgava rumo ao condado de la Consolación e o vento gelado nas orejas queria dizer
coisas, fragmentos que chegavam mais cortados ainda, como num sinal falho de aparelho
eletrônico, como um DJ virtuoso no scratch sobre vinis de legítima carnaúba, palmeira-mor
dos trópicos que rebola horrores ao simples vento:
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“Uma noite...”
“Uma noite... sen...”
“Uma noite...”
“Uma noite, sentei a...”
“Uma noite, sentei a Beee
lezaaaaaaa...”
“Uma
Uma noite, sentei a Beleza nos nos nos
meus...”
“Uma noite... sen... sen... sentei...
“Uma noite...”
“Uma noite, sentei a beleza nos meus...”
“Uma noite, sentei a beleza nos meus joelhos.”(18)
(18) O cavaleiro acreditava ser um sample livremente inspirado na vida e obra de Arthur Rimbaud (1854-1891)
Da mesma forma acabo de ouvir o verso que ela grudou com os lábios, gloss-urucum do
desespero avulso da floresta perdida, na passagem da calçada, ouvido esquerdo, o que sempre
deixo para o lado de la calle esperando mesmo ouvir a voz dos possíveis mal-assombros.
“A cidade tosse como um índio com febre” ou quase isso, talvez apenas um barulho de
boca nervosa ou efeito de uma espinha de peixe que lhe atravessa a garganta desde a infância na
selva como uma agulha desavisada e suja sobre um vinil de blues ou uma chica perdida no bar
de Las Amistosas a gritar em alto e bom sonido “non hay banda, non hay banda, non hay banda...”
“O blues se toca por si só, chica caliente, como nas canciones del viento”, diz el viejo
Charles Bronson, el bigode que llora, el proprietário, também conhecido como don Libanio.
Teu avô, meu anjo, mi hija, contava que passou uns dez anos ouvindo, todas as noites,
um mesmo estribilho misterioso, que el viejo não sabia mais se era zumbido na mente do
deserto sertanejo do vale do Kariri ou essas coisitas sem importância que dizem haver entre o
céu e a terra.
O vento chegava às suas oiças, nos idos dos anos 1970, todas as noites, como se
antecipasse os scratchs comuns aos DJs de hoje:
“Fi-fi-fi-fica-com-com-comigo-essa-noite...
E-e... não-naum-te-te-arre-pen-pen-de-de-rásss...”
Somente à beira da morte, já nos seus 90, teu abuello, depois de percorrer todo o deserto
do semi-árido à sua volta, percorrer mil e uma noches dos arredores, desvendou o mistério.
“Lá-la-lá... fo-fo-fora o frio é-é um-um açoi-te-te... Calor aqui tu-tu te-rás”.
Tratava-se de um pedaço de um vinil de um cantante brasileiro de nome Nelson
Gonçalves sob caprichoso espinho de mandacaru, um cactus nordestino por excelência, que
funcionava como agulha de vitrola perdida na caatinga.
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Teria visto Esperanza outras vezes, sobretudo nas bundas que se multiplicam nos
espelhos da boate Love Story.
O objeto de desejo, quando encoberto por nuvens baixas e escuras, que nos fazem
lembrar o algodão doce azulado da infância dos dias em que o mascate fraquejava no ponto do
azul claro, se multiplica feito praga bíblica e vaga pelas cidades e pelos campos derredores
tomando como máscara o rosto de todas as fêmeas e também as nuvens mais baixas a nos
embaçar los ojos e la pobrezita de la conciênscia que sempre foi pouca.
Havia visto, ao longe, na Praça Kantuta, no bairro do Canindé, San Pablo, desta
vez sorrindo, saltenha e cerveza com o nobio, carajo, mierda, que inveja, na feira
boliviana dos domingos.
Naquele mesmo dia enchi a cara na barraca de Berta Valdés, cerveja, aguardiente,
espetinhos de coração de boi com amendoim apimentado, de dor amorosa estoy farto,
ancho, que venga o vômito.
Careço devolver ao esgoto as dores que só um esgoto é capaz de escutar.
San Pablo tossia como um índio com febre quando Esperanza cruzou de novo a linha
da vida da palma da mão esquerda deste cavaleiro na cartografia mais nervosa, el sub-bairro da
luz vermelha.
Ela agora trafega, menina perdida na selva, na palma da minha mão direita:
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“Agora paguem, seus feridentos, seus farrapos, seus dorme-sujos, seus baianos, suas
latas de sardinhas ao sol dos trópicos, seus paraybas, seus bolivianos, seus paraguayos, seus
peruanos, seus tronchos, seus ponchos, seus malditos, seus caçadores de pseudo-biografias
para vender filmes inacabados, vender projetos e livros, morte a todos, a todos os perdedores,
de todas as tabernas, porque os perdedores de verdade não se vendem, morte a todos que
cismam à noite com as suas desgraças que se multiplicam como pulgas em sujos lençóis de
pensões e aqueles colchões finos quais lâminas de giletes. Fim aos que usam ponchos, seus
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gauches, cucarachos, seus índios, embolorados, mendigos de olhos baixos e nada altivos,
vendedora de flores letales, putinha do lindo cabaré da Galega... Bem sabes que depois dos 12,
13 já és mulher se estiveres en la calle e sob o olhar bestial dos imbecis dos homens de sempre,
nunca tiveres pai? Bem sabes que depois que botas o dedinho e assombra a mãe, bem sei que
dás no mínimo para o pastor do bairro, para o traficante de la calle, não me enganas, pensas
que vou cair na tua e no truque politicamente correto combinado com a polícia, com a ONG,
com o jornalista que finge proteger-te e só enche de sorriso a gerente e a conta bancária dele
miesmo?... Porque a fêmea já nasce com 30 anos para cima, não existe criança-mulher, a
mulher já nasce balzaquiana, minha mãe me teve aos 14, debaixo de um sol para lá de árabe,
dane-se cigana vagaba de Itapevi, essa Andaluzia deslocada aqui na perifa de San Pablo, que
sempre me diz a mesma coisa, “tem uma chica morena que te ama, mas cuidado com a loira,
fica esperto também com alguém que te odeia na firma”, por que não adivinhas as mierdas de
tu própria erristência sua Carmen fuleira? Como se eu ainda tivesse trabalho depois dos 44,
caguei pro fim do trabalho e dos dias, fodam-se Marx, o corvo de Pasollini e Hesíodo juntos na
mesma tumba, morra velhinha escrota e chantagista de esmolas, você também filho da puta
que me mostra essa costura de uma cirurgia na barriga, marketing da miséria, porra, e diz que
precisa de dinheiro para comprar remédio e comida, pois só te encho a mão suja de moedas
porque sei que é para a cachaça, para o conhaque mais ordinário, para a anestesia possível,
aquele conhaque de gengibre que, na companhia da caspa do capeta, te esquenta o lado ruim
das idéias, ou para a catuaba selvagem do pau duro que vai te obrigar a dormir de valete nas
ruas com outros machos, o cachimbo final de crack, tomara, vagabundos, quem manda terem
vidas passadas de nababos, miseráveis, projenetas, conheço vossa raça, seus refugos, tartarugas
ninjas do esgoto das saúnas, Mister Subsolo, pensas que reina?, faxineiras de porras dessa rua
gosmenta, criaturas imundas, respeitem e chorem pelo menos as mortes dos inocentes policiais
tombados pelos Gângsteres do Sol Quadrado.
(...)
Vontade de atirar esses ladrilhos soltos nesses cafetões e em toda essa raça imunda,
essas putas escravas que ficam acorrentadas nos porões tão logo os néons de la calle apagam,
ai ficam todas sonsas e santinhas, sonsas, até para ver o sol elas pagam uma taxa a Cristo.
Gosto de vê-las no almoço, às cinco, seis, o crepúsculo incidindo sobre a gema dos ovões
estrelados sobre os bifões dos pratos-feitos, os pê-efes dos botecos aqui da área, mesas repletas
dos seus possíveis sóis internos, duvido que sóis elas tenham à vera.
Dores baratas que não me comovem mais, de vós me despeço, amém.”
(...)
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Emputeço, digo, o cavaleiro, quando um alcaide muda os ladrilhos das calçadas, como
acontece neste exato momento do fim da noite em que os operários fazem cara de coitadinhos,
cara de desabrigo, mortos de inveja das meninas da Rua Augusta, que ganham em uma foda
mal-dada de meia hora os copeques que eles só amealham em uma quinzena.
“Pelo menos trabalhando aqui tenho um estoque de punhetas para o ano inteiro”, diz um
crápula, macacão chamativo azul e amarelo com sigla de uma dessas empreiteiras que
superfaturam até poema concreto de Augusto de Campos em São Paulo, “e, quem sabe, uma
loira dessas não me faz uma caridade?!”
Ri, macaco, na evolução da espécie nunca serás um King Kong, no máximo chegarás a
uma Monga no mais fajuto jogo dos espelhos.
“Caridade de cu é rola, te emenda, baiano”, vejo o balãozinho entre a cabeça da
puta e a lua que míngua todos os sonhos proletários e torna inviável até mesmo o capital
de enredos para as punhetas.
“Reformar calçadas é enterrar a memória dos nossos passos errantes, nossas passagens”,
completa na minha oiça esquerda um zumbido, o zumbido número 1, a primeira
antisonata que grudou no tímpano esquerdo quando ouvi o primeiro Frank Zappa. Esse
zumbido, entre os muitos que reverberam na pista do meu cérebro desde os anos 1970, é o que
comenta ou sopra acerca dos acontecimentos dos arredores, um narrador que me desfoca das
teorias obsessivas e dos desejos apodrecidos e pretensiosamente épicos, gracias. É o zumbido
mais reles, o zumbido baixo, que pode seguir qualquer um cavaleiro que flana, como se numa
noite de inverno um doce pangaré paraguayo com um i-pod de rock´n´roll autêntico no ouvido
invocasse o demo ou Iggy Pop.
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Até achei que fosse Don Isaías, que é outra das vozes guardadas na minha cabeça como
abelhas operárias num cortiço apertado de madeira da mais antiga memória de mi abuellito do
sitío das Cobras. Isaías sempre passa por aqui, mendigo altivo que presenteia as moças com
raridades do lixo, que cata os restos dos potinhos de cremes de beleza e dá às mulheres que
vivem ou moram en la calle como ele, que classe esse fodido. Acha restos de Lancômes de
madames e outros remédios modernos para o rosto das mulheres e nesse escambo consegue
dengos quase Ovídios.
O Santo Graal dos pés, os pés, solas e dedos, nervuras, os pés cimentados de todas as
buscas da floresta, os pés inteiros naqueles sulcos para um ensaio de obra-prima, litogravura do
acaso e da sorte.
Parecem uns pés em fuga, rapidamente inclinados, unhas perfeitas de manicures baratas,
vincos de muitas histórias pendentes, classe.
Um monumento aos eternos flanadores de ofício, um poema cimentado para todos os
dons juans e seus amores de passagens.
Os céus derramam granizo.
Os sulcos viram duas fôrmas de gelo.
O cavaleiro solitário bebe o mais sentido dos uiscões na vida de um drugstore caubói.
Play again, Johnny Cash:
“Cry, cry, cry...”
Um copo gigante com um pezinho de gelo boiando dentro.
O uiscão acaba e o pezinho esquerdo não derrete.
Mais um, duplo, por supuesto.
Os dedos estão intactos sob aquela luz fluorescente levemente esverdeada.
O terceiro uísque e apenas o esmalte vermelho parece fazer um lento “s” até o
fundo do copo.
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Miss Soledad era o batismo da mestiça, rainha de karaokês e sinucas perdidas, musa dos
subsolos possíveis neste mundo tão-somente de rasos e ranhuras, tocava de ouvido la canción
desperada de todos os que vagam em busca de um sentido para este faroeste sem don Sergio
Leone como guia-mor dos amores achados, balas perdidas e da poeira do deserto que cospem
las chicas nervosas.
Miss Soledad sempre deu um nó cego no cabeçote deste biógrafo oficial de las
assombraciones de la noche.
Miss Soledad era uma típica bipolar apaixonante, mucho mais que isso, capaz de dar
um nó em Nieztsche e ainda bailar um drum´m´bass - a trilha sonora daquele tempo, os 1990,
o tempo em que nos conhecemos - como nenhuma outra fêmea daquela espécie.
Vezes beijo,
Vezes coice...
Não demorou sequer duas luas cheias para que o local daqueles sulcos se transformasse
em um sítio de romaria e milagres.
A mulher que conseguisse encaixar os seus pezinhos à imagem e semelhança estava
feita para o resto da vida. Seria capaz de ver todos os homens e também todas as mulheres, se
assim desejasse, aos seus pés.
Os mais empedernidos cavaleiros dominados pela cartilha de don Juan não passariam de
mansos cornos periquitosos ao inteiro dispor. Os mais sonhadores se transformariam nos mais
práticos trocadores de lâmpadas e chuveiros do oeste. Os mais entediados acordariam solícitos
e bobos a dizerem diminutivos idiotas com queijos saudáveis e derretidos nos próximos cafés
da manhã.
Periquitosos corazones chilreadores...
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“A cidade tosse como um índio com febre”, ela disse, língua trôpega a obnubilar-me,
mal um beijo, partiu-se, um cheiro de cocaína vagabunda nas narinas, raspa de parede, longe
de ser o pó mais bíblico que sai da sua Bolívia querida, os cabelos cheirando a maconha das
beiradas do Rio São Francisco, alma comovente por flores e erros, pele riscada à faca e agulhas
de costura das fabriquetas coreanas do bairro do Bom Retiro.
“Eu preciso cortar os cabelos da minha alma”, disse mais adiante para um rapaz
xamânico de mesma calle.
Feras enfeitavam-lhe as sobrancelhas.
Os olhos obedeciam ao corte clássico que nos faz pensar que os orientais deram mesmo
origem às tribos sul-americanas. Nada me faz cair nas modernas teorias, fico com a tese do
estreito de Beiring, embora sempre tenha coisa nova sobre tal assunto, ah..., mas os olhos não
negam, o corte, o desenho, que classe, parecem assim uma pincelada de um surrealista ou
propriamente o corte da navalha do cão andaluz. No olho, lâmina que corta o rio das
lágrimas como quem inventa o caminho sobre o Mar Vermelho.
Quando montei no cavalo, Parque da Luz, avistei Esperanza, já ao longe, era uma onça
que saltava sobre os veículos até chegar à toca, capôs amassados pelos joelhos da beleza.
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Cap. XXXIX - No que Chivas relincha seus batidos mantras noite alta:
Não fosse uma cena que o deixou entre a pasmaceira e o alumbramento, o cavaleiro
continuaria iludido que havia recuperado o seu Chivas-panga.
Donde o verdadeiro e legítimo Chivas com o seu potentoso membro, a sombra do
membro fazia cinema em preto e branco no prédio vizinho e este era o ângulo pelo qual este
biógrafo de almas sebosas o avistara, penetrava de forma selvagem, na égua militar por
quem arriaria as quatro patas civis.
O membro priápico atravessava uns dois, três edifícios com a sua sombra.
As cortinas se balançavam todas nos arredores.
Mal-assombroooooooo.
Aquela pica gigante era capaz de preencher o buraco do metrô da Sé, o jardim dos
caminhos que se bifurcam neste pueblo de Careçolândia do Oeste Perdido y outros Serafins
y Tamanduateís.
A égua remexia as ancas como quem dançava um imponente e dramático flamenco
saído das miraculosas cordas vocales de Camarón de la Isla.
Agora a mais safada e fuleira das cúmbias.
Agora de novo mais lento, uma guarânia com a pica ritmada qual a noite morna do
lago azul de Yparacai, a derramar o caudaloso gozo de todas las galáxias.
Agora Chivas sussurrava ao ouvido da égua:
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londrinense, Miss P., queria pescar pessoas nos afundados mares, “na segunda pessoa do
plural”, ela dizia, “anzóis a laser, please.”
Miss Cara de Formiga, guapíssima, Diós, ria disso tudo e navegava sobre los chinelos
do vagabundo em manobras mais terríveis ainda, la sofista prateada, por supuesto.
Acontece que o biógrafo és um ser neutro, um narrador tão gelado quanto o coração de
um urso de pelúcia das nuestras inventadas Sibérias particularíssimas, aqueles ursos amados
pelas putanas de la calle do infierno do centro desta e de otras Careçolândias perdidas de lo
miesmo oeste.
Um homem que conta jamais pode sequer embriagar-se com o seu material de estudo,
refletia o biógrafo-borracho.
Tiene que ser austero, neutro, idiota e metafísico como um gato, frio, jornalístico,
por supuesto, choramingava o demo, com las manos e la lengua amarrada para los
pensamientos aliteratosos.
Sabe aquela dupla caipiro-sartreana O Ser e o Nada? Assim tiene que ser, asi era el
Caballero e el diablo.
E apagamos todos, para suerte del biógrafo-detetive, todos caíram desmemoriados,
por supuesto.
Non hay banda...
No habia nada!!!
“Vocês pensam que estão nos anos 1970, amigos fuleiros?” Chivas relincha ao longe
vestido com os seus mantos coloridos.
Chivas é pangaré mas tambiém siente saudade nas quatro patas infernales multiplicadas
como emboás gigantes.
Há quanto tempo não ficamos juntos reunidos numa pessoa só?, alguém levanta o braço
e diz, sobacos já desprovidos de outros pêlos, acorda, menina, ri Arnaldo Baptista, denuevo,“eu
vou voltar pra Cantareiraaaaaa...”.
Onda.
Moisés da Barra Funda, sim, ele ainda surfava sobre as águas sujas del pueblo, las águas
que desaguariam, dali a pouco, sobre os ratos dos tietês y tamanduateís...
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“Pai, ou o que quer que sejas, não sei mais se estás por perto ou sobre as águas, mas o
que tu achas de saxofone no rock´n´roll?”, perguntou la niña Viridiana, agora de volta no meu
sueño em um hotelzinho barato da Tríplice Fronteira, para onde levei apenas o sonhado e
jamais o vivido, Foz do Iguazu, por supuesto compromisso de cambiar sonhos por vícios ou o
contrário, dane-me por supuesto.
“Pai, não morra tão cedo como o titio Mark Sandman!”
Donde tiraste esta idéia, creeeeeeeeeeeeeeeeeeannnnnça?, acabei de comprar um nuevo
corazón en Ciudad del Este/Taiwan, un corazón a válvulas, como os das antigas tevês em preto
& branco, minha filha, pode obscurecer, obnubilar-se, enfim, fuder-se a qualquer hora.
“Medo, pai..., essas coisas”.
Medo é coisa de velho, mi hija, vamos a bailar que hoje mais uma vez tu padre
renasceu, antes dos gametas cósmicos se dissiparem no lilás veadoso do lusco-fusco.
Hija, el passado das vávulas, do tempo em que dr. Smith procurava o seu espacio, ô dor,
ô dor, larairará...
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PARTE III - Donde a vida era como se um grande pintor tivesse mergulhado
seu pincel na escuridão do terremoto e do eclipse
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Cansado de tantas abstrações noturnas, este biógrafo voltou para a sua diversão zen
predileta: observar tranqüilamente os ratos gigantes da beira do Tietê, o rio desta aldeia que
ali escoa suas horas perdidas.
Ele cataloga os ratos, os gabirus, as ratazanas que põem as oiças a escutar o
gemido do progresso que range nas margens sobre caminhões e caminhoneiros que
também são rios-correntes de histórias podres sobre muitas rodas levadas adiante até
donde ninguém sabe mais da vista.
Chegou o desalmado biógrafo a liderar um grupo, prefiro chamá-lo de seita, donde
chicas y kabrones ficavam horas a mirar os ratos, a fotografá-los, a espiá-los num
voyeurismo venenoso, os gestos, os dramas, a vertigem...
Derramei uma para o santo, o cavaleiro disse outro dos seus mantras: NINGUÉM
MORRE DE AMOR NOS TRÓPICOS. Sim, agora o cavaleiro, em voz alta, diante do sorriso
enferrujado de compaixão de algumas vacas que já não vêem el caballero solitário sob poeira
nocturna das mesmas pradarias onde reinou quando tinha las platas, graças aos golpes de
contrabandista de cigarros de Ciudad del Este, crimes primários enquanto adormecia sob o
espírito de terrorista adormercido.
O cavaleiro Fodasno já tentou de tudo, inclusive mudou o seu nome sete vezes, como
os dias da semana: lunes, martes, miércoles...
Pena que não se recorda do último batismo.
Donde tem que carregar a pantagruélica sina fodástica y fodesnosa.
Foi também, este mais ou menos ilustre cavaleiro, um velhaco sebista que aplicava golpes
em lindas viúvas que não tinham menor noção do valor de suas caras bibliotecas enlutadas.
Um minuto de silêncio para uma negra viúva capaz de fazer das coroas de flores os
bosques mais animados do planeta selvagem.
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Fodasno inclusive já cravou a sua espada na maioria dos desavisados que lhe fazem essa
pergunta incoveniente nos tempos de refugos:
“De preferência uma rápida estocada no sovaco”, confessa o cavaleiro.
“Para morrer sorrindo, por supuesto, é justo, justíssimo”.
Mas eis que numa noite fria de fogueira e cachaça, numa madruga em que tocaram
fogo em mendigos também sem nome, Fodasno, nome de fantasia outorgado por este don
Augusto Sombra que lhes conta a mierda finale, missão de todo biógrafo, recuerda mais
ou menos seu batismo e vaga história.
Porras...
Assim foi voltando a memória perdida.
Seu nome era Raúl Porras Barrenechea.
Será mesmo?
O cavaleiro blefa.
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O velhaco sebista do qual tratamos anteriormente não era assim tão expert, mas tinha a
manha da pesquisa, igual um pescador que descobre, pelo cheiro, o valor do peixe grande, mas
juro que o cavaleiro trocaria aquelas obras pelas bucetas enlutadas todinhas. A perversão do
cavaleiro era vê-las, ainda em vestes negras, fodam-se todas as capas duras e os manuscritos
raros do Mar Morto, adiós Alexandrias perdidas. Se os tesouros estão no fundo dos oceanos,
eu estou ao rés do chão babilônico de las buças de la calle.
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Pena que a síndrome de Korsakov desligara o cavaleiro do seu centro nervoso do desejo,
o cavaleiro, podemos dizer assim, tinha um certo Alzheimer punhetístico.
Uma vez, quase cometera o suicídio por não se recordar de umas coxas magníficas que
acabara de ver na esquina, donde suas masturbaciones eram verdadeiras torturas, papéis
avulsos, fragmentos, partes pelo todo, quando lembrava do rosto não lembrava do pescoço para
baixo e vice-versa, um castigo.
Esquecido por que coxas?
Coxas por que esquecido?
Algumas mujeres aparecem nas nuestras bidas não para comer nuestros ojos, como los
cuervos, pero fazem algo pior ainda: nos levam a memória de todas las outras mulheres,
inclusive das que acabam de passear na nossa frente, num ritual para lá de todos os catimbós e
antologias de ressacas.
“A cidade tosse como um índio com febre.”
Não faço a menor idéia porque e como Esperanza sussurrou justamente aquele verso e
seguiu faceira como quem negocia almas na balança comercial mais favorable de las
maldiciones.
Talvez nunca tenha lido nada na vida, melhor para ela, só há beleza e susto numa certa
cota de treva e ignorância.
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Lá estão, deixa eu limpar meus óculos, lá estão, como é linda, Esperanza, ela, colada ao
poeta Roberto Piva e seu amigo Píer Paolo, esquina do bairro de Santa Cecília, caras de
formigas de tanto doce comerem, doces que precedem quaisquer sobremesas.
É o que te digo, menina, só há beleza nos ofícios que não arrotam o ovo podre da bufa
do ego, como na lida de um açougueiro, por exemplo, facão em punho, o corte nada
epistemológico, pernil traseiro ou dianteiro de um cabrito, coxão mole, maminha, picanha,
coração se for possível, chorizo, como nos recomenda o açougueiro don Marcelito Coppola,
tradicionalíssimo homem de carnes da Baixa Calábria doravante instalada em San Pablo.
Cap. IV - No que don Rasteira...
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Quantas aguardentes por esta frase, don Rasta?, o cavaleiro berrou, nervoso, intimou o
vagaba de quem costumava saquear a diligência sempre lotada de sábios aforismos e boutades
e saía a dizer por aí como se fossem as melhores patentes e lembranças empoeiradas do vento
maldito, a dizer até para hombres, não solamente para hoder mujeres, que és o grande motivo
de la vivência.
“A frase é tua, maconheiro desmemoriado”, ele quis agradar o seu viejo biógrafo de
tantas noches, mesmo assim me levou de lambuja dois comprimidos de anfetamina, um patuá
de haxixe, matou um litro de catuaba selbaje, meu giz de sinuca importado de la máfia -
presente do amigo Don Campos Viejo - e algunas platas no más.
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Testemunha da prosa alheia e filador-mor das drogas legais e ilegais da cidade, don Leseira
de las Bagas disputava com ele, don Rasteira, a atenção das damas da noite e dos demais refugos e
assombrações:
“Si, si, una capa, una espada, justo, pero carecemos de algo más, alguna cosita de nada
para alterar la consciência, desde que não a llamem de droga, non, mais apropriado batizá-la,
mira que vierbo apropriado, batizá-la tão-somente EXCREMENTO DOS DEUSES INCAS,
cogumelo da merda dos bois santos e onomatopéicos dos currais dos Grandes Sertões de
Manuelzão, Diadorins e arredores, chá-de-zabumba dos índios Kariris, cabrobrós-roots-
cigarrets, jurubebas-da-flora-intestinale, salineiras aguardentes e bagaceiras d´além-mares,
cocaine-blues, Johnny Cash y Lirinhas de cordéis Y fuegos tantos, barbitúricos-corazones, Miss
Lexotans, tarjas pretas, florais del diablo, sangre do divino, peyotes-castañedas, viagens sempre
são buenas, pupilas dilatadas, a morfina de Tristessa minha índia mexicana”.
Rimos e morremos com o que tínhamos nos alforjes: uma farinha da quinta dos
infernos, um haxixe incapaz de alterar a consciência de um camundongo viciado e treinado
para cobaia-modelo, umas bagas, uns tarjas pretas de contrabando, um skank de Ciudad del
Este, mi pátria fundamentalista...
Agora que minha filha Viridiana descobriu todo mistério, pelas trepidações e falhas
no que eu lhe contava, reforço, confesso:
Um buraco vazio sem nome tinha-se instalado mesmo na parte posterior do cérebro,
como prevenira toda a humanidade o sr. Antonin Artaud ao rabiscar as suas duas cartas
exemplares sobre o vício do ópio, em 15 de setembro do ano da graça de 1947.
Não sabia como contar tudo à minha filha, ente único que sobrou na minha vida de
sobejos improváveis.
Um hombre com síndrome de Korsacov...
Donde só nos resta confabular com os desvãos da memória...
Confabulário...
Tentativas medíocres de tornar verossímeis os buracos da autobiografia...
Memórias para além de alcoólicas, que ainda hoje azulam no horizonte como
Iracema alencarina.
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(...)
Agora me falta, de nuevo, vinho, aguardente, o seu riso triste, o seu riso triste
desconfiando das minhas desventuras, minha menina, como não crês?, se és apenas um anjo e
se te conto histórias de la noche por um simples motivo:
Não me lembro de nada fantasioso que tu padre tenha visto antes do lusco-fusco do fim
do dia deste onzembro, nuestro mês por excelência, onzembro é o mês dos que devem e não
pagam, o mês dos que têm milhagem de sobra no cartão das ilusões perdidas.
Que tédio dominical, hija, sei, você cresceu e tenta, aonde estiver a essa hora, se
confortar ou pular da janela com o breviário de Cioran entre os dentes, calma, quanto tempo,
faz isso não, pequeña, vai ao cinema, já és uma moça, uma mujer que não puedes mais ir a la
luna, já que crescente, já tivemos la luna ao alcance de nuestros falsos sueños pangarés,
lembras, o solzão, caldinhos, brejas, canciones, morrer assim é coisa de francês entediado, hija.
Teu pai bebe em todas as fontes de la madre naturaleza, mais uma vez, toma um ácido
chamado Gogol e tenta contar uma história para que durmas onde quer que estejas, dane-se, é
só esperar e o cavaleiro gigante passará sobre os prédios como no cinema ou nos sonhos de
uma menina.
Sorte que tengo meu belo pangaré azul de nome Chivas que salva alucinados na sarjeta.
Queria te contar algo mais nobre, hija, para ouvires, donde estiveres, como sonata ao
longe, pero, daqui ninguém sai vivo, minha criatura, o máximo que podemos hacer és cambiar
tu nombre, Viridiana, Veridiana, cambiar para Angel ou Candy, titio Iggy Pop ficaria comovido
na sua próxima visita aos trópicos, faríamos lindos retratos, titio Knut lembra tu nombre na
taberna dos perdedores, donde bato três vezes na madeira para que nem passes por perto. Ali é
sítio pra quem, de tanto perder, agüenta as dores do mundo.
Cap. VII - Da ressaca monstruosa que faz rir os mortos do outro lado do
muro do cemitério
Seguramente, depois daquelas noites brancas, o cavaleiro Fodasno estava mais morto do
que todas aquelas criaturas d´outro mundo.
Arrastava a carcaça, suava frio e doía justamente naquele lugar do coração que nunca
vai ser preenchido, como diz um poema do velho Charles, quase com estas mesmas palabras:
“There is a place in the heart that/ will never be filled.”
Esse aí estragou a vida, mas ela, la bida, teima em segui-lo, dizia a voz dum morto
franzino do outro lado do muro da Cardeal Arcoverde, neste pueblo de San Pablo.
A vida gosta das suas piadas e ri dos seus passos. E eles se divertem juntos lambendo o
rés do chão e os pés de lindas almas perras.
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Coitado, demente!
Esse aí dormiu ao lado de uma bela bunda, mas as pernas não encaixaram à
perfeição, como dantes.
Ele notou que ela já não tinha mais aquele sorriso capaz de incendiar de manhã o calendário.
Ela, a bunda ou qualquer parte pelo todo de la mujer, estava chateada, mas sempre é
muito fácil uma mulher ficar chateada, e sempre começa por uma parte dela, por supuesto,
uma omoplata, um cotovelo assassino, um joelho serial-killer...
Uma vez quase fui morto por um ilíaco serial-lover, um ilíaco afiado, pura lâmina,
um ilíaco que saltou da bacia da moça e tentou decepar minhas pernas, no que pulei o
ilíaco como quem pula... cordas... como quem pula... como quem não passa de uma
mortadela que escapa do corte.
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No mais, sempre aparecerá um intruso ou uma intrusa para dar emoção à nossa viagem
até então apaziguada e livre de flechas venenosas.
Play again, Elvis!, exalta o cavaleiro agora nada metafísico.
Guadalajara, Guadalajara, Guadalaraja!
Play again, Elvis, fase México!
Que grand disco, viejo Elvis!
Voltemos a Guadalajara, por supuesto, onde hay começado toda la aventura contra los
erristencialistas franceses e os darks portugas.
Adiós, Sartre, Guadalajara nos espera, adeus Pessoa e seus trezentos heterônimos.
Adiós, Bergman, adiós Antonioni, faz muito sol nos trópicos a essa altura e vocês já se
foram, gracias, vocês já eram.
Vocês, ufa, não acabaram com nuestros corazones incendiados.
Faz sol até dentro do bolso de forma a dissolver o antidepressivo.
Somos solares, por supuesto, relincha o pangaré paraguayo, religare.
Arriba, comancheros!
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Um gesto em falso e tomamos chumbo, como me ensinou o velho Tex, Tex Willer, de
quem li todos os gibis quando era ascensorista, mamífero inútil dos 25 andares do Edifício
Martinelli, aqui neste mesmo sítio febril de San Pablo de Piratininga, emprego de temporada,
como todos nesta bida.
Miesmo se usted estiver nas cinzas finales, lúmpem do lúmpem, debarro del último de
los minhocones, miesmo asi llogo aparecerá no teu esperro de afeitar, como un retrovissor de la
erristência, assombración, susto!, una murrer das más hermosas, magrinha, só cuero e el
osso como recomenda a etiqueta moderna de las gazelas anoréjicas, com a qual se
amancebarás loucamente debarro de teus derraderos molambos e cobertores Paraybas.
Hable com ella, si?
Que suerte, irás cismar sozinho en la noche.
Ella contará uma história triste e comovente, todo mundo tiene una narrazión deste
calibre em buelsillo del capote furado e sem copeques, si, si, si, usted cairá feito um pateño na
lagoa, afinale de cuentas estás hodido también e nada que una murrer que venga a cambiar los
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aceites, trocar el nuestro óleo, se é que me entiendes, num puessa conquistar, estas puedem,
puedem tudo, rapay, compreendes?
Donde se conclui:
Las mujeres non son interesseras, meu anjo.
Son capazes de levar à ruína non somente los patrones, los milionários, los
herderos, mas también los últimos dos miserables de la calle, o lumpem do lumpem do
lumpem do molambo final do proletariado.
Epidermicamente democráticas, abismo para todos, passa-me el baseado e la
aguardiente envelhecida em barris de cromossomos...
Cabrón, te ligas: Non hay lucha de classes en corazón de las fêmeas.
QUIEN NO JODE BIEN QUE NO MOLESTE!
E dejemos de marear la perdiz.
Até naquela feira das sobras finais dos homens de la calle, ali debaixo do viaduto do
Largo do Glicério, colado na taberna do sr. Knut, onde os zumbis molambentos fazem escambo
das derradeiras pulgas que restaram dos seus corpos sem sangue, passeiam mulheres capazes
de amá-los.
Mujeres y perros magros e pulguentos.
Menos na taberna do sr. Knut, que não permite que elas adentrem o recinto, por supuesto.
Lá, entre as palavras malditas, pelo que me recuerdo... estão, pela ordem de importância:
SAUDADE
FAMÍLIA
PERROS
“Elas são capazes de nos arrancar memórias das nossas piores ruínas e traumas!”,
diz o sr. Knut, mas apenas nas confissões para o seu gato branco.
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Viajar é perder lugares, mujeres, coisas, assim como perdemos, mesmo que fiquemos la
bida inteira ao derredor somente dos nuestros quartos e umbigos, a noción de Latino América,
como hay me dicho el pintor de quadros populares da Praça da República, aquele, lembra, meu
anjo, como era mesmo su nombre, colombiano, querido?
Para nosotros, principalmente os mais metidos deste pueblo de San Pablo, os quintais
afetivos son Londres e Nova York, un poco Paris, por supuesto, mesmo que estejamos muito
mais para Cidade do México, linda Assumpción, Bogotá, Pedro Juan Caballero, a Colombia do
compay Efrain Medina Reys.
Por isso me juego, seguro na mano de Diós, que es tan sagrada quanto la mano de
Maradona, aquela del golaço na Copa, o segundo tempo de la Guerra das Malvinas, a
Copa eterna, e bamus. Sim, quem tem culo tiene medo, mas después que la se bão algunas
pregas, las pregas jesuísticas por excelência, vale o latim de missa imposto na tragédia
católica perpetrada nesta selva escura de toda sulamérica:
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“Plutón fue para el espacio, non?, hay perdido su condición de astro, non passa de uno
perro vira-lata que miesmo assi brilha além, mucho além de todas las constelaciones e da sierra
azulada de Iracema. Enquanto isso Vênus adentra tu cassssa do dezerro, anda-lhe, anda-lhe,
anda-lhe, grand fase, cassa de tu carajo, compreendes?”.
Gracias, amigo, tentarei aproveitar neste galope, gracias, gracias, amigo, por existir a
sábia ciência planetária da qual fazes o melhor dos usos e me orienta nas encruzilhadas de mi
pobre bida, quando todos los camiños se bifurcam como uma estación do metrô Sé de San Pablo
às seis de la noche, se bifurcam e me dêrram mais confuso ainda, embaraçado, como hablo?,
embarazado de incertezas, por supuesto, barrigudo de dudas, sospechas, incertidumbres,
indecisiones, vacilaciones de siete mieses...
O delírio de ruína perseguia este inominável cavaleiro qual a gigante sombra magra que
o refletia montado no seu orgulhoso caballo panga.
Sob aquela luna minguante do imenso deserto da província de San Pablo de Piratininga,
Fodasno farejava uma mudança de ares, pelo menos para esta noche. Tudo, menos dormir,
chicas e kabrones, deixem as ilusões na chapelaria, apostem suas fichas, o sol cor de gema de
pê-efe de puta mal se pôs nos nuestros horizontes.
Eu sinto coisas, meu anjo, mi hija.
Constatei, igualmente, além do que me segredaram os astros, indícios sobrenaturais, eu
sinto coisas como uma mística miss Mundo venezuelana - como miss e modelo sentem coisas!
-, e entorto meus garfos qual o Padre Brown ou Uri Gueller, meus amigos do outro mundo, nas
suas refeições baratas, a quilo, e com talheres de plástico.
Eu sinto coisas.
O mais são acasos que me fazem gastar à toa os cotovelos de Jó sobre parapeitos de
janelas quase à altura das cumeeiras da própria espera, além dos desejos que viram
destilados mais fortes do que qualquer vodka fuleira.
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Eu sinto coisas, vede como meus pêlos se arrepiam nessa hora, senhores!
Quem sabe uma hermosa barbarella, daquelas que blafesmam contra os homens
maus e outras lendas?
“Os anjos, Barbarella, não têm memória”, diz o safado do ícaro humaníssimo que
avoa com a galega e a morena pelo céu cinesmacope.
Ela se aproxima.
Eu sinto coisas.
Quem sabe?
Que entre uma mestiça como Vênus, que entre uma negra gigante pantagruélica,
chutando a porta do saloon de mi corazón, com suas lindas botas de couro de lagartos
vulcânicos fossilizados na pedra fria da pós-cornitude absoluta.
Quando entreguei meu hermoso pangaré paraguayo para o flanelinha perneta pastorear,
todo cuidado é pouco, kabrones, este caballo es mi bida sobre quatro patas, el trovador dos
pampas entoava sua “Milonga para um hombre de poucos dentes”. Dei uma olhadinha para
trás, Chivas sorria com aquele seu ímpar focinho de cavalo dado, pero orgulhoso como nunca
dantes, dublando la canción que tocava àquela hora:
“Mordo com vontade a carne que me sobra com os poucos dentes que me restam”.
SOBE.
DESCE.
Impossível fingir-se de cool quando a vida à vera atinge a veia bufante e amorosa
dos nuestros infernos.
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Cool de cu é rola, diz o eco que vem do Vale do Anhangabaú, como aqueles ventos
antigos dos índios mal-assombrados.
Ali correra o rio do mau espírito, segundo os caboclos, há 500 e tantos anos, antes de
caírem na conversa abaitolada dos jesuítas.
O cavalo, viejo Chivas, relincha e o seu decassílabo entra como um sample numa versão
dos Ramones ora cantada pelo amigo Pablo, vezes conhecido como Wander Wildner, el
cantante dos charcos gaúchos desta taberna camaleônica.
O sol se punha, fim de jornada, eu não sabia nunca, no meu tempo automático de
ascensorista do Edifício Martinelli, se estava na cumeeira ou se estava no solo.
Passara mais um dia com Tex Willer em perigosas missões nos desertos e na fronteira
EUA/México.
No Vale das Serpentes, los hombres tiram a poeira da garganta com canecas de tequila,
quebram a tensão com vinho Sangre de Toro e falam sobre alquimia, enquanto entornam
baldes e mais baldes de qualquer coisa líquida.
Em cada caneca, Hermes Trimegistus a escorrer pelos beiços.
SOBE.
DESCE.
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"Um homem tem que ser o que é. Não pode dobrar o destino. Eu tentei. Não funcionou
para mim", diz Shane.
Não adianta mesmo fugir dos desertos internos, em outras secas graciliánicas
desaguaremos.
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Cap. IX - De como nadar no seco e/ou técnica avançada de don Virgílio Piñera
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El trovador dos charcos pampas entoa uma versão dos Rolling Stones, (by Lady
Aversuck), una canción desperada, para seres desesperados, por supuesto.
Estoy com alguns amigos caballeros, igualmente solitários ou com os seus chips
emocionales falsificados, paraguayos por excelência, rumo ao sol poente.
No que hay mudado las estaciones e lo clima deste sítio e principalmente del riacho del
Anhangabaú, cuja lenda guarda a memória de índios mortos em cheias que ainda hoje
atormentam os alcaides e sua corte meteorológica que prevê ouro e sempre cai mierda e
granizo en sus cabezas.
Solitários juntos, mesmo hombres, eliminam a naturaleza da solidão individual del
facto e del derecho?, Chivas pergunta e ele mesmo responde, enfático, “siiii”, diante de um
faroeste de bolso que eu deixara cair do alforje cujo título me soava meio estranho e
contraditório:
“CABALLEROS SOLITÁRIOS RUMO AO SOL POENTE”, de autoria de una chica,
única no gênero, llamada Evita Uviedo, pelo que recuerdo.
“Se são muitos... como podem ser tão solitários?”, repito para Chivas.
“Cada um carrega o seu deserto cosmológico en cabecita!”, ele relincha, como se tirasse
onda de sábio. “Hoy, por erremplo, escorpión manda en la luna caliente!”
Em homenagem à suada discussão na távola, pedimos uma garrafa de uísque que tivesse
a mesma índole do bravo solípede, sim, Chivas, Chivas Las Vegas, como uma vieja banda de
rock´n´roll da cidade de San Pablo, faz favor, que a água da vida seja falsa como a gente, aqua
vitae, a de sempre, e una chica hablando um virtuoso espanhol da selva nos apareceu
milagrosamente, com sotaque que mais pareceia o de um poeta visceralista, el inventor del
portuñol selvagem, hermosso e inigualable idioma de fronteira, sendo a guapa mais guapa e
interessante nos inigualáveis ditongos e airbags edipianos, adonde qualquer um de nós
dormiríamos para sempre.
A chica nos mirou com los orros mais andaluzes das pradarias nocturnas deste deserto
reservado, pelo menos nesta noche, aos fuertes e destemidos.
“Vai una flor na solapa da miséria?”, hay preguntado.
Paralisei, meu anjo, mi hija.
Cap. X - Dos nuevos tiempos de moinhos acanhados
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“Te juega!”, só ouvi o silvo rápido, “te juega”, quase um mantra, soprado lá dos caninos
tingidos de melopéia e nicotina do amigo Don Pedro A. Caballero, espanhol de Calzada de
Calatrava, cuja boca também rebelava desiertos, Calzada de Calatrava de La Mancha e aqui
chegado para trabalhar numa companhia telefônica do seu país de origem, las privatizaciones,
los mercados globales, nuevo amigo com ganas de vivir la vida, isso é o que importa, nuevos
tempos de moinhos acanhados, o que também reduz nossas miragens a, no máximo,
ventiladores de teto de las tabernas românticas de nuestras últimas chances.
“Te juega, rapay”, mais precisamente foi o que o cavaleiro disse ao chico, no que
atirei-me ao solo pátrio, a velha arte de répteis pré-históricos, mais conhecida pela minha livre
tradución como Técnica Avançada do Mestre Virgílio Piñera de Nadar no Seco, no que agarro-
me aos pés daquela criatura como um romeiro cego que acaba de presenciar o quarto milagre
de Fátima, a cura.
Ela, a dita, cai, de susto e drama, la mujer, sobre o palco improvisado naquele decente
porão-templo do punk-brega.
Luzinhas coloridas, daquelas de enfeite natalino - Jesus Cristo vai voltar? -, piscam no
pedestal do microfone del trovador dos guachos pampas.
Os almas sebosas que me acompanham cospem fuligem e se preparam para o pior,
anteviram la mierda.
Até o don Luxúria de la Champanhota estava nervoso nesta hora.
A inveja testosterônica exala de todos os subacos del mundo.
Adonde tem hombre, o gênero, tem confusione.
Aqueles olhos ciganosos, rapidamente aflitos e corretos nos flagrantes captados, como
se editassem na velocidade da luz tudo que alcançam num segundo, como se fossem um
circuito integrado de câmeras de segurança do mais labiríntico dos edifícios, de um arranha-
céu inteligente, sabe, aqueles ojos matadores sacaram primeiro e me aniquilaram naquele
desafio, naquela espécie de duelo ao qual se submetem destemidos homens e mulheres cujas
passagens sobre esse deserto só se justificam na passionalidade à queima-roupa, pistoleiros
corazones de tiroteios e baladas sangrentas.
El toureiro estava muerto e sangrava diante dos ojos daquela possible Carmen.
Ainda aos pés daquela mujer da minha pobre, pero tumultuosa erristência, a mujer de la
bida, ou pelo menos a mujer da quinzena, miro para riba, para ver seus olhos, repetir o milagre,
seria Esperanza?
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“Nada está tão mal assim que una chica não possa piorar más un pouco su pobre bida”.
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Nada pode andar tão ruim assim na tua miserável vida que uma mulher não possa
piorá-la, se é que me compreendes.
(...)
Ela me adiantou na primeira consulta, que nem fiz ainda, algo que bate com o informe
do meu astrólogo peronista. A única coincidência dos dois em toda la bida.
Saí mascando o novo adágio como um chiclete de jambu que anestesia lábios, gengivas,
caninos e molares de uma alma indígena.
Nada que uma mulher não possa estragar mais ainda.
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Com o tempo passamos a perceber o grau de parentesco entre as noitadas pelo rastro de
merdas que deixamos sob luas minguantes e a falta de memória sobre elas nos dias seguintes.
E é fazendo merda, como me avisou, noutro adágio particularíssimo, uma galega de
codinome Miss Norma Culta, é fazendo merda, disse-me, que adubamos a vida. Me gusta
adubar la existência com a merda do perigo, merda esta cujo cheiro abafo com o perfume da
coragem, esse luxo de pequeno frasco que nem sempre trazemos nos nossos alforjes de
matadores borrachos.
Por mais que os cavaleiros aliados tentassem me proteger das garras do inimigo, o
Gigante Tatuado, àquela altura o maior homem do mundo, cara quadrada, olhos amarelos de
assassino viking e hiperbólico, dois metros e tanto, olhos de pistoleiros do Rio Jaguaribe, o rio
mais seco da Terra, não conseguiam os cavaleiros, de tão borratchos que os caballeros já
estabam àquela altura, jornada que habia começado, com brindes de tequila, tilintares aos
montes, tertúlia ao lusco-fusco, quando os ponteiros dividiram o relógio de parede ao meio, em
dois dês, duas luas, duas bundas, quando aquela bruma melancólica prevalece sobre a
existência sem luz, assim pastosa.
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A jornada havia começado, com tragos rebatedores, ali nos arredores do Parque da
Aclimación, primeiro num restaurante coreano, donde comemos língua de vaca no fogãozinho
aceso na própria mesa; depois, bebemos aguardientes e escrevemos nuestros nombres com o
giz do pó bíblico, pelo menos as iniciais, dele viemos a ele voltaremos, já na taberna dos
caçadores, adonde cada freguês recebe, das mãos de uma hostess e ex-vegetariana, uma
espingarda para matar os seus petiscos e tira-gostos, pero só conseguimos acertar uma gigante
avestruz modificada pelos poluentes, que se comporta como se tivesse espírito de uma velha
pomba-ratazana gigante que não dorme nunca. Quando tenta dormir, espinhos enferrujados
debaixo das asas lhe espetam o corpo, como os tetéus, Belonopterus cayennesis, aves que
nunca dormiram o sono dos justos, seres da zoologia fantástica de San Pablo.
Comemos a tal anomalia à passarinho, me gustan las anomalias urbanas com cervejas
pretas e uísques caubóis, nossa celebración preferida aqui neste deserto, como sempre fazemos
para pastorear nuestras perdas diárias, nuestro rebanho de fracassos clonados, fiapos de lãs de
pacatas ovelhinhas losers a tomarem siempre nuestros cérebros, os ponteiros ultrapassam as
seis horas de la noche em San Pablo, tão logo as rádios AMs tocam a “Ave Maria” de Schubert,
nem contando carneirinhos e ovelhinhas dollys dormiremos, nem adianta desejar-nos buenas
noches kabrones.
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“Me gustam los caballeros solitários que buscam el suelo puente, mas bamos com calma
que la noche vai longe, comancheros”, disse o rei do punk-brega, numa tentativa de apaziguar
os espíritos sob aquela lua cheia e caliente. Sabia das coisas, tomava um composto diário de
pelo menos sete ervas guaranys e andava sobre águas revoltosas das barragens e dos rios que
banham a aldeia Piratininga, como o Tietê, o Pinheiros e o Tamanduateí, rios que haviam se
rebelado e espumavam ondas gigantes das quais voavam sapos como se saíssem da prancheta
de Don Laerte, renomado cartunista e chefe de uma gang de piratas bíblicos.
El concierto no porão del Camhaléon, na subida da Consolación, taberna de los
estudiantes, me gustan los estudiantes, torna-se um clássico do nuestro Elvis, do nuestro
Johnny Guittar que andava sobre as águas, por supuesto.
Meu vira-lata gospel, que latia “Jesus, Jesus, Jesus”, conforme assimilado do compadre
Schiavon, mestre em histórias em quadrinhos de subsolo deste mesmo sítio, cuspiu, senhoras
e senhores, um pedaço da cueca do gigante inimigo no palco. Justo aquele pedaço da cueca
envelhecido com os bagos e a quentura das fodas-não-dadas, das fodas que qualham e
sobem em forma de queijo gorgonzola para o juízo.
A platéia suspirou, riu, muxoxos gerais, e el cantante emendou uma versão dos
Ramones doravante denominada “Eu não acredito em promessas”.
“ENTONCES ME DÊ UM MOTIVO PARA NÃO CHORAR/ ME DÊ UM MOTIVO
PRA NÃO CHEIRAR COLA ESSA NOCHE”.
La noche está apenas começando, bravos comancheros!
Milagrosamente levei aqueles ojos andaluzes, uma mulher com olhos de quem havia
sugado a fria cuia do mate da saudade de um cabloco de selva amazônica distante, una chica
com ojos de quem habia deixado um hombre em farrapos, mas que ainda sofria horrores.
Milagrosamente levei aqueles ojos andaluzes na garupa do meu pangaré da tríplice
fronteira ladeira arriba.
El perro evangélico nos seguia feliz pelo asfalto, latindo “Jesus, Jesus, Jesus...”
De lá de cima do meu rocintosco quadrúpede avistávamos os mortos do Cemitério da
Consolación, que zombeteavam das nossas pobres erristências.
Os mortos e os seus basfond darks, como se tudo fosse uma enorme cidade cheia de
Pedros Paramos y fantasmas guaranys.
Os mortos do Cemitério da Consolación, tentando reaver com os vermes os seus
velhos paus e buças para a última sessão masturbatória do além-túmulo. Talvez em intención
àquela gostosa que colava às minhas costas, que eles conheciam há muito da mesma área, seria
uma Párama Gigante, uma lenda, viejo Pedro?, mas que agora tinham o prazer de vê-la, musa,
alada, sobre um cavalo monstruoso quase a tocar no pangaré de São Jorge num Shazan
imaginário, sejam o que forem las cosas a essa altura das suas conscienciazinhas que
dependem de pilhas para movimentar-se. Coitadas de las cosas que vão se perdendo no vapor
do crack azulado da memória.
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Assim como os mais vivos, los muertos también portam los subacos da testosterona
universale. Com seus corpos enterram os brinquedos assassinos do ciúme, calungas de louça
inquebrável, los muertos são periculosos porque vagam com a máxima imunidade, não puedem
morrir duas vezes nem tampoco serem multados pela companhia municipal del tráfego.
Prefiro meu cavalo a qualquer carroça, de que adianta um BMW que anda, neste
pueblo, abaixo da velocidade de um pangaré que puxava uma diligência do século XIX?
Si, 12 km por hora nas avenidas principales, carajo.
Donde se vê um motorista zen ouvindo Mozart...
Donde se vê um motorista sacando seu revólver...
Donde se vê um motorista lesado ouvindo o boletim do trânsito...
Donde se vê um miserável marketeiro tirando a camisa na Avenida Brasil e mostrando
que não vai assaltar o motorista, quer apenas mostrar que é uma criatura honesta e fodida,
marketing da miséria...
Donde se vê um pai-de-rua explorando los chicos bueñuelitos...
Donde se vê basta abrir o vidro nada glasnot ou transparente a essa altura da viagem.
Como dali estávamos mais pertos de una luna caliente incrible, nem ligamos para aquela
indecência póstuma do cemitério à vista. O cãozinho tão feliz, mi hermoso perro, brincando
com o rabo do cavalo, coisa linda, que nem ligamos para o tufão de fumaça e o cheiro de laranja
podre que lhe jogava na cara o caminhão do lixo do bairro de Higienópolis. Agora falamos dos
vivos, esses seres mofados pelos micróbios das obrigaciones, mas sem mínimas morales, que
nuestras garupas não pesam.
Late o cãozinho e tira uma onda com os garis bêbados, que bebem para suportar o
cheiro da merda humana que lhes sujam as luvas amarelas.
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A cigana de ojos andaluzes, que eu arrancara em lucha de gigantes, tenta, ela mesma,
tenta me dizer algo que se torna incompreensíble por causa das lufadas de vento friaca, por
causa do portunhol de mierda, essa praga que hay tomado nuestro mundo, por causa dos latidos
pentencostales, também em portunhol selbaje, si, el pobre perro habia también contaminado
sua língua farejante com el sonido del concierto, el cantante, nos intervalos, hablava apenas
español selbaje, tosqueira, mas também por causa dos uivos dos tarados dos mortos, por causa
do caminhão triturando os detritos e os desejos guardados da classe média do bairro, aqui nas
pradarias babilônicas.
Digo “si, si, si, si, si” a tudo que vem daqueles lábios mestiços e daqueles ojos
andaluzes, assino embaixo no escuro das nossas línguas, mas não era uma índia?, e rumamos
sobre as pradarias nocturnas, não, não era Esperanza.
O cãozinho entende o que ela fala e tenta a todo custo traduzir em mordidas nas canelas
do nuestro pangaré paraguayo, como num braile absurdo. O total de mordidas por vez
corresponde a uma letra no alfabeto, como se passassem torpedos ao telefono, daí cabe ao
sábio pangaré retransmiti-los com um código Morse de su própria cabeza de caballo dado.
Pego o cantil e entorno, agora la aguardiente de fino alambique do Pedro Grammático,
do sítio São Judas Tadeu, São Carlos, interior deste pueblo. Jogo um pouco sobre o asfalto,
para o anjo da guarda desta noche, e descambo a pensar nas letras de algunas canciones del
concierto do ano da graça de 2006, como estes versos, por exemplo:
“Juliana, me fale a teoria do seu Sigmund Freud,
aquele velho louco e cheirador.
Juliana, me fale sobre júpiter em oposição ao sol
e de saturno em quadratura com a lua.
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Cap. XVIII - De como la chica com o seu lindo cachecol colorido limpou
minhas lágrimas em preto e branco
Essa coisa de ter sonhos de uma siesta dirigidos livremente acabam dando em mierda,
meu anjo, mas confesso, me impressionam, quiçá me paralisam. Pior é que quando tiro noites
para o sexo, não para los sueños, também sonho dentro de quem amo ou dentro de quem
invento que amo tanto.
Onde está usted, amigo cão de alma perra?
Ela, mi ojos andaluzes, com mãos fuertes, abraçou-me sobre o caballo. E me deu um
beijo ao vento, daqueles de road-movie. Com seu lindo cachecol colorido limpou minhas
lágrimas alvinegras, como se fossem lágrimas dirigidas por Jim Jarmusch. Seguimos, segue a
vida enfim, rapay.
Arriba comancherossssss! A noite está apenas começando, sempre.
Cap. XIX- Donde o nóia aperta o “S” de subsolo e desce aos infernos
Nem deu tempo de eu berrar calabocafeladaputa, tive que apertar o gatilho e fazer aquele
verme, negro como aquela noite de segunda, negro como a noite que não tem luar da música,
música que eu odiava, quando minha mãe preta cantava, já meio louca, alcoolizada como a mãe
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de Elvis Presley, “Índia teus cabelos...”, entregue, dando para Deus e para o mundo, ou talvez
nem dando, mas perdida, e mulher nem precisa dar... os merdas dos machos já acham que se foi,
já é, deu, não para poucos, fodam-se.
Nem deu tempo, não sou de nove-horas. Calibrei o indicador da mão esquerda, atiro e
jogo sinuca com esse lado do cérebro, foi fácil fazer aquele nóia apertar o “S” de subsolo e
descer direto aos infernos.
Porque os corpos vão para o Instituto Médico Legal, IML, justo, as almas não. As almas
tomam banho de enxofre quente nas profundezas e depois penam, vagam, até encontrarem
outros restos humanos para fazer morada ou encosto.
Besta é quem espera o que vem do outro lado do escuro.
Não temo nenhum vivente. Meu único medo, desde menino, é do mistério do lado
negro da noite.
Meti-lhe bala no toitiço. Caiu estrebuchando como um bode ao levar a primeira paulada
no açougue. Já viram como cai um bode ou um carneiro nessas horas fatais, os caprinos?
Menos uma alma sebosa sobre a terra, foi-se.
O desalmado implorava “eu sou inocente, trabalhador, pai-de-família, pelamordedeus”,
de joelhos. Ah, nessas horas todo mundo é do lado certo da vida, se brincar, cita um versículo
de João, Apocalipse, se brincar, usa a própria Bíblia como escudo, açoite, igual no faroeste que
a moeda, o dólar, salva a vida do homem, o dólar furado, Giulliano Gemma, lembram?, nessa
hora ninguém é criatura das sombras.
Trabalhador? Como se ainda tivesse trabalho para esta mundiça, escória, refugos!!! Pai-
de-família? Pensa que “crescei e multiplicai-vos” é povoar o mundo de ladrão e aumentar a
escória da Terra?
Pelo amor de Deus?
Mais uma bala no juízo por usar o seu santo nome em vão nessa boca de onde só sai o
mal e o sobejo da besta fera do universo.
Estraçalhei o coco do desgraçado, dava para ver os miolos moles, balofos, uma rodilha
de gosma, como se fossem lombrigas, parecia aqueles desenhos, cérebro, cerebelo, como
desenhos da escola, como vejo ensinando a tarefa da minha filha Verônica.
“Tal como a nuvem se desfaz e some, aquele que desce à sepultura nunca tornará a
subir. Nunca mais tornará à sua casa, nem o seu lugar o conhecerá mais." (Jó 7:9-10)
SOBE.
DESCE.
Disse alto o meu versículo, como sempre faço quando livro a Terra de um malassombro,
e segui com a consciência limpa de quem tem ajudado a assear o mundo, pelo menos o meu, o
que interessa.
Carandiru foi pouco, desgraçados, pestes bubônicas, istampô-calango, febre do rato,
vômito do demo, 666 escrito a ferro em brasa, tatuagem da besta. Dimas, o ladrão do lado de
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Jesus, que me perdoe, mas hei de acabar com os aloprados aqui da Terra, os que não prestam nem
para esterco, estrume, deles não nascem nem mamona, que é capaz de nascer até sobre pedra.
Nem estava de serviço naquela noite. O que não podia era me acovardar no momento.
Olhei os meus meninos dormindo, Yarley, de dez anos, Daiana, de nove, e Carlitos, de onze
meses, batismo que dei em homenagem ao Carlitos Tevez, até então herói argentino do meu
time, o Sport Club Corinthians Paulista. Eu sei que passa, o cara vai embora, mas como foi
importante aquele título, rapaz de fibra, raça, a cara do meu Timão, fodam-se bambis
tricolores, palmeirenses de merda, viúvas de Pelé, só existe o Corinthians entre o céu e a terra
na terra, vocês sabem seus bostas.
Beijei a testinha de cada um deles, meus meninos, peguei minha toca ninja, minha arma
e fui ajudar os irmãos do lado certo da vida a limpar a bandidagem que tomava conta de São
Paulo, cidade a quem devo a vida, naquela justa hora.
Por causa do pânico nas pradarias nocturnas de San Pablo de Piratininga, nos
escondemos, com muito gosto, nos infiernos da Rua Augusta, bebendo drinques vermelhos, eu
campari, ela um certo bloodymary falso que eu mesmo improvisava com molho de tomate
vagaba, quase Q-Suco, “hacen bien a la fluera intestinale.”
“Diga-me uma coisa sagrada para ti”, provoquei a rapariga, copiando o que acabara
de ler num faroeste.
“Ah, Romeu e Julieta, por exemplo”, ela disse.
Onde estará meu pobre cão que falava a língua dos homens de boa vontade?
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Lá fora, sob a garoa, meu pangaré paraguayo relinchava e era um sinal de que segue a
vida enfim, segue a vida e eu adapto o meu velocímetro.
Chivas ainda soletra uma tese. Segundo o quadrúpede, está na boemia, e não na política,
a resistência, a guarda do espaço público possível nos dias de hoje.
O seu generoso elogio à resistência e à flânerie, às mesas nas calçadas, aos bêbados que
vagam, elogio ao seu próprio dono. Sim, amanhã a cocheira receberá ração inglesa, a mesma
dos cavalos do Príncipe Charles, valeu, grande Chivas, andava mesmo carente de teses que
justiçassem as minhas perdições en la noche, grande prêmio.
Cap. XXI - Donde Ezequiel faz o que pode e o que não pode para encaixar
os cadáveres
Nas margens do Rio Pinheiros, os urubus apuram o faro, como durante todos os dias do
ano. Sobrevoam na companhia da segunda maior frota de helicópteros do mundo, só perdemos
para NY, um shopping-bunker de luxo, revenda das mais importantes grifes do mundo, e
decidem o próximo destino: IML, Instituto Médico Legal, nas proximidades.
Mais de cem corpos, cadáveres de policiais e de suspeitos e supostos suspeitos mortos
em possíveis confrontos da Polícia com os Gângsteres do Sol Quadrado, a supracitada
falange, noticiário à toda, coisas da bida, viejo amigo Kurt.
O tiozinho Ezequiel faz o que pode e o que não pode para encaixar mais uns cadáveres
nas câmaras frigoríficas e foge para tomar umas pingas.
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Ela, a minha linda e ciganosa criatura, acha que durante o tempo em que nos
esfregamos carinhosamente sobre o cavalo não notei nada.
Acha que isso é motivo de desmanche da nossa comovente história que começou com
requintes bíblicos, Davis & Golias, cartazes clássicos, quase Plaza de Toros, a luta contra o
Gigante Tatuado.
“Pobre perro”, ela diz. “Fofinho”, ela alisa o próprio braço como se fosse o cãozinho gospel.
Comove.
Uivos de lobos ao longe, me sinto na floresta negra, naquelas memórias alcoólicas, o
cara descendo a montanha para votar pelas mulheres, num plebiscito sobre bebedeiras e outros
bafos conservados em barris de crenças, como se fosse possível mudar o DNA dos
alcoólatras de berço ao simples “aleluia” de uma igreja, meu caro primo Jack.
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“Não llora, amor”, ela implora, “não llora bebezito de mi pobre bida”, Marguerita implora.
Donde vem esse portunhol selvagem, maluca?, pergunto de volta.
Ela me fazia dormir las siestas embaladas com incribles lendas guaranys, cunha-taís,
histórias da tríplice fronteira, formigas gigantes viciadas no magnésio de fitas cassetes - com
guarânias e boleros para um amor sincero - e dos carregamentos de VHS.
Marguerita estivera com os Jivaros, uns índios da Alta Amazônia, uns índios abusados
em suas existências, radicalíssimos os Jivaros, anarquistas ao extremo, que fazem de todos os
dias uma viagem sem fim, tribo do Piemonte andino, pelo que me recordo...
“POLÍGAMOS RADICALES”, ela diz.
“MATERIALISTAS!!!,
SENSUALISTAS!!!,
POSITIVISTAS EXTREMOS!!!”, disse sobre eles o padre Vacas Galindo, ela me conta,
belo riso o riso somente dela.
Esse conto do vigário é de 1895, de novo ela, sopra, recita, para a minha cara de leso
maconheiro sem memória, mil oitocentos e quanto mesmo?
Século 18 ou 19?
Como se isso tivesse importância.
Quatro anos después, o abade François-Pierre, ela me ilumina, ah, me gusta da memória
de los viajantes, havia dito:
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Fazia tempo que não ouvia, nesse grande deserto doravante denominado Carençolândia
de La Existência Perdida e Sem Vuelta, um “não chora, amor” mais terno, comovido, luna
caliente em taças de requintado conhaque, carajo, fudeu, agora é que entendi la oscuridad,
negrura, escuridón, tinieblas que viene lá do sótão d´alma que pode ser uma noite, apenas uma
noite, nada más, que importa?
Meu portunhol estaba cada vez mais al puento, conforme avançávamos na viarrem al
fim de la calle.
O resto do ácido batendo no juízo, la coca e flores letales nos narizes, e lloramos
como na canción de Roy Orbinson:
LLORANDOOOOOOOOOOOOOOOOOO.
As lágrimas mais legítimas são as lágrimas después de um velho ácido, ou mesmo de
um flash-back, además nem os garçons choram uma gotícula de água escocesa paraguaya por
estas plagas latino-americanas.
Ayuda-me justicero, socuerram-me índios que governam a América, cerram comunistas
miraculosos de verdad, façam com que la água de la bida jorre sobre nuestros copos longos e
cheios do granizo de todas las tempestades.
No que encho a mão com gosto no que seria la concha de minha linda criatura ciganosa,
Chivas não agüenta e relincha, entre o riso e o “bem que te avisei, maluco”, la buena onda.
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“Carandiru foi pouco, já estamos chegando aos cem”, berra o sr. Oluas, superxerife
da Segurança Pública de la Província de San Pablo.
A reação.
“Mexeram com os nossos brios”, late, como um cão de Pavlov que carece de
sangue, sangue, sangue.
“Fogo neles, é prender e matar OS SUSPEITOS DE SEMPRE, e foda-se a vaca da
Hanna Arendt”.
Trata-se de um señor muy lido e informado.
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“É, na outra chacina os caras pelo menos estavam presos”, sussurra um lambe-botas.
“Calabocafeladaputa, num tá vendo que ali está a imprensa?”
“GRANDE MERDA”, diz um velho repórter copiador de B Os e depoimentos à
Justiça, desde o império das velhas Burroughs & Remingtons, copiador ao ponto de já ter
publicado, em algumas ocasiões, até aquele famoso final “nada mais foi dito nem perguntado”,
como me segredara o bravo criminalista don Francisco Carvalho Filho.
Parem as máquinas, riem as próprias rotativas de la prensa, velho Kurt Vonnegut, riem
de si mesmas, riso dentado e mecânico, enquanto motosserras roem as árvores que viram
manchetes garrafais sobre crimes amazônicos, fitzcarráldicas corporações. Nem mesmo las
árvores que viram manchetes acreditam ou choram suas resinas mais encorpadas...
Não compre jornal, minta você mesmo, dizem as árvores como naqueles trabalhos
escolares em que as árvores, no Dia da Árvore, falavam e tinham direito a balõezinhos falantes
desenhados nas cartolinas cor-de-rosa sobre as suas copas.
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Voltamos a nos beijar, eu e a mulher do Gigante Tatuado, beijar, como se diz, beijar
ardentemente, depois que perdi, mais uma vez, para don Campos Viejo, na Sinuca do Pescador,
no districto do Baixo Augusta, Condado de la Consolación, nuestra geografia afetiva.
Havíamos esquecido quaisquer símbolos e Medusas e também o sorriso sacana de Chivas,
sim, meu pangaré a quem devo a vida y mucho más.
Puerra, don Campos Viejo fica recitando Martin Fierro, fode, esqueço a caçapa, dane-se,
ilusionista, bolas em diagonal, foda-se, perco quase todas, mas com um heroísmo dos gigantes
do ringue, essa noite levamos um baile de don Bortolotto, el grand dramaturgo del cemitério de
los autos, em dupla com su amigo don Amalfi, que tocava Duck Ellington com o taco.
(...)
Voltamos a nos beijar, do jeito mais denso possível, sabe, dentes batendo e língua
muy loca e, ora direis, ouvir céus e estrelas. Ai como é gostoso aqueles peitinhos a bater nas
minhas costas, roçar as omoplatas...
O cavaleiro fazia de conta que não via a sombra do pau dela na parede, sol
adentrando a persiana.
Cantou uma canción del concierto adonde tudo habia começado para ella, cantou do
jeito que veio naquela madruga sem fim ainda incendiada por binte años de álcool en lo
caveirón heróico del Mercosul de la existência:
“Yo tengo un paraquedas para te salbar/ yo tengo un paraquedas em mi corazón”.
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Subimos ali numa escada abaixo do Saravejo, clube de la mesma calle, quintal de
ruínas da Rua Augusta. Ela fica de quatro em cima duns escombros forrados por jornais de
ontem, que noticiavam a última invasão de Israel ao Líbano, e vem com sua linda bunda em
slow-motion, fica aí, não mexe, fica aí, ela diz, deixa que chego, e vem, aquela linda bunda
que parece a lua cheia que nos cobre de fortunas passageiras, àquela altura sob o céu que, num
relâmpago, já nos nega, embaçados corazones, a visão de tal luna caliente, mete tudo, mete,
agora me beija, a nuvem passa.
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O volume que Tom Castro entregara ao Subcomandante do Crime era a “A LEI QUER
QUE EU MORRA”, de Caryl Chessman, do mesmo autor de “2455 CELA DA MORTE”,
famoso bandido da América.
No mesmo pacote presenteou com “Homero, o junkie”, gravação do grupo de rock
mundo livre s/a cuja letra é inspirada no mesmo Chessman:
(Seu ódio)
Porque é o seu futuro
(Seu ódio)
Que coisa perfeita é o seu ódio!
Aí ficaremos e o nosso triunfo é saber
É saber
que ninguém entenderá
Nossa vitória não será entendida
(Teremos vencido)
No entanto, teremos vencido!
(Teremos vencido)
No entanto, teremos vencido!
(Teremos vencido)
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(Teremos vencido)
Poderia ser mais
(Teremos vencido)
poderia ser muito melhor
(Teremos vencido)
Com a destruição flamejante do inferno
(Teremos vencido)
que a sociedade alimenta
alimenta
(Teremos vencido)
e nega indignada que o faz!
(Teremos vencido)
Que o faz!
(Teremos vencido)
Que final, que final,
que final mais adequado
para essa farsa
farsa
que foi planejada por nós,
por nós,
amigo,
amigo ódio”.
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“Sempre fui louco para ver o sol nascer quadrado para poder, finalmente, pôr a minha
leitura em dia”, desfiava as suas pabulagens o velho Tom Castro. Tom Castro que mantinha,
clandestinamente, uma pequeno alambique, pinga destilada de arroz e de bagaço de laranja,
num mocó do presídio.
Segundo o velho Tom Castro, a cadeia, não a escola, CUIDADO ESCOLA, vide placa
de trânsito, a cadeia era o melhor lugar do mundo para formar grandes homens e leitores como
ele. Condenado a pena máxima, por justos roubos a milionários perversos, havia cumprido o
seu tempo além da conta, além do 1/6.
Aproveitou que o Estado esquecera de liberá-lo, conforme previsto nas tábuas, e foi
mofando por ali mesmo, lesma é lesma, encalacrava-se na ilusão de achar-se um leitor de verdade,
o último deles, quando, à vera, não passava de um velho fornecedor, à guisa de terapia prisional,
de quadros para feiras populares, como a da Praça da República, na cidade de São Paulo.
Tom Castro odiava a possibilidade de estar solto outra vez, não havia nada que o
despertasse aqui fora.
Amores?
Ele ria de doer o estômago.
Família?
Ficou no ralo das punhetas e nas clínicas de aborto.
Posses?
Toda propriedade é um roubo, dizia o ladrão, numa entrevista imaginária que respondia,
cada vez com mais perguntas, todas as noites em que os inocentes carneirinhos contabilizados
não davam jeito no seu sono dos justos.
O que vai fazer quando se livrar das grades?
Enquanto tiver livros no mundo, só saio daqui morto. A rua tem mão dupla, terreiro do
demo da ansiedade, gabava-se. Ora, ora, só li Guerra & Paz 42 vezes, que merda, o diabo que
me livre de ser mais um analfabeto lá fora!.
Tom Castro, nascido na Vila Tolstoi, zona leste deste pueblo, defendia umas teses
estranhas, todas para esconder a sua suposta pequenez de pintor de quadros kitsch. Era o
melhor exemplo, há tempos, de um programa de artes plásticas nos presídios da América
Latina. Um programa que combinava pintura naif e redução de penas.
Master dos masters no gênero.
Uma das teses estranhas, não sabemos se era desculpa ou álibi picareta, era a de
que todo homem devia passar pelo menos dez por cento da sua vida na tranca, na cadeia,
assim seria menos idiota.
A única coisa de boa que o Estado poderia fazer por nós, de acordo com a mente
daquele velho ladrão, era essa leitura por força das circunstâncias.
Vigiar e Punir, ele adorava esse título.
“Por baixo, por baixo, o filho-da-puta aqui se vicia em ler a Bíblia,” rosnava, enquanto
não lia, enquanto só pintava telas com cavalos gigantes azulados.
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“É lucro, porque para os bandidos Jesus vale tanto quanto Dimas, o ladrão da cruz ao
lado. Os dois se confundem na mesma persona”, discursava.
Além da invenção da leitura, o grande luxo da existência, como dizia, dizia para
ninguém, ninguém o escutava nessas horas, todos achavam lindas eram suas pinturas, pinturas
também vendidas nas visitas das esposas e filhos aos domingos na penitenciária. Pintava
também uns eróticos de motel barato. Além da leitura, dizia Tom Castro, seria a coragem,
repetia o velho, a coragem, repetia para ninguém na cela, além da leitura seria a coragem o
grande luxo da existência, a coragem como aqueles malucos marinheiros de navios perdidos
de Conrad, dos malucos dos navios de livros de aventuras, seu hobby, espremidos e sob
tufões, como o banditismo por necessidade, como a coragem dos cangaceiros do Rio Pajeú,
homens que atravessam as linhas de sombras, cabras de olhos amarelos como Chivas, o cavalo
de Fodasno, seu amigo, essas criaturas que já nascem com o cheiro de sangue nas ventas, uma
vida-cabidela, como descobrira ao ler “Guerreiros do Sol”, samurais incandescentes.
Muitos bandidos compravam quadros de Tom Castro, na penitenciária, como adorno
provisório das fodas dos encontros íntimos de domingo.
Alguns até confessavam que sem os quadros não teriam aquela paudurescência toda.
Tom Castro se orgulhava e não se orgulhava disso.
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O cavaleiro folgazão, vulgo Fodasno, folgou ao saber do fim da história via Fukwiama,
o que o pilhou, raiowakizou, para buscar las fuerzas dos fundamentalistas da tríplice fronteira.
Donde facilmente, numa aliança naturalíssima entre os violentos justiceiros Alalaôs e os
refugos alcalinizados de todas las bidas desperdiçadas deste pueblo crackolandês, marcharam
para la revancha possible dos akhmanos de San Pablo.
La revolución estaba en las garras invisibles dos ninjas-mores, hombres-molambos sem
cabeças, apenas os vultos de viejos cobertores andarilhos que se multiplicavam como gabirus-
ninjas de esgoto e sufocavam os inimigos em la calle, em suas torres, corporaciones e nos seus
confortáveis leitos.
Daí por delante, nunca mais uma criatura dormiu neste condado babilônico, donde o
biógrafo Augusto Sombra catalogou dois tipos de insones: os que não dormem porque estão
no inferno e os que não dormem com medo destes mesmos credores, que cobram a sua
parte em sonhos, pesadelos e cevadas onças das cédulas de cinqüenta.
[O FIM]
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Manual para fazer das crianças pobres churrasco ou Modesta proposta para
evitar que as crianças da Irlanda sejam um fardo para seus pais ou seu país.
por Jonathan Swift
tradução Clarah Averbuck
ilustrações Fabia Bercseck
O renomado e clássico Jonathan Swift, o homem d´As Viagens de Gulliver, nos apresenta
o atualíssimo “Manual para fazer das crianças pobres churrasco”, um texto político e satíri-
co do século XVIII, mas perfeitamente válido para os nossos dias no Terceiro Mundo.
A tradução e apresentação ficaram por conta da escritora Clarah Averbuck, com ilustrações
da artista Fábia Bercseck, o que emprestam ao livro mais luxo ainda. Embalado a vácuo,
como em um frigorífico ou supermercado, o manual é mais um projeto gráfico de Pinky
Wainer que preza, sobretudo, pelo assassinato da caretice editorial.
92 págs.
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Os dicionários do Simão - tucanês, antitucanês e lulês - publicados neste livro são mais
relevantes para a leitura da história contemporânea brasileira do que muitos compêndios
de sociologia tupiniquim. Com a maior de todas as vantagens humanas: não estão
impregnados pela tinta da chatice e da rabugem.
Porque Simão é um artista pop brasileiro, no sentido de vida e no sentido de popular
mesmo, como queria Andy Warhol, uma das suas tantas influências.
No país da piada pronta, não é nada fácil ser um grande humorista. A concorrência desleal
com a realidade é um terror. Neste livro, lançado orgulhosamente pela Editora do Bispo,
além dos dicionários, Simão desvenda ao leitor os segredos da arte da sua escrita e dos
seus comentários de Rádio e TV. Saiba, entre outros mistérios, porque um banho e um
bom figurino podem ser importantíssimos para fazer um programa radiofônico.
216 págs.
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site: www.editoradobispo.com.br
TV do Bispo: www.videolog.com.br/editoradobispo
Blog do Bispo: www.dobispo.zip.net
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Um cavalo que foge de uma famosa estátua eqüestre beija
e ampara na sarjeta o cavaleiro delirante. Don Augusto
Sombra, o biógrafo de vidas desperdiçadas, colhe relatos
nas tabernas, onde encontra don Macedonio Fernández
e o incrível sr. Knut. Esperanza, marcada por agulhas
de fabriquetas coreanas e a febre da selva, pisoteia los
hombres em la calle. A insone Viridiana, chica buñuelistica,
desconfia que tudo não passa de uma fábula envenenada
com boa-noite-cinderela. A essa altura, o portunhol selvagem
é a nova língua da Babilônia. Preparem seus corazones,
senhoras e senhores, as aventuras nos chacos existenciales
de San Pablo estão apenas começando. Tudo acontece na
mais longa noche deste pueblo, quando os Gângsteres do
Sol Quadrado impõem o toque de recolher na metrópole-mor
de latinoamérica.
“Tal como a nuvem se desfaz e some, aquele
que desce à sepultura nunca tornará a subir.
Nunca mais tornará à sua casa, nem o seu
lugar o conhecerá mais.” (Jó 7:9-10)