Você está na página 1de 28

Família e Sociedade

Autor: Ana Carolina Bazzo Silva

Tema 02
Relações sociais, sistemas
jurídicos e famílias
Tema 02
Relações sociais, sistemas jurídicos e famílias

seções
Como citar este material:
SILVA, Ana Carolina Bazzo. Família e
Sociedade: Relações sociais, sistemas
jurídicos e famílias. Caderno de Atividades.
Valinhos: Anhanguera Educacional, 2017.
S e ç õ e s
CONTEÚDOSEHABILIDADES

LEITURAOBRIGATÓRIA
AGORAÉASUAVEZ

LINKSIMPORTANTES GLOSSÁRIO

REFERÊNCIAS

FINALIZANDO GABARITO
Tema 02
Relações sociais, sistemas jurídicos e famílias

4
CONTEÚDOSEHABILIDADES
Prezado aluno, neste caderno você será apresentado a conceitos e autores que o permitirão
refletir sobre um aspecto importante do estudo da relação entre família e sociedade: as
noções jurídicas de família. Para tanto, discutiremos as origens sociais e culturais do direito
e da lei. Você deve ter notado que nosso objetivo, com este conteúdo, será sempre abordar
as temáticas propostas a partir de suas origens sociais e culturais. Esse também será
nosso propósito aqui, neste caderno.

Se, num momento anterior, acompanhamos questionamentos que nos permitem


compreender a força da sociedade na definição e na constituição do que são as famílias e
os indivíduos, neste vamos aprofundar essa leitura para que possamos compreender que
as definições de família nos códigos normativos também acompanham contextos culturais,
sociais, políticos, históricos e, inclusive, acadêmicos, já que a produção de conhecimento
também não se aparta de seu tempo e do espaço quando e onde acontece.

Para seguir o percurso nos estudos dessa temática, será importante ter compreendido
esse ponto, já discutido no anterior: a sociedade e a cultura exercem força sobre a forma
particular como famílias e indivíduos pensam, agem e se comportam no mundo e uns com
os outros.

Sigamos por este caminho!

Professora Ana Carolina Bazzo da Silva

5
LEITURAOBRIGATÓRIA
Tema 1 - Relações sociais, sistemas jurídicos e famílias
Convite à leitura

No segundo tema de nosso curso, vamos nos aprofundar sobre a leitura das ciências sociais
sobre as famílias, abordando seu olhar para os sistemas jurídicos. Mostraremos como as
definições sobre família estão intimamente ligadas ao direito, em nossa sociedade. Para
tanto, como fizemos anteriormente, vamos partir dos contextos em que os autores estão se
perguntando sobre o que é o universo do jurídico e como ele se relaciona com a sociedade.
Quais os imperativos sociais para a normatização da nossa vida cotidiana e extracotidiana?
Qual o papel da lei na organização da sociedade e da cultura? Como o direito se relaciona com
outras instituições sociais e quais conceitos das ciências sociais nos ajudam a compreender a
lei, bem como a família, como parte de uma sociedade? Acompanhemos a argumentação de
diferentes autores para estes questionamentos, neste caderno.

Por dentro do tema

Para começar o estudo, é importante que você tenha compreendido alguns dos principais
pontos discutidos no caderno anterior. Acompanhamos o cenário a partir do qual os filósofos
contratualistas partem para pensar o homem em seu estado natural, mas, em seguida,
mostramos que os pais da sociologia pintam um quadro um pouco diferente.

Para alguns dos contratualistas e para os evolucionistas culturais, a sociedade surge,


primeiramente, da busca pela proteção por parte de um homem sozinho em seu estado
de natureza que se associa a um grupo familiar e, em seguida, grupos familiares formam
um grupo social maior. Já para Durkheim e Weber, o homem só pode ser concebido
enquanto tal porque vive em sociedade, porque é apresentado desde criança às normas
sociais e à linguagem. Sugerimos que, caso ainda não tenha compreendido muito bem as

6
LEITURAOBRIGATÓRIA
influências teóricas com as quais esses fundadores da sociologia e da antropologia estão
dialogando, que faça uma pequena pesquisa biográfica. Durkheim, por exemplo, dialoga
com Montesquieu (1689-1755) e com Kant (1724-1804) em diversos pontos de sua obra,
enquanto Marx debate com Hegel (1770–1831), Demócrito (460 a.C.–370 a.C.) e Adam
Smith (1723–1790). Lévi-Strauss com Rousseau (1712–1778), Kant e Freud (1856–1939).
Pesquise sobre esses autores, conheça um pouco do momento histórico em que estão
escrevendo e atualize-se sobre as questões que cada um deles faz para o humano e para
a sociedade.

Neste tema, trabalharemos com maior detalhamento os autores que se dedicam a estudar
a relação entre família e lei, ou seja, a estudar essa parte bastante interessante da vida
em sociedade que é a constituição de regras que organizam e direcionam a vida coletiva.
Lembre-se de que para compreender o que autores estão dizendo é importantíssimo
seguir o raciocínio deles e o diálogo que eles estabelecem com outros autores. Lembre-se
também de que, neste curso, estamos assumindo que o homem é um ser social e cultural
por natureza. Agora é o momento de nos perguntarmos sobre as raízes culturais e sociais
da lei. E, portanto, sobre as raízes culturais e sociais das normas que regem a vida familiar
e a relação da família com a sociedade.

Relações sociais e leis: o jurídico e a sociedade

Imagine-se como parte de uma sociedade que, por mais de mil anos, dedicou-se a estudar
textos sagrados. Imagine-se como parte de uma sociedade em que a grande maioria da
população era analfabeta, trabalhava no campo e em que poucos membros de uma elite
religiosa detinham meios de produção e reprodução do conhecimento. Essa imagem nos
ajuda a visualizar o que era a Idade Média na Europa do ponto de vista do acesso ao
conhecimento. Não é por acaso que os grandes filósofos deste período eram religiosos,
como São Tomás de Aquino e Santo Agostinho.

Durante o período que data mais ou menos dos séculos V a XV, pensadores ligados à
Igreja Católica dedicaram-se basicamente a compreender o lugar do homem na obra divina.
Mas, como o conhecimento não nasce do nada e autores sempre dialogam com seus
predecessores, mesmo quando o fazem criticamente, é importante citar que esses autores
estão recuperando a filosofia em seu berço: as cidades antigas gregas e romanas.

7
LEITURAOBRIGATÓRIA
O mesmo paralelo podemos fazer quando falamos nos autores iluministas e a filosofia,
em autores iluministas e o direito. Grande parte das preocupações que encontramos nas
obras de filósofos iluministas sobre a relação entre homem, lei e poder ou entre homem, lei
e sociedade, tem como referência o direito romano ou o direito consuetudinário (baseado
em costumes e na oralidade) de populações que ocuparam o território europeu ao longo da
queda do Império Romano.

A influência do sistema administrativo e normativo romano nas preocupações dos principais


filósofos do XVI, XVII, XVIII e XIX é patente. Ora, se vamos pensar a sociedade possível
com a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, precisamos partir de algum
lugar. E os autores partiram daquilo que conheciam, porque conviviam com as estruturas
administrativas e normativas herdadas desde o Império Romano e inclusive aproveitadas
pela Igreja Católica durante a Idade Média. Até os dias atuais vemos uma grande presença
do direito romano e do direito germânico na formação dos Estados nacionais modernos e
em nossas próprias constituições.

Direito germânico e direito romano? Do que se trata? As estruturas normativas herdadas


pelos povos europeus se relacionam diretamente com as estruturas de poder e de
hereditariedade da posse da terra e de bens que vinham desde o Império Romano, mas
que também dialogam com os costumes dos povos que ocuparam as terras posteriormente,
como as nações de origem teutônica. Para nós, por que retomar esse contexto é importante?
Porque os autores do final do XIX e começo do XX que consideramos pais fundadores
das ciências sociais estão se perguntando também sobre as origens sociais do direito.
Mas não estão falando sobre qualquer direito, qualquer lei, qualquer sistema jurídico. Estão
utilizando essa tradição germânica e romana para analisar a sociedade de classes e, mais
do que isso, para pensar como se organizam as sociedades que não compartilham esses
códigos ou essas estruturas administrativas.

Lembre-se de que já em Roma tínhamos estruturas de divisão de poderes, de cidadãos


que representavam grupos de poder distintos na sociedade. Lembre-se também de que
no Império Romano já encontrávamos conflitos sobre reforma agrária e posse de terras.
Por aqui, já podemos abstrair pontos importantíssimos do direito que encontraremos nas
discussões de autores que o recuperam como parte essencial para o estudo da sociedade:

1) Há uma íntima relação entre os códigos normativos que regem a vida cotidiana de uma
sociedade e as estruturas de poder dessa mesma sociedade;

8
LEITURAOBRIGATÓRIA
2) Há uma íntima relação entre o direito e a posse da terra no direito germânico e no direito
romano, ou seja, além de versar sobre o que é permitido, o que é proibido e como os desviantes
devem ser punidos, os códigos jurídicos versam sobre o direito à terra e aos bens.

3) A estrutura administrativa do poder se coaduna à lei, ou seja, tanto a lei serve para a
manutenção dessa estrutura de poder, quanto ela é definida por essa estrutura administrativa.

E quanto à sociedade específica em que esses pontos estão sendo retomados? Assim
como o indivíduo e a família possuem sentidos próprios para a sociedade de classes, como
discutimos em nossa aula anterior, podemos dizer que o universo jurídico possui um sentido
próprio para a sociedade de classes. A divisão de poderes que estrutura as repúblicas e
monarquias europeias no final do XIX e começo do XX; a relação entre Estados nacionais
que passaram por guerras coloniais após o período das grandes navegações; as guerras
que instituem novas relações de poder entre nações no XX, tudo isso tem grande influência
na forma como sociólogos e antropólogos escrevem sobre lei, ordem e poder.

Especificamente, há algo importantíssimo que é notado por autores franceses e ingleses


do começo do século XX. Até o momento, pensadores reconhecidos e estudados por
todos eles fizeram referência às cidades antigas, à administração política romana, ao
direito consuetudinário dos clãs germânicos quando se perguntaram sobre os códigos que
organizam a sociedade.

Nesse modelo de código jurídico, a hereditariedade e as famílias possuíam grande


importância. Podemos observar melhor a temática quando lemos as peças e textos clássicos.
Tanto nas narrativas sobre a vida nas cidades antigas gregas quanto nos textos que falam
sobre o Lar familiaris, espécie de divindade romana que protegia as casas, encontramos a
família como unidade sobre a qual, de uma forma ou de outra, se debruçam a lei e toda a
estrutura de relações sociais a que ela se refere. Peças inteiras são escritas em torno da
temática relação entre cidadãos e servos tendo a dinâmica familiar como cenário. O trabalho
servil, a posse hereditária de bens, o lugar da mulher, o lugar do homem, tudo se passa no
universo doméstico. E era justamente esse o modelo de relação entre direito, propriedade
e família para os autores do XIX, sobretudo os evolucionistas culturais. Sistemas jurídicos
que versam sobre a hereditariedade da posse de bens, da terra e do poder político estão
por trás da forma como se organizam as relações sociais, para autores como o historiador
francês Numa Denis Fustel de Coulanges (1830-1889) e o jurista escocês John Ferguson
McLennan (1827-1881). De Freud a Durkheim, visualizamos essa família enquanto unidade
moral e jurídica quando tais autores falarão sobre sociedade e normas.

9
LEITURAOBRIGATÓRIA
Mas, e quando os grupos sociais não possuem as mesmas unidades familiares com as quais
estamos habituados a lidar, como podemos compreender a vida jurídica desses povos? E,
quanto ao contrário, quando povos não possuem a mesma estrutura jurídica com a qual
estamos habituados a lidar, qual o papel da família? Pensemos nessas questões, a partir
da agora.

As famílias, no plural

Antropólogos do começo do XX começam a se deparar com novos dados sobre povos


com os quais os europeus voltavam a ter contato no período que conhecemos como
neocolonialismo. Esse contexto da história europeia acompanha a expansão econômica
advinda com o impacto da industrialização. É um momento em que os dados coletados
por viajantes sobre costumes de povos da Polinésia, África, Groenlândia, nativos norte-
americanos e outras localidades, começam a trazer novas questões para o lugar da família
e do direito na definição do que é a Sociedade e do que a organiza. Como se dão as relações
econômicas e como se normatizam as relações entre sujeitos em sociedades sem Estado
ou sem escrita? Se não há instituições especializadas na escrita, fiscalização e execução
da lei, como essas sociedades se mantêm no tempo, organizam-se?

Note que, quando falamos em direito e em sistemas jurídicos para autores que se questionam
sobre relações sociais e sociedades, estamos nos perguntando sobre o que organiza e
mantém as relações sociais em dado grupo. É justamente esse o fio condutor de uma das
principais obras do sociólogo e antropólogo Marcel Mauss (1872-1950), O Ensaio sobre a
dádiva, publicada em 1825. Esse também é o fio condutor de uma das principais obras do
antropólogo Bronislaw Malinowski (1884-1942), Crime e costume na sociedade selvagem,
publicada em 1926.

O direito fala sobre como devemos agir em sociedade e sobre os princípios que regem tanto
nossa vida cotidiana quanto a hereditariedade da propriedade e do poder, mas também fala
sobre o que é o crime. Malinowski captou bem os princípios da regra nas sociedades das
ilhas do Pacífico Sul já no começo do livro anteriormente referido. A discussão sobre o que
o autor chama de estrutura e função da lei primitiva começa por Malinowski nos dizendo
que os termos comunismo, capitalismo e socialismo não servem para descrever a estrutura
social dos povos das Ilhas de Coral. Segundo ele, para compreender como se dá a relação
com a propriedade e com a hereditariedade do poder nesta localidade, temos de entender

10
LEITURAOBRIGATÓRIA
sobre canoas. O papel das canoas, do feitio delas e de toda uma relação de trocas que
envolve sua produção é essencial na vida cotidiana dos nativos. E, em torno da produção
da canoa, giram diferentes vértices da jurisprudência sobre a propriedade.

Inicialmente, observadores que tenham a sociedade de classes como modelo para


definição do que é o poder, do que é economia, do que é propriedade, cairiam no engodo
de classificarem sociedades sem Estado como comunistas ou socialistas. Observando a
estrutura das relações entre famílias, podemos compreender que não é bem assim. Há um
sistema estabelecido de troca que se relaciona diretamente com um sistema de posse da
terra advindo das relações entre famílias. E esse sistema é organizado, há sanções para a
quebra da lei. Para compreendermos melhor a quebra da lei nas sociedades sem Estado,
é interessante citar os trabalhos de Malinowski com povos das ilhas Trobriand e que foram
brilhantemente citados na referida obra de Marcel Mauss.

Novos estudantes de ciências sociais, direito e psicologia são apresentados à palavra Tabu,
mas nem sempre são apresentados ao seu contraponto, a palavra Mana. De origem polinésia,
as duas palavras se complementam. Tabu tem um significado amplo. Se refere ao sagrado,
que não pode ser tocado, mas também se refere ao que é proibido, como o casamento entre
mães e filhos, pais e filhas. Mana, por sua vez, refere-se à potência, ao poder, prestígio.
Proibição e poder estão intimamente ligados, sobretudo porque quando a regra é quebrada,
todo o sistema de poder também é afetado. Quando contraio casamento com alguém que
é proibido para mim, estou quebrando com todo um sistema de hereditariedade da terra,
das canoas, dos objetos sagrados. A contrapartida da quebra da lei é ser atingido pelo
desequilíbrio nas relações de poder, de algum modo. A consequência de se enfrentar o Tabu
é ter que enfrentar Mana. Tabu e Mana, portanto, revelam o jurídico presente no sistema
de crenças dos nativos da Polinésia. E se relacionam diretamente com as famílias, porque
casamentos proibidos sempre implicam em uma bagunça na hereditariedade do poder e na
hereditariedade da terra, estando a quebra da lei relacionada a uma punição sobrenatural.

Se, pelos sentidos de Tabu e Mana, podemos entender a relação entre crença, direito, poder
e famílias, pela compreensão do Kula podemos compreender a relação entre economia,
direito, poder e famílias. Mauss dedicou-se a compreender o direito por trás do ritual
estudado por Malinowski nas Ilhas Trobriand e que se chama Kula. Trata-se de uma troca
ritual de braceletes e colares de conchas que segue uma regularidade no calendário anual e
que segue uma ordem preestabelecida. Sujeitos de uma ilha oferecem um tipo de adorno e
recebem, em outro momento, outro tipo de adorno. Para Mauss, todo o sistema econômico

11
LEITURAOBRIGATÓRIA
está representado nessa troca. O presente, a dádiva, não é dado aleatoriamente. A troca
de presentes representa um sistema organizado de relações sociais que representa a vida
econômica, as crenças, as relações entre parentes, a forma como o poder é herdado e
como essas pessoas o administram. O jurídico é, para o autor, aspecto essencial para que
entendamos esse ritual.

Para Mauss, há alguns fatos sociais que podemos chamar de fatos sociais totais. Sobrinho
de Durkheim e um de seus discípulos teóricos, Mauss refere-se ao conceito durkheimiano
de fato social:

1) Fatos sociais são fatos que têm causa estritamente social e não individual, portanto, são
exteriores ao indivíduo;

2) Exercem pressão sobre a vida individual, são coercitivos;

3) Não possuem sentido individual, somente coletivo, por isso têm um sentido generalizante.

Fatos sociais totais são aqueles que agregam mais de um aspecto da vida social, que
dialogam com mais de uma instituição social. A vida econômica, a política, a religião e a
família são instituições sociais. Possuem uma lógica específica para cada grupo social,
funcionam de acordo com regras que as definem como tais. E há fatos que agregam mais
de uma instituição social, que as colocam em função uma das outras. É o exemplo do Kula.
Mas, por que retomar esses estudos é interessante para nossos estudos sobre família e
direito neste caderno?

Primeiramente, porque a postura de sociólogos e antropólogos do começo do século XX em


relação às sociedades sem Estado e sem classes sociais é uma postura essencial quando
vamos pensar em famílias e direito. Malinowski recusou-se a classificar as sociedades
do Pacífico como estando em estágios de desenvolvimento anteriores ou posteriores ao
capitalismo ou como sociedades anárquicas. Havia, para o autor, uma forma de organização
social ali estabelecida. E Mauss nos disse que era justamente o sistema normativo o
responsável por ordenar, em tais grupos sociais, toda uma estrutura de relações sociais e
de instituições sociais. O jurídico era o modo que colocava diferentes instituições sociais
em relação no Kula. A produção de canoas evocava economia, direito e parentesco, para
Malinowski.

12
LEITURAOBRIGATÓRIA
Estas análises nos ensinam duas posturas importantíssimas quando falamos em família e
em códigos jurídicos:

1) Nossa definição legal de família acompanha um contexto social, político e histórico específico;

2) Não necessariamente a definição legal de família de outras sociedades será igual à


nossa, porque códigos legais também são fatos sociais, ou seja, acompanham a sociedade
em que são produzidos.

Por consequência, por ora podemos concluir que:

1) existem várias definições possíveis de família;

2) o direito é histórico e, sobretudo, social.

Sabendo disso, partamos para uma reflexão sociológica e antropológica sobre a família em
nosso código civil.

Instituições e famílias

Acompanhando os estudos antropológicos e sociológicos sobre sociedades sem Estado,


podemos notar que existem normas para as transações econômicas, para a vida cotidiana,
até mesmo para a vida religiosa. Essas normas, baseadas na oralidade, acabam versando
sobre diferentes aspectos da vida cotidiana porque, nessas sociedades, as instituições de
certo modo se misturam tanto no cotidiano, quanto em momentos rituais.

Mas, e em nossa sociedade? Lembre-se, quando pensamos na sociedade organizada


na forma de Estados nacionais e na forma de classes sociais, a divisão de poderes e de
funções é o que marca as relações de trabalho e as relações entre os sujeitos. Quando
Marx falava sobre classe, salientava-nos que a produção industrial fez uma reviravolta
na forma como se estrutura o trabalho. Quando falava sobre divisão social do trabalho,
Durkheim também afirmava que o modelo da produção industrial implica em uma maior
dependência entre os sujeitos na sociedade de classes. Weber, por sua vez, salientava
a importância da burocracia administrativa na forma de poder da sociedade capitalista.
O mesmo podemos observar no direito. Temos leis voltadas para impostos, leis voltadas
somente para transações internacionais, leis voltadas para aqueles que cometem crimes,
leis trabalhistas, entre outras.

13
LEITURAOBRIGATÓRIA
No direito brasileiro, é no código civil que encontraremos as leis sobre família. É nesta parte
do código brasileiro que encontraremos todas as leis que falam sobre o cotidiano e a vida
privada. Nele, no que tange à família, encontraremos leis que versam sobre casamento,
herança, maioridade penal, filiação. Para nós, é importante atentar para a forma como a
sociedade brasileira pensa direitos e deveres que advêm do casamento, porque são as
leis que versam sobre casamento que nos dão o caminho para pensarmos a definição de
família e como ela muda ao longo do tempo na constituição e na execução da lei.

Até o momento, podemos dizer que as ciências sociais nos ajudam a pensar situações
particulares como parte de um contexto social, histórico, político e econômico. Situações
particulares, vontade individual, definições religiosas sobre família, de modo algum, para
a sociologia, podem ser a medida ou o modelo para uma definição generalista sobre
parentesco ou sobre a relação entre sociedade e família. Aprendemos, em nossa aula
anterior, que inclusive é papel da família nos ensinar a sermos seres sociais, portanto, ela é
somente uma das instituições que compõem a sociedade no sentido sociológico que o termo
assume. O direito muda, bem como muda a própria família. Instituições de assistência social
ou de educação, como a escola, trabalharão com as raízes sociais das questões familiares.
Conhecê-las é essencial para os propósitos de quem aprende e ensina sociologia.

14
LINKSIMPORTANTES
“Nanook, o Esquimó” (Nanook of the North, 1922), dirigido e escrito por Robert Flaherty
Considerado um dos precursores do documentário, Robert Flaherty mostra neste filme o
cotidiano de um povo que habitava Port Huron, localidade próxima à Bahia de Hudson, no
Canadá. Como toda mídia, o vídeo é datado e contém uma leitura específica de sua época
sobre o que seriam os costumes e as práticas a se observar quando o objetivo é relatar o
cotidiano de um povo considerado primitivo. Como sobrevivem em um clima inóspito com
ferramentas rudimentares; qual a base da alimentação; como são as casas; como se dá a
ocupação da terra; quais as crenças compartilhadas pelo grupo; como é a estrutura familiar
e as regras de parentesco são exemplos dos temas aos quais os autores do final do XIX
e começo do XX dedicavam-se. Todos esses pontos se unem quando falamos em fatos
sociais totais ou em instituições que organizam a rede de relações sociais dentro de um
grupo. Parte desses temas pode ser observada no documentário pioneiro de Flaherty.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uoUafjAH0cg>. Acesso em: 30 ago. 2017.

Alimentação: os jejuns, os sacrifícios e tudo mais ligado ao ato de comer, produzido


pela TV Brasil
Tabu é uma palavra polinésia que se refere a algo perigoso e ao mesmo tempo proibido.
Muitos autores estudaram os tabus relacionados ao casamento e às famílias, mas, talvez,
uma das formas mais claras de observarmos e compreendermos a noção de Tabu é quando
analisamos as proibições alimentares presentes em diversas religiões. Há uma íntima relação
entre o sagrado e as proibições. Para os antropólogos estruturalistas franceses, a mesma
lógica presente na proibição do incesto está presente nas proibições relativas ao sagrado,
como as que estão presentes nas restrições alimentares. Quem eu devo alimentar? Com
quais comidas? O parentesco, a alimentação e as regras sociais são partes fundamentais
da vida cotidiana em diversas sociedades. No episódio abaixo, produzido pela TV Brasil,
podemos entrar em contato com uma variedade dessas restrições alimentares presentes,
por exemplo, no Judaísmo e nas religiões Afro-brasileiras.
(Disponível em: <http://tvbrasil.ebc.com.br/entreoceueaterra/episodio/alimentacao>.
Acesso em: 25 set. 2017).

15
LINKSIMPORTANTES
Os três pilares do código civil de 1916: a família, a propriedade e o contrato, por
Felipe Camilo Dall´Alba
O artigo traz um panorama interessante para visualizarmos como o direito à terra, a
hereditariedade e a noção de família estão intimamente imbricados no código civil brasileiro
de 1916. É interessante citar essa relação sobretudo quando estudamos autores do final
do XIX e do começo do XX e quando analisamos o papel que o direito à terra tem quando
falamos em famílias no começo do XX. Notem que não é por acaso que documentaristas
também estejam interessados em falar sobre a forma como os membros de um grupo como
os Nanook produzem seu sustento e ocupam a terra ou em falar sobre a quebra da lei no
filme de Murnau. Não somente a arte ou o universo acadêmico dialogam com as concepções
de seu tempo e da sociedade em que estão inseridos, mas também os códigos legais, o
universo jurídico, dialogam com o contexto social e histórico em que são produzidos.
(Disponível em: <http://www.tex.pro.br/home/artigos/109-artigos-set-2004/5147-os-tres-pilares-
do-codigo-civil-de-1916-a-familia-a-propriedade-e-o-contrato>. Acesso em: 30 ago. 2017).

Direito de família: o que mudou de 1916 a 2002


Com este quadro comparativo, podemos observar como as mudanças na sociedade
implicam em mudanças no código civil brasileiro. De espaço para reprodução a espaço
para formação de um ser humano, a família percorre um longo caminho no espaço jurídico
brasileiro. Note que a sociedade muda, o código muda e, consequentemente, a forma
de abordagem prática de instituições de assistência ou de instituições responsáveis pela
educação também muda. Se, no começo do século XX, a propriedade é o vértice para
onde convergem as leis sobre família, no começo do XXI, o foco passa a ser a proteção da
pessoa humana e da própria instituição familiar. Conheça, neste link, um pouco mais sobre
a família no código civil de 2002.
(Disponível em: <https://tcharlye.jusbrasil.com.br/artigos/305953203/direito-de-familia-o-
que-mudou-de-1916-ate-2002>. Acesso em: 30 ago. 2017).

16
AGORAÉASUAVEZ
Instruções:
Agora, chegou a sua vez de exercitar seu aprendizado. A seguir, você
encontrará algumas questões de múltipla escolha e dissertativas. Leia
cuidadosamente os enunciados e atente-se para o que está sendo pedido.

Questão 1: Questão 3:
Qual a importância do direito para os estu- “Quando se trabalha com famílias,
dos sobre a sociedade? tanto cientistas sociais, quanto
psicólogos, médicos, educadores e
outros profissionais enfrentam um
Questão 2: primeiro problema: o de identificar
a noção de família com suas
“Embora quem case queira casa, referências pessoais. A família tende
os vínculos com a rede familiar a ser identificada com a ‘nossa’
mais ampla não se desfazem com família, tão forte é a identificação
o casamento pelas obrigações que da ideia de família com o que nós
continuam existindo em relação aos somos. Por isso, quando se lida
familiares e que não se rompem com questões de família, é difícil
necessariamente, mas são refeitas estranhar-se em relação a si mesmo.
em outros termos, sobretudo diante Há uma tendência a projetar a família
da instabilidade dos casamentos entre com a qual nos identificamos – como
os pobres, dificultando a realização do idealização ou como realidade vivida
padrão conjugal.” (SARTI, 2013, p. 48) – no que é ou deve ser a família, o
que impede de olhar e ver o que se
passa a partir de outros pontos de
Para Malinowski, ao narrar um evento em vista.” (SARTI, 2004, p. 16)
que a quebra do tabu do incesto causa co-
moção popular nas Ilhas de Coral, famílias Por que, para a autora, identificar a noção
e casamento são instituições sociais. Em de família com nossos referenciais pesso-
que ponto a fala de Sarti sobre casamento ais é um problema?
e família em comunidades pobres concorda
com Malinowski? Justifique sua resposta.

17
AGORAÉASUAVEZ
Questão 4: Questão 5:
Assinale a alternativa que explica porque o Relacione autor e obra
Kula é um fato social total:
1 – Marcel Mauss
a) O Kula é um ritual que tem como
2 – Bronislaw Malinowski
objetivo regular a vida econômica e
política nativa. 3 – Friedrich Engels

b) O Kula representa diferentes aspectos 4 – Émile Durkheim


da vida social nativa, como relações
de parentesco, relações econômicas e
A – Da divisão do trabalho social
religião.
B – A origem da família, da propriedade pri-
c) O Kula representa a vida primitiva em
vada e do Estado
sua forma mais simples.
C – Ensaio sobre a Dádiva
d) O Kula é um ritual eminentemente
religioso e representa a relação entre D – Crime e costume na sociedade selvagem
Tabu e Mana.

e) O Kula é um ritual eminentemente


político e representa a relação entre os
chefes e seus parentes.

18
FINALIZANDO
Neste caderno, acompanhamos o raciocínio de autores que se ocuparam com o estudo da
relação entre sociedade e sistemas jurídicos. Mostramos como as preocupações dos fundadores
da antropologia e da sociologia dialogam com seu próprio contexto social e histórico. Analisamos
a importância da família nos textos que falam sobre lei e política na sociedade ocidental.
Recuperamos a importância das origens gregas, romanas e germânicas para o direito.

É com esse olhar específico para a história de sua própria sociedade que os autores iluministas
pensarão o direito e que os antropólogos evolucionistas, bem como juristas, do XIX, olharão para
outras sociedades. Mas é com um olhar diferenciado que os antropólogos e sociólogos do começo
do XX olharão para sociedades sem Estado e sem língua escrita. Ao invés de classificarem
sociedades em comparação com a sociedade de classes, pensando no que lhes falta, Malinowski
e Mauss nos mostraram que as relações sociais em povos primitivos são tão ou mais organizadas
que as relações sociais na sociedade de classes.

Para nós, o essencial nesta aula é compreender que:

1) Há uma íntima relação entre normas jurídicas que regem a vida cotidiana e a definição de
família, em diferentes sociedades;

2) Diferentes instituições sociais serão permeadas por essas normas, dentre elas, a própria família;

3) O código não é fixo, ele muda no tempo;

4) A própria família muda no tempo e isso reverbera no direito.

5) Se não temos somente uma forma de organização social nem somente uma forma de estrutura
jurídica possíveis, também é essencial que falemos em famílias no plural, em diferentes definições
de família possíveis, tanto em nossa sociedade quanto em outras.

Para as ciências sociais, a diversidade é parte fundante da humanidade, bem como a sociedade
é responsável pela nossa constituição enquanto sujeitos. Sigamos para as próximas discussões
com isso em mente.

19
GLOSSÁRIO

Palavra-chave: Jurídico.

De origem latina, o termo jurídico deriva de justiça e de jus, direito. O sentido do termo jurídico
nos remete ao código normativo que rege nossas ações individuais, institucionais e coletivas
dentro de uma nação. Administrativamente, na contemporaneidade, os códigos do direito
são construídos e aplicados nacionalmente. Cada país administra seu direito da maneira
como lhe convém e a produção dos códigos, bem como sua aplicação e a fiscalização
da lei, estão diretamente ligadas à estrutura política estabelecida. Nas ciências sociais, o
direito tem papel fundamental quando pensamos no conceito de Sociedade. Grande parte
dos fundadores das ciências políticas são filósofos políticos e, para eles, há uma íntima
relação entre a política e o jurídico. Quando escreve sobre a divisão dos poderes, por
exemplo, Montesquieu está também escrevendo sobre a forma como códigos normativos
devem ser executados, escritos e fiscalizados. O peso do direito na obra dos fundadores
da sociologia também é grande. Marx começou seus estudos na Universidade de Bonn em
direito e posteriormente dedicou-se à filosofia. Durkheim também foi bastante influenciado
pelas temáticas do direito e uma das principais preocupações de seu sobrinho, Marcel
Mauss, era a pesquisa da influência dos sistemas jurídicos primitivos para a constituição
das relações sociais.

Palavra-chave: Lei.

Em alguns momentos podemos ler a palavra lei nas obras acadêmicas de ciências sociais
a partir do sentido que ela possui atualmente, ou seja, leis são as normas que regem a vida
em um país ou em uma nação. Em outros momentos, podemos encontrar a palavra Lei
assumindo um sentido mais amplo e ontológico (que se refere à natureza do ser, o que é
fundamental e essencial ao homem). Para o estruturalismo de Lévi-Strauss, por exemplo,
é possível encontrar o segundo sentido da palavra, que geralmente é grafada com letra

20
GLOSSÁRIO
maiúscula. Para o autor, a proibição do incesto é a primeira Lei fundamental da sociedade
e, portanto, geralmente é referida como a Lei. A partir da interdição em relação ao incesto,
o homem se constitui enquanto um ser social, para Lévi-Strauss.

Palavra-chave: Estrutura.

O termo pode ser encontrado na obra de diferentes autores das ciências sociais, tanto
os que têm influência durkheimiana, como Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955), quanto os
que tem influência kantiana, como Claude Lévi-Strauss (1908-2009), mas com sentidos
distintos. No caso dos estrutural-funcionalistas ingleses, como Bronislaw Malinowski (1884-
1942) e o próprio Radcliffe-Brown e seus alunos, estrutura social é o nome dado para a
rede de relações entre pessoas e instituições sociais, como economia, religião e política,
que podemos abstrair, desenhar, quando estudamos um grupo social. Já aqueles que
dialogam com o estruturalismo francês de Claude Lévi-Strauss, quando se referem ao termo
estrutura, não estão falando dessa rede de relações e de instituições observável, mas sim
das estruturas mentais a partir das quais pensamos e organizamos nosso conhecimento
sobre o mundo. Para Lévi-Strauss, o fato de podermos abstrair essa ordenação possível
das instituições e relações sociais nos remete à capacidade humana de criar estruturas
de pensamento. Estrutura, nesse sentido, se refere à teoria do conhecimento presente na
obra do autor, enquanto no sentido de estrutura social, remete-nos àquilo que podemos
abstrair a partir da observação da realidade. Em termos metodológicos, para desenharmos
a estrutura social de um grupo, precisamos observar atividades, comportamentos, práticas
de um grupo social. No caso do estruturalismo, abstrai-se os elementos que se repetem no
pensamento, na crença, nos rituais de um grupo social para que se compreenda sua cultura.

Palavra-chave: Fato social total.

Fatos sociais são as unidades que, para Durkheim, nos permitem compreender as raízes
sociais para fenômenos observáveis. Para que um fato seja social, ele possui algumas
características essenciais: generalidade, coercitividade, exterioridade. Ou seja, são coletivos
e não individuais; correspondem a padrões culturais que são externos ao indivíduo e que
não dependem de sua consciência ou vontade; são padrões culturais que exercem força
coletiva sobre a vontade individual. Marcell Mauss utiliza o mesmo princípio teórico para
21
GLOSSÁRIO
falar em fato social total. Há alguns tipos de fatos sociais que, além de corresponderem a
essas características, perpassam as diferentes instituições sociais ou coadunam diferentes
aspectos da vida social em si próprios, como a economia, política, religião e relações de
parentesco. Um exemplo presente na obra de Mauss, de fato social total, é o Kula, ritual
de troca de conchas nas ilhas do Pacífico que, ao mesmo tempo, representam a vida
econômica, política, religiosa e as relações de parentesco.

Palavra-chave: Sistema.

O termo sistema é encontrado em diferentes obras das ciências sociais, sobretudo em


textos antropológicos. Edmund Leach (1910-1989), antropólogo social britânico que foi
aluno de Bronislaw Malinowski e Raymond Firth (1901-2002), escreveu uma etnografia
ainda bastante citada que se chama Sistemas Políticos da Alta Birmânia (1954). Evans-
Pritchard (1902-1973), junto com Meyer Fortes (1906–1983), escreveu Sistemas Políticos
Africanos de Parentesco e Casamento (1950). Outros autores também escreveram sobre
sistemas políticos e de casamento, sistemas políticos e de parentesco. A temática nos
remete, sobretudo, a uma época em que se está buscando compreender a relação entre
diferentes aspectos e instituições sociais em sociedades sem Estado e em sociedades
que diferem administrativamente, culturalmente, politicamente da sociedade europeia,
onde povos se organizam como Estados nacionais. Se a estrutura social é a forma como
se desenha a rede de relações sociais em determinada sociedade, os sistemas são o
conjunto de relações entre diferentes nodos dessa rede. Para que se forme um sistema, é
preciso observar que cada instituição ou indivíduo que faz parte dessa estrutura de relações
possua uma função definida e que ela se complemente com a função de outra instituição ou
indivíduo. Sistemas sociais são, portanto, como organismos. Cada nodo, cada instituição,
cada grupo ou cada indivíduo tendo um papel complementar e dependente em relação à
outra parte. Um dos primeiros autores a utilizar o termo nas ciências sociais e humanas foi
o sociólogo norte-americano Talcott Parsons (1902-1989).

22
GABARITO
Questão 1

Resposta comentada: Você pode argumentar, nesta resposta, que os primeiros autores
fundadores das ciências sociais e, mais especificamente, da sociologia e da antropologia,
dialogam com seus antecessores. Por sua vez, a obra dos antecessores dialoga com estudos
clássicos sobre a sociedade, onde o direito tem papel fundamental para explicar a forma como
se dão as relações sociais e como se dá a organização política e econômica da sociedade. Você
pode também citar exemplos sobre as perguntas a partir das quais autores como Malinowski e
Mauss partem quando se propõem a estudar sociedades sem Estado, buscando compreender
que tipo de código normativo rege a vida cotidiana e as relações políticas e econômicas. O ideal
é que mostre compreensão, tanto do conteúdo proposto na obra desses autores, quanto do
contexto histórico e acadêmico com o qual estão dialogando.

Questão 2

Resposta correta: C

Resposta comentada: O segredo para responder a esta questão é partir do seguinte ponto,
presente no texto citado de Sarti: “os vínculos com a rede familiar mais ampla não se desfazem
com o casamento” e, além dele, outra parte importante é “embora quem case queira casa”.
Malinowski analisou como a posse de bens está diretamente relacionada com a sucessão pelas
relações de parentesco “embora quem case quer casa”. A posse ou a construção de um espaço
que abrigará a família é parte também dos estudos do autor. Quem troca conchas pelo mar,
quer uma canoa, em termos dos estudos de Malinowski, sendo que a produção de canoas e
a troca estão diretamente relacionadas ao parentesco. Por outro lado, temos a afirmação de
que os vínculos com a rede familiar não se desfazem com o casamento. A família pode ser
uma instituição importante porque regula, dentre outras coisas, a troca e a posse de bens em
sociedades como a que Malinowski estudou, mas a sociedade é uma estrutura que contém a
família. As obrigações para com os parentes, inclusive na escolha do cônjuge, continuam após
a formação da nova família. Malinowski descreve duas cenas importantes para que entendamos
esses dois pontos. Uma é a do garoto que, impedido de se casar com uma parente, ameaça se
23
GABARITO
jogar do coqueiro. A outra são as obrigações que os jovens possuem para com os tios por parte
de mãe nas ilhas Trobriand. Os tios maternos trazem alimentos para a família e, deste modo,
cria-se uma rede de responsabilidade para com esse parente. A sociedade perpassa as relações
familiares. O direito e as normas são maiores que a própria instituição familiar.

Questão 3

Resposta comentada: Para aqueles que estudam a sociedade e sabem que ela é um imperativo
sobre a vida individual, que somos seres gregários e que todo indivíduo é criado para ser um ser
social, mesmo que seja criado para confrontar um padrão social, é sabido que o indivíduo nunca
pode ser a medida do social. Há algo de social em todos nós, enquanto pessoas, mas nossa
vida particular não pode ser o espelho para generalizações, porque a sociedade é diversa em
cultura, em classes, em castas, em famílias e até em códigos jurídicos. O que conhecemos, no
seio de nossa família, portanto, não pode resumir o que é “a família”. É necessário estranhar-se
para conhecer a diversidade.

Questão 4

Resposta correta: B

a) Não é isso que define um fato social total. Talvez, se a questão fosse por que o Kula pode
representar a vida jurídica daquele povo, essa fosse a resposta correta, mas ela não explica o
conceito de fato social total.

b) Alternativa correta. Um fato social total é aquele que representa diferentes aspectos da vida
social e diferentes instituições ao mesmo tempo.

c) Essa não é uma resposta antropológica clássica, cuidado! Ela pode ser uma resposta
evolucionista cultural, mas não é adequada quando pensamos em Marcel Mauss e em fato social
total.

d) Dois cuidados é preciso ter aqui. O primeiro é o de não comparar termos de culturas diferentes.
O segundo é com a palavra eminentemente. Se um fato social é total, ele representa diferentes
instituições. Se for um ritual eminentemente religioso, não é um fato social total.

e) Cuidado com a palavra eminentemente. Fatos sociais totais envolvem diferentes instituições
sociais, portanto, se o Kula fosse um ritual eminentemente político, não seria um fato social total.

24
GABARITO
Questão 5

Resposta correta:

1–C

2–D

3–B

4-A

25
REFERÊNCIAS
DALL´ALBA, Felipe Camilo. Os três pilares do código civil de 1916: a família, a proprie-
dade e o contrato, 2004. Disponível em <http://www.tex.pro.br/home/artigos/109-artigos-
-set-2004/5147-os-tres-pilares-do-codigo-civil-de-1916-a-familia-a-propriedade-e-o-contra-
to>. Acesso em: 30 ago. 2017.

FERREIRA, Tcharlye Guedes. Direito de família: o que mudou de 1916 a 2002?, 2015.
Disponível em: <https://tcharlye.jusbrasil.com.br/artigos/305953203/direito-de-familia-o-
-que-mudou-de-1916-ate-2002>. Acesso em: 30 ago. 2017.

MALINOWSKI, Bronislaw. Crime e costume na sociedade selvagem. Petrópolis: Vozes,


2015.

MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva, In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Co-
sac & Naify, 2003.

Nanook, o Esquimó [Nanook of the north], Robert J. Flaherty (director). Paris/EUA: Les
Frères Revillon, Pathé Exchange, 1922. 78 min, preto e branco, 1.33: 1. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=uoUafjAH0cg>. Acesso em: 30 ago. 2017.

RADCLIFFE-BROWN, Alfred Reginald; FORDE, Cyril Daryll. Sistemas políticos africa-


nos de parentesco e casamento. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982.

SARTI, Cynthia A. A família como ordem moral. Cadernos de pesquisa, n. 91, p. 46-53,


2013.

SARTI, Cynthia A. Contribuições da antropologia para o estudo da família. Psicologia


USP, v. 3, n. 1-2, p. 69-76, 1992.

SARTI, Cynthia Andersen. A família como ordem simbólica. Psicol. USP, São Paulo, v.


15, n. 3, p. 11-28, 2004.

Alimentação, Thomaz Miguez, 02 de abril de 2017, 50:01 min, colorido, não informa. (Dis-
ponível em: <http://tvbrasil.ebc.com.br/entreoceueaterra/episodio/alimentacao>. Acesso
em: 25 set. 2017).

26
27

Você também pode gostar