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A polícia é uma das armas de coerção do Estado. O Estado não é neutro, estando a serviço,
como bem sabemos da classe social que detém os meios de produção, ou seja, os ricos. Assim, o
aparato repressor policial garante a ordem pública, ordem esta necessária para que sejam
vendidas as mercadorias, para que as pessoas se sintam confortáveis a irem trabalhar, para que
não haja saqueamento nos bancos e
supermercados, etc.
Estabelecimentos que nunca fecharam as portas, em nenhum dia do ano, se viram obrigados a
fechar. Prova de que o lucro é mais importante que o empregado, da corrupção dos grandes
“políticos”, dos impostos e etc, mas é acobertado pelo Estado (“Quantos Nicolaus foram para a
cadeira?”). No entanto, é preciso de uma força repressora para conter o ímpeto dos trabalhadores
de tomar de volta o que lhes é roubado. Isso, claro, se não partimos do ponto de vista
criminalizador dos programas policiais, onde os pobres roubam por safadeza ou ímpetos naturais
de selvageria e ignorância.
A formação policial reflete esta determinação geral com a pretensa defesa à “lei”. Mesma “lei” que
sistematicamente tem decretado ilegal qualquer mobilização de trabalhadores no Brasil, em
tempo recorde, como tem ocorrido, por exemplo, no Ceará, as ultimas movimentações foram
consideradas “ilegais”, o que são processos que normalmente demorariam meses para serem
julgados e determinados.
Além destes fatores, outro que influencia no conservadorismo e reacionarismo deste segmento é
o fato da proibição de, enquanto categoria, estes policiais e bombeiros fazerem manifestações,
greves e etc. Com pena de punição legal e militar. Tanto é que as mulheres dos policiais militares
que foram às ruas defender o salário e as condições de trabalho dos maridos.
A grande pergunta é: como é que, mesmo com estas pressões sociais, pôde a categoria dos
policiais e bombeiros pode no Ceará iniciar um movimento grevista que amedrontou a burguesia,
paralisou a cidade e pôs na parede um governo, que apesar das arranhuras, parecia inflexível às
lutas sociais ocorridas no ano de 2011?
A crise econômica mundial, os cortes públicos derivados e os gastos com a Copa do Mundo de
2014 e olimpíadas de 2016 já há bastante tempo impactam a classe trabalhadora no Ceará. Prova
disto é a tentativa sistemática de retirada de direitos dos trabalhadores, da moradia e da
precarização do trabalho nos setores públicos que foi colocada a cabo pelo governo Cid Gomes 1.
Comunidades
A primeira luta marcante de 2011, que já vinha desde abril de 2010 foi a luta das Comunidades do
Trilho quanta as tentativas de remoção impostas pelas obras do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos)
de Fortaleza. A obra, que faz parte do cronograma da Copa do
Mundo, apresentou gritantes falhas legais em relação ao
licenciamento ambiental, a rota proposta para a construção
(que, milimetricamente, atinge as casas das famílias e polpa
imóveis privados!) e no tocante a negociação com os
trabalhadores/as das 22 comunidades afetadas que existem há
quase 70 anos em torno da via férrea.
1
O Governador Cid Gomes é irmão de Ciro Gomes e era ligado diretamente com Tasso Jereissati e ao
PSDB até a ruptura política devido ao apoio dos primeiros ao governo Lula, culminando com a quebra
dos laços políticos e fundação do PSB, partido de Cid e Ciro.
que constrói a luta através de núcleos locais tentando preservar autonomia diante das tentativas
de cooptação da parte do governo e da esquerda social-democrata.
Esta luta mostrou para as mobilizações na cidade e para o povo, um pouco da incapacidade do
governo em abrir negociação e de sua face impositiva, que tem maioria absoluta na câmara dos
deputados e que trata os trabalhadores com desdém e arrogância.2
Universidade
Em meados de abril tivemos a intensificação das lutas nas três universidades estaduais – URCA,
UEVA e UECE – por: 1) Contratação imediata de 300 professores; 2) Entrega de obras estruturais
atrasadas em vários campi e 3) Reforma e ampliação dos campi do interior e capital. O
movimento predominantemente formado por estudantes, direção dos sindicatos de professores e
do Andes, buscava uma simples audiência com o governador
que há seis meses vinha sendo adiada. Houveram protestos
e ocupação na Assembléia Legislativa, onde governo mais
uma vez respondeu com indiferença e o movimento veio a
esfriar com ocupações de reitoria sem a garantia de
nenhuma das pautas principais. Isso, parte pela “enrolação”
do governo, parte pelo ostracismo dos setores hegemônicos
do movimento estudantil e dos sindicatos dos professores e
em optar pela via legal e propagandista de movimentação,
que ignorou a possibilidade de construção de greve na
universidade.
O que, a princípio, apareceu como algo isolado, hoje se mostra como uma marca do trato do
governo Cid Gomes com as reivindicações sociais: a de que o movimento que tentar seguir os
direcionamentos legais e pacíficos da máquina Estatal estaria fadado ao fracasso. A
movimentação que segue exemplifica essa característica que começou a ter contornos negativos
na própria população contra o Estado, incorporado na figura de Cid Gomes.
Professores
A extraordinária greve dos professores do Estado, que durou 60 dias, declarada com a pauta
principal de que o governo do Estado respeitasse a Lei Nacional do Piso para o magistério e que
esse piso repercutisse na carreira do professor. O governo Cid Gomes havia entrado na justiça
alegando inconstitucionalidade e foi derrotado pelo Supremo. Mesmo assim, não atendeu a
categoria. Em agosto, o movimento grevista teve início e entre idas e vindas, ocupou a
Assembléia Legislativa por vários dias, houve também uma greve de fome iniciada por
professores durante a ocupação que contou com o amplo apoio dos estudantes secundaristas
universitários, pais e alunos. A esta altura a greve já havia sido deflagrada ilegal, como é de
praxe, mas os professores continuaram a mobilização.
2
Tanto que foi publicado um vídeo no Youtube aonde o governador Cid Gomes negocia os terrenos das
famílias com empresários dos setores da Construção Civil.
A mando do governo do estado, policiais militares reprimiram violentamente a manifestação,
prendendo pessoas arbitrariamente, gerando vários feridos o que obteve ampla cobertura na
mídia nacional. As mobilizações aumentaram, culminando com um ato contendo mais de 8 mil
pessoas em direção ao Palácio de Iracema, sede do governo,3 que acabou sendo apenas
propagandístico, pois à tarde, o Comando de Greve
tinha reunião marcada com o governo, que,
ironicamente, não resolveu nada.
Ficou claro que o governo Cid Gomes estava disposto à, quando o desdém não fosse o suficiente,
intervir diretamente, seja com repressão física, ameaças trabalhistas e até pagando
(ressuscitando práticas coronelistas) e pressionando professores do interior a votar pelo fim da
greve. A população que apoiou massivamente a greve e ficou chocada com a repressão policial,
viu a força repressora do governo e do Estado e a falácia da lei que mais uma vez derrotou outro
movimento no cansaço. Mas, a conversa sobre o “Cid Ditador” já acontecia nas esquinas, janelas
e mesas de bar...
Polícia Civil
Por fim, tivemos a mobilização da policia civil, que luta por: 1) Recuperação de 60% de
defasagem salarial nos últimos anos, 2) Promoções de agentes atrasadas por mais de 10 anos 3)
Garantia da estrutura básica de funcionamento, devido ao sucateamento de delegacias e viaturas
e 4) garantia de exercer a função do policial civil, devido a maioria dos policiais exercerem as
3
Devido as manifestações dos professores, Cid Gomes decretou uma lei que transformou as mediações
do Palácio de Iracema em Zona de Segurança Militar Permanente, com proteção pesada 24 horas.
funções de agentes carcerários. Estas reivindicações eram endossadas pelo fato do contingente e
salário dos policiais civis do Ceará serem os menores do país.
Aqui, expomos as lutas ligadas diretamente ao governo do Estado, não podemos por questão de
espaço, falar das inúmeras paralisações dos setores municipais, como os professores do
município, dentro outros. Não falamos também da luta estudantil pelo Passe Livre, da greve dos
rodoviários e nem da greve do Detran-CE, além de inúmeras outras paralisações e
manifestações. Do acumulo dessas lutas, quem estava antenado e construindo estratégias de luta
contra o governo do estado pode tirar as seguintes lições do período:
Que a lei estava do lado do governo e dos ricos. E que qualquer manifestação
que contrariasse tais interesses seria taxada ilegal.
Que a diplomacia democrática não serviria para alcançar nenhum dos objetivos,
tendo-se então que aceitar a ilegalidade como farsa e como condição de qualquer
movimento combatível.
Que contra o egocentrismo do governador Cid Gomes havia apenas uma arma: a
força da organização impassível as falsas promessas ditas pelos representantes
do governador (Cid Gomes não se envolveu pessoalmente em nenhuma das
negociações).
Que o povo em geral percebia os desmandos do governo Cid Gomes e que
começara a identificar, aos poucos, nele, a razão de problemas causados pelas
manifestações.
Estavam dadas então as condições para a mobilização dos policiais e bombeiros que veremos em
detalhe no próximo tópico.
III – Os policiais como classe trabalhadora em luta: Questionamentos e Contradições. “Cid
Ditador, a polícia já parou!”
Um dos carros-chefe na campanha de Cid Gomes à eleição do governo do Estado foi o programa
“Ronda do Quarteirão”, que consistia numa pretensa policia de bairro, dita da boa vizinhança.
Para tanto, foram compradas centenas de Hilux’s – carros de luxos, com valor unitário de 165 mil
reais em média – montadas como viaturas de policia e aberto novos concursos públicos para
policiais e técnicos. Tamanho investimento na polícia ostensiva foi uma das denuncias da policia
civil quando alegava falta de recursos para a policia investigadora. Resultado: A dita Nova Policia
fez a mesma coisa que a Velha,
com o mesmo trato, denuncias de
abuso, de passeadas com garotas
de programa nos “carros de luxos”
e óbvio, o mesmo caráter
repressor.
Obviamente, são funcionários públicos precarizados, o que os traz certas vantagens, o que é
compensando pela disciplina militar acompanhada pela desumanização acarretada pelo seu ofício
de repressão, agravada pela incapacidade legal de organização e protesto. Os policiais e
bombeiros que iniciaram o processo grevista viam acompanhando – inclusive reprimindo,
ironicamente! – o processo de luta contra o governo do estado. Aprenderam durante o ano qual
era a linguagem que o governo entendia e com os seus companheiros da civil entenderam que
não deveria ser travada uma luta legal, fadada ao fracasso. Teria que haver uma radicalização
que contaria com o apoio de seus companheiros/as e de seus familiares que os ajudaram nas
ocupações de quartéis.
Infelizmente, pela rapidez do processo grevista, pela incapacidade de acompanhar mais de perto
os pormenores, os atores singulares internos (os ônibus estavam paralizados), não adentraremos
em muitas contradições internas do movimento, que esperamos serem respondidas com o
decorrer dos dias e com outras análises.Nos esforçaremos para capturar os fatos gerais.
Os dias que se seguiram foram de ameaças por parte dos policiais de paralisação geral. O
superintendente da policia militar, ligado à Cid Gomes, disse que a greve estava fora da agenda
de fim de ano, garantindo, inclusive, a presença da polícia no badalado reiveillon de Fortaleza,
consagrado “como um dos maiores do país”. A esta altura, a guarda municipal e a autarquia
municipal de trânsito já ameaçavam paralisar na noite de fim de ano, caso não contassem com o
apoio militar.
Na quinta-feira, 29, à noite, pré véspera de reiveillon, foi deflagrada a greve em assembléia geral
da categoria. Os manifestantes ocuparam a sexta companhia do quinto batalhão no bairro Antônio
Bezerra, transformando em QG do movimento, as “Hilux policiais” foram levadas ao local e tanto
lá quanto em outros batalhões os pneus foram secos e os policiais dissidentes impedidos de
trabalhar.
A paralisação se espalhou rapidamente pelo interior, com a utilização das mesmas táticas, n a TV
os manifestantes apareciam com camisas e mascaras no rosto para impedir represálias
administrativas. Instaurou-se o dito “caos” que seria sentido com toda força nos dias
subseqüentes. O governador estava na França, de férias e não voltou. Como fez com todos os
outros movimentos, à principio quis testar sua força e em vez de abrir as negociações convocou o
aparato estatal nacional que enviou reforços da guarda nacional e do exército brasileiro, para
garantir a segurança dos turistas à beira-mar, lugar da festa do reiveillon. A gravidade da situação
foi momentaneamente ofuscada pela euforia consumista do fim de ano, mas os policiais militares
e bombeiros, mesmo com ameaças de invasão das forças armadas no QG, resistiram, recebendo
donativos da população, que há essa altura já apontava, espontaneamente, o grande culpado:
“Cid Ditador!”.
Dia 2 de janeiro, segunda-feira, a grande mídia e as redes sociais fizeram sua parte,
sensacionalizando acontecimentos de pânico, como arrastões – Não quero deixar ninguém em
pânico, mas estão acontecendo vários arrastões pela cidade! Disse o repórter na TV – assaltos,
seqüestros, etc.
4
Atrasado a dez anos e que ainda não começou a circular, em meio a denuncias de desvio de dinheiro
público e super faturamento.
Naturalmente, a classe trabalhadora bandida, se sentiu mais livre para praticar suas
expropriações, não à toa houve explosões de caixas eletrônicos no interior – em uma localidade,
se chegou a roubar o fórum e roubar as armas – e assaltos reais em Fortaleza. Mais nada
incomum do que, cotidianamente, é sensacionalizado pela grande mídia local. Ouviram-se boatos
de grupos armados perambulando pela cidade, alguns acharam que o próprio governo os
financiou, outros de que fora a polícia grevista. Provavelmente nunca saberemos. O fato é que
estavam postas as condições de vitória da categoria.
Isso já era demais para a reprodução do capital, do lucro dos homens de terno e gravata. Não há
governo autoritário-burguês-oligárquico que resista. Na madrugada do dia 3 para o dia 4, uma
comissão de assessores do governo, já que o governador continua escondido e seu paradeiro
desconhecido, assinaram acordo com a categoria, garantindo a conquista das principais pautas:
Fora a vitória mais concreta desse período de lutas em fortaleza e reuniu a experiência de todas
as mobilizações do ano.
Mas e agora José? Quais as conseqüências dessa vitória para a luta de classes em Fortaleza,
Ceará?
IV – O que significa o movimento dos policiais militares e bombeiros para as demais lutas
em Fortaleza, Ceará?
Cinco dias apenas foram necessários para o governo aceitar à contra gosto as reivindicações.
Não deixa de gerar revolta nos movimentos que estão a seis meses, um ano, dois anos, no
impasse com o governo. É revoltante, mas também pedagógico. O balanço é que não só os
movimentos, como também a população obtiveram uma maior percepção sobre a farsa da
“justiça” e dos meios pacíficos de negociação. O governo Cid Gomes levou ao máximo a premissa
do Estado à serviço da classe dominante, abrindo uma perspectiva de maior radicalização das
ações – o que já se percebeu com a volta da policia civil, a greve agora, com 100% de adesão e
ignorando qualquer processo legal – necessária a muito tempo aos movimentos combatíveis do
Brasil.
A vitória da curta greve dos policiais militares e bombeiros do estado nos traz à tona a reflexão
pedagógica sobre a necessidade de organização e superação do legalismo que paira os
movimentos sociais hoje, a fim de que sejam conquistadas tanto as pautas econômicas como
parte da consciência de classe necessária à uma superação definitiva desse Estado, dessa
política e dessa sociedade.
Infelizmente, apesar de todo furor, ricos e pobres ainda existem e a policia volta a reprimir a
classe despossuída, inclusive, aos próprios movimentos sociais dos quais a sua mobilização foi
herdeira. A possibilidade que se mantenha laços comuns de luta é muito remota, devido em parte,
a condição específica do trabalhador policial5. Isto é ainda mais agravado pelo extenso período de
letargia política que geralmente se segue pós grandes conquistas em uma categoria.
Este ano que se iniciou positivamente para a luta na cidade e no estado, infelizmente promete o
acirramento das lutas existentes e o aparecimento de novas tensões na medida em que se
aproxima a Copa do Mundo de 2014 e do agravamento da crise internacional com possíveis
paralisações em novos setores precarizados do Estado.
5
Faz-se necessário diferenciar a idéia “polícia” do trabalhador policial. A polícia é o braço repressor do
Estado, como já dito anteriormente, mas para existir, precisa necessariamente de dispêndio de força e
inteligência humana. O trabalhador policial, ao encarnar a lógica do trabalho ostensivo da policia, passa
por um processo de desumanização advindo da alienação causada pelo seu próprio trabalho. Não se
deve ignorar, contudo, a capacidade humana de se revoltar contra as condições impostas pelo seu
trabalho e até mesmo da superação de tais condições.
A mobilização dos policiais militares e bombeiros não deve ser vista sem a conjuntura que lhe
antecedeu, muito menos, além de suas possibilidades potenciadoras concretas da luta de
classes. Aqui já se começa a falar em impeachment do governador, esta, com certeza, não é a
solução que garantirá o fim da exploração da classe trabalhadora cearense, mas pode vir a ser a
pauta unificante de um possível movimento de greve geral esse ano.
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob as circunstâncias de
sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A
tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.
E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais
existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu
auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim
de apresentar a nova cena da história do mundo nesse disfarce tradicional e nessa linguagem emprestada."
Jersey Oliveira
Juliana Magalhães
Lucas Vidal