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Quando iniciei meus estudos sobre Gênero e Ciência, no uma rede de relações assimétricas em que, na maioria
início do ano 2000, a partir da minha própria experiência das vezes, o gênero é extremamente relevante.
como bióloga, professora e pesquisadora da
Tais reflexões também traduzem a minha própria
Universidade Federal da Bahia, a produção sobre este
vivência como pesquisadora do Núcleo de Estudos
tema no Brasil ainda era incipiente. Pioneiras como
Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM) bem como a
Fanny Tabak (1995), Lúcia Tosi (1981) e Eliane
minha atuação como docente do Programa de Pós-
Azevêdo (1989) apresentavam as primeiras
Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre
contribuições de brasileiras para esta discussão, já
Mulheres, Gênero e Feminismo. Nos últimos anos, o
bastante robusta nos meios acadêmicos de outros países,
nosso grupo de pesquisa, fortemente interdisciplinar,
notadamente nos Estados Unidos. Àquela altura, Evelyn
agrega estudos que analisam não apenas a atuação de
Fox Keller (1991, 1996, 1998), Donna Haraway (1995)
mulheres nas mais diversas áreas de conhecimento, a
e Sandra Harding (1991, 1996, 1998), entre outras, já
exemplo de Biologia e Matemática, como também se
analisavam não apenas questões estruturais, como a
ocupa da produção nacional que articula os Estudos de
presença de mulheres cientistas nas instituições de
Gênero e o Ensino, a Filosofia e a História da Ciência.
pesquisa e sua participação diferenciada nas diferentes
áreas de conhecimento, mas, fundamentalmente, as Neste contexto, se insere este dossiê. A proposta das
nossas próprias práticas, objetivos e nossas inspirações editoras é contribuir para a reflexão teórica sobre a
epistemológicas. Já era consenso entre estas temática, ao mesmo tempo em que ilumina, com novos
pesquisadoras e muitas de nós abaixo da linha do dados empíricos, o campo de estudo que, lentamente, vai
Equador que o meio científico reflete e reproduz os ocupando espaços antes raramente adentrados pelo
estereótipos de gênero e pré-concepções sobre as pensamento feminista, como a própria História e a
mulheres, especialmente no campo cognitivo, Filosofia da Ciência, durante muito tempo refratárias às
obrigando-nos a enfrentar preconceitos quanto às nossas discussões sobre o papel das mulheres na história do
escolhas e procedimentos investigativos além da nossa maior empreendimento da nossa espécie, a construção
produção de conhecimento propriamente dita. do conhecimento.
Desde aquele já longínquo início do século XXI, O dossiê se inicia com um artigo de uma das mais
pesquisadoras brasileiras passaram a produzir muitos renomadas pensadoras feministas no campo Gênero e
trabalhos que analisam a presença feminina no mundo Ciência, Londa Schiebinger, muito referida pelas autoras
da Ciência e, embora não tenham conseguido grandes brasileiras. Em seu artigo “Expandindo o kit de
avanços epistemológicos, consolidaram um campo de ferramentas agnotológicas: métodos de análise de sexo e
estudos que se mostrou bastante profícuo. Estes estudos gênero” aqui apresentado1, Schiebinger traz uma bela
se distribuem em diferentes perspectivas, mas, de um reflexão no campo da Filosofia da Ciência, tratando da
modo geral, e de modo semelhante ao que acontece em ignorância. Melhor dizendo, discutindo de que modo o
outros meios acadêmicos no mundo, se enquadram em viés androcêntrico de sexo e gênero característico da
três grandes abordagens, a saber: 1) a estrutural, que ciência pode produzir ignorância, que afeta a
analisa a presença, a colocação e a visibilidade das criatividade e a excelência, comprometendo os produtos
mulheres nas instituições científicas; 2) a
epistemológica, que questiona os modos de produção do *Possui graduação em Ciências Biológicas Licenciatura pela
conhecimento a partir de uma crítica aos princípios Universidade Federal da Bahia (1978), mestrado em Biologia
norteadores do pensamento científico hegemônico; e (3) (Botânica) pela Universidade Federal da Bahia (1983) e
a análise dos discursos e das representações sobre doutorado em Educação pela Universidade Federal da Bahia
mulheres na ciência, identificando metáforas de gênero (2003). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
como as que associam a mulher à Natureza e o homem à Ciência, Educação e Gênero, atuando principalmente nos
Razão, com repercussões importantes nos conteúdos de seguintes temas: gênero, educação, ciências biológicas,
Ciência, Gênero e Ensino de Biologia. É Pesquisadora
diversas disciplinas. (LIMA E SOUZA, 2011, p. 16).
Permanente do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a
Assim, em diferentes núcleos de estudos de gênero no Mulher - NEIM. Docente do Programa de Pós-Graduação em
país, grupos de pesquisadoras se dedicam a esquadrinhar Estudos Interdisciplinares em Mulheres, Gênero e
estes ambientes onde se movem mulheres e homens, em Feminismos.
1
Traduzido do original em inglês por Cecília Sardenberg.