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♣♥♦♠

coleção ás de colete
Angélica Freitas
Rilke shake
Rilke shake
dentadura perfeita, ouve-me bem:
não chegarás a lugar algum.
são tomates e cebolas que nos sustentam,
e ervilhas e cenouras, dentadura perfeita.
ah, sim, shakespeare é muito bom,
mas e beterrabas, chicória e agrião?
e arroz, couve e feijão?
dentinhos lindos, o boi que comes
ontem pastava no campo. e te queixaste
que a carne estava dura demais.
dura demais é a vida, dentadura perfeita.
mas come, come tudo que puderes,
e esquece este papo,
e me enfia os talheres.


entro na livraria do bobo. autofocus
não tenho dinheiro
e tampouco tenho talento para o crime.
o remordimento é algo
desfilam ante meus olhos muito difícil
títulos maravilhosos você me disse
moribundos de tanto estar mordendo
nas prateleiras. o próprio rabo

roube-nos, dizem eles. eu te compreendi


não agüentamos mais ficar aqui enquanto você dava voltas
na livraria do bobo. e baixei o volume do rádio

quem acreditaria era um scherzo


nesta versão dos fatos? um sei lá
ajudem-me, maragatos um allegro andante
nesta hora afanérrima não era boa
de uma libertadora paupérrima trilha sonora
de livros.
enquanto me ocupava
retumba meu coração. retumba dessas tralhas
mais que a bateria do salgueiro. você já tinha se engolido
treme o corpo por inteiro pela metade
e as mãos já suam em bicas.
o remordi é al
ganho a rua, as mãos vazias mui di
e os livros gritam: maricas.
eu chamei a ambulância

 
fliperama às margens do tâmisa ai que bom seria ter um bigodinho
jogo basquete indoors com minhas irmãs além das lentes dos óculos ficar
escondida por trás de uma taturana
no primeiro arremesso capilar
– não meço bem a distância
entre a mão e a cesta – um bigodinho para poder estar
a bola some atrás do aparelho
um bigodinho para sair à rua e ver
minhas irmãs gargalham o mundo mas se esconder
eu também
um bigodinho para poder ser
a bola sumiu atrás do aparelho
um apêndice nasobucal
e então é a vez delas buconasal
e elas jogam e acertam e jogam de novo
e da máquina sai uma tripa de bônus tipo um chapéu

que depois trocamos por balas ninguém te incomoda nos cafés


ou um brinquedinho – (a beleza está nos olhos
não lembro de quem não pode crer)

e no fim do dia ainda ouvir


obrigada senhor
ao entrar por último no elevador.

10 11
february mon amour agosto a oitava coelhinha da playboy
ou o templo dourado de kinkakuji
ou um gato e um pato num cesto
janeiro não disse a que veio
mas fevereiro bateu na porta meu avô não gostava de agosto
e prometeu altas coisas dizia agosto mês de desgosto
‘como o carnaval’, ele disse. quando passava dizia agora não morro mais
(fevereiro é baixinho,
tem 1,60 m e usa costeletas
faria melhor propaganda
do festival de glastonbury.)
pisquei ligeira nas almofadas:
‘nem tô, fevereiro
abandonei o calendário’.
‘você é um saco’, ele disse
e foi cheirar no banheiro.

12 13
o que passou pela cabeça do violinista que o chão é lindo & já vem vindo
em que a morte acentuou a palidez ao one
despenhar-se com sua cabeleira negra & two
three
seu stradivárius no grande desastre
aéreo de ontem



mi
eu penso em béla bartók
eu penso em rita lee
eu penso no stradivárius
e nos vários empregos
que tive
pra chegar aqui
e agora a turbina falha
e agora a cabine se parte em duas
e agora as tralhas todas caem dos compartimentos
e eu despenco junto
lindo e pálido minha cabeleira negra
meu violino contra o peito
o sujeito ali da frente reza
eu só penso


mi
eu penso em stravinski
e nas barbas do klaus kinski
e no nariz do karabtchevsky
e num poema do joseph brodsky
que uma vez eu li
senhoras intactas, afrouxem os cintos

14 15
poema pós-operatório família vende tudo
   

ex família vende tudo


em latim um avô com muito uso
fora de um limoeiro
um cachorro cego de um olho
daí algumas criaturas família vende tudo
parecem ter sido por bem pouco dinheiro
um sofá de três lugares
desentranhadas três molduras circulares
de você família vende tudo
um pai engravatado
você passa na rua depois desempregado
e as reconhece e uma mãe cada vez mais gorda
do seu lado
ei, ali vai minha família vende tudo
oitava costela! um número de telefone
tantas vezes cortado
era minha! um carrinho de supermercado
família vende tudo
e aponta pra lacuna uma empregada batista
no lado esquerdo uma prima surrealista
uma ascendência italiana & golpista
(cabe uma gaita família vende tudo
de boca) trinta carcaças de peru (do natal)
e a fitinha que amarraram no pé do júnior
olha só! no hospital
família vende tudo
as crianças se formaram
o pai faliu
deve grana para o banco do brasil

16 17
vai ser uma grande desova love me
a casa era do avô
mas o avô tá com o pé na cova
família vende tudo você no bar de um hotel de quinta
então já viu em paris ouvindo polnareff
no fim dá quinhentos contos com um daiquiri na mão
pra cada um
o júnior vai reformar a piscina na mesa uma gérbera dá o último
o pai vai abrir um negócio escuso suspiro, as cortinas de veludo
e pagar a vila alpina já eram, o garçom
pro seu pai com muito uso
família vende tudo chama a sua atenção. você
preços abaixo do mercado perdida je suis fou de vous,
ele traz outro drinque e
sorri, você pensa aqui
não é cancun

e se pergunta quanto
tempo dura um garçom.

cinco euros, ele então


acende um gitane que você
vai fumar distraída
com a classe estudada

de quinhentas holly golightlies.

18 19
cosmic coswig mississipi l’enfance de l’art

 
abriremos a janela mais tranqüilas para ver porque eu perdia a pose mamãe me deu uma cadeira
não esse tanto de edifícios mas elegante de veludo burgundy. três anos no balé tutus e
tafetás e ainda perdia a pose.
vacas aparando a grama
galinhas arregaladas mamãe disse vou comprar uma cadeira para que pelo
galos em estacatos menos sente elegantemente. papai chegava tarde e ao
me ver sentada lendo pedro nava suspirava e tirava
abriremos a janela toda trollope da estante. “leia os clássicos,

não só uma fresta para a ver a vida besta é importante.” era o entendimento de papai o self-made
que se desenrosca amanhecida nos metrôs man o marido de mamãe a de quatro sobrenomes.

porque lá só haverá tatus daí a minha aversão a heráldica e estofados.


underground
daí por que nunca li chaucer antes.
só haverá o blues
rural

20 21
sashimi sereia a sério

sushiman, sushiman o cruel era que por mais bela


por que mãos tão frias por mais que os rasgos ostentassem
sushiman fidelíssimas genéticas aristocráticas
e as mãos fossem hábeis
pra retalhar no manejo de bordados e frangos assados
melhor o peixe e os cabelos atestassem
sushiman pentes de tartaruga e grande cuidado

com facas a perplexidade seria sempre


afiadas com o rabo da sereia
sushiman
não quero contar a história
no sentido da depois de andersen & co
corrente todos conhecem as agruras
sushiman primeiro o desejo impossível
pelo príncipe (boneco em traje de gala)
ocupação tão masculina depois a consciência
sushiman de uma macumba poderosa

chora só suntory em troca deixa-se algo


whisky a voz, o hímen elástico
sushiman a carteira de sócia do méditerranée

sushiman, sushiman são duros os procedimentos


quando deita a cama
é um leito de arroz bípedes femininas se enganam
imputando a saltos altos
e a noite é uma gata a dor mais acertada à altivez
que engole até a cabeça pois
a sereia pisa em facas quando usa os pés
sushiman

22 23
e quem a leva a sério? vida aérea
melhor seria um final
em que voltasse ao rabo original
e jamais se depilasse o quanto você quer, me diga, com frio na barriga,
proclamar norte onde seu nariz aponte, se livrar do
em vez do elefante dançando no cérebro que não interessa, com força, abrir a cabeça, meter pés
quando ela encontra o príncipe pelas mãos, com pressa, não importa, sentar no escombro
e dos 36 dedos ombro a ombro com a obra, me diga me diga, com frio
que brotam quando ela estende a mão na barriga, quanto tempo perdido, quantos reais no bolso,
quantos livros não lidos, quantos minutos de espera,
quantos dentes cariados, me diga o quanto você quer isso
[tudo
e para onde quer que envie, se você quer que embrulhe

24 25
as bruxas de bruxelas casino
batem panelas
pra espantar as baratas tontas
que vivem nas pontas você prefere o cru
dos sapatos delas ao creme:
boca ostra língua
lago lua lugar
paisagem com pinheiros
ao fundo. você sempre
preferiu o cru
ao ecrã, insônia a
barbeiro de sevilha.
paisagem de pinheiros
com abismo
por trás.

você precisa
habitar as elipses
precisa dissecar
o sapo da poesia
– não abole o poço.
salta saltador
o grande salto.
a maresia come
as rodas do carro.
você prefere o cru
nem precisava
ter dito.

26 27
r.c. liz & lota

os grandes colecionadores de mantras pessoais não imagino a bishop entre cajus


saberão a metade/ do que aprendi nas canções/ é toda inchada e jururu
verdade/ nem saberão/ descrever com tanta precisão/ da janela o rio e a seu
aquela janela da bolha de sabão/meu bem eu li a barsa/ lado a lota, com um conta-gotas.
eu li a britannica/ e quando sobrou tempo eu ouvi/
a sinfônica/ eu cresci/ sobrevivi/ a privada de perto/ ‘but you must stay.
muitas vezes eu vi/ mas a verdade é que/quase tudo forget that ship’, she said.
aprendi/ ouvindo as canções do rádio/ as canções do ao que bishop riu, olho esquerdo
rádio/quando meu bem nem/ a verdadeira maionese/ sumiu, afundou na pálbebra.
puder me salvar/ você sabe onde me encontrar/e se
a luz faltar/ num cantinho do meu quarto/ eu vou a americana dormiu em alfa.
estar/com um panasonic quatro pilhas aaa/ ouvindo as e no seu sono, tão geográfica
canções do rádio sonhou com a carioca rica
e com a vastidão da américa.

28 29
aos onze anos a mina de ouro de minha mãe & de minha tia
atrás da casa da minha avó
na colônia de pescadores z-3
eu fumava um cigarro gol comprado se chamava
avulso num boteco ilha da feitoria
onde a moça conhecia a minha mãe ou ilha do meio
a moça me olhou atravessado onde as duas vendiam
mas me deu o cigarro mesmo assim cosméticos avon
e lá onde tinha uma horta chegavam de bote
eu minha irmã e uma prima motorizado
demos nossas primeiras baforadas com fardos de produtos
foi bem ruim batons rímeis perfumes
o medo deu uma estragada e sobretudo rouges
no gol de cinco centavos eram recebidas
que alguém jogou fora pelas donas de casa
ao ouvir uma tia um cachorro ou cabeludas
o vento nos pés de couve bigodudas
panos de prato no ombro
filhos ranhentos no colo
minha mãe & minha tia procediam
ao embelezamento das nativas
devolviam-lhes cores
às faces
todo o espectro de cores
de um céu de fim de tarde
na lagoa dos patos
azuis e roxos e laranjas e rosas
e depois lhes emprestavam
espelhos
as donas de casa da ilha do meio
compravam muita maquiagem
minha mãe & minha tia
enchiam sacos de dinheiro

30 31
na banheira com gertrude stein a mulher dos outros
   
 
gertrude stein tem um bundão chega pra lá gertude fiquei muito tempo naquela banheira sem água
stein e quando ela chega pra lá faz um barulhão como pensando por que gertrude me havia deixado
se alguém passasse um pano molhado na vidraça
enorme de um edifício público as unhas roxas os dedos enrugados naquele banheiro
sem aquecimento num apartamento perto do jardin du
gertrude stein daqui pra cá é você o paninho de lavar luxembourg
atrás da orelha é todo seu daqui pra cá sou eu o patinho
de borracha é meu e assim ficamos satisfeitas sem amor e sem toalha

mas gertrude stein é cabotina acha graça em soltar pum ela tem alice e basket eu sou a terceira excluída
debaixo d’água eu hein gertrude stein? não é possível
que alguém goste tanto de fazer bolha noutros tempos rilke me chamaria pro jardin des
plantes
e aí como a banheira é dela ela puxa a rolha e me rouba
a toalha hoje eu digo adeus e vou pra gare du nord

e sai correndo pelada a bunda enorme descendo a lou andreas me espera em göttingen plantaremos beijos
escada e ganhando as ruas de st.-germain-des-prés na gänseliesel

32 33
alice babette, primeiro movimento ombro/épaule
   
   
no hotel a surpresa uma carta de alice planos sempre são muitos com a mulher dos outros

que sabia e suportava assando imensos vol-au-vent mas dois coelhos matam de cajadada só

o papel era uma seda muito fina uma lâmina djuna disse melhor não apostar em quem

não exalava nem colônia nem canard só vai acordar ao seu lado by chance

fui abrindo o envelope o papel era uma seda e me pagou um conhaque e me deixou no portão

na mesinha um envelope e era a letra de alice

34 35
jogo sujo, allegro andante epílogo

às cinco em ponto fui correndo pro jardin du luxembourg gertrude stein cabelo dos césares

num pé só porque a bota me apertava alice olhos negros de gipsy

chegando lá ‘idiota’ alguém gritou josephine baker djuna barnes

era alice com uma lata de conservas nós cinco na sala de espelhos

eu era alice e djuna era josephine


estava escuro eu caíra na emboscada
gertrude stein era gertrude stein era gertrude stein
rolava aos socos com alice sobre a relva
na saída gertrude me puxou pelo braço
até que a outra resolveu mostrar a cara
e me disse muito zangada: não achei graça
era a baker em sua saia de bananas
no que você publicou nos jornais

me derrubaria como um tanque da wehrmacht

não fosse por ezra que passeava ali seu bel esprit

lésbicas são um desperdício ele disse

você já ouviu falar em mussolini?

36 37
não consigo ler os cantos rilke shake

vamos nos livrar de ezra pound? salta um rilke shake


vamos imaginar ezra pound com amor & ovomaltine
insano numa jaula em pisa enquanto quando passo a noite insone
les américains comiam salsichas e não há nada que ilumine
e peanut butter nas barracas eu peço um rilke shake
dear ezra, who knows what cadence is? e como um toasted blake
vamos nos livrar de mariane moore? sunny side para cima
quando estou triste
& sozinha enquanto
o amor não cega
bebo um rilke shake
e roço um toasted blake
na epiderme da manteiga

nada bate um rilke shake


no quesito anti-heartache
nada supera a batida
de um rilke com sorvete
por mais que você se deite
se deleite e se divirta
tem noites que a lua é fraca
as estrelas somem no piche
e aí quando não há cigarro
não há cerveja que preste
eu peço um rilke shake
engulo um toasted blake
e danço que nem dervixe

38 39
não adianta o que é um baibai?
chegar na porta
e ordenar
abra baibai es un adiós.
öffnen un farewell sin pañuelos.
open tem gente que escreve haikai,
é preciso três linhas à bashô.
girar a chave baibais também seguem modelos.

e mais quem escreve baibais sabe que acabou


é preciso saber -se o que era doce.
qual chave
§

ou então espancado na infância molha os pés no orinoco


esbarrar na dureza embaixo d’água como soa a ocarina?
de certos materiais brbrlllbrrrr brbrlllbrrr
§
mogno pinho
cedro ou lâmina esnobada na festa molha os pés no rio das antas
de qualquer madeira debaixo d’água como faz seu coração?
‘sai da chuva’ ‘já para casa’
conhecer a chave
§
ou intuir para que
lado gira sufragette sem rouge molha os pés no rio clyde
debaixo d’água como faz o seu cabelo?
tantos têm esquerda.... direita.... esquerda..... direita....
tão pouca paciência
§

feia nas fotografias molha os pés no rio reno


debaixo d’água como faz seu celular?
‘depois do bipe lorelei depois do bipe’

40 41
rito de passagem versus eu

agora que raspei a cabeça lá embaixo um samba que não me chama


não vou demorar nas esquinas pois não conhece o meu nome
irritarei os velhinhos
assustarei as meninas
e os cachorros já latem antes de me avistar.

os vizinhos na escada
pensam: coitada! que azar
perguntarão se eu peguei piolho
ou tive queda capilar.

tranco a porta e as janelas


deixo o mundo e seu bedelho
estranha a rua minha cabeça nua
me estranhará o espelho?

42 43
musiké um fusca
vermelho bala soft
morreu
tenho pavor de festinhas naquele morrinho
aparo as arestas da farsa ali ó
visto minha roupa nova vermelho
mas hoje não saio de casa cor de bala soft
como a cara
dos caras
que empurraram

pó pó pó
pegou
no longe o vi ainda
redondo e soltando fumaça
pra dentro da boca sem dentes
do túnel

44 45
pouca coisa só
me consolaria:
o ejetor de teias
não calcula a perda ao comprar a caixa de alfinetes (da china) do homem-aranha
e tampouco de onde vão despontar com suas cabeças (chatas) só lá no alto
e maldiz mao tsé quando sai uma gota de sangue (do dedo) entre prédios
e quando vê um alfinete na rua não pega (nem morta) não se veria
mesmo se igual aos que pontuam as blusas (no armário) este coração
e que rocem na pele produzindo vermelhos (tão raros) sem plumas
e que alguém sonhe com alfinetes (na china)
na vida só valem às dúzias (é claro) – algum vilão
por aí
usa um
colar de penas
made in
my heart –
só lá em cima
entre edifícios
com o aval
das pombas

uma criança
olha pra cima
mamãe, mamãe
é a mulher
-aranha?
não seja tola
ela está
limpando
janelas

46 47
só siobhan 4
me consolaria:
o ejetor de teias
do homem-aranha a.
só lá no alto
entre prédios onde andará siobhan
não se veria que trens pega
um coração pra ir trabalhar
sem planos
em que biblioteca
lê as mulheres
que já pararam de respirar

onde andará siobhan


um sol no peito
eu olhava enquanto ela dormia

quando ela acordava


cobria o sol
ia buscar jornais.

b.

onde andará siobhan


sumida no solstício
de volta com um sorriso

um anel de 50 centavos
ela andava comigo
de mãos dadas

na rua, minha mão


deslizava por sua cintura, ela
ria, não dizia nada

48 49
quando dizia era e.
não se acostume
comigo será que ela pensa em mim
será que também pergunta
logo você o que aconteceu
vai
embora. com as boas garotas
de sodoma, essas que
sempre
c.
se beijavam nas escadas
às vezes ela ficava sumiam nas bibliotecas
de quatro, o símbolo preferiam virar sal?
celta nas costas

ela conhecia os trens


conhecia o porto
de hamburgo

um dia
apanhou de um cara
quando voltava pra casa.

d.

um dia
abriu o armário
e me mostrou um corpete

de couro
riu e disse
a gente não precisa usar.

50 51
treze de outubro estatuto do desmallarmento

escrever um poema sem calor em são paulo minha senhora, tem um mallarmé em casa?
um poema sem ação: sem carros, sem avenida paulista você sabe quantas pessoas morrem por ano
em acidentes com o mallarmé?
quando eu morava na augusta, escrevia poemas sobre a
[augusta estamos organizando uma consulta popular
a augusta não me deixava dormir para banir de vez o mallarmé dos nossos lares
as seleções do reader’s digest fornecerão
(escrever um poema em que se durma na augusta
e sobretudo, escrever um poema sobre dormir contêineres onde embarcaremos os exemplares,
no porto de santos, de volta pra frança.
sem você.) esta é a primavera fajuta da delicadeza seja patriota, entregue seu mallarmé. olê.
(não consigo terminar este poema).

52 53
às vezes nos reveses ringues polifônicos
penso em voltar para a england
dos deuses
mas até as inglesas sangram 1. entre ringues polifônicos e línguas multifábulas
todos os meses entre facas afiadas e o elevado costa e silva
e mandam her royal highness entre dumbo nas alturas e o cuspe na calçada
à puta que a pariu. alça vôo a aventura na avenida angélica
digo: agüenta com altivez e hoje de manhã trabalha e amanhã avacalha
segura o abacaxi com as duas mãos a viação gato preto colando um chiclete
doura tua tez adams de menta no assento daqueles bancos de trás
sob o sol dos trópicos e talvez entre ringues polifônicos e tênis alados
aprenderás a ser feliz entre paulistas voadores e portadores esvoaçados
como as pombas da praça matriz de baseados no bolso das calças jeans
que voam alto entre o canteiro central da paulista e a vista do vão do masp
sagazes entre os que eu quero e os que queres de mins
e nos alvejam
com suas fezes
às vezes nos reveses 2. dos ringues polifônicos da cidade de são paulo:
entre valsas e velórios e invertidos convulsivos
entre a puta enaltecida e enrustidos explosivos
entre a abertura da boca e o último trem pra mooca
entre os ringues polifônicos e a queda da marquise
morreu ontem executada a poor elise

54 55
boa constrictor um crec crac
  de ossos quebrando
uma lágrima escorrendo:
estava enrolada num galho parecia amor 
entre folhas nem se mexia a falta de ar 
a danada o sangue subindo pra cabeça
me viu era hora do almoço   
e me disse na língua das cobras: onde toda a história começa.
 
parada
 
virei o tronco ela já vinha 
calculava minha espinha
cobreava
me poupe eu disse
e ela na língua das cobras
negava:

você sabe porque veio


honeypie 
e sabe pra onde vai

me envolveu com destreza


me apertou bem as pernas
me prendeu de jeito
até que meu peito
ficou maior
que a alma 

56 57
fim sobre a autora

keats quando estava deprimido


se sentindo mais pateta que poeta
vestia uma camisa limpa
eu tomei um banho
com os dedos ajeitei os cabelos
vesti roupas limpas
olhei praquele espelho
o suficiente pra
sem relógio caro
fazer pose de lota
e sem pistola automática
pose de anjo do charlie
então eu disse: “é, gata”
rápida peguei as chaves
saí num pulo
só fui rir no elevador.

58 59
Angélica Freitas nasceu em 8 de abril de 1973, em Pelotas
(rs). Estudou jornalismo em Porto Alegre (ufrgs) e tra-
balhou como repórter no Estadão e na revista Informática
Hoje, em São Paulo. Publicou poemas em revistas como
Inimigo Rumor, Diário de Poesía (Argentina) e aguas-
furtadas (Portugal). Integra a coletânea “Cuatro Poetas
Recientes de Brasil” (Buenos Aires: Black&Vermelho,
2006). Este é seu primeiro livro.

61
índice
[dentadura perfeita, ouve-me bem]............................................. 7
[entro na livraria do bobo]........................................................... 8
Autofocus...................................................................................... 9
[fliperama às margens do tamisa].............................................. 10
[ai que bom seria ter um bigodinho]......................................... 11
February mon amour.................................................................. 12
[agosto a oitava coelhinha da playboy]..................................... 13
O que passou pela cabeça do violinista..................................... 14
Poema pós-operatório................................................................ 16
Família vende tudo...................................................................... 17
Love me........................................................................................ 19
Cosmic coswig mississipi........................................................... 20
L’enfance de l’art......................................................................... 21
Sashimi......................................................................................... 22
Sereia a sério................................................................................ 23
Vida aérea..................................................................................... 25
[as bruxas de bruxelas]................................................................ 26
Casino.......................................................................................... 27
R.c. ............................................................................................... 28
Liz & Lota................................................................................... 29
[aos onze anos]............................................................................. 30
A mina de ouro de minha mãe................................................... 31
Na banheira com gertrude stein................................................ 32
A mulher dos outros................................................................... 33
Alice babette, primeiro movimento.......................................... 34
Ombro/ épaule............................................................................ 35
Jogo sujo, allegro andante.......................................................... 36
Epílogo......................................................................................... 37
Não consigo ler “os cantos”...................................................... 38
Rilke shake................................................................................... 39
[não adianta]................................................................................ 40
O que é um baibai?..................................................................... 41
Rito de passagem......................................................................... 42
Versus eu...................................................................................... 43
Musiké.......................................................................................... 44
[um fusca]..................................................................................... 45
Pouca coisa................................................................................... 46
[só me consolaria]........................................................................ 47
Siobhan 4...................................................................................... 49
Treze de outubro......................................................................... 52
Estatuto do desmallarmento...................................................... 53
[às vezes nos reveses]................................................................... 54
Ringues polifônicos..................................................................... 55
Boa constrictor............................................................................ 56
Fim................................................................................................ 58

Sobre a autora.............................................................................. 61
© Angélica Freitas, 2006
© Cosac Naify, 2006
♣♥♦♠
© Viveiros de Castro Editora, 2006 coleção ás de colete

Coleção Ás de colete
Lero-lero [1967-1985] Cacaso
Coordenação Carlito Azevedo
Antologia Adília Lopes
Conselho editorial Aníbal Cristobo, Heitor Ferraz,
Sete pragas depois Antonio Cisneros
Marcos Siscar, Marília Garcia,
Paula Glenadel e Valeska de Aguirre
A rosa das línguas Michel Deguy
Poemas [1968-2000] Francisco Alvim
Capa e projeto gráfico Age de Carvalho
Poesia reunida [1969-1996] Orides Fontela
Composição Negrito Produção Editorial
Revisão Augusto Massi
Foto da capa Renata Freitas série bolso

Metade da arte [1991-2002] Marcos Siscar


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Caveira 41 Age de Carvalho
Começo Nathalie Quintane
Guimarães, Júlio Castañon
Planos de fuga Tarso de Melo
Poemas [1975-2005] / Júlio Castañon Guimarães.
— São Paulo : Cosac Naify ; Rio de Janeiro : Viveiros de Quase uma arte Paula Glenadel
Castro Editora, 2006. — (Coleção Ás de colete ; 14) Miniaturas kinéticas [1997-2004] Aníbal Cristobo
Música possível Fabiano Calixto
isbn 85-7503-138-4 (Obra completa)
isbn 85-7503-524-x (Cosac Naify) Poemas [1975-2005] Júlio Castañon Guimarães
isbn 85-7577-321-6 (Viveiros de Castro) A cadela sem Logos Ricardo Domeneck
20 poemas para o seu walkman Marília Garcia
1. Poesia brasileira i. Título. ii. Série.

06-3561  cdd-869.91

Índices para catálogo sistemático:


1. Poesia : Literatura brasileira 869.91
co­sac ­ naify
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