Você está na página 1de 12

Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC Belo Horizonte – 2002 ISBN 85-903587-1-2

A Invenção da América Latina

Héctor H. Bruit1

Resumo
O artigo visa explicitar o processo de invenção e adoção do nome e ideia de América Latina.
A latinidade e a ideia de América Latina, têm a ver com a consciência cultural do continente.
O nome e a ideia não existiram na consciência dos intelectuais americanos do século XIX. O
nome se popularizou após a Segunda Guerra mundial.

Abstract
The aim of the present article is to make explicit the invention process that led to the name
and Idea of Latin América. The so called “latinidade” and the central concept around Latin
América are certainly .linked to the cultural consciousness of the whole continent. However,
the name did not exist in the mind of the American intelligentsia of the xix century and it
became popular only after the Second World War.

Palavras chaves: Latinidade; consciência Cultural; historiografia, literatura.

***

Em 1991, publicou-se um livro com um título carregado de significado: “La fortune


d’um nom, América” (Ronsin, 1991). De fato, o nome próprio que designaria o Novo Mundo,
América, colocado na parte sul do continente no famoso mapa de Martin Waldseemuller de
1507, logo passaria a nomear também a parte norte. Todavia, o sucesso desse nome apagou o
fato de que esse nome, América, sería arrebatado, no século XIX, pelo único país no mundo
que não tinha nome: os Estados Unidos de norte-américa. Com a doutrina Monroe, esse nome
de tanto sucesso passou a designar o país do norte, enquanto que a primeira América, a de
Colombo, Cabral, Vespuccio e Moctezuma, passou a ser chamada de América Latina
marginalizando as populações indígenas e negras. E este novo nome, também teve muito
sucesso não obstante as resistências da Espanha que no fundo sempre se sentiu mais
visigótica, fenícia , vândala, moura e judia, que latina.

Em seu Ensaio político sobre a ilha de Cuba, publicado em Paris em 1826, Humboldt

1
Departamento de História e Centro de Memória - UNICAMP.

1
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC Belo Horizonte – 2002 ISBN 85-903587-1-2

alertava para a injustiça histórica de chamar de americanos só os cidadãos dos Estados Unidos
da América do Norte.
Realmente, o nome de América Latina, independentemente das razões ideológicas e
políticas que envolveram seu nascimento, veio para rebatizar um continente que tinha perdido
seu nome originário.
Se atribui aos franceses esta invenção. Não obstante, a invenção foi de dois sul-
americanos, o argentino Carlos Calvo e o colombiano José Maria Torres Caicedo
Carlos Calvo foi um jurista importante, especialmente pelos tratados de Direito
Internacional público e privado que publicou por volta de 1868 Nestas obras ele formulou o
princípio de que nenhum governo deveria apoiar com as armas reclamações pecuniárias de
países devedores. Este princípio se tornaria famoso em 1902, quando Venezuela enfrentou a
fúria das potencias europeias pelo não pagamento de empréstimos Então, o Ministro das
relações Exteriores da Argentina, Luis M. Drago, invocou o princípio de Calvo, ficando com
o nome de doutrina Drago.
Por volta de 1864, Calvo publicou, em Paris, uma obra monumental em vinte volumens
com um título tão cumprido como a própria obra: Recueil complet dês traités, conventions,
capitulations,armistices et outres actes diplomatiques de tous lês Etats de l’Amérique latine
compris entre lê golfe du Mexique et lê Cap Horn depuis l’année 1493 jusqu’à nos
jours..Era a primeira vez que se empregava a expressão América Latina numa obra
acadêmica. Calvo disse na dedicatória a Napoleão III que a obra era um reconhecimento e
gratidão da raça latina à inteligência superior do Imperador.
A finalidade do jurista argentino, que também se apresentava como historiador,
economista e geógrafo nos círculos acadêmicos de Paris, era dar a conhecer um continente
muito mal conhecido na França e na Europa em geral. De fato, o que se sabia provinha da
imagem desenvolvida no século XVIII por Buffon, Reynal e Robertson entre outros. Isto é, o
mundo americano era hostil, degenerado, nocivo e sofocante.
O colombiano Torres Caicedo, também residente em Paris, lançou a ideia de criar a liga
Latino-Américana. Em 1865, publicou um livro com o título Unión Latinoamericana. O
projeto de Caicedo era organizar um movimento contrário à política pan-americana dos
Estados Unidos. Ele escreveu : “Hay uma América anglosaxona, dinamarquesa, holandesa
etc.,hay uma española, francesa, portuguesa e a este grupo que denominación científica darle
sino el de latina”? (Ardao,1986).

A expressão usada com freqüência na década de sessenta era “raças latinas”, até existia

2
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC Belo Horizonte – 2002 ISBN 85-903587-1-2

uma publicação periódica com esse nome, Revue des Races Latines.
Nessa época, França se preparava para invadir México. O ideólogo desse
expansionismo era o historiador Michel Chevalier, então senador do Império francês. Em seu
livro, Le Mexique ancien et moderne , publicado em 1863, desenvolveu a ideia de que
França era a herdeira das nações católicas e lhe correspondia levar à América a tocha das
raças latinas, isto é, francesa, italiana, espanhola e portuguesa. Considerava que estas três
últimas nações estavam em decadência. França era a única nação católica que podia deter o
expansionismo protestante e anglosaxão. Esta missão começaria em México (Phelan,1993)
É significativo que nos artigos escritos na Revue dex Deux Mondes e em seu livro
sobre México, Chevalier não usou a expressão América Latina.
Na volumosa correspondência do Mariscal Bazaine com Napoleãn III e com o
Ministério das Relações Exteriores , entre 1862 e 1865, publicada no México por Genaro
Garcia, não existe a ideia de América Latina, não existe a ideia de pan-latinismo. A finalidade
de conquistar México, era basicamente econômica:
“De acuerdo al estado actual de la civilización mundial, la prosperidad
de América no es indiferente a Europa, porque ella alimenta nuestra
industria y vivifica nuestro comercio. Tenemos interés que la repúbli-
ca de los Estados Unidos sea poderosa y próspera; pero no tenemos
ninguno en que se apodere de todo el Golfo de México, domine, desde
allí, las Antillas y la América del Sur”(García, 1973).

Se observa, nesta carta de Napoleão III ao general Forey datada de 1862, que as
regiões são designadas com os nomes usados ao longo do século XIX, isto é, América do Sul,
Antilhas, Estados Unidos e Novo Mundo.
Não é fácil determinar se o nome de América Latina tinha alguma divulgação na
FRANÇA e na Europa ocidental na segunda metade do século XIX .Não conhecemos todos
os números da Revue Das races Latines e é mais que provável que em alguns números se
falasse ou se usasse a expressão América Latina. Nos dois números que temos podido
consultar, de 1858, nos permitem afirmar que a revista era mensal e dedicava um extenso
capítulo a “les hommes de la race latine”. No número de julho, esse homen era José de San
Martin; no número de agosto se fala sobre o general espanhol Leopoldo O’Donnel. Tinha uma
outra sessão dedicada à correspondência italiana, espanhola, belga, e a correspondência da
América do Sul. Esta sessão tinha um conteúdo econômico. Mas também há estudos sobre as
cidades italianas, espanholas,etc.

Temos também, a correspondência dos americanos residentes em Paris. Pela variedade e


riqueza dos temas discutidos, a correspondência de Juan Bautista Alberdi talvez seja a mais

3
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC Belo Horizonte – 2002 ISBN 85-903587-1-2

importante. Seu remitente era o compatriota Francisco Javier Villanueva, médico residente no
Chile. Esta correspondência abarca um longo período, de 1855 a 1881. Alberdi fala de tudo.
Os fatos e processos político-econômicos da Europa e da América, particularmente da França
e da Argentina, são objeto de sua atenção; a intervenção francesa no México, a intervenção
espanhola no Peru, a Guerra da Tríplice Alianza, o Congresso Americano de Lima,etc. Fala
de políticos, diplomatas, escritores, poetas, publicações periódicas, livros. Por exemplo, se
refere, entre outros, a Carlos Calvo que qualifica de oportunista. Porém, não escreveu uma
linha só relativa a questão da latinidade, nem muito menos sobre o nome de América Latina.
Não há nada sobre o livro de Chevalier nem sobre a expansão da latinidade como objetivo da
política exterior francesa. (Alberdi, 1967).
Do lado americano, chama nossa atenção o fato relevante de que a expressão América
Latina não foi usada em nenhum momento por qualquer dos diplomatas assistentes ao
Congresso Americano de Lima (Congresos Americanos Lima,1938).
Também, e isto é o mais importante, a ideia de latinidade, a expressão América Latina,
não existiram na consciência político-cultural dos intelectuais do continente .Se realmente a
França usou a latinidade para justificar seu expansionismo, este instrumento caiu no vácuo ,
não passou de uma ingênua utopia. Isto, mesmo que muitos intelectuais do continente
americano se tenham voltado para as letras francesas no século XIX. Mas a influência
francesa foi bastante relativa. Na realidade, houve também uma forte influência anglo-
saxónica e alemã. Como exemplos, podemos citar dois dos intelectuais sul-americanos de
mais prestígio no continente: Andrés Bello e Domingo Faustino Sarmiento. Pode até ser
surpreendente para alguns, que Bello lia muito mais autores de língua inglesa que francesa.
Num apanhado de autores românticos, cinquenta ao todo, no inventário da biblioteca de Bello,
vinte e um eram de língua inglesa, onde se destacam Dickens, Scott, Byron, Longfellow e
Macaulay; só doze autores franceses, entre os quais Lamartine, Hugo, Beaumarchais,
Rousseau. Os restantes são espanhóis e alemães.(Rodriguez Mionegal, 1979).
No caso de Sarmiento, um texto dele é mais claro que qualquer comentário:
“Los políticos que quieran llegar a ser en América los representantes de la raza
latina, quisieran pararse en medio de la calle donde transitan carros, animales,
pasajeros y todo el ajuar del comercio de todos los pueblos del mundo.Pretenderían
dividir el mundo en dos mitades y ya que el istmo de Panamá va a ser camino
público, decirse que a este lado está el atraso, el despotismo de régulos
ignorantes,cortados a la medida de los que han dejado producirse aquí y allí la raza
latina, sin mirar el rostro del soldado que la vigia y gobierna, que es cobrizo y
tostado, llamando latino al arauca- no, al azteca, quichua, al guaraní, al charrúa,
amos de la raza de los amos que los oprimen.....
Lleguemos a enderezar las vías tortuosas e n que la civilización europea vino a
extraviarse en las soledades de esta América. Reconozcamos el árbol por sus frutos:

4
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC Belo Horizonte – 2002 ISBN 85-903587-1-2

son malos, amargos a veces, escasos siempre. La América del Sur se queda atrás y
perderá su misión providencial de sucursal de la civilización moderna. No
detengamos a Estados Unidos en su marcha: es lo que en definitiva proponen
algunos. Alcancemos a Estados Unidos.seamos la América, como el mar es el
océano. Seamos Estados Unidos( Sarmiento,1883).
Este texto que forma parte das conclusões de Conflicto y Armonia de lãs Razas em
América, publicado em 1883, é contundente e não deixa lugar a dúvidas em relação à ideia de
latinidade.
Na realidade, a ideia de latinidade era associada a ideia de monarquia, de
conservadorismo, de anti-liberal, de anti-republicano. A latinidade é europeia, nasceu na
Roma antiga, está estreitamente ligada a Igreja Católica, ao autoritarismo monárquico. Desta
forma foi discutida por alguns dos intelectuais do século XIX, como José Victorino Lastarria em seu
livro La América.
A ideia de uma influência francesa única nos intelectuais americanos do século XIX, foi
produto da propaganda hispânica que os acusava de afrancesados e de ferir o idioma com
galicismos desnecessários. Desde a publicação do livro de Pedro Henríquez Ureña, Seis
ensayos em busca de nuestra expresión, de 1928, os estudiosos da literatura continental
chegaram a conclusão que já no século XIX, a literatura americana apresentava um forte
cosmopolitismo. Quer dizer, não só se lia Lamartine e Balzac, mas também Scott, Byron e
Goeth (Girardot, 1994).
Bastaria revisar as obras de José Victorino Lastarria, Juan Bautista Alberdi, Manuel
Bilbao, Esteban Echeverria, Juan Montalvo, Justo Sierra, etc. para perceber que a ideia de
América Latina não formava parte de seus pensamentos. Quando nomeian o continente, usan
as expressões América, Hispáno-América, Ibero-América ou Sul-Amé-rica.
Quase uma excepção, foi Santiago Arcos que usou a expressão América Latina em seu
livro sobre Argentina, La Plata, Étude Historique, publicado em Paris em 1865. Não
obstante, a expressão mais usada por este escritor é raças latinas. A mesma coisa pode-se
dizer de Francisco Bilbao, que usou a expressão “raça latino-americana”, em uma conferência
em Paris em 1856. Mas não voltaria a usar essa expressão em seus trabalhos mais importantes,
como ser no Evangelio Americano . Pelo contrário, condenou duramente a invasão francesa
de México, e situou o imperialismo francês no mesmo nível dos imperialismos norte-
americano e russo (1999, Abramson).

Nos Estúdios Econômicos de Alberdi, obra editada em 1916 e a mais importante das
obras póstumas, chama nossa atenção o primeiro subtítulo do terceiro capítulo: “La América
em España, o antecedentes de la pobreza que forma la condición económica de la América
Latina”. Nas quatrocentas páginas do livro, Alberdi chama o continente de Hispano-América
5
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC Belo Horizonte – 2002 ISBN 85-903587-1-2

ou América do Sul. Então, parece ser que a expressão América Latina do sub-título, foi obra
dos editores. Sería necessário consultar o manuscrito.
O mesmo pode-se falar de José Martí. Para o pensador cubano, América, Nossa
América, só pode ser a América indígena, a negra, a mestiça, a “criolla”, a América do século
XVI, isto é, Ibero-América. Os Estados Unidos são de Norte-América. Em nenhum momento,
passa pelo pensamento de Martí a ideia de latinidade, pois América, Nossa América, deve
procurar em suas raízes, no autóctone, sua cultura, seu governo, seu progresso. Rejeita a
disjuntiva de Sarmiento de civilização ou barbárie:
“Por eso el libro importado ha sido vencido en América por el hombre natural. Los
hombres naturales han vencido a los letrados artificiales. El mestizo autóctono ha
vencido al criollo exótico. No hay batalla entre la civilización y la barbarie, sino
entre la falsa erudición y la naturaleza” (Martí,1973).
José Enrique Rodó, o mais afrancesado dos escritores do início do século XX, porque a
devorado a Renan e a Anatole France, usou a expressão América Latina duas vezes em seu
livro Ariel, publicado em 1900, em um discurso de 1905 em homenagem a Anatole France
que visitava Montevideo, em uma corta nota jornalística com o título de “La voz de la Raza” a
propósito da Primeira Guerra Mundial e no Mirador de Próspero.Porém, a expressão só tem
um significado literário, sem conotações ideológicas que a vinculem com a latinidade. Muito
pelo contrario, quando Rodo fala sobre o continente, sobre a unidade americana, sempre esta
pensando em Hispano-América. Mas vejamos um texto do escritor uruguaio:
“No necesitamos los suramericanos, cuando se trata de abonar esta unidad de raza,
hablar de uma América Latina; no necesitamos llamarnos latino-americanos para
levantarnos a un nombre general que nos comprenda a todos, porque podemos
llamarnos algo que signifique una unidad mucho más íntima y concreta: podemos
llamarnos “iberoamericanos”, nietos de la heroica y civilizadora raza que sólo
políticamente se ha fragmentado en dos naciones europeas; y aun podríamos ir más
allá y decir que el mismo nombre de hispanoamericanos conviene también a los
nativos del Brasil; y yo lo confirmo con la autoridad de Almeida Garret; porque
siendo el nombre de España, en su sentido original y propio, un nombre geográfico,
un nombre de región, y no un nombre político o de nacionalidad, el Portugal de hoy
tiene, en rigor,tan cumplido derecho a participar de ese nombre geográfico de
España como dos partes de la península que constituyen la actual nacionalidad
española; por lo cual Almeida Garret, el Poeta por excelencia del sentimiento
nacional lusitano, afirmaba que los Portugueses podían, sin menoscabo de su ser
independiente, llamarse también, y con entera propiedad, españoles”(Rodó,1956).
Este texto pertenece ao livro El Mirador de Próspero, publicado em 1913.
Um outro intelectual importante, contemporâneo de Rodo, foi José Carlos Mariátegui.
Uma revisão de suas Obras Completas, permite observar o uso da expressão América Latina
quatro vezes nos Siete Ensayos sobre la realidad peruana, e isto no ensaio sobre educação. A
expressão aparece em Temas de nuestra América, que reúne artigos publicados entre 1924 e
1928. Na realidade a expressão está contida como título de um dos artigos: “La América
Latina y la disputa boliviano-paraguaya”, e aparece uma vez no contexto do artigo. Não
6
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC Belo Horizonte – 2002 ISBN 85-903587-1-2

obstante,o artigo anterior se refiere ao Ibero-Americanismo e Pan-Americanismo. Aqui,


Mariátegui discute o significado histórico, político e econômico dessas expressões. O
interessante, é que o pensador peruano opõe a essas duas expressões, a ideia de uma América
Indo-Ibérica. É mais que evidente que o escritor que mais reivindicou o direito dos indígenas,
não podia aceitar essa noção de latinidade que nada tem a ver com os povos aborígenes. Usou
a expressão América Latina, mas não se deu ao trabalho de discuti-la, porque talvez a
encontrasse injusta e inoportuna.(Mariátegui,1994).
Da mesma forma, outro intelectual importante de início do século XX, o mexicano José
Vascocelos em seu livro sobre questões americanas, Bolivarismo y Monrroísmo, editado em
1929, usa as expressões Hispano-América, Ibero-América, Novo mundo. Para este pensador,
a latinidade devia ser alguma coisa exótica na medida em que ele pensava América como o
continente criador de uma raça superior, a raça cósmica, que era a fusão final de todas as
raças.(Vasconcelos, 1935)
Uma rara excepção, é o livro de Francisco Garcia-Calderon, Les Démocraties latines de
l’Amérique, de 1914. Este diplomata peruano que tem vivido por anos em Paris, que fala e
escreve com perfeição o francês, segundo disse no prfácio do livro Raimond Poincaré, não só
usou a expressão América Latina, mas talvez tenha sido o primeiro intelectual americano a
discutir a importância e o significado da latinidade. Considerou que a latinidade do
continente, era o resultado de três forças de pressão: o catolicismo, a legislação romana e a
cultura francesa. A lei romana foi a base da legislação espanhola a partir de Alfonso X o
Sábio, com as Partidas. O catolicismo está indissoluvelmente unido à autoridade romana na
pessoa do Rei: na Espanha e na América, o Príncipe é ao mesmo tempo pastor da Igreja. Sob
a dupla pressão do catolicismo e da legislação romana, América se latinizou. América aprende
a respeitar as leis e se disciplina tanto na vida religiosa como na vida civil. Finalmente, as
ideias francesas,juntam-se a essas duas forças, preparam primeiro a revolução, depois passam
a governar os espíritus americanos desde a independência até nossos dias(Garcia-
Calderon,1914).
No geral, se pudéssemos fazer um balanço de todos os escritores americanos que se
interessaran por traçar o perfil do continente, sua identidade, observaríamos que a maior parte
se mostrou preocupado com as questões autóctones, pelas raízes históricas definidas da
cultura nacional ou continental. Foi o caso de Sarmiento com Facundo; Ezequiel Martinez
Estrada com Radiografia de la Pampa de 1933; Ricardo Rojas com Euríndia de 1924;
Alfonso Reyes com Visión de Anáhuac de 1917. Enfim, escritores importantes do século XX,

7
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC Belo Horizonte – 2002 ISBN 85-903587-1-2

como Octavio Paz, Samuel Ramos, German Arciniegas, Benjamin Subercaseaux, Lezama
Lima, Haya de la Torre, Pedro Henríquez Ureña, preferiram falar de América, de Hispano-
América ou de Ibero-América.
Todavia, outro intelectual que discutiu a questão da latinidade dos americanos, foi o
peruano Victor Raúl Haya de la Torre em seu livro de 1928, A donde va Indoamérica?
Nesta obra ele propõe o nome de Indoamérica para o continente, não apenas para
reivindicar as raças aborígenes, mas com a finalidade idológica de iniciar um movimento
político de alcance continental para despertar essa enorme mola comprimida
Para haya de la Torre, o nome de Indo-América designa a nova América, a América
revolucionaria, a América do século XX. América Latina, era o nome da América republicana
do século XIX, e Ibero-América correspondia à América colonial. É interessante transcrever
um par de parágrafos deste pensador:
“Es el latinoamericanismo una invención gala?, como afirma Jiménez de Asúa. yo
no lo acompañaria en su afirmación. Históricamente, el latinoamericanismo me
parece una expresión renacentista. Cercada la América por la Inquisición, vivía,
intelectualmente, en la Edad Media. Francia nos importa de contrabando una
proyección del Renacimiento, del paganismo, en la acepción eminente del vocablo,
del pensamiento latino resurrexo en Europa. Es innegable que nuestra revolución
contra el imperialismo feudal español tiene, intelectualmente, raíz liberal francesa,
médula latina. Nuestro paradojal republicanismo se contextura en mucho a la
francesa. Bolivar es un latinista brillante y jura, románticamente, luchar por la
independencia de América, desde el Aventino, frente a las ruinas de Roma, cuna de
las concepciones clásicas de los derechos del demos. Los Enciclopedistas, la
Revolución Francesa y la legislación napoleónica de inspiración latina acodan en
América. La independencia se inspira en Francia y varios países, entre otros el Perú,
adoptan hasta la división política y la denominación burocrática de la república
francesa. Haití, república negra que habla frances, se independiza antes que
nosotros. Sus arcas ayudan cuantiosamente a Bolivar, protegido del plan Pétion y
cuando México les pide auxilios económicos para la lucha contra Espanha, hallan
los haitianos que no tienen más fondos. La expresión latinoamericanismo
corresponde, pues, innegablemente, a nuestra época republicana y responde más a
ella que el restringido y colonial hispanoamericanismo...
Los vanguardistas, los apristas, los antiimperialistas de América, inclinados a la
interpretación económica de la historia, hemos adoptado la denominación
Indoamérica como expresión fundamental”( Haya de la Torre, 1936).
A proposta de Haya não vingou por várias razões: o preconceito contra o indígena e a
penetração na consciência dos americanos da ideia de América Latina.
Na realidade, foi na década de trinta que começaram a aparecer os primeiros trabalhos
históricos com o nome de América Latina elaborados por escritores franceses. Com efeito, os
livros de André Siegfried, Amérique Latine, 1934, e Victor Tapié, Histoire de l’Amérique
latine au XIX siècle, de 1945. Especialmente importante foi o livro de Siegfried, uma espécie
de Bíblia dos sul-américanos na época da Segunda Guerra Mundial, particularmente pela
interpretação econômica das causas que levavam a inestabilidade política do continente nessa
década. Para o historiador francês, o colapso financeiro de 1929 tinha sido a causa
8
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC Belo Horizonte – 2002 ISBN 85-903587-1-2

fundamental. Mas não todos os autores franceses usaram a expressão nesse início do século
XX. Assim, o geógrafo Pierre Denis, usou o nome de América do Sul em seu valioso estudo
sobre o continente de 1933 da Geografia Universal de Vidal de la Blache, volumen XV.
Todavia, antes que os franceses, William S. Robertson, já famoso por seus estudos
sobre Francisco de Miranda e a revolução da independência, publicou em Nova Iorque em
1922 a History of the Latin-American Nation.
Na realidade, foi no período da Segunda Guerra, que o nome de América Latina se
popularizou, especialmente pelos estudos dos historiadores e economistas norte-americanos.
Vejamos alguns títulos importantes: Preston E. James, Latin American, N. York, 1942. Este
livro, é um dos primeiros, senão o primeiro, estudo sério da geografia econômica do
continente. William Rex Crawford, A Century of Latin-American Thought, Cambridge,
Mass., 1949. Este livro é um estudo destinado a identificar e definir o perfil das principais
tendências do pensamento continental nos séculos XIX e XX. É uma espécie de manual do
pensamento latino-americano.
Willy Feuerlein e E. Hannan, Dollars in Latin American, N.York, 1941. Evidentemente,
este livro é o primeiro estudo sobre as relações econômicas e financeiras dos Estados Unidos
com América Latina nos anos que anteceden à Segunda Guerra e aos anos da guerra. A
inversão norte-americana é estudada em detalhes.
Fred J. Rippy, Latin América and the industrial age, N.York, 1947. Talvez o primeiro
estudo sobre este tema da industrialização feito por um dos maiores especialistas em assuntos
econômicos do continente, especialmente dos investimentos britânicos e franceses na América
no século XIX.
Samuel F. Bemis, The Latin American policy of United State,N. Haven,1943. Um livro
fundamental e primeiro na análise das intervenções norte-americanas na América Central, e
sua relação com a doutrina do “destino manifesto”.
Todavia, temos que lembrar que o Handbook of Latin American, fudamental para os
estudos acerca do continente, começou a ser editado em 1935. De fato, foram os historiadores
norte-americanos que divulgaram o nome de América Latina neste continente, pois muitos
desses estudos foram traduzidos para o espanhol na década de cinquenta.
Todavia, na década de quarenta alguns pensadores latino-americanos iniciaram o
questionamento da latinidade do continente. Entre eles, o peruano Luis Alberto Sánchez com
seu livro, Existe América Latina?, de 1945. Mesmo não sendo aparentemente seu objeto de
discussão, é possível ler nas entrelinhas que a questão que o motivou a escrever o livro é a

9
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC Belo Horizonte – 2002 ISBN 85-903587-1-2

latinidade. América Latina existe, essa é a resposta de Sánchez, mas essa existência é ambígua
porque ela está fundada em um elemento estranho à maioria da população, isto é, a latinidade.
Por outro lado, a latinidade tem permitido à minoria branca pensar e até sentir que a América
é europeia, e que os indígenas, negros e mestiços sofreram um processo de branqueamento .
Pode-se observar também, entre parênteses, que tem sido intelectuais peruanos os que mais se
preocuparam com a latinidade do continente. A razão disto talvez seja o fato de que a
sociedade peruana, e em geral, toda a sociedade andina, é de forte tradição indígena e mestiça,
populações estas que têm conservado, de todas as formas imaginadas, as seculares tradições e
práticas pré-hispânicas. Se é certo a afirmação de Haya de la Torre de que França introduziu o
liberalismo no continente americano, essa filosofia fundada nas noções de Estado, Nação e
individualismo, nunca foi compreendida pelas populações indígenas para as quais não existe a
Nação peruana,boliviana, equatoriana, chilena; o que existe é uma comunidade quíchua-
aimara sem fronteiras nacionais. O Estado liberal é menos compreendido ainda, pois o poder
central só poderia estar encarnado na figura do cacique ou do Inca. O individuo é sobrepujado
pelo coletivo.
Depois de vários anos, o pensador peruano parece convencido de que não era possível
questionar o nome de América Latina, pois reeditou seu livro com outro título: Examen
espectral de América Latina.(Sanchez ,1945)
A reflexão de Sanchez, mereceu um artigo crítico do historiador Fernand Braudel nos
Annales. O livro é considerado, com razão , “deslumbrante”, porém a crítica é tangencial ao
problema central levantado pelo escritor peruano. Braudel não toca explicitamente no assunto
de se o continente merece ser chamado de latino, mas desen-volve a tese obvia de que existem
varias Américas Latinas, não apenas determinadas pelos contrastes geográficos, mas também
pelos contrastes políticos, culturais e econô-micos. A debilidade deste livro, na opinião de
Braudel, é sua estrutura monocrômica, seu empenho em suprimir as diferenças, de querer

10
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC Belo Horizonte – 2002 ISBN 85-903587-1-2

reduzir os problemas a um problema só. Acaso, implicitamente, Braudel rejeitava a latinidade


do continente na medida que esta quer impor uma uniformidade incômoda (Braudel, 1948).
Pensamos, que o nome América Latina se estabelece definitivamente após a Grande
Guerra. De fato, esse nome se consagra em 1948 quando se funda a CEPAL, Comissão
Econômica Para América Latina, como organismo das Nações Unidas.
Entretanto, a expressão América Latina se difunde intimamente associada ao conceito
de sub-desenvolvimento que aparece na década de cinquenta. Então, América Latina passa a
ser sinônimo de inestabilidade política crônica; estrutura produtiva atrasada e em certos casos
arcaica; dependência total ao capital norte-americano; estrutura fundiária reorganizada pelo
capital monopólico; acentuado crescimento demográfico. São estes processos concretos,
próprios do século XX, que deram conteúdo histórico à ideia de América Latina. No fundo, o
que queremos dizer, é que a questão do nome não é puramente semântica, nominativa. Pelo
contrário, envolve realidades históricas concretas e específicas, e estas pertencem ao século
XX.
O nome de América Latina tornou-se tão popular nos últimos cinquenta anos, tão
expressivo, que já serve não só para designar o difícil século XIX, mas para nomear à
América Colonial. É o caso, entre outros, da História da América Latina, editada pelo
historiador inglês Leslie Bethell. O volume primeiro, relativo ao século XVI, leva por título:
Colonial Latin América. Isto não só é um ato de imprudência historiográfica, mas também e
sobretudo, uma forma discriminatória das populações indígenas e negras do continente.
O historiador italiano Ruggiero Romano escreveu, com a prudência que lhe foi
característica, o seguinte: “Ninguém ousaria, e de fato ninguém ousa, falar de latinidade da
América na época colonial: o acordo, a esse respeito, é total” (Romano,1973).
Parece ser que o acordo não foi nem será respeitado.

Bibliografia

ABRAMSON, Pierre-Luc. Las utopías sociales en América Latina en el siglo XIX. México:
F.C.E, 1999, Segunda Parte, cap. II.

ALBERDI, Juan Bautista. Epistolario, 1855-1881. Santiago: Ed. Andrés Bello, 1967.

ARDAO, Arturo. “Panamericanismo y Latinoamericanismo”, in ZEA, Leopoldo (Org.).


América Latina en sus Ideas. México: Siglo XXI/ UNESCO, 1986, p. 157-171.
11
Anais Eletrônicos do V Encontro da ANPHLAC Belo Horizonte – 2002 ISBN 85-903587-1-2

BRAUDEL, Fernand. “Y a-t-il una Amérique Latine?”. Paris: Annales, E.S.C., 1948, n. 4.

CONGRESOS AMERICANOS DE LIMA. Recopilacíon precedida de Prólogo por ULLOA,


Alberto. Archivo Diplomático Del Peru. Lima: Imprenta Torres Aguirre (2 vols), 1938.

GARCIA-CALDERON, Francisco. Les démocraties latines de l’Amérique. Paris: E.


Flammarion Editeur, s/d.

GARCÍA, Genaro. La intervención francesa en México según el Archivo del Mariscal


Bazaine. México: Ed. Porrúa, vol.54, pag. 6, 1973.

GUTIERREZ GIRARDOT, Rafael. “Conciencia estética y voluntad de estilo” in: PIZARRO,


Ana (Org.). América Latina. Palabra, Literatura e Cultura. Campinas: Ed.
UNICAMP/Memorial, vol. 2, 1994.

HAYA DE LA TORRE, Victor Raúl. A donde va Indo américa?. Santiago: Ed. Ercilla, 1936,
p. 27-28.

MARIÁTEGUI, José Carlos. Obras Completas. Lima, Ed. Amauta, 1994.

MARTÍ, José. Cuba, Nuestra América, los Estados Unidos. México: Siglo XXI, 1973, p. 113.

PHELAN, John. “El origen de la idea de Latinoamérica”, in: ZEA, Leopoldo (Org.). Fuentes
de la Cultura Latinoamericana. México: F.C.E., vol. 1, 1993, p. 463-475.

RODÓ, José Enrique. Obras Completas. Compilación y Prólogo por Alberto J. Vaccaro.
Buenos Aires: Ed. Antonio Zamora, 1956.

RODRÍGUEZ MONEGAL, Emil. El otro Andrés Bello. Caracas: Monte Avila Editores,
1979.

ROMANO, Ruggiero. Mecanismos da conquista colonial. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1973,
p. 123.

RONSIN, Albert. La fortune d’um nom: América. Lê baptême du Nouveau Monde à Saint-
Die-des-Vosges. Cosmographie Introductio suivi dês Lettes d’Amerigo Vespucci. Grenoble:
Ed. Jérôm Millon, 1991.

SANCHEZ, Luis Alberto. Existe América Latina? México: F.C.E, 1945.

EXAMEN SPECTRAL DE AMÉRICA LATINA. Buenos Aires: Losada, 1962.

SARMIENTO, Domingo Faustino. Conflicto y Armonia de las razas en América in: ZEA,
Leopoldo (Org.) Fuentes de la Cultura Latinoamericana. México: F.C.E., 1993, vol. 1, p.
401-411.

VASCONCELOS, José. Bolivarismo y Monroísmo. Temas iberoamericanos. Santiago: Ed.


Ercilla, 1935.
12

Você também pode gostar