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V18n4a19 PDF
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2006:18:4:427-432
of the procedure, the patient was asymptomatic and an de fevereiro de 2006 deu entrada no PS-HSP com qua-
antithrombotic treatment with warfarin and enoxaparin dro clínico de tosse com hemoptóicos; duas semanas
was started. No obstruction was found at the cinean- antes da admissão havia iniciado quadro de fraqueza,
giography and the patient was discharged after clinical hiporexia e dispnéia progressiva que se acentuou para
improvement. The patient was admitted again to the mínimos esforços e em repouso. Negava doenças pré-
intensive care unit in July with intense chest pain and vias ou uso de medicações; no entanto, relatou uso de
dyspnea at rest. A new cineangiography was perfor- maconha, cocaína inalatória e crack desde os 15 anos,
med and it was observed occlusion in the anterior des- tabagista 2 anos/maço e etilista social. Negou uso de
cendent coronary artery. drogas injetáveis. Ao exame físico apresentava disp-
CONCLUSIONS: The cocaine acute effects are common- néia em repouso, estase jugular, hemoptise e edema
ly seen at the ED but the chronic effects, as the cardiovas- nos membros inferiores. PA 100 x 70 mmHg e FC 140
cular manifestations, can take longer to be correlated as bpm. SpO2 em ar ambiente 97%. Gasometria arterial
a side effect of cocaine use. Its prolonged use is related pH 7,39, pCO2 18, pO2 57, Bic 11, BE -12, Sat 90%.
to left ventricular systolic dysfunction due to hypertro- ECG taquicardia sinusal. A radiografia de tórax eviden-
phy or myocardial dilation, atherosclerosis, arrhythmias, ciou infiltrado alveolar em área de língula e o ecocar-
myocyte apoptosis and sympathetic damage. diograma demonstrou o átrio esquerdo com aumento
Key Words: cocaine, cardiovascular disease, pulmo- moderado, átrio direito com aumento leve a moderado,
nary disease ventrículo esquerdo com importante dilatação, ventrí-
culo direito com dilatação moderada e hipocinesia di-
INTRODUÇÃO fusa, disfunção sistólica importante, disfunção diastó-
lica, insuficiência mitral leve a moderada, insuficiência
Os relatos de uso da cocaína datam de mais de 1200 tricúspide leve a moderada, pressão sistólica pulmonar
anos, quando os nativos sul-americanos dos Andes usa- de 54 mmHg, trombo mural em VE e parede septal api-
vam a folha da Erythroxylon coca, por suas propriedades cal medindo 17 mm, fração de ejeção de 12%.
estimulantes¹. A cocaína é encontrada em duas formas Foi realizada broncoscopia pulmonar que identificou
distintas: alcalóide purificado, base livre, e o sal de hidro- sangramento em língula ativo, tratado com emboliza-
cloreto¹; seu uso tem sido associado a efeitos decorren- ção. Após 48h do procedimento, o paciente manteve-
tes da toxicidade aguda e crônica em praticamente todos se assintomático e sem expectoração sanguinolenta.
os órgãos, particularmente no sistema cardiovascular. Iniciado tratamento antitrombótico com warfarina e
A cocaína é também a droga ilícita que mais comu- enoxaparina.
mente motiva atendimentos em serviços de emergên- Realizou-se também cineangiocoronariografia que
cia, além de ser a principal causa de óbito. não evidenciou lesões obstrutivas. Recebeu alta hos-
Existem evidências de que a cocaína, em indivíduos pitalar no final de março para acompanhamento am-
susceptíveis, poderia produzir alterações miocárdica e bulatorial. Apresentava-se assintomático e fazia uso
vascular de difícil correlação futura como a provável de warfarina (1 comprimido/dia), propranolol (10 mg)
causa da doença cardíaca, aterosclerose ou hiperten- a cada 8 horas, captopril (25 mg) a cada 8 horas, es-
são arterial e vários mecanismos são sugeridos para pironolactona (25 mg) 1 vez ao dia e furosemida (20
explicar seus efeitos colaterais, dentre eles o vasoes- mg) pela manhã.
pasmo coronariano, o aumento da agregação plaque- Em 25 de julho de 2006 foi readmitido no PS-HSP
tária e do trabalho cardíaco, e a ação tóxica direta no com dor precordial em aperto sem irradiação e disp-
miocárdio e nas coronárias. néia de repouso de início recente (menos de 6h). Re-
Este artigo visou relatar aspectos cardiovasculares de feria também dispnéia paroxística noturna e tosse
um jovem usuário crônico de cocaína e apresentar uma seca. PA 120 x 85 mmHg, FC 96 bpm e FR 36 irpm. O
breve revisão bibliográfica sobre as complicações car- eletrocardiograma apresentou supradesnivelamento
diovasculares decorrentes do seu uso. do segmento ST de cerca de 3 mm nas derivações
de V2 a V6. A tabela 1 demonstra os principais resul-
RELATO DO CASO tados de indicadores de lesão miocárdica. Foi enca-
minhado para exame de cineangiocoronariografia que
Paciente do sexo masculino, 19 anos, negro, solteiro, evidenciou oclusão de terço médio da artéria descen-
natural e procedente de São Paulo, sapateiro. Em 15 dente anterior (Figura 1). A angioplastia primária não
DISCUSSÃO
por exemplo, acreditavam que a folha da coca fosse mecanismo para esses efeitos seria a deteriorização
um presente do deus Sol e a usavam durante suas da cocaína, ou dos seus metabólitos, na função sis-
cerimônias. O primeiro uso medicinal da cocaína na tólica ventricular por alterarem a demanda e acopla-
Europa é datado de 1884, como um anestésico local mento do cálcio aos miócitos6. Adicionalmente, está
para cirurgia ocular. Atualmente seu uso farmacológico comprovado que a cocaína aumenta a quantidade de
é aprovado como anestésico local tópico na mucosa catecolaminas circulantes e miocárdica, e isso levaria
nasal, oral ou cavidade laríngea¹,2. ao aumento de radicais livres que predisporiam ao de-
A cocaína quando inalada é absorvida rapidamente pe- senvolvimento de cardiomiopatia, formação ateroscle-
los vasos pulmonares e atinge a circulação cerebral em rótica e vasculite4,7.
aproximadamente 6 a 8 segundos, produzindo intensa A depressão da função ventricular esquerda também
euforia; tem meia-vida plasmática curta em torno de pode ser explicada pela ação direta inotrópica nega-
trinta a noventa minutos. As maiores concentrações da tiva por bloqueio de canais de sódio4, desta forma a
droga são encontradas no cérebro, no baço, rins e no cocaína é capaz não só de bloquear o início e a condu-
pulmão3,4. ção do estímulo elétrico mas também a contração e a
A cocaína, por bloquear a retirada de norepinefrina dos excitação. Os efeitos simpaticomiméticos da cocaína
terminais pré-sinápticos, pode aumentar significati- são alcançados por bloqueio da retirada das catecola-
vamente a freqüência cardíaca, a pressão arterial e a minas pelos terminais pré-sinápticos dos nervos. Com
resistência vascular sistêmica. Adicionalmente, a co- isso, há um acúmulo de catecolaminas e aumento da
caína aumenta a concentração de cálcio nos miócitos estimulação no receptor2.
por estimulação dos receptores beta e alfa-adrenérgi- O efeito inicial da cocaína nas artérias coronarianas é
cos, facilitando a utilização de cálcio pelo complexo de de vasodilatação com redução de 13% a 68% na pres-
proteína troponina-actina-miosina4. Assim, a contrati- são de perfusão coronária1. Esta vasodilatação se re-
lidade miocárdica pode aumentar. Com o aumento da solve rapidamente e é seguida por vasoconstrição que
freqüência cardíaca, da contratilidade e da pressão ar- está associada a redução de 5% a 20% no diâmetro da
terial ocorre aumento significativo do consumo miocár- artéria coronária no epicárdio1. O espasmo coronariano
dico de oxigênio, acima da capacidade de suprimento é importante causa de disfunção miocárdica causada
pelas coronárias4,5. pela cocaína, apesar de ter sido documentada em pou-
As causas das cardiomiopatias difusas associadas ao cos casos por angiografia coronariana; na maioria dos
uso da cocaína são secundárias mais ao excesso de casos sua documentação ocorre por alterações eletro-
catecolaminas do que a um efeito tóxico per si. O uso cardiográficas como a elevação do segmento ST e a
prolongado de cocaína também está relacionado a hi- inversão da onda T.
pertrofia ventricular esquerda, a cardiomiopatia dilata- O mecanismo do vasoespasmo ainda é motivo de
da, a aterosclerose, a disritmias crônicas e a apoptose discussão em diferentes trabalhos; alguns estudos
do cardiomiócito4. demonstram que os receptores alfa-adrenérgicos nos
A hipertrofia ventricular esquerda e a alteração seg- vasos coronarianos, particularmente no seio coronário,
mentar da motilidade da parede miocárdica são resul- são ativados por excitação simpática central induzida
tados em 54% e 21%, respectivamente dos ecocardio- pela cocaína, levando ao vasoespasmo. Também é ci-
gramas de usuários assintomáticos4. A função sistólica tado que, após o uso de cocaína há um influxo aumen-
ventricular esquerda pode ser afetada pela isquemia tado de cálcio para a célula, aumento na produção de
induzida por estimulação simpática repetida levando a endotelinas e redução na produção de óxido nítrico, o
taquicardia, cardiomiopatia e a alterações microscópi- que levariam à vasoconstrição¹,7,8-11.
cas subendoteliais durante a contração. A fibrose mio- Em adição ao aumento do cronotropismo e da va-
cárdica e a aterosclerose acelerada são os principais soconstrição existem evidências de que a cocaína
fatores que contribuem para a disfunção miocárdica de também aumenta a viscosidade sanguínea e propi-
longo prazo4. cia a formação de trombos e o aumento da agrega-
Estudos em animais demonstraram que a cocaína alte- ção plaquetária.
ra a produção de citocina endotelial e leucocitária, in- A cocaína aumenta o número de plaquetas circulan-
duzindo alteração em genes responsáveis por mudan- tes ativadas, a agregação plaquetária e a produção de
ça na composição do colágeno e da miosina miocár- tromboxano. O vasoespasmo coronariano pode causar
dica e induz apoptose de miócitos6. Um outro possível lesão endotelial, ainda que leve a moderada, promo-
vendo sobre ela a aderência, a agregação plaquetária e é incapaz de se contrair. Essas massas conhecidas
a formação de trombos; as plaquetas ativadas liberam como bandas contráteis miocárdicas formam o subs-
fator de crescimento do músculo liso que produz a sua trato anatômico para disritmias cardíacas de reentrada
proliferação nas artérias coronárias contribuindo para e morte súbita2.
a sua obstrução. A dor torácica é a principal queixa dos usuários de co-
A cocaína também interfere na lise dos coágulos por caína quando procuram o serviço de emergência e por
aumento da atividade do inibidor tecidual plasmático isso pacientes com dor torácica não traumática devem
do ativador do plasminogênio. Desta forma o uso da ser questionados a respeito do uso da droga. Aproxi-
cocaína também tem sido relacionado ao aumento da madamente metade dos pacientes com infarto agudo
formação aterosclerótica e de trombos. do miocárdio (IAM) relacionado ao uso da cocaína não
A cocaína induz diretamente defeitos estruturais na tem nenhuma evidência de doença coronariana ateros-
barreira endotelial com aumento subseqüente da per- clerótica na angiografia. O risco de infarto agudo do
meabilidade à peroxidase e às lipoproteínas de baixa miocárdio aumenta 24 vezes, 60 min após o uso da co-
densidade e altera a função inflamatória e imune. A IL- caína em pessoas que são consideradas de baixo risco
6 e o TNF-alfa estão aumentados após o uso da coca- e parece que a ocorrência do IAM não está relacionada
ína e ambos estão implicados na formação da placa com a quantidade usada, a via de administração ou a
aterosclerótica. As necropsias de usuários de cocaína freqüência do uso¹,2,14.
revelam que jovens com idade média de 32 anos apre- Outros efeitos adversos da cocaína em diferentes ór-
sentavam placas ateroscleróticas em 30% a 40% dos gãos são rabdomiólise e insuficiência renal, hepatoto-
casos6,12,13. xicidade e toxicidade pulmonar.
Adicionalmente, os efeitos cardiovasculares não is- Um breve relato de manifestações pulmonares causa-
quêmicos associados ao uso da cocaína incluem as das pelo uso da cocaína descreve que estas podem
disritmias e hipertensão arterial. A cocaína, como já ser imunomediadas, por alterações hemorrágicas,
citado, pode alterar a geração e a condução dos im- por edema agudo de pulmão, por broncoespasmo,
pulsos cardíacos e, como os agentes simpaticomimé- entre outras. As imunomediadas estão relacionadas
ticos, pode aumentar a irritabilidade e diminuir o limiar a pneumonite de hipersensibilidade caracterizada por
para fibrilação. Há inibição da geração e condução do febre, dispnéia, sibilos e tosse produtiva. Sangue e
potencial de ação por bloqueio dos canais de sódio e eosinofilia broncoalveolar estão presentes. Adicio-
aumento na concentração intracelular de cálcio, o que nalmente, infiltrado intersticial e alveolar difuso nos
pode induzir a disritmias cardíacas e redução da ativi- pulmões são vistos nas radiografias de tórax. O bron-
dade vagal. coespasmo pode ser provocado por ação direta da
O aumento da freqüência cardíaca e da pressão arte- droga. A cocaína pode diretamente danificar as célu-
rial sistêmica que acompanha o uso da cocaína pode las epiteliais brônquicas, expondo e estimulando os
induzir a lesões valvar e vascular e predisposição à receptores vagais, levando a broncoconstrição e tos-
agressão bacteriana. Contrariamente, a endocardite se. A cocaína aumenta a temperatura e a concentra-
causada por outras drogas, a endocardite por cocaína ção de hidrogênio no lúmen do brônquio aumentando
mais freqüentemente acomete as valvas do lado es- a hiper-reatividade brônquica e a hipersecreção. A
querdo do coração. hemorragia e o sangramento pulmonar oculto são en-
O uso da cocaína está associado a alterações na estru- contrados freqüentemente em usuários de cocaína. A
tura miocárdica incluindo bandas contráteis, necrose hemoptise ocorre em 6% a 26% dos usuários de cocaí
focal dos miócitos, infiltrado de células inflamatórias na. A cocaína pode causar vasoconstrição pulmonar e
e alterações ultra-estruturais que incluem disfunção brônquica, isquemia e hemorragia alveolar e intersti-
miofibrilar distribuídas difusamente, vacuolização sar- cial. Pode ocorrer edema pulmonar agudo de causas
coplasmática, fibrose, alterações mitocondriais e le- cardiogênica ou não cardiogênica. A não cardiogênica
sões em cardiomiócitos. Em necropsias de pacientes ocorre por ação direta da droga que aumenta a permea
usuários crônicos de cocaína geralmente se encon- bilidade endotelial capilar e a cardiogênica é prove-
tram anormalidades de cardiomiócitos e miocardite2. O niente da falência do ventrículo esquerdo, ocasionada
aumento na concentração de catecolaminas faz com pelo aumento da resistência vascular periférica e pela
que alguns miofilamentos cardíacos se entrelacem incapacidade de manter um débito cardíaco adequado
produzindo uma massa amorfa de miofilamentos que devido aos efeitos simpáticos da droga4.
CONCLUSÃO REFERÊNCIAS