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T Smercsaniy-Fund Teoricos Metodol HEG PDF
T Smercsaniy-Fund Teoricos Metodol HEG PDF
metodológicos do estudo da
história econômica*
Tamás Szmrecsányi**
Professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da
UNICAMP
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eles, tal c o m o para os demais cientistas sociais, o passado constitui ape¬
nas uma referência no t e m p o .
Trata-se de uma referência cuja importância a d v é m do fato de nos
permitir explicar o presente e até de fazer previsões para o futuro. Mas
o presente t a m b é m é fundamental, pois, ao constituir um produto do
passado, ele nos permite chegar a uma interpretação do m e s m o . E,
qualquer que seja seu p o n t o de partida, o c o n h e c i m e n t o histórico não
se restringe apenas a determinado período, n e m é livremente utilizável
para testar ou justificar teorias elaboradas fora do contexto.
N o s s o o b j e t o de estudo não reside no passado, mas no t e m p o , que
t a m b é m envolve o presente e o futuro. N o s s o s interesses c o n c e n t r a m -
se fundamentalmente nas mudanças e / o u na permanência das estru¬
turas e c o n ô m i c a s através do t e m p o , e, portanto, no estudo de suas
causas, de seus m e c a n i s m o s e de suas consequências. Pelo t e r m o estru¬
tura, ao qual ainda voltaremos nesta exposição, sempre e n t e n d e m o s
conjuntos de relações. E estas p o d e m ser analisadas não apenas em
vários níveis - do m i c r o ao macro, mas t a m b é m nos mais diversos
âmbitos - que i n c l u e m desde os sistemas de p r o d u ç ã o e de distribui¬
ção até as instituições, as políticas e c o n ô m i c a s e a e v o l u ç ã o do p r ó p r i o
pensamento e c o n ô m i c o .
Desses temas, os historiadores e c o n ô m i c o s d e v e m ter um conheci¬
m e n t o tanto histórico c o m o e c o n ô m i c o . N ã o basta que sejam apenas
bons economistas ou b o n s historiadores; é preciso que tenham c o m p e ¬
tência nos dois campos. A dosagem dos c o n h e c i m e n t o s necessários em
História e em E c o n o m i a deve variar apenas em função do o b j e t o de
estudo.
C o m relação a isso, vale a pena lembrar que os historiadores e c o n ô ¬
m i c o s , j u n t o c o m especialistas de outras disciplinas, participam de uma
divisão do trabalho científico, um trabalho que, desde sempre, t e m sido
de natureza interdisciplinar. É nesse c o n t e x t o , c o m o b e m assinalou o
historiador p o l o n ê s W i t o l d Kula (1977), que nossa disciplina t e m tanto
a receber c o m o a contribuir em relação às teorias e aos procedimentos
dos praticantes da E c o n o m i a Política. Os historiadores e c o n ô m i c o s
apenas se diferenciam dos economistas propriamente ditos pela utiliza¬
ção de m é t o d o s e técnicas de pesquisas próprios à sua disciplina - isto
é, específicos às investigações históricas - ao basearem seus trabalhos em
fontes primárias de dados e informações, fontes que i n c l u e m não apenas
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a sua relativa juventude, quer no c o n t e x t o das ciências históricas, quer
no das ciências e c o n ô m i c a s e sociais. No c a m p o historiográfico, a
História E c o n ô m i c a , apesar de toda a sua importância explicativa,
surgiu m u i t o tardiamente - na passagem do século X I X para o século
XX - t e n d o sido precedida no t e m p o pela história religiosa, pela his¬
tória militar e pelas histórias diplomática, jurídica e política. Isto se
deveu de um lado à falta de interesse dos primeiros historiadores pela
E c o n o m i a , e, do outro, ao caráter e à função social da História em
épocas pretéritas.
O m e s m o se deu, embora p o r outras razões, no âmbito da E c o n o m i a :
os autores da Antiguidade e da Idade M é d i a que tratavam da vida eco¬
n ô m i c a e social, em suas obras nunca chegaram a interessar-se pela sua
evolução através do tempo. Durante muitos séculos, h o u v e relações
muito mais estreitas entre a E c o n o m i a e a Geografia do que entre a
E c o n o m i a e a História. E esta foi, por l o n g o t e m p o , muito mais um
instrumento de legitimação, seja do status quo, seja de suas mudanças do
que propriamente uma disciplina científica.
N ã o por acaso, a História E c o n ô m i c a c o m o disciplina só acabou
v i n d o a lume no b o j o da E c o n o m i a Política dos tempos m o d e r n o s , em
função do desenvolvimento do capitalismo e do Estado M o d e r n o , de
um lado, e da ocorrência da primeira R e v o l u ç ã o Industrial, do outro.
Os capítulos históricos da R i q u e z a das N a ç õ e s ( 1 7 7 6 ) de A d a m Smith
( 1 7 2 3 - 1 7 9 0 ) p o d e m ser vistos c o m o um importante marco nesse p r o -
cesso, que tivera início, durante a década anterior, na Grã-Bretanha, c o m
a publicação de diversas obras sobre a história do c o m é r c i o e sobre a
história das finanças públicas. E a obra de Smith seria seguida, vinte anos
mais tarde, pelo estudo pioneiro de Frederick M o r t o n Eden ( 1 7 6 6 - 1 8 0 9 )
sobre a pobreza e as classes trabalhadoras na Inglaterra.
D e v i d o a isso, no início do século X I X , m e s m o sem constituir ainda
uma disciplina independente, a História E c o n ô m i c a já configurava
naquele país um gênero de pesquisas bastante cultivado e um c a m p o de
estudos de crescente interesse. Mas, apesar do seu grau de elaboração,
ela continuava sendo m o v i d a muito mais por motivações políticas e
ideológicas do que p o r preocupações de natureza científica. C o m efeito,
a produção de trabalhos desse tipo ainda era fundamentalmente deter¬
minada, naquela época, pelas discussões então travadas em t o r n o das Poor
Laws e das Corn Laws - isto é, em t o m o da legislação e da administração
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uma segunda ou " n o v a " Escola Histórica A l e m ã , cujos principais expo¬
entes foram Gustav v o n Schmoller ( 1 8 3 8 - 1 9 1 7 ) , Lujo Brentano (1844¬
1931) e Karl B ü c h e r ( 1 8 4 7 - 1 9 3 0 ) . O mais radical de t o d o s foi o primei¬
ro, que se t o r n o u m u i t o c o n h e c i d o não apenas pela sua defesa do
mercantilismo (contra o liberalismo) e dos interesses do Império Alemão,
mas t a m b é m pelas polêmicas m e t o d o l ó g i c a s em que se envolveu c o m
o fundador da vertente austríaca da E c o n o m i a Neoclássica, Carl M e n -
ger ( 1 8 4 0 - 1 9 2 1 ) . Estas polêmicas, d o famoso Methodenstreit, só seriam
deixadas de lado e definitivamente superadas já em nosso século, pelos
expoentes da terceira ou "novíssima" Escola Histórica Alemã, que in¬
cluíra f i g u r a s c o m o Werner Sombart ( 1 8 6 3 - 1 9 4 1 ) , M a x W e b e r (1864¬
1920) e Arthur Spiethoff ( 1 8 7 3 - 1 9 5 7 ) .
As obras de t o d o s esses autores não p o d e m deixar de ser estudadas
p o r q u e m quer que se interesse pela gênese e pela evolução da histo¬
riografia e c o n ô m i c a , na medida em que a Escola Histórica A l e m ã se
contrapôs, em termos teóricos, tanto ao marxismo c o m o à E c o n o m i a
Neoclássica, que lhe foram coetâneos. E nunca é demais lembrar que as
duas últimas escolas de e c o n o m i a política t a m b é m possuem a sua pró¬
pria historiografia e c o n ô m i c a .
O surgimento do Marxismo deu-se, c o m o sabemos, entre 1848 - ano
da publicação do Manifesto Comunista - e 1867 - de quando data a pri-
meira edição do livro I de O Capital, uma obra que trouxe importantes
contribuições à interpretação histórica da Primeira R e v o l u ç ã o Industrial.
O c o r r e , p o r é m , que, nessa fase inicial daquela escola de pensamento
e c o n ô m i c o , os seus principais expoentes - que foram o próprio Karl
Marx ( 1 8 1 8 - 1 8 8 3 ) e Friedrich Engels ( 1 8 2 0 - 1 8 9 5 ) - estiveram mais in¬
teressados na história social de um lado e nas teorias e c o n ô m i c a e po¬
lítica de outro do que propriamente na história e c o n ô m i c a , p o r eles tida
c o m o um dado da realidade, e não c o m o um processo a ser elucidado.
A história e c o n ô m i c a c o m o problema central só iria aparecer c o m
destaque no pensamento marxista em fins do século X I X , através de
trabalhos c o m o O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia ( 1 8 9 8 ) , de V
I. Lênin ( 1 8 7 0 - 1 9 2 4 ) , e a tese de doutorado de R o s a L u x e m b u r g o (1870¬
1 9 1 9 ) , defendida naquele m e s m o ano, sobre O Desenvolvimento Industrial
da Polônia. Nesse desenvolvimento do pensamento h i s t ó r i c o - e c o n ô m i -
co marxista, tiveram t a m b é m grande influência as obras de John A.
H o b s o n ( 1 8 5 8 - 1 9 4 0 ) e R u d o l f Hilferding ( 1 8 7 7 - 1 9 4 1 ) .
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A p ó s essa rapidíssima e superficial visão panorâmica do surgimento
e da evolução inicial da História E c o n ô m i c a , c o m o disciplina científica
específica e autônoma, que certamente d e i x o u de lado muitos autores
mais recentes e várias outras correntes de pensamento, p o d e m o s agora
repassar à nossa terceira e última tarefa introdutória, relativa aos princi¬
pais conceitos, m é t o d o s e procedimentos de que nos valemos em seu
estudo. Um estudo que, desde l o g o , não é apenas empírico, mas t a m b é m
teórico, na medida em que não p o d e haver história sem teoria, da mes¬
ma forma que não existem teorias sem história.
N u n c a é demais assinalar que a teoria sempre constitui o p o n t o de
partida e o p o n t o de chegada de qualquer investigação científica c o n -
sequente, que se destina, seja a corroborá-la, seja a contestá-la; e a His¬
tória E c o n ô m i c a certamente não representa uma e x c e ç ã o neste parti¬
cular. De um m o d o geral, desde o surgimento da m o d e r n a E c o n o m i a
Política, da qual ambas se originam, a História E c o n ô m i c a t e m evoluí¬
do paralelamente à Teoria E c o n ô m i c a , c o m os historiadores fazendo uso
desta e os economistas valendo-se daquela, embora n e m sempre c o m o
necessário critério e discernimento. No m u n d o em que vivemos, tanto
os c o n h e c i m e n t o s c o m o a ignorância são especializados, e, assim, os
economistas t e n d e m a ignorar a História, enquanto os historiadores não
ficam atrás, no que se refere à Teoria. São, na verdade, muito raros os
casos de autores igualmente versados nas duas áreas, e alguns deles não
p o d e m deixar de ser m e n c i o n a d o s aqui.
Entre os historiadores, m e r e c e m destaque o sueco Eli F. Heckscher
( 1 8 7 9 - 1 9 5 2 ) e o britânico John H. Clapham ( 1 8 7 3 - 1 9 4 6 ) , o primeiro
tendo sido um dos formuladores da teoria contemporânea das vantagens
comparativas no c o m é r c i o internacional, e o segundo, um dos primei¬
ros críticos "internos" da Escola Neoclássica, p o r m e i o do famoso arti¬
g o " O f Empty E c o n o m i c B o x e s " , publicado n o Economic Journal, e m
setembro de 1 9 2 2 . Já entre os economistas, o mais importante e mais
c o n h e c i d o , foi sem dúvida o austríaco Joseph A. Schumpeter, autor de
relevantes contribuições h i s t ó r i c o - e c o n ô m i c a s não apenas em alguns
de seus ensaios originalmente publicados em periódicos, mas t a m b é m
nos dois livros principais de sua fase mais madura, transcorrida nos E U A ,
a saber, o Business Cycles de 1 9 3 9 , e a sua História da Análise Econômica,
obra póstuma, de 1 9 5 4 . E, para não sairmos do Brasil, temos o caso de
Celso Furtado, que, além de ter sido um dos fundadores da disciplina
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dos economistas, que, a partir de tais variáveis e de suas inter-relações,
c o n s t r o e m funções e m o d e l o s . E é somente c o m base nestes, por mais
simples e rudimentares que sejam, que os historiadores e c o n ô m i c o s
c o n s e g u e m avançar em suas tentativas de reconstrução e sistematização
das situações e das transformações históricas.
Por sua vez, a Estatística t a m b é m t e m importantes contribuições a
dar à História E c o n ô m i c a , na medida em que muitas, se não a maioria,
das variações e c o n ô m i c a s t ê m uma dimensão quantitativa evidente, re¬
ferida a números e ou valores numéricos. Frequentemente, as cifras que
mais nos interessam não se encontram disponíveis; mas, m e s m o quando
isto ocorre, elas não são suficientes em si, e sempre necessitam ser traba¬
lhadas pelo pesquisador. C o m o fazê-lo, particularmente quando há la¬
cunas ou surgem inconsistências nos dados, é um problema que só p o d e
ser resolvido c o m o auxílio dos m é t o d o s e das técnicas da Estatística.
Mas esta, ao contrário da Teoria E c o n ô m i c a , somente nos ajuda a
descrever e caracterizar as situações, mas não a interpretá-las ou explicá-
las, e muito m e n o s a sistematizá-las. Por outro lado, c o n v é m sempre
tomar c o m o provisórias as explicações fornecidas pelas teorias e c o n ô ¬
micas, que t e n d e m a tornar-se obsoletas, quando as mudanças da reali¬
dade empírica são mais rápidas que as dos paradigmas científicos esta-
belecidos. A permanente renovação da historiografia em geral, e não
apenas da historiografia e c o n ô m i c a , p o d e ser atribuída em parte a este
último fato.
Essa renovação não é devida somente à descoberta de novas fontes
e / o u ao desenvolvimento de n o v o s c o n c e i t o s , mas t a m b é m - e talvez
principalmente - à mudança das questões mais relevantes para cada
geração de historiadores. No caso específico dos historiadores e c o n ô ¬
m i c o s , os processos a serem estudados sempre giram em t o r n o de de¬
terminadas o p ç õ e s e decisões de natureza e c o n ô m i c a , as quais, obvia¬
mente, t e n d e m a mudar através do t e m p o e do espaço, de acordo c o m
a estrutura, as instituições e os valores de cada sociedade, e c o n f o r m e a
conjuntura vivida p o r elas em vários m o m e n t o s .
Entre os conceitos básicos da História E c o n ô m i c a , m e r e c e m destaque
os de conjuntura e os de estrutura, ambos provenientes da Teoria E c o n ô ¬
mica e / o u de outras disciplinas correlatas, mas já incorporados ao vo¬
cabulário dos historiadores e c o n ô m i c o s . A conjuntura sempre envolve
conjuntos d e m o v i m e n t o s , o u m o v i m e n t o s conjugados, tanto e c o n ô -
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U m a b o a maneira de c o n s e g u i - l o é através do estudo histórico das
duas disciplinas, cultivando a História do Pensamento E c o n ô m i c o , de
um lado, e praticando uma história da historiografia do outro. Em o u -
tras palavras, trata-se de procurar não tentar "reinventar a roda ou a
p ó l v o r a " , mas, ao contrário, de aprender c o m os erros e os acertos dos
outros, tanto n o c a m p o d a Teoria E c o n ô m i c a c o m o n o d a História
E c o n ô m i c a . Isto p o r q u e o c o n h e c i m e n t o , afinal, t a m b é m constitui um
processo histórico e cumulativo - um processo no qual os saltos, em¬
bora possíveis, nunca são fáceis ou imediatos.
Referências bibliográficas
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