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fundamentos teóricos e

metodológicos do estudo da
história econômica*

Tamás Szmrecsányi**
Professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da
UNICAMP

Para p o d e r trabalhar c o m eficiência na área de História E c o n ô m i c a ,


c o n v é m , inicialmente, delinear a natureza, os limites e os elementos que
a caracterizam e diferenciam c o m o c a m p o de c o n h e c i m e n t o específico
e independente. A seguir, precisamos ter clareza das várias perspectivas
teóricas que c o e x i s t e m no seu estudo, seja complementarmente, c o o -
perando entre si, seja, c o m frequência, o p o n d o - s e umas às outras. Em
terceiro lugar, carecemos de uma introdução, m e s m o que provisória, aos
principais conceitos, m é t o d o s e procedimentos a que temos que recor¬
rer na solução de seus problemas, à medida que v ã o surgindo.
C o m e ç a n d o pela primeira tarefa, cabe notar de saída que a História
E c o n ô m i c a constitui, hoje em dia, não apenas um ramo das ciências
e c o n ô m i c a s e / o u do c o n h e c i m e n t o histórico, mas t a m b é m uma disci¬
plina relativamente autônoma quanto a seus objetos e instrumentos de
trabalho. C o m o tal, ela dispõe da sua própria problemática, assim c o m o
dos m é t o d o s e das técnicas de análise que lhe são compatíveis. São estas
características que lhe p e r m i t e m formular n o ç õ e s peculiares, tanto em
termos formais c o m o no que se refere a seu c o n t e ú d o (CIPOLLA,
1988:13-28).

* Texto revisto da aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Economia, Área


de Concentração em História Econômica, da Faculdade de Ciências e Letras da
U N E S P , campus de Araraquara, proferida no dia 15 de abril de 1998.
** Professor Titular do Departamento de Política Científica e Tecnológica do instituto
de Geociências da U N I C A M P . Ex-Presidente da Associação Brasileira de Pesquisa¬
dores em História Econômica - A B P H E .

história econômica & história de empresas XI. 2 (2008), 31-43 | 31


E verdade que a maioria de seus m é t o d o s e técnicas de análise são
usualmente tomados de empréstimo, quer da E c o n o m i a Política, quer
das Ciências Históricas, quer ainda de outras ciências sociais. Em prin¬
cípio, não há qualquer mal nisso, tratando-se, pelo contrário, de uma
prática perfeitamente normal e corriqueira entre as disciplinas científi-
cas de nosso t e m p o - basta lembrar a respeito, no c a m p o das chamadas
"ciências duras", o e x e m p l o recente da B i o l o g i a Molecular. A autono¬
mia de uma disciplina científica não chega a ser afetada pelos m é t o d o s
e procedimentos que toma emprestados de outras.
O mais importante nesses empréstimos é, de um lado, nunca perder
de vista os objetivos perseguidos, e, do outro, promover sistematicamen¬
te a efetiva incorporação dos m e s m o s de acordo c o m nossas necessida¬
des concretas. No caso da História E c o n ô m i c a , isto quer dizer que de¬
v e m o s procurar evitar a t o d o custo os riscos do e c o n o m i c i s m o , do
historicismo e de outros - ismos em nossas formulações e generalizações.
A constante reinterpretação dos conceitos e a crítica permanente das
teorias de que se originam são fundamentais na elaboração dos pressu¬
postos de qualquer trabalho científico, da mesma forma que a aferição
das fontes e dos dados sempre se constitui em pré-requisito à formula¬
ção de nossas hipóteses.
D i t o isto, p o d e - s e assinalar desde l o g o que a autonomia científica,
m e s m o que relativa, da História E c o n ô m i c a , c o m o disciplina específica,
manifesta-se c o m toda a clareza no c a m p o interdisciplinar dos estudos
do desenvolvimento e c o n ô m i c o e social - ou seja, das transformações
estruturais da e c o n o m i a e da sociedade através do t e m p o . Neste domí¬
nio, cabe-lhe fazer a análise diacrônica não apenas de todas as trans¬
formações nas relações e c o n ô m i c a s em geral, mas t a m b é m das mudan¬
ças que o c o r r e m nas instituições que presidem tais relações, nas políticas
que as orientam, b e m c o m o nas ideias, nas teorias e nas doutrinas que
as interpretam.
N u n c a é demais notar, a esse respeito, que o estudo dessas transfor¬
mações através do t e m p o - seja das relações e c o n ô m i c a s em si, seja do
seu c o n t e x t o político, institucional ou i d e o l ó g i c o - não equivale a um
simples estudo do passado, o u , em outros termos, a História E c o n ô m i ¬
ca não deve ser entendida c o m o disciplina científica dedicada ao estudo
do passado per se. Os historiadores e c o n ô m i c o s , assim c o m o os historiado¬
res em geral, não são seres alienados do presente e / o u do futuro. Para

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eles, tal c o m o para os demais cientistas sociais, o passado constitui ape¬
nas uma referência no t e m p o .
Trata-se de uma referência cuja importância a d v é m do fato de nos
permitir explicar o presente e até de fazer previsões para o futuro. Mas
o presente t a m b é m é fundamental, pois, ao constituir um produto do
passado, ele nos permite chegar a uma interpretação do m e s m o . E,
qualquer que seja seu p o n t o de partida, o c o n h e c i m e n t o histórico não
se restringe apenas a determinado período, n e m é livremente utilizável
para testar ou justificar teorias elaboradas fora do contexto.
N o s s o o b j e t o de estudo não reside no passado, mas no t e m p o , que
t a m b é m envolve o presente e o futuro. N o s s o s interesses c o n c e n t r a m -
se fundamentalmente nas mudanças e / o u na permanência das estru¬
turas e c o n ô m i c a s através do t e m p o , e, portanto, no estudo de suas
causas, de seus m e c a n i s m o s e de suas consequências. Pelo t e r m o estru¬
tura, ao qual ainda voltaremos nesta exposição, sempre e n t e n d e m o s
conjuntos de relações. E estas p o d e m ser analisadas não apenas em
vários níveis - do m i c r o ao macro, mas t a m b é m nos mais diversos
âmbitos - que i n c l u e m desde os sistemas de p r o d u ç ã o e de distribui¬
ção até as instituições, as políticas e c o n ô m i c a s e a e v o l u ç ã o do p r ó p r i o
pensamento e c o n ô m i c o .
Desses temas, os historiadores e c o n ô m i c o s d e v e m ter um conheci¬
m e n t o tanto histórico c o m o e c o n ô m i c o . N ã o basta que sejam apenas
bons economistas ou b o n s historiadores; é preciso que tenham c o m p e ¬
tência nos dois campos. A dosagem dos c o n h e c i m e n t o s necessários em
História e em E c o n o m i a deve variar apenas em função do o b j e t o de
estudo.
C o m relação a isso, vale a pena lembrar que os historiadores e c o n ô ¬
m i c o s , j u n t o c o m especialistas de outras disciplinas, participam de uma
divisão do trabalho científico, um trabalho que, desde sempre, t e m sido
de natureza interdisciplinar. É nesse c o n t e x t o , c o m o b e m assinalou o
historiador p o l o n ê s W i t o l d Kula (1977), que nossa disciplina t e m tanto
a receber c o m o a contribuir em relação às teorias e aos procedimentos
dos praticantes da E c o n o m i a Política. Os historiadores e c o n ô m i c o s
apenas se diferenciam dos economistas propriamente ditos pela utiliza¬
ção de m é t o d o s e técnicas de pesquisas próprios à sua disciplina - isto
é, específicos às investigações históricas - ao basearem seus trabalhos em
fontes primárias de dados e informações, fontes que i n c l u e m não apenas

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d o c u m e n t o s de várias espécies, mas t a m b é m séries temporais já existen¬
tes ou a construir.
Segundo Kula, o que distingue o trabalho uns dos outros reside
primordialmente: (a) no material e m p í r i c o c o m que eles trabalham; (b)
nos procedimentos que adotam em relação a ele; e (c) n u m maior ou
m e n o r d o m í n i o de certas técnicas auxiliares, c o m o a matemática e a
estatística. É apenas neste último c a m p o que p o d e m o s notar uma nítida
superioridade p o r parte dos economistas. N o s outros dois, as diferenças
de natureza qualitativa dificultam as comparações de eficiência dos dois
tipos de especialistas.
Os historiadores trabalham, em geral, c o m fontes primárias, de ca¬
ráter documental ou estatístico - fontes que eles teoricamente manejam
e / o u são capazes de controlar. Já os economistas c o s t u m a m lidar c o m
fontes secundárias (numéricas e outras), cujos dados e informações são
produtos da elaboração prévia de entidades c o m o os departamentos de
estatísticas, outros organismos governamentais ou privados, e centros de
pesquisas regionais ou setoriais. Os dados e as informações derivados
dessas fontes são, sem dúvida, muito mais ricos e mais funcionais, estan¬
d o , p o r é m , sujeitos a sérias distorções e imprecisões. Nesse particular, é
importante lembrar que tais dados e informações raramente são cole¬
tados e sistematizados c o m critérios e objetivos teóricos b e m estabele¬
cidos, compatíveis c o m as finalidades da sua utilização posterior. Por
esse m o t i v o , eles não p o d e m ser usados tão direta e tão mecanicamente
c o m o soe acontecer, levando muitas vezes os economistas a fazerem
afirmações e generalizações um tanto apressadas e sem a necessária
fundamentação empírica e teórica.
Esta última, c o m frequência, t a m b é m está ausente dos trabalhos de
muitos historiadores, criticáveis p o r serem excessivamente descritivos,
e destituídos de maiores esforços de interpretação e de generalização.
Os próprios dados c o m que trabalham t e n d e m muitas vezes a ser insu¬
ficientemente explorados e analisados. Trata-se, neste caso, de limitações
derivadas não apenas de lacunas no instrumental de análise estatística,
mas t a m b é m de falhas no c o n h e c i m e n t o t é c n i c o do objeto de estudo
( S Z M R E C S Á N Y I , 1992).
Passando agora à nossa segunda tarefa, de caracterização preliminar
das diversas perspectivas teóricas que c o e x i s t e m , e que se c o n f r o n t a m
umas c o m as outras em nossa disciplina, d e v e m o s inicialmente realçar

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a sua relativa juventude, quer no c o n t e x t o das ciências históricas, quer
no das ciências e c o n ô m i c a s e sociais. No c a m p o historiográfico, a
História E c o n ô m i c a , apesar de toda a sua importância explicativa,
surgiu m u i t o tardiamente - na passagem do século X I X para o século
XX - t e n d o sido precedida no t e m p o pela história religiosa, pela his¬
tória militar e pelas histórias diplomática, jurídica e política. Isto se
deveu de um lado à falta de interesse dos primeiros historiadores pela
E c o n o m i a , e, do outro, ao caráter e à função social da História em
épocas pretéritas.
O m e s m o se deu, embora p o r outras razões, no âmbito da E c o n o m i a :
os autores da Antiguidade e da Idade M é d i a que tratavam da vida eco¬
n ô m i c a e social, em suas obras nunca chegaram a interessar-se pela sua
evolução através do tempo. Durante muitos séculos, h o u v e relações
muito mais estreitas entre a E c o n o m i a e a Geografia do que entre a
E c o n o m i a e a História. E esta foi, por l o n g o t e m p o , muito mais um
instrumento de legitimação, seja do status quo, seja de suas mudanças do
que propriamente uma disciplina científica.
N ã o por acaso, a História E c o n ô m i c a c o m o disciplina só acabou
v i n d o a lume no b o j o da E c o n o m i a Política dos tempos m o d e r n o s , em
função do desenvolvimento do capitalismo e do Estado M o d e r n o , de
um lado, e da ocorrência da primeira R e v o l u ç ã o Industrial, do outro.
Os capítulos históricos da R i q u e z a das N a ç õ e s ( 1 7 7 6 ) de A d a m Smith
( 1 7 2 3 - 1 7 9 0 ) p o d e m ser vistos c o m o um importante marco nesse p r o -
cesso, que tivera início, durante a década anterior, na Grã-Bretanha, c o m
a publicação de diversas obras sobre a história do c o m é r c i o e sobre a
história das finanças públicas. E a obra de Smith seria seguida, vinte anos
mais tarde, pelo estudo pioneiro de Frederick M o r t o n Eden ( 1 7 6 6 - 1 8 0 9 )
sobre a pobreza e as classes trabalhadoras na Inglaterra.
D e v i d o a isso, no início do século X I X , m e s m o sem constituir ainda
uma disciplina independente, a História E c o n ô m i c a já configurava
naquele país um gênero de pesquisas bastante cultivado e um c a m p o de
estudos de crescente interesse. Mas, apesar do seu grau de elaboração,
ela continuava sendo m o v i d a muito mais por motivações políticas e
ideológicas do que p o r preocupações de natureza científica. C o m efeito,
a produção de trabalhos desse tipo ainda era fundamentalmente deter¬
minada, naquela época, pelas discussões então travadas em t o r n o das Poor
Laws e das Corn Laws - isto é, em t o m o da legislação e da administração

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relativas aos pobres, de um lado, e dos problemas referentes à liberdade
de c o m é r c i o ( o u de importação de grãos), do outro.
Tais trabalhos, muitas vezes de caráter panfletário, serviam de instru¬
mentos de luta nos debates políticos entre as diversas facções das elites
governantes. Tratava-se de obras que defendiam teses contraditórias, c o m
base em fontes documentais e em considerações de natureza histórica.
Um dos economistas que primeiro se valeu desse tipo de literatura foi
T h o m a s R o b e r t Malthus (1766-1834), na defesa das suas ideias sobre as
causas e os efeitos do crescimento da população, e sobre a necessidade
da proteção à agricultura. O m e s m o aconteceu na França, c o m as obras
de S i m o n d e de Sismondi (1773-1842); mas este, além de grande e c o n o ¬
mista, foi t a m b é m um emérito historiador.
Foi, p o r é m , na Alemanha, que se deu a manifestação mais vigorosa
e mais sistemática do surgimento da nova disciplina, mediante a forma¬
ção da primeira Escola Histórica de E c o n o m i a , em contraposição à
Escola Clássica de E c o n o m i a Política, então já dominada p o r David
R i c a r d o (1772-1823) e seus discípulos, que tinham mais apreço pela
teoria e pela lógica das Ciências E c o n ô m i c a s do que pela história dos
sistemas e dos processos da e c o n o m i a . Um dos precursores desse movi¬
mento, e talvez o seu desencadeador, foi o famoso economista Friedri-
ch List (1789-1846), arauto da unificação alemã e autor de um livro de
grande prestígio e circulação sobre O Sistema Nacional de Economia Po-
lítica (1841), no qual defendia a adoção do protecionismo alfandegário
para p r o m o v e r a industrialização. A discussão e a repercussão de suas
ideias acabaram dando o r i g e m à primeira escola de pensamento histó-
r i c o - e c o n ô m i c a , liderada p o r B r u n o Hildebrand (1812-1886),Wilhelm
R o s c h e r (1817-1894) e Karl Knies (1821-1898).
T o d o s estes autores foram muito mais historiadores do que e c o n o ¬
mistas, e as suas principais contribuições incluíam: (a) uma ênfase no
uso de m é t o d o s indutivos e empíricos de investigação, em contraponto
aos m é t o d o s l ó g i c o - d e d u t i v o s dos economistas ricardianos; (b) a relati-
vização histórica dos princípios e postulados da E c o n o m i a Política
clássica; e (c) a c o n c e p ç ã o do desenvolvimento e c o n ô m i c o em termos
c r o n o l ó g i c o s c o m o sequência de estágios evolutivos, e sucessão de eta¬
pas interligadas.
Essas ideias iriam florescer e tornar-se dominantes na Alemanha a
partir e p o r causa da unificação política daquele país, que faria surgir

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uma segunda ou " n o v a " Escola Histórica A l e m ã , cujos principais expo¬
entes foram Gustav v o n Schmoller ( 1 8 3 8 - 1 9 1 7 ) , Lujo Brentano (1844¬
1931) e Karl B ü c h e r ( 1 8 4 7 - 1 9 3 0 ) . O mais radical de t o d o s foi o primei¬
ro, que se t o r n o u m u i t o c o n h e c i d o não apenas pela sua defesa do
mercantilismo (contra o liberalismo) e dos interesses do Império Alemão,
mas t a m b é m pelas polêmicas m e t o d o l ó g i c a s em que se envolveu c o m
o fundador da vertente austríaca da E c o n o m i a Neoclássica, Carl M e n -
ger ( 1 8 4 0 - 1 9 2 1 ) . Estas polêmicas, d o famoso Methodenstreit, só seriam
deixadas de lado e definitivamente superadas já em nosso século, pelos
expoentes da terceira ou "novíssima" Escola Histórica Alemã, que in¬
cluíra f i g u r a s c o m o Werner Sombart ( 1 8 6 3 - 1 9 4 1 ) , M a x W e b e r (1864¬
1920) e Arthur Spiethoff ( 1 8 7 3 - 1 9 5 7 ) .
As obras de t o d o s esses autores não p o d e m deixar de ser estudadas
p o r q u e m quer que se interesse pela gênese e pela evolução da histo¬
riografia e c o n ô m i c a , na medida em que a Escola Histórica A l e m ã se
contrapôs, em termos teóricos, tanto ao marxismo c o m o à E c o n o m i a
Neoclássica, que lhe foram coetâneos. E nunca é demais lembrar que as
duas últimas escolas de e c o n o m i a política t a m b é m possuem a sua pró¬
pria historiografia e c o n ô m i c a .
O surgimento do Marxismo deu-se, c o m o sabemos, entre 1848 - ano
da publicação do Manifesto Comunista - e 1867 - de quando data a pri-
meira edição do livro I de O Capital, uma obra que trouxe importantes
contribuições à interpretação histórica da Primeira R e v o l u ç ã o Industrial.
O c o r r e , p o r é m , que, nessa fase inicial daquela escola de pensamento
e c o n ô m i c o , os seus principais expoentes - que foram o próprio Karl
Marx ( 1 8 1 8 - 1 8 8 3 ) e Friedrich Engels ( 1 8 2 0 - 1 8 9 5 ) - estiveram mais in¬
teressados na história social de um lado e nas teorias e c o n ô m i c a e po¬
lítica de outro do que propriamente na história e c o n ô m i c a , p o r eles tida
c o m o um dado da realidade, e não c o m o um processo a ser elucidado.
A história e c o n ô m i c a c o m o problema central só iria aparecer c o m
destaque no pensamento marxista em fins do século X I X , através de
trabalhos c o m o O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia ( 1 8 9 8 ) , de V
I. Lênin ( 1 8 7 0 - 1 9 2 4 ) , e a tese de doutorado de R o s a L u x e m b u r g o (1870¬
1 9 1 9 ) , defendida naquele m e s m o ano, sobre O Desenvolvimento Industrial
da Polônia. Nesse desenvolvimento do pensamento h i s t ó r i c o - e c o n ô m i -
co marxista, tiveram t a m b é m grande influência as obras de John A.
H o b s o n ( 1 8 5 8 - 1 9 4 0 ) e R u d o l f Hilferding ( 1 8 7 7 - 1 9 4 1 ) .

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Na é p o c a em que ele se deu, a História E c o n ô m i c a , em termos
científicos, já se achava plenamente constituída c o m o disciplina acadê¬
mica independente, tanto nos países de língua alemã c o m o na Grã-
Bretanha. A própria d e n o m i n a ç ã o da disciplina fora consagrada pela
publicação, entre 1879 e 1899, dos três t o m o s da Deutsche Wirtschaftsges-
chichte, do economista e estatístico austríaco Karl T h e o d o r v o n Inama-
Sternegg (1843-1908), o primeiro tratado de História E c o n ô m i c a . E, no
início do século passado,[?] mais precisamente em 1903, c o m e ç o u a ser
publicada na Alemanha a primeira revista científica da especialidade, a
Vierteljahrschrift für Sozial und Wirtschaftsgeschichte, que continua circu¬
lando até hoje. Data igualmente daquela é p o c a a criação de numerosas
cátedras de História E c o n ô m i c a , que se foram difundindo das univer¬
sidades britânicas e alemãs para o resto do Continente Europeu e para
os Estados U n i d o s , e a o c o r r ê n c i a das primeiras polêmicas internas à
disciplina, c o m o a relativa às origens do capitalismo, na qual se confron¬
taram os p o n t o s de vista de W e r n e r Sombart (ainda na sua fase marxista)
e de H e n r i Pirenne (1862-1935). Trata-se de processos cujos desdobra¬
mentos só chegariam ao Brasil e ao resto da A m é r i c a Latina p o r volta
da década de 1930.
D e p o i s da Primeira Guerra Mundial, surgiram várias novas c o n c e p ¬
ções que iriam exercer uma influência duradoura no desenvolvimento
de nossa disciplina. U m a delas foi inspirada pelo pensamento de M a x
Weber, cujas principais obras de síntese h i s t ó r i c o - e c o n ô m i c a foram
ambas póstumas, c o m Economia e Sociedade, tendo sido publicada pela
primeira vez em 1921, e sua História Econômica Geral, datando de 1923.
Outra foi a da Escola de Annales, na França, criada p o r Marc B l o c h
(1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956), e brilhantemente continuada
p o r Fernand Braudel (1902-1985). E a terceira resultou do surgimento,
nos EUA, já na década de 1930, da chamada História de Empresas ou
Business History, que constitui atualmente quase um ramo à parte den¬
tro da História E c o n ô m i c a . As duas primeiras inovações tiveram fortes
vinculações c o m a Sociologia, a do próprio M a x Weber, de um lado, e
a de Emile D u r k h e i m , no caso dos historiadores franceses, que foram
t a m b é m bastante influenciados pelas ideias de Pirenne. Finalmente, a
História de Empresas até hoje m a n t é m sólidos vínculos c o m a chama¬
da E c o n o m i a Industrial, atualmente um dos ramos mais importantes da
m o d e r n a teoria m i c r o e c o n ô m i c a .

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A p ó s essa rapidíssima e superficial visão panorâmica do surgimento
e da evolução inicial da História E c o n ô m i c a , c o m o disciplina científica
específica e autônoma, que certamente d e i x o u de lado muitos autores
mais recentes e várias outras correntes de pensamento, p o d e m o s agora
repassar à nossa terceira e última tarefa introdutória, relativa aos princi¬
pais conceitos, m é t o d o s e procedimentos de que nos valemos em seu
estudo. Um estudo que, desde l o g o , não é apenas empírico, mas t a m b é m
teórico, na medida em que não p o d e haver história sem teoria, da mes¬
ma forma que não existem teorias sem história.
N u n c a é demais assinalar que a teoria sempre constitui o p o n t o de
partida e o p o n t o de chegada de qualquer investigação científica c o n -
sequente, que se destina, seja a corroborá-la, seja a contestá-la; e a His¬
tória E c o n ô m i c a certamente não representa uma e x c e ç ã o neste parti¬
cular. De um m o d o geral, desde o surgimento da m o d e r n a E c o n o m i a
Política, da qual ambas se originam, a História E c o n ô m i c a t e m evoluí¬
do paralelamente à Teoria E c o n ô m i c a , c o m os historiadores fazendo uso
desta e os economistas valendo-se daquela, embora n e m sempre c o m o
necessário critério e discernimento. No m u n d o em que vivemos, tanto
os c o n h e c i m e n t o s c o m o a ignorância são especializados, e, assim, os
economistas t e n d e m a ignorar a História, enquanto os historiadores não
ficam atrás, no que se refere à Teoria. São, na verdade, muito raros os
casos de autores igualmente versados nas duas áreas, e alguns deles não
p o d e m deixar de ser m e n c i o n a d o s aqui.
Entre os historiadores, m e r e c e m destaque o sueco Eli F. Heckscher
( 1 8 7 9 - 1 9 5 2 ) e o britânico John H. Clapham ( 1 8 7 3 - 1 9 4 6 ) , o primeiro
tendo sido um dos formuladores da teoria contemporânea das vantagens
comparativas no c o m é r c i o internacional, e o segundo, um dos primei¬
ros críticos "internos" da Escola Neoclássica, p o r m e i o do famoso arti¬
g o " O f Empty E c o n o m i c B o x e s " , publicado n o Economic Journal, e m
setembro de 1 9 2 2 . Já entre os economistas, o mais importante e mais
c o n h e c i d o , foi sem dúvida o austríaco Joseph A. Schumpeter, autor de
relevantes contribuições h i s t ó r i c o - e c o n ô m i c a s não apenas em alguns
de seus ensaios originalmente publicados em periódicos, mas t a m b é m
nos dois livros principais de sua fase mais madura, transcorrida nos E U A ,
a saber, o Business Cycles de 1 9 3 9 , e a sua História da Análise Econômica,
obra póstuma, de 1 9 5 4 . E, para não sairmos do Brasil, temos o caso de
Celso Furtado, que, além de ter sido um dos fundadores da disciplina

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no país, continua sendo provavelmente o m e l h o r economista brasileiro
de t o d o s os tempos.
Fechando o parênteses, voltamos ao assunto que aqui nos interessa,
qual seja o das relações entre a História E c o n ô m i c a e a Teoria E c o n ô ¬
mica. Para saber de que teoria se trata, basta retomarmos o enunciado
inicial do o b j e t o de estudo de nossa disciplina. C o m o assinalamos atrás,
trata-se da ciência humana e social que estuda e sistematiza as transfor¬
mações através do t e m p o , isto é, a permanência e / o u as mudanças: a)
das relações e c o n ô m i c a s em geral, sejam elas de produção ou de distri¬
buição; b) das instituições sociais que determinam e balizam tais relações;
c) das políticas e c o n ô m i c a s desenvolvidas pelos vários agentes; e d) das
ideias, doutrinas e teorias e c o n ô m i c a s subjacentes a esses comportamen¬
tos e a seu c o n t e x t o .
A essa temática amplíssima, que em si já aponta para as inter-relações
da História E c o n ô m i c a c o m outras ciências sociais, c o m o a E c o n o m i a ,
a Política e a Sociologia, p o d e m o s acrescentar ainda a procura sistemá¬
tica de explicações e c o n ô m i c a s para processos sociais, políticos, intelec¬
tuais e culturais e x t r a e c o n ô m i c o s , ou seja uma História E c o n ô m i c a
Aplicada a determinados campos o u problemas específicos. U m b o m
e x e m p l o é a abordagem que pratico na U N I C A M P , nos meus cursos de
História Social da Ciência e da Tecnologia. Trata-se de um enfoque
correspondente ao que M a r x chamava de materialismo histórico e / o u
determinismo e c o n ô m i c o - uma perspectiva que, obviamente, precisa
ser adotada c o m os devidos cuidados, a fim de não descambar para um
e c o n o m i c i s m o vulgar, mas que, ao m e s m o t e m p o , já se t o r n o u m o e d a
corrente tanto de nossa disciplina c o m o no senso c o m u m .
Dentro dela, as principais indagações formuladas pelos historiadores
e c o n ô m i c o s d i z e m respeito às causas, aos mecanismos e às c o n s e q u ê n -
cias do desenvolvimento e c o n ô m i c o através do t e m p o . Em suas tenta¬
tivas de resposta a elas, nossa disciplina t e m sempre um l o n g o c a m i n h o
a percorrer, e necessita apoiar-se nas contribuições e no auxílio de es¬
pecialidades correlatas, notadamente a Teoria E c o n ô m i c a e os M é t o d o s
Estatísticos.
Isto se dá porque as relações e c o n ô m i c a s raramente são diretas e
evidentes à primeira vista, sempre estando sujeitas à interação de nume¬
rosos fatores, cujas origens e interfaces igualmente precisam ser devida¬
mente percebidas e compreendidas. Esta é justamente uma das tarefas

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dos economistas, que, a partir de tais variáveis e de suas inter-relações,
c o n s t r o e m funções e m o d e l o s . E é somente c o m base nestes, por mais
simples e rudimentares que sejam, que os historiadores e c o n ô m i c o s
c o n s e g u e m avançar em suas tentativas de reconstrução e sistematização
das situações e das transformações históricas.
Por sua vez, a Estatística t a m b é m t e m importantes contribuições a
dar à História E c o n ô m i c a , na medida em que muitas, se não a maioria,
das variações e c o n ô m i c a s t ê m uma dimensão quantitativa evidente, re¬
ferida a números e ou valores numéricos. Frequentemente, as cifras que
mais nos interessam não se encontram disponíveis; mas, m e s m o quando
isto ocorre, elas não são suficientes em si, e sempre necessitam ser traba¬
lhadas pelo pesquisador. C o m o fazê-lo, particularmente quando há la¬
cunas ou surgem inconsistências nos dados, é um problema que só p o d e
ser resolvido c o m o auxílio dos m é t o d o s e das técnicas da Estatística.
Mas esta, ao contrário da Teoria E c o n ô m i c a , somente nos ajuda a
descrever e caracterizar as situações, mas não a interpretá-las ou explicá-
las, e muito m e n o s a sistematizá-las. Por outro lado, c o n v é m sempre
tomar c o m o provisórias as explicações fornecidas pelas teorias e c o n ô ¬
micas, que t e n d e m a tornar-se obsoletas, quando as mudanças da reali¬
dade empírica são mais rápidas que as dos paradigmas científicos esta-
belecidos. A permanente renovação da historiografia em geral, e não
apenas da historiografia e c o n ô m i c a , p o d e ser atribuída em parte a este
último fato.
Essa renovação não é devida somente à descoberta de novas fontes
e / o u ao desenvolvimento de n o v o s c o n c e i t o s , mas t a m b é m - e talvez
principalmente - à mudança das questões mais relevantes para cada
geração de historiadores. No caso específico dos historiadores e c o n ô ¬
m i c o s , os processos a serem estudados sempre giram em t o r n o de de¬
terminadas o p ç õ e s e decisões de natureza e c o n ô m i c a , as quais, obvia¬
mente, t e n d e m a mudar através do t e m p o e do espaço, de acordo c o m
a estrutura, as instituições e os valores de cada sociedade, e c o n f o r m e a
conjuntura vivida p o r elas em vários m o m e n t o s .
Entre os conceitos básicos da História E c o n ô m i c a , m e r e c e m destaque
os de conjuntura e os de estrutura, ambos provenientes da Teoria E c o n ô ¬
mica e / o u de outras disciplinas correlatas, mas já incorporados ao vo¬
cabulário dos historiadores e c o n ô m i c o s . A conjuntura sempre envolve
conjuntos d e m o v i m e n t o s , o u m o v i m e n t o s conjugados, tanto e c o n ô -

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m i c o s c o m o sociais; trata-se de m o v i m e n t o s recorrentes, e não anárqui¬
c o s e aleatórios, m o v i m e n t o s que apresentam regularidades e repetições
que t o r n a m possível o seu estudo sistemático. Por sua vez, a estrutura,
segundo já v i m o s , sempre configura um conjunto de relações que apre¬
senta uma certa permanência, e uma interdependência do t o d o e das
partes. As estruturas e c o n ô m i c a s e sociais t e n d e m a ser essencialmente
dinâmicas ou não estáticas; a permanência delas não se refere tanto à
forma ou ao c o n t e ú d o das relações envolvidas, mas à relativa estabilida¬
de ou ao potencial equilíbrio das mesmas ( C A R D O S O e B R I G N O L I ,
1979:261-3).
A l é m desses dois c o n c e i t o s , gostaria ainda de chamar a atenção para
um terceiro, este sim de natureza essencialmente histórica. Trata-se da
n o ç ã o de processo, resultante da recorrência, através do t e m p o , de de¬
terminados f e n ô m e n o s e características, os quais, p o r sua vez, derivam
da recorrência de certos fatos ou eventos e de seus principais aspectos.
A análise dos processos históricos - isto é, das mudanças de conjun¬
turas e de estruturas através do t e m p o - constitui o alfa e o ômega do
trabalho de t o d o historiador.
Neste trabalho, a seleção da m e t o d o l o g i a e das técnicas de pesqui¬
sa d e p e n d e fundamentalmente da temática escolhida e das hipóteses
de trabalho. Mas ela d e p e n d e t a m b é m , e bastante, da d o c u m e n t a ç ã o
disponível e dos demais recursos que t e m o s à nossa m ã o . U m a tenta¬
ç ã o frequente e, portanto, um p e r i g o a evitar, é o de escolher as téc¬
nicas que estão na m o d a , as quais p o d e m ser m u i t o elegantes e inte¬
ressantes, mas f r e q u e n t e m e n t e apresentam o d e f e i t o de n ã o se
adaptarem quer ao tema escolhido, quer ao p e r í o d o estudado, quer
ainda às hipóteses de trabalho.
Por outro lado, c o n v é m nunca perder de vista que as pesquisas em
nossa disciplina p o s s u e m simultaneamente um caráter histórico e uma
dimensão e c o n ô m i c a . Isto significa que elas d e v e m não apenas levar
em conta esses dois aspectos, mas t a m b é m procurar mantê-los em
equilíbrio, evitando tanto o s excessos d o e c o n o m i c i s m o c o m o o s d o
historicismo. Trata-se de algo fácil de ser dito, mas difícil de ser prati¬
cado, pois, na verdade, o historiador e c o n ô m i c o t e m que ser ao mes¬
mo t e m p o e c o n o m i s t a e historiador, ou historiador e e c o n o m i s t a ,
sentindo-se à vontade nas duas disciplinas, sem filiar-se preponderan¬
temente a uma ou à outra.

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U m a b o a maneira de c o n s e g u i - l o é através do estudo histórico das
duas disciplinas, cultivando a História do Pensamento E c o n ô m i c o , de
um lado, e praticando uma história da historiografia do outro. Em o u -
tras palavras, trata-se de procurar não tentar "reinventar a roda ou a
p ó l v o r a " , mas, ao contrário, de aprender c o m os erros e os acertos dos
outros, tanto n o c a m p o d a Teoria E c o n ô m i c a c o m o n o d a História
E c o n ô m i c a . Isto p o r q u e o c o n h e c i m e n t o , afinal, t a m b é m constitui um
processo histórico e cumulativo - um processo no qual os saltos, em¬
bora possíveis, nunca são fáceis ou imediatos.

Referências bibliográficas
C A R D O S O , C. F. e B R I G N O L Í , H. P. "Conceitos, métodos e técnicas de História E c o -
nômica", in Os Métodos da História. R i o de Janeiro: Edições Graal, 1979:261-263.
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inglês sob o título Between History and Economics: an Introduction to Economic History.
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K U L A , W. Problemas y métodos de la Historia Económica, 3 ed., Barcelona: Ediciones Pe-
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S Z M R E C S Á N I Y , T. "História Econômica, Teoria Econômica e Economia Aplicada".
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Revista de Economia Política, São Paulo. Vol. 12, n 3, jul./set. 1992:130-136.

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