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EDUC

OD

à O PA R A T

Práticas
pedagógicas de
trabalho com
relações étnico-
raciais na escola
na perspectiva da
Lei nº 10.639/03 Organização:
Nilma Lino Gomes

1a Edição

Brasília, 2012
Edições MEC/UNESCO

SECADI – Secretaria de Educação Continuada,


Alfabetização, Diversidade e Inclusão
Esplanada dos Ministérios, Bl. L, sala 700
Brasília, DF, CEP: 70097-900
Tel: (55 61) 2104-8432
Fax: (55 61) 2104-8476

Organização das Nações Unidas para


a Educação, a Ciência e a Cultura
Representação no Brasil
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9º andar Brasília, DF, CEP: 70070-914
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Site: www.UNESCO.org.br
E-mail: grupoeditorial@UNESCO.org.br
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OS
EDUC

OD

à O PA R A T

Práticas
pedagógicas de
trabalho com
relações étnico-
raciais na escola
na perspectiva da
Lei nº 10.639/03 Organização:
Nilma Lino Gomes

1a Edição

Brasília, 2012
© 2012. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI),
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)

Edição e preparação de texto


Cláudia Lemos Vóvio – UNIFESP

Revisão de linguagem, formatação e normalização


Dila Bragança de Mendonça
ESCREVER – Assessoria em Redação

Diagramação
Universidade Federal de Goiás
Centro Editorial e Gráfico

Tiragem: 4.000 exemplares

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Catalogação da Fonte : Ivanir F. Leandro – CRB6: 2576

P912 Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na


escola na perspectiva da Lei nº 10.639/03 / Nilma Lino Gomes (org.). 1.
ed. -- Brasília : MEC ; Unesco, 2012.
421 p., il. - (Educação para todos ; 36)

ISBN: 978-85-7994-066-8
Inclui Bibliografias.
Anexos: p. 388-[422].

1. Educação -- Relações étnicas -- Legislação. 2. Brasil. [Lei n. 10.639,


de 09 de janeiro de 2003]. 3. Cultura afro-brasileira -- Estudo e ensino. 4. Educação
e Estado. 5. Escolas publicas.
I. Gomes, Nilma Lino, 1964-- II. Título. III. Série.

CDD- 370.19342
CDU- 376.742

Os autores são responsáveis pela escolha e apresentação dos fatos contidos nesse livro, bem como
pelas opiniões nele expressas, que não são necessariamente as da UNESCO e do Ministério da
Educação, nem comprometem a Organização e o Ministério. As indicações de nomes e a apresentação
do material ao longo deste livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO
e do Ministério da Educação a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região
ou de suas autoridades, nem tampouco a delimitação de suas fronteiras ou limites.
Sumário

Apresentação.......................................................................................... 7

As práticas pedagógicas com as relações étnico-raciais nas escolas


públicas: desafios e perspectivas
Nilma Lino Gomes�������������������������������������������������������������������������������� 19

O caminho metodológico: em foco as práticas pedagógicas com as


relações étnico-raciais na escola
Rodrigo Ednilson de Jesus, Nilma Lino Gomes,
Claudia Lemos Vóvio, Vanda Lúcia Praxedes��������������������������������������� 35

O processo de institucionalização da lei n.º 10.639/03


Rodrigo Ednilson de Jesus, Shirley Aparecida de Miranda������������������ 49

As escolas e suas práticas


Nilma Lino Gomes, Rodrigo Ednilson de Jesus,
Aline Neves Rodrigues Alves ��������������������������������������������������������������� 73

Regional Nordeste I
Florentina da Silva Souza, Ires dos Anjos Brito,
Letícia Maria de Souza Pereira ����������������������������������������������������������� 81

Regional Nordeste II
Moisés de Melo Santana, Itacir Marques da Luz,
Auxiliadora Maria Martins da Silva����������������������������������������������������� 123
Regional Norte
Wilma de Nazaré Baía Coelho, Mauro Cezar Coelho,
Ivany Pinto Nascimento ��������������������������������������������������������������������� 171

Regional Centro-Oeste
Maria Lúcia Rodrigues Müller, Ângela Maria dos Santos,
Vanda Lúcia Sá Gonçalves����������������������������������������������������������������� 215

Regional Sul
Paulo Vinicius Baptista da Silva, Débora Cristina de Araujo,
Tânia Mara Pacífico���������������������������������������������������������������������������� 261

Regional Sudeste
Elânia de Oliveira, José Eustáquio de Brito,
Natalino Neves da Silva ��������������������������������������������������������������������� 297

Referências ....................................................................................... 373

Os(as) autores(as) ............................................................................ 376

Anexos .............................................................................................. 388


Apresentação

Este livro apresenta os resultados da pesquisa Práticas Pedagógicas de Traba-


lho com Relações Étnico-Raciais na Escola na Perspectiva da Lei n.º 10.639/03, desen-
volvida no âmbito do Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão Ações Afirmativas
na UFMG e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Étnico-Raciais e
Ações Afirmativas (NERA/CNPq), no período de fevereiro a dezembro de 2009,
em parceria com pesquisadores(as) dos seguintes núcleos e centros de pesquisa: Nú-
cleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (NEPRE)/UFMT,
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFRPE, Centro de Estudos Afro-Orientais
– UFBA, Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros/UFPR e Núcleo de Estudo e Pesquisa
sobre Formação de Professores e Relações Étnico-Raciais – Núcleo-GERA-UFPA.
Apoiada e financiada pelo Ministério da Educação/Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e pela representação
da UNESCO no Brasil, a pesquisa tem por objetivo identificar, mapear e analisar as
iniciativas desenvolvidas pelas redes públicas de ensino e as práticas pedagógicas re-
alizadas por escolas pertencentes a essas redes na perspectiva da Lei n.º 10.639/03,
que torna obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas
escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio do país.1
A Lei n.º 10.639/03, o Parecer do CNE/CP 03/2004, que aprovou as Dire-
trizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, e a Resolução CNE/CP 01/2004,
que detalha os direitos e as obrigações dos entes federados com a implementação da
Lei, compõem um conjunto de dispositivos legais considerados como indutores de
uma política educacional voltada para a afirmação da diversidade cultural e da con-
cretização de uma educação das relações étnico-raciais nas escolas, desencadeada a
partir dos anos de 2000. Tanto a legislação quanto seus dispositivos carreiam o im-
perativo de uma mudança estrutural e simbólica, abrangendo a adoção de princípios­

1 O artigo 26 A da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), incluído pela Lei 10.639/03, sofreu alteração de redação
dada pela Lei 11.645/08 com a inclusão da história e cultura da população indígena. Todavia, o artigo 79
B, também incluído pela Lei 10.639/03, se manteve inalterado. Isso significa que ambas as alterações
continuam válidas e em vigor. A pesquisa aqui apresentada se refere especificamente à implementação
da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas da Educação Básica do país, regulamentada
pela Resolução CNE/CP 01/2004 e pelo Parecer CNE/CP 03/2004. Enfatiza, portanto, o cumprimento e a
implementação da LDB pelos sistemas de ensino e suas escolas.
afirmativos pelas instituições educacionais, tais como o reconhecimento da diversi-
dade cultural e da desigual distribuição de oportunidades sociais entre diversos seg-
mentos e grupos da população, a disposição positiva para a convivência democrática
entre grupos e culturas e a efetivação da paridade de direitos sociais. Tais princípios,
no contexto nacional, só poderiam ser colocados em prática por meio do desenho e
da implementação de uma política para (e na) diversidade contrária à apologia da
tolerância e ao mito da democracia racial.
Esse conjunto viabiliza avanços na efetivação de direitos sociais educacio-
nais e implica o reconhecimento da necessidade de superação de imaginários, re-
presentações sociais, discursos e práticas racistas na educação escolar. Representa
também um passo a mais no processo de superação do racismo e de seus efeitos
nefastos, seja na política educacional mais ampla, seja na organização e no funcio-
namento da educação escolar, seja nos currículos da formação inicial e continuada
de professores(as), seja nas práticas pedagógicas e nas relações sociais na escola.
Com a realização dessa investigação pretende-se aprofundar a reflexão so-
bre as relações étnico-raciais nos sistemas de ensino e nas escolas e refletir sobre
algumas indagações referentes ao processo de implementação da Lei n.º 10.639/03
e suas Diretrizes Curriculares:

Passados sete anos de sua sanção, a Lei n.º 10.639/03 tem sido implemen-
tada pelos sistemas de ensino e tem sido objeto de práticas pedagógicas nas
escolas?
Como tem se dado a implementação da referida Lei nas diferentes regiões do
País? A desigualdade regional, que marca historicamente a configuração dos
entes federados no Brasil, também se reproduz nesse processo?
As iniciativas do MEC e da SECADI e o conjunto de dispositivos legais em
prol da implementação da Lei n.º 10.639/03 têm fundamentado e apoiado as
políticas e as práticas educacionais regionais, estaduais e municipais?

Para isso, foi desenvolvido um estudo em âmbito nacional e de natureza mi-


nuciosa e extensiva sobre o grau de enraizamento da Lei nos sistemas de ensino e
das condições de sua implementação, bem como uma análise in loco de práticas pe-
dagógicas realizadas por um conjunto de 36 escolas públicas estaduais e municipais
do País. Os objetivos específicos da pesquisa realizada foram os seguintes:

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Identificar e disseminar referências sobre o processo de implementação da
Lei n.º 10.639/03 nas escolas públicas brasileiras, considerando as práticas
pedagógicas, a produção de materiais didáticos e paradidáticos, os processos
de formação continuada e a introdução da temática racial como um dos eixos
orientadores do Projeto Político-Pedagógico (PPP) dessas escolas.
Apoiar os esforços de gestores(as) de sistemas de ensino, equipes gestoras das
escolas e professores(as) na concretização de uma educação voltada para as
relações étnico-raciais na escola.
Construir referenciais de aplicabilidade da Lei n.º 10.639/03 que possam
contribuir para o processo de gestão pedagógica da diversidade das Secretarias
de Educação e escolas públicas em diferentes regiões do País.

Como uma pesquisa que se dirige para a ação e a intervenção social, seus
resultados poderão contribuir para a construção de um panorama sobre as práticas
pedagógicas levadas a cabo em escolas públicas, indicando, para além de sua exis-
tência, níveis de compreensão e graus de enraizamento da temática africana e afro-
-brasileira nas instituições escolares. Isso permitirá também indagar se estes se apre-
sentam com maior ou menor consonância com os princípios da Lei n.º 10.639/03,
as orientações contidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais e no Plano Nacional das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2009).

O percurso da pesquisa
A discussão, o planejamento e a organização do trabalho seguiram um ca-
lendário intenso de reuniões em Brasília, Belo Horizonte e Salvador durante todo
o ano de 2009. Trata-se de encontros que, de acordo com a sua especificidade, con-
taram com a participação da equipe da coordenação nacional, das coordenações
regionais, do MEC/SECADI, da UNESCO, da UNDIME e do CONSED.
A investigação organiza-se em torno de três eixos. O primeiro relaciona-se ao
grau de institucionalização da Lei nos sistemas de ensino e tem como foco as realiza-
ções das Secretarias de Educação (municipais e estaduais). Os secretários estaduais e
municipais de educação e do Distrito Federal foram considerados sujeitos privilegia-
dos para o alcance de informações sobre o nível de implementação da Lei, nas duas
esferas de governo. Foram também atores-chave na indicação de escolas públicas que

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realizam trabalhos na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, nas diferentes regiões do País.
Para tal, contou-se com a colaboração e a participação da UNDIME e do CONSED,
que viabilizaram a disseminação da pesquisa entre os(as) gestores(as) e o contato da
coordenação nacional da pesquisa com as Secretarias de Educação.
O segundo eixo refere-se à consideração de uma variedade de atores envolvidos
no processo de implementação da Lei n.º 10.639/03. Tal consideração advém do reco-
nhecimento da importância da Lei no processo de luta política e negociações entre o
Movimento Negro, as universidades, o MEC e as demais esferas do Estado. Nesse sen-
tido, além dos secretários da educação, foram considerados informantes-chave na indi-
cação das escolas selecionadas os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs) e os
grupos correlatos, em virtude do trabalho que realizam na formação de professores(as)
da educação básica, na perspectiva da diversidade étnico-racial. Também as equipes
de pesquisadores(as) regionais integrantes da pesquisa são vinculadas aos NEABs. A
escolha intencional desse grupo de investigadores(as) deve-se à sua atuação na coor-
denação de cursos de formação continuada de professores(as), à aprovação de projetos
no Edital Uniafro (MEC/SESU/SECADI), à realização de publicações e pesquisas
voltadas para a temática racial na educação, algumas delas em parceria com o MEC
e, particularmente, com a SECADI. Os(as) pesquisadores(as) vinculados aos NEA-
Bs integram o Consórcio Nacional de Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (CON-
NEAB) e, em sua maioria, fazem parte da Associação Brasileira de Pesquisadores(as)
Negros(as) (ABPN). Trata-se de instâncias acadêmicas e políticas no contexto uni-
versitário que produzem um conhecimento científico articulado à prática social e às
vivências étnico-raciais da população brasileira. Outra fonte importante desse eixo foi
o banco de dados do Prêmio Educar para a Igualdade Racial, realizado desde 2002,
pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT). Desse
banco, extraiu-se também a indicação de escolas públicas que realizam trabalhos na
perspectiva da Lei, pois, até o momento em que se deu a pesquisa, era o único espaço
de seleção e premiação de práticas pedagógicas em âmbito nacional voltados para a
educação das relações étnico-raciais, antes mesmo da aprovação da Lei n.º 10.639/03.
O terceiro eixo focaliza a sustentabilidade das experiências mapeadas, por
meio da análise das práticas pedagógicas na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 de-
senvolvidas pelas escolas públicas do País. Para se chegar a essa informação, foram
necessárias o contato e a recolha das indicações dos três atores-chave: (a) gestores
de sistemas de ensino; (b) representantes dos NEABs; e (c) resultados do Prêmio
CEERT. No total, obteve-se a indicação de 890 escolas públicas, das quais foram
selecionadas 36 (seis em cada região geográfica brasileira, acrescidas de outras seis,
dada a abrangência da Região Nordeste).

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O objetivo central do estudo foi chegar até as práticas pedagógicas e suas
respectivas escolas, a fim de ser realizada a análise, em nível nacional, das iniciativas
institucionais que tentam concretizar uma educação que considere e contemple as
relações étnico-raciais.
Nessa análise interessava encontrar informações que pudessem responder às
seguintes indagações:

Quais são as práticas pedagógicas na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 reali-


zadas pelas escolas indicadas pelos atores-chave?
Quem as desenvolve? Elas têm continuidade?
Há participação da gestão do sistema e da gestão da escola no desenvolvimen-
to de tais práticas?
Como fica a participação da comunidade nesse processo?
Há diálogo com os movimentos sociais e, principalmente, com o Movimento
Negro?
Essas experiências se enraízam nas escolas passando a fazer parte do Projeto
Político-Pedagógico a ponto de alcançar um grau de sustentabilidade? Ou elas
oscilam de acordo com a presença ou não dos sujeitos que as desenvolvem?
Quais são os avanços e os limites da Lei n.º 10.639/03 no interior das escolas
públicas?

Cabe considerar neste ponto que o total das 890 escolas recolhidas no âmbito
desta pesquisa não significa, em definitivo, uma amostra representativa de todas as
escolas que trabalham na perspectiva da Lei no território nacional. Esse conjunto
também não reúne aquelas que desenvolvem os melhores e os mais significativos tra-
balhos considerando a temática e a perspectiva orientada pelas Diretrizes Curriculares.
Em um trabalho dessa natureza e considerando as limitações metodológicas
enfrentadas para chegar a tais instituições, é preciso considerar que 890 é o número
total de escolas brasileiras que, da perspectiva dos informantes e do banco de dados
do Prêmio CEERT, realizam trabalhos voltados para a educação das relações étni-
co-raciais e que, nesse contexto, foram lembradas e indicadas. Nesse sentido, outras
instituições de ensino não lembradas e nem citadas neste estudo podem, de forma
muito legítima, ser consideradas em uma futura investigação semelhante.

11
Pode-se ainda questionar por que esses informantes e atores-chave e não ou-
tros. Além dos motivos já explicitados, é importante considerar que se trata de uma
investigação de caráter institucional, encomendada pelo MEC/SECADI e UNES-
CO. Nesse sentido, a recolha de informações deveria perseguir um caminho institu-
cional (contando com fontes institucionais), para observar o grau de implementação
da Lei nos sistemas de ensino, descrever e conhecer as práticas pedagógicas na
perspectiva da Lei realizadas pelas escolas.
Entretanto, constatou-se que, apesar das várias ações já desenvolvidas pelo
MEC em prol da implementação da Lei, ainda não existe um registro oficial e
sistematizado com dados de implementação da Lei no interior do próprio MEC/
SECADI. O que existe são dados de execução e relatórios de avaliação de progra-
mas e ações realizadas. Tal situação colocou um problema para a coordenação da
pesquisa. Reconhecendo a inexistência de fontes oficiais sobre a implementação da
Lei, como encontrar um caminho para a resolução desse problema? Nesse sentido é
que foram selecionados os informantes ou atores-chave aqui presentes, porque são
considerados, no atual contexto, possuidores de algum grau de institucionalidade,
com abrangência nacional, regional e local; poderiam ainda atender aos objetivos
desta pesquisa, indo além de indicações aleatórias ou de caráter subjetivo.
As pesquisas sobre relações raciais e educação (SANTANA, 2003, 2004;
ABRAMOVAY; CASTRO, 2006; SOUZA; CROSO, 2007; GOMES et al., 2006;
MONTEIRO, 2010) vêm apontando a existência de práticas pedagógicas de edu-
cação das relações étnico-raciais desenvolvidas espontaneamente por educadores(as)
interessados no tema por vários motivos. Em virtude do caráter de empenho indi-
vidual, tais práticas geralmente não têm continuidade nem conseguem ser socializa-
das e divulgadas para além do local onde se realizam.
Portanto, após sete anos de sanção da Lei n.º 10.639/03, resta saber se as
ações financiadas pelo MEC/SECADI, a discussão e a aprovação do Plano Nacional
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para
o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, as formações continuadas
ofertadas pelos NEABs, a premiação do CEERT têm induzido e possibilitado ações,
projetos e práticas no interior da gestão dos sistemas e das escolas, tais como a inser-
ção da questão étnico-racial na estrutura e no planejamento das secretarias de edu-
cação, regulamentações estaduais e municipais da Lei e suas Diretrizes Curriculares,
introdução sistemática do estudo sobre a África e seus contextos e sobre as questões
afro-brasileiras, visando a formação conceitual e ética dos(as) estudantes e inclusão
da temática no projeto político-pedagógico (PPP) das escolas.

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Esta publicação está organizada em apresentação, quatro textos de autoria
coletiva, além de textos com conclusões e recomendações, bem como referências
bibliográficas. Ao final, também se encontram anexos relativos ao percurso trilhado.
Nesta “Apresentação”, abordam-se os motivos que originaram a pesquisa, bem
como as indagações centrais e os eixos metodológicos seguidos. No texto “As práticas
pedagógicas com as relações étnico-raciais nas escolas públicas: desafios e perspecti-
vas” são elencadas as principais reflexões teóricas que subsidiaram a investigação, as
quais se constituem em chaves interpretativas para análise dos dados obtidos.
No texto “O caminho metodológico: em foco as práticas pedagógicas com
as relações étnico-raciais na escola”, apresentam-se os pressupostos metodológicos
assumidos e são descritas as opções éticas que permearam a organização de instru-
mentos, a geração de dados e a organização da pesquisa em suas fases.
O texto “O processo de institucionalização da Lei n.º 10.639/03” traz os resul-
tados da primeira fase, que se caracterizou por uma ampla consulta, em âmbito nacio-
nal, mediante a aplicação de questionários virtuais, a fim de indicar aspectos relevantes
sobre os procedimentos de institucionalização da Lei n.º 10.639/03 nas Secretarias
Municipais e Estaduais. Parte do conjunto dos secretários de educação selecionados
para responder ao questionário está entre aqueles cuja gestão educacional do Muni-
cípio ou Estado atribuiu pontuação quatro (maior pontuação) à dimensão “formação
continuada de professores para cumprimento da Lei 10.639” presente no relatório do
PAR,2 2008 e cujos relatórios já haviam sido analisados pelo MEC e disponibilizados
até aquele momento. Além desses, a consulta incluiu as Secretarias Municipais das ca-
pitais dos 26 estados e do Distrito Federal, bem como todas as Secretarias Estaduais,
mesmo que não tivessem se atribuído pontuação quatro no relatório do PAR. Essa
escolha deveu-se ao reconhecimento do lugar político das secretarias no Quadro da
educação nacional e das possibilidades do seu poder disseminador, sobretudo na rela-
ção com as demais Secretarias de Educação. A análise das respostas de 39 gestores(as)
de sistemas de ensino contribuiu para a reflexão sobre o grau de implementação da
Lei n.º 10.639/03 e o contexto da educação das relações étnico-raciais nos sistemas
de ensino. Esta etapa inclui outro questionário virtual, respondido pelos 19 coordena-
dores de NEABs das instituições de ensino superior (IES) que se manifestaram fa-
voráveis a completar o instrumento. Conforme citado anteriormente, como forma de
seleção de um maior número de escolas, foram também incluídas aquelas premiadas
pelos 1º, 2º e 3º Prêmio Educar para a Igualdade Racial promovido pelo CEERT, o
único nessa categoria com amplitude nacional.

2 Disponível em: <http://www.simec.mec.gov.br/cte/relatoriopublico/principal.php>.

13
No texto “As escolas e suas práticas”, apresenta-se a segunda fase da pesquisa.
Ele abarca os trinta e seis3 estudos de caso desenvolvidos, nas cinco regiões do País
(seis estudos em cada região geográfica, mais seis, dada a extensão territorial da
Região Nordeste), por pesquisadores(as) vinculados(as) aos NEABs e suas equipes.
Organiza-se, portanto, em seis subseções correspondentes às regionais da pesquisa.
Foram entrevistados, em escolas públicas estaduais e municipais das cinco
regiões do País, profissionais negros (pretos e pardos) e brancos, homens e mu-
lheres num total de 35 diretores(as), 3 vice-diretores(as), 43 coordenadores(as)
pedagógicos(as), 2 coordenadores de temas transversais, 1 assistente técnico peda-
gógico e 154 professores(as). Participou do grupo de discussão um total de 230 es-
tudantes. Foram entrevistados, ainda, de acordo com as especificidades do trabalho
de campo, 01 laboratorista de informática, 1 integrante da coordenação de Diver-
sidade Étnico-Racial da Secretaria Municipal de Educação, 3 instrutoras de língua
brasileira de sinais (LIBRAS) e 1 bibliotecário. Entrevistaram-se, também, entre as
escolas pesquisadas, 1 ex-diretor, 1 ex-professor e 1 ex-aluno. No total, 477 sujeitos
participaram da pesquisa.
Dado o prazo de permanência em campo (entre 7 e 10 dias), para atender o
tempo estipulado para a realização da pesquisa e abarcar o número de 36 escolas em
todo o país, nem sempre foi possível para a equipe de pesquisadores acompanhar a
realização das práticas em tempo real. As práticas aqui apresentadas são, pois, aque-
las decorrentes das narrativas dos profissionais da escola, comunidade, estudantes,
recolhidas por meio das conversas informais, análise de documentos, entrevistas e
grupos de discussão. Para complementar e confirmar a realização de tais atividades,
recolheram-se vários materiais gentilmente disponibilizados pelas escolas e seus do-
centes, os quais atestam o desenvolvimento das práticas voltadas para a educação
das relações étnico-raciais. Este material encontra-se arquivado no banco de dados
organizado durante a realização da pesquisa. Por mais que se queira dar visibilidade
às práticas e seus sujeitos, não se pode abdicar dos procedimentos éticos da pesqui-
sa. Sendo assim, esta publicação não identifica quer as escolas, quer seus sujeitos.
Em “Considerações finais e recomendações”, retomam-se as perguntas da
pesquisa e discutem-se os elementos que favorecem a institucionalização da Lei e
das Diretrizes Curriculares Nacionais, no âmbito dos organismos públicos de educa-
ção. Apresentam-se os fatores que apontam o seu enraizamento ou não no âmbito
das secretarias, escolas e comunidade do entorno, por meio da realização de práticas
pedagógicas. Discute-se o alcance dessas práticas na formação ética e conceitual dos

3 A explicação dos motivos da escolha das 36 escolas encontra-se na descrição detalhada da metodologia.

14
estudantes, os quais se configuram como os sujeitos centrais de tais práticas. Tam-
bém são apontadas as recomendações acordadas pela equipe de pesquisadores(as)
diante dos dados colhidos e da realidade analisada.
Vale salientar os limites e os alcances da pesquisa feita. Seu caráter nacional
está garantido pela seleção, pela investigação em escolas das cinco regiões do País,
juntamente com o relato dos dilemas e desafios por elas encontrados na realização
de uma educação das relações étnico-raciais. Trata-se de um primeiro mapeamento
em nível nacional de Secretarias de Educação, bem como de escolas públicas es-
taduais e municipais e do Distrito Federal, que vêm se empenhando no desenvol-
vimento de práticas pedagógicas de trabalho na perspectiva da Lei n.º 10.639/03.
Acompanhado de análise e observação em campo, esse mapeamento é inédito, pois
os seus resultados mostram um panorama da implementação da Lei em âmbito
nacional, sobretudo no que diz respeito à sua capacidade e limites de enraizamento
e sustentabilidade nas práticas escolares e nos sistemas de ensino.
Os dados obtidos contribuem para compreender o difícil e complexo pro-
cesso configurado pela passagem da implantação para a implementação da Lei n.º
10639/03 na esfera nacional. Destacam também a necessidade de uma compreensão
mais profunda do seu caráter político e pedagógico e reforçam a necessária concreti-
zação das metas do Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-
cação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana. Além disso, dão visibilidade a um conjunto de práticas pedagógicas que
vêm sendo realizadas por educadores(as) brasileiros(as) e suas respectivas escolas –
com contradições, limites e avanços – antes mesmo da sanção da Lei.
Em algumas dessas práticas conta-se com educadores(as) comprometidos(as)
com uma escola mais democrática, demonstrando a compreensão de que o direi-
to à diversidade étnico-racial faz parte do direito à educação. Para tanto, veem a
necessidade de desenvolvimento de práticas interdisciplinares – articuladas com a
gestão da escola e do sistema, com a comunidade e com os movimentos sociais –,
capazes de produzir avanços na aprendizagem dos(as) estudantes, sob o ponto de
vista conceitual, além de uma postura ética diante do diverso e a construção de uma
educação antirracista. Outras práticas revelam um campo movediço, contraditório
e complexo, em que as relações raciais desenvolvidas na sociedade e na escola bra-
sileira levam alguns(algumas) educadores(as) e escolas, quando consultados(as) pela
equipe da pesquisa, a se autodefinirem como realizadores de práticas pedagógicas
na perspectiva da Lei, mas que, no cotidiano da instituição escolar, agem em desa-
cordo com princípios e orientações firmados nos dispositivos legais. Isso sem contar

15
as iniciativas descontínuas, fundadas em concepções estereotipadas e racistas sobre
a África e os afro-brasileiros, envoltas do discurso da democracia racial e da boa
vontade.

16
Referências

ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G. (Coord.). Relações raciais nas escolas: re-


produção de desigualdades em nome da igualdade. Brasília, DF: UNESCO, INEP,
Observatório de Violência nas Escolas, 2006.

BRASIL. Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação


das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana. Brasília, DF: SECAD; SEPPIR, jun. 2009.

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17
As práticas
pedagógicas com
as relações étnico-
raciais nas escolas
públicas: desafios
e perspectivas

Nilma Lino Gomes

A
Lei n.º 10.639/03 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional (Lei n.º 9.394/96) e pode ser considerada uma reivindicação do
Movimento Negro e de organismos da sociedade civil, de educadores e
intelectuais comprometidos com a luta antirracista. Pode também ser
entendida como uma resposta do Estado às demandas em prol de uma educação
democrática, que considere o direito à diversidade étnico-racial como um dos pila-
res pedagógicos do País, especialmente quando se consideram a proporção signifi-
cativa de negros na composição da população brasileira e o discurso social que apela
para a riqueza dessa presença.
De Norte a Sul do País, a presença negra é divulgada discursivamente como
um forte componente da diversidade cultural brasileira. Todavia, do ponto de vista das
políticas, das práticas, das condições de vida, do emprego, da saúde, do acesso e da per-
manência na educação escolar, a situação ainda é de desigualdade, preconceito e discri-
minação. Segundo dados divulgados na Pesquisa Nacional por Amostra de Municípios
(BRASIL, 2007), 49,4% da população brasileira se autodeclaram ser da cor ou raça
branca, 7,4% preta, 42,3% parda e 0,8% de outra cor ou raça.1 Quando se tomam, por
exemplo, os dados sobre escolarização, observam-se as dinâmicas dessa desigual distri-
buição de oportunidades. Apesar dos avanços oriundos das políticas públicas, o fenômeno

1 Considera-se como população negra aquela composta por pessoas que se autodeclaram pretas e pardas,
de acordo com as categorias de cor do IBGE, as quais se encontram em situação de profunda desigual-
dade em comparação ao segmento branco.
social do analfabetismo apresenta-se diferentemente nos segmentos negros e brancos da popu-
lação.
Segundo o levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
de 2009, feito com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD) de 2008 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apesar
da redução da distância entre os dois grupos, o índice de analfabetismo entre jovens
negros ainda é duas vezes maior do que entre os jovens brancos. Em 1998, o analfa-
betismo entre jovens negros era quase três vezes maior do que entre os jovens brancos.
Consideram-se jovens os habitantes entre 15 e 29 anos, uma população que soma
hoje 49,7 milhões de pessoas, cerca de 26,2% da população brasileira.
No ensino médio, o número de jovens brancos que frequenta a escola é 44,5%
maior em comparação ao número de negros. Já no ensino superior, a frequência de
brancos é maior cerca de três vezes. O IPEA destaca, no entanto, que houve signifi-
cativa melhora no nível de adequação educacional entre os jovens negros nos últimos
anos. Se entre os brancos se observou certa estagnação, entre os negros a melhoria
na frequência ao ensino médio é bastante significativa: em dez anos, quase duplicou.
No que diz respeito à renda, é alarmante a disparidade: de 2004 a 2008, a dife-
rença entre a renda média dos negros e dos brancos no Brasil aumentou R$ 52,92. O
estudo revela também que a renda média dos brancos aumentou 2,15 vezes no perío-
do, ao passo que o índice de aumento na renda média dos negros foi de apenas 1,99.
De acordo com o documento, as regiões mais ricas do Brasil meridional apre-
sentam maior porcentagem de pessoas brancas que as regiões do Brasil setentrional.
Do Oiapoque ao Chuí, a população embranquece, e a renda aumenta.
O IPEA alerta que, juntas, a desigualdade entre regiões e a desigualdade racial,
respondem por algo entre um quarto e um quinto da desigualdade de renda domici-
liar per capita de todo o País. Em 2008, esses dois índices respondiam por 22,3%, ou
seja, 5,7% de desigualdade racial dentro das regiões e 16,6% de desigualdade regional.
O IPEA reconhece que o racismo e a discriminação são causas importantes
da desigualdade racial no Brasil, mas não as únicas. Elas caminham lado a lado com
o elevado nível de desigualdade regional. Portanto, as políticas específicas para a
população negra precisam caminhar junto com políticas que visem corrigir também
as profundas desigualdades regionais do País.
A pesquisa também destaca que apenas a metade dos jovens brasileiros de
15 a 17 anos frequenta o ensino médio na idade adequada e que 44% ainda não
concluíram nem mesmo o ensino fundamental. Nas regiões Nordeste e Norte, as

20
taxas de frequência, 36,4% e 39,6%, respectivamente, são bem mais baixas do que
no Sudeste e no Sul, 61,8% e 56,5%, respectivamente.
O acesso ao ensino superior é ainda mais restrito, com frequência de apenas
13,6% dos jovens de 18 a 24 anos. Uma boa parcela dos que têm mais de 18 anos,
cerca de 30%, conseguiu completar o ensino médio, mas sem buscar a continuidade
de estudos no ensino superior.
O IPEA ressalta também que a proporção de jovens fora da escola cresce de
acordo com a faixa etária: 15,9%, entre os jovens de 15 a 17 anos; 64,4%, de 18 a
24 anos; e 87,7%, de 25 a 29 anos.
No entanto, também há avanços. Como principal o IPEA destaca que os
jovens atualmente conseguem passar mais tempo em sala de aula e têm maior es-
colaridade que os adultos. Em 1998, a média de anos de estudo entre pessoas de 15
a 24 anos era de 6,8. Em 2009, a média era de 8,7 anos de estudo entre jovens de
18 a 24 anos. No grupo de 25 a 29 anos, a média chegou a 9,2, o que corresponde
a 3,2 anos de estudo a mais que na população acima dos 40 anos.
Um destaque positivo apontado na pesquisa é que o maior nível de escolari-
dade também se reflete na menor taxa de analfabetismo entre os jovens. Na faixa de
15 a 17 anos a queda foi de 8,2% em 1992 para 1,7% em 2008, e na faixa de 18 a
24 anos foi de 8,8% para 2,4% no mesmo período.
Ainda que se considere o processo de universalização da educação básica de-
sencadeado nos últimos anos, o que possibilitou o acesso de variados grupos sociais
antes desconsiderados e excluídos do processo de escolarização, esse processo não sig-
nifica mudanças diretas no modo como se organiza essa instituição. De acordo com
Theodoro (2008), as políticas públicas têm proporcionado mais acesso à educação de
forma universal, mas ainda de uma forma desigual quando se analisa a questão racial.
Historicamente os negros têm menos acesso a serviços e ações governamentais, o que
indica a necessária realização de políticas direcionadas a esse segmento.
Diante do exposto, observa-se uma imbricação entre diversidade étnico-racial,
desigualdade social e desigualdade regional, também refletida nesta pesquisa. Na
análise das práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na Escola
na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, observa-se que o potencial das redes de ensino,
as condições de trabalho nas escolas, o desenvolvimento de formas participativas de
gestão do sistema e das escolas, a presença ou não de formação continuada dos(as)
educadores(as) apresentam nuances significativas quando se considera a localização
regional das escolas participantes. A compreensão mais aprofundada dessa questão
exigirá novos estudos e pesquisas específicas.

21
Da implantação à implementação de políticas para a
educação das relações étnico-raciais
O caráter da Lei n.º 10.639/03 e suas formas de regulamentação atribuem
ao MEC a responsabilidade de induzir a implementação de uma educação para as
relações étnico-raciais em parceria com os sistemas de ensino, para todos os níveis
e todas as modalidades. Existe uma dinâmica própria das políticas públicas, que vai
do reconhecimento de uma problemática social sobre a qual se quer intervir até sua
adoção e transformação da realidade ao lado do conjunto maior da sociedade. E
a eficácia desse processo segue o caminho da implantação à implementação. Uma
educação voltada para a produção do conhecimento, assim como para a formação
de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos para (e na) diversidade étnico-
-racial, significa a compreensão e a ampliação do direito à diferença como um dos
pilares dos direitos sociais. Implica também a formação de subjetividades incon-
formistas diante das práticas racistas e com conhecimento teórico-conceitual mais
aprofundado sobre a África e as questões afro-brasileiras.
No entanto, sabe-se que a criação e a implementação de políticas sociais se
realiza num terreno conflitivo da vida social, especificamente quando se toma a
herança histórica e social forjada no período da ditadura no campo da formulação
e implementação de políticas educacionais, que imprimiu profundas marcas nesse
contexto. Algumas dessas marcas autoritárias são as determinações centralizadoras,
o esvaziamento dos currículos, a apologia à diversidade e a negação das desigualda-
des de classe, raça, gênero e diversidade sexual. Essas ações começaram a se deses-
tabilizar a partir dos anos 1980, quando o processo de reconstrução da sociedade
brasileira, as demandas por participação e convivência democrática começaram a
ganhar força, culminando com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e
tendo continuidade nos anos seguintes. Quanto mais a sociedade brasileira se or-
ganiza politicamente em busca da concretização da democracia, maiores são os de-
safios a ser superados por meio da implementação de políticas sociais e programas
de iniciativa do Estado.
Essa rearticulação da sociedade tem os movimentos sociais como um dos
seus principais protagonistas ao lado de outras frentes, organizações e instituições
de caráter democrático e progressista. Os movimentos sociais – que resistiram e
se desenvolveram paralelamente às ações de um governo ditatorial, organizando-
-se fora do controle do Estado, especialmente aqueles que focalizaram o caráter
identitário de grupos sociais com histórico de profunda exclusão e discriminação
(as mulheres, os negros, os povos indígenas, os homossexuais, os quilombolas e os

22
moradores do campo) – evidenciaram uma problemática historicamente apagada
por setores conservadores da sociedade e até por setores progressistas: o direito à
diferença e a necessidade de políticas públicas que contemplem a diversidade.
O Movimento Negro é o protagonista central que conseguiu dar maior vi-
sibilidade ao racismo e sua dinâmica de apagamento no conjunto da sociedade, ao
mito da democracia racial, demandando a implicação do Estado para a efetivação
da paridade de direitos sociais. Colaboram, para o reconhecimento dessa problemá-
tica social e para a construção de uma política para a diversidade e para educação
das relações étnico-raciais na escola, nesse contexto, a Marcha Zumbi dos Palmares
(1995), os dados sociodemográficos que demonstram a condição de desigualdade
racial divulgados pelo IPEA (2001), a realização da 3.a Conferência de Durban, a
criação da SEPPIR (2003) e da SECAD (2004).
Esse contexto histórico, político, social e educacional justifica a necessidade
da sanção da Lei n.º 10.639/03, do Parecer do CNE/CP 03/2004 e da Resolução
CNE/CP 01/2004. Do ponto de vista da política educacional, a existência de tais
dispositivos legais, cuja abrangência diz respeito aos sistemas de ensino, escolas e
sociedade civil, orientou a construção de um planejamento para a sua implementa-
ção em âmbito nacional: o Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
-Brasileira e Africana (BRASIL, 2009). Esse plano não teria sentido se não arti-
culasse atores institucionais (MEC, gestores de sistemas de ensino e de escolas),
movimentos sociais, sobretudo, o Movimento Negro. No caput do art. 3.º, a citada
Resolução afirma:

A Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura


Afro-Brasileira e História e Cultura Africana será desenvolvida por meio de
conteúdos, competências, atitudes e valores, a serem estabelecidos pelas Ins-
tituições de ensino e seus professores, com apoio e supervisão dos sistemas
de ensino, entidades mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas
as indicações, recomendações e diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP
01/2004. (BRASIL, 2004, p. 32).

Entretanto, do papel para a vida social, há uma grande distância a ser trans-
posta, e o desencadeamento desse processo não significa sua efetiva adoção, tam-
pouco seu completo enraizamento no chão das escolas públicas e privadas do País.

23
A efetivação e a implementação de leis no campo educacional dependem em grande
medida de um conjunto de condições que lhes permitam a realização plena. Nesse
cenário, a escola tem sido considerada historicamente um espaço de repercussão e
reprodução do racismo. Como mostra sua história e revelam as dinâmicas sociais
produzidas nesse lócus, trata-se de uma instituição que dificilmente consegue lidar
com identidades forjadas num contexto de diversidade, reconhecendo-as e tratan-
do-as de forma igualitária e digna, e com saberes e patrimônios culturais produzidos
pelos grupos étnico-raciais do País.
Além disso, todos esses dispositivos legais entram em confronto direto com
o imaginário e as práticas de racismo e com o mito da democracia racial extrema-
mente arraigados no bojo do processo de escolarização e no imaginário de profis-
sionais da educação em todos os níveis da educação brasileira. Esse contexto produz
subjetividades, interfere na construção das identidades e autoestima dos sujeitos
negros, brancos, indígenas, entre outros. A educação escolar, como espaço-tempo
de formação humana, socialização e sistematização de conhecimentos, apresenta-se
como uma área central para a realização de uma intervenção positiva na superação
de preconceitos, estereótipos, discriminação e racismo. Portanto, a adoção da Lei e
sua concretização em práticas pedagógicas baseadas na educação para (e na) diver-
sidade demandam a reorganização desse lócus numa perspectiva emancipatória, a
revisão da cultura escolar, de currículos, de práticas pedagógicas e de relações sociais
entre os envolvidos nesse processo, enfatizando a especificidade do segmento negro
da população. Tal transformação diz respeito ao reconhecimento da educação, so-
bretudo a escolar, como um direito de todos e, por conseguinte, da população negra.
A tarefa de uma política educacional voltada para a diversidade étnico-racial
está perpassada por uma radicalidade política e pedagógica. A complexidade do
tema tratado nesta pesquisa se agudiza em decorrência dos aspectos e dos desdo-
bramentos culturais, políticos, econômicos, técnicos, científicos, éticos e subjetivos
que envolvem a questão étnico-racial no Brasil e na educação escolar pública. É
certo que a implementação da Lei n.º 10.639/03 e das Diretrizes Curriculares Na-
cionais, nesse contexto, aponta para o aspecto relevante do reconhecimento da forte
presença da questão afro-brasileira e africana na construção do imaginário social e
pedagógico e a sua visibilidade ou invisibilidade na política educacional. Esse pro-
cesso não pode ser interpretado apenas na sua dimensão pedagógica nem de forma
isolada dentro do campo educacional.
A implementação da Lei n.º 10.639/03 depende não apenas de ações e
políticas intersetoriais, articulação com a comunidade e com os movimentos
sociais, mudança nos currículos das Licenciaturas e da Pedagogia, mas também

24
de regulamentação e normatização no âmbito estadual e municipal, de formação
inicial, continuada e em serviço dos profissionais da educação e gestores(as) do
sistema de ensino e das escolas.
Como se trata de um tema arraigado historicamente na estrutura social, cul-
tural, política e pedagógica do País seria um equívoco interpretar que a sua efetiva-
ção como política pública em educação, bem como a superação dos seus limites de
implementação estivessem restritos ao campo educacional e isolados em si mesmos.
É por essa razão que uma pesquisa como esta se faz necessária, para saber o estado
em que se encontra a temática e verificar, afinal, se a Lei tem sido adotada e como
vem sendo implementada.

Princípios e conceitos consensuados


A pesquisa trabalhou com os conceitos de “reparação, reconhecimento e
ações afirmativas” constantes no texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
-brasileira e Africana. No entanto, outros conceitos se apresentam importantes
para a compreensão da orientação dada na presente investigação. E “raça” é um
deles. Segundo Gomes (2005), os militantes e intelectuais que adotam o termo
raça não o fazem no sentido biológico. Pelo contrário, todos sabem e concordam
com os atuais estudos da genética – não existem raças humanas. Na realidade eles
trabalham o termo raça atribuindo-lhe um significado político e social construído
a partir da análise do tipo de racismo que existe no contexto brasileiro e conside-
rando a dimensão histórica e cultural à qual esse termo nos remete. Por isso, ao
se referir ao segmento negro, alguns intelectuais utilizam às vezes o termo “étni-
co-racial”, demonstrando que estão considerando multiplicidade de dimensões e
questões que envolvem a história, a cultura e a vida dos negros no Brasil. Essa é
a perspectiva adotada nesta pesquisa.
No contexto desta investigação, raça é um termo compreendido como uma
construção social, política e cultural produzida e imbricado nas relações sociais e
nas relações de poder ao longo do processo histórico brasileiro e na experiência
da diáspora. Não significa, de forma alguma, um dado da natureza. É no contexto
das classificações sociais que assistimos a operacionalidade da raça, entendida na
sua dimensão social e cultural. Isso significa que as pessoas aprendem a ver negros
e brancos como diferentes na forma como são educados e socializados a ponto de
essas ditas diferenças serem introjetadas na forma de ser e ver o Outro, na subjeti-
vidade e nas relações sociais mais amplas.

25
Na cultura e na sociedade, aprende-se a perceber, comparar, classificar, avaliar
essas diferenças positiva ou negativamente. O problema é que, no contexto das rela-
ções de poder e de dominação, as classificações criam hierarquias, além de legitimar
uns em detrimento de outros. Nesse processo, as diferenças são transformadas em
desigualdades.
Outra noção à qual esta pesquisa se filia é a “regulamentação”. A Resolução
CNE/CP 01/2004 determina, em seu art. 2º, § 3º, que é função dos Conselhos
Municipais e Estaduais de Educação desenvolver as Diretrizes Curriculares Na-
cionais por ela instituídas, preservando a autonomia relativa dentro do regime de
colaboração entre os entes federados e seus respectivos sistemas de ensino. Essa
medida induz a uma leitura contextual dessa Resolução, das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana (CNE/CP 03/2004) e da Lei n.º 10.639/03,
de modo a aproximar as determinações da política municipal e estadual das delibe-
rações de âmbito federal. É papel dos Conselhos Municipais e Estaduais articular
o processo de implantação – apresentação dos novos determinantes legais – e de
implementação. Nesse sentido, a regulamentação diz respeito aos dispositivos legais
que expressam as ações a serem adotadas pelos Conselhos e pelas Secretarias de
Educação para desencadear e realizar a implementação da Lei n.º 10.639/03. Em
geral, a exemplo do caso do governo federal, esse processo demanda diretrizes curri-
culares estaduais e municipais, assim como resoluções que introduzam e garantam a
inserção da educação das relações étnico-raciais no âmbito das políticas municipais
e estaduais já previstas ou que criem novos mecanismos.
Em decorrência da regulamentação, há dois conceitos assumidos e presentes
ao longo das análises realizadas: a “implantação” e a “implementação”. Esses con-
ceitos referem-se a dois importantes momentos na construção de políticas. O início
de toda e qualquer política pública atravessa um momento inaugural, uma etapa de
apresentação de uma perspectiva que se abre à sociedade, denominado implantação.
Em geral, nessa fase, a regulamentação do que está proposto pela política ou pela
legislação dela decorrente ainda se encontra em debate e dependente da análise das
condições que dificultam ou facilitam essa fundação – identificação dos recursos
necessários, parcerias na sociedade civil, posicionamentos políticos sobre o tema,
identificação de tensões.
Decorrente dessa etapa inaugural é a capacidade de implementação da polí-
tica, da execução de um plano, programa ou projeto que leve à sua prática por meio
de providências concretas. Ao distinguir esses dois momentos não se pretende rea-
lizar uma passagem estanque e linear entre a implantação e a implementação. São

26
momentos interdependentes, que, conforme a concepção da legislação em questão,
podem se dar como movimentos contínuos. À medida que se apresentam as tensões
da implantação, se estabelece um conjunto de ações articuladas para a implemen-
tação, em resposta aos problemas identificados. Exemplos disso são as políticas que
articulam fóruns permanentes de debate com participação de diversos segmentos
da sociedade, os processos de indução por meio da produção de material, da forma-
ção continuada, de pesquisas, de composição de equipes de trabalho, de comissões
de acompanhamentos, entre outras táticas. Essa concretização exige esforços mais
variados e articulações entre o Estado, os movimentos sociais e as demais organiza-
ções da sociedade civil.
Outro conceito trabalhado na pesquisa é “enraizamento”. Refere-se à capa-
cidade de o trabalho desenvolvido na escola na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e
das suas Diretrizes Curriculares Nacionais se tornar parte do cotidiano escolar, ou
seja, da organização, da estrutura, do Projeto Político-Pedagógico, dos projetos in-
terdisciplinares, da formação continuada e em serviço dos profissionais, indepen-
dentemente da atuação específica de um(a) professor(a) ou de algum membro da
gestão e coordenação pedagógica. Trata-se de a educação das relações étnico-raciais
se tornar um dos eixos norteadores da proposta político-pedagógica desenvolvida
pelo coletivo dos profissionais da educação que atuam na instituição escolar. Nesse
sentido, importa saber se as práticas pedagógicas realizadas são mais sustentáveis
ou menos sustentáveis. Esse conceito está interligado aos demais, contudo mantém
uma dinâmica própria.

Visibilidade às práticas pedagógicas na perspectiva da Lei


n.º 10.639/03
Um desafio inerente aos objetivos desta pesquisa foi o modo como se focaliza-
riam as práticas pedagógicas na perspectiva da Lei. A primeira decisão tomada pela
coordenação em conjunto com a UNESCO e o MEC/SECADI para enfrentá-lo foi
não atribuir juízo de valor às práticas em análise, classificando-as como “boas”, “más”,
“significativas”, “inovadoras”, entre outras apreciações. Embora essa seja uma tendên-
cia natural na gramática educacional, tentou-se não cair nessa armadilha.
Essa opção deveu-se, em primeiro lugar, ao fato de se saber que as classifica-
ções são arbitrárias e dependentes do crivo tanto daqueles que as realizam quanto
dos que as analisam. No caso da educação das relações étnico-raciais, o campo da
política educacional articulado à teorização das relações raciais e ao pedagógico, vê-
-se desafiado a construir critérios e indicadores que contribuam para compreender

27
e analisar os elementos conceituais, éticos e políticos que compõem uma prática
consonante com a apregoada pelos dispositivos legais.
Numa investigação de tal abrangência é preciso ir além de uma classificação
baseada em impressões e no lugar sociopolítico-identitário de quem a realiza. Por-
tanto, fizeram-se presentes para a equipe algumas indagações advindas da percepção
da complexidade do tema e do campo, tais como: quais indicadores comuns ado-
tar e baseados em quais critérios de caráter objetivo? Quais indicadores poderiam
apontar a existência de práticas pedagógicas na perspectiva da educação das relações
étnico-raciais nas escolas? Quais indicadores poderiam ser aplicados às escolas pú-
blicas estaduais e municipais das cinco regiões do País, considerando as especifici-
dades, a diversidade e as desigualdades regionais? Quais indicadores se colocariam
sensíveis aos diferentes níveis, etapas e modalidades de ensino?
A decisão da equipe da pesquisa foi fundamentar suas escolhas no texto das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, extraindo as orientações de
caráter nacional e legal que se referem ao aprofundamento do conteúdo indicado no
texto da Lei n.º 10.639/03. Considerou-se que as Diretrizes inserem-se em um con-
texto político-social mais amplo, portanto fazendo parte das “políticas de repara-
ções, de reconhecimento e valorização de ações afirmativas” (BRASIL, 2004, p. 11)
e referindo-se ao novo processo vivido no âmbito da política educacional. Assim:

[...] os sistemas de ensino e estabelecimentos de diferentes níveis converterão


as demandas dos afro-brasileiros em políticas públicas de Estado ou institu-
cionais ao tomarem decisões e iniciativas com vistas a reparações, reconheci-
mento e valorização da história e cultura dos afro-brasileiros, à constituição de
programas de ações afirmativas, medidas estas coerentes com um projeto de
escola, de educação e de formação de cidadãos que explicitamente se esbocem
nas relações pedagógicas cotidianas. Medidas que, convém, sejam comparti-
lhadas pelos sistemas de ensino, estabelecimentos, processos de formação de
professores, comunidade, professores, alunos e pais. (BRASIL, 2004, p. 13).

Ainda segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais cabe ao Estado promover


e incentivar políticas de reparações, no que cumpre ao disposto na Constituição
Federal, Art. 205, entendidas como

28
medidas que visam a concretização de iniciativas de combate ao racismo e a
toda sorte de discriminações que possam ressarcir os descendentes de africa-
nos negros, dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais
sofridos sob o regime escravista. (BRASIL, 2004, p. 11).

Apontam ainda que, por políticas de reconhecimento nas quais as práticas


pedagógicas na perspectiva da Lei se inserem, entendem-se aquelas que implicam
justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como a valoriza-
ção da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem
a população brasileira. Isso requer mudança nos discursos, nos raciocínios, nas lógi-
cas, nos gestos, nas posturas, no modo de tratar as pessoas negras. Requer também
que se conheça a sua história e sua cultura apresentadas, explicadas, buscando-se
especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira
(BRASIL, 2004, p. 11-12).
Segundo as Diretrizes, as políticas de reparações e de reconhecimento formarão
“programas de ações afirmativas”, isto é, conjuntos de ações políticas dirigidas à corre-
ção de desigualdades raciais e sociais, orientadas para a oferta de tratamento diferen-
ciado com vistas a corrigir as desvantagens e a marginalização criadas e mantidas por
uma estrutura social excludente e discriminatória. As ações afirmativas atendem ao
determinado pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, bem como aos compro-
missos internacionais assumidos pelo Brasil no combate ao racismo e discriminação,
tais como a Convenção da UNESCO, de 1960, direcionada ao combate ao racismo
em todas as formas de ensino, bem como a Conferência de Combate ao Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Discriminações Correlatas, de 2001.
Saliente-se ainda que tal contexto apresenta alguns atores sociais e institucio-
nais responsáveis pela implementação dessas políticas, os quais esta pesquisa tentou
contemplar. Eles se inserem nas três principais instâncias político-pedagógicas res-
ponsáveis pela implementação da educação das relações étnico-raciais. Nas escolas
são os(as) gestores(as), coordenadores(as) pedagógicos, orientadores(as) educacio-
nais, professores(as) e comunidade; na sociedade, o Movimento Negro, os NEABs
(ou seja, as universidades) e, no sistema, o MEC, as Secretarias Estaduais, as Secre-
tarias Municipais, os Conselhos Estaduais e os Conselhos Municipais de Educação.
Mas, afinal, do ponto de vista das Diretrizes Curriculares Nacionais, o que são
práticas pedagógicas na perspectiva da Lei n.º 10.639/03? O retorno ao texto legal
possibilitou afirmar que se trata de práticas pedagógicas que apresentam as seguin-
tes características:

29
Dependem necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e
afetivas favoráveis para o ensino e para as aprendizagens. São ações por
meio das quais todos os alunos negros e não negros, bem como seus
professores(as), precisam sentir-se valorizados e apoiados. Dependem tam-
bém de maneira decisiva da reeducação das relações entre negros e brancos,
o que se está designando como relações étnico-raciais.
Dizem respeito aos projetos empenhados na valorização da história e cultura
dos afro-brasileiros e dos africanos, bem como comprometidos com a edu-
cação de relações étnico-raciais positivas, a que tais conteúdos devem con-
duzir. Valorizam e respeitam as pessoas negras, a sua descendência africana,
sua cultura e sua história.
Questionam relações baseadas em preconceitos que desqualificam os negros
e salientam estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que, velada ou ex-
plicitamente violentas, expressam sentimentos de superioridade em relação
aos negros, próprios de uma sociedade hierárquica e desigual. São práticas
de reconhecimento.
Valorizam, divulgam e respeitam os processos históricos de resistência negra
desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descen-
dentes na contemporaneidade, desde as formas individuais até as coletivas.
Colocam em questão as formas de desqualificação: apelidos depreciativos,
brincadeiras, piadas de mau gosto sugerindo incapacidade, ridicularizando
os traços físicos das pessoas negras, a textura de seus cabelos, fazendo pou-
co das religiões de raiz africana.
Criam condições para que os estudantes negros não sejam rejeitados em vir-
tude da cor da sua pele, menosprezados porque seus antepassados foram
explorados como escravos, tampouco sejam desencorajados de prosseguir
estudos e estudar questões que dizem respeito à comunidade negra.
Realizam-se no cotidiano das escolas, nos diferentes níveis e modalidades de
ensino, como conteúdo de disciplinas, particularmente, Educação Artística,
Literatura e História do Brasil, sem prejuízo das demais.
São regidas por meio de um trabalho conjunto, de articulação entre proces-
sos educativos escolares, políticas públicas, movimentos sociais, visto que
as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações étnico-
-raciais não se limitam à escola.

30
São esclarecedoras de equívocos em relação à acusação de que o negro discri-
mina a si mesmo, à atuação do Movimento Negro e ao mito da democracia
racial e ao racismo.
Visam negros e brancos, pois oferecem aos negros conhecimentos e segu-
rança para se orgulharem da sua origem africana. E aos brancos permitem
identificar as influências, a contribuição, a participação e a importância da
história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, de viver, de se relacionar
com as outras pessoas, notadamente as negras.
Atuam no nível do conhecimento e no nível dos conteúdos escolares, pois se
incluem no contexto dos estudos e atividades escolares. Referem-se também
às contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos descenden-
tes de asiáticos, além das advindas de povos de raízes africana e europeia.
Portanto, estabelecem conteúdos de ensino, unidades de estudos, realizam
projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares.
Estão baseadas em fontes variadas, em material bibliográfico e outros mate-
riais didáticos, realizados por docentes e alunos, que incluem personagens
negros e de outros grupos étnico-raciais. Valorizam a oralidade, a corpo-
reidade e a arte, por exemplo, a dança, marcas da cultura de raiz africana,
ao lado da escrita e da leitura. Atuam no campo da educação patrimonial
visando o aprendizado a partir do patrimônio cultural afro-brasileiro e sua
preservação.
Inserem-se no PPP da escola, em cumprimento ao art. 26A da Lei n.º
9.394/1996, pois tais práticas se estabelecem em colaboração com as comu-
nidades a que a escola serve, com o apoio direto ou indireto de especialis-
tas, de pesquisadores e do Movimento Negro, com os quais estabelecerão
canais de comunicação, encontrarão formas próprias de incluir as temáticas
em questão nas vivências promovidas pela escola, inclusive em conteúdos
de disciplinas.
Identificam, com o apoio dos NEABs, fontes de conhecimentos de origem
africana, a fim de selecionar conteúdos e procedimentos de ensino e de
aprendizagens.
Exigem dos docentes e das escolas a crítica à forma como os negros e outras
minorias são representados nos textos, materiais didáticos e a tomada de provi-
dências para corrigi-las. Exigem também a construção de condições para pro-
fessores e alunos pensarem, decidirem e agirem, assumindo responsabilidade

31
por relações étnico-raciais positivas, enfrentando e superando discordâncias,
conflitos, contestações, valorizando os contrastes das diferenças.
Exigem um nível de normatização via sistematização, em documentos e no
planejamento dos estabelecimentos de ensino de todos os níveis – estatutos,
regimentos, planos pedagógicos, planos de ensino –, de objetivos explícitos,
assim como de procedimentos para sua consecução, visando ao combate do
racismo e das discriminações e ao reconhecimento, valorização e respeito da
história e da cultura afro-brasileira e africana.
Exigem a previsão, nos fins, responsabilidades e tarefas dos conselhos escolares e
de outros órgãos colegiados, do exame e do encaminhamento de solução para
situações de racismo e de discriminações, buscando criar situações educativas
em que as vítimas recebam o apoio requerido para superar o sofrimento e os
agressores, além de orientação para que compreendam a dimensão do que
praticaram e ambos recebam educação para o reconhecimento, valorização e
respeito mútuos.
A conceituação e o esclarecimento sobre as práticas pedagógicas apresentadas
no texto das Diretrizes orientaram a construção dos instrumentos da pesquisa, dos
roteiros de entrevista e de observação, a realização do grupo de discussão com os
estudantes, o olhar dos(as) pesquisadores(as) em campo e, mais do que isso, guiaram
a análise dos dados obtidos.
É sabido que as Diretrizes apontam para um tipo ideal de práticas – aquelas
cuja realização demonstra a excelência de um trabalho de educação das relações
étnico-raciais. Nesse sentido, a conceituação de práticas pedagógicas na perspectiva
da Lei n.º 10.639/03 apontada pelas Diretrizes orienta para a realização de ações,
atividades, projetos, programas, avaliação, posturas pedagógicas avançadas e eman-
cipatórias, que deveriam acontecer nas escolas.
Pesquisas e estudos anteriores a este, assim como a percepção do MEC/SE-
CADI sobre a implementação da Lei, revelam a grande dificuldade dos sistemas
de ensino e das escolas de realizar práticas com tamanha radicalidade e efetividade
como suscita o texto legal. Essa situação confirma ainda mais a urgência e a neces-
sidade de construção de políticas e práticas e de investimento de recursos públicos
não só nos processos de formação continuada como, também, na formação inicial e
em serviço dos docentes e demais profissionais da educação e na produção, circula-
ção, socialização e análise de material didático e paradidático na perspectiva da Lei
n.º 10.639/03, do Parecer CNE/CP 03/04, da Resolução CNE/CP 01/04 e suas
respectivas Diretrizes Curriculares Nacionais.

32
Referências

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em:


<http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 15 dez. 2008.

TEODORO, M. (Org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil 120 anos


após a abolição. Brasília, DF: IPEA, 2008.

BRASIL. Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africa-
na. Brasília, DF: SECAD; SEPPIR, jun. 2009.

33
O caminho
metodológico:
em foco
as práticas
pedagógicas com
as relações étnico-
raciais na escola Rodrigo Ednilson de Jesus
Nilma Lino Gomes
Claudia Lemos Vóvio
Vanda Lúcia Praxedes

U
m dos principais problemas no campo da educação das relações étnico-
-raciais a ser superado por esta pesquisa é a ausência de levantamentos
prévios de abrangência nacional acerca das experiências e práticas em
andamento, voltadas à implementação da Lei 10639/2003, no âmbito
da escola ou da educação escolar.
Cabe destacar que, além dessa, há várias iniciativas que objetivam verificar
os limites e as possibilidades de implementação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretri-
zes, tais como levantamentos, análises e consultas, fomentadas por diversas institui-
ções, focalizando práticas pedagógicas para a educação para as relações étnico-raciais
(UNESCO, s.d.). Apesar do mérito dessas iniciativas e dos resultados obtidos nesses
trabalhos, não há um mapeamento abrangente, em nível nacional, que considere a
diversidade de experiências regionais e locais.
Em decorrência da falta de mapeamentos em âmbito nacional sobre a im-
plementação da Lei e as ações educativas e práticas pedagógicas para a educação
para relações étnico-raciais, os(as) pesquisadores(as) defrontaram-se com a seguinte
questão: qual a melhor forma para atingir o objetivo geral da pesquisa? Veja-se a
seguinte citação de Gomes et al. (2010):
[...] mapear e analisar as práticas pedagógicas desenvolvidas pelas escolas públi-
cas e pelas redes de ensino de acordo com a Lei n.º 10.639/03, a fim de subsi-
diar e induzir políticas e práticas de implementação desta Lei em nível nacional,
em consonância com o Plano Nacional de Implementação da Lei n.º 10.639/03.

A articulação entre o objetivo geral e eixos da pesquisa se expressa nas inda-


gações colocadas desde o início:
Como investigar o grau de institucionalização da Lei nas Secretarias Esta-
duais e Municipais?
Como definir, para estudo de caso e nas cinco regiões do País, um conjunto
de 36 escolas públicas que realizam práticas pedagógicas na perspectiva da
Lei n.º 10.639/03 e suas diretrizes?
Quais seriam os melhores informantes que poderiam indicar esses casos?
De acordo com o objeto desta pesquisa e indagações da equipe de pesquisadores,
optou-se por utilizar um conjunto diversificado de fontes e procedimentos para geração
de dados. Portanto, o caminho metodológico trilhado para sua consecução desdobrou-
-se em duas etapas de caráter distinto, em relação aos informantes, às técnicas utilizadas
e aos tipos de dados obtidos. Embora diversas, essas etapas são tomadas como indisso-
ciáveis entre si e estão articuladas aos objetivos perseguidos e às indagações da pesquisa.
A primeira etapa foi orientada pela seguinte pergunta:
Quais são as escolas públicas brasileiras que desenvolvem ações educativas e
práticas pedagógicas para a educação para as relações étnico-raciais condi-
zentes com a Lei n.º 10.639/03 e com as Diretrizes Nacionais para a Edu-
cação das Relações Étnico-Raciais?
De caráter abrangente, o foco desta etapa recaiu sobre os sistemas de ensino
e as demais instituições e organismos capazes de identificar e indicar as escolas par-
ticipantes em âmbito nacional. Nesta etapa, 227 atores foram consultados por meio
de um questionário virtual autoaplicado: 26 Secretarias Estaduais de Educação,
171 Secretarias Municipais de Educação e 30 Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros
(NEAB). O recebimento e a devolução dos questionários foram acompanhados pe-
las 6 coordenações regionais de pesquisa: a coordenação na Região Sudeste (Re-
gional Sudeste), a Região Centro-Oeste (Regional Centro-Oeste), a Região Norte
(Regional Norte), a Região Sul (Regional Sul) e as coordenações da Região Nor-
deste (Regional Nordeste I e Regional Nordeste II).

36
Já a segunda etapa orientou-se no sentido de buscar respostas para esta questão:
Quais são essas práticas pedagógicas e como estão sendo desenvolvidas no
interior das escolas participantes dessa pesquisa?
De caráter qualitativo, esta etapa caracterizada como estudo de caso abarcou
36 escolas, 6 em cada uma das 6 regionais da pesquisa, selecionadas intencional-
mente por meio de um indicador quantitativo e com o controle sobre distribuição
proporcional de escolas em território nacional, por nível e modalidade oferecida e
por localidade. O processo de geração abrangeu dados variados, entre eles, dados
verbais, documentais e observados por meio de diversos instrumentos.
Desse modo, a pesquisa organizou-se em duas etapas distintas como já dito. E
envolveu informantes-chave de todas as regiões do Brasil, os quais, no momento em
que se deu a pesquisa, atuavam em diferentes níveis nos sistemas de ensino, em escolas
e organismos da sociedade civil. Para isso, foram adotados instrumentos diversificados,
aplicados em situações de pesquisa variadas. Cada uma das etapas, atores envolvidos
e instrumentos empregados na pesquisa são apresentados detalhadamente a seguir.

Primeira etapa: nas trilhas para se chegar às escolas e


suas práticas
Esta fase corresponde ao desafio de inventariar a ocorrência de ações edu-
cativas e práticas pedagógicas no âmbito da educação escolar pública brasileira,
implicando a atenção aos elementos que permitem e dão sustentabilidade a essas
experiências. Nesse sentido, optou-se por recorrer a atores que pudessem informar
sobre a institucionalização da Lei em nível estadual e municipal, além de apresentar
indicações de escolas nas diferentes regiões do País que atuam ou atuavam na pers-
pectiva aqui apontada, por meio de questionários, autoaplicados.

Os atores envolvidos
Os atores selecionados para essa etapa foram: o Prêmio CEERT (especifica-
mente a consulta ao seu banco de dados),1 as Secretarias Estaduais de Educação, as Se-
cretarias Municipais de Educação e os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs).

1 O Prêmio Educar para Igualdade Racial, promovido pelo CEERT, tem sido, até o presente momento, uma das
poucas iniciativas em âmbito nacional que promove o registro sistemático e a publicização de experiências
voltadas à promoção da igualdade racial. Desde sua primeira edição em 2002, esta iniciativa ocupa papel de
destaque entre as ações educativas existentes em todo o País, como impulsoras de uma educação livre do
racismo, do preconceito e das discriminações. A partir da 4ª edição, além de premiar a categoria professor
(educação infantil e ensino fundamental I), também são premiadas experiências na categoria escola nos
mesmos segmentos da categoria anterior. Disponível em: <http://www.CEERT.org.br/index.php>.

37
No âmbito do sistema público de ensino, as Secretariais Estaduais e Muni-
cipais de Educação foram informantes privilegiadas. Todavia, cabe esclarecer que,
do conjunto das 5.107 Secretarias Municipais de Educação existentes no Brasil, so-
mente 171 foram selecionadas para a pesquisa. Incluíram-se ainda as 26 Secretariais
Municipais das capitais dos Estados e a Secretaria de Educação do Distrito Federal.
O critério utilizado para a seleção foi a pontuação atribuída pela gestão educacional
do município ou Estado à dimensão de “formação continuada de professores para
cumprimento da Lei n.º 10.639/03”, presente no relatório do PAR2 2008.
Entre os cinco indicadores educacionais existentes na dimensão 2 do PAR, refe-
rente à “formação de professores e profissionais de serviço e apoio escolar”, o indicador 4
apresenta informações de suma importância para a pesquisa, como mostra o Quadro 1.

Quadro 1 – Formação inicial e continuada de professores da educação básica para


cumprimento da Lei n.º 10.639/03

2. Formação de professores e de profissionais de serviços e apoio escolar


4. Formação inicial e continuada de professores da educação básica para cumprimento da Lei
n.º 10.639/03
Indicador Pontuação Critério

Quando não existem políticas voltadas para a formação


1 1 inicial e continuada dos professores visando ao cumprimento
da Lei n.º 10.639/03.

Quando existem políticas sem implementação, voltadas para


1 2 a formação inicial e continuada dos professores visando o
cumprimento da Lei n.º 10.639/03
Quando existem políticas em fase de implementação, vol-
1 3 tadas para a formação inicial e continuada dos professores
visando o cumprimento da Lei n.º 10.639/03.
Quando existem políticas com boa implementação e adesão,
1 4 voltadas para a formação inicial e continuada dos professo-
res visando o cumprimento da Lei n.º 10.639/03.

Fonte: Guia de preenchimento do PAR.

2 O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, instituído pelo Decreto 6.094, de 24 de abril de
2007, é um programa estratégico do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Trata-se de um com-
promisso fundado em 28 diretrizes e consubstanciado em um plano de metas concretas. A partir da ade-
são ao Plano de Metas, os estados e os municípios elaboram seus respectivos Planos de Ações Articu-
ladas, após a realização de um diagnóstico minucioso da realidade educacional local. O instrumento para
o diagnóstico da situação educacional local está estruturado em quatro grandes dimensões: (1) Gestão
Educacional; (2) Formação de Professores e dos Profissionais de Serviço e Apoio Escolar; (3) Práticas
Pedagógicas e Avaliação; (4) Infraestrutura Física e Recursos Pedagógicos. Disponível em: <http://simec.
mec.gov.br/cte/relatoriopublico/principal.php>.

38
Consciente dos limites que um indicador autoatribuído pode apresentar, a se-
leção de municípios com pontuação 4 foi uma tentativa para envolver na pesquisa as
Secretarias Municipais de Educação que, segundo análise dos gestores(as) em rela-
ção às políticas implementadas, investiram na implementação da Lei n.º 10.639/03.
Além desses municípios, incluíram-se algumas Secretarias Municipais de Educação
de capitais dos Estados que não atingiram a pontuação 4, dada a importância po-
lítica e a capacidade de disseminação dessas Secretarias, sobretudo na relação com
as demais Secretarias Municipais de Educação. Essa é a situação de boa parte das
capitais, com exceção dos municípios de Rio Branco (AC), São Luís (MA), João
Pessoa (PB), Curitiba (PR), Recife (PE) e Porto Alegre (RS). Já em relação às
Secretarias Estaduais de Educação, todas foram consideradas como participantes,
independentemente da pontuação autoatribuída no PAR.
Diante da variabilidade de atores envolvidos no processo de implementa-
ção da Lei n.º 10.639/03, considerou-se ainda a importância das instituições de
ensino superior (IES) e de alguns de seus profissionais. No âmbito acadêmico,
os NEABs e grupos correlatos têm se destacado, sobretudo pela formação con-
tinuada de professores(as) na perspectiva da Lei, oferecida em parceria com o
poder público. Além de produzir pesquisas e materiais didáticos voltados para a
diversidade cultural e étnico-racial, esses núcleos geralmente são responsáveis pela
divulgação da Lei n.º 10.639/03 no contexto acadêmico nacional e internacional e
pelo desenvolvimento de vários projetos aprovados em editais públicos do MEC
que visam à implementação da legislação aqui discutida, tais como o UNIAFRO
I, II e III. Dessa forma, 30 NEABs distribuídos nos estados brasileiros foram
selecionados como informantes-chaves desta pesquisa.
De um lado, a inserção de Secretarias Municipais e Estaduais de Educação
como informantes-chave da pesquisa ajudou a contemplar o primeiro eixo da in-
vestigação: o grau de institucionalização da Lei n.º 10.639 nos sistemas de ensino.
De outro lado, a inserção do CEERT e dos NEABs contemplou o segundo eixo:
variedade de atores envolvidos no processo de informação, disseminação e imple-
mentação da Lei.

Procedimento para seleção do conjunto de casos


Para localizar as escolas que implementam ações e práticas pedagógicas em
consonância com a Lei n.º 10.639/03 e apoiadas em suas Diretrizes, recorreu-se a
um questionário autoaplicado e virtual, em virtude da agilidade para envio, preen-
chimento, sobretudo devolução via internet.

39
O instrumento foi organizado em dois grandes blocos de perguntas fecha-
das: (a) informações sobre os esforços e as atividades voltadas para a educação das
relações étnico-raciais e a implementação da Lei n.º 10.639/03 desenvolvidas pelas
Secretarias de Educação; (b) indicações de escolas que desenvolvem trabalhos vol-
tados para a educação das relações étnico-raciais e a implementação da Lei há pelo
menos um ano. Nesse item específico, os informantes eram convidados a indicar
nominalmente algumas escolas que desenvolviam tais ações.
Entre 11 de junho e 15 de agosto de 2009, todos os informantes selecionados
para essa etapa receberam via e-mail o questionário virtual com 34 questões fecha-
das, divididas em cinco módulos.3 No caso das Secretarias Estaduais e Municipais
de Educação, o instrumento foi enviado com uma carta de apresentação e instru-
ções para o preenchimento, endereçados4 diretamente aos(às) secretários(as) de edu-
cação. No caso dos NEABs, o questionário foi enviado aos endereços eletrônicos
disponíveis e acessíveis na listagem do Consórcio Nacional de NEABs.5
Considerando os informantes-chave, contabilizou-se um total de 825 indica-
ções de escolas (555 indicadas pelas Secretarias Municipais de Educação, 194 pelas
Secretarias Estaduais de Educação e 76 pelos NEABs). Foram também seleciona-
das 65 escolas premiadas pelo CEERT em uma das três primeiras edições. Ao todo
890 escolas foram indicadas pelos atores-chave: 232 na Região Sul; 340 na Região
Sudeste; 61 na Região Centro-Oeste; 138 na Região Nordeste (107 na Regional
Nordeste I e 31 na Regional Nordeste II); e 119 na Região Norte.6
Cabe considerar neste ponto que o conjunto de 890 escolas identificadas
nesta fase da pesquisa não constitui uma amostra representativa de todas as esco-
las que trabalham na perspectiva da Lei no território nacional. Esse número não

3 O questionário utilizado nesta pesquisa foi devidamente pré-testado e aplicado a uma amostra de 30 se-
cretários de educação durante 12º Fórum Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação ocorrido em
Curitiba, no período de 4 a 7 de maio de 2009. Após os ajustes advindos do pré-teste, o questionário,
construído em formato Java (linguagem operacional), foi enviado posteriormente por e-mail aos endereços
eletrônicos dos secretários municipais e estaduais de educação selecionados. As listagens foram disponi-
bilizadas pelo Conselho Nacional de Dirigentes Estaduais de Educação (CONSED) e pela União Nacional
dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME).
4 Os endereços eletrônicos dos secretários de educação foram fornecidos pelo CONSED e pela UNDIME,
respectivamente.
5 O Consórcio de NEABs (CONNEAB) foi criado no ano de 2004 a partir da formulação de um acordo de
cooperação que envolve cerca de 80 NEABs e grupos correlatos inseridos em universidades públicas e
privadas do Brasil, com atividades de intercâmbio técnico-científico e realização de projetos no campo
das relações étnico-raciais brasileiras. Apesar do número significativo de NEABs cadastrados na lista de
discussão do Consórcio, nem todos os endereços eletrônicos encontravam-se atualizados e acessíveis no
momento da pesquisa, o que justifica o número de questionários enviados.
6 No âmbito desta pesquisa, decidiu-se dividir o Brasil em seis regionais, considerando as regiões geográfi-
cas brasileiras, mas dividindo a Região Nordeste em duas regionais: Nordeste I e Nordeste II. Em função
do grande número de Estados na Região Nordeste essa divisão atendeu critérios puramente operacionais.

40
abarca tantas outras que desenvolvem ações e práticas significativas considerando
essa temática. Em um trabalho dessa natureza e considerando as limitações meto-
dológicas enfrentadas para enumerar tais instituições, é preciso considerar, como já
dito na introdução, que 890 “é o número de escolas brasileiras que, da perspectiva
dos informantes e da consulta ao banco de dados do Prêmio CEERT, já atuam
na perspectiva da educação para as relações étnico-raciais e, nesse contexto, foram
lembradas e indicadas”, e que outras instituições de ensino podem ser incluídas em
outros estudos.

Segunda etapa: da seleção à entrada nas escolas


A inserção de determinadas questões no corpo do questionário, referentes às
características das escolas indicadas, foi fundamental para a construção do indicador
utilizado para selecionar as 36 escolas que participam desse estudo.
O indicador quantitativo baseou-se em quatro variáveis a serem observadas,
em diferentes graus, nas escolas indicadas. Ao passo que a primeira variável era ab-
soluta (eliminatória), as outras três eram relativas (hierarquizantes). Cabe salientar
aqui que, apesar de terem sido escolhidas de maneira arbitrária,7 todas as variáveis
utilizadas para a composição deste indicador foram inspiradas no texto das Diretri-
zes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-brasileira (BRASIL, 2004).
Variável 1: Iniciativa e continuidade: tempo de trabalho na escola com a Lei
n.º 10639/03 e com as Diretrizes.
Variável 2: Trabalho solitário ou coletivizado? (número de professores(as)
envolvidos(as)).
Variável 3: Para além das etapas da educação básica: envolvimento das moda-
lidades oferecidas pela escola.
Variável 4: Sustentabilidade das práticas: incorporação das Diretrizes no
PPP da escola.
Além de considerar aspectos básicos de aplicação da Lei n.º 10.639/03 no proces-
so de seleção das escolas, a adoção de características básicas de variabilidade, tais como
região a que pertence o município; localização em área rural, urbana ou quilombola;

7 No processo de construção de todo e qualquer indicador, as variáveis escolhidas para compô-lo sempre
serão arbitrárias, posto que diante de outra perspectiva teórica, metodológica ou política, por exemplo, as
variáveis escolhidas poderiam ser outras.

41
oferta de etapas e modalidades de ensino da educação básica (educação infantil, ensino
fundamental, ensino médio, educação especial, educação profissional, EJA) em redes mu-
nicipal, estadual e no Distrito Federal, permitiu a construção de um Quadro diversificado
de experiências. Aos(Às) pesquisadores(as) interessava não simplesmente selecionar as
instituições de ensino que apresentavam os mais fortes indícios de implementação da
Lei n.º 10.63903, mas chegar àquelas que apresentassem uma diversidade de práticas nos
vários estados da federação, em diferentes redes, níveis e modalidades de ensino e nas
localidades rurais, quilombolas e urbanas.
A princípio foram pré-selecionadas 180 escolas, 30 das quais pertencentes a
cada uma das seis regionais, a partir da pontuação obtida no indicador, com especial
atenção às características básicas de variabilidade já citadas. As relações de escolas
foram enviadas às seis equipes de coordenação regional, que ficaram responsáveis
por estabelecer contatos com o corpo diretor dessas instituições no intuito de checar
as informações coletadas no questionário.
Apesar da preocupação em contemplar a diversidade de práticas desenvolvi-
das em diferentes escolas, percebemos, desde os primeiros contatos telefônicos com
a escola até as visitas presenciais, algumas incongruências advindas da recorrência
a fontes secundárias para a seleção do conjunto das escolas. Uma delas foi o não
reconhecimento, por parte de algumas escolas (indicadas e selecionadas), dos prin-
cipais motivos que as transformaram em potenciais participantes da pesquisa. Outra
dificuldade diz respeito à inclusão, na pesquisa, de escolas que haviam ganhado o
Prêmio CEERT, nas categorias primeiro, segundo e terceiros lugares, o que nem
sempre significava, no momento em que pesquisadores as contatavam, a permanên-
cia das ações e práticas premiadas. Essa constatação revelou a descontinuidade de
muitas das ações educativas na perspectiva da igualdade racial.
Sobre essas constatações do processo de checagem, cabe indagar: Qual será
a compreensão dos(as) gestores(as) de sistemas e suas equipes pedagógicas sobre a
realização de práticas pedagógicas nas escolas na perspectiva da Lei n.º 10.639/03
ao fazer a indicação de tais escolas? Será que tais secretarias e suas equipes (coor-
denações, núcleos, ou equipes voltadas para a temática das relações étnico-raciais
etc.) dispõem de um banco de dados que possibilite a verificação de iniciativas pe-
dagógicas voltadas para a educação das relações étnico-raciais e/ou educação para a
diversidade realizadas pelas escolas sob sua coordenação? Ou será que as indicações
foram baseadas em informações dispersas?
Para se aproximar das escolas e de suas práticas, as equipes das coordenações
regionais entraram em campo durante os meses de setembro a dezembro de 2009.

42
Os objetivos perseguidos na realização dos 36 estudos de caso foram:
Identificar e disseminar referências positivas sobre o processo de implemen-
tação da Lei n.º 10.639/03 nas escolas públicas brasileiras, considerando
as práticas pedagógicas, a produção de material didático e paradidático, os
processos de formação continuada e a introdução da temática racial como
eixo orientador do PPP.
Apoiar os esforços de professores(as), gestores(as) de sistemas de ensino e
gestores(as) escolares na busca pela igualdade racial no contexto escolar.
A escolha das 36 escolas deveu-se à tentativa de conseguir um maior número
possível de escolas públicas no País, distribuídas entre as cinco regiões e condizentes
com os limites e as possibilidades de tempo e financeiros da pesquisa. O número de
6 escolas por região mostrou-se satisfatório a esses objetivos, perfazendo um total
de 30 instituições. Como já foi dito, em virtude da divisão da Região Nordeste em
duas coordenações regionais, cujos motivos já foram explicados na primeira fase,
esse número ampliou-se para 36.

A entrada nas escolas


A permanência dos(as) pesquisadores(as) em cada escola compreendeu um
período entre sete e dez dias. Todavia, esse tempo foi negociado de forma flexível,
de acordo com a disponibilidade das escolas, a agenda dos coordenadores regionais
e o alcance dos objetivos do trabalho de campo.
Nesse processo, o grupo de pesquisadores(as) se viu diante de alguns dilemas
enfrentados pelas instituições escolares públicas do País. Alguns deles têm relação direta
com a temática das relações étnico-raciais, e outros se referem ao conjunto de problemas
enfrentados por essas instituições. Entre aqueles que dizem respeito às condições de tra-
balho e à gestão educacional e escolar, destacam-se: as largas distâncias entre as escolas
rurais e as urbanas; a organização interna das escolas; a falta de recursos e condições para
a continuidade de experiências inovadoras e significativas; a pouca autonomia de algu-
mas escolas diante de posturas autoritárias de gestores(as) de sistema de ensino baseadas
em questões político-partidárias;8 a contradição entre a resposta afirmativa durante a

8 O caso mais gritante de uma situação de autoritarismo entre a gestão de sistema de ensino e a escola foi
encontrado em uma secretaria municipal de educação da Regional Sudeste. Após autorização da direção
da escola e coordenação pedagógica, as quais permitiram a ida do pesquisador a campo, a Secretaria
Municipal de Educação fez uma ingerência junto à escola e impediu a entrada dele. Alegando não estar
devidamente informada da pesquisa (embora a equipe pedagógica da própria Secretaria Municipal de
Educação tenha respondido afirmativamente ao questionário virtual e indicado um número razoável de
escolas que trabalhavam com a educação das relações étnico-raciais), a secretária vetou a entrada do

43
checagem da escola e as práticas pedagógicas encontradas na realidade escolar, entre
outros. Entre aquelas relativas à Lei n.º 10.639/03 e as suas Diretrizes, destacam-se:
os diferentes entendimentos e receios dos(as) gestores(as) escolares e coordenadores(as)
pedagógicos(as) diante de uma pesquisa com caráter institucional e encomendada pelo
MEC/SECADI e pela UNESCO; as resistências em participar de uma pesquisa ins-
titucional cuja temática são as relações étnico-raciais; o entendimento equivocado da
Lei n.º 10.639/03, vista por alguns como uma “lei dos negros” e, por isso, não deveria
abranger todas as escolas, entre outros.
No entanto, também foram encontradas situações positivas, como: o contenta-
mento de saber que uma experiência local ganhará visibilidade em nível institucional
e nacional; a satisfação em socializar experiências e práticas; o envolvimento de vários
coletivos das escolas nas práticas pedagógicas; a valorização do trabalho com a Lei n.º
10.639/03, desenvolvida com quilombolas e com estudantes surdos; o reconhecimento
por parte do MEC/SECADI de se chegar ao “chão da escola” para desenhar políticas
e programas de igualdade racial na educação básica compatíveis e viáveis, entre outros.

A geração de dados
Para a geração de dados utilizaram-se conversas informais, entrevistas se-
miestruturadas, grupos de discussão com os(as) estudantes, consulta ao acervo
documental da escola, registro fotográfico, acompanhamento e observação do co-
tidiano escolar e registro em caderno de campo, observação da materialidade, da
infraestrutura da escola e do entorno.
Em alguns casos, as visitas a campo foram realizadas pelo(a) coordenador(a)
regional; em outros contaram com a colaboração dos auxiliares de pesquisa. As vi-
sitas de escolas localizadas nas regionais Norte, Nordeste I e Nordeste II e Centro-
-Oeste apresentaram no geral maiores dificuldades para os(as) pesquisadores(as), o

pesquisador, solicitou a sua ida ao órgão gestor para esclarecimentos, exigiu da coordenação nacional
nova documentação solicitando a participação na pesquisa e apresentação do pesquisador e, no final,
não permitiu a realização do trabalho de campo. Tal situação, apesar da intervenção direta do Ministério
da Educação, via SECADI, não obteve bom resultado. A Secretaria em questão, além de impor constran-
gimentos profissionais e pessoais ao pesquisador, arbitrariamente negou a participação da escola sele-
cionada na pesquisa. Foi obtida em campo a informação de que o trabalho bem-sucedido com a Lei n.º
10.639/03 havia sido realizado, de fato, pela gestão anterior, do partido do atual governo federal. Esse
processo sofreu uma descontinuidade com a mudança do Quadro político-partidário da gestão em vigor.
Tal situação parece indicar um dos motivos do comportamento autoritário e de rejeição à pesquisa. Diante
dessa situação, pode-se imaginar o pouco grau de autonomia vivenciado pelas escolas do município. A si-
tuação causou indignação e revolta em toda a equipe de pesquisadores(as), sobretudo porque, trabalhan-
do com a temática étnico-racial, todos avaliaram também a presença de elementos do racismo institucional
no comportamento autoritário da equipe da Secretaria Municipal, especialmente em relação ao tratamento
dispensado ao intelectual negro, membro da equipe desta pesquisa e responsável pelo trabalho de campo.
A escola selecionada foi, então, substituída por outra que também preenchia os requisitos da pesquisa.

44
que demandou uma organização flexível das equipes responsáveis por essas localida-
des. As distâncias percorridas eram longas e exigiram uma reorganização do tempo
dos(as) pesquisadores(as). Concordando com outros estudos realizados nessas regiões,
observaram-se os problemas enfrentados pelas escolas públicas brasileiras no contexto
da desigualdade econômica e social, segundo as regiões do País. A geração de dados
ofereceu elementos significativos sobre a diversidade regional brasileira e, ao mes-
mo tempo, reiterou os dilemas vividos pelos educadores(as), gestores(as), estudantes
e comunidade diante das profundas disparidades enfrentadas historicamente nessas
regiões.
O olhar dos(as) pesquisadores(as) sobre a escola e suas práticas não tinha
um caráter classificatório ou de avaliação, pois eles observavaram tanto o contexto
da instituição escolar quanto as iniciativas ali desenvolvidas a partir das orientações
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, dispostas no Pare-
cer do Conselho, CNE/CP 03/2004 e Resolução CNE/CP 01/2004.
Todos os(as) pesquisadores(as) também passaram por um período preparató-
rio, apropriando-se de orientações para entrada no campo, de instrumentos e técni-
cas de aplicação, em reuniões consecutivas realizadas em 26 e 27 de maio e 23 e 24
de julho de 2009, em Belo Horizonte. Foram apresentados a todos(as) os roteiros,
bem como termos de consentimento para uso da imagem, dos dados orais e para a
publicação de material doado pelas escolas, entre outros.

Em foco o grupo de discussão


Dentre todos os procedimentos metodológicos adotados, o grupo de discus-
são com os estudantes foi o mais desafiador. A questão que se colocou para a equipe
da pesquisa desde o início era: como verificar uma mudança conceitual e ética dos
estudantes após a realização do trabalho com a educação das relações étnico-raciais
na escola, em cumprimento à Lei n.º 10.639/03? Como verificar se, pelo menos
nos campos disciplinares indicados no texto da Lei (história, artes e literatura),
pode-se constatar alguma mudança significativa e novos aprendizados na vida dos
estudantes? Qual o melhor procedimento metodológico a ser adotado tendo em
vista o curto tempo para a realização da pesquisa, o número de escolas a ser acom-
panhado pelas coordenações regionais e o tempo disponível para a realização da
visita a campo?

45
Decidiu-se realizar com os(as) estudantes um procedimento diferente daque-
le adotado com os(as) docentes e gestores(as) das escolas. Optou-se pela via do di-
álogo e da discussão com um pequeno coletivo de estudantes, e não pela realização
de entrevistas individuais ou grupos focais. Selecionou-se esse procedimento em
virtude das características e da diversidade do conjunto de discentes que participa-
ram da pesquisa, que abrange desde crianças pequenas da educação infantil, passan-
do por crianças, adolescentes e jovens do ensino fundamental, até jovens e adultos
do ensino médio e da EJA, com ou sem deficiência. Além disso, considerou-se o
curto período de tempo para a realização do trabalho e seus objetivos centrais. O
“grupo de discussão” seguiu as seguintes orientações gerais:
Ser composto por um total de 6 alunos: de preferência, 3 indicados pela dire-
ção da escola no contato inicial e 3 que poderiam ser selecionados pelos(as)
pesquisadores(as) durante a observação em campo. A seleção foi flexibilizada
de acordo com as condições do campo observadas pelas coordenações regionais.
Ser heterogêneo do ponto de vista de gênero, raça/etnia, idade, etapa de en-
sino, de acordo com as possibilidades do campo.
Ser realizado no final do período de observação em campo mediante agen-
damento prévio e autorização e consentimento por escrito da escola, dos
familiares e dos próprios estudantes.
Ter como elemento desencadeador da conversa alguma produção ou ativi-
dade realizada pelos próprios estudantes na perspectiva da Lei 10.639/03
(destaque para as práticas pedagógicas realizadas).
Selecionar e recolher produções dos estudantes ou atividades pelos próprios
pesquisadores(as) durante o trabalho de campo.
Tornar tais materiais e atividades elementos desencadeadores da discussão
em grupo.
Incluir no diálogo com os(as) estudantes a pergunta-chave: O que gostariam
de conhecer sobre a África? Por quê?
Solicitar aos estudantes narrativas e explicações sobre o modo como se envol-
veram, impressões, sentimentos, vivências e memória em relação à atividade
ou à produção selecionada.
Gravar em áudio os dados obtidos nos grupos com a colaboração de bolsistas
de iniciação científica, os quais também foram responsáveis pelo registro
escrito da dinâmica da atividade realizada.
Ter a duração de 1 hora no mínimo e 2 horas no máximo.

46
Em foco o contato com a comunidade e a formação continuada
Embora nem sempre o período de realização do trabalho de campo tenha
permitido uma observação detalhada da participação da comunidade e da realização
dos processos de formação continuada dos docentes, estes foram dois elementos
considerados importantes de serem abarcados in loco ou por meio das narrativas.
Dessa forma, durante a observação em campo, as equipes observaram se as
escolas incluíam eventos, festas, recitais poéticos, festivais, apresentação de danças e
folguedos afro-brasileiros, teatro, campeonatos e comemorações que assegurem a par-
ticipação da comunidade e as determinações da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes,
de forma que os conteúdos previstos se fizessem presentes nas atividades. Examinou
também se o calendário escolar incorporava datas consideradas importantes para a
discussão da questão afro-brasileira e africana, por exemplo, 21 de março: Dia Inter-
nacional pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação; 25 de maio: Dia da
Libertação da África; 13 de maio: Dia Nacional de Luta contra o Racismo; 25 de
julho: Dia da Mulher Negra Latino-Americana e do Caribe; 28 de setembro: Lei do
Ventre Livre; 20 de novembro: Dia Nacional da Consciência Negra.
Em relação à comunidade, observou-se a presença ou não de membros exter-
nos ao corpo de funcionários e equipes discentes e docentes no cotidiano da escola
(colegiado, participação das atividades escolares, ajuda na distribuição e confecção
da merenda, ajuda nas festas e comemorações), bem como a presença ou intercâm-
bios com associações comunitárias, grupos religiosos, grupos políticos, entidades do
Movimento Negro, comunidades-terreiro na escola.
Outro foco de atenção refere-se às ações de formação continuada dos
professores(as) das escolas participantes, na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para
o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, tais como: cursos de atua-
lização e de extensão, jornadas pedagógicas, encontros semanais, grupos de estudo,
entre outras. Ou ainda a participação dos docentes em cursos e atividades diversas
de formação continuada e em serviço (na própria escola, na Secretaria de Educa-
ção, nos NEABs, em ONGs e grupos culturais), além da contribuição de pessoas
da comunidade na organização de atividades de formação docente voltadas para a
temática étnico-racial (agentes culturais juvenis, lideranças comunitárias e religiosas,
oficineiros etc.).
As atividades extramuros, a participação da comunidade e a formação conti-
nuada apresentaram-se com níveis diferenciados nas 36 escolas. Não se pode dizer
que incidem com mais contundência em uma região do país do que em outra, mas

47
a pesquisa aponta que as escolas com maior articulação entre a gestão, o corpo do-
cente e o corpo discente tendem a apresentar resultados mais positivos em relação
a essas três dimensões do cotidiano escolar.
Cabe ressaltar que, nos limites desta publicação, não será possível apresentar
detalhadamente todos os elementos que se destacaram na observação das práticas
pedagógicas realizadas pelas 36 escolas-participantes. Portanto, no texto “As escolas
e suas práticas”, será apresentada uma síntese dos elementos centrais apontados
no trabalho de campo e que dizem respeito aos objetivos da investigação. Antes,
porém, de adentrarmos as escolas faz-se necessário um olhar sobre os sistemas de
ensino e a gestão da (na) diversidade. Este será o foco do próximo texto.

Referências

GOMES, N. L et al. Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na


escola. Belo Horizonte: UFMG, 2010 (Relatório de pesquisa).

UNESCO. Experiências inovadoras relativas à Implementação de Diretrizes Curri-


culares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e implementação da Lei n.º 10639/03. Brasília,
DF: UNESCO, [s. d.]. Mimeografado.

48
O processo de
institucionalização
da lei n.º
10.639/03

Rodrigo Ednilson de Jesus


Shirley Aparecida de Miranda

C
omo já foi dito, a primeira fase da pesquisa enfrentou o desafio de inven-
tariar a ocorrência de ações educativas e práticas pedagógicas no âmbito
da educação escolar pública brasileira, por meio da aplicação de ques-
tionários. A análise apresentada neste texto centra-se nos dados obtidos
a partir dos 39 questionários respondidos pelos gestores(as) dos sistemas estadual
e municipal de ensino. Especificamente, a análise confere centralidade ao grau de
institucionalização da Lei n.º 10.639/03 e interroga os(as) gestores(as) dos siste-
mas de ensino sobre sua abrangência – incorporação à cena e à agenda da política
educacional – e sua implementação, a instauração de um conjunto programático
voltado para o enraizamento de práticas pedagógicas para educação para as relações
étnico-raciais.
Inicialmente é traçado o perfil dos(as) gestores(as) que participaram como
informantes-chave dessa fase, a fim de situar os dados obtidos. A seguir, discute-se
a abrangência da Lei, a partir das seguintes categorias:

Número de escolas que desenvolvem trabalhos ou atividades voltados para a


educação das relações étnico-raciais e implementação da Lei n.º 10.639/03,
segundo indicações das Secretarias de Educação Estaduais e Municipais;
Formulação de medidas para o desenvolvimento da educação para as relações
étnico-raciais e o ensino da história e da cultura afro-brasileiras nas escolas;
Existência de núcleo, coordenação ou equipe específica responsável pelas
ações voltadas para a educação das relações étnico-raciais e implementação
da Lei n.º 10.639/03;
Fatores e instituições que contribuíram ou dificultaram o desenvolvimento
dessas medidas;
Investimento de recursos orçamentários próprios ou do MEC/FNDE para a
realização de ações de formação de professores na perspectiva da educação
das relações étnico-raciais e implementação da Lei n.º 10.639/03.
E, por fim, no que diz respeito à implementação ou incorporação da Lei, são
tomadas estas categorias:
A observação de aspectos relativos à regulamentação da Lei e das Diretrizes;
Incorporação dos conteúdos indicados na Lei n.º 10.639/03 no PPP das es-
colas;
Existência de representação da equipe gestora no Fórum Intergovernamental
de Promoção da Igualdade Racial e no Fórum Estadual de Educação e
Diversidade Étnico-Racial;
Dificuldades encontradas para efetivar a implementação da Lei n.º 10.639/03;
Mecanismos de incentivo utilizados no enraizamento de práticas pedagógicas
para educação para as relações étnico-raciais

Perfil dos(as) gestores(as) participantes


Antes de apresentar o perfil dos gestores que responderam ao questionário, é
preciso focalizar a taxa de retorno desse instrumento, de 19,7%. Vale lembrar que o
uso desse instrumento, nesta pesquisa, visava viabilizar a obtenção de informações
de um amplo conjunto de gestores(as), em âmbito nacional. No entanto, esse proce-
dimento trouxe algumas desvantagens, entre elas um índice de devolução menor do
que o esperado e a demora na devolução dos questionários. O índice obtido pode
ser avaliado positivamente quando se tomam padrões delineados em pesquisas de
cunho quantitativo.1 Destaca-se ainda que o retorno abaixo do esperado não foi im-
peditivo para a identificação de escolas públicas que realizam práticas pedagógicas
na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e orientadas por suas Diretrizes.

1 O índice obtido coloca cerca de 3 pontos percentuais acima do esperado em pesquisas que utilizam o
questionário autoaplicado com instrumento de coleta de dados (BOGEN, 1996).

50
Quando se toma o índice de retorno, observa-se que ele tende a ser pro-
porcionalmente maior no caso de gestores(as) de governos estaduais. Esse dado
pode indiciar algumas questões que merecem atenção em pesquisas futuras sobre a
incorporação e enraizamento de leis e diretrizes no campo educacional. Uma ques-
tão que se coloca é a capacidade dos gestores municipais de recolher e disseminar
informações sobre as questões centrais postas nesse instrumento. Outra questão diz
respeito à capacidade de desencadear no nível municipal políticas educacionais ou
de desenhar e implementar programas compatíveis com a Lei e suas Diretrizes, sem
a colaboração das Secretarias Estaduais.
Mais do que discutir os motivos que podem ter dificultado o retorno dos
questionários interessa aqui caracterizar os fatores que podem ter provocado os ato-
res a se debruçar sobre a tarefa. Durante a aplicação dos questionários, algumas
Secretarias fizeram contato com a Coordenação Nacional da Pesquisa indagando os
reais motivos da solicitação. Informadas pela equipe algumas prontamente respon-
deram, e outras não mais fizeram contato nem responderam à pesquisa. Importa
notar que nessa sondagem alguns gestores(as) e/ou seus assessores indagavam se a
sua situação de não implementação da Lei poderia acarretar sanções do Ministério
da Educação. Outros, ao contrário, perguntavam se o fato de o trabalho ser reali-
zado e/ou induzido pela gestão do sistema levaria a algum tipo de premiação ou à
vinda de recursos financeiros específicos para a Secretaria.
Sob esse prisma, o perfil dos(as) gestores(as) pode ajudar a interrogar ele-
mentos que facilitam ou dificultam a institucionalização da Lei n.º 10.639/03. A
visualização do perfil dos(as) gestores(as) que devolveram os questionários colabora
para contextualizar quem são aqueles(as) que se mobilizaram para essa tarefa.

Quem são os(as) gestores(as) participantes da pesquisa?


Compõem o perfil dos(as) gestores(as) participantes as seguintes caracterís-
ticas sociais e profissionais: (a) o tempo de trabalho no campo educacional; (b) a
idade; (c) o tempo de ocupação do cargo; (d) o nível de escolaridade; (e) o gênero;
(f ) o pertencimento étnico-racial. Em relação ao tempo de trabalho no campo edu-
cacional, verifica-se que a maior partes dos gestores estaduais e municipais exerce
atividades profissionais nesse campo há mais de 20 anos, como mostra a Tabela 1.

51
Tabela 1 – Tempo de trabalho na educação
Tempo em anos Total
Esfera de
atuação Mais de
1-5 6-10 11-20 Não respondeu
20

Estadual 2 0 2 10 0 14
Municipal 1 2 7 14 1 25
Total 3 2 9 24 1 39

Fonte: Questionários aplicados.

Observa-se ainda que são poucos os(as) gestores(as) com até 5 anos de ex-
periência profissional na educação, menos de 10%. Esse dado indica que iniciaram
recentemente suas atividades profissionais na educação e provavelmente sua entrada
no campo coincide com a ocupação de seus cargos, o que no conjunto é pouco
comum.
Quanto à idade, verifica-se maior concentração na faixa etária de 55 anos ou
mais. No entanto, no grupo de gestores(as) municipais encontramos 4 respondentes
na faixa entre 30 e 39 anos, indicando que alguns governos municipais contam com
Quadros profissionais mais jovens.
No que se refere à ocupação do cargo de secretário(a) de educação, a maioria
dos(as) gestores(as) de governos estaduais ocupava o cargo pela primeira vez (11);
nas Secretarias Municipais a frequência dividiu-se entre uma (13) e duas vezes (12).
O nível de escolaridade geralmente é uma condição valorizada na compo-
sição de Secretarias de Educação. No caso do grupo que respondeu à pesquisa a
composição consta na Tabela 2.

Tabela 2 – Nível de escolaridade


Nível de escolaridade
Ensino Espe- Não
Esfera de Ensino Mestra- Douto-
supe- ciali- respon- Total
atuação médio do rado
rior zação deu
Estadual 0 1 3 4 6 0 14
Municipal 2 2 12 4 4 1 25
Total 2 3 15 8 10 1 39

Fonte: Questionários aplicados.

52
Chama atenção o fato de que alguns governos municipais possuem Quadros
com escolaridade em nível médio, especialmente quando se tomam as competências
de caráter administrativo-financeiro e as referentes ao desenho e à implementação de
políticas e programas educativos condizentes com a gestão de Secretarias de Educa-
ção. Esse fato pode indicar que em alguns municípios a seleção de gestores(as) passa
por outros critérios que não a escolarização ou o tempo de atuação no campo edu-
cacional, como já comentado. Provavelmente os critérios utilizados sejam de ordem
política, político-partidária ou de alianças entre partidos políticos. Também chama
atenção o fato de que a maior parte desse conjunto tem alto nível de escolarização: o
ensino superior e a pós-graduação em nível de especialização ou lato sensu. No entan-
to, sabe-se que a formação em nível superior não é condição para a institucionalização
da Lei n.º 10.639/03 e de suas Diretrizes, especialmente quando se considera que o
tema das relações étnico-raciais no campo educacional integrou-se recentemente de
forma oficial ao cenário acadêmico, à agenda política e ao debate público.
No conjunto de gestores(as) participantes, verifica-se um número maior de
representantes do sexo masculino na esfera estadual: 64% são homens e 36% são
mulheres. Essa relação se inverte no caso da esfera municipal, na qual a participa-
ção de mulheres é um pouco mais elevada: 68% são mulheres e 28% são homens.
Infere-se desses dados que, quando se trata de um nível macropolítico, como é o
caso dos cargos ocupados por gestores(as) nas Secretarias Estaduais de Educação, os
efeitos generificados das relações de poder se fazem sentir mais diretamente.
Quanto ao pertencimento étnico-racial dos(as) gestores(as), verificou-se que
a maioria se declara branca, como mostra a Tabela 3.

Tabela 3 – Pertencimento étnico-racial dos (as) secretários(as)


Cor/raça1 Não
Esfera de atuação Total
Branco Pardo Preto respondeu

Estadual 11 3 0 0 14
Municipal 17 2 5 1 25
Total 28 5 5 1 39

Fonte: Questionários aplicados.

Pode-se supor que a presença de gestores(as) negros(as) poderia significar


maior sensibilidade ao tema, à sua inserção na agenda pública, bem como uma ação
mais efetiva no sentido de implementar a Lei e suas Diretrizes nas unidades escola-
res. No entanto, os dados auferidos não permitem verificar essa hipótese.

53
Os dados demonstram que na esfera estadual nenhum gestor(a) se declarou
negro(a), e na esfera municipal apenas 20% declararam-se negros(as). Esses dados
corroboram as desigualdades observadas na ocupação de posição de poder no Es-
tado por pessoas negras no Brasil. Os indicadores sociais revelam que as desigual-
dades de gênero e de raça potencializam os mecanismos de exclusão. A pregnância
do legado cultural escravocrata e patriarcal repercute gravemente nas oportunidades
de acesso aos serviços públicos, aos postos de trabalho, às riquezas e às instâncias
de poder e decisão. Tomando-se o aspecto individual, pode-se interrogar se, entre
os(as) participantes da pesquisa, houve dificuldades de lidar com a autodeclaração e
reconhecer o pertencimento racial. Caso se considere de outro modo o aspecto so-
cial das relações de poder, pode-se perguntar se existe uma superseleção das pessoas
que compõem esses postos de poder. De todo modo, o pertencimento étnico-racial
dos(as) gestores(as) parece não interferir na sua participação na pesquisa.

Indicadores de abrangência da Lei n.º 10.639/03 e suas


Diretrizes
Retomando, considera-se para fins de análise como indicadores que informam
sobre a abrangência da Lei n.º 10.639/03 e incorporação de suas diretrizes nos sis-
temas de ensino o número de escolas que desenvolvem ações para educação das re-
lações étnico-raciais e o ensino da história e cultura afro-brasileiras, a formulação de
medidas para o desenvolvimento dessas ações, a institucionalização, no âmbito das
Secretarias de Educação, de núcleos, coordenadorias ou equipes responsáveis por esse
tema e ações. Além disso, foram verificados fatores e instituições que contribuíram ou
dificultaram o desenvolvimento das medidas formuladas por esses atores.

Medidas adotadas para o desenvolvimento de uma


educação voltada para as relações étnico-raciais
Para fins de análise, a indicação de medidas tomadas pelas Secretarias de Educa-
ção para que se desenvolva uma educação para as relações étnico-raciais na escola revela
em diferentes graus a institucionalização da Lei nesses âmbitos. Segundo os dados, do
conjunto de 39 respondentes, 92,3% afirmaram desenvolver medidas nessa perspectiva.
Vale lembrar que a seleção das Secretarias Municipais de Educação participantes tomou
como critério a declaração de desenvolvimento de tais medidas no relatório PAR, o
que circunscreve uma situação positiva por parte desses municípios em relação à efeti-
vação da Lei e incorporação das Secretarias Estaduais em sua totalidade. Somente três

54
Secretarias Municipais de Educação representadas na pesquisa declararam não adotar
medida alguma. Para elas, a participação na pesquisa pode representar a primeira apro-
ximação e o interesse de incorporar essa temática ao plano de ações municipais.
Das Secretarias de Educação que declararam adotar medidas de desenvolvi-
mento da educação para as relações étnico-raciais, 56% indicaram apenas uma me-
dida. No conjunto das respostas observou-se a prevalência de dois tipos de medidas:
a celebração anual do Dia da Consciência Negra (11) e a organização de equipes
com funções específicas para lidar com a temática (24).
Sobre essas medidas valem algumas considerações. Em relação à celebração
anual do Dia da Consciência Negra, trata-se de uma medida que dissemina a temá-
tica na cena pública e confirma a observância do artigo 79-B da Lei n.º 10.639/03.
Contudo, isoladamente, a celebração dessa data pode assumir o caráter de acon-
tecimento e perder seu potencial formativo. Em relação à organização de equipes
responsáveis pela incorporação e tratamento temático nos âmbitos das Secretarias
de Educação, trata-se de uma medida que figura no Plano Nacional de Implementa-
ção das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, como atribuição dos
sistemas estaduais e municipais. Essa informação auferida pelo instrumento é um
fato relevante, que merece ainda investigação e análise do potencial de incorporação
e desenvolvimento de ações educativas a partir dessas equipes e de sua instituciona-
lidade no âmbito da gestão dos sistemas de ensino.
Os dados coletados permitem ainda observar alguns elementos característicos
dessas equipes. O tempo de existência dessas equipes ou instâncias pode sinalizar
continuidade de ações e sua incorporação no conjunto de políticas educacionais.
Podem ser consideradas recentes e instituídas em decorrência da Lei as 33 Secreta-
rias que têm equipes constituídas entre 2 e 5 anos. Chama atenção a ocorrência de
equipes, núcleos ou coordenações com mais de 7 anos, por 2 Secretarias Municipais,
o que revela a existência de medidas anteriores à promulgação da legislação. E, em
contrapartida, há 2 Secretarias Estaduais que adotaram essa medida há menos de 2
anos, o que pode revelar uma ação no âmbito da gestão incipiente ou inicial.
No caso das Secretarias que indicaram a existência de equipes, pesquisou-se
sobre suas atribuições educativas, focalizando o acompanhamento pedagógico das
práticas educativas. Nem todas as Secretarias que constituíram equipes responsáveis
pela educação das relações étnico-raciais adotam o acompanhamento pedagógico
das escolas como estratégia, como mostra a Tabela 4.

55
Tabela 4 – Acompanhamento pedagógico

Acompanhamento pedagógico pelas equipes, núcleos


Esfera de atuação Total
ou coordenações

Realiza Não realiza


Estadual 9 1 10
Municipal 3 11 14
Total 12 12 24
Fonte: Questionários aplicados.

Como se pode depreender, o acompanhamento pedagógico é uma estra-


tégia que integra a política das Secretarias Estaduais, porém o mesmo não ocorre
nas Secretarias Municipais. Levando em conta que a primeira ação indicada para
os sistemas de ensino estaduais e municipais no Plano de Implementação da Lei
n.º 10.639/03 é o apoio às escolas, é preocupante a baixa ocorrência de equipes na
gestão municipal que acompanham o trabalho pedagógico. Esse dado corrobora a
observância de maior fragilidade nos municípios diante da atribuição pedagógica
dessas equipes e propõe a interrogação sobre o alcance das estratégias adotadas na
institucionalização da Lei. Propõe também a indagação sobre as condições de tra-
balho das equipes instituídas: se elas constituem um número razoável de integrantes
para fazer frente ao trabalho de apoio e acompanhamento das escolas; se elas se de-
dicam exclusivamente ao trabalho com a Lei n.º 10.639/03 ou se elas se dispersam
cuidando das várias expressões da diversidade e até mesmo de temáticas outras que
não estejam necessariamente ligadas à questão racial. Tais indagações demandam
um trabalho de pesquisa mais aprofundado sobre o tema.

Fatores que contribuíram para a adoção de medidas para


a implementação da Lei n.º 10.639/03
“A necessidade de cumprir o que determina a Lei n.º 10.639/03” (questão 16.3)
é indicada pela maior parte dos(as) gestores(as) (28) como fator que contribui para a
adoção de medidas para incorporar e desenvolver uma educação para as relações étni-
co-raciais. O mesmo comportamento é observado em relação ao empenho pessoal de
dirigentes na implementação da Lei, quando somado às indicações de governadores/
prefeitos e secretários. Em comparação a este, chama atenção a frequência com que o
item “reconhecimento da diversidade como questão importante no estado/município”
foi indicado, atingindo 22, o que pode expressar a persistência de vínculos individuais

56
na implementação de políticas e o baixo grau de incorporação da temática no âmbito
das políticas educacionais locais.
Além das alternativas disponíveis, os respondentes puderam indicar outros
fatores que contribuíram na adoção de medidas para implementação da Lei. Cinco
indicaram o Movimento Negro, como o ator social que impactou a adoção dessas
medidas. Embora com frequência inferior, o fato de esses gestores indicarem espon-
taneamente revela a atribuição de importância social a esses grupos.
Outro fator indicado como favorável à adoção de medidas são as parcerias.
Com maior frequência são indicados como tributários dessa adoção os NEABs
(18), as organizações do Movimento Negro (17), as ONGs (14), o MEC/SECADI
(13) e grupos culturais (12). Esses atores parecem ter um papel fundamental para
que as políticas locais se conectem às políticas educacionais e à garantia de uma
educação para as relações étnico-raciais. Com menor frequência, foram indicados
familiares (6) e grupos religiosos (2).
Além desses parceiros, a Secretaria Estadual de Cultura e Cidadania e o
Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra foram indica-
dos como tributários da atenção à temática e à adoção dessas medidas, o que indica
a articulação intersetorial nesses casos. As ações afirmativas nessas Secretarias ex-
trapolam o campo educacional e ganham terreno no campo das políticas públicas.

Fatores que dificultaram a adoção de medidas para


implementação da Lei n.º 10.639/03
A questão 16.5 – “Quais os dois motivos principais de não ter sido toma-
da nenhuma medida para o desenvolvimento da educação para as relações étnico-
-raciais e o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” – era uma
opção válida somente para as Secretarias que não adotaram nenhuma medida nesse
âmbito. Entretanto, 10 Secretarias, entre as que adotaram pelo menos uma medida,
responderam à questão. Esse fato parece sinalizar o reconhecimento de insuficiência
das medidas desencadeadas e a insistência em indicar as dificuldades encontradas,
as quais deverão ser consideradas pelo MEC como órgão responsável não só pela
indução, mas também pela garantia de condições para a implementação da Lei em
âmbito nacional.
O fator de dificuldade que alcançou maior incidência foi a falta de informa-
ção sobre o tema (10). Conjugada com as estratégias de formação desenvolvidas e
as publicações divulgadas pela SECADI/MEC, a recorrência à falta de informação

57
é um dado que merece atenção. Faltam informações para quem? Para os gestores,
para os professores ou para a comunidade? Quais informações faltam e de que tipo?
A falta de recursos didáticos específicos foi o segundo indicador de difi-
culdade (7). Vale recorrer às considerações a esse respeito contidas no documento
Avaliação Final do Programa Diversidade na Universidade, de 2008. Em relação ao
componente “desenvolvimento de insumos para uma política de inclusão social”,
as apreciações gerais sobre as publicações apresentam a existência de “uma crítica
geral, apontada inclusive pela equipe do Diversidade, a respeito da linha editorial
contemplada que não atende a uma demanda muito definida que é instrumentos
práticos para a aplicação em sala de aula” (BRASIL, 2008, p. 18). Ressaltou-se que
a maioria dos livros didáticos publicados pelo Programa teve como foco a educação
quilombola. A maior ênfase recaiu sobre o mapeamento de estratégias e programas
e a análise e propostas de políticas. Considerou-se que o peso diferenciado entre o
material de apoio aos professores(as) e a produção de caráter analítico estava acordo
com a própria proposta do Programa, que era criar subsídios para propor e imple-
mentar políticas públicas. Concluiu-se que:

Os materiais didáticos, embora fundamentais, devem ser adequados às reali-


dades regionais e locais e não se podem constituir em uma responsabilidade
do MEC. Os livros sobre a comunidade Kalunga, que têm uma aplicação
prática apenas para a comunidade, servem mais como um exemplo de mate-
rial didático que se pode construir, do que propriamente como prática de uma
política do MEC. Já o livro Orientações e Ações para a Educação das Relações
Étnico-Raciais proporciona as linhas gerais e abre possibilidades de criação
do/a próprio/a professor/a. (BRASIL, 2008, p. 18).

As respostas obtidas no questionário levam à indagação acerca da capacidade


das Secretarias de produzir o próprio material, considerando a avaliação de adequa-
ção da abordagem e do conteúdo às realidades locais e regionais. As respostas pa-
recem indicar uma expectativa de que esse material específico seja produzido para,
e não pelas Secretarias.
A falta de recursos financeiros foi o terceiro indicador de dificuldade. Das 39
Secretarias, apenas 11 indicaram o recebimento de recursos do MEC/FNDE para a
realização de ações de formação de professores na perspectiva da Lei n.º 10.639/03.
É importante o esclarecimento sobre quais foram os recursos destinados às Secreta-
rias e de que forma puderam ser acessados.

58
Quanto à previsão no orçamento de recursos para a Secretaria aplicar na
educação das relações étnico-raciais na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, apenas 14
responderam positivamente. Esses dados corroboram a necessidade do investimento
de recurso orçamentário por parte do governo federal, ação que não figura no Plano
Nacional de Implementação.
Entre as dificuldades apontadas, duas obtiveram frequência baixa, porém re-
levante: 2 Secretarias indicaram que o trabalho com a Lei e suas Diretrizes não é
prioridade. É interessante obter mais elementos que permitam concluir por que o
tema não é prioritário. Esse dado pode sinalizar a necessidade de outras estratégias
que afirmem o papel indutor do governo federal nessa matéria. Do mesmo modo,
a indicação de informação insuficiente sobre processo de regulamentação pode en-
gendrar medidas que subsidiem as Secretarias.
Indicadores de incorporação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes às políti-
cas das Secretarias Estaduais e Secretarias Municipais pesquisadas
Para fins de análise, serão observados os seguintes indicadores que demons-
tram a extensão e a incorporação da Lei n.º 10.639/03 e suas diretrizes nas políticas
municipais e estaduais representadas nesta pesquisa: (a) a observação de aspectos
relativos à regulamentação; (b) a incorporação de conteúdos indicados na Lei no
projeto pedagógico das escolas; (c) a representação de gestores(as) e outros atores no
Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial e no Fórum Estadual
de Educação e Diversidade Étnico-Racial. Além disso, verificaram-se as dificulda-
des encontradas para efetivar a implementação da Lei e os mecanismos de incentivo
indicados pelos gestores que participaram da pesquisa.

Instauração e regulamentação da Lei n.º 10.639/03 e suas


Diretrizes
O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-brasileira e Africana estabelece como ação prioritária para o fortalecimen-
to do marco legal a regulamentação das Leis n.º 10.639/03 e n.º 11.645/06 no
âmbito de Estados, municípios e Distrito Federal (Quadro 2). Os dados obtidos
nesta pesquisa demonstram o frágil alcance dessa proposição.

59
Quadro 2 – Estados e Municípios que regulamentaram a Lei n.º 10.639/032

Local Região
1 Estado do Mato Grosso do Sul CO
2 Município de Campo Grande, MT CO
3 Estado da Bahia NE
4 Estado de Sergipe NE
5 Estado de Roraima NO
6 Estado do Acre NO
7 Estado do Amazonas NO
8 Estado do Tocantins NO
9 Estado do Paraná S
10 Município de Maringá, PR S
11 Estado do Espírito Santo SD
12 Município de Belo Horizonte, MG SD
13 Município de Ribeirão Preto, SP SD
14 Município de Rio de Janeiro, RJ SD

Fonte: Questionários aplicados.

Novamente verifica-se que as Secretarias Estaduais estão em melhor situa-


ção. Vale considerar que nem todos os municípios constituíram sistema de ensino, o
que interfere em sua possibilidade de regulamentação da Lei. Porém, esse dado não
foi auferido pelo instrumento.
Sobre o documento oficial no qual foi publicada a regulamentação, dois
municípios forneceram informações que evidenciam desconhecimento da matéria.2
No que se refere à existência de diretrizes que contemplam a educação das
relações étnico-raciais e o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
(questão 18), a situação não se diferencia substancialmente, como se pode ver no
Quadro 3.

2 No caso do Município do Rio de Janeiro indicou-se o documento História e Culturas Africanas, Afro-
-Brasileiras e Indígenas, publicado em 17 de dezembro de 2008, no Rio Estudos Diário do Município do
Rio de Janeiro; no caso de Ribeirão Preto citou-se o Projeto Baobá, divulgado em fevereiro de 2005 na
imprensa oficial.

60
Quadro 3 – Estados e Municípios que possuem diretrizes curriculares que
contemplem a Lei n.º 10.639/03

Local Região
1 Município de Campo Grande (MT) CO
2 Estado de Sergipe NE
3 Município de Horizonte NE
4 Município de Natal (RN) NE
5 Estado do Acre NO
6 Estado do Amapá NO
7 Estado do Amazonas NO
8 Estado do Tocantins NO
9 Município de Manaus (AM) NO
10 Município de Curitiba (PR) S
11 Município de Maringá (PR) S
12 Município de Pranchita (PR) S
13 Estado do Espírito Santo SD
14 Município de Belo Horizonte (SP) SD
15 Município de Cabo Frio (SP) SD
16 Município de Itaguaí (RJ) SD
17 Município de Ribeirão Preto (SP) SD
18 Município de Rio de Janeiro (RJ) SD

Fonte: Questionários aplicados.

Nesse caso, é observável a presença mais evidente de Secretarias Municipais.


Uma hipótese a ser considerada é que a composição de diretrizes, sobretudo as
Diretrizes Curriculares, obedece a um trâmite mais ágil e mais próximo do âmbito
da Secretaria, ao passo que a regulamentação envolve outras instâncias delibera-
tivas, como Conselhos de Educação. É possível ainda supor que as diretrizes que
contemplem a Lei n.º 10.639/03 não se circunscrevam a um documento específico
e podem compor um conjunto mais geral de proposições para a rede de ensino. A
redação da questão favoreceu a consideração de qualquer tipo de proposição e, nesse
caso, não há como aferir qual modelo tem sido adotado.
A referência aos documentos utilizados para planejar e desenvolver o ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (questões 19 e 19.1) complementa a
problematização desse Quadro: 8 Secretarias informaram que não utilizam nenhum

61
documento.3 Esse cômputo não coincide com a declaração de que não desenvolvem
nenhuma medida voltada para a educação na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 (3).
Parece razoável supor que, embora a Lei defina claramente em seu artigo 26-A que o
ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana é conteúdo obrigatório, essa
é considerada uma entre outras medidas que podem ser adotadas.
Os documentos de referência são a Lei n.º 10.639/03 (26 frequências) e as
Diretrizes Curriculares Nacionais (25 frequências). Apenas três Secretarias fizeram
referência a publicações do MEC. Houve uma referência à deliberação do Conselho
Estadual de Educação e uma à proposta pedagógica elaborada pelo município.
O instrumento de pesquisa levou em conta a possibilidade de alterações na
proposta curricular no intuito de contemplar as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais (questão n.º 20). Nesse caso, 24 Se-
cretarias declararam que procederam a alterações, ao passo que onze não produzi-
ram nenhuma alteração. É importante verificar em que etapas e em que modalida-
des da educação básica essas modificações incidiram, como evidencia a Tabela 5.

Tabela 5 – Alterações na proposta curricular

Modalidade Indicações (N)


Educação Infantil 12
Ensino Fundamental 23
Ensino Médio 12
Educação de Jovens e Adultos 14
Educação Especial 3
Magistério 1
Educação Profissional e Tecnológica 1

Fonte: Questionários aplicados.

A leitura do resultado precisa levar em conta que as modalidades de educação


profissional e tecnológica, magistério e educação indígena compõem ofertas menos
frequentes. O mesmo pode ser dito acerca do ensino médio, cuja oferta não é obri-
gatória e ocorre prioritariamente nas redes estaduais de ensino. Embora se admita
que a oferta universalizada de educação restringe-se ao ensino fundamental, chama
atenção a discrepância entre a incidência de alterações curriculares nesse nível de

3 Municípios de Caiapônia (GO), Cocalzinho de Goiás (GO), Tacuru (MS), Rialma (GO), Ponta Grossa (PR),
Boa Vista (RR), Juara (MT) e Estado de Roraima.

62
ensino em relação aos outros níveis e modalidades. No caso da educação infantil
pode-se considerar que essa etapa não é citada na Lei, embora o seja no Plano Na-
cional de Implementação da Lei.

Suporte para práticas pedagógicas


O monitoramento das potencialidades e dificuldades enfrentadas na base da
implementação da Lei é tarefa crucial para institucionalização. Nesse caso, o per-
centual de escolas que incorporam os conteúdos indicados na Lei n.º 10.639/03 no
seu projeto pedagógico (questão 27) deveria ser objeto de análise das Secretarias
(Tabela 6).

Tabela 6 – Percentual de escolas que incorporam os conteúdos indicados na


Lei n.º 10.639/03 no seu projeto pedagógico, segundo as Secretarias Estaduais e
Municipais de Educação

Frequência ou n.º
Faixa Localidades/escolas
de indicações (?)
Rialma (4 escolas), Cocalzinho de Goiás (11
0 2
escolas)
Até 10% 5 Rio Branco, Solânea, Maranhão, Macapá
De 11% a 30% 3
De 31% a 50% 3 Manaus, Cabo Frio, Tacuru
De 51% a 70% 2
De 71% a 90% 4 Salvador, Belo Horizonte, Juara
Maringá (42 escolas), Itaguaí (35 escolas), Caia-
pônia (11 escolas), Ribeirão Preto (89 escolas),
De 91% a 100% 13 Amargosa (36 escolas), Apuiarés (17 escolas),
Horizonte (28 escolas), Ponta Grossa (83 escolas),
Pranchita (6 escolas), Curitiba

Fonte: Questionários aplicados.

A indicação de 91% a 100% é a mais frequente. É razoável supor que nos casos
em que o número de escolas é alto, e isso eleva também a exigência de acompanha-
mento para lograr condições de aferir esse dado, trata-se de uma resposta estimada.
As Secretarias que indicaram o percentual zero estão numa situação preocupante e
merecem acompanhamento mais detido imediatamente.
Ainda em relação ao suporte para as práticas pedagógicas na perspectiva da
Lei n.º 10.639/03, 22 Secretarias afirmaram desenvolver mecanismos de incentivo

63
para que as escolas incorporem o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana ao seu projeto pedagógico. Entre as estratégias, a realização de eventos de
troca de experiência recebe o dobro de frequência em relação à segunda opção mais
pontuada, como demonstra a Tabela 7.

Tabela 7 – Mecanismos de incentivo utilizados pelas Secretarias

Mecanismos Indicações (N)


Eventos de troca de experiência 10
Prêmios 5
Concursos 3
Publicações em livros ou revistas 3
Outros 2

Fonte: Questionários aplicados.

Há outros mecanismos indicados espontaneamente nos questionários. São eles:


Apoio financeiro a projetos pedagógicos com inclusão da questão no currí-
culo (MT);
Formação de professores/distribuição de material didático-pedagógico (MA);
Inclusão do tema no plano de trabalho anual do professor (Solânea, PB);
Parceria com a Universidade Federal do Recôncavo Baiano para a roda de
formação na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 (Amargosa, BA);
Exibição de filmes (Cabo Frio, RJ);
Realização de simpósios (Maringá, PR).
Integra esse campo de suporte para as práticas a informação sobre as dificul-
dades que as Secretarias encontram para que se tornem efetivas nas escolas a edu-
cação das relações étnico-raciais e a implementação da Lei n.º 10.639/03. A Tabela
8 apresenta essas informações.

64
Tabela 8 – Dificuldades das Secretarias para efetivar a implementação da Lei nas
escolas

Dificuldades Indicações (N)


Falta de informação sobre o tema 8
Falta de recursos didáticos 10
Falta de recursos financeiros 7
Resistência da comunidade escolar 11
Resistência de mães/pais 2
Falta de apoio por parte de setores internos
1
à Secretaria
Outras 6

Fonte: Questionários aplicados.

As dificuldades apresentadas para a implementação da Lei não diferem subs-


tancialmente daquelas indicadas para o desenvolvimento de medidas para a educação
étnico-racial. A alegação de falta de informação, de recursos didáticos e financeiros
permanece preocupante. A alta frequência observada na “falta de informação sobre o
tema” dessa vez aparece mais claramente referida à escola, o que corrobora a proble-
matização anterior. Nessa questão aparece com mais vigor a resistência da comunidade
escolar, que, aliada à resistência de mães/pais, configura a maior frequência. Leve-se
em conta que a adoção de políticas de ação afirmativa se depara com representações e
mentalidades que sustentam preconceitos e reforçam discriminações. Podemos supor
que as resistências se devem aos efeitos da naturalização das diferenças transpostas
em desigualdades.
Também em relação às dificuldades apresentadas, vale conferir as inscrições
no campo “outras”. Os respondentes ou gestores participantes também indicaram
espontaneamente outras dificuldades:

“Os(as) professores(as), em sua maioria, que estão em atividade não tiveram


em sua formação acadêmica os conteúdos de História e Cultura Afro-Bra-
sileira (SP)”.
“Falta de um apoio mais efetivo por parte do MEC/SECADI, SEPPIR, Fun-
dação Palmares, MINC, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República e demais órgãos, que, normalmente, não definem ações pactuadas
com as Secretarias de Educação para capacitar profissionais, produzir materiais

65
pedagógicos, etc. deixando essa responsabilidade às universidades públicas, que
no caso do Amapá são totalmente ineficazes para nos dar esse tipo de apoio”.
“Resistência de alguns profissionais da educação” (Belo Horizonte).
“Apesar da formação continuada, ainda possuem dificuldades em trabalhar
com o tema, o que é reforçado ainda pela ausência de material específico,
os recursos didáticos” (Amargosa).

Sobre a participação de representantes das Secretarias no Fórum Intergoverna-


mental de Promoção da Igualdade Racial (FIPPIR), a presença verificada foi baixa:
apenas dez Secretarias (seis municipais e quatro estaduais)4 tomam parte dessa instân-
cia. Sobre esse pequeno percentual é possível formular algumas perguntas: Esse índice
deve-se ao baixo nível de informação sobre o fórum da SEPPIR e sua função? Ou se
relaciona às condições dos gestores(as) e suas equipes para tal participação? É razoável
supor que as condições de participação não são as mesmas para Secretarias que pos-
suem um núcleo específico e para aquelas que não o possuem. Mas pode-se também
considerar que a forma de funcionamento desses núcleos ou equipes pode facilitar ou
dificultar um envolvimento com instâncias intersetoriais, o que merece investigação.
Sobre a presença de representantes das Secretarias no Fórum Estadual de
Educação e Diversidade Étnico-Racial, a frequência se ampliou: são 24 Secretarias
que participam dessa instância.5 No relatório Avaliação Final do Programa Diversi-
dade na Universidade (MEC/SECAD, 2008b) consta a informação de que um dos
resultados da realização de 21 Fóruns estaduais entre 2004 e 2005 foi a constitui-
ção de 18 Fóruns Permanentes nos seguintes Estados: Alagoas, Amapá, Amazonas,
Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará,
Paraná, Piauí, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, São
Paulo, Tocantins.6 Segundo esse documento, 16 Fóruns têm representações ativas.
As considerações contidas no Relatório revelam que as principais dificuldades para
realização dos Fóruns referem-se à articulação política com as Secretarias Estaduais
de Educação:

4 Municípios de Rio Branco (AC), Salvador (BA), Ribeirão Preto (SP), Belo Horizonte (MG), Pranchita (PR),
Curitiba (PR) e os estados da Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Tocantins.
5 Os municípios que declararam não participar são Maringá (PR), Itaguaí (RJ), Caiapônia (GO), Cocalzinho
de Goiás (GO), Tacuru (MS), Rialma (GO), Apuiarés (CE), Ponta Grossa (PR), Boa Vista (RR), Juara (MT),
Solânea (GO), Rio de Janeiro (RJ). O estado de Roraima declarou não possuir representantes, mas a
questão não se aplicava, pois o Estado não possui o Fórum.
6 Não foram instituídos fóruns permanentes nos seguintes Estados: Acre, Roraima, Ceará, Paraíba, Per-
nambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe, Mato Grosso, Espírito Santo.

66
Segundo vários entrevistados, a questão étnico-racial não era priorizada e não
havia um comprometimento político e prático. Entre outros aspectos, aponta-
-se a pouca ou nenhuma alocação de recursos não só para os fóruns, mas para
a implementação de ações que surgem como desdobramento. A tendência a
pensar políticas educacionais com viés universalista contribuiu muito para essa
ausência de comprometimento. Também houve a dificuldade de encontrar in-
terlocutores nas Secretarias que tivessem conhecimento da questão e poder de
decisão. O desconhecimento da Lei n.º 10.639, especialmente por parte dos
gestores, também se constituiu um obstáculo. (BRASIL, 2008b, p. 28).

O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais


para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana estabeleceu como função dos Fóruns Estaduais e Mu-
nicipais de Educação e Diversidade o acompanhamento e monitoramento da im-
plementação da Lei n.º 10.639/02. Nesse sentido, a observância da presença de
representantes das Secretarias nesses fóruns é indicativa da viabilidade da estraté-
gia de avaliação processual.

Considerações sobre a institucionalização da Lei n.º


10.639/03
O conjunto de dados levantados indica que ainda é baixo o grau de insti-
tucionalização alcançado pela Lei n.º 10.639/03. Além da pequena proporção de
medidas adotadas pelas Secretarias, a inexistência de regulamentação da Lei e pro-
moção de Diretrizes corrobora essa afirmação. A alegação de falta de informação,
de investimento orçamentário e a insistência em revelar dificuldades podem figu-
rar como justificativas para a ausência de empenho das Secretarias, que viram no
instrumento de pesquisa uma forma de avaliação da gestão. Mas podem significar
também a percepção de uma chance para receber apoio para a implementação da
Lei. Prefere-se considerar que as Secretarias que atenderam à pesquisa demonstram
interesse pelo tema.
Considerando o alcance das medidas adotadas e as dificuldades arroladas pe-
las Secretarias, acredita-se que se está diante de um processo de implantação da Lei
n.º 10.639/03 e ainda distante da sua necessária implementação. Ou seja, trata-se
de uma etapa de introdução, inauguração de um campo ainda não estabelecido, que
carece de fixação e enraizamento. Talvez por isso tenha-se notado distância entre

67
aquilo que é executado nas Secretarias e as indicações contidas no Plano Nacio-
nal de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana. O termo “implementar” significa dar execução a um plano, programa ou
projeto, levar à prática por meio de providências concretas, programar, prover. Não
se observa, no entanto, a existência desse conjunto programático nem mesmo nas
Secretarias que possuem equipe específica responsável para isso.
A análise dos 39 questionários indica a necessidade de “passar da implan-
tação para a implementação”, sobretudo em um contexto em que figura um Plano
Nacional visando tal tarefa. Indica também a necessidade de maior aproximação e
conhecimento dos dilemas, dificuldades, resistências vividos pelos sistemas de ensi-
no no que se refere ao cumprimento da Lei n.º 10.639/03. Para isso, uma aproxi-
mação do MEC com os gestores dos sistemas de ensino aponta-se como necessária.
As informações aqui produzidas indicam aspectos importantes para a compre-
ensão dos limites de abrangência e ampliação no sentido de institucionalização da Lei.
O primeiro desses aspectos é a característica de ação afirmativa contida nessa legislação,
o que pode esclarecer sobre o grau de importância que lhe é atribuída e a resistência
identificada pelas Secretarias que se debruçaram sobre a tarefa de atender à pesquisa.
O reconhecimento da estrutura do racismo e dos dispositivos que a sustentam
implica dificuldades relativas à desconstrução das representações e mentalidades que na-
turalizam preconceitos e reforçam discriminações. Ultrapassar essa barreira exige leitura
das formas de manifestação de resistência à introdução das questões étnico-raciais no
aparato educativo e normativo. Nesse contexto é preciso entender a sinalização dos(as)
gestores(as) de que a resistência da comunidade escolar é um dos maiores entraves à
implementação da Lei. Essa indicação traz implícita a necessidade de consolidar argu-
mentos para a ampliação da compreensão dos processos históricos de transformação
dos diferentes em desiguais. Qual é o peso do mito da democracia racial nesse processo?
As ações afirmativas recebem críticas que se concentram na reiteração das
políticas universalistas como forma de combater as disparidades. Esse fator talvez
explique as considerações que sinalizam que a implementação da Lei n.º 10.639/03
não se coloca como prioridade das Secretarias de Educação. Essa problemática pode
ser conferida também no baixo índice de dotação orçamentária específica, mesmo
entre os municípios em que essa inscrição figurava no PAR. Portanto, é razoável
considerar que a implementação da Lei n.º 10.639/03 com suas características de
ação afirmativa, e não de medida educacional circunscrita à inserção de um com-
ponente curricular, exige uma combinação de dispositivos políticos que ultrapassem

68
a tendência observada no campo das políticas educacionais brasileira de realizar
reformas por meio de leis, com prevalência de incorporação parcial dos textos legais.
Isso resulta numa forma gradual de implementação, justificada por razões de ordem
prática, financeiras e político-ideológicas.
Em primeiro lugar é importante considerar que o grau de institucionalização
precisa afastar-se da ação individual de militantes que ingressam nas Secretarias e
demais espaços de deliberação. Isso não significa distanciamento dos movimentos
sociais, particularmente do Movimento Negro, indicado inclusive como ator prin-
cipal na implantação da Lei. É fundamental o reconhecimento da identidade e do
pertencimento cultural dos grupos sociais, o que significa partir das demandas que
as reconheçam como direito. Para isso, é importante reforçar a presença institucio-
nal dos grupos em processos de formulação política e deliberação.
Ainda na dinâmica de abrangência da Lei, é preciso considerar que uma po-
lítica de ação afirmativa tem um caráter intersetorial e interdisciplinar; além disso,
exige um grau elevado de articulação política. As poucas indicações aferidas nos
questionários nesse sentido sinalizam a interlocução com Conselhos, com outras
Secretarias (Direitos Humanos, Cultura) e uma lacuna na articulação mais ampla
com as instâncias do poder público. Nesse sentido, revela-se estratégica a articulação
com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), com a União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), com os Fóruns Es-
taduais e o Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial (FIPPIR),
além do diálogo permanente com o poder judiciário.
Ao lado dos mecanismos de articulação revelou-se importante reforçar os
dispositivos institucionais tradicionais. Nesse caso, a regulamentação da Lei n.º
10.639/03 precisa ser observada. É importante considerar, a título de exemplo, o
caso de autuação de ação civil pública em que o Ministério Público de Minas Ge-
rais denuncia o Estado de Minas Gerais e o município de Uberlândia por ausência
de implementação da Lei Federal n.º 10.639/03. Essa situação reforça a prerrogati-
va do dispositivo legal em ultrapassar o âmbito da gestão da educação para configu-
rar mecanismos de fiscalização e controle da política educacional.
Os dados verificados indicam a necessidade de subsidiar as Secretarias
no processo de regulamentação. Para tanto, além das dimensões da formação de
gestores(as) considerando os aspectos da interdisciplinaridade e da intersetorialida-
de, é desejável analisar as regulamentações e as diretrizes já existentes, bem como
o processo de sua formulação e implantação. Nesse caso, é importante analisar os
níveis e as modalidades de ensino que incorporam e por que isso ocorre.

69
Outro procedimento que merece investigação refere-se à instalação de equi-
pes, coordenações ou grupos específicos para o trabalho com a implementação da
Lei. Essas equipes, que, pelo visto, ainda funcionam precariamente, têm o potencial
de subsidiar a incorporação das determinações da Lei e das Diretrizes nas escolas. É
preciso investigar as condições de trabalho que são atribuídas a elas e verificar seu
grau de estabilidade política. Isso se conecta com os mecanismos de financiamento
das ações de implementação da Lei. As formas de atribuição de recursos do MEC
e as definições orçamentárias das próprias Secretarias participam desse conjunto de
interrogações.
Se conseguir incidir sobre um maior número de Secretarias Estaduais e Se-
cretarias Municipais e utilizar entrevista com gestores, a dinâmica da pesquisa pode
interrogar a capilaridade executada e potencial da ação política das Secretarias.

70
Referências

BOGEN, K. The effect of questionaire length on response rates a review of the


literature. In: SECTION ON SURVEY RESEARCH METHODS. 1996, Ale-
xandria, VA. Proceedings... Alexandria, VA: American Statistical Association, 1996.
p.1020-1025.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabeti-


zação e Diversidade. Avaliação Final do Programa Diversidade na Universidade. Bra-
sília, DF: MEC, 2008.

BRASIL. Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africa-
na. Brasília, DF: SECAD; SEPPIR, jun. 2009.

71
As escolas e
suas práticas

Nilma Lino Gomes


Rodrigo Ednilson de Jesus
Aline Neves Rodrigues Alves

A
presenta-se aqui uma síntese dos aspectos principais das práticas peda-
gógicas desenvolvidas pelas 36 escolas públicas selecionadas pela pesqui-
sa, as quais caminham com intensidade, especificidades e níveis de atua-
ção diferenciados na perspectiva da Lei n.º 10.639/03. Os dados foram
recolhidos pela equipe das coordenações regionais (Norte, Nordeste I, Nordeste II,
Centro Oeste, Sul e Sudeste) nas cinco regiões do país. Reitera-se que não se pre-
tende atribuir juízo de valor às práticas em análise, classificando-as como “boas”,
“más”, “significativas”, “inovadoras”, entre outras apreciações. Sabe-se dos riscos e
perigos desse tipo de classificação. O cuidado para não incorrer nessa perspectiva
deve-se à compreensão de que, mesmo quando “bem intencionada”, tal classificação
não consegue abarcar a complexidade de fatores presentes na educação brasileira.
Trata-se de fatores que envolvem questões de diversas ordens: contexto histórico,
social e político, diversidade regional, desigualdade socioeconômica, desigualdade
racial, de gênero e geracional, lutas sociais, respostas do Estado, organização dos sis-
temas de ensino, questões de ordem curricular, lutas e disputas em torno do campo
do currículo, entre outros.
Assim, na seleção das práticas pedagógicas, adotaram-se, como orientação
epistemológica e metodológica, as indicações e orientações das Diretrizes Curricula-
res Nacionais. O texto a seguir apresenta, portanto, um conjunto de escolas, indica-
das pelas secretarias estaduais e municipais de educação, NEABs e Prêmio CEERT,
que realizam práticas pedagógicas na perspectiva da Lei n.º 10.639/03. Tais insti-
tuições escolares, ao serem procuradas e consultadas pela equipe de coordenadores
regionais, se reconheceram como protagonistas e concordaram com essa indicação.
Nesse contexto, foi recolhida uma diversidade de práticas. Algumas se aproximam
mais da perspectiva da Lei, outras menos, algumas se apresentam mais enraizadas,
outras menos, algumas contam com a participação de um coletivo, outras ainda
são realizadas por meio de ações individuais, algumas contam com a articulação
entre a gestão, a equipe docente, os estudantes e a comunidade, outras realizam tal
trabalho de maneira precária, e há aquelas nas quais tal articulação não foi iniciada.
São cadências, ritmos, perspectivas, interpretações, possibilidades, limites, avanços e
intensidades distintas de trabalho com as relações étnico-raciais nas escolas.
Em suma, as 36 escolas que serão apresentadas, apesar de não serem consi-
deradas como representativas de toda a educação nacional, possuem potencial para
anunciar os avanços, limites, possibilidades e dilemas na implementação da Lei n.º
10.639/03, do Parecer CNE/CP 03/04, da Resolução CNE/CP 01/04 e suas res-
pectivas Diretrizes Curriculares Nacionais nas escolas públicas da educação básica
do país. Por conseguinte, a análise dessas práticas poderá se transformar em um
promissor instrumento para a formulação, realização e análise de políticas públicas
de promoção da igualdade racial, com enfoque na educação e articulada interseto-
rialmente. Poderá também revelar como e se o direito à diversidade étnico-racial
vem sendo garantido como direito à educação nas práticas das escolas públicas bra-
sileiras após sete anos da sanção da Lei n.º 10.639/03.

Contextualização das práticas


Embora a Lei n.º 10.639/03 já tenha sido sancionada há alguns anos e seja
uma alteração da Lei n.º 9394/96 – LDB, o que confirma a sua importância e
obrigatoriedade, o contato com as trinta e seis escolas revelou quão complexa e de-
safiadora é a efetivação da sustentabilidade das práticas pedagógicas voltadas para a
educação das relações étnico-raciais nas instituições que atenderam a este preceito
legal. Entende-se por sustentabilidade das práticas pedagógicas na perspectiva da
Lei n.º 10.639/03 e das suas Diretrizes Curriculares a possibilidade de o trabalho
com a educação das relações étnico-raciais desenvolvido na instituição escolar se
tornar parte do cotidiano, do currículo e do PPP, independentemente da ação de
um(a) professor(a) ou de uma gestão específica.
A possibilidade desse trabalho se tornar, efetivamente, integrante do coti-
diano e da organização escolar depende do enraizamento da temática étnico-racial

74
e da Lei n.º 10.639/03 na escola, ou seja, da sua capacidade de se tornar um dos
eixos da ação pedagógica, e está estreitamente relacionada a outras características da
própria instituição, da gestão escolar e de seu corpo docente, assim como a alguns
aspectos ligados à gestão do sistema de ensino. Isso significa que há uma articula-
ção de diferentes fatores, ou seja, não se pode designar uma ou mais características
como causa única ou complementar dos avanços ou dos limites de determinada
experiência. Com frequência, verificou-se que a presença de gestores(as) escolares
comprometidos(as) ou sensibilizados(as) com a temática, por exemplo, possibilitou
tanto o desenvolvimento coletivo das atividades no interior da escola quanto a in-
clusão da temática nos documentos oficiais da instituição. Nessa mesma perspectiva,
observou-se a importância dos processos de formação continuada de professores(as)
na temática étnico-racial no desenvolvimento de práticas emancipatórias e não es-
tereotipadas, os quais, inclusive, apresentaram-se muito pouco expressivos no con-
texto investigado.
Na análise da sustentabilidade das experiências observadas, de modo geral, a
pesquisa revelou que as práticas pedagógicas realizadas pelas trinta e seis escolas na
perspectiva da educação das relações étnico-raciais apresentam diferentes graus de
enraizamento. Estes podem ser agrupados em três tipos: (a) enraizamento intenso,
(b) enraizamento mediano e (c) enraizamento fraco.1
Nessa perspectiva, observou-se que o envolvimento do coletivo de
professores(as), em vez de práticas personificadas e/ou isoladas, e a inclusão da te-
mática ou dos projetos desenvolvidos no PPP da escola facilitam a continuidade das
atividades desenvolvidas, a despeito da transferência de um(a) docente específico, o
que, em alguns casos, e não só em projetos relativos à temática étnico-racial, tem
significado o fim de trabalhos promissores no interior de instituições escolares.
No intuito de facilitar o acompanhamento das particularidades de cada escola
e das práticas pedagógicas por elas desenvolvidas e, ao mesmo tempo, de identificar,
em meio à diversidade, semelhanças nas propostas e nas execuções, este texto está
organizado de acordo com as seis regionais privilegiadas na pesquisa. Em cada re-
gional será apresentada uma descrição dos principais aspectos das seis escolas que a
compõem. Ao final da descrição de cada instituição, será apresentado um Quadro-
-síntese organizado em quatro dimensões. Cada uma dessas dimensões se refere a
um determinado conjunto de categorias que nos permitem compreender a capaci-
dade de “sustentabilidade” da Lei n.º 10.639/03 nas práticas observadas:

1 É importante lembrar que essas tipologias não levam em consideração as variações regionais: trata-se de
uma categoria que tenta refletir o grau de sustentabilidade das práticas desenvolvidas na escola.

75
Dimensão 1: estrutura física e aparência da escola;
Dimensão 2: envolvimento da gestão e do coletivo de professores(as);
Dimensão 3: formação continuada e material de apoio;
Dimensão 4: avanços e limites do trabalho.

Ao todo, foram consideradas dez categorias: duas relativas à primeira di-


mensão, três relativas à segunda, duas relativas à terceira e duas relativas à quarta
dimensão. O Quadro 4 apresenta, de maneira sucinta, definições de cada uma das
categorias das quatro dimensões já citadas.

Quadro 4 – Sustentabilidade e enraizamento das práticas pedagógicas

1ª Dimensão: Estrutura física e aparência da escola

Aparência da escola Estrutura física da escola


Este indicador refere-se à infraestrutura da
Este indicador refere-se à aparência da
escola, considerando o número de salas de
escola, incluindo seus aspectos estéticos
aula e salas de apoio, bem como o tamanho
exteriores e interiores, bem como o estado
e a adequação estrutural para a realização
de conservação de suas dependências.
das atividades propostas. Refere-se também
Refere-se também à representação da
à existência de quadras de esportes, salas
diversidade no interior da escola (cartazes,
de informática e brinquedoteca, quando for o
murais, muros etc.).
caso.

2ª Dimensão: Envolvimento da gestão e do coletivo

Características da Nome do trabalho e responsável/ Motivações para realiza-


gestão propositor ção do trabalho
Este indicador refere-se
seja ao posicionamento Este indicador refere-se
da gestão da escola às principais justifica-
Este indicador refere-se às ati-
(direção e coordenação tivas para o início dos
vidades realizadas na escola na
pedagógica) na recepção trabalhos desenvolvidos
perspectiva da Lei e das Diretri-
e apoio à pesquisa, seja na escola na perspectiva
zes, bem como às suas principais
na condução dos traba- da Lei e das Diretrizes.
características e metodologia de
lhos cotidianos na es- Assim, foi importante
trabalho. Considera também que
cola. Foi construído não observar se o conheci-
o trabalho é desenvolvido por um
através da percepção mento da Lei foi o que
coletivo de professores(as) ou por
de pesquisadores(as) determinou o início dos
professores(as) isolados, além do
no campo, mas a trabalhos, a percepção da
período de realização do trabalho.
partir dos relatos diversidade étnico-racial
de professores(as), dos estudantes, uma ética
funcionários(as) e estu- pessoal antirracista etc.
dantes.

76
3ª Dimensão: Formação continuada e material de apoio

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe

Este indicador refere-se a um espaço espe- Este indicador refere-se à participação, passa-
cífico da escola: a biblioteca (sua estrutura da ou presente, de profissionais da escola em
física, seu acervo geral e, sobretudo, seu cursos de formação continuada na perspectiva
acervo de obras voltadas à temática étnico- da Lei e das Diretrizes oferecidas pelo MEC,
-racial), além da acessibilidade da comuni- Secretaria Estadual ou Municipal de Educa-
dade escolar a ele. ção, NEABs, outros.

4ª Dimensão: Avanços e limites do trabalho

Formação ética dos Formação conceitual dos estu- Principais dificuldades do


estudantes dantes trabalho
Este indicador refere-se
Este indicador refere-
aos impactos do trabalho
Este indicador refere-se ao -se ao conjunto de
realizado na autoestima
conjunto de conhecimentos acu- dificuldades, citadas ou
dos(as) estudantes, na
mulados e expressos pelos(as) percebidas pelos(as)
modificação dos padrões
estudantes acerca da cultura afro- pesquisadores(as), para o
de relacionamento entre
-brasileira em geral e da História desenvolvimento do traba-
eles, ou nas formas de
da África, em especial. lho na perspectiva da Lei
alterreferências (piadas,
e das Diretrizes.
estigmas etc.).

Cada uma das categorias foi classificada a partir de uma escala de três pontos.
A fim de possibilitar uma melhor visualização, as escalas foram apresentadas por
meio de variações cromáticas indicando a intensidade de cada uma das catego-
rias na escola investigada. Relembramos que as intensidades (aqui demonstradas de
forma didática pelas cores diferenciadas) referem-se ao grau de “enraizamento” da
Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes na prática pedagógica observada. Quanto mais
enraizado o atendimento aos princípios desta legislação se revelar (cor mais forte),
maior é a capacidade de “sustentabilidade” da educação das relações étnico-raciais
apresentada pela instituição escolar.

Intensa
Mediana
Fraca

Cabe ressaltar a necessidade de atenção dos(as) leitores(as) quanto aos Qua-


dros e às cores neles apresentadas, bem como à “4ª Dimensão: Avanços e limites do

77
trabalho” no que diz respeito à categoria “Principais dificuldades do trabalho”. Se-
guindo a orientação de que as três variações cromáticas anteriormente apresentadas
indicam a intensidade de cada uma das categorias, a cor mais forte representa maior
intensidade; portanto, deve ser interpretada de forma positiva. O alerta é o seguinte:
somente no caso das “principais dificuldades”, a intensidade das cores deve ser in-
terpretada de forma invertida, ou seja, “quanto mais forte a cor deste Quadro, maior
é a dificuldade apresentada pela escola e, quanto mais fraca, menor é a dificuldade
enfrentada pela instituição na implementação da Lei”.
Como já foi salientado, este texto é composto dos elementos centrais pre-
sentes nos relatórios de pesquisa elaborados pelas seis coordenações regionais. Nos
limites deste livro, não seria possível reproduzi-los na íntegra. Sendo assim, foram
retirados desses relatórios os principais aspectos que poderão ajudar na compre-
ensão sobre quais são e como se desenvolvem as práticas pedagógicas de trabalho
na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 nas escolas investigadas, os principais sujeitos
envolvidos e alguns desdobramentos delas.
A análise sobre a maior ou menor aproximação dessas ações, projetos e prá-
ticas dos princípios da Lei e suas Diretrizes deverá ter como eixo balizador a dis-
cussão realizada no texto “As práticas pedagógicas com as relações étnico-raciais
nas escolas públicas: desafios e perspectivas”, desta publicação, no qual, a partir da
leitura das Diretrizes Curriculares Nacionais, foram apresentadas as principais carac-
terísticas do que pode ser considerado como “práticas pedagógicas na perspectiva
da Lei n.º 10.639/03”.
Sendo assim, a apresentação e descrição das práticas pedagógicas desenvol-
vidas pelas 36 escolas estão organizadas em cinco eixos: a) as práticas pedagógicas
de trabalho com as relações étnico-raciais; b) perfil do(a) principal responsável pelo
trabalho; c) o grupo de discussão com os(as) estudantes; d) o papel da gestão da es-
cola e/ou coordenação pedagógica; e) algumas considerações. Nos casos em que os
processos de formação continuada se apresentaram com maior destaque, constituiu-
-se mais um eixo.
Alguns esclarecimentos sobre a apresentação das 36 escolas participantes
tornam-se necessários:
Para construir a ordem de apresentação das regionais, adotou-se o critério de
sorteio. A escolha aleatória apresentou-se como a melhor alternativa, a fim
de não se incorrer em uma ordem que pudesse sugerir hierarquização entre
elas e reproduzir visões estereotipadas e preconceituosas sobre as regiões do
País, ainda existentes em nosso imaginário social.

78
Conforme referido, a representação nesta pesquisa das cinco regiões brasi-
leiras em seis regionais deve-se ao desdobramento da Região Nordeste em
duas partes, pelos motivos operacionais já apresentados.
Embora toda a equipe tenha recebido orientações comuns para a produção
dos relatórios que deram origem à presente publicação, é importante des-
tacar que a apresentação de cada regional possui ritmos próprios de escrita,
análise e interpretação. O caráter nacional desta pesquisa e a composição
heterogênea da sua equipe de pesquisadores(as) resultaram em um texto
escrito e produzido por muitas mãos. Portanto, os relatos a seguir não apre-
sentam uniformidade, e sim cadências diferentes na forma de descrição das
escolas e interpretação das suas práticas.

79
Regional Nordeste I

Florentina da Silva Souza


Ires dos Anjos Brito
Letícia Maria de Souza Pereira

São Luís

Horizonte

MA CE

SE Aracaju

BA Salvador

Jequié
Estado da Bahia
Município de Salvador – Colégio Estadual 1

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: fundamental II, médio, tempo formativo
(antigo EJA) e formação geral (preparatório para o vestibular)
Número de estudantes: 966
Matutino: 321
Vespertino: 334
Noturno: 311
Ano de fundação: 2000
IDEB observado (2009): 2.6 (8ª série/9º ano).

A Escola Estadual 1, indicada pela Secretaria Estadual de Educação da


Bahia para participação na pesquisa, está localizada no bairro Paripe, último dos
22 bairros do subúrbio ferroviário de Salvador. A maioria da população do bairro é
afrodescendente, e são muito altos os índices de violência, sobretudo de homicídios
vinculados ao tráfico de drogas. Com um comércio bastante desenvolvido, o bair-
ro dispõe de supermercados, lojas de materiais de construção, uma feira livre, que
abastece boa parte do subúrbio ferroviário, além de muitas igrejas neopentecostais,
diversos terreiros de candomblé e centros de umbanda. O lazer do bairro limita-se
à bela orla de praias exuberantes, ocupada pela população local, embora poluídas,
impróprias para banho e pesca.
A referida escola está alocada temporariamente em um prédio alugado pela
Secretaria de Educação do Estado da Bahia e não comporta adequadamente a co-
munidade escolar nem atende às necessidades e à demanda da população local. Na
ocasião da pesquisa, a clientela estudantil era de 1.020 estudantes com idade entre
9 e 50 anos, majoritariamente negros (98%) distribuídos entre o fundamental II, o
ensino médio com formação geral (preparatório para o vestibular) e tempo forma-
tivo (antigo EJA).

82
A escola tem dez salas de aula, uma biblioteca e três salas para as atividades
administrativas: direção e coordenação. Tem três banheiros, um pátio grande, que é
utilizado como quadra e onde acontecem os ensaios das atividades ligadas ao Projeto
Consciência Negra, atualmente chamado Kaiodê. O espaço dedicado à biblioteca é
exíguo, mas bastante visitado pelos estudantes. A biblioteca dispõe de muitos títulos,
inclusive uma relativa variedade de livros de literatura infanto-juvenil que contem-
plam a literatura africana (mitos africanos e fábulas) e afrodescendente.
A comunidade escolar mostrou-se extremamente receptiva à pesquisa desde
o primeiro contato. O diretor chegou mesmo a estabelecer contato telefônico para
confirmar a realização da pesquisa no período combinado. Estudantes, professores(as)
e funcionários(as) demonstraram apreço pela escolha da escola para participação na
pesquisa.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
Segundo relatos de professores(as) e do diretor, o projeto Consciência Negra
teve início em 2002, antes mesmo da promulgação da Lei n.º 10.639/03. A ideia
surgiu após o sucesso de uma caminhada realizada no bairro no dia 20 de novem-
bro, o que agradou tanto a comunidade escolar quanto o entorno.
De acordo com os professores(as) e os gestores(as) da escola, o trabalho começou
por iniciativa pessoal de uma professora de História, nos três turnos, em dias alternados,
por ter mais facilidade de realizar atividades em mais de um turno. Segundo os(as)
entrevistados(as), com a iniciativa e a participação dos(as) estudantes e da comunidade,
o projeto terminou sendo encampado pela direção da escola e por grande parte dos(as)
docentes e discentes. O projeto passou a se chamar Kaiodê e envolve praticamente toda
a comunidade escolar, principalmente durante o mês de novembro.
As práticas pedagógicas para a educação das relações étnico-raciais abarcam
seis atividades desenvolvidas concomitantemente na escola: dança afro, hip-hop, rádio,
capoeira, berimbau e teatro. O diretor da escola procura criar uma atmosfera de inte-
gração entre estudantes, professores(as) e funcionários(as), de modo que a diversidade
étnico-racial e cultural seja respeitada. Ainda que o trabalho relativo à diversidade não
tenha se tornado unanimidade na escola, as ações desenvolvidas imprimem um tom
público de aderência à realização das práticas, já que nas reuniões de planejamento e
coordenação pedagógica existe espaço para que os(as) professores(as) trabalhem as-
suntos relativos à educação das relações étnico-raciais.

83
No tocante aos estudantes, os que participam das práticas pedagógicas passa-
ram e passam por um processo de fortalecimento da autoestima e transmitem isso
para a comunidade escolar e seu entorno. Segundo relato da coordenadora, eles “se
sentem estrelas dentro da escola e por isso são exemplos para os outros. Eles são
referências aqui em Paripe, não podem se meter em confusão, todos sabem que são
estudantes da Escola Estadual 1”.
As observações em campo indicaram, entretanto, a existência de algumas ten-
sões no desenvolvimento das atividades. A primeira refere-se à segurança pública,
em decorrência do tráfico de drogas no local; a segunda relaciona-se à intolerância
religiosa de alguns membros da escola e do entorno, pertencentes a igrejas evangéli-
cas. Muitas mães e pais impedem que seus(suas) filhos(as) participem das atividades,
em virtude do imaginário vigente, que tende a “demonizar” a cultura afro-brasileira.

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


A entrevista com a professora idealizadora do projeto, que possui formação
em História e especialização em Psicopedagogia Clínica Institucional e em História
e Cultura Afro-Indígena Brasileira, foi bastante esclarecedora sobre as motivações
do trabalho e sua implantação.
A professora é considerada por todo corpo escolar como idealizadora e fun-
dadora do Projeto Consciência Negra, em 2002. Extremamente interessada na te-
mática, ela procura contornar as dificuldades para implementação do projeto, inclu-
sive no tocante à intolerância religiosa. Nesse sentido, teve a ideia de desvincular
a oficina de capoeira da oficina de berimbau, pois as resistências se mostravam
menores com o berimbau. Segundo seu depoimento, a partir da promulgação da Lei
n.º 10.639/03, o trabalho que ela vinha desenvolvendo ganhou um respaldo legal, e
isso foi importante para quebrar algumas resistências de professores(as), pais e mães
de estudantes ao projeto e possibilitar maior envolvimento da comunidade escolar.
A professora esclareceu que “o projeto de uma certa forma plantou a semente em
cada professor”, o que acabou favorecendo tanto ele quanto as temáticas relativas
à Lei n.º 10.639/03 para que fossem incluídos posteriormente no PPP da escola.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Participaram seis estudantes do grupo de discussão. Todos se autodeclararam
negros. As discussões e as reflexões foram fomentadas pela apresentação de um
painel produzido por um estudante para ser apresentado na Semana da Consciência

84
Negra de 2008. A maioria dos estudantes falou com desenvoltura sobre o trabalho
que fazem, articulando-o sempre com a questão identitária e evidenciando um dis-
curso de pertença étnico-racial bem desenvolvido. Falaram sobre música, religião,
preconceitos, identidade negra e racismo, sempre numa perspectiva crítica. Uma
estudante afirmou:

Sou da igreja e a tia daqui da escola é amiga da minha mãe. Ela me disse que
não ficava bem eu, uma mulher, plantando bananeira e que isso era coisa de
gente que não tinha o que fazer, coisa de preto, de marginal. Mas eu disse a
ela que não tinha nada a ver, que o hip-hop era uma arte e que eu gostava mui-
to. Eu disse que eu sou mulher e que mulher também dança. Ela não gostou,
mas eu disse que um dia eu vou ser professora de dança.

Durante os 120 minutos da atividade os(as) estudantes mostraram-se afi-


nados com as proposições do Projeto Consciência Negra (Kaiodê), demonstrando
posicionamento crítico e consistente. Uma outra estudante comentou: “Aqui na es-
cola, depois do Consciência Negra, até branco quer ser preto. Agora todo mundo
quer entrar na dança, até os que diziam que era macumba!” E outra complementou:

Quando nós nos conhecemos e nos aceitamos, isso valoriza a nós mesmos...
Me ensinaram na igreja que a cultura negra era macumba e que isso era ruim.
Mas quando eu entrei aqui na escola eu vi que não era nada disso. Vi que
a cultura negra é a cultura dos nossos ancestrais e descobrir isso foi muito
importante.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
Pelo que se observou durante as entrevistas e nas conversas informais, o dire-
tor da escola demonstra muito interesse no desenvolvimento das atividades, e todo
o material para confecção de cartazes, para indumentária dos estudantes é custeado
com recursos da própria escola, evidenciando, assim, a atuação interessada e parti-
cipativa do gestor. Segundo os estudantes, o diretor procura manter um clima de
respeito à diversidade e de valorização da cultura afro-brasileira, coibindo qualquer
manifestação discriminatória. Os(as) professores(as) e estudantes, mesmo aqueles

85
que não concordam integralmente com as atividades do projeto, consideram-nas
como pertencentes ao coletivo da escola.
Com cursos de especialização em gestão, o diretor se apresenta como uma
pessoa interessada em divulgar o trabalho da escola e grande incentivador do pro-
jeto Consciência Negra (Kaiodê), que se constitui como carro-chefe do processo
de implementação da Lei na escola. Durante a entrevista, o diretor expressou forte
motivação por participar desse processo de enraizamento da Lei, interesse que pa-
rece ter sido impulsionado pelas reuniões e seminários dos quais participou:

Através do PDE, nós tivemos fazendo o levantamento da situação e passamos


essas informações para os professores, e nossa escola tem praticamente 90% de
estudantes negros. E a partir daí, dessa realidade, nós vimos naquela época que
existia a necessidade de trabalhar a cultura negra, apresentar, mostrar, valorizar
e reconhecer a importância da cultura negra principalmente na Bahia. Então, a
partir disso, nós fizemos nosso trabalho. Nós tínhamos dados importantes, os
estudantes tiveram aceitação muito grande nesse momento, em 2002. Então, a
partir daí a comunidade escolar também, a mesma porcentagem que temos de
estudantes, temos de funcionários negros. Paripe é uma região que tem uma
história muito grande sobre a cultura negra. Segundo informações do IBGE,
aqui já foi uma região quilombola e tudo facilitou nosso trabalho.

Algumas considerações
Enfrentando muitos desafios e resistências, tanto de pais e mães dos estu-
dantes, quanto dos(as) funcionários(as) e alguns professores(as), além da falta de
recursos, o que atrapalha e compromete a qualidade do trabalho, o Projeto Cons-
ciência Negra tem gerado frutos muito positivos. A receptividade experimentada
pela equipe de pesquisa durante todo o trabalho evidencia o comprometimento da
comunidade escolar com o projeto.
Através da fala dos estudantes foi possível perceber, por um lado, que o pro-
jeto desenvolvido pela escola impulsiona o debate sobre questões relativas à cultura
afro-brasileira e que esse debate interfere positivamente no processo de constru-
ção identitária dos estudantes. Por outro lado, percebeu-se que o papel do diretor
é de suma importância para o desenvolvimento das atividades. Sem o seu apoio,
funcionários(as) e professores(as) talvez interferissem de modo ainda mais negativo
no processo de valorização da cultura afro-brasileira.

86
Nesse sentido, o enraizamento e o fortalecimento do Projeto Consciência
Negra na Escola Estadual 1, já iniciado mediante sua inclusão no PPP da escola,
pode ser potencializado a partir da participação mais efetiva dos(as) professores(as)
em atividades de formação continuada na perspectiva da Lei. Todavia, a concreti-
zação desses processos de formação continuada depende diretamente do fortaleci-
mento dos vínculos entre escola e Secretaria de Educação, no que tange a recursos
e adequação do ambiente físico.

Quadro 5 – Escola Estadual 1 - Salvador (BA)

1ª Dimen- Aparência da escola Estrutura física da escola


são:
Estrutura No momento da
A escola está alocada temporariamente em um
física e pesquisa a escola
prédio alugado pela SEED e a infraestrutura deixa
aparência encontrava-se em um
a desejar.
da escola prédio alugado

Características da
Tipo de trabalho e res- Motivações para a rea-
2º Dimen- gestão (direção e
ponsável/propositor lização do trabalho
são: coordenação)
Envolvi- O Projeto surgiu em
mento da O gestor da escola se O Projeto Consciên- 2002, após uma cami-
gestão e apresenta como um cia Negra, conhecido nhada pelo bairro, no
do cole- grande incentivador como Kaiodê, fruto dia 20 de novembro.
tivo da implementação do do esforço pessoal de A motivação pessoal
trabalho. uma professora de uma professora foi
determinante.
Biblioteca e acervo
Formação continuada da equipe
3ª Dimen- étnico-racial
são: Embora pequena, a
Formação biblioteca parece ser
continu- muito frequentada e Embora o gestor tenha se referido à realização de
ada e possui um bom acervo, alguns cursos de formação oferecidos pela SEED,
material incluindo a temática os(as) professores(as) desconhecem.
de apoio étnico-racial voltada ao
público infanto-juvenil.
Formação ética dos
Formação conceitual Principais dificuldades
estudantes (trato da
dos estudantes no trabalho
diversidade)

4ª Dimen- Apesar de mostrar


são: Com o trabalho reali- informações consis- Ausência de referên-
Avanços e zado a autoestima dos tentes sobre relações cias bibliográficas de
limites do estudantes melhorou, raciais e identidade apoio. Intolerância
trabalho e os referenciais iden- negra, os estudantes religiosa acirrada. Na-
titários positivos come- demonstram conhe- turalização do racismo
çaram a se reforçar. cimentos superficiais por parte de algumas
sobre a história e a funcionárias.
cultura da África.

87
Escola Municipal Creche 2 (Salvador, BA)

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: infantil
Número de estudantes por turno: 104 (período integral)
Ano de fundação: 2000 e reinauguração em 2004

A Escola Municipal Creche 2 foi selecionada a partir da listagem de escolas


premiadas pelo Prêmio CEERT, na edição de 2006. O Projeto Griô: Contador de
Histórias obteve a primeira colocação no Prêmio.
A escola fica localizada na periferia de Salvador, no bairro Arenoso, e a maio-
ria dos moradores são afrodescententes e com precária condição socioeconômica.
Considerando o público que comporta, a escola é pequena. O prédio tem seis salas
de aula, uma sala para as atividades administrativas (direção, coordenação e en-
fermaria); uma copa/refeitório recentemente reformada; uma brinquedoteca, três
banheiros e um pequeno pátio.
Em 2007, a escola passou por uma reforma financiada pelo programa Mais
Social, mas o problema de espaço não foi resolvido. As salas de aula comportam
cerca de vinte estudantes por classe. Apesar de pequenas, são confortáveis e agradá-
veis para as crianças, com estante de livros e prateleiras, brinquedos (bonecas negras
e não negras), mesas e cadeiras e um cantinho do aconchego. Todas as salas foram
decoradas com as fotografias dos próprios estudantes, em situações diferentes. Os
trabalhos de arte das crianças ficam expostos pelos corredores e salas; além disso,
a decoração apresenta temas que variam de sala para sala, em sua maioria com
personagens afro-brasileiros e clássicos da literatura infantil, como os do Sítio do
Pica-pau Amarelo.
Durante as conversas informais foi possível perceber algumas dificuldades en-
frentadas pela escola em relação à violência do bairro e sua interferência direta na
vida dos estudantes, na mudança de comportamento e por vezes em comportamentos
agressivos. Para contrapor tais situações, a direção da escola atua constantemente pro-
porcionando formações direcionadas a preparar esses funcionários e professoras para
lidar com a comunidade do entorno escolar e as diferenças dentro da própria escola.

88
As práticas pedagógicas de trabalho com as relações
étnico-raciais
Podemos dizer que a questão étnico-racial se configura como parte da orien-
tação curricular da Escola Creche 2. Portanto, ela não se restringe à execução de um
projeto único, mas se faz presente nas diversas atividades desenvolvidas pela escola
e também no processo de formação em serviço e continuada das educadoras. Ainda,
é um dos focos de atuação da gestão da escola. A sanção da Lei n.º 10.639/03 foi
desencadeadora das práticas pedagógicas realizadas.
De acordo com uma das professoras entrevistadas, as ações de valorização
da História e Cultura Afro-Brasileira tiveram início no ano 2000, antes da pro-
mulgação da Lei n.º 10.639/03. Em 2005 a ação passou a fazer parte do PPP da
escola, que incluiu como eixo as questões de raça e gênero. Ainda segundo seu
depoimento, o projeto foi construído com a participação da comunidade que é
majoritariamente negra. Alguns projetos desenvolvidos pela escola foram citados,
como: Projeto Griô; Projeto Agogô; Lendas; Projeto de Leitura e Valorização do
Negro e outros. Como parceiros de formação, a professora citou o CEAFRO e as
Secretarias Estadual e Municipal de Educação etc. Os demais membros da escola,
assim como a diretora, mostraram-se bastante receptivos à pesquisa em campo e
interessados em divulgar o trabalho, desde o contato telefônico inicial até o térmi-
no da pesquisa em campo.
Como reconhecimento do trabalho desenvolvido, destacam-se diversas pre-
miações que a escola já recebeu, além do prêmio CEERT em São Paulo, como Pro-
jeto Griô: Contador de Histórias (prêmio Rômulo Galvão/BA); Vamos Aprender
com a MPB (finalista do Prêmio Professores do Brasil – MEC). O trabalho da es-
cola foi tema de monografia de uma estudante da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB). A Faculdade Social realizou o documentário Quando poucos fazem, sobre a
escola. Além disso, houve a participação em seminário promovido pela ONG Cipó,
sobre o projeto Agogô: no Ritmo da Alegria, além de entrevistas em revistas na área
da educação, publicada com o título “Uma homenagem aos que inovam nas escolas
públicas” (jornal Folha Dirigida – Educação, em 15 de dezembro de 2005) e “Práticas
para igualdade racial na escola” (Revista Criança, n. 42, dez. 2006).
Percebemos que as professoras estavam atentas à promoção de estímulos para
a elevação da autoestima e a construção da identidade das crianças. Elas relataram
ainda casos em que os estudantes chegavam à escola e não se identificavam com
seu grupo étnico. E descreveram a metodologia usada para contribuir para uma
mudança na atitude de uma das alunas. Houve o relato de uma estudante que, ao

89
ver a capa do livro Histórias da Preta, falou sobre o “nariz de panela” da ilustração de
Preta; outro relato foi de um estudante que dizia não gostar de andar com negros,
falava do cabelo de “bruxa”. Enfim, as professoras demonstraram que, diante de atos
discriminatórios, foram desenvolvidas atividades na sala, enfatizando a estética, a
diversidade, a beleza negra etc.
Segundo os depoimentos, com o desenvolvimento do trabalho voltado para
questões de raça e gênero, as crianças passaram a se identificar e a se aceitar. Im-
portante a ressalva feita pela diretora, quanto à estratégia utilizada pela escola para
realizar o trabalho de valorização da identidade e da cultura negra, reforçando a
necessidade de que o processo de sensibilização e discussão feito com as crianças
chegue também às famílias.
Em todas as salas e no pátio da escola existe um grande espelho em que se lê
a frase “Quem sou eu?”. Trata-se de uma estratégia para o trabalho com a identida-
de e a produção dos autorretratos, o que repercute na construção identitária não só
das crianças, mas de todos aqueles que transitam no prédio escolar. Essa estratégia
permite uma reflexão cotidiana que não se limita à pergunta, uma vez que a questão
colocada relaciona-se com o trabalho pedagógico que a escola realiza e, nesse senti-
do, desempenha uma função simbólica importante.
No dia das mães, a homenagem ocorreu no Parque da Cidade, com direito a
tratamento de beleza, massagens, trançados, entre outros cuidados estéticos. Fun-
cionários e professores(as) interagem juntos na prática do educar. Chama a atenção,
no dia a dia, como a escola intervém na vida social dos estudantes a fim de pro-
mover o bem-estar deles por meio das constantes visitas da diretora à comunidade,
na tentativa de ajudar pais e estudantes com problemas, articulando marcações de
consultas, ou por meio de convites a psicólogos para intervenção junto ao estudante
com dificuldades.
Pais e mães participam desde a construção inicial do projeto até as formações
e debates realizados durante o ano letivo. A escola desenvolve práticas pedagógicas
que apontam para uma compreensão cidadã da diversidade, incentivando a criança
a perceber as multiplicidades e singularidades como um modo de contestar as re-
presentações discriminatórias e preconceituosas veiculadas e reproduzidas em outros
meios sociais.

90
Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho
No desenvolvimento das atividades no interior da escola, é possível perceber
que todos os funcionários(as) e professores(as) se envolvem nos trabalhos com a
questão racial. Em todos os projetos e ações é perceptível o recorte temático relativo
à história e cultura afro-brasileira. Os(as) professores(as), além de fundamentar suas
pesquisas nos livros do acervo da escola, complementam essa busca com pesquisas
na Casa de Angola, na Fundação Clemente Mariani e junto às universidades par-
ceiras: a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade do Estado da
Bahia (UNEB).

O grupo de discussão com os(as) estudantes


As crianças narraram suas experiências com as oficinas de formação sobre es-
tética negra destinada a familiares e funcionários da escola. Tal atividade visava uma
formação voltada para o fortalecimento da autoestima das crianças, valorizando seus
traços fenotípicos, com ênfase para os cuidados com os cabelos afros.
Durante a seleção das crianças (de 5 e 6 anos) que participariam do grupo de
discussão, do qual fazia parte a diretora da escola, todos(as) os estudantes mostraram-
-se bastante eufóricos. Apesar da timidez inicial, nos grupos as crianças demonstraram
compreender as diferenças étnico-raciais e falavam espontaneamente sobre seu inte-
resse em conhecer sua origem. Comentaram sobre os livros infantis afro-brasileiros e
seus personagens, sobre as peças de teatro já encenadas por eles, como: Os reizinhos
do Congo, Ninguém é igual a ninguém. O estudante Pedro (6 anos), ao lembrar do seu
personagem favorito Paulinho (representando os gordos na peça Ninguém é igual a
ninguém), recitou trechos do poema/canção: “Tem gente que é gordo, tem gente que é
magra, tem gente que é torto, tem gente que é cega, mas todo mundo... não importa
se é rico ou pobre, porque cada um é diferente, todas as pessoas são importantes”.
Como instrumento inicial de condução da discussão, a equipe da pesquisa
utilizou o mapa-múndi, do Atlas Afro-Brasileiro, no qual os(as) estudantes identi-
ficaram: o Japão, a Índia e a África. Questionados sobre o que eles sabiam sobre a
África, o estudante João falou: “A minha família é negra, eu sou negro”, e a aluna
Sabrina disse: “o negro vem da África”. Um estudante fez referência aos animais,
outro a um professor de senegalês que visitou a escola para realizar um trabalho
musical (ele não conseguiu pronunciar o nome correto); os demais estudantes des-
creveram os instrumentos do professor africano, dizendo: “ele tinha um monte de
instrumentos”; “era de madeira, de palha”; “tinha chocalho”.

91
O grupo mostrou-se mais desenvolto ao final da discussão e procurava par-
ticipar, lembrando e contando pedaços das histórias que sabiam e, ao que parece,
relacionadas ao tema proposto na discussão, e cantando músicas. Apesar da tenra
idade, entre 5 e 6 anos, pôde-se perceber que os(as) estudantes tinham sido expostos
a conteúdos ligados à temática da Lei e tinham informações sobre a pluralidade e a
diferença cultural existente na escola e no grupo.

O papel da gestão da escola e/ou coordenação


pedagógica
O importante papel da diretora contribui muito para consolidação dos pro-
jetos, na busca por parceiros que possam viabilizar os projetos na escola, além da
participação ativa da comunidade.
Em uma das entrevistas, a diretora destacou as dificuldades que enfrentaram
no início das atividades, antes mesmo da promulgação da Lei, fosse pela inexistência
de materiais de estudo, fosse pela dificuldade que alguns professores criavam para
evitar a discussão da temática das relações étnico-raciais e da cultura afro-brasileira.
Ela pontuou que a promulgação da Lei possibilitou melhor compreensão da pro-
posta que a escola havia adotado – o ensino da história do negro e a valorização da
cultura afro-brasileira, inserida inclusive no PPP da escola. No entanto, após a im-
plementação da Lei houve um aumento na produção de publicações significativas
para o trabalho. As pesquisas de iniciativa da gestora e demais professoras da escola
possibilitaram que a Secretaria Municipal de Educação de Salvador solicitasse, da
Escola Creche 2, uma lista de indicações para compra e futura distribuição nas de-
mais escolas da rede, fato relatado com bastante orgulho pela gestora.
Durante as entrevistas três professoras relataram a realização de cursos de
formação na perspectiva da Lei, promovidos pelo CEAFRO. Essa formação per-
mite que, metodologicamente e no plano do conteúdo, as professoras possam atuar
no processo de formação da identidade étnico-racial das crianças. Através de seus
depoimentos, foi possível perceber que Lei e as Diretrizes estão presentes em to-
dos os projetos e planejamentos da escola, além da perceptível integração entre os
membros do corpo docente e do quadro administrativo, o que facilita a realização
de atividades em uma perspectiva interdisciplinar.

Algumas considerações

92
A partir das entrevistas com a diretora e professoras, além de conversas infor-
mais com funcionários da escola, foi possível perceber que o trabalho desenvolvido
na Escola Municipal Creche 2 possui enraizamento das ações na perspectivas da
Lei e de suas Diretrizes. Nesse sentido, tanto a incorporação dessas temáticas no
PPP da escola quanto o envolvimento do coletivo de professores(as), dos familiares
e da comunidade do entorno possibilitam vislumbrar a continuidade das atividades
não atreladas necessariamente à figura de um membro centralizador dessas ativi-
dades. Esse conjunto de atividades e os esforços perceptivelmente empreendidos
geram impactos quer na produção de subjetividades e na autoimagem dos estudan-
tes da creche, quer no conjunto de conhecimentos apropriados sobre a história dos
negros no Brasil e a história dos países e povos africanos em geral.

Quadro 6 – Escola Municipal Creche 2 - Salvador (BA)

Aparência da escola Estrutura física da escola


As salas são decoradas
com fotografias das
1ª Dimensão: próprias crianças. Es- A escola passou por uma reforma recen-
Estrutura física e posição dos trabalhos temente, mas considerando que é uma
aparência da escola de artes das crianças. escola-creche de tempo integral, seu
A decoração ostenta te- espaço é muito pequeno.
mas com personagens
afro-brasileiros.
Características da ges- Tipo de trabalho e Motivações para
tão (direção e coorde- responsável/pro- a realização do
nação) positor trabalho
2ª Dimensão:
Envolvimento da A gestora tem papel O envolvimento
gestão e destacado nos traba- nos projetos é
do coletivo lhos da escola, através coletivo e envolve
Parceria com a
do incentivo à formação família e comuni-
comunidade.
de professores e ao dade. Há também
estabelecimento de participação de
diferentes parcerias. várias parcerias.
Biblioteca e acervo
Formação continuada da equipe
étnico-racial
O acervo de livros
3ª Dimensão: literários fica dentro da
Formação continu- sala administrativa para Algumas professoras possuem formação
ada e material de todos terem acesso. oferecida pelo CEAFRO, o que permite
apoio Há livros também nas contribuir para a construção de um plano
prateleiras das salas de de intervenção.
aula, além de bonecas
(negras e não negras).

93
Formação ética dos Formação concei- Principais
estudantes (trato da tual dos estudan- dificuldades no
diversidade) tes trabalho
As crianças ex- A equipe de
4ª Dimensão: Capacidade de com-
pressam conhe- profissionais
Avanços e limites preender as diferenças
cimento sobre a da escola não
do trabalho étnico-raciais, além de
África, conseguem apresentou
valorizar a diversidade
associar aspectos dificuldades em
e suas raízes afro-
do seu cotidiano a relação ao traba-
-brasileiras.
tradições e heran- lho com a Lei n.º
ças africanas. 10.639/03.

Município de Jequié – Escola Municipal 3

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental I, ensino fundamental II, EJA.
Número de estudantes: 419
Matutino: 166
Vespertino: 155
Noturno: 98
Ano de fundação: 24 de outubro de 1994, através do
Decreto Municipal n.º 1.337/94
IDEB observado: 2.4 (4ª série / 5º ano) e 2,6 (8ª série / 9º ano)

A Escola Municipal 3 está situada na periferia da cidade de Jequié, interior


da Bahia. Fundada em 24 de outubro de 1994, esta unidade escolar atende hoje cer-
ca de 415 estudantes, a maioria negros(as) e residentes nos bairros da Caixa D’Água
e Barro Preto (comunidade remanescente de quilombo).
Localizada num bairro popular e muito pobre da cidade, a escola enfrenta al-
guns problemas que se estendem à maioria das escolas de comunidades de periferia
nas cidades brasileiras. Um dos seus maiores desafios é conter o avanço do tráfico de
drogas e o genocídio de jovens negros, geralmente envolvidos com a marginalidade,
porém tem sofrido muito com a evasão escolar, sobretudo, no noturno.

94
As práticas pedagógicas de trabalho com as relações
étnico-raciais
A escola foi indicada pelo NEAB da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB). No contato telefônico a diretora indicou duas professoras para as
entrevistas. De acordo com elas e outros entrevistados, desde o ano de 2003, os(as)
professores(as) da escola participam das formações desenvolvidas pelo NEAB Ode-
erê da UESB. Segundo uma das professoras entrevistadas, a escola está localizada
numa área remanescente de quilombo e implementou uma “disciplina específica
chamada História e Cultura Afro-Brasileira”, além de ter incluído no PPP da escola
todo o trabalho realizado sobre a educação das relações étnico-raciais. No primeiro
contato telefônico, a diretora mostrou-se receptiva e disponível para receber a equi-
pe da pesquisa, que foi recepcionada pela professora e coordenadora pedagógica da
escola.
Durante a recepção, a equipe de pesquisa foi apresentada à professora que
atuamente é a responsável pela disciplina História e Cultura Afro-Brasileira. Se-
gundo ela, o trabalho assistemático com a educação das relações étnico-raciais existe
desde 1999, mas ganhou fôlego com a implementação da Lei n.º 10.639/03.
Embora o clima de recepção da pesquisa tenha se apresentado animador
no primeiro contato, ao longo do trabalho de campo percebeu-se que a presença
dos(as) pesquisadores(as) incomodava indisfarçavelmente a escola. Infere-se que a
dificuldade de envolvimento do coletivo da escola no trabalho voltado para a ques-
tão étnico-racial demonstrada ao longo da investigação pode ser considerada como
um dos elementos motivadores de tal desconforto.

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


Percebeu-se que três professoras são as principais incentivadoras do proces-
so de implementação da Lei e se esforçam por manter e estreitar os laços com o
NEAB Odeerê da UESB.
As entrevistas com as três professoras possibilitaram uma melhor compre-
ensão das relações entre processos de formação continuada e as práticas pedagó-
gicas na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 na escola. Duas delas afirmaram que já
possuíam formação específica para trabalhar com as relações étnico-raciais, o que
se mostra coerente com os discursos fundamentados sobre a educação das relações
étnico-raciais e sobre a cultura e história dos negros no Brasil.

95
Uma das professoras é autora do livro de literatura infanto-juvenil intitulado
Azire a princezinha (sic) de Aruá, que foi premiado em um concurso de literatura
na cidade de Jequié. Segundo depoimento da professora, “esse livro foi trabalhado
na escola e transformado em peça de teatro e... foi muito importante esse trabalho,
porque muitos estudantes passaram a conhecer esse trabalho de literatura africana”.
A professora de História e vice-diretora do vespertino relata que, tempos atrás, foi
vítima de racismo por parte de uma aluna branca, e o caso, apesar do conhecimento
da direção, foi acobertado. Segundo o relato, a aluna recusou-se a assistir às aulas
da professora, e a coordenação afirmou que “era por causa da cor” e, mesmo assim,
aprovou a estudante que não participou das aulas sobre a temática.
Já a outra docente, considerada a professora oficial da disciplina História e
Cultura Afro-Brasileira, não recebeu nenhuma formação referente à temática. Se-
gundo as próprias professoras, a restrição da disciplina aos ciclos iniciais de ensino
pode ser vista como um empecilho para o enraizamento dos trabalhos, além de não
favorecer a interdisciplinaridade. Uma docente afirmou:

Nós não temos disponibilidade de recursos didáticos na escola. Mas eu acredito


que pra trabalhar com cultura afro-brasileira há um fato de estarmos inseridos
em uma comunidade onde há é... vivências... voltadas para a cultura como re-
zadeiras, raizeiros, terreiros, vários grupos de segmento de capoeira, pessoas que
trabalham com a arte do pentear... penteados africanos, então todo esse material
é um recurso humano que nos dá um suporte para trabalharmos com a Lei.

Apesar da existência do decreto municipal, que torna obrigatória a disciplina


Cultura Afro-Brasileira, foi possível perceber que o PPP da escola não apresenta
nenhuma referência à Lei ou a suas Diretrizes.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Durante a permanência da equipe de pesquisa na escola, e antes da realiza-
ção do grupo de discussão com os estudantes, uma cena intrigante envolveu uma
das participantes. Conforme combinado com a direção da escola, a equipe chegou
às 8h30min para início dos trabalhos e logo procurou a coordenadora pedagógica
para indicar o local para sua realização. Ela conduziu a equipe a uma sala ampla

96
e bem arejada, porém completamente suja. A coordenadora solicitou que a equipe
aguardasse por um instante até que ela providenciasse alguém para fazer a limpeza
do espaço. Ainda que as funcionárias de apoio estivessem na cozinha da escola,
conversando distraidamente, dez minutos após sua saída, a coordenadora retornou
à sala trazendo uma pessoa para limpar a sala. Com uma vassoura de palha na mão,
uma aluna do 6º ano, negra, que estava em aula vaga, estava pronta para varrer a
sala. Mesmo a equipe tentando dissuadir a estudante da necessidade de ela limpar
a sala, ela manteve seu propósito e varreu o espaço, além de se propor a fazer o
mesmo em uma sala ao lado.
Não há como deixar de associar o fato ocorrido à forma incipiente como o
trabalho com as relações étnico-raciais vêm acontecendo na escola. A cena, além de
remeter a questões de estereótipos e preconceitos raciais (e até mesmo de racismo
institucional), revela como o trabalho realizado com a Lei está focado na ação de
algumas professoras. Revela também as ambiguidades presentes em uma situação
em que a temática e os conteúdos da Lei n.º 10.639/03 se tornaram oficialmente
obrigatórios em nível municipal, porém, de forma muito específica como uma disci-
plina inserida no currículo, mas talvez pouco debatida e discutida. Ainda é possível
refletir até que ponto as resistências à discussão sistemática sobre as relações raciais
e a História da África na escola básica podem chegar afetando de forma negativa o
principal sujeito de toda essa discussão: os estudantes.
Durante a realização do grupo de discussão com os(as) estudantes, as ativida-
des relacionadas à temática étnico-racial desenvolvidas foram discutidas, bem como
os conhecimentos adquiridos sobre História da África e dos africanos no Brasil. As
afirmações dos(as) estudantes relativas ao continente africano chamaram bastante
a atenção da equipe de pesquisa. Uma estudante, do 6º ano, assim se manifestou:

Gostaria de saber por que lá na África tem mais riquezas do que aqui e mais
animais, como meu colega aqui Patrick falou, porque lá não tem assim esses
negócios de matar animais pra fazer blusas, essas coisas, jaqueta, essas coisas,
porque lá é mais rico em animais, entende? E lá onde você vai, você vê ani-
mais, leões, girafas, búfalos, um bocado de coisa.

Já a estudante do 8º ano fez a seguinte afirmação:

97
Eu queria conhecer a África por causa dos animais, que é muito rica em
animais, a pobreza de lá é mais... as crianças de lá é mais pobre do que aqui,
porque lá elas não têm várias coisas que a gente tem aqui.

Em visita ao noturno da escola, período em que funcionam as turmas de


EJA, foi possível verificar a inexistência da abordagem da temática para os estudan-
tes dessa modalidade. Entretanto, como relatou uma das professoras entrevistadas,
as práticas pedagógicas voltadas para a temática étnico-racial em sala de aula aca-
bam ficando reféns do interesse pessoal de cada professor(a):

A disciplina História e Cultura Afro-Brasileira é ministrada somente nos dois


primeiros anos do ensino fundamental. Eu, como ensino também aos estudan-
tes do fundamental, acabo passando pra eles os conteúdos envolvendo a Histó-
ria Afro-Brasileira, mas isso é uma postura pessoal. Na verdade... a Lei deveria
ser trabalhada em todas as séries, mas, pelo decreto... não é bem assim...

O papel da gestão da escola e/ou coordenação


pedagógica
Durante os dias de permanência da equipe de pesquisa na escola, a gestora
foi contatada diversas vezes para a realização de entrevista, mas por motivos diver-
sos a conversa não pôde ser realizada. Já com a coordenadora pedagógica da escola,
a entrevista ocorreu. Apesar de evidenciar o conhecimento da Lei n.º 10.639/03
e reconhecer sua importância para o corpo discente, a coordenadora pedagógica
não parece demonstrar maior envolvimento com a temática. “Nossa clientela é des-
cendente de afro mesmo, então, não tem como negar isso e seria até uma forma
de excluí-lo. Porque a escola já desenvolve um trabalho voltado para essa questão
étnico-racial.”
A sequência de sua entrevista parece esclarecer a principal motivação do
desenvolvimento deste trabalho na escola: uma determinação municipal da obri-
gatoriedade de inclusão de uma disciplina de História da África e Cultura Afro-
-Brasileira nos currículos de todas as escolas municipais. Como afirma ela, “a Lei
obriga o ensino, né, a História da Cultura Afro. Então, a partir daí, é uma obrigação
da escola é... ensinar a respeito da cultura afro, então é Lei! Por [ser] Lei é para ser
cumprida”.

98
Algumas considerações
Durante conversas informais realizadas com alguns funcionários(as) e estu-
dantes, foi possível perceber que alguns(algumas) professores(as) não participam das
atividades da disciplina Cultura Afro-Brasileira; alguns por preconceito e outros por
não compreenderem a importância da temática da educação das relações raciais.
Constatou-se também que o NEAB Odeerê da UESB é sempre citado como refe-
rência de parceria e intercâmbio. As professoras das disciplinas de História e Cul-
tura Afro-Brasileira em diversos momentos das entrevistas destacaram a solidão do
trabalho e a frequente falta de colaboração e estímulos para que a disciplina cumpra
de fato o papel de promover alterações no modo como se configuram as relações
étnico-raciais no Brasil.
Durante os dias de observação de campo foi possível notar o quanto é solitá-
rio o trabalho dessas professoras. Sem incentivos, materiais e suporte pedagógico, as
práticas voltadas para o que recomenda a Lei ficam cada vez mais distantes. Ainda
assim, há um notório empreendimento pessoal de um pequeno coletivo de docen-
tes no intuito de fazer valer a pertinência do estudo das questões étnico-raciais. É
inegável também a atuação do NEAB na região, posto que por diversas vezes as
professoras entrevistadas referiram-se tanto à formação quanto ao apoio que encon-
tram nos núcleos universitários.
As limitações enfrentadas nesta escola acabam influenciando a realização de
atividades, concentradas apenas no mês de novembro, e consistindo na realização de
uma gincana e uma caminhada que marcam as comemorações do mês da consciência
negra. De acordo com as entrevistadas, em anos anteriores já houve trabalhos mais
específicos, e elas justificam que a falta de apoio da direção é um entrave para a con-
tinuidade de qualquer trabalho, sobretudo dentro do espaço escolar.
A experiência do município de Jequié, que instituiu a disciplina História e
Cultura Afro-Brasileira por meio de um decreto municipal, mas não colocou em
prática outros mecanismos de desenvolvimento e fomento de atividades na pers-
pectiva da Lei (como cursos de formação continuada, aquisição e distribuição de
livros temáticos etc.), provoca reflexões sobre os dilemas da institucionalização. Ao
mesmo tempo em que pode possibilitar um avanço real nas políticas e práticas refe-
rentes à temática, pode favorecer a desresponsabilização do poder público.

99
Quadro 7 – Escola Municipal 3 - Jequié (BA)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Di-
mensão: Na maioria das pare-
Estrutura des da escola havia
física e decorações com mo-
A escola funciona em um prédio de médio porte,
aparên- tivos infantis e a pre-
onde funcionava o ginásio de esportes da cidade.
cia da sença do personagem
escola evangélico Smilinguido
em várias partes.

Características da
Tipo de trabalho e res- Motivações para a rea-
gestão (direção e coor-
ponsável/propositor lização do trabalho
denação)
2 ª Di-
mensão: O trabalho assistemá-
Envol- Apesar da colaboração tico existe desde 1999,
A coordenação diz
vimento para a realização da mas ganhou novo
que o ensino se dá
da ges- pesquisa notou-se cer- fôlego com a Lei. Um
por força de Lei. Na
tão e to desconforto da ges- decreto oficial munici-
verdade, o trabalho é
do cole- tão, talvez em virtude pal tornou obrigatória
realizado por causa da
tivo do pouco apoio dirigido a discussão sobre
forte atuação de duas
às atividades desenvol- relações étnico-raciais,
professoras.
vidas na escola. porém na forma de
uma disciplina.

Biblioteca e acervo
Formação continuada da equipe
étnico-racial
3ª Di-
mensão:
Forma- O caráter solitário do
ção con- trabalho desenvolvido
tinuada e na escola reflete-se Desde 2003 os professores participam de forma-
material nas escolhas dos livros ções continuadas oferecidas pelo NEAB Odereê da
de apoio didáticos, que não UESB.
contemplam a temática
étnico-racial.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificuldades
estudantes (trato da
dos estudantes no trabalho
diversidade)
4ª Di-
mensão: Apesar do gosto dos
Avanços estudantes pelos con- Resistência de parte
e limites tos africanos, não foi Desconhecimento so- dos professores
do traba- possível perceber re- bre a África e reprodu- associada ao pouco
lho lação entre isto e suas ção de estereótipos. comprometimento da
respectivas identidades gestão.
étnico-raciais.

100
Estado de Sergipe
Município de Aracaju – Colégio Estadual 4

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino médio
Número de estudantes: 960 em turno único (manhã e tarde)
Ano de fundação: 1970

O Colégio Estadual 4 foi selecionado a partir da listagem de instituições de


ensino agraciadas com o Prêmio CEERT. Localiza-se em uma área central da cida-
de de Aracaju, em um bairro residencial de classe média, sendo que em sua frente
há uma pracinha com árvores e bancos.
O colégio possui vinte e duas salas de aula, oito laboratórios, cinco banheiros
(um adaptado para portadores de deficiência), dois vestiários, um refeitório, uma
cantina terceirizada, sala de reprografia, quadra poliesportiva, biblioteca, grêmio es-
tudantil, arcádia literária, almoxarifado, sala de arquivos, sala dos professores, sala da
coordenação pedagógica, diretoria, copa, coordenação de informática, sala de educa-
ção física, Núcleo de Atividades de Altas Habilidades (HAAH/S – superdotação) e
um teatro. As salas são espaçosas e arejadas e de tamanho adequado para quarenta
estudantes por turma, que se dividem entre as aulas disciplinares e as oficinas nos
laboratórios.
A biblioteca possui dois ambientes: uma sala de leitura e um espaço que
compõe o acervo com doze estantes (cada estante com dez prateleiras). No mo-
mento do trabalho de campo, em nenhum desses ambientes foram observados car-
tazes ou imagens que fizessem menção à população afro-brasileira. Na estante,
foram catalogados cerca de vinte livros que podem ser relacionados à temática
étnico-racial; porém, apesar do esforço da professora responsável em organizar o
acervo, os livros estão fora do lugar e nenhum(a) dos(as) professores(as) responsá-
veis soube informar onde poderiam ser encontrados livros sobre história do negro,
sobre a cultura afro-brasileira ou a África. Nas paredes dos corredores, no entanto,
foram encontrados alguns trabalhos sobre o dia do folclore realizado pelo professor
de Filosofia com as turmas do primeiro ano, que traziam algumas representações

101
culturais da tradição afro-brasileira, a exemplo do grupo de dança Parafuso, Ca-
cumbi, entre outras manifestações culturais de Sergipe.

Práticas pedagógicas de trabalho com as relações étnico-


raciais
No contato telefônico inicial, estabelecido com o diretor e a coordenadora
pedagógica pela equipe de pesquisa, ambos apresentaram relatos sobre as condições
de desenvolvimento do projeto Um Quê de Negritude na escola, bem como sobre
as atividades de dança e cultura afro-brasileira. Além desse projeto, o diretor e a co-
ordenadora informaram que algumas disciplinas como História e Filosofia também
incluíam a temática africana e afro-brasileira nos conteúdos abordados. Segundo a
informação da coordenadora, o projeto foi incluído no Plano Anual da escola, mas
ela não soube responder com precisão se ele está integrado ao PPP. Afirmou ainda
que naquele momento dois(duas) professores(as) participavam de uma formação
continuada sobre a temática.
No momento da pesquisa, o projeto Um Quê de Negritude encontrava-se no
seu terceiro ano de existência. Pode-se dizer que, no atual momento, é ele que dá
visibilidade ao trabalho com a Lei n.º 10.639/03 no Colégio Estadual 4.
O projeto já montou e apresentou dois espetáculos. O terceiro, que deverá ser
apresentado em novembro de 2010 e é intitulado de Gira: o movimento de Aruanda,
envolve dança e teatro articulados à temática das religiões de matrizes africanas. O
trabalho agrega 38 estudantes-bailarinos, seis estudantes na produção e apenas uma
professora da escola. De maneira pontual participam ainda dois professores, um jor-
nalista e um “Amigo da Escola”. Os espetáculos são belíssimos, há um investimento
econômico, emocional e físico grande por parte de todos os envolvidos na realização
dessas apresentações e performances.
Apesar do seu pouco tempo de existência, o projeto Um Quê de Negritude
vem ganhando visibilidade dentro e fora de Aracaju e as premiações recebidas aca-
bam por divulgar o Colégio Estadual 4 como um realizador de práticas pedagógicas
envolvendo a história e cultura africana e afro-brasileira. Porém, tendo em vista os
dados obtidos observa-se que essa experiência ainda deixa muito a desejar, no que
diz respeito a uma proposta do coletivo da escola e no tocante ao cumprimento da
Lei n.º 10.639/03 no currículo escolar.
As parcerias realizadas pelo projeto e que ajudam na continuidade das ati-
vidades também apresentam um caráter personificado e pouco coletivo. Um pro-

102
fissional integrante do programa “Amigos da Escola” (jornalista e dançarino de
Axé) e uma professora de dança afro auxiliam na realização dos ensaios e produ-
ção de coreografias. Apesar de não possuírem formação sistemática sobre a cultura
afro-brasileira, eles colaboram como podem.
Em conversa com o professor responsável pelas aulas de Geografia, soube-se
que as informações referentes à cultura afro-brasileira ficam restritas aos participan-
tes do projeto, já que os demais estudantes, comunidade escolar e pais têm acesso
a elas apenas no momento em que assistem aos eventos, quando recebem um texto
introdutório sobre as coreografias.

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


Durante o trabalho de campo todos os profissionais da escola se mostraram
interessados em contribuir para a pesquisa, embora a todo o momento relacionas-
sem os propósitos da investigação à professora responsável pelo projeto Um Quê
de Negritude, implantado na escola após a promulgação da Lei n.º 10.639/03. A
responsável pelo projeto é graduada em Letras e em Gestão Pública e se autodefine
como parda. Essa profissional foi premiada e convidada para apresentar o trabalho
no Senegal.
Algumas informações concedidas pela professora idealizadora e responsável
pelo projeto parecem entrar em contradição com o otimismo observado no depoi-
mento do diretor sobre as atividades desenvolvidas. De acordo com o seu depoi-
mento, ela não possui nenhuma formação específica para trabalhar com a temáti-
ca étnico-racial e iniciou esse projeto com o intuito de complementar a sua carga
horária de trabalho. Posteriormente, o projeto ganhou destaque e, aos poucos, ela
procurou inserir referências mais diretas à cultura afro-brasileira.
Por meio de sua entrevista, percebe-se que, de modo geral, o projeto Um Quê
de Negritude não envolve outro(a) professor(a), coordenador, ou qualquer outro(a)
funcionário(a) do quadro escolar... Embora a gestão da escola tenha afirmado que
essa prática pedagógica faz parte do processo de implementação da Lei, a professora
responsável lamenta a ausência de material, de apoios e de uma maior participação
da escola, explicitando o aspecto solitário e personificado do desenvolvimento do
trabalho. Apesar da ausência de formação inicial e continuada, a professora eviden-
cia um ponto de vista crítico sobre as questões étnico-raciais e maior habilidade no
trato com elas.

103
O grupo de discussão com os(as) estudantes
O grupo de discussão com os(as) estudantes foi composto por um homem e
cinco mulheres, três autodeclarados pardos e três negros. O perfil de gênero seguiu a
própria configuração do grupo de dança do projeto Um Quê de Negritude, do qual
participam mais mulheres.
O trabalho do grupo foi realizado em um clima de timidez inicial, curiosida-
de e felicidade por poder falar sobre o projeto. Desse momento participaram apenas
estudantes que fizeram parte do projeto Um Quê de Negritude, pois os outros
interessados tinham aula no mesmo horário. Os(as) estudantes foram consensu-
ais em afirmar que os conteúdos referentes à temática étnico-racial ficam restritos
às atividades do projeto. Relataram, também, que sofrem discriminação por parte
dos colegas e de alguns(algumas) professores(as) com piadinhas de cunho racista e
preconceituoso contra as religiões de matrizes africanas; são chamados depreciati-
vamente de “macumbeiros”, entre outros. Uma das estudantes integrantes do grupo
relatou episódio em que um colega (que pode ser classificado como pardo) disse ter
nojo de negros e que nunca namoraria alguém de pele mais retinta que a de uma
outra estudante negra, conhecida do grupo. Outros estudantes argumentaram que
as piadas ocorrem por pura falta de conhecimento, pelo fato de algumas pessoas
acreditarem que eles incorporam, de fato, o orixá durante a coreografia.
Quando perguntados sobre o que gostariam de conhecer sobre a África res-
ponderam: “As histórias com mais detalhes, todo o processo de colonização para
cá”; “conhecer de perto [a cultura], esclarecer os que ainda vivem aqui, ver se os
descendentes ainda preservam costumes”; “conhecer mais sobre as tribos africanas,
como vivem”; “conhecer a cultura! Aprendi o básico, a cultura eu não conheço”.
Apesar de a coordenação pedagógica afirmar que os professores da área de
ciências humanas incluem a temática étnico-racial em suas aulas, os(as) estudantes
participantes do grupo de discussão disseram que tal abordagem fica restrita ao
projeto Um Quê de Negritude.

O papel da gestão da escola e/ou coordenação


pedagógica
Em entrevista concedida à equipe da pesquisa, o diretor da escola revelou
que, apesar de ter conhecimento sobre o convite recebido pela professora ideali-
zadora do projeto e estudantes para participar do III Festival Mundial das Artes
Negra no Senegal, desconhecia a premiação recebida pelo Prêmio CEERT pelo

104
projeto realizado na escola. Quando indagado sobre a sua visão em relação à temá-
tica das relações raciais no Brasil e sobre o seu próprio pertencimento étnico-racial,
o diretor mostrou-se bastante hesitante, buscando na miscigenação e na própria
experiência familiar algumas explicações:

Não tem nem, nesse país... Até um exemplo claro, deixa eu lhe dá aqui... Oh!
Pra senhora vê o que é que eu digo é por isso que eu sou contra o sistema de
cotas, racial! Por isso aqui, oh! Vou mostrar uma coisa à senhora. Essa criatura
é branco ou é preto? Olho azul, azul, azul! Oh, ela aqui quando era mais nova.
Tá vendo?1

Sabe-se que a miscigenação racial é um marco na construção histórica do nosso


país, porém é também conhecido o uso ideológico dela para a não realização de po-
líticas de promoção da igualdade racial. O apelo à miscigenação é um forte elemento
na composição do mito da democracia racial. Argumentos como “não se sabe quem é
negro e quem é branco no Brasil” têm sido largamente usados pelos grupos contrários
à discussão da raça como construção social e como indutora de políticas públicas. Por-
tanto, é possível refletir, a partir do depoimento do diretor, sobre a força do mito da
democracia racial e sobre a presença da miscigenação na construção de seu argumento
no que diz respeito ao trabalho com a questão racial na escola, quando ele remonta
à sua própria experiência familiar como justificativa contrária à implementação da
política de cotas, embora esta não fosse o tema central da entrevista.
Apesar de o Colégio Estadual 4 ser considerado um colégio-modelo no que con-
cerne à qualidade pedagógica do trabalho realizado, observou-se que a gestão da escola
não se mostrou bem informada sobre as atividades que a própria instituição realiza na
implementação da Lei n.º 10.639/03. No tocante à formação discente, o diretor destaca
o investimento da escola no grupo de estudantes participantes do projeto. Porém, parece
que tal esforço destina-se apenas aos(às) participantes do projeto, os quais são vistos
como aqueles que precisam informar-se mais detidamente sobre a questão:

Os estímulos são além da formação extra, né, que eles têm. A gente promove
as apresentações e eles viajam com frequência. Inclusive agora a gente foi até
qualificado pra ir pro Senegal, né! Eles viajam com frequência e é colocado

1 Entrevista realizada no dia 11 de setembro de 2009.

105
com seriedade, não como uma brincadeira. Por isso eles não participam só da
dança. Eles também têm, além da participação da dança, a formação, aulas
sobre a cultura negra. Tudo o que eles vestem eles sabem o porquê, o signi-
ficado de cada personagem, tudo, entendeu? Além da formação eles têm os
estímulos disso na escola. (Diretor).

A entrevista concedida pela coordenadora pedagógica da escola revela as con-


tradições internas no desenvolvimento do trabalho pedagógico envolvendo a Lei
n.º 10.639/03. De acordo com a coordenadora, embora o PPP da escola não tenha
incluído a temática porque foi elaborado antes de 2003, a escola sempre se preocupa
em trabalhar na perspectiva da igualdade racial e social. No entanto, afirma que não
conhece o Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africa-
na, pois o projeto desenvolvido na escola já dá conta dessa discussão. Em relação à
Lei, afirma que “a Lei 10 mil não sei que lá 2003 [risos]..., nunca aprendi esse nú-
mero, é assim que chamo essa Lei, a professora responsável pelo projeto é a pessoa
que sabe tudo sobre isso, ela é a nossa referência”.
A coordenadora afirmou que a gestão anterior tentou expandir o projeto Um
Quê de Negritude para toda a escola e para as disciplinas de História, Geografia e Filo-
sofia, mas no momento, ao que parece, ele ficou restrito ao trabalho da professora idea-
lizadora. Segundo ela, no início houve certa rejeição ao projeto. Porém com a possibili-
dade de apresentações das coreografias, o trabalho despertou o interesse dos estudantes.

Algumas considerações
O investimento da professora idealizadora e que leva à frente a iniciativa
dentro e fora da escola merece reconhecimento. Mas, como ela mesma pontuou,
“é preciso capacitações sérias e de qualidade para que alguns equívocos na condu-
ção do trabalho possam ser reduzidos”. Nesse sentido, a implementação da Lei n.º
10.639/03 deveria fazer parte do cotidiano da escola e a discussão sobre a questão
africana e afro-brasileira deveria estar inserida no PPP, nos planejamentos pedagó-
gicos de todas as disciplinas, nos conteúdos e debates levantados na escola, entre
os funcionários(as) e professores(as) etc., e não apenas em projetos específicos, por
mais interessantes que estes possam ser.
Nessa perspectiva, o projeto Um Quê de Negritude acaba desempenhando
um complexo e duplo papel: dá visibilidade à escola e ao mesmo tempo é usado

106
como justificativa para que a maioria do corpo docente, a gestão e a coordenação
não implementem a Lei n.º 10.639/03 em todo o currículo escolar, destinando-lhe
um lugar de excepcionalidade e não oficial na instituição.

Quadro 8 – Colégio Estadual 4 - Aracaju (SE)

Aparência da escola Estrutura física da escola

1ª Dimen- Ambientes bem con-


são: servados. Não se viu
Estrutura nenhuma pichação.
física e Boa infraestrutura física, diversas salas amplas e
Havia cartazes repre-
aparência laboratórios bem equipados.
sentando personagens
da escola da tradição afro-sergi-
pana, produzidos em
trabalho sobre folclore.

Características da
Tipo de trabalho e Motivações para a
gestão (direção e
responsável/propositor realização do trabalho
coordenação)

2 ª Dimen-
são: O gestor desconhe-
O Projeto Um Quê de Motivação pessoal
Envolvi- ce a premiação do
Negritude é desen- e profissional de
mento da projeto pelo CEERT
volvido por uma uma professora. Ela
gestão e e apresenta postura
professora e alguns afirmou que iniciou o
do coletivo pouco crítica em rela-
parceiros de fora da projeto para com-
ção à temática racial.
escola. Embora o co- plementar sua carga
A coordenadora tem
nheçam, os professo- horária, e o trabalho
opiniões ambíguas
res apresentam certa foi se enraizando e
sobre o projeto desen-
resistência. tomando fôlego.
volvido pela escola.

Biblioteca e acervo
Formação continuada da equipe
étnico-racial

3ª Dimen- A biblioteca possui um


são: considerável acervo,
Formação mas a bibliotecária
continuada não soube indicar
Nem a professora responsável pelas atividades do
e material exemplares referentes
projeto, nem os demais professores possuem for-
de apoio à temática afro-brasi-
mação específica para trabalhar com a temática.
leira, com exceção de
alguns poucos livros
desorganizados nas
estantes.

107
Formação ética dos
Formação conceitual Principais dificuldades
estudantes (trato da
dos estudantes no trabalho
diversidade)

A qualidade da
4ª Dimen- instituição não é
são: O projeto Um Quê de sinônimo de qualidade
Foram explicitados
Avanços e Negritude possibilita do trabalho com as
poucos conhecimen-
limites do aos poucos estudan- relações étnico-raciais.
tos sobre a África e a
trabalho tes participantes uma As premiações divul-
cultura afro-brasileira,
reflexão sobre a iden- gam o colégio como
para além dos compo-
tidade étnico-racial a realizador de práticas,
nentes vinculados aos
partir da dança e da porém, na realidade,
espetáculos.
música. a prática realizada se
restringe a um projeto
específico.

Estado do Ceará
Município de Horizonte – Escola Municipal de Ensino Fundamental 5

Localização da escola: rural


Dados da escola:
Níveis de ensino: infantil e fundamental
Número de estudantes: 136 estudantes
Matutino: 75
Vespertino: 61
Ano de fundação: fevereiro de 2000

Pertencente à rede municipal de ensino, com sede na Estrada da Coluna,


km 3, no município de Horizonte, a Escola Municipal de Ensino Fundamental
5 fica na zona rural do Ceará e foi indicada pela Secretaria de Educação, Cul-
tura e Desporto da Prefeitura Municipal de Horizonte como uma escola que
apresenta atividades pedagógicas significativas para a implementação da Lei n.º
10.639/03.

108
Com a cidade não possui rede de transporte regular, o deslocamento de es-
tudantes e professores(as) se dá por meio de bicicletas, motos e/ou um ônibus dis-
ponibilizado pela Secretaria Municipal para transporte dos(as) professores(as) até a
cidade de Horizonte. A escola localiza-se ao lado de um pequeno sítio, onde moram
três estudantes. No entorno, apenas árvores e muito verde, nenhuma outra residên-
cia ou estabelecimentos comerciais.
Estabelecer contato telefônico com as escolas do município de Horizonte
foi bastante difícil. Foi preciso entrar em contato com a Secretaria Municipal de
Educação para a disponibilização de um número de telefone, que atendeu só depois
de algumas tentativas. A diretora não se encontrava na escola no momento, mas o
número de seu telefone celular foi fornecido. Durante o contato telefônico, as in-
formações dadas pela diretora indicavam que a Escola Municipal de Ensino Funda-
mental 5 possuía um bom nível de enraizamento da Lei n.º 10.639/03. A diretora
deu informações sobre a existência da disciplina Cultura e História Afro-brasileira
e Africana, que funcionava como polo de implementação da Lei na escola. Infor-
mou ainda que um professor da escola havia feito a formação com vistas a ministrar
a disciplina e que ele era um multiplicador da formação, transmitindo aos demais
colegas os conhecimentos adquiridos.
Na chegada à escola, a diretora recepcionou a equipe com algumas dúvidas,
mas disponível para a realização do trabalho. Ela havia convidado o professor da
disciplina Cultura e História Afro-Brasileira e Africana para participar do primeiro
encontro, embora não fosse dia de atividades dele na escola. A primeira impressão
foi de que ambos não entenderam muito bem o motivo da indicação da escola, tan-
to é que mencionaram outras escolas em Horizonte que desenvolveriam atividades
mais significativas sobre a temática.
A Escola Municipal 5 é pequena: tem cinco salas de aula, um laboratório de
informática (que ficava em uma espécie de antessala do banheiro), cantina, almoxa-
rifado, depósito, secretaria, três banheiros (feminino, masculino e de professores/as)
e uma pequena biblioteca.
A biblioteca situa-se na entrada de uma salinha, sem auxiliar ou qualquer pro-
fessor responsável pelo acervo. Existem alguns vídeos e troféus registrando a partici-
pação da escola na Semana de Novembro, porém o acervo de livros distribuídos pelo
MEC estava sem organização/catalogação. Ali é desenvolvido o Projeto de Leitura,
sob a responsabilidade da professora de português, que realiza atividades de exposição
de livros e sessões de contação de histórias. Em uma das atividades realizadas no
período da pesquisa, observou-se a seleção de dois livros que abordavam a história

109
e cultura afro-brasileira: Zumbi: sobre a história de luta e resistência do herói negro e O
cabelo de Lelê.
Entre os(as) estudantes, apesar dos traços fenotípicos que revelam a herança
afro-indígena, percebeu-se uma forte referência à matriz indígena como principal
marca identitária. Por meio das conversas informais com os(as) funcionários(as), foi
possível notar resistências à identificação dos(as) estudantes como negros ou negras.
Sempre que o tema da pesquisa era mencionado, professores(as) e funcionários(as)
se referiam à escola do entorno do Quilombo de Alto Alegre, mais no interior da
cidade de Horizonte, como aquela em que existiam estudantes negros(as) e por isso
seria o espaço mais adequado de realização da investigação.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
No Estado do Ceará, com orientação do presidente do Conselho Estadual
de Educação, foi publicada a Resolução CEC nº. 416/2006, tornando obrigatória
a inclusão da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo
oficial de todas as instituições da rede de ensino do Estado do Ceará. Em 25 de
fevereiro de 2008, a Secretaria Municipal instituiu a disciplina História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana na grade curricular de todas as escolas do ensino funda-
mental no município de Horizonte, Ceará.
A disciplina Cultura e História Afro-brasileira e Africana é resultado de um
decreto municipal, que a instituiu nas escolas da cidade, tida como responsabilidade
do professor que a ministra. A diretora, os(as) professores(as) e mesmo uma pro-
fessora que já ministrou aulas dessa disciplina parecem não se envolver e nem de-
monstram grande interesse em participar das discussões sobre a temática. Embora
a escola não desenvolva outras atividades sistemáticas voltadas para a educação das
relações étnico-raciais, o mês da Consciência Negra é comemorado com uma ati-
vidade festiva, para a qual é convidada a comunidade do entorno, majoritariamente
pais e responsáveis pelos estudantes.
A escola disponibiliza as sextas-feiras para as aulas sobre a temática étnico-
-racial em cada turma, com a duração de 45 minutos. A disciplina é ministrada
apenas nos anos finais do ensino fundamental, já que a Lei ainda não está sendo
implementada nos anos iniciais. Apesar do não reconhecimento da existência de
estudantes negros(as) na escola, há relatos de preconceito racial. Em conversa com a
equipe de pesquisa, o professor responsável pela disciplina Cultura e História Afro-

110
-Brasileira e Africana afirmou ter presenciado uma estudante fazendo uso de apeli-
dos de cunho racista em ofensa a uma colega negra. Os(as) demais professores(as) e
funcionários(as) afirmaram desconhecer qualquer caso de racismo na escola.
Durante o trabalho de campo, pôde-se observar que todos(as) os(as)
professores(as) têm conhecimento da existência da disciplina Cultura e História
Afro-Brasileira e Africana, que parece ser destinada aos novos docentes da escola,
caso do professor responsável pela disciplina. Entretanto, pelo fato de a maioria da
comunidade escolar não se perceber negra ou não reconhecer a sua afrodescendência,
os docentes parecem achar desnecessário um envolvimento maior com a temática.

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


O professor responsável pela disciplina Cultura e História Afro-Brasileira e
Africana ministra esta disciplina e mais três outras, dentre elas aulas de Geogra-
fia. Durante uma das entrevistas, ela demonstrou conhecimento superficial sobre a
temática-base da disciplina que leciona.
De acordo com o seu relato, ele ficou “surpreso” quando recebeu a disciplina,
já que em Fortaleza, onde reside, estudou e trabalhou, não há nenhuma evidência de
ações como esta nas escolas da rede pública. Passou a conhecer a Lei n.º 10.639/03
em 2007, quando ingressou na Escola Municipal de Ensino Fundamental 5 como
professor, ocasião em que recebeu uma cópia e começou a se interessar pela temáti-
ca étnico-racial. Ainda segundo ele, somente em 2008 a disciplina tornou-se obri-
gatória, como parte do projeto de implementação a Lei. Até aquele momento, os
professores de História eram os que incluíam em seus programas alguns conteúdos
de História da África.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Participaram do grupo de discussão seis estudantes do oitavo e nono anos,
sendo quatro mulheres e dois homens, dois autoclassificados brancos, dois pretos e
dois pardos, numa configuração que reflete o perfil étnico-racial da escola.
No caso da Escola Municipal 5, a equipe de pesquisa enfrentou uma grande
dificuldade para organizar e coordenar o grupo de discussão com os(as) estudantes,
que se comportaram de forma arredia durante todo o tempo e demonstraram bas-
tante timidez. As pesquisadoras precisaram se esforçar muito para obter respostas
curtíssimas e, em muitos casos, monossilábicas. Os estudantes pareciam não se sentir

111
à vontade com relação à temática, quase não falaram e se mostraram desinteressa-
dos e apáticos. Poucos deles(as) fizeram referência a vivências ou memórias sobre a
cultura ou história afro-brasileiras. Para a condução do grupo de discussão, nenhum
material foi selecionado, pois não foi possível obter nenhum trabalho confeccionado
com o objetivo de descrever, comemorar ou pontuar algum tema que se aproximasse
da Lei. Por isso, decidiu-se realizar perguntas sobre as aulas da disciplina Cultura e
História Afro-Brasileira e Africana como forma de motivar as discussões.
O único interesse demonstrado pelos(as) estudantes foi conhecer o espaço
do Quilombo Redenção (o nome da cidade que primeiro libertou os escravos antes
da Abolição), que fica onde “eles (os negros) vivem... viviam”. Do mesmo modo,
refletindo o alheamento sobre a temática africana e afro-brasileira, uma estudante,
autoclassificada como preta, quando perguntada sobre o que gostaria de saber sobre
a África, respondeu: “Queria conhecer uma afro-brasileira”.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
Durante a entrevista a gestora da escola expressou seu desconhecimento so-
bre a Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes. Apesar de já ter acompanhado alguma
discussão sobre a temática, a diretora afirmou nunca ter realizado trabalhos ou par-
ticipado de cursos sobre a temática.
O nível de conhecimento da Lei e de suas Diretrizes expressos pela coor-
denadora pedagógica que, na época da pesquisa, estava na escola havia apenas três
meses, também se apresentou pouco profundo. Segundo ela, apesar de saber da exis-
tência da disciplina, não tinha conhecimento da existência da Lei n.º 10.639/03. Do
mesmo modo, desconhece o conteúdo programático, a metodologia e os materiais
didáticos utilizados pelo professor responsável pela disciplina Cultura e História
Afro-Brasileira e Africana, bem como a existência de livros voltados para a questão
étnico-racial no pequeno acervo da escola.

Formação Continuada
De acordo com o professor e a diretora, a escola já participou em anos ante-
riores de um curso para formação de professores(as) sobre a temática étnico-racial,
ministrado pelo professor Henrique Cunha Júnior, docente da Universidade Fe-
deral do Ceará, e organizado em parceria com o NEAB desta mesma instituição,
com uma carga horária de 120 horas, sendo 40 delas destinadas à preparação de

112
atividades práticas com culminância prevista para a Semana de 20 de Novembro.
O curso resultou na constituição de um grupo de estudos mensal, responsável por
planejar o conteúdo programático e o material das aulas, além do evento da Semana
de Novembro.

Algumas considerações
As respostas desconexas dos(as) estudantes, o despreparo da gestão, da coor-
denação e o distanciamento que a comunidade, os movimentos sociais e os funcio-
nários mantêm em relação à realização das práticas pedagógicas na perspectiva da
diversidade étnico-racial nesta escola ilustram os limites e as dificuldades enfren-
tados na implementação da Lei n.º 10.639/03. Dessa forma, as práticas observadas
podem ser consideradas ainda distantes do que propõe a própria Lei. Do mesmo
modo, o professor responsável pela disciplina, embora tenha participado de curso de
formação e demonstrasse curiosidade e certo interesse pela cultura africana e afro-
-brasileira, parece não refletir esses elementos na preparação das suas aulas nem na
efetivação delas.
No caso do município de Horizonte, foi possível perceber as contradições e
os limites enfrentados no processo de implementação e enraizamento da Lei n.º
10.639/03. A realização do proposto na legislação, mesmo na forma de decreto mu-
nicipal, necessita de um processo contínuo de formação e acompanhamento. Quan-
do esse processo se dá em um terreno pouco fértil à implementação da temática
étnico-racial, acaba por enfraquecer o seu trato pedagógico na escola.
No caso específico da Escola Municipal 5, percebe-se que a inclusão de uma
disciplina responsável por abordar os aspectos relativos à temática étnico-racial,
além de restringir o espírito interdisciplinar da Lei e de suas Diretrizes, acaba por
enfraquecer a sua implementação. E, assim como foi visto em outras escolas que
fazem parte desta pesquisa, alguns profissionais resistentes à inserção sistemática
e pedagógica da Lei e de suas Diretrizes acabam utilizando-as como forma de se
eximir de suas responsabilidades.

113
Quadro 9 – Escola Municipal de Ensino Fundamental 5 - Horizonte (CE)

Aparência da escola Estrutura física da escola

1ª Dimen- Os banheiros são bem


são: conservados e não
Estrutura apresentam marcas de
física e pichações ou algo se- A escola é bem pequena, tem espaços bem redu-
aparência melhante. Porém, não zidos e alguns improvisados (como o laboratório
da escola se observa nenhuma de informática).
referência iconográfica
em relação aos traba-
lhos desenvolvidos.

Características da
Tipo de trabalho e res- Motivações para a
gestão (direção e
ponsável/propositor realização do trabalho
coordenação)
2ª Dimen-
são: Uma lei municipal
Lei municipal. Como
Envolvi- A gestora não tem instituiu a disciplina de
não reconhecem a
mento da conhecimento sobre a História da África. A
presença significativa
gestão e Lei. A coordenadora, escola não desenvolve
de negros dentro da
do coletivo que está na escola há atividades sistemáti-
escola, os professo-
apenas três meses, cas voltadas para as
res julgam o trabalho
desconhece quase relações étnico-raciais
desnecessário.
totalmente a temática. além da Semana da
Consciência Negra.

Biblioteca e acervo
Formação continuada da equipe
étnico-racial
3ª Dimen-
são: A biblioteca situa-se
Formação em uma salinha sem
continuada funcionário respon- De acordo com a gestora e um professor, foi or-
e material sável. O acervo ganizado um curso de formação de 120 horas em
de apoio distribuído pelo MEC parceria com o NEAB da UFC.
encontra-se desorga-
nizado.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificuldades
estudantes (trato da
dos estudantes no trabalho
diversidade)

4ª Dimen- Os estudantes pare- Dificuldades de


A desarticulação do
são: cem não se sentir à perceber situações de
trabalho com a Lei
Avanços e vontade com relação à discriminação racial na
n.º 10.639/03 parece
limites do temática. Mostraram- escola. Ambiguidades
refletir no pouco
trabalho -se desinteressados, da implementação
conhecimento que os
apáticos e fizeram da Lei a partir da
estudantes demonstra-
poucas referências a disciplina Cultura e
ram sobre a temática
vivências ou memórias História Afro-Brasileira
africana.
do projeto. e Africana.

114
Estado do Maranhão
Município de São Luís – Centro de Ensino Médio 6

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino médio, EJA
Número de estudantes: 2.072 estudantes
Matutino: 793
Vespertino: 641
Noturno: 638
Ano de fundação: 29 de abril de 1974

O Bairro de Fátima, onde se localiza o Centro de Ensino Médio 6, tem duas


escolas de samba, vários blocos tradicionais, grupos de tambor de crioula, grupos de
bumba-meu-boi, destacando-se o Boi de Zabumba de “Dona Zeca” (o mais antigo
do bairro) e um bloco afro, o Abibimã.
O colégio tem espaço amplo: 37 salas de aulas parcialmente ocupadas com 20
turmas no turno matutino (793 estudantes), 17 turmas no vespertino (641 aluno)
e 17 turmas no noturno (638 estudantes) somando um total de 45 turmas. Dispõe
de 3 laboratórios: Matemática, Ciências Biológicas e Informática; 2 quadras, uma
semiutilizada (porque não está coberta; no verão o sol é forte e no inverno não há
proteção contra a chuva) e uma quadra coberta, que fica disponível para a comuni-
dade em dias não letivos. Há um auditório amplo, com ar-condicionado e sistema
de sonorização acústico; a sala dos professores é bem iluminada e tem uma antessala
para atendimento aos estudantes que necessitem falar com os docentes. No total, a
escola conta com 13 banheiros, um dos quais fica na sala da direção, outro na sala
dos professores e um reservado à secretária; todos os banheiros possuem chuveiro,
inclusive os 10 disponíveis para os estudantes.
A biblioteca da escola é grande e arejada. Mediante registros no caderno de
visitas e empréstimos foi possível observar que é bastante utilizada pelos estudantes.
Entretanto, a organização das estantes e dos livros dificulta a acessibilidade por
causa de sua altura. Embora seja grande o acervo disponível em estantes repletas de

115
livros, percebeu-se que havia muitos exemplares repetidos, a maioria enciclopédias,
livros didáticos de anos anteriores e alguns dicionários.
A equipe da pesquisa foi muito bem recebida por parte da diretora e de alguns
professores(as), que haviam, inclusive, organizado uma apresentação de dança afro
para a recepção. Sobretudo durante os primeiros contatos com os(as) estudantes,
ficou nítido que todos já haviam sido informados sobre a participação da escola na
investigação. Em determinados momentos, os(as) estudantes eram relembrados(as)
pela diretora sobre o papel das pesquisadoras: “Olha, essas são as professoras que
vieram da Bahia para visitar a nossa escola; elas estão trabalhando para o MEC”.
Durante as visitas, percebeu-se que o clima de informalidade estava cercado
de desconfiança e receio pelo que era permitido dizer. Por algum tempo as respostas
pareciam evasivas e sucintas. A gestora acompanhou a equipe praticamente durante
todo o tempo de permanência na escola e sempre alertava os estudantes sobre a
função da pesquisa na escola. Apesar da tentativa de quebra de certas formalidades,
a escola via a investigação com cautela e atenção.
Alguns professores(as), durante conversas informais, falaram de sua insatisfa-
ção com o trabalho na escola, sobre os problemas de infraestrutura e das constantes
greves que desestimulavam as atividades extraclasse. Uma professora do turno da
tarde informou que nenhum(a) professor(a) daquele turno realizava trabalhos vol-
tados para a temática étnico-racial e justificou que ela mesma não havia participado
do Projeto Mãe África, porque não fora convidada. Afirmou também que não esta-
va preparada para lidar com o conteúdo determinado pela Lei, já que nunca havia
participado de formação específica nessa temática.
Em conversas informais foi perguntado a vários docentes se conheciam a
Lei n.º 10.639/03 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Os(as)
professores(as) afirmaram já ter ouvido falar da legislação, contudo não a conhe-
ciam profundamente. Todavia, observou-se na biblioteca da escola a presença desse
material.
Durante o trabalho de campo percebeu-se desconhecimento sobre o con-
teúdo do PPP por parte do(as)s professores(as). Muitos dos(as) entrevistados(as)
afirmaram saber da existência do PPP, mas não participaram de sua elaboração, nem
tiveram acesso a ele, embora estivesse disponível na direção do Colégio. Lamenta-
velmente essa é uma situação ainda vivida em muitas escolas brasileiras.

116
As práticas pedagógicas de trabalho com as relações
étnico-raciais
De acordo com os professores(as) entrevistados(as), o Projeto Mãe África foi
iniciado em 2005 e concentrou-se no período de maio a novembro envolvendo três
áreas: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias: Arte, Língua Portuguesa e Língua
Estrangeira Moderna; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias: Mate-
mática, Física, Química e Biologia; Ciências Humanas e suas Tecnologias: História,
Geografia, Sociologia e Filosofia. Embora a proposta fosse a realização de um tra-
balho que envolvesse toda a unidade escolar nos três turnos, o projeto restringiu-se
ao turno da manhã e a alguns(algumas) professores(as), com destaque para as disci-
plinas Artes, Literatura, História e Química. Os trabalhos desenvolveram-se duran-
te três anos consecutivos (de 2005 a 2008), mas não tiveram continuidade em 2009.
De acordo com a diretora da escola, o Projeto Mãe África preexiste à Lei n.º
10.639/03 e, apesar de focalizar apenas a dança, conseguiu ir além. Nesse sentido,
tem uma importância estratégica.

E é um trabalho que está tendo resultado satisfatório, o envolvimento de to-


dos os segmentos da escola. Tanto os professores quanto os funcionários par-
ticipam de todas as atividades. Nós trabalhamos com o projeto cultura, a parte
cultural, dança afro, tivemos também oficina de beleza afro, tivemos a parte
textual de elaboração de texto, relações humanas, tudo dentro do Projeto Mãe
África, o projeto maior.

Como outro exemplo de uma abordagem sobre a questão étnico-racial, po-


dem-se citar as atividades desenvolvidas pelo professor de Química, nas quais se
utiliza o laboratório para produzir juntamente com os(as) estudantes produtos para
cabelos crespos. Tal experiência desperta o interesse dos(as) estudantes e colabora
tanto para valorização da corporeidade negra quanto para a compreensão e o con-
vívio com a diferença.
Todavia, iniciativas como essas ainda são desenvolvidas isoladamente. Além
disso, a temática étnico-racial e africana não está incluída no PPP da escola. Embora
esse documento possua uma parte exclusiva para tratar dos projetos desenvolvidos
pelo colégio, incluindo o Projeto Mãe África, ele não se detém sobre as orientações
contidas na Lei n.º 10.639/03.

117
Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho
A professora de Artes é a principal responsável pelo projeto na escola. Para
ela, a descontinuidade do Projeto Mãe África pode ser vista como uma perda
significativa. De acordo com a professora, são muitas as dificuldades enfrentadas
para manter o grupo de dança afro, pois ele parece sofrer perseguições de alguns
professores(as) e funcionários(as) que, constantemente, reclamam do barulho du-
rante os ensaios e fazem comentários depreciativos sobre a cultura afro-brasileira.
Ainda assim, o grupo tem resistido e alcançado algum reconhecimento.

Aqui em São Luís não tem bem um desfile na cidade durante as comemora-
ções cívicas da Independência do Brasil, mas o governo do Estado e a Pre-
feitura armam um grande palco no centro, onde as fanfarras das escolas e
as corporações militares se apresentam. Então, foi neste desfile mesmo que
tudo aconteceu. Dois dias antes do desfile, recebemos um comunicado da Se-
cretaria de Educação que nossa escola iria se apresentar no 7 de Setembro,
pediram para nos organizarmos, mandaram as camisas padronizadas e tudo,
eu pensei [...] Tive a coragem de propor à diretora que levássemos o grupo
de dança afro para se apresentar. Sabia que depois do desfile, com certeza,
eu sairia da escola, mas quis pagar pra ver. [...] Quando anunciaram o nome
do Centro de Ensino Médio 6, eu disse: Seja o que Deus quiser, e fui com
toda coragem incentivar os estudantes. A apresentação foi linda, linda mesmo,
sem defeito! As pessoas ficaram eufóricas, o prefeito adorou e a secretária de
Educação veio cumprimentar os estudantes e a nós (a diretora e eu). Saí dali
cheia de orgulho! E vocês não sabem da melhor! Todo ano nós nos apresen-
tamos, somos convidados de honra. É o momento em que a formalidade do
desfile cívico dá espaço para as raízes culturais do Maranhão e todos ficam
aguardando a nossa apresentação. Agora a gente tem dinheiro só pra isso, que
o governo manda. (Professora de Artes).

O professor de Literatura afirmou, durante a entrevista, que diversos fatores


interferiram na descontinuidade do projeto no ano letivo de 2009, entre eles a falta
de formação dos docentes para trabalhar com a Lei n.º 10.639/03

118
A nossa intenção com o projeto não estava restrita apenas aos estudantes em
si, mas todo mundo do colégio teve participação. A escola tem uma coisa in-
teressante, que geralmente o pessoal da secretaria fica só na questão de olhar,
de observador e dentro do projeto Mãe África houve uma preocupação nossa
também de conscientizar [a todos] sobre a importância de vivenciar a Lei.
(Professora de Literatura).

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Foram entrevistados dois rapazes e quatro moças. A maior parte participava
do projeto de dança afro Mãe África. Todavia, dentre os escolhidos, não foi possível
verificar uma reflexão crítica sobre a África, predominando visões estereotipas cons-
truídas pela grande mídia e presentes no senso comum.
Foi possível notar os efeitos negativos da ausência de uma discussão cotidiana e
planejada sobre a temática étnico-racial, a história da África e a cultura afro-brasileira,
bem como a percepção dos(as) estudantes sobre o continente africano. Nas suas afir-
mações, observou-se que entre eles ainda paira uma imagem generalizada sobre a
África, vista ainda como exótica, faminta reduto de calamidades.

Eu queria conhecer também muito a África. E também eu vi, na reportagem


que MV Bill mostrou, lá a parte pobre, as crianças, as mulheres pra alimentar...
eles tinham que fazer bolacha de barro. Eu olhei... Aí MV Bill pediu para elas
comerem lá, e elas comendo, e ele perguntou se elas achavam gostoso, e elas
disseram: “como é que elas não iam achar gostoso se era a única coisa que
eles tinham pra comer”. [...] Na internet, eu olho muito vídeo deles. Aquelas
crianças desnutridas, comendo essas coisas diferentes. E eu queria ir, assim,
pra conhecer e ajudar a parte pobre deles lá, que eles têm, né? (Estudante).

Embora participassem do grupo de dança do Projeto Mãe África, os(as) es-


tudantes reproduziram os discursos observados no senso comum, enfatizando ora
a pobreza, ora a miséria e as guerras, ora afirmando que era melhor conhecer as
savanas e as belezas naturais, por não terem coragem de encarar a realidade “muito
forte” da fome na África.

119
O papel da gestão da escola e/ou coordenação
pedagógica
Ao mesmo tempo em que foi possível perceber o bom relacionamento entre
a gestão escolar e os(as) estudantes da escola, notou-se a dificuldade da diretora de
classificar e nomear especificamente como negro(as) alguns dos estudantes, princi-
palmente aqueles que estavam envolvidos com a atividade de dança do Projeto Mãe
África. Quando perguntada sobre a realização por parte da Secretaria de Educação
de algum trabalho voltado para os estudos das relações étnico-raciais na escola, ela
respondeu: “Não me recordo o nome do setor que é voltado só pra questão dos
étnicos, dos afros, a questão dos quilombolas e tem também a questão da educação
indígena, educação no campo”.
No seu depoimento, a diretora afirmou que a escola realiza formação conti-
nuada de professores(as) e que, apesar dessa atividade envolver um grupo específico
de docentes, ela se estende a toda a escola e inclui a participação da comunidade
mediante reuniões de pais e mães, participação em eventos da escola etc. Declarou,
ainda, uma parceria com o Centro de Cultura Negra, que já emprestou adereços e
instrumentos para as atividades do projeto e utiliza as dependências da escola para
suas atividades. Também informou a existência de algum contato com uma comu-
nidade remanescente de quilombos no entorno da escola.
Embora reconheça a pertinência do Projeto Mãe África, a coordenadora pe-
dagógica não se apresentou muito inteirada do trabalho realizado pelos professores.
Segundo ela, o seu trabalho voltava-se mais para o ENEM, já que toda a escola
estava empenhada em aumentar a média da escola no exame. Ela reconheceu que
a descontinuidade do projeto não favorecia a comunidade escolar, porém justificou
que a interrupção dos trabalhos tinha relação com questões internas do corpo do-
cente e demais funcionários.

Algumas considerações
Por meio das entrevistas com alguns (algumas) professores(as), percebeu-se que
o projeto deixou de existir por resistência de alguns docentes e falta de apoio da coor-
denação e da gestão da escola. Algumas atividades na perspectiva das relações étnico-
-raciais vêm sendo desenvolvidas, porém carecem de fundamentação, organicidade e
desenvolvimento coletivo. O fato de o projeto ter se desenvolvido especificamente em
um só turno, a saber, pela manhã, pode ser considerado um dos fatores que interferiu
na sua descontinuidade, uma vez que não foi assumido pelo coletivo da escola.

120
Embora o trabalho realizado por uma equipe de docentes do Centro de En-
sino Médio 6 apresente alguma preocupação de atender as especificidades da Lei
n.º 10.639/03 e suas Diretrizes, há muito por rever, a começar pela própria inter-
rupção das atividades do Projeto Mãe África em 2008, limitando-se exclusivamente
ao grupo de dança afro. A proposta inicial envolvia atividades realizadas com as três
áreas enfatizadas pela Lei n.º 10.639/03: História, Artes e Literatura, no entanto,
na realidade, limitou-se a palestras e seminários, sem a efetiva participação do co-
letivo docente.
Mediante as conversas informais e as entrevistas realizadas com a gestão,
coordenação pedagógica, alguns professores(as) e o grupo de discussão com os(as)
estudantes, percebeu-se um descompasso no que se refere às interpretações sobre
o trabalho com a questão étnico-racial na escola. Tal situação pode revelar a de-
sarticulação e a dificuldade de condução coletiva dos trabalhos.

121
Quadro 10 – Centro de Ensino Médio 6 - São Luís (MA)

Aparência da escola Estrutura física da escola

Contrariamente às condi-
1ª Dimen- ções dos banheiros dos
são: professores, os banheiros
A escola conta com uma ótima estrutura física,
Estrutura dos estudantes apresen-
com espaços diferenciados e equipamentos
física e tam-se malconservados e
diversos, apesar das reclamações de alguns
aparência carecem de limpeza mais
docentes em relação a esse aspecto.
da escola sistemática. Observam-se
ali e em outros espaços
muitas pichações com
assinaturas.

Motivações para
Características da gestão Tipo de trabalho e res-
a realização do
(direção e coordenação) ponsável/propositor
trabalho
2º Dimen-
são: O Projeto Mãe África
Envolvi- Articulação de
foi realizado entre
mento da docentes das áreas
Direção e coordenação 2005 e 2008 e, apesar
gestão e de Artes, História
pouco envolvidas com o de começar só com
do coletivo e Química em um
projeto. Inexistência de dança, conseguiu ir
trabalho com a
informações. além. Mas hoje as
temática da Lei n.º
atividades resumem-se
10.639/03.
ao grupo de dança.

Biblioteca e acervo
Formação continuada da equipe
étnico-racial
3ª Dimen-
são: A escola conta com uma
Formação boa biblioteca, mas não
continu- Segundo relatos, nem a escola, nem o Estado
possui bibliotecária. Os
ada e oferecem cursos de formação. Desconhecem os
livros estão desorganiza-
material NEABs da UEMA e UFMA e as formações que
dos e não foram encon-
de apoio oferecem.
trados títulos voltados à
temática étnico-racial.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificulda-
estudantes (trato da
dos estudantes des no trabalho
diversidade)

4ª Dimen- O pouco conhecimento


são: dos estudantes reflete Limites na condu-
Avanços e a descontinuidade do ção do processo de
Mudanças na identifi-
limites do trabalho realizado. gestão da escola.
cação étnico-racial de
trabalho As imagens sobre a Falta de formação
alguns estudantes.
África ainda situam- continuada e de
-se no exótico ou na apoio institucional.
negatividade.

122
Regional Nordeste II

Moisés de Melo Santana


Itacir Marques da Luz
Auxiliadora Maria Martins da Silva

Teresina

Natal
RN

PB

Olinda
PI
PE

União dos Palmares Ibateguara

Maceió
AL
Estado do Alagoas
Município de Ibateguara – Escola Estadual Monsenhor 7

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental e médio
Número de estudantes: 967 matriculados
ensino fundamental: 349
ensino médio: 524
EJA: 94 (número de matrículas)
Ano de fundação: criada através do Decreto n.º 34. 178 de 1990,
com publicação no DOE, de 8 de maio de 1990.
IDEB observado: 3.3 (4ª série / 5º ano) e 3.1 (8ª série / 9º ano)

A Escola Estadual Monsenhor 7 foi batizada com o nome de um cônego que


nasceu na localidade e deu grandes contribuições à educação local. A localização
relativamente central da escola facilita o acesso do público e é a única na cidade a
oferecer o ensino médio.
Contemplada com uma pequena reforma em 2002, está instalada em um pré-
dio de dimensões modestas. A fachada é ampla e bem conservada e, apesar do muro
alto e das plantas no entorno, o nome da escola fica visível para os transeuntes. Há
uma antena parabólica instalada numa de suas laterais. Apresenta boa organização
do espaço, com salas de aula e banheiros – para estudantes e funcionários – con-
servados e distribuídos em dois pavimentos ligados por pequenas escadarias, e uma
rampa de acesso, já que o imóvel encontra-se num terreno com declive.
O espaço físico comporta ainda secretaria, diretoria, laboratório de informá-
tica com equipamentos novos e aulas regulares, cozinha, um pequeno depósito para
materiais de limpeza, banheiro adaptado para uso de deficientes físicos e duas áreas
centrais: um galpão coberto e outra ao ar livre no plano mais baixo do terreno.
Observam-se em determinados lugares do prédio alguns cartazes cujo con-
teúdo é geralmente relacionado às atividades da escola, e não há depredação nem

124
pichações. Na entrada, há uma ou outra imagem religiosa católica e nas salas da
administração encontram-se diversos materiais e equipamentos de escritório, além
de troféus e fotos da participação da escola em eventos.
O entorno da escola é aparentemente tranquilo. A escola é cercada basica-
mente por residências e também fica próxima aos principais pontos de fluxo da
cidade. Entre os principais espaços de sociabilidade existentes encontram-se algu-
mas praças, um centro cultural, a sede do Conselho Tutelar, outras escolas da rede
municipal, que oferecem o ensino fundamental, igrejas, e uma delegacia.
Os(as) informantes foram praticamente unânimes em dizer que a indicação
da escola para participar da pesquisa é resultante do esforço coletivo empenhado
para um trabalho benfeito com o tema das relações étnico-raciais, fundamental-
mente a partir do Projeto Alma Não Tem Cor, desenvolvido em 2007.
Sobre o conhecimento e contato com a Lei n.º 10.639/03 propriamente dita,
as opiniões já não foram tão unânimes, e há algumas particularidades em relação às
práticas realizadas. O coordenador pedagógico, por exemplo, disse ter tido contato
com a Lei apenas em 2006, através dos encontros afro-alagoanos, que se realiza-
vam todos os meses no Palácio do Governo, em Maceió, com a participação de
representações da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR), da África e da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Uma docente
disse tido conhecimento da Lei na universidade, quando cursou disciplina de His-
tória da África.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
Desenvolvido entre os meses de agosto e dezembro de 2007, o Projeto Alma
Não Tem Cor obteve ampla repercussão entre as iniciativas educacionais promovi-
das para a discussão da temática étnico-racial. De acordo com o coordenador, uma
das motivações para a elaboração do projeto foram as situações de discriminação que
eventualmente ocorriam na escola, algo que remetia às reflexões que ele e outros(as)
professores(as) faziam durante as participações nos encontros afro-alagoanos. Após
o estudo da Lei n.º 10.639/03, decidiram que era importante implementá-la para
que chamasse a atenção de toda a comunidade no sentido de estimular mais o diá-
logo sobre o assunto nos lares.
A ideia do nome do projeto veio da canção “Alma não tem cor”, do compo-
sitor e cantor Chico César, que teve sua letra trabalhada em sala de aula. Também

125
foi realizada uma eleição com os estudantes para a escolha do tema do projeto e
da sua logomarca, a partir de um concurso de desenho. Foram convidadas pessoas
ligadas à cultura negra na região, pastores e padres, além de várias instituições da
cidade, com o objetivo de socializar do modo mais abrangente possível os objetivos
do trabalho. Logo após, foram realizados na escola os seminários, que culminaram
com um desfile na cidade e uma exposição sobre as questões étnico-raciais.
O projeto tratou de temas diversos distribuídos entre as séries/turmas: Lin-
guagens, Artesanato, Folguedos e Culinária; Heróis de Palmares; artistas plásticos
que retrataram os negros no Brasil; Literatura Negra Brasileira; Civilizações Afri-
canas; Tráfico Negreiro no Mundo; Continente Africano: Riquezas e Pobrezas; Ci-
ganos no Brasil; Candomblé e Umbanda; Vodu; Musicalidade Negra e da Dança;
Povos Indígenas Ontem e Hoje, Miscigenação Brasileira (asiáticos, europeus, afri-
canos); Religiosidade Indígena; Apartheid; a Causa dos Judeus e da África Muçul-
mana; Negros na História; Luta pela Independência Africana e dos Povos Africa-
nos e a Formação do Povo Brasileiro; Cotas Raciais e as Doenças Étnicas; Racismo
e Preconceito; Klu, Klux Klan e Escravidão no Brasil.
Na época também foram realizadas visitas às comunidades quilombolas e
comunidades indígenas na companhia dos(as) professores(as) para a realização de
pesquisa de campo. No final, os(as) estudantes fizeram portfólios de determinados
temas como resultado das suas pesquisas. Essa forma de trabalhar rompeu com o
tradicional jeito de desenvolver atividades através da feira de ciências, além de con-
seguir trazer o tema para discussão. No início, segundo a diretora, houve resistência
inicial de alguns estudantes evangélicos e de seus pais e mães em trabalhar com o
tema da religiosidade afro-brasileira.
No ano de 2008 a escola desenvolveu o Projeto Alagoas Meu Bem-Querer,
que também contemplou alguns temas já trabalhados no Projeto Alma Não Tem Cor.
Durante a entrevista, a diretora afirmou o seu apoio à disciplina História da África e
disse ter incluído a temática até mesmo na questão ambiental, que é a sua área. Por
isso, acha que ainda há muita coisa que gostaria de conhecer. Apesar de o histórico do
projeto revelar um diálogo com a comunidade e movimentos sociais, ela relatou que
não há vínculos da escola com as organizações da sociedade civil que trabalham com
a questão étnico-racial. Estes podem ser observados na atuação individual de alguns
docentes, como por exemplo na trajetória do atual vice-diretor que já participou da
Pastoral da Juventude do Meio Popular e promoveu articulações com outros grupos e
espaços sociais de discussão sobre a temática das relações raciais.
Em entrevista, o coordenador pedagógico destacou que algumas professo-
ras participam ou já participaram de movimentos sociais organizados, associações

126
e partidos políticos, a exemplo do próprio Movimento Negro, do Movimento dos
Trabalhadores Sem-Terra (MST) e do Partido dos Trabalhadores (PT) etc. Regis-
trou ainda sua colaboração junto à Associação de Grupos e Entidades Negras de
União dos Palmares (AGROCENUP).
Em relação ao conhecimento do Plano Nacional das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana, os(as) entrevistados(as) disseram que não se
apropriaram suficientemente do conteúdo, apesar de já o conhecerem, seja através
de meios como a internet e conversas informais, seja através de material publicado
e disponível na própria escola. Apesar de não contemplarem de modo integral as
necessidades formativas dos(as) professores(as), a diretora e a equipe pedagógica
reconhecem o papel da SEED na promoção de cursos de formação continuada.
Foram citados também os cursos oferecidos pelo NEAB/UFAL.

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


Os dados do trabalho de campo revelam que o professor de História, docente
da Educação de Jovens e Adultos, do ensino médio e coordenador pedagógico da
escola, desenvolve a coordenação do projeto. Porém a iniciativa e desenvolvimento
do projeto A Alma Não Tem Cor parece articular um coletivo de educadores de
várias áreas e não se limita a um só profissional da escola.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


O grupo de discussão foi formado basicamente por estudantes que partici-
param do projeto A Alma Não Tem Cor. A conversa abarcou quatro moças e dois
rapazes do primeiro ano do ensino médio e nono ano do ensino fundamental.
Os(as) estudantes deram seus depoimentos sobre a história africana e afro-
-brasileira, destacando não apenas a realidade vivida na escola, mas também o que
traziam de suas experiências no âmbito da família e em outros espaços sociais mais
amplos. Em geral, indicaram o projeto A Alma Não Tem Cor como o principal res-
ponsável pelo contato com a discussão sobre a temática étnico-racial, principalmen-
te pela conscientização sobre o que ainda precisa ser feito na escola e na sociedade.
A curiosidade ficou expressa na fala de um dos(as) estudantes: “Eu acho que
até agora nós não sabemos a história verdadeira, sempre pode ser uma farsa, uma
mentira”. Outro estudante apresenta sua curiosidade sobre os grupos étnicos da
África, sua variedade e diversidade. Uma aluna completa dizendo que há um anseio

127
em saber mais: “até mesmo para fazer uma avaliação de como os negros viveram e
como eles vivem hoje na África, se mudou ou se continua do mesmo jeito”.
Os depoimentos foram unânimes em afirmar a necessidade e o desejo de
adquirir novos conhecimentos sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira
nos seus diversos aspectos. Aprender algo além do sofrimento dos(as) negros(as) na
época da escravidão, sobre o modo como viviam e os momentos de alegria.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
De acordo com a diretora, a educação para as relações étnico-raciais vem
sendo trabalhada de alguma forma na escola há uns três anos, através da discussão
sobre preconceito e racismo nas aulas sobre cidadania e mesmo em algumas disci-
plinas obrigatórias do currículo, a exemplo de Biologia e História. Após a promul-
gação da Lei n.º 10.639/03, passou-se a exigir de todos(as) os(as) profissionais um
trabalho mais consistente em sala de aula.
A diretora ainda assinalou que ocorreram casos de discriminação racial na
escola, os quais foram os motivadores da elaboração do projeto Alma Não Tem Cor.
Segundo ela, tais situações envolveram basicamente xingamentos e foram contor-
nadas na ocasião, sem consequências graves. Ainda segundo relato da diretora, nas
reuniões pedagógicas são propostos temas para trabalho em conjunto com os(as)
coordenadores(as) e professores(as) e, depois de colocados em votação, todos de-
cidem sobre o que será trabalhado como projeto naquele ano. Além disso, sugere-
-se aos professores(as) que contemplem certos aspectos da educação das relações
étnico-raciais nos conteúdos previstos, conforme sua área de atuação, a exemplo de
Artes e História.

Algumas considerações
Na avaliação dos(as) entrevistados(as), o resultado do projeto de 2007 foi
muito positivo, porque provocou mudança de mentalidade e diminuiu as expressões
de racismo na escola. O reconhecimento de sua contribuição ao debate se mani-
festou quando a gerente de Educação Étnico-Racial da Secretaria de Estado da
Educação e do Esporte participou do lançamento do projeto no Mercado Público
de Ibateguara e convidou a escola para se tornar o piloto da 7ª Coordenadoria de
Ensino na adoção das disciplinas História e Cultura Afro-Americana, conforme da
Lei Estadual 6.814/07.

128
No entanto, foi possível observar que, no calendário escolar e nos eventos
previstos, não consta a temática étnico-racial de maneira explícita. Questionada
sobre as datas contempladas e a forma de abordagem, a diretora assumiu que nor-
malmente costuma-se dar mais destaque ao dia 20 de novembro, no qual, entre as
atividades, constam visitas à Serra da Barriga. Sobre isso o coordenador também
reconhece que não há uma maior diversificação sobre o tema no calendário escolar,
embora ressalte a importância do que é debatido em sala de aula.
Os(as) entrevistados(as) fizeram questão de destacar os avanços, a forma
como os(as) estudantes e professores(as) “vestiram o projeto”, a ponto de hoje pode-
rem discutir o tema com mais segurança graças ao trabalho que desenvolveram. Na
opinião de uma das professoras, não se vê mais preconceito dentro da escola, porém
outra docente comentou que tal situação ainda pode ser eventualmente percebida
na sala de aula por meio de uma frase ou outro tipo de brincadeira.
Dentre os avanços do projeto destacam-se o envolvimento da própria co-
munidade e o seu esclarecimento em relação aos vários assuntos que permeiam a
temática racial no Brasil, como por exemplo as questões em torno do sistema de
cotas. Segundo os(as) entrevistados(as), algumas pessoas nunca tinham ouvido falar
e/ou discutido sobre tal assunto.
No que se refere ao continente africano os depoimentos colhidos durante o
trabalho de campo revelaram a necessidade de conhecer mais sobre o tema, através
do desejo de aprender mais não somente sobre religião ou sobre a África de forma
isolada, mas de compreender de maneira mais aprofundada as várias dimensões,
culturas e particularidades referentes ao continente africano no sentido de fazer
avançar o conhecimento da própria História da Civilização. Nesse sentido, a neces-
sidade de um maior investimento na formação continuada destacou-se como um
elemento central que poderá contribuir para o incremento do trabalho com relações
étnico-raciais e história e cultura africana e afro-brasileira na escola.
A forma como o material paradidático na perspectiva da diversidade étnico-
-racial e da história africana e afro-brasileira tem sido distribuída foi apontada pelos
docentes e pela direção da escola como um limite. O coordenador pedagógico pon-
derou a necessidade de diversificação do acervo bibliográfico recebido pela escola.
A instituição recebe quase todo mês uma pequena caixa com livros, entre os quais
contos africanos ou afro-brasileiros. Porém, no momento de realização da pesquisa,
esse acervo era constituído basicamente por livros de literatura, particularmente de
literatura infantil. Todavia, como se trata de uma instituição que oferta também o
ensino médio faz-se necessário material que atenda ao público adolescente e jovem.

129
Quadro 11 – Escola Estadual Monsenhor 7 – Ibateguara (AL)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimen-
são: limpa e bem con-
Estrutura servado. Há alguns
física e cartazes relativos às Estrutura física modesta; boa distribuição e organi-
aparência atividades realizadas. zação dos espaços.
da escola Não há depredações
ou pichações.

Características da
Tipo de trabalho e res- Motivações para a
gestão (direção e
ponsável/propositor realização do trabalho
coordenação)
2ª Dimen-
são: O trabalho com a
A gestão se mostrou
Envolvi- Projeto Alma Não Tem questão afro-brasileira
bastante aberta e inte-
mento da Cor, desenvolvido em e africana já vinha
ressada em desenvol-
gestão e 2007, desencadeou sendo realizado há
ver a temática, ainda
do coletivo outras ações, menos uns três anos nas
que necessite de
articuladas, nos anos aulas sobre cidadania
maior aprofundamento
posteriores. e incluíam os temas
no tema.
preconceito e racismo.

Biblioteca e acervo
Formação continuada da equipe
étnico-racial

3ª Dimen- O material que a


são: escola possui sobre a
Formação temática concentra-se Embora ainda não contemplassem a demanda, a
continuada na área de literatura, gestora e os professores reconhecem o papel da
e material sobretudo infantil: a SEED na promoção de cursos de formação con-
de apoio escola recebe todo tinuada. Foram citados também cursos oferecidos
mês uma caixa de pelo NEAB-UFAL.
livros de contos africa-
nos e afro-brasileiros.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificuldades
estudantes (trato da
dos estudantes no trabalho
diversidade)
4ª Dimen-
são: Conhecimento sobre Falta de material
Avanços e Perspectiva crítica em história das resistên- didático apropriado.
limites do relação à discrimi- cias negras no Brasil: Descontinuidade do
trabalho nação racial e em Quilombo dos Palma- trabalho, reflexo do
defesa do respeito à res e Zumbi. Desejo descompromisso de
diversidade. de saber mais sobre o alguns profissionais
continente africano. da escola.

130
Município de Maceió – Escola Municipal 8

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental
Número de estudantes: 1.443 estudantes
Matutino: 421
Vespertino: 553
Noturno: 349 (segundo segmento do ensino fundamental)
e 120 estudantes da EJA
Ano de fundação: 1995, ano de comemoração do tricentenário
da imortalidade de Zumbi dos Palmares.
IDEB observado: 4.0 (4ª série / 5º ano) e 2,9 (8ª série / 9º ano)

A Secretaria de Municipal de Educação de Maceió construiu a Escola Munici-


pal 8 em 1995, ano de comemoração do tricentenário da imortalidade de Zumbi dos
Palmares. A escolha do nome da escola surgiu da luta do Movimento Negro alagoano
e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto que ocupou a área do atual Conjunto
Rosane Collor e lutou pela urbanização e construção da escola. O nome da institui-
ção é ainda parte da incorporação do dia 20 de novembro como Dia Nacional Da
Consciência negra. A escola foi pensada como um espaço para serem desenvolvidas
experiências de trabalho na perspectivas da luta antirracista e valorização do patrimô-
nio cultural afro-brasileiro. As primeiras atividades formativas nesse sentido foram
desenvolvidas em articulação com o Movimento Negro e a universidade.
Durante o trabalho de campo constatou-se que a história e identidade da escola
estão associadas à questão étnico-racial, desde o nome da instituição, da escultura de
Zumbi dos Palmares no pátio principal, até o nome da biblioteca. A partir de sua criação
a escola ofereceu um curso de seis meses de formação continuada para os(as) docentes
sobre a problemática étnico-racial. Esse curso foi coordenado pelo Prof. Zezito Araújo,
então coordenador do NEAB/UFAL, e Helcias Pereira, do Movimento Negro alagoano.

131
A estrutura física da escola se encontra debilitada, mesmo dispondo de amplos
e diversificados espaços: biblioteca, laboratório de informática, quadra de esportes,
campo de futebol e quadra de areia. As condições de conservação e manutenção apre-
sentam-se muito comprometidas, com uma grande quantidade de vidros quebrados,
problemas de ventilação nas salas de aula, principalmente no período da tarde. Os
banheiros refletem o estado de conservação da própria escola. O laboratório de infor-
mática está instalado, mas com problemas de conexão com internet. A área externa
– o pátio, a quadra, o campo – é utilizada nos finais de semana pela comunidade.
A escola possui uma biblioteca cuja inauguração, em 1998, teve grande repercus-
são na imprensa, por causa da quantidade e diversificação das obras. Atualmente, não
possui bibliotecário responsável e parte do acervo desapareceu. Os livros relacionados à
educação das relações étnico-raciais encontram-se na sala da coordenação pedagógica.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
Desde a sua fundação a escola desenvolve o Projeto Resgatando a Cons-
ciência Negra (s.d., p. 11) com o propósito de “propiciar ao corpo docente, dis-
cente e técnico-pedagógico informações qualificadas sobre a questão racial em
todas as dimensões [...]”.
Além desse trabalho contínuo, a Escola Municipal 8 desenvolve outros pro-
jetos financiados pela Secretaria Municipal de Educação e pela Fundação Cultural
Palmares, como, por exemplo, o Projeto Raízes, desenvolvido de maneira perma-
nente e coordenado por um professor, bailarino e coreógrafo. Esse projeto tornou-
-se estruturador de um conjunto de outras atividades interdisciplinares ligadas à
educação das relações étnico-raciais. As atividades didáticas vinculadas aos outros
campos disciplinares – Língua Estrangeira, Língua Portuguesa, História, Geografia,
Matemática, Ensino Religioso e Artes – são organizadas e desenvolvidas para cul-
minar na Semana de 20 de Novembro.
Em 1997, a Escola Municipal 8 foi a convidada especial para participar do V
Congresso Nacional Afro-Brasileiro, em Salvador, BA. Uma delegação de profes-
soras representou a escola. No relatório da visita, consta que esta participação obje-
tivou a troca de experiências e contatos com instituições, estudiosos, pesquisadores,
além da apresentação dos projetos desenvolvidos sobre a temática étnico-racial.
A partir de 2003, a escola passou a organizar seminários temáticos para o pla-
nejamento da Semana de 13 de Maio, envolvendo o conjunto de seus docentes e

132
servidores(as) técnico-administrativos. Os temas abordados foram Liberdade ou Mar-
ginalidade (2003); A mulher negra na sociedade brasileira (2006); Avanços e entraves
da Lei n.º 10.639/03 (2007); Ambiente escolar: lugar de preconceito? (2008); Lei n.º
10.639/03: O que mudou? (2009).
A partir das entrevistas foi possível identificar que o trabalho realizado an-
teriormente à Lei n.º 10.639/03 era menos focado nas práticas pedagógicas coti-
dianas de sala de aula. As ações eram mais gerais, dirigidas ao grupo de dança e às
apresentações culturais. Atualmente, há uma tentativa de direcionar as atividades à
sala de aula.
Não há na escola um processo de planejamento articulado para ser desenvol-
vido ao longo do ano por todos(as) os(as)docentes. Nem todos os(as) professores(as)
se envolvem na implementação da Lei n.º 10.639/03, todavia alguns deles têm ar-
ticulado aos seus componentes curriculares e atividades na perspectiva de da Lei e
das Diretrizes Curriculares Nacionais Para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
Para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
O Projeto Ciranda de Leitura: Contos e Recontos Africanos, desenvolvido
por uma das professoras, expressa bem essa transição que a escola está experimen-
tando. O trabalho envolveu os estudantes do 5° ano do ensino fundamental, explo-
rando diferentes recursos e linguagens. Houve também a abordagem da história dos
países africanos por meio de selos. A professora conseguiu envolver oito mães no
Ciranda de Leitura. Nos finais de semana, essas mães levam um livro para casa com
o objetivo de ler com os(as) filhos(as).

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


O seu surgimento como “escola-modelo” no trabalho com relações étnico-
-raciais coloca a Escola Municipal 8 em uma situação diferente das demais. Sendo
assim, não se pode afirmar que exista nessa instituição um projeto ou uma prática
específica, mas, sim, várias ações em prol da temática étnico-racial, antes mesmo da
sanção da Lei n.º 10.639/03. Também não se pode dizer que exista um profissional
ou um coletivo de docentes responsável pela condução dos trabalhos. A princípio,
esta é uma função de todos, já que a escola surgiu com o objetivo central de articu-
lar a questão racial em todas as áreas, disciplinas e atividades.
Os relatos colhidos durante o trabalho de campo revelam que desde a sua
inauguração a Escola Municipal 8 desenvolve uma série de projetos e atividades de
caráter mais amplo voltadas para a temática étnico-racial. Porém, após a sanção da

133
Lei n.º 10.639/03, os docentes foram desafiados a realizar um investimento mais
conceitual, nas diferentes disciplinas, com o foco nas relações étnico-raciais e histó-
ria e cultura africana e afro-brasileira.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Foram selecionados seis estudantes, quatro mulheres e dois homens, que par-
ticiparam do projeto Contos e Recontos Africanos. Todos se mostraram muito à
vontade. Dos seis, dois estudavam na escola há dois anos e quatro estavam a mais
de quatro anos na instituição.
Inicialmente a discussão abordou as imagens construídas sobre o continente
africano. Logo depois foi discutida a participação dos(as) estudantes nos diferentes
projetos desenvolvidos pela escola, as questões acerca do Quilombo de Palmares e a
participação no grupo de dança da escola.
Para os estudantes da Escola Municipal 8 a culminância dos projetos é o
melhor momento do ano. Segundo uma das professoras entrevistadas, os(as) estu-
dantes que saem da escola sentem falta das atividades desenvolvidas e voltam nos
momentos de culminância dos projetos. Apesar dessa intensa participação, os(as)
estudantes relataram a vivência de preconceito na escola e nos outros espaços em
que circulam. Uma estudante conta que gostava muito de participar do grupo, mas
ouvia piadas na escola e em casa.

Assim, quando eu dançava, eu achava legal, mas, é [...] era legal, mas assim, ao
mesmo tempo as pessoas [...] discriminavam, porque falavam que era negócio
de macumba, que a gente dançando, os movimentos, alguns movimentos di-
ziam que tava pegando espírito, assim, muito discriminado, né?

Além das atividades de dança, os estudantes destacaram em seus relatos o


trabalho com o continente africano realizado em outros projetos da escola: “Na
sexta série foi África em Foco, só que cada um ficou com um país da África, eu
fiquei com o Zimbábue, outros ficaram com a Nigéria, outros com a África do Sul”.
Foram exploradas algumas informações, por exemplo, sobre a África do Sul, e eles
se referiram a Nelson Mandela. Segundo um estudante:

134
[...] ele foi [...] assim, deixa eu ver se eu lembro que assim, ele foi o primeiro
presidente da África do Sul e ele [...] assim, é um grande... ele foi um herói,
porque ele foi o primeiro presidente negro da África do Sul e. [...] que eu
lembre é isso. (Grupo de Discussão, 2009, p. 15).

Os(as) estudantes demonstraram reconhecer a importância do trabalho de-


senvolvido pela escola e destacaram o aprendizado que os projetos têm proporcio-
nado em relação ao respeito às diferenças:

[...] tem que respeitar as culturas dos outros, porque cada um tem a sua cul-
tura. E a África é importante pra gente, porque a gente tem também que [...]
assim, aprender a não ter preconceito com ninguém porque é negro, branco
[...] assim, é igualdade pra todos, tem que ter isso, igualdade pra todos e nada
de preconceito. (Grupo de Discussão, 2009, p. 17).

Demonstraram criticidade e abertura para lidar com a problemática da di-


versidade étnico-racial. As experiências vivenciadas nos projetos e nos trabalhos de-
senvolvidos pelos professores(as) têm possibilitado o desenvolvimento de atitudes
comportamentais na perspectiva da Lei n.º 10.639/03. Há uma visão superficial,
mas não estereotipada do continente africano.

Algumas considerações
Observa-se, tanto pelos documentos quanto pelos depoimentos, que o pro-
cesso de implementação da Lei n.º 10.639/03 trouxe novos elementos para a dinâ-
mica institucional da escola. O apoio dado pela Secretaria Municipal de Educação
aos projetos da Escola Municipal 8 é redirecionado para o conjunto de demandas
oriundas de outras escolas que começam e/ou ampliam seus trabalhos de educação
das relações étnico-raciais.
Várias professoras desta escola que acumularam experiências significativas no
decorrer dos anos no desenvolvimento de ações pedagógicas ligadas ao problema do
racismo e da educação das relações étnico-raciais passaram a atuar no interior da
Secretaria Municipal de Educação. Além da saída dessas professoras para atuar na
formação docente, a escola experimenta o fenômeno da mudança de professores(as)
para outras escolas municipais. Por um lado, essa rotatividade interfere no trabalho

135
realizado mas, por outro lado, faz circular em outras escolas um grupo de docentes
formado para atuar na temática.
Em 2005, as ex-professoras da escola foram responsáveis pela criação do Nú-
cleo de Estudos e Pesquisas sobre Diversidade Étnico-Racial (NEDER) da Secretaria
Municipal de Educação de Maceió. As ações do NEDER ampliaram a experiência
construída na Escola Municipal 8 para outras escolas da rede municipal de ensino.
Em 2006, um kit da Coleção Biblioteca Afro-Brasileira, da Editora Pallas, foi
distribuído para as bibliotecas das escolas municipais. O NEDER tem desenvolvido
ações de formação continuada e contribuído para a articulação e consolidação do
Fórum Permanente Educação e Diversidade Étnico-Racial de Alagoas. Em seu pla-
no de ação de 2006 o NEDER definiu algumas ações com o objetivo de acompa-
nhar os processos de inclusão da Lei n.º 10.639/03 no PPP das escolas municipais.
As ações de formação do NEDER têm contribuído para que os(as)
professores(as) implementem a Lei n.º 10.639/03 nas suas práticas pedagógicas co-
tidianas. Uma das professoras entrevistadas afirmou que faz um esforço para par-
ticipar das formações. “Todas as que envolvem a questão étnico-racial eu participo
de todas. [...] eu faço assim um esforço muito grande para participar, porque nada é
demais, tudo é muito pouco, porque nós estamos assim, iniciando”.
Com base nas condições atuais da escola, pode-se afirmar que os investimen-
tos na perspectiva de criar uma “escola-modelo” no campo da educação das relações
étnico-raciais eram mais significativos antes da Lei n.º 10.639/03. Talvez essa situ-
ação deva-se ao fato de, a expansão da temática para as outras escolas da rede mu-
nicipal por força da implementação de uma lei federal ter desestabilizado a ideia de
uma “escola-modelo”. Se, por um lado, a implementação da Lei n.º 10.639/03 em
toda a rede apresenta um avanço significativo, por outro lado, observa-se um enfra-
quecimento da experiência da Escola Municipal 8 no que se refere à infraestrutura
e à presença de docentes com formação na temática étnico-racial.
A experiência de institucionalização da educação das relações étnico-raciais
da Escola Municipal 8, resguardadas as diferenças e as especificidades, pode nos
ajudar a refletir sobre a complexidade subjacente aos processos de implementação
da Lei n.º 10.639/03 na rede pública de ensino e seu enraizamento no interior das
escolas. Nesse contexto, há desafios pedagógicos a serem enfrentados: como fica a
relação entre a temática africana e afro-brasileira e sua transposição didática em sala
de aula? Quais são os campos de saberes que devem ser trabalhados nos diferentes
níveis de ensino? Quais são as perspectivas formativas que informam os trabalhos
de implementação da Lei n.º 10.639/03 nas escolas?

136
Quadro 12 – Escola Municipal 8 – Maceió (AL)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimensão:
As condições de con-
Estrutura
servação e manutenção
física e Mesmo contando com amplos e diversificados
estão muito compro-
aparência da espaços, a estrutura física da escola está com-
metidas, com espaços
escola prometida, por falta de manutenção.
sujos e muitos vidros
quebrados.
Características da ges- Motivações para
Tipo de trabalho e res-
tão (direção e coorde- a realização do
ponsável/propositor
nação) trabalho

2ª Dimensão: Apesar de sua participa- No contexto da funda-


Envolvimento ção no desenvolvimento ção da escola vários
da gestão e da pesquisa, indicando projetos eram desen- Histórico da es-
do coletivo um compromisso com volvidos, mas atual- cola no que con-
as atividades, a direção mente são marcantes cerne ao trabalho
e a coordenação são as as ações centradas com a temática
que menos percebem mais no cotidiano de étnico-racial.
situações discriminató- aulas. Projeto Contos e
rias na escola. Recontos Africanos.

Biblioteca e acervo
Formação continuada da equipe
étnico-racial

A biblioteca afro-brasilei-
ra, inaugurada em 1998,
está sem bibliotecário,
3ª Dimensão: e parte do seu acervo
Formação desapareceu. Os livros
continuada e relacionados à temática A escola foi criada diretamente ligada à
material de étnico-racial estão na questão racial, e na ocasião os profissionais
apoio sala da coordenação. participaram de curso de formação ministrado
Destaca-se, aqui, que o pelo Prof. Zezito Araújo (NEAB-UFAL).
poder público construiu
uma biblioteca para
esse fim, apesar do seu
objetivo não ter sido
cumprido.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificul-
estudantes (trato da
dos estudantes dades no trabalho
diversidade)

Ambiguidade da
4ª Dimensão: Apesar de os es-
implementação
Avanços e Os estudantes expressa- tudantes relatarem
(algumas profes-
limites do ram uma postura crítica atividades voltadas
soras atuantes
trabalho em relação às discri- à história de alguns
na escola foram
minações e ao trato da países africanos, seu
para a SMED,
diversidade e reforçam a conhecimento é super-
enfraquecendo o
igualdade como valor. ficial, ainda que não
grupo da própria
estereotipado.
instituição).

137
Município de União dos Palmares – Escola Estadual 9

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental e médio.
Número de estudantes: 350 estudantes (aproximadamente)
Educação infantil: 13
ensino fundamental: 179
EJA: 158 (número de matrículas)
Ano de fundação: 1964.
IDEB observado: 2.7 (8ª série / 9º ano)

A Escola Estadual 9 está inserida no contexto de luta pelo tombamento da


Serra da Barriga e pela criação do Parque Memorial Quilombo dos Palmares em
União dos Palmares.1 A escola conta com boa infraestrutura: salas amplas, biblioteca,
auditório, pátio, quadra esportiva, salas para a coordenação, direção, professores(as).
Tem desenvolvido projetos pedagógicos com o objetivo de atender tanto os dispo-
sitivos da Lei n.º 10.639/03 quanto a Lei Municipal aprovada em 2003, que efetiva
a inclusão no currículo da rede municipal de conteúdos que abordem a contribui-
ção do negro na formação sociocultural do município de União dos Palmares. O
processo formativo apoiado pelo Núcleo Temático da SEED ajudou a sensibilizar
os(as) professores(as) mais resistentes e motivar os demais.

1 O processo de tombamento da Serra da Barriga é um dos fenômenos mais significativos nas lutas con-
temporâneas dos movimentos sociais negros. Em Alagoas a centralidade da experiência do Quilombo dos
Palmares é ímpar. Em 1979 surgiu em Maceió a Associação Cultural Zumbi (ACZ), vinculada à luta antir-
racista e à luta pelo tombamento da Serra da Barriga. Essa organização foi uma das responsáveis pela
criação do Memorial Zumbi, que foi projetado em 1981 e é o núcleo inicial do Parque Memorial Quilombo
dos Palmares, na Serra da Barriga. O tombamento da Serra da Barriga ocorreu em 20 de novembro de
1985, e o reconhecimento como monumento nacional veio em 1988. Em 2006 o projeto Parque Memorial
Quilombo dos Palmares foi assumido pelo Ministério da Cultura, ao lado da Fundação Cultural Palmares,
do Governo do Estado de Alagoas e da Prefeitura Municipal de União dos Palmares.

138
As práticas pedagógicas de trabalho com as relações
étnico-raciais
A Escola Estadual 9 tem desenvolvido projetos pedagógicos com o objetivo
de atender os dispositivos da Lei n.º 10.639/03. O projeto A África está em nós,
de 2005, concebe a escola como uma instituição com papel fundamental no resgate
da história e da contribuição dos negros na formação da sociedade brasileira. Foi
elaborado coletivamente, para ser trabalhado de forma interdisciplinar, integrando
todas as disciplinas e todos os(as) professores(as). O projeto vê a necessidade de
partir da sensibilização dos(as) professores(as) envolvidos, e a direção participa e
coordena as ações.
Esse projeto atingiu todos os turnos e envolveu os(as) professores(as) efetivos
e monitores de todas as áreas, servidores técnico-administrativos, vigilantes, auxilia-
res de serviços gerais, equipe gestora. As ações foram programadas a partir do livro
A África está em nós: história e cultura afro-brasileira. O livro foi a referência inicial
que desencadeou atividades de pesquisa em outras fontes por grupos de estudantes,
posteriormente sistematizadas e apresentadas em cartazes, murais, charges, slogans,
peças de teatro e dramatizações.
Para o desenvolvimento do trabalho houve um planejamento coletivo que
envolveu: (a) apresentação das propostas da coordenação do projeto; (b) estudo
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais; (c)
sensibilização para a importância de conhecer a História da África e a Cultura
Afro-Brasileira e Africana para a disseminação da comunidade escolar; (d) fórum
interno de discussão com os(as) professores(as); (e) seminário de planejamento com
os(as) professores(as) e estudantes; (f ) apresentação dos resultados para a comuni-
dade em geral.
O desenvolvimento das atividades contou com a participação do Núcleo Te-
mático Identidade Negra na Escola, da Secretaria Estadual de Educação de Ala-
goas, que naquele período organizou ações regionais de implementação da Lei n.º
10.639/03. Uma das professoras entrevistada declara:

Primeiro a gente fez um seminário com todos os professores, seminário de


dois dias, onde tivemos o apoio e a infraestrutura de professores, de palestran-
tes lá do Núcleo [Núcleo temático]. E foram dois dias com vários temas, não
lembro agora, mas todos voltados [...] Dentre eles um era a implantação da
lei, o outro foi a questão da diversidade étnico racial e o outro também era a

139
questão interdisciplinaridade e a temática afro-brasileira, [...] Pronto, depois
desse seminário, os professores já estavam mais assim sensibilizados, alguns já
motivados, né? A gente não pode dizer que 100%. E começamos a trabalhar
dentro do projeto! A duração foi do início do mês até a culminância e foram
aproximadamente três meses com a gente trabalhando com as turmas dentro
da escola.

O projeto organizou um fórum interno de discussão, em que se desenvol-


veram palestras que tematizaram a escola e a identidade negra. As atividades de
culminância do projeto foram organizadas(a) em torno de uma mostra cultural com
os seguintes objetivos: (a) mostrar a história e a cultura afro-brasileira por meio
de exposição, dramatização e teatro; (b) oferecer elementos para a compreensão da
contribuição dos povos africanos na formação do Brasil; (c) aumentar a autoestima
dos afrodescendentes; (d) conscientizar professores(as) e estudantes da importância
de trabalhar a temática de forma sistemática.
Esse processo implicou reuniões com os(as) professores(as) coordenadores(as)
das turmas; reunião do(a) professor(a) coordenador com os(as) estudantes das suas
respectivas turmas, utilizando o texto roteiro do seminário para preparar os stands;
divulgação do evento nas ruas da cidade por intermédio do teatro de rua e da lite-
ratura de cordel, além de organização e distribuição dos 23 stands (salas de aula) e
10 tendas (no pátio).
Com base nas entrevistas e na análise dos documentos, pode-se afirmar que
O Projeto A África Está em Nós teve um impacto significativo em toda a cidade
e na comunidade escolar. Em 2008, um outro projeto, intitulado Por Baixo da Pele
Somos Todos Iguais, reafirmou os objetivos do projeto anterior, mas apontou um
novo problema: a dificuldade de reconhecer e valorizar a cultura afro-brasileira.
As atividades deste outro projeto foram desenvolvidas tendo como foco fil-
mes, documentários, poesias, teatro, danças e a exploração do então recém-inaugu-
rado Memorial Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, na própria cidade de
União dos Palmares. A Escola Estadual 9 organizou um concurso de redação com
o tema “Por baixo da pele somos todos africanos”. A programação da culminância
realizou-se entre os dias 17 e 19 de novembro de 2009.

140
Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho
A escola tem desenvolvido iniciativas permanentes de implementação da Lei
n.º 10.639/03 de forma articulada com o apoio da direção da escola. As ações são
realizadas basicamente com base na metodologia de projetos temáticos anuais. Há
uma mobilização significativa de estudantes, professores(as) e comunidade na rea-
lização das atividades de culminância. O planejamento, o monitoramento e a ava-
liação são aspectos decisivos para o bom desempenho do trabalho. Portanto, não se
pode dizer que exista um único responsável pelo trabalho, mas, sim, uma articulação
de um coletivo de profissionais.
A experiência da Escola Estadual 9 aponta para a importância das ações arti-
culadas desenvolvidas no planejamento e na execução das atividades entre o Núcleo
Temático Identidade Negra na Escola, a Secretaria Estadual de Educação, a coor-
denação da escola, os(as) professores(as) e os(as) estudantes. Essas ações e relações
superam os limites da fragmentação e das atividades isoladas no interior da escola.
Essa forma de atuar potencializa a construção de alternativas criativas, coleti-
vas e inovadoras, que requalificam de forma sistêmica a dinâmica do espaço escolar.
Uma ex-estudante da escola, que hoje é professora temporária de Literatura e In-
glês e vivenciou o desenvolvimento do Projeto a África Está em Nós, relata alguns
aprendizados desenvolvidos a partir do projeto:

[...] eu terminei o médio cedo. Aos 16 anos eu já tava terminando. E essa


questão do preconceito ela veio justamente na minha fase de adolescência,
na minha fase que eu estava ainda criando os meus conceitos, criando aquela
mentalidade, o porquê de tanta diferença? O porquê de haver preconceito
diante das pessoas negras, por que é tratado diferenciado? Então é um mo-
mento que eu acho muito propício, não é? Em relação aos jovens, já que
eu era adolescente na época e que movimentou toda a turma, gerou muita
polêmica. Que na sala tinha muitos outros negras, tinha negros, mas não acei-
tavam, eu lembro muito bem disso, que tinha uma colega minha que ela era
bem mais... porque eu sou parda, mas ela é... tinha a pele mais negra mesmo
e ela não aceitava que era negra. E eu sempre ficava com a indagação: por
que ela não aceita que é negra? Então, com essa discussão que a professora
promoveu a partir do projeto que é feito aqui na escola, despertou o interesse.
Acredito que até a mentalidade dela mudou. Em relação ao se achar negro ou
branco, porque ela não se achava negra, ela era realmente negra, negra, negra,
mas pra ela não era negra, que não queria ser negra.

141
O depoimento demonstra a importância do tratamento mais aberto e ade-
quado do preconceito e da discriminação racial no espaço escolar. Reafirma que o
silêncio reproduz os estereótipos sociais; assim, a discussão, a reflexão e as atitudes
pedagógicas na perspectiva da educação das relações étnico-raciais podem produzir
novos aprendizados e comportamentos nos estudantes.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


O grupo de discussão foi realizado com seis estudantes do ensino médio. A
participação foi muito significativa e todos estavam à vontade. Apesar de demons-
trarem uma percepção superficial relativa à cultura africana e afro-brasileira, obser-
vou-se que o trabalho desenvolvido pela escola tem impactado a vida dos adoles-
centes e jovens. As atividades voltadas para a educação das relações étnico-raciais
por meio de pesquisa, teatro, poesia, apresentações culturais, entre outras, parecem
envolver de forma significativa os estudantes. Tal situação também foi reafirmada
pelos docentes entrevistados.
Percebe-se a importância do trabalho da escola com a diversidade étnico-
-racial no depoimento de uma estudante quilombola:

E assim, da minha parte, porque eu faço parte dois anos que eu tô aqui no
colégio, que eu era de outra escola pública, e eu vim para aqui e eu me senti
muito honrada, Ave Maria! Por quê? Porque foi uma escola que acolheu, é
uma escola acolhedora, que se preocupa com o bem-estar dos estudantes, é
uma escola que assim, visa mesmo priorizar diretamente os estudantes qui-
lombolas, é. [...] assim a minha experiência foi maravilhosa, porque eu par-
ticipei do projeto Por Debaixo da Pele Somos Todos Africanos, onde eu me
empolguei, eu me empolguei demais, [...] Foi uma coisa maravilhosa, aquela
animação toda, aquela coisa!!! (Estudante).

Apesar dos avanços, alguns temas ainda carecem de maior aprofundamento.


Ao surgir uma discussão sobre cotas raciais, houve discursos muito superficiais en-
tre os estudantes. Alguns jovens desejam prestar vestibular no final do ano para a
Universidade Federal de Alagoas na qual existe um programa de ações afirmativas
com cotas raciais. A reflexão pouco aprofundada dos estudantes sobre este tema re-
vela que a Escola Estadual 9 poderia ter lhes proporcionado um estudo mais denso
sobre o mesmo.

142
O papel da direção da escola e/ou da coordenação
pedagógica
Nas conversas informais e em algumas das entrevistas com as professoras
e diretora foi relatado o caso de um estudante negro que era tratado pelo apelido
Nego Dé. Esse apelido já o acompanhava, não surgiu na escola.
A coordenação pedagógica da escola, ao saber que um professor chamava-o pelo
apelido, sugeriu que o estudante fosse tratado pelo seu nome, refletindo junto com o
professor que o estudante tinha um nome próprio que deveria ser valorizado. Essa ati-
tude pedagógica, aparentemente simples, demonstra e reafirma que o cotidiano escolar
está repleto de situações que podem ser acionadas e trabalhadas pedagogicamente.
Pode-se questionar se tal atitude se encaixa em um superdimensionamento
do “politicamente correto”, pois o apelido poderia não ser, necessariamente, pejo-
rativo. Seria necessário um maior aprofundamento da observação em campo para
compreender a situação. Todavia, vale a pena avaliar, nessa situação, a intervenção da
coordenadora no sentido de exigir uma postura e um trato profissional do professor.
Uma coisa é o apelido do estudante no espaço privado, e outra coisa é a forma de
nomeação desse sujeito em espaços e instituições públicas, como é o caso da escola.
Sabe-se o quanto a questão dos apelidos tem sido um fator de humilhação para
estudantes negros(as) na instituição escolar. O preconceito racial é capaz, inclusive,
de transformar em exposição e vergonha apelidos construídos de forma afetiva no
contexto privado. Portanto, a atitude mais profissional do(a) professor(a) é não ado-
tá-los no espaço escolar. Por mais que as relações pedagógicas devam ser permeadas
de afeto, não se pode perder o peso da dimensão institucional da escola.

Algumas considerações
O trabalho da Escola Estadual 9 aponta para um fator importante: a arti-
culação entre o trabalho com a Lei n.º 10.639/03 na escola, a comunidade escolar
e o contexto local. A perspectiva de envolver a comunidade de forma mais ativa
nos processos desenvolvidos pela instituição escolar pode ser analisada a partir do
aprendizado coletivo que o tombamento da Serra da Barriga proporcionou ao mu-
nicípio. Os meses que antecedem o dia 20 de novembro são vivenciados de forma
efetiva por diferentes setores da cidade: comércio, poder público municipal, escolas,
grupos culturais. A observação em campo revelou que esta situação é considerada
pedagogicamente pela escola a qual tenta realizar uma conexão entre os saberes
escolares e os saberes presentes nas vivências cotidianas da cidade.

143
A intenção não era o trabalho só dentro da escola, mas fazer com o que es-
sas informações chegassem pra comunidade... a abertura da gente foi muito
interessante [...] . Porque a gente tem uma preocupação de fazer assim, com
que os estudantes começassem a sentir...a sentir a grandeza. De você estar
trabalhando a questão afro-brasileira e a gente fez assim, motivou-os pra que
eles vestissem, se vestissem de África, essa foi a nossa fala, vamos nos vestir de
África. E foi assim, eu chego fico emocionada, porque foi assim muito bacana.
[...] Agora era interessante a forma de a gente chegar pra eles, eles querem
vestir aquela camisetinha com o nome do estado, aquela coisa de chamar a
atenção colorido, então eu digo, vamos fazer diferente esse ano, vamos vestir
de África... Mas como? Vamos fazer de conta que nós estamos... cada um foi
na sua pesquisa, cada um queria vestir uma roupa diferente e foi muito inte-
ressante. Eu sei que na abertura fizemos um desfile, um desfile com as bandas
afro daqui. Os instrumentos de percussão que a escola tinha [...] músicas no
carro de som, à tarde acenderam as tochas e mais ou menos seis horas eles
saíram por aqui, foi à escola e... Nossa! Tínhamos mais ou menos dois mil e
poucos estudantes, dois mil e dezoito estudantes. Então foi impressionante a
participação dos estudantes! E aí nós descemos por aqui, quando nós olha-
mos... chamou a atenção de todo o mundo. (Professora).

Quadro 13 – Escola Estadual Monsenhor 9 - União dos Palmares (AL)

Aparência da escola Estrutura física da escola

1ª Di-
mensão: A escola é decorada o
Estrutura ano todo com as pintu-
física e ras relativas à temática
aparên- étnico-racial produzidas
cia da A escola é ampla e conta com boa infraestrutura.
durante o ano. A con-
escola servação da pintura, no
entanto, encontra-se
precária.

144
Características da
Tipo de trabalho e res- Motivações para a rea-
gestão (direção e coor-
ponsável/propositor lização do trabalho
denação)

O Projeto A África Está


2ª Di- em Nós foi concebido
mensão: a partir de 2005 na
Envol- perspectiva da Lei,
vimento A gestão da escola para ser trabalhado Lei municipal anterior
da ges- trabalha de forma in- durante o ano todo à Lei n.º 10.639/03
tão e tensa e ativa no intuito e com a participação e a necessidade de
do coleti- de apoiar iniciativas de coletiva. Envolveu todos valorização da cultura
vo implementação da Lei. os profissionais da afro-brasileira.
escola: equipe gestora,
docentes, monitores,
alunos e pessoal
técnico-administrativo.

Biblioteca e acervo
3ª Di- Formação continuada da equipe
étnico-racial
mensão:
Forma-
ção con- A escola apresenta
O processo formativo apoiado pelo Núcleo Temático
tinuada e uma biblioteca com boa
da SEED ajudou a sensibilizar professores(as) mais
material estrutura e acervo da
resistentes e motivar os demais.
de apoio temática étnico-racial.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificuldades
estudantes (trato da
dos estudantes no trabalho
diversidade)

Apesar da grande
movimentação propor-
4ª Di-
cionada pelos projetos,
mensão: Os estudantes demons-
Formação superficial é possível notar falta
Avanços tram postura crítica em
em relação à cultura de recursos financei-
e limites relação à discriminação
africana e afro-brasi- ros, indisponibilidade
do traba- racial e ao mesmo
leira, além de uma dis- de alguns docentes e
lho tempo expressam os
cussão pouco profunda falta de habilidade de
impactos dos projetos
sobre ações afirmativas alguns profissionais
na identificação racial
e cotas. para trabalhar de forma
positiva.
interdisciplinar, ainda
enfatizando ações iso-
ladas e fragmentadas.

145
Estado do Rio Grande do Norte
Município de Natal – Escola Municipal 10

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental, EJA, Pró-Jovem
Número de estudantes: 558 (matutino e vespertino)
Primeiro segmento do ensino fundamental: 353
Segundo segmento do ensino fundamental: 205
EJA – noturno: 141 e turmas do Pró-Jovem2
Ano de fundação: 19 de março de 1995
IDEB observado: 3.0 (4ª série / 5º ano)

A Escola Municipal 10 situa-se na zona urbana da cidade de Natal e é a


única da Vila de Ponta Negra. Em decorrência das mudanças ocorridas na região
por ocasião do fenômeno da expansão imobiliária, observa-se que a população ne-
gra tradicional da Vila de Ponta Negra está tendo de recuar da orla marítima, onde
sempre viveu e criou sua família, para dar lugar a imponentes resorts, pousadas, bares
e restaurantes, cujos donos, em sua maioria, são descendentes de europeus. As úni-
cas formas de lazer próximo e gratuito são a praia e os diferentes grupos culturais
do entorno, que se apresentam na escola ou em frente à igreja local.
Observações do entorno demonstraram uma boa convivência entre estudan-
tes, educadores, pais e comunidade, embora a Vila de Ponta Negra seja referida
como violenta, reduto de tráfico de drogas e de turismo sexual, inclusive com crian-
ças e adolescentes.
A escola oferece ensino fundamental e tem 3 turmas de primeiro ano, com
77 estudantes; 2 turmas de segundo ano, com 61 estudantes; 3 turmas de terceiro
ano com um total de 95 estudantes; 4 turmas de quarto ano, com 120 estudantes;
4 turmas de quinto ano, com 104 estudantes e 4 turmas de sexto ano com um total

2 Não contabilizados no total de estudantes da escola por constar de outra coordenação, utilizando-se apenas
o espaço físico.

146
de 101 estudantes. Esses estudantes estão distribuídos nos turnos matutino e ves-
pertino. No noturno é ofertada a modalidade de Educação de Jovens e Adultos com
1 turma de cada um dos módulos I, II, III e IV, com 27, 34, 46 e 34 estudantes,
respectivamente, e mais 5 turmas do Pró-Jovem. Dessas turmas a escola não tem
nenhum registro, porque ficam a cargo de outra coordenação, e elas apenas usam o
espaço físico da escola.
A escola conta com 10 salas bastante amplas. Na porta de cada uma delas
está o nome de um valor a ser cultivado ao longo do ano: Alegria, União, Dedicação,
Felicidade, Amizade, Sabedoria etc. No que diz respeito à ventilação, iluminação e
mobiliários, também se observa boa adequação. O número de alunos por sala varia
entre o 25 e 46 (nas turmas de EJA).
Podem-se observar boas condições de atendimento educativo. Há uma bi-
blioteca, com professora responsável e atuante. Além do grande acervo de livros, os
estudantes, a todo tempo, solicitam empréstimo de títulos. Sobre a temática étnico-
-racial, foram encontrados apenas dois títulos e não estavam facilmente visíveis.
A escola possui uma horta, onde foram plantadas verduras que enriquecem a
merenda produzida na cozinha/cantina intitulada: Cozinha Sabor e Saúde. A me-
renda é servida num pátio de entrada, no qual os estudantes lancham sentados,
tranquilos. Depois de merendar, os estudantes recreiam, e não foram observadas
atitudes violentas nem discriminatórias, no período da pesquisa.
Na escola, há uma sala de diretoria, considerada pequena, mas muito bem
equipada com copiadora xerox, computador, impressora, scanner, ar-condicionado.
Também há salas para a coordenadoria, a secretaria, a sala de professores, muito
ampla, com uma grande mesa circular, cadeiras, 2 computadores, armários. Nessa
sala, café e bolachas eram servidos permanentemente.
A escola conta ainda com um laboratório de informática, com professora
responsável e atuante, um anfiteatro, quintal com três cajueiros, quadra coberta para
festividades e encontro dos estudantes para fila de entrada diária no início de cada
turno. Esse mesmo espaço é utilizado para ensaio dos grupos de Pastoril, de Ca-
poeira, de Boi de Reis e de Resistência na Lata ensaiarem, bem como os grupos de
idosos da comunidade que vêm se apresentar periodicamente na escola.
A observação direta revela um alto índice de estudantes pardos e pretos, dis-
tribuídos nos vários espaços da escola, sem observação de atitudes racistas nem
discriminatórias por parte dos próprios estudantes e dos educadores. Não foi cons-
tatada a presença de pichações de caráter discriminatório.

147
A escola demonstrou bastante interesse e disponibilidade em participar da
pesquisa. As atividades relativas à educação para as relações étnico-raciais são pla-
nejadas e realizadas ao longo de todo o ano letivo, não constituindo trabalho espe-
cífico ou pontual em datas comemorativas. No acervo de materiais visuais da escola
há uma vasta produção relativa ao Projeto Congos de Calçola: maquetes de igreja,
três álbuns com 1.500 fotografias, compondo o registro fotográfico de todas as ati-
vidades e vivências do projeto, bem como Quadros com pinturas ligadas ao tema
trabalhado, instrumentos musicais compostos com grandes baldes plásticos e latas
de alumínio, reis e rainhas do congo e outras figuras construídas com barro.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
O Projeto África em Sala de Aula foi desenvolvido por um coletivo de pro-
fissionais da Escola Municipal 10, em 2007, e traz a marca da atuação de uma
professora da escola, formada em Gestão Democrática pela UNIG-RS, em 1999.
Apresenta atividades que fazem referência às três áreas enfatizadas pela Lei n.º
10.639/03: História, Literatura e, mais enfaticamente, as Artes. Nessa área ocor-
reram muitos momentos de atividades corporais – dança, capoeira, desfile, música,
além de atividades baseadas nas artes plásticas, como pintura com técnica acrílica
em papéis, em telas, desenho, colagem, montagem de painéis, pintura do símbolo do
Olodum. A professora afirma:

Fiz, com eles, teatro, dança, jogos, brincadeiras, projetos de trabalhos, pales-
tras, feiras, festejos, trabalhos com a comunidade, produção de textos, confec-
ção de mapas. Atividades muito bem planejadas e com roteiros sempre muito
bem definidos e obedecendo a etapas, e passo a passo eu segui pesquisas, estu-
dos, práticas, tudo dentro do contexto que a proposta pedia. Eu acho que foi
porque a gente foi buscar na essência... na origem, o porquê dos quilombolas,
a ideia das demarcações dos terrenos que o branco tava querendo tomar tudo
isso. E veio uma lei que ia proteger os quilombolas que eles estão realmente
agora, sendo protegidos. É por aí!

Dado ao seu investimento no trabalho pedagógico ligado à temática racial, em


2008, esta professora foi convidada pela direção para participar, junto com a escola, do
Selo UNICEF. Segundo depoimentos, este selo consiste em um projeto de formação

148
para subsidiar as escolas nas discussões acerca do meio ambiente, esportes, política
e cultura. Nas reuniões de formação que se seguiram e considerando o histórico da
comunidade do entorno, a escola escolheu trabalhar com o selo da Cultura.
Pesquisa sobre grupos culturais da comunidade identificou os seguintes: Ca-
poeira, Bambelô, Congos de Calçola, Lapinha, Meninas da Vila, Pastoril, Pau e
Lata. Todos os grupos apresentaram-se na escola e os eventos envolveram a comu-
nidade escolar, o entorno e outros convidados. Entre os estudantes, fez-se a escolha
do grupo que seria estudado mais profundamente, recaindo sobre Congos de Cal-
çola. Após a eleição e durante o ano letivo, fez-se o resgate da história de vida do
Mestre Correia, conforme disse a diretora: “A ideia era contar toda a história, todo
o relato de como começou. E assim, o que eu achei bonito foi que eu não conhecia
Sr. José Correia, mas fiquei apaixonada pelo velhinho, eu abraçava tanto esse ho-
mem porque é aquele jeito...”.
À medida que se construía a história de vida do Mestre Correia, fazia-se tam-
bém um estudo acerca da comunidade e de suas tradições porque, segundo a diretora,

[…] esse bairro é habitado por um pessoal nativo nascido aqui na Vila de
Ponta Negra. Agora não, que teve a expansão mobiliária; aí mudou um pouco
essa situação... Então a gente trabalha muito nessa perspectiva, de ver a ques-
tão da raça, das diferenças.

Atualmente grupos que se originaram do estudo realizado ao longo de 2008


ensaiam duas vezes por semana, no horário da noite, na escola. Em 2009 a escola
investiu na consolidação dos grupos culturais, com o projeto para conhecer a his-
tória de vida das rendeiras da comunidade, a partir do Projeto Congo de Calçolas,
conforme entrevista de uma das professoras:

[...] peguei vários nomes dos grupos que tem aqui, e a gente junto com os es-
tudantes fizemos a eleição, e como eu morava perto dos Congos de Calçola, eu
ia ter mais proximidade com eles, ia ter mais contato e mais tudo, como eu tive
acesso às revistas e tal. Até um pouco antes dele falecer [Mestre Correia], ele
trouxe outro CD pra mim, novo, tal. Veja que criou um vinculo muito grande.
Eu não tinha essa amizade, mas depois que foi... a turma escolheu e tinha esses
parentes todos por aqui, eu me envolvi mais com eles assim. E eu achei fantás-
tico esse envolvimento. E eu acredito que foi a sementinha lançada.

149
Eu sempre busco artes e ofícios na linguagem e na literatura que atenda às
necessidades desses estudantes como, por exemplo, a rendeira. Eu trabalhei o
tema da rendeira, acho que Roseana Muray, se não me falha a memória. E a
gente trabalhou esse tema, até na Educação Infantil, que eu trabalhava à tarde
na Educação Infantil, A bailarina é de Roseana Muray, acho que a rendeira
também é de Roseana. Dos pequenininhos até os maiores eu trabalhei nessa
linha, ampliando a visão deles. Entendeu? Acho que é por aí, a gente constrói
através da estética visual, montando painéis... os estudos das cores, linhas e
formas, a constante, a profundidade da arte visual e estética.

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


As práticas observadas são coletivas, uma vez que envolvem diferentes tur-
nos, turmas e ações desenvolvidas extramuros, no laboratório de informática, na
biblioteca e no pátio, confirmando a existência de articulação entre os docentes, os
responsáveis por esses espaços educativos e o trabalho com a questão racial.
Todavia, a observação em campo permite apontar a professora de História,
com formação específica e conhecimento sobre o trabalho com relações étnico-raciais,
como a docente que mais se destaca no trabalho e, juntamente com a direção e coor-
denação, articula outros profissionais da escola e a comunidade.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


A participação nos grupos culturais é uma oportunidade ímpar para os es-
tudantes e foi destacada nos depoimentos durante o grupo de discussão. Os(as)
estudantes atribuíram a essa experiência um momento importante para empreender
viagens, afastar-se da criminalidade, aprender a dançar, cantar, melhorar na escola e
conviver com bons e dignos professores(as), exemplos a ser seguidos.
Durante o grupo de discussão, os(as) estudantes demonstraram a importância
da proposta para além dos muros da escola:

Ele (Sr. José Correia) era nosso... ele treinava a gente, assim, dos pequenos era
quem treinava a gente, aí como ele faleceu, agora, os pequenos tão dançando só
pelo CD que ele gravou. Ele deixou uns CDs gravados, ele deixou um CD pra

150
gente, pra gente treinar em casa e aí de vez em quando a gente vai dançar com
os pequenos pra ensinar mais. Tem a professora S., que também faz parte, foi
ela quem fundou lá no colégio pra gente dançar, ela que chamou. A gente se
inspirou e começou a dançar. E hoje em dia a gente tá aí dançando. (Estudante).
Meu tio morreu faz três meses. Minha mãe diz que eu tenho de assumir o
lugar dele, para não deixar o Congo de Calçola morrer. Mas sou pequeno, não
sei se quero ou consigo. (Estudante).

Do ponto de vista conceitual, os(as) estudantes demonstraram pouco conhe-


cimento sobre questões históricas, tais como o continente africano e sua relação
com o período da escravidão no Brasil. Revelaram saber muito pouco sobre o que
ocorreu na África antes e depois desse processo.

O papel da gestão da escola e/ou coordenação


pedagógica
A gestão está bastante envolvida com os trabalhos, assumindo o compromisso
de incentivar os professores a planejar e colocar em prática as propostas. Em conversas
informais com docentes, pedagogas, bibliotecária e outros profissionais, percebeu-se
que a presença da diversidade e da questão étnico-racial constitui uma preocupação
constante, e as atividades desenvolvidas requerem a participação coletiva.
Observou-se que a atuação da coordenadora pedagógica foi preponderante
no processo de colaboração com o corpo docente. No que diz respeito ao modo
como se insere nas discussões ligadas à educação das relações étnico-raciais, a
coordenadora afirma:

Nosso limite é a questão de você sugerir e esperar as adesões. A gente não


pode impor ao professor que trabalhe, que tire seu conteúdo e planejamento.
A gente sugere, a gente faz estudos. Agora, a outra parte fica... boa parte
disso fica na mão do professor. Vai ter aquele professor que adere e tem ou-
tros que não. Eu acho que isso é um trabalho de formiguinha e a gente deve
fazer, mesmo que o resultado não seja pra já, mas esse resultado uma hora vai
aparecer, com certeza.

151
A coordenadora também está envolvida na reformulação do projeto político-
-pedagógico da escola, conforme esclarece:

[...] o Projeto Político Pedagógico está sendo reconstruído, será o momento


que nós estamos fazendo uma reforma exatamente para incluir a questão da
inclusão. Nosso projeto de inclusão está sendo feito, para ser anexado ao PPP,
será o momento... Foi muito bem vinda a sua presença, serviu para despertar,
pra gente fazer a mesma coisa acerca da Lei n.º 10.639/03.

Formação continuada
Não foi possível verificar in loco atividades de formação continuada de
professores(as) na perspectiva da Lei n.º 10.639/03. A proposta de formação detec-
tada foi a realizada pela Secretaria Municipal de Educação (SMED) de Natal, em
2007, em convênio com o MEC. Quatro professores foram encaminhados para o
curso, sendo que dois permaneceram nele até o final.
Apesar dos avanços na prática pedagógica desta escola, os depoimentos apon-
taram um baixo envolvimento docente nos processos de formação, além de escassez
de materiais. Tal situação impacta os trabalhos desenvolvidos e a formação dos(as)
estudantes.

Algumas considerações
Em seus depoimentos, pais, diretora, coordenadora, professora, estudantes
demonstram ter lançado mão de inúmeras estratégias para a realização do projeto
didático. Tanto as entrevistas quanto os registros fotográficos demonstram que essa
vivência foi muito bem-sucedida. Percebe-se, portanto, que a escola orienta a prática
introdutória dos saberes africanos e vem possibilitando, apesar das dificuldades, um
trabalho que tem continuidade por três anos consecutivos.
Durante a observação em campo foi possível observar a presença da comuni-
dade levando seus filhos à escola e procurando a direção para conversas, esclareci-
mentos e solicitação de documentos. A diretora enfatizou o aspecto da aproximação
entre a escola e a comunidade:

152
Quando a gente trabalhou a questão do selo UNICEF com os meninos...
você acredita que vinham mães.... eu não falei pra você que tiveram entrevistas
com o Sr. José Correia? Então tinha mãe que vinha que era aquela que fazia a
merenda. Como tinham várias outras: umas faziam merenda, outras lavavam,
outras ficavam lá, ajudavam pra ajeitar figurino, se era pra dançar, se era pra
fazer alguma coisa, pra arrumar até a exposição que a gente fez, era assim pra
ajudar. Acredito até que em casa pra fazer aquelas maquetes algumas mães
devem ter ajudado.

Nas entrevistas constatou-se que a Lei n.º 10.639/03 constituiu referência


para a realização das práticas pedagógicas e que houve uma variabilidade de atores
envolvidos na realização e no desenvolvimento dessas práticas pedagógicas realiza-
das: ONGs ligadas ao combate à violência contra crianças e às doenças sexualmente
transmissíveis, a UFRN, a UNICEF, as Edições Paulinas, os grupos culturais da
comunidade e as rendeiras.
Entretanto, a riqueza da proposta se debate com problemas que precisam ser
enfrentados. Constatou-se a indisponibilidade de recursos financeiros para a reali-
zação dos projetos vinculados à Lei n.º 10.639/03. Professora, diretora e coordena-
dora afirmaram que tiveram de aportar recursos financeiros do próprio bolso para
realizar o trabalho.
As práticas observadas nessa escola se aproximam de práticas pedagógicas de
trabalho com a Lei n.º 10.639/03 e da educação das relações étnico-raciais como
orientam as Diretrizes Curriculares, muito embora existam lacunas que necessitam
urgentemente ser preenchidas de modo que os educadores e a escola possam apor-
tar conhecimentos que deem conta dos princípios educativos da “consciência po-
lítica e histórica da diversidade, ações de combate ao racismo e às discriminações,
saberes da história da África e dos afrodescendentes”, uma vez que todos(as) os(as)
entrevistados(as) demonstraram necessitar desses aportes.

153
Quadro 14 – Escola Municipal 10 - Natal (RN)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Di-
mensão:
Estrutura Na porta de cada sala
física e está escrito um valor a
aparên- ser cultivado: alegria, A estrutura encontra-se em muito bom estado, com
cia da união, dedicação etc. salas espaçosas e bem cuidadas.
escola Não há pichações nos
banheiros.

Características da ges-
Tipo de trabalho e Motivações para a reali-
tão (direção e coorde-
responsável/propositor zação do trabalho
nação)

2ª Di- O projeto África em


mensão: Sala de Aula começou
Envolvi- A gestão está bastan- em 2007 e motivou A percepção da diversi-
mento da te envolvida com os a criação do Projeto dade cultural existente
gestão trabalhos: assumiu o Congo de Calço- no entorno da comu-
e do compromisso de incen- las conduzido pela nidade e as heranças
coletivo tivar os professores a professora de História. africanas marcantes
planejá-los e colocá-los Em 2008 e 2009, a nesses grupos.
em prática. escola realizou o
projeto Rendeiras da
Comunidade.

Biblioteca e acervo
Formação continuada da equipe
étnico-racial
3ª Di-
mensão:
Forma- A biblioteca conta com
ção con- uma profissional e um
tinuada e grande acervo muito Quatro professoras foram encaminhadas para um
material utilizado pelos estudan- curso oferecido pela SMED e pelo MEC; apenas
de apoio tes. Porém, o acervo uma concluiu o curso.
étnico-racial não se
encontra muito visível.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificuldades
estudantes (trato da
dos estudantes no trabalho
diversidade)

4ª Di-
mensão:
Avanços Fraco envolvimento do-
e limites Ênfase na aceitação da
Expressão de poucos cente nos processos de
do traba- diversidade e na afirma-
conhecimentos sobre formação docente, além
lho ção de uma identidade
a África e a questão de escassez de mate-
comunitária com fortes
afro-brasileira. riais, o que impacta nos
traços afro-brasileiros.
trabalhos desenvolvidos.

154
Estado de Pernambuco
Município de Olinda – Creche-Escola 11

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: educação infantil
Número de estudantes: 77
Matutino: 13 (alfabetização com letramento)
Horário integral: 64 (creche)
Ano de fundação: 16 de março de 1986.

A escola situa-se numa região bem servida de linhas de ônibus, possui vasto
comércio, rede bancária, praças e parques. Está muito próxima à orla marítima,
embora as famílias atendidas pela escola sejam originárias dos bairros de elevada
pobreza. Atende-se em torno de 80 crianças de 2 a 5 anos de idade, oriundas de
famílias das áreas pobres e periféricas da cidade.
A creche tem uma tradição espírita, mas, segundo as informantes, não pratica
nenhum tipo de proselitismo, e no seu corpo de profissionais há pessoas oriundas
de diferentes credos religiosos.
A escola funciona com um Quadro rotativo de funcionários cedidos pela Pre-
feitura e outro Quadro de profissionais que atuam de forma voluntária: psicólogos,
pediatras, dentistas, fonoaudiólogas. Como se trata de uma creche conveniada à
Prefeitura de Olinda, esta se responsabiliza pela merenda, liberação de sete pro-
fissionais municipais, apoio de uma escola-base que guarda documentos escolares,
efetua orientações educativas e a participa em eventos formativos.
Como a escola é uma creche comunitária, durante todo o dia pais e mães cir-
culam pelo espaço, além de voluntárias, senhoras que organizam o dia a dia, cortam,
costuram, vendem roupas usadas, planejam os trabalhos e eventos a ser realizados,
tomam decisões coletivas, participam das atividades escolares, ajudam na distribui-
ção e produção da merenda e também em festas e comemorações.

155
A educação infantil se organiza da seguinte forma: 20 crianças na creche II
(2 anos), 20 na creche III (3 anos), 24 na pré-escola I e 13 na pré-escola II. Desses,
64 estudantes passam o dia na escola, das 7:30 às 16:45, e 13 saem ao meio-dia,
porque não estão no sistema de creche. Segundo a coordenadora pedagógica, a in-
clusão de crianças com deficiência ou em situação de risco é um dos critérios de en-
turmação; dá-se preferência a essas crianças para realização de matrícula na creche.
Na entrada da creche há uma lojinha para venda de roupas usadas, visando
angariar fundos para a execução dos projetos do Centro Espírita mantenedor da
instituição. Há um pequeno jardim logo na entrada, um pátio para brincadeiras
e contação de histórias e um pequeno teatro. Entre outros desenhos na parede,
observaram-se a figura de um indígena, a personagem do livro Menina bonita do laço
de fita e o coelho dessa conhecida história de Ana Maria Machado.
Dentro da escola há uma sala de espera, onde se faz fila para entrar nas salas
de aula. As salas de aula e todo o corredor não possuem boa iluminação nem venti-
lação. As salas são pequenas, e a quantidade de estudantes varia de 13 a 24 crianças.
Nas paredes há pinturas de capoeiristas, blocos de carnaval, palhaços etc.
A escola possui uma biblioteca enorme em relação ao tamanho dos outros
espaços, com um acervo de 2.300 livros, farto acervo sobre a temática étnico-racial,
bem visível e em suportes acessíveis, atendendo ao tamanho dos pequeninos. Mui-
tos CDs, DVDs, enciclopédias, muitas fantasias para caracterização de personagens
e encenação de peças teatrais e três computadores.
As brincadeiras são animadas; há momentos dedicados à alimentação coleti-
va, ao repouso, à contação de história, sem maiores incidentes de qualquer espécie.
O ambiente físico retrata a diversidade étnico-racial nos cartazes, nos materiais vi-
suais, nas crianças atendidas e nas inúmeras pinturas.
Nessa instituição participam associações comunitárias, grupos religiosos es-
píritas, entidades do Movimento Negro, como o Daruê Malungo, do Mestre Meia-
-Noite, e o Maracatu Nação Erê, com crianças do bairro do Pina (Recife, PE).

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
As práticas observadas são apregoadas como coletivas pelos informantes da
escola. Tiveram início em 2003, quando uma das professoras desenvolveu o projeto
intitulado Maracazinho: Valorizando a Cultura Afrodescendente na Educação Infantil
e foi ganhadora do prêmio CEERT. Era objetivo do projeto vivenciar, de forma

156
interdisciplinar, a cultura pernambucana afrodescendente na expressão do maraca-
tu de baque-virado (dança e música), bem como elevar a autoestima das crianças,
despertando-lhes a valorização da diversidade cultural e étnica de Pernambuco.

As principais atividades buscaram centrar-se em rodas de conversa, leituras


de textos, listagens de nomes de personagens e adereços, confecção de instrumentos
musicais com a colaboração dos pais e mães das crianças, encenações do maracatu
e socialização das atividades com as outras turmas. Verificou-se que Artes e Li-
teratura – áreas enfatizadas pela Lei n.º 10.639/03 – foram cobertas no trabalho
realizado pela escola. Como resultados alcançados salientam-se o desenvolvimento
da oralidade, o desenvolvimento da linguagem corporal e a construção preliminar
da noção de diversidade cultural-étnica.
No trabalho da Creche 11 com Artes e Literatura, a introdução do conceito
de negro e de afrodescendência no seu ensino de forma interdisciplinar tornou-
-se um imperativo político-pedagógico e tem o respaldo da história de vida dos
educadores, das crianças, de suas famílias. Segundo a coordenadora pedagógica,
proposições educativas que contemplam o trabalho com uma educação pluriétnica
e pluricultural contribuem para a melhoria das relações entre os indivíduos e os
diferentes grupos humanos.

Entre as crianças devido ao lugar de origem, à própria educação, exigimos que


se chamem pelo nome de batismo para evitar a despersonalização. No bair-
ro agem com discriminação, apelidam de “Aquele Meu Preto”, “Café”, “Pre-
tinho”, batemos muito nessa mesma tecla, e a mudança de comportamento
ocorre. (Coordenadora pedagógica).

A percepção da prática de racismo e/ou discriminação por parte da dirigente


e da coordenadora é um fator importante. A identificação dessas práticas possibilita
ações para combatê-las, na escola e na sociedade.
Durante o trabalho de campo não foi possível verificar a presença da discus-
são da Lei n.º 10.639/03 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
em cursos de atualização, extensão, jornadas pedagógicas, encontros semanais, gru-
pos de estudo, entre outros.

157
Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho
A professora que iniciou o trabalho não atua mais na escola; no entanto, a
semente lançada continua a informar as práticas cotidianas da Creche Escola 11,
conforme depoimentos da diretora e da coordenadora pedagógica, respectivamente:

Atendemos a uma clientela na grande maioria pertencente à raça negra. En-


tão, isso já nos direciona nesse sentido de uma visão de maior respeito maior
atenção no trabalho (Diretora).
Nossa preocupação é trabalhar com as famílias e as crianças a temática do
negro e da negra. Isso começou com a Prefeitura Municipal de Olinda e se
percebeu a necessidade de se investir nessa educação.

Essa situação revela a presença do enraizamento do trabalho com relações


étnico-raciais nesta escola. Diferentemente de outras experiências, a Creche Escola
11 revela que houve uma articulação do coletivo de profissionais da escola em torno
do trabalho, o qual não se reduziu à professora que iniciou a discussão.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


O grupo de discussão foi composto por cinco crianças pardas (três meninos
e duas meninas) com idades entre 4 e 5 anos. Três foram indicadas pela direção
e duas escolhidas pelos(as) pesquisadores(as). Como elemento desencadeador da
conversa com as crianças, optou-se pela sua participação no grupo de capoeira, sob
a condução de um docente.
Solicitou-se às crianças que falassem e desenhassem sobre a capoeira, mos-
trassem as cantigas conhecidas e os passos aprendidos. Na biblioteca da escola,
oportunizou-se que as crianças pudessem livremente lançar mão da brincadeira e
expressassem, usando fantasias, o que sabiam sobre a cultura afro-brasileira, além de
escolher livros e realizar atividades de reconto de histórias. As crianças se fantasia-
ram, dançaram, contaram histórias, reproduziram gestos com euforia e desenvoltura.
Percebeu-se a presença de um trabalho cuidadoso a respeito de alguns elementos
da cultura afro-brasileira com crianças da educação infantil. Ao lado da capoeira, a
literatura infantil ocupa um lugar de destaque nesse trabalho.

158
Não foi possível discutir sobre questões referentes ao continente africano
com crianças tão pequenas, mas pôde-se perceber que elas faziam referências, in-
fluenciadas pelo trabalho do professor de capoeira. No comportamento das crianças,
não se observaram atitudes negativas e nem tratamento estereotipado em relação ao
pertencimento étnico-racial umas das outras.

O papel da gestão da escola e/ou coordenação


pedagógica
A direção e a coordenação pedagógica mostraram-se como grandes estimula-
doras do trabalho da creche. A prática pedagógica observada se orienta no combate
ao racismo e às discriminações, bem como na construção de uma autoimagem po-
sitiva, autoestima e consciência da diversidade étnica, conforme relato da diretora.
Todavia, esse trabalho ainda carece de maior formação do corpo docente para saber
lidar com os complexos resultados que tal processo desencadeia.

A gente ver a questão dentro do contexto social, do contexto da história do


nosso povo, então dentro do estudo da realidade a gente sempre teve em men-
te essa questão, essa vontade, esse sentimento de lutar contra os diversos pre-
conceitos. Principalmente em se tratando de um povo que... o nosso povo que
na grande maioria também é negro ou mestiço. E o que a gente, pelo menos
com essa experiência aqui de creche, o que nos fez despertar mais pra neces-
sidade de estimular muito o trabalho nessa área é a questão da autoestima. O
problema que a gente mais vivenciou aqui, eu num sei se a coordenadora che-
gou a mencionar, mas a gente teve casos fortes de negação do próprio sujeito.
A gente vivenciou uma criança aqui, que não queira ser negra e foi terrível,
porque nada do que fosse feito para estimular, melhorar a autoestima e reco-
nhecer que ele era belo como negro e que o negro é belo, não surtia muito
efeito. Ele tinha primos brancos e tinha familiares que, por conta de suas
fragilidades, elogiavam muito a beleza do branco. Então ele queria ser branco
como o primo. E aqui a gente não tem essa formação. Mas uma coisa que nos
sensibiliza muito é o trabalho que a gente faz com Artes e principalmente
com a Literatura. Então se focalizou bastante a questão afro na literatura,
principalmente estimulando a beleza, a importância da raça e a valorização do
sujeito negro. (Diretora).

159
A coordenação pedagógica informou a existência de materiais de suporte
para o trabalho docente, tais como apostilas de cursos de formação desenvolvidos
pela Prefeitura de Olinda e o material do Projeto do Instituto C&A – Programa
Prazer em Ler. Também colaboram com as atividades da escola o Grupo do Nas-
cedouro de Peixinhos, o Maracatu Magê Molê, a Rede de Bibliotecas, o Mestre de
Capoeira Meia-Noite, o Maracatu Nação Erê, o Grupo Boca do Lixo, e o Centro
de Cultura Luiz Freire (CCLF) e a mestra Delma Josefa da Silva, em torno da
formação proposta pela Lei n.º 10.639/03.
A perseverança, a ampliação e a continuidade do trabalho de educação das
relações étnico-raciais com outras linguagens como a capoeira devem-se aos in-
vestimentos em formação continuada, bem como ao apoio das famílias, conforme
depoimento da coordenadora pedagógica: “Temos o apoio do Centro de Cultura
Luiz Freire (CCLF). Uma turma trabalhou o livro Menina bonita do laço de fita -
leitura, canto, a história, tudo mexeu bastante ao ponto das famílias virem à escola,
em 2005”.

Algumas considerações
As opiniões positivas sobre as ações desenvolvidas pela escola fizeram par-
te dos vários depoimentos colhidos durante a observação em campo. Contudo, a
formação continuada realizada ainda se mostra insuficiente e não atinge todos os
profissionais. Assinale-se que a diretora e a professora disseram não conhecer a Lei
n.º 10.639/03, apesar de estarem envolvidas em um trabalho que visa à educação
das relações étnico-raciais.
Dessa forma, observa-se que a articulação entre a formação de professores(as)
para a diversidade étnico-racial, o planejamento das atividades e as práticas observa-
das se dá na escola inicialmente por conta da formação da Prefeitura de Olinda, por
meio da projeto Maracazinho, do CCLF, e do Prêmio CEERT. Também se deve à
atuação da coordenadora como mediadora do processo, na promoção da contação
de história, que é fundamental para a ocorrência do trabalho coletivo, uma vez que
atinge estudantes, educadores e famílias.
Como limites que reduzem as potencialidades das práticas observadas na re-
alização de uma educação das relações étnico-raciais, podem ser citadas a insegu-
rança relacionada à rotatividade de professores(as) na creche e, principalmente, a
falta de verbas fixas. Tal realidade, lamentavelmente, ainda se faz presente em outras
instituições de educação infantil no país, as quais ficam na dependência de doações
e ações assistencialistas, dificultando a continuidade do trabalho.

160
Quadro 15 – Creche-Escola 11 - Olinda (PE)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimen- As paredes ostentam
são: pinturas de capoeiris-
Estrutura tas, blocos de carnaval
física e Apesar da boa estrutura física da escola,
e palhaços e outras
aparência a ventilação e a iluminação não são adequadas.
imagens referentes à
da escola diversidade étnico-
-racial.
Características da
Tipo de trabalho e res- Motivações para a
gestão (direção e
ponsável/propositor realização do trabalho
coordenação)
2ª Dimen- Em 2004, uma profes-
são: sora foi premiada no Percepção da diversi-
Envolvi- Tanto a diretora quan-
2º Prêmio CEERT com dade étnico-racial das
mento da to a coordenadora
o Projeto Maracazinho: crianças articulada
gestão e demonstram sensibi-
Valorizando a Cultura com a necessidade de
do coletivo lização pela questão
Afrodescendete na resgatar as contri-
racial e motivação
Educação Infantil. Ela buições culturais do
para implementação
já não está na institui- Maracatu.
os trabalhos.
ção, mas o trabalho
continua.
Biblioteca e acervo
Formação continuada da equipe
étnico-racial
3ª Dimen- A escola possui uma
são: enorme biblioteca e A coordenadora informou a realização recente
Formação farto acervo étnico- de curso de formação continuada oferecida pela
continuada -racial, além de muitos SMED em parceira com movimento negro e ONGs.
e material materiais de apoio Todavia, a formação mais aprofundada apresenta-
de apoio (CDs, DVDs) e fanta- -se como uma necessidade das profissionais.
sias infantis.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificuldades
estudantes (trato da
dos estudantes no trabalho
diversidade)
As crianças apresen-
Apesar da sensibilida-
tam desenvoltura em
de da equipe gestora
relação aos conheci-
há desconhecimento
4ª Dimen- mentos sobre expres-
da Lei e suas Diretri-
são: Impacto positivo na sões culturais afro e
zes. Embora o Projeto
Avanços e construção identitária gosto pela literatura
Maracazinho tenha
limites do dos(as) estudantes infantil que tematiza a
deixado raízes nas
trabalho negros(as). As crian- questão afro-brasileira.
práticas pedagógicas,
ças revelam desen- Possuem noções
estas ainda carecem
voltura e entusiasmo sobre África advindas
de um trabalho mais
diante dos trabalhos. do trabalho com a
sistemático que vá
capoeira que devem
além da boa vontade
ser consideradas inte-
de superar precon-
ressantes, em virtude
ceitos.
de sua idade.

161
Estado do Piauí
Município de Teresina – Escola Estadual 12

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino médio
Número de estudantes: 2.173
Matutino: 931
Vespertino: 881
Noturno: 361
Ano de fundação: criado em Oeiras, primeira capital da província, pela
Lei n.º 198, de 4 de outubro de 1845, sendo sua última inauguração em
Teresina em 1936.

Ocupando uma área de 6.400m2, com 3.200m2 de área construída, a Es-


cola Estadual 12, fundada em 1945, é considerada referência no ensino público
local, oferecendo apenas o ensino médio. O Quadro de funcionários conta ofi-
cialmente com 125 professores(as) e 79 funcionários(as). A escola funciona em
três turnos.
O ingresso no corpo discente da escola é feito por meio de um exame anual
de admissão. Mas outras exigências são estabelecidas, como o uso obrigatório do
fardamento, principalmente no horário diurno, rigor no cumprimento dos horários
de chegada e na circulação nas dependências da escola em horário de aulas.
A escola chama a atenção por sua imponência entre os outros imóveis da
localidade, em virtude de aspectos mais evidentes, como o nome na fachada e sua
dimensão, e da própria arquitetura, que segue um estilo moderno. Nas ruas do
seu entorno, encontram-se unidades do SENAI e SESI, uma sede do Sindicato
dos Trabalhadores em Educação Básica Pública do Estado do Piauí (SINTE-PI),
alguns pequenos estabelecimentos comerciais (bares, serviços de xerox, lan-hou-
se, papelaria etc.). Até recentemente estava instalada na vizinhança a Associação
Cultural Coisa de Negro, que existe há dezoito anos e funcionou durante nove
anos no local.

162
A estrutura física da Escola Estadual 12 é formada por 20 salas de aula, uma
sala para o grêmio estudantil, seis laboratórios, um auditório, sala da diretoria, secre-
taria, sala do arquivo, gabinete médico, sala do Serviço de Orientação Educacional
(SOE), que não está funcionando, sala de professores(as), biblioteca, quadra polies-
portiva, setores de Educação Física e de Artes. Há ainda uma sala com o serviço de
reprografia para a própria escola, dois banheiros para funcionários no térreo, dois
banheiros para estudantes no térreo e dois banheiros no primeiro andar.
As salas de aula são, na sua maioria, amplas e chegam a comportar em mé-
dia 50 estudantes. As condições de conservação estavam um tanto precárias, com
ventiladores quebrados, carteiras antigas, Quadros desgastados etc. Nas paredes e
portas dos banheiros, há algumas pichações com termos preconceituosos que se
dirigiam principalmente aos homossexuais. Não foi constatada nenhuma expressão
de intolerância desse tipo referente aos negros. Ao contrário, havia mensagens de
identificação com grupos artísticos musicais, como pagodeiros ou grupos de hip-
-hop, a exemplo dos Racionais.
A biblioteca conta com um acervo reduzido para o número de estudantes.
Não há nenhum material específico que contemple a questão étnico-racial, salvo a
abordagem tradicional nos livros didáticos, principalmente de História do Brasil.
Em relação à inclusão de pessoas com deficiência, não há adequação efetiva
da estrutura da escola, como a instalação de corrimãos, rampas de acesso nos vários
ambientes ou no elevador. A escola tem tentado contornar essa situação acomodan-
do esses estudantes nas salas no pavimento térreo.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
No ano de 2004, foram implementados os projetos Poesia e Música: Uma
Abordagem da Influência da Literatura Social e Projeto Interdisciplinar Sobre Pre-
conceito Racial, desenvolvidos por duas professoras. O projeto Poesia e Música teve
como objetivo a discussão e a valorização da contribuição negra para a poesia e a
música local. Retomou conceitos importantes para a compreensão dessas práticas
culturais e ficou entre os finalistas da segunda edição do Prêmio CEERT (2004).
O Projeto Interdisciplinar Sobre Preconceito Racial teve como objetivo cons-
cientizar a comunidade escolar sobre o tema do preconceito, buscando formas coleti-
vas para minimizá-lo. Para tanto, procurou identificar as principais manifestações de
preconceito racial na comunidade escolar e os motivos que levaram os(as) estudantes a

163
adotarem atitudes preconceituosas. Durante a execução do projeto, a equipe responsá-
vel de educadores(as) militantes e de professores(as) procurou abordar criticamente o
tema do preconceito racial, relacionando-o com outros temas, como direitos humanos,
direitos das crianças e adolescentes, ética e cidadania, a fim de colaborar com a forma-
ção social e individual do corpo discente da escola. Foram desenvolvidas discussões,
pesquisas, palestras e oficinas nas disciplinas Língua Portuguesa, Artes, História e
Geografia. As atividades de ensino priorizaram conteúdos específicos para cada área,
envolvendo a diversidade cultural, o preconceito racial, o racismo e os conhecimentos
sobre o continente africano. Todavia, de acordo com os dados de campo, as mudanças
na gestão e aspectos políticos internos inviabilizaram a continuidade das ações.

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


O Projeto Interdisciplinar teve como protagonista a coordenadora pedagógi-
ca, autodeclarada negra, formada em História e com pós-graduação lato sensu em
Gestão Tecnológica. Segundo a coordenadora, a construção do projeto partiu de
sua indignação quanto ao sofrimento da população negra, da constatação da exclu-
são e marginalização dos negros, inclusive na escola. Reforçou, ainda, que contou
com a ampla colaboração da ex-diretora adjunta da escola (atualmente na escola
como professora de Geografia), chegando a participar de várias conferências e pa-
lestras sobre a temática. Lamenta o fato de não terem conseguido dar continuidade
ao projeto, apontando as questões políticas como causa da interrupção, sem fornecer
detalhes.
O professor de História entrevistado e que se destacou como importante cola-
borador nessa iniciativa informou que não conhecia o projeto nem a Lei n.º 10.639/03
antes de ser convidado por uma das professoras para trabalharem juntos por três anos.
Ele afirmou que, durante a fase de elaboração, em 2005, houve a participação dos
estudantes, sendo ouvidos em relações a ideias e sugestões para o projeto.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Participaram do grupo de discussão seis estudantes, sendo cinco mulheres e
um homem. Destes, duas estudantes se autodeclararam mulatas, uma negra, uma
parda, outra não declarou a raça/cor e o jovem autodeclarou-se pardo. Três mulhe-
res participavam da Associação Cultural, voltada para a temática étnico-racial. No
momento da pesquisa, eles estavam no 2º e 3º anos do ensino médio, com idade
variando entre 16 e 21 anos.

164
Os(as) estudantes também falaram do desconhecimento sobre o debate em
torno da Lei n.º 10.639/03. Um jovem registrou que nunca lhe falaram do assunto
quer na Escola Estadual 12, quer na escola particular onde estudava anteriormente,
mas que já chegou a ouvir sobre o assunto pela mídia, pela internet. Uma das estu-
dantes disse que nesses e em outros casos, algumas vezes são os próprios estudantes
que trazem para dentro da escola as informações, aparentemente cumprindo um
papel que deveria ser da direção, da coordenação, do corpo docente em geral.
Outra estudante destacou a importância da Associação Cultural em mostrar
que o negro tem seu valor: “Hoje em dia o que eu sei sobre a nossa cor e as outras
religiões eu devo a eles, porque eles conversam muito, nos escutam, procuram sem-
pre nos incentivar pra o melhor, pra não ter preconceito com nada”. Ela relatou ter
assistido, logo que ingressou na escola, a uma pequena apresentação da Associação,
em que esta falava, de sala em sala, sobre beleza negra etc. Trata-se de iniciativas da
Associação e não da escola. Apontou que o atual diretor não dá muita importância
a esse tipo de trabalho, diferentemente da diretora anterior, que sempre procurava
se articular com esse e outros grupos e lhes dar espaço na escola para que apresen-
tassem suas manifestações culturais e o trabalho social.
Apesar de também manifestarem uma percepção harmoniosa sobre o ambiente
escolar, quando indagados sobre suas experiências pessoais, os(as) estudantes revela-
ram experiências marcantes de racismo que dificilmente não se refletiriam na escola.
Segundo eles, a direção da escola tem sua parcela de responsabilidade no
atual estado de inércia em relação à temática racial e outros assuntos. Uma estu-
dante afirmou: “o diretor não vê que a escola está cheia de adolescentes” e que, por
isso, caberia a ele proporcionar atividades de esclarecimento sobre diversos assuntos.
Outra estudante foi enfática ao dizer que, se o colégio fizer uma palestra sobre a
questão étnico-racial, com certeza, os(as) estudantes participarão, mesmo que não
sejam todos(as). Nos casos em que a ideia partiu dos próprios estudantes, esbarrou-
-se na burocracia e na falta de apoio.

O papel da direção da escola e/ou coordenação


pedagógica
Em relação à difusão da Lei n.º 10.639/03 entre o corpo docente, o di-
retor apresentou-se como alguém que tem conhecimento do assunto e afirmou a
necessidade de sua disseminação, como se vê: “eu creio que 90% das pessoas nem
conhecem a lei [...] precisa divulgar mais”. Porém, o mesmo diretor faz questão de

165
salientar que, em sua opinião, a Lei n.º 10.639/03 não influencia e acha mesmo
desnecessária a sua aplicação porque “conhecimento é universal”.
Nos casos em que houve contato mais direto dos gestores e docentes com as
discussões sobre a Lei n.º 10.639/03, este não aconteceu exatamente por um debate
instalado na escola. A coordenadora pedagógica, por exemplo, afirmou ter conheci-
do esse instrumento legal por meio das Conferências Estaduais da Igualdade Racial
ocorridas em 2005 e 2006, divulgadas pela Secretaria Estadual de Educação. A
partir daí se tornou multiplicadora junto a outros(as) professores(as).
A situação narrada pela coordenadora pode ser considerada uma demonstração
de como a propagação do debate mais amplo sobre o tema das relações raciais. Isso
porque, mesmo sendo realizado por meio de órgão oficiais tais como as secretarias de
educação, termina dependendo, em grande medida, no interior da escola, do compro-
misso e da sensibilidade de alguns, e acontecendo por vias informais ou não oficiais,
mesmo tendo uma lei que o ampare. A fala da própria coordenadora reflete isso: “Na
verdade, aqui na escola essa Lei, ela ainda não foi implementada, e a gente tá aguar-
dando. A gente tem, assim, orientações de que a Lei tem que ser implementada, mas
a gente precisa de um treinamento, a gente precisa de uma formação”. E completa:
“eu, particularmente, acho que sou a única que já ouvi falar, que já tive oportunidade
de ouvir palestras, de ouvir seminários e conferências em relação à Lei”.
Os(as) professores(as) foram unânimes em concordar que há falta de forma-
ção específica para trabalhar com o tema, destacando que nunca estiveram envolvi-
dos em qualquer programa promovido quer pela Secretaria Estadual de Educação,
quer pelo próprio MEC. Um dos professores entrevistados confirma o tipo de rigor
colocado no calendário e na carga horária dos(as) professores(as) como uma das ex-
pressões dessa falta de estímulo por parte das instâncias administrativas superiores
e diz que sua formação vem basicamente das leituras e de sensibilidade de perceber
a questão da discriminação, que é muito visível em nossa sociedade.
À lacuna na formação docente soma-se a falta de material pedagógico espe-
cífico para utilização na escola. Assim, aos profissionais resta recorrer ao livro didá-
tico como subsídio para a elaboração de aulas, projetos e outros materiais com seus
estudantes. Sobre isso, a coordenadora pedagógica lembrou que a escola recebeu uma
caixa com vários livros coloridos sobre temáticas diversas, como a inclusão social, a so-
lidariedade e a questão racial dentro do campo dos direitos humanos. Aparentemente,
são livros que se diferenciam dos didáticos comumente utilizados. Porém, lamenta o
fato de não terem encontrado um momento para discutir o material, ainda que não
fosse considerado mais adequado para o trato da questão racial em si.

166
Notam-se algumas contradições nos discursos encontrados. A denúncia sobre
o pouco investimento na formação continuada apresentada pelos entrevistados deve
ser um alerta e, de fato, ocorre em outras realidades observadas durante o trabalho
de campo. Porém, a afirmação de que a escola recebeu material paradidático como
apoio ao debate sobre a inclusão e, dentro deste, da temática das relações raciais,
deve ser considerada. Sabe-se que as escolas têm autonomia financeira e pedagógica
para pensar a formação em serviço dos seus profissionais, de acordo com as suas
possibilidades e realidade. Para que isso aconteça, a discussão coletiva do conjunto
de profissionais e a flexibilização dos tempos e espaços se tornam medidas neces-
sárias. São iniciativas que deveriam ser desencadeadas por todos os profissionais da
escola, sobretudo aqueles que ocupam o lugar da gestão e da coordenação. Indaga-
-se: até que ponto as escolas apresentam uma postura acomodada diante dessa situ-
ação, esperando que o poder público realize sozinho todo o processo de formação, e
acabam não assumindo a responsabilidade pedagógica e profissional de investimen-
to interno na formação da própria equipe? Assumir essa responsabilidade implica,
inclusive, o desencadeamento de um processo de pressão sobre os órgãos públicos
responsáveis pela gestão do sistema de ensino, baseada em um diagnóstico sério
sobre as lacunas existentes e uma proposta efetiva de formação. É nesse contexto
que as discussões sobre a formação em serviço na perspectiva da Lei n.º 10.639/03
podem ser incluídas.
Sobre as manifestações da questão étnico-racial entre as relações interpes-
soais no cotidiano da escola, o diretor negou de forma contundente e disse até que
não acredita haver racismo no Brasil, e particularmente no Piauí, como acontece
em outros lugares do mundo. Para ele, trata-se de uma “cordialidade”, sem ser
subserviente. Por isso, considera um absurdo retomar essa dimensão e citou como
exemplo a exigência de autodeclaração sobre raça/cor em certos documentos, pois,
segundo ele, a quantidade de melanina da pele é apenas um detalhe no conjunto
da raça humana. Para o diretor, tal cordialidade se expressa na Escola Estadual 12,
pois lá “todas as pessoas se dão bem”; não há registros de problemas com relação
à cor que seja do seu conhecimento ao longo desses anos de sua presença ali: “o
nosso alunado olha para os outros como igual, como um irmão, como seres que
compõem a raça humana”.
Essa perspectiva harmônica sobre as relações raciais na sociedade brasileira
não é, contudo, compartilhada pelos(as) outros(as) profissionais entrevistados(as),
a exemplo outro docente, que chamou atenção para o fato de a discriminação e o
preconceito racial no Brasil acontecer de forma mascarada, camuflada.

167
De uma perspectiva geral da gestão, o diretor falou da busca de melhorias e
de como esse caminho atualmente parece mais concreto por meio das medidas de
mudança estrutural anunciadas pelas instâncias superiores. Ressaltou que os avanços
não dependem dele como gestor e completou de modo pragmático: “Nós somos
gestores, mas obedecemos às diretrizes da Secretaria Estadual de Educação”.

Algumas considerações
A Lei n.º 10.639/03 é considerada por um dos docentes entrevistados como
mais um instrumento de mudanças comportamentais necessários no Brasil, para
reverter o Quadro de discriminação, de exclusão social relativa à população afro-
descendente, que é muito visível. No entanto, trata-se de um trabalho que vai de-
mandar muito tempo, gerações. Para a coordenadora pedagógica, falta material de
impacto, algo que ajude realmente a combater e, quem sabe, acabar com o próprio
preconceito do(a) professor(a) que vai repassar o conteúdo para o(a) estudante.
Vários estudos têm apontado que uma das formas de materializar a demo-
cratização das relações étnico-raciais na instituição escolar poderá ser a inclusão da
temática no Projeto Político-Pedagógico da escola. Entendendo a importância de
tal documento bem como do processo que o desencadeia na escola, a equipe de pes-
quisadores analisou as informações sobre a existência do PPP, seu processo de cons-
trução, suas principais disposições e sobre a importância da questão étnico-racial no
seu conteúdo. A versão disponibilizada conta com aproximadamente 20 páginas e
pauta-se nos preceitos colocados pela LDB, pelos PCNs e pela UNESCO. Entre as
distintas proposições verificadas em seu conteúdo, consta o Projeto Interdisciplinar
Sobre Preconceito Racial, de autoria da atual coordenadora e colaboração de um
professor. Porém, não foi possível identificar nenhuma abordagem mais detalha-
da da questão étnico-racial e muito menos da Lei n.º 10.639/03, embora os(as)
entrevistados(as) garantam não ter havido nenhuma resistência declarada ao tema
no processo de sua elaboração.
Na opinião dos profissionais entrevistados, a indicação da Escola Estadual
12 para integrar a pesquisa se deve ao fato de, além de ter realizado o Projeto In-
terdisciplinar, ser uma instituição de ensino considerada como referência no Estado.
A coordenadora e um dos professores entrevistados acrescentam que essa situação
acaba contribuindo para o recebimento de um público diverso na escola, composto
de muitos estudantes da periferia, apesar da localização central da instituição. Isso
leva a uma significativa pluralidade social, cultural e étnica.

168
Apesar dessa percepção, ao menos em parte, sobre a diversidade do público
atendido na escola, isso não foi suficiente para levar a uma ampla difusão da Lei
n.º 10.639/03, bem como à geração de práticas pedagógicas fundamentalmente a
partir desse instrumento legal, sendo ainda algo distante de boa parte dos próprios
profissionais da Escola Estadual 12.
Cabe destacar a articulação da escola com outros espaços sociais e formativos.
Os depoimentos revelam a presença da Associação Cultural na escola. Todavia, o
diretor afirmou que a relação entre a escola e essa Associação é mínima e, segundo
ele, tal situação, se deve ao próprio caráter do ensino tradicionalmente ofertado pela
Escola Estadual 12 e que a faz tão respeitada, a saber, uma formação propedêutica
e voltada para o ensino superior.
Esse distanciamento entre a Associação e a escola talvez seja mais sentido na
atualidade, pois a equipe de pesquisadores foi informada de que a entidade já não
se encontra mais instalada ao lado da Escola Estadual 12. A realidade observada
permite inferir se, até mesmo quando eram vizinhas, essa relação tenha sido mais
intensa. Porém, os depoimentos das estudantes anteriormente citados permitem
afirmar que, de fato, a presença e a participação de tal Associação na escola, em
determinado momento da sua trajetória, fizeram alguma diferença em relação ao
debate sobre as relações étnico-raciais na instituição pesquisada.

169
Quadro 16 – Escola Estadual 12- Teresina (PI)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimen-
são:
Estrutura A construção destaca-se
física e por sua imponência. Há
aparência pichações com xinga- Boa infraestrutura e espaços diferenciados.
da escola mentos em relação à
diversidade sexual.

Tipo de trabalho e
Características da gestão Motivações para a rea-
responsável/propo-
(direção e coordenação) lização do trabalho
sitor
2ª Dimen- Em 2004, o Projeto
são: Ambiguidades e ten-
Poesia e Música e
Envolvi- sões: o diretor reforça a
Projeto Interdiscipli-
mento da importância do tratamento
nar Sobre Pre-
gestão e universal, e a coordena-
conceito Racial Percepção de discrimi-
do cole- dora mostra-se sensível e
desenvolvido por nação racial.
tivo envolvida nos trabalhos
duas professoras na
relativos à temática
gestão da ex-diretora
étnico-racial e à Lei n.º
e interrompido por
10.639/03.
questões políticas.

Biblioteca e acervo
Formação continuada da equipe
étnico-racial
3ª Dimen-
são: A biblioteca conta com
Forma- um acervo reduzido para
ção con- o número de estudantes. Os profissionais da escola afirmam, de forma
tinuada e Não há material espe- unânime, que nunca participaram de nenhuma
material cífico sobre a temática formação sobre a temática, nem receberam infor-
de apoio étnico-racial, com exce- mações específicas.
ção dos tradicionais livros
de História.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificuldades
estudantes (trato da
dos estudantes no trabalho
diversidade)

A aquisição de al-
4ª Dimen- guns conhecimentos
são: A sensibilização de relativos à temática Ausência de espaço
Avanços alguns estudantes para a racial se dá via para planejamento co-
e limites temática racial se dá via participação em uma letivo e de formação na
do traba- participação na Asso- associação negra, temática da Lei. Identi-
lho ciação Cultural Coisa de antes existente ao ficação de preconceitos
Nego e sua intervenção, lado da escola, e e resistências entre
durante um período, na não necessariamente alguns profissionais da
escola. por meio do trabalho escola.
pedagógico da
escola.

170
Regional Norte

Wilma de Nazaré Baía Coelho


Mauro Cezar Coelho
Ivany Pinto Nascimento

RR
AP Macapá

Ananindeua

Manaus

AM PA
Praia Norte

Araguaína

TO
RO
Estado do Pará
Município de Ananindeua – Escola Estadual 13

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental e ensino médio
Número de estudantes: 1.177
Matutino: 583
Vespertino: 594
Ano de fundação: 2 de março de 1953
IDEB observado: 4.4 (8ª série/9º ano). Para a 4ª série/5º ano, não há
dados disponíveis.

A Escola Estadual 13 está localizada no Bairro Guanabara, uma das áreas


mais urbanizadas do município de Ananindeua (PA), com cerca de 95% de ruas as-
faltadas e drenadas. Esse bairro também é considerado um dos melhores para morar
porque possui ampla variedade de serviços e estabelecimentos comerciais, além de
universidade e equipamentos de educação e de saúde.
Esta unidade escolar oferece as modalidades ensino fundamental e ensino
médio. Em relação à estrutura física, suas instalações apresentam um processo se-
vero de deterioração, característica abordada no diagnóstico constante do PPP da
escola. As salas de aula, distribuídas em dois pisos, são organizadas de forma im-
provisada, com dimensões desproporcionais para o número de estudantes atendidos.
Nem todas comportam ventiladores, necessários para garantir o conforto ambiental,
e tampouco mobiliários para professores, caso das salas destinadas ao ensino fun-
damental. As destinadas ao atendimento do ensino médio encontram-se em estado
precário: são divididas por chapas de compensado, as carteiras são de madeira e
não há portas. O Quadro de giz é pequeno e não proporciona boa visualização dos
registros pelos estudantes.
O espaço da biblioteca carece de condições adequadas para comportar o acervo
e atender aos(às) estudantes e professores(as). É pouco iluminado, sem ventilação, e não
permite o acesso de pessoas com deficiência e dificuldades de locomoção. O acervo não

172
se encontrava organizado, e a maioria dos livros sobre as relações étnico-raciais estava
guardada na sala da vice-diretora. A vice-diretora afirmou que a falta de um profissional
responsável pela biblioteca dificulta sua manutenção e o acesso aos livros e que a dispo-
sição dos livros sobre a temática étnico-racial em sua sala tem como objetivo facilitar,
sobretudo, a consulta e a pesquisa pelos(as) estudantes e professores(as). Esse acervo
conta com títulos significativos de divulgação científica e acadêmica.

Segundo os(as) estudantes, é pequena a incidência de negros e brancos na


composição das turmas; a maioria absoluta delas é composta por pardos. Tam-
bém há representantes de povos indígenas locais. A diversidade étnico-racial
apresentava-se em todas as turmas, com vários grupos representados.

Os(as) professores(as) e a gestão da escola, embora muito solícitos com a


equipe da pesquisa, mostraram-se de início pouco seguros, não pela qualidade do
trabalho desenvolvido, mas pelos problemas da estrutura física da escola. Porém, no
decorrer do processo, esse sentimento se dissipou, e todos contribuíram para o bom
andamento da investigação.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
Estas práticas iniciaram-se na escola focando a cultura dos povos indígenas e,
posteriormente, foram incluídas a cultura africana e a afro-brasileira. Essa perspec-
tiva encontra-se no PPP por meio da apresentação, em linhas gerais, das atividades
desenvolvidas e centralizadas no projeto Raça e etnicidade afro-indígena: resistên-
cias e desafios. São atividades formuladas pelo conjunto dos(as) professores(as) e
que abarcam todos os anos do ensino fundamental e do ensino médio. São incor-
poradas pelas disciplinas citadas na Lei n.º 10.639/03 — História, Literatura e Ar-
tes, com maior ênfase na área de História – e contemplam inserções eventuais em
outras disciplinas, como Sociologia, Estudos Amazônicos e Matemática.
O Projeto pretende unificar as ações da escola na abordagem das culturas
africana e afro-brasileira e ao mesmo tempo combater o racismo, o preconceito e a
discriminação, através do reconhecimento da contribuição africana na formação da
sociedade brasileira. Outro objetivo é o fomento da construção identitária positiva,
por meio da estética e da aceitação de si por parte dos estudantes negros.

173
O conjunto de atividades compreende duas dimensões importantes da educação
oferecida na escola. Uma parte delas compreende a transversalidade da temática em
áreas curriculares e objetos de ensino, sendo trabalhada intencional e sistematicamente
pelo grupo de professores(as). Outro conjunto é formado por ações diversificadas e
lúdicas que implicam a aproximação dos(as) estudantes a produções culturais varia-
das, que vão do universo das canções ao religioso e ao das literaturas africana e afro-
-brasileira. No calendário escolar, estão incluídas também as datas comemorativas que
tratam da questão étnico-racial, como o Dia da África e o Dia da Consciência Negra.

Uma das atividades desenvolvidas pela escola consiste na aproximação dos es-
tudantes ao universo das expressões religiosas de matriz africana. Trata-se da
Celebração Afro. É um evento em que se focaliza a cultura afro-brasileira no
universo mais amplo das manifestações da religiosidade cristã. Outra ativida-
de são as oficinas da dança afro, que abarcam, além dos elementos corpóreos,
os sentidos atribuídos a essa expressão pela cultura africana, como elementos
ligados à cosmologia, aos ritos, às tradições, à oralidade e à ancestralidade.
Há também atividades referentes à cultura hip-hop, que pretendem aproximar
os(as) estudantes desse universo cultural, colocando-os em contato com as
questões referentes às “posses”, com as letras das canções (droga, violência,
gênero etc.) direcionadas à juventude, com a cultura e a postura política do
movimento. Esse contato com a cultura e o universo hip-hop tem por objetivo
intensificar a revisão de representações negativas, elevar a autoestima dos jo-
vens negros e ajudá-los a identificar-se com a cultura hip-hop.
Em função da problemática da percepção negativa das diferenças, surgiu a
ideia de promover um concurso de bonecos negros com a finalidade de mudar
essa representação e de educar para a diferença, a igualdade e a diversidade.
Outra atividade é o Sarau literário, em que os(as) estudantes entram em
contato com obras de poetas e escritores negros, abarcando a literatura afro-
-brasileira. O objetivo do Sarau é favorecer o conhecimento de escritores
expoentes, tendo em vista a formação da identidade e a valorização da cul-
tura e história dos afro-brasileiros. Por fim, há o Intercâmbio cultural entre
os estudantes desta escola e outros adolescentes e jovens que estudam em
Angola (África). Essa atividade tem como objetivo possibilitar a troca de
experiências culturais entre os dois povos, favorecendo a ampliação dos co-
nhecimentos sociais, culturais, religiosos, econômicos e geográficos entre o
Brasil e a Angola e estabelecendo laços afetivos entre as suas culturas.

174
De acordo com o relato da vice-diretora, as atividades empreendidas têm con-
seguido modificar as atitudes dos estudantes, sobretudo, dos(as) estudantes(as)
negros(as), acerca da questão racial. Promovem a reconstrução e o fortale-
cimento de identidades negras, pois, em suas palavras, eles “começam a se
aceitar como negros, deixando de ser morenos. [...] ‘eu aliso o meu cabelo, mas
não é mais para eu me esconder’ ”. Uma aluna do nono ano credita ao trabalho
da escola o processo de “reconhecer-se como negra”. Uma das professoras re-
lata ainda que sua preocupação com a temática vem de antes da promulgação
da Lei n.º 10.639/2003, devido à sua militância junto ao Movimento Negro.

Perfil das principais responsáveis pelo trabalho


O projeto é desenvolvido pelo coletivo de professores(as) com o apoio da
equipe gestora, no entanto destacam-se as professoras de Ensino Religioso e His-
tória e a vice-diretora como responsáveis diretas por sua implementação. As três
profissionais são reconhecidas graças à atuação pedagógica na inclusão da temática
no PPP da escola e à sistematicidade e manutenção das atividades organizadas em
torno do projeto pedagógico.
Segundo a professora de Ensino Religioso e Filosofia, os(as) professores(as)
têm procurado atuar no projeto de forma interdisciplinar:

Nada é 100%, mas a gente já percebe um grupo de professores, por exemplo,


que pensam em trabalho interdisciplinar, que já sentam para discutir; são pou-
cos, mas a gente já observa isso, que antes era cada um por si, antes a gente
chegava na sala e não sabia o que o outro estava fazendo, e hoje o colega
chega na sala e pergunta: “sim, o que tu estás trabalhando?”.

Corrobora este depoimento a afirmação da professora de História:

[...] trabalhamos questões em sala de aula e questões de cunho cultural tam-


bém; a questão da felicidade de ser negro; do conhecimento da cultura afro-
-brasileira, e, assim, o projeto passou a ser desenvolvido de forma mais siste-
mática, mas houve dificuldades.

175
Os relatos obtidos na referida escola evidenciam dois elementos importantes
para os propósitos desta pesquisa: a variedade das ações pedagógicas para a
educação no campo das relações étnico-raciais e sua relação indissociável com
a formação de professores(as). As práticas pedagógicas relatadas encontram-se
enraizadas no PPP da escola, o que lhes confere sustentabilidade, tirando-as
do estatuto de práticas esporádicas e eventuais.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


O grupo de discussão contou com a participação de seis estudantes de dife-
rentes séries do ensino fundamental e do médio, homens e mulheres.
A discussão foi organizada da seguinte forma: perguntas acerca das atividades
desenvolvidas pela escola na área de história e das culturas afro-brasileira e africana;
questões sobre tópicos diversos acerca das relações raciais no Brasil contemporâneo
e abordadas pelas diferentes disciplinas e, por fim, indagações sobre temas relacio-
nados ao conteúdo da Lei n.º 10.639/03. O objetivo das discussões era averiguar
os resultados do trabalho realizado, assim como as demandas dos estudantes no
que diz respeito àquilo que gostariam de aprofundar em seu conhecimento sobre as
questões afro-brasileiras e africanas.
Constatou-se a importância das atividades programadas pela escola para o
fortalecimento da identidade negra e para a apropriação de novos conhecimentos,
como mostra o excerto a seguir:

[...] na escola que eu estudava antes, eu tinha muito preconceito, eu chegava


a me sentir mal por ser negra. Nunca senti vergonha, mas eu pensava porque
só pelo fato de eu ser negra me tratavam dessa maneira. Quando eu entrei
pra Escola Estadual 13 e a gente começou a estudar e discutir esse assunto,
eu passei a pensar de outra maneira. Não tem que ter vergonha de ser negra.
(Estudante).

Foram fortemente lembradas pelos(as) estudantes a Oficina de pintura, a


Oficina de dança e a Oficina de produção de texto. Duas alunas participaram ativa-
mente da Oficina de Literatura e atribuíram a isso a mudança de percepção sobre a
cultura brasileira, que merece ser valorizada.

176
Uma estudante que se autodeclarara negra relatou sobre a atividade Coração
da Nossa Senhora Aparecida Negra, na qual participou representando a santa. Tal
atividade estava vinculada a um projeto interdisciplinar, e entre seus objetivos estava
a discussão das religiões de forma contextualizada e desprovida de hierarquizações.
Outro depoimento diz respeito à Oficina de bonecas: uma estudante atribuiu à
professora de Religião a oportunidade de participar da confecção de bonecas e de-
monstrar como a pessoa afro-brasileira é bonita.
Quando indagados sobre preconceito e discriminação, um estudante afirmou
que “não somente o negro é vítima de discriminação, mas mulheres, indígenas, pes-
soas pobres e com necessidades especiais”. A maioria atribuiu valor negativo a todas
as formas de discriminação. Os(as) estudantes afirmaram ainda que a sociedade
atribui estereótipo de pobreza ao negro e relacionaram a discriminação do segmen-
to negro à história do Brasil. Essa discussão foi finalizada por um estudante que de-
clarou que “o negro é discriminado não por ser pobre, mas por ser negro”. Também
se referiram ao racismo no Brasil, e grande parte disse ter presenciado pelo menos
uma situação de racismo dentro da escola.
Os(as) estudantes elegeram as disciplinas Religião e Filosofia como aque-
las que fomentaram mais aprendizagens sobre a temática étnico-racial. Apontaram
como importantes temas tratados nas aulas: religião afro-brasileira, cultura negra,
Nelson Mandela, apartheid, orixás. Essas apreciações mostram-se consoantes com
os objetivos e relatos das professoras-referência do projeto da escola.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
Constatou-se, durante as entrevistas e nas conversas informais, o envolvimen-
to da vice-diretora com o projeto e seu interesse no desenvolvimento das atividades.
Ela tem formação específica para o tema, adquirida por meio de cursos e subsídios
oferecidos pelo Movimento Negro (CEDENPA) e pela UFPA, que também apoia-
ram as ações da escola. Afirmou que, por causa da Lei n.º 10.639/03, as manifes-
tações de matriz africana tornaram-se presentes nos trabalhos dos estudantes, e a
temática foi incluída no PPP da escola, assim como o 20 de Novembro passou a ser
considerado no planejamento escolar.
Seu respaldo concretiza-se na incorporação do projeto ao PPP, no planeja-
mento e execução coletiva das atividades e no envolvimento da equipe docente com
a realização de atividades. A formação da vice-diretora e seu interesse pela temática

177
e pelo enraizamento das atividades na escola são elementos importantes que contri-
buem para o sucesso das propostas pedagógicas.

Formação continuada
No que se refere à formação continuada, a maioria dos(as) professores(as) entre-
vistados possui algum tipo de formação ofertado pela Secretaria de Educação, UFPA,
CEFET, MEC, Cursos a Distância etc. Especialmente no desenvolvimento das ati-
vidades extracurriculares, como palestras sobre a questão racial no Brasil, o apoio de
entidades da sociedade civil, no caso, o Movimento Negro, foi de salutar importância.
Nos depoimentos, duas professoras afirmaram que a temática está incorporada
como objeto de ensino de suas disciplinas, por meio da abordagem das religiões de
matriz africana e do tratamento histórico das relações raciais no Brasil e através das
outras atividades citadas. Ambas passaram por curso de formação continuada e par-
ticiparam de eventos sobre a questão racial promovidos pela Secretaria Estadual de
Educação, tendo recebido o apoio do CEDENPA em algumas atividades da escola.

Algumas considerações
Tendo em vista a constatação de uma relação adequada entre o planejado e o pra-
ticado, o pensado e o concretizado, pode-se afirmar que a Escola Estadual 13 consegue
incorporar em suas ações pedagógicas os dispositivos da Lei n.º 10.639/03. O planeja-
mento das ações da escola, fundamentado em conhecimentos sobre a questão étnico-
-racial, pretende fornecer uma educação que apresente a historicidade das culturas afri-
cana e afro-brasileira e suas contribuições para a formação da sociedade. Pretende ainda
desconstruir preconceitos e estereótipos negativos em relação ao negro e colaborar na
construção identitária e na autoestima dos estudantes negros, que demonstram perceber
a riqueza, a complexidade e a importância de sua cultura para a sociedade brasileira.
Como desafio a ser enfrentado pelo coletivo da escola, indica-se a participação
da comunidade nas atividades ligadas à temática, que, no momento da pesquisa, ainda
era limitada. Em estágio inicial, está sendo incrementada a parceria com organizações
dos movimentos sociais e com a universidade: o Movimento Negro e os NEABs.
Pode-se dizer que, tanto no planejado quanto no praticado, a escola conse-
gue ofertar uma educação no campo das relações étnico-raciais e realizar um tra-
balho crítico em relação à existência do racismo. Ao enfatizar a formação dos(as)
estudantes enquanto cidadãos críticos, ensinam-se a eles o respeito e a valorização
da diversidade cultural presente na sociedade brasileira.

178
Quadro 17 – Escola Estadual 13 - Ananindeua (PA)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Di-
mensão:
Estrutura A estrutura física também necessita de
física e A escola necessita de reforma e reforma e manutenção e está em estado
aparên- de serviços de manutenção. Há precário. Os estudantes ocupam espaços
cia da pichações de conteúdo homofó- pequenos, sem conforto ambiental para
escola bico nos banheiros. sua permanência e para o processo de
ensino-aprendizagem.

Características da
Tipo de trabalho e res- Motivações para a rea-
gestão (direção e
ponsável/propositor lização do trabalho
coordenação)
2ª Di-
mensão: A equipe gestora se
Envol- mostra interessada e O projeto Raça e etni-
vimento comprometida com cinidade afro-indígena:
As atividades surgiram
da ges- a implementação de desafios e resistências
com o desdobramento
tão e práticas pedagógicas envolve o coletivo de
das comemorações
do cole- na perspectiva da professores e abarca
do Dia do Índio e se
tivo Lei n° 10.639/2003 todas as modalidades
ampliaram para o dia
e atenta aos efeitos oferecidas. A escola
13 de Maio.
desses projetos no desenvolve outras ações
comportamento dos na perspectiva da Lei.
alunos.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


3ª Di-
mensão:
Forma- A escola possui acervo étnico-
Todos os professores tiveram alguma for-
ção con- -racial e uma biblioteca sem
mação na perspectiva da Lei, participando
tinuada e profissional para atender aos
de cursos oferecidos tanto pela Secre-
material estudantes. Os títulos sobre a te-
taria Estadual de Educação quanto pelo
de apoio mática étnico-racial ficam na sala
NEAB-UFPA. Há também a participação do
da vice-diretora, que controla o
CEDENPA.
acesso a eles.

Formação étnica dos


Formação conceitual dos Principais dificuldades
estudantes (trato da
estudantes no trabalho
diversidade)
4ª Di-
mensão:
Avanços Dificuldades no
Os estudantes afir- Os estudantes demons-
e limites aprofundamento dos
mam que a escola tram pouco domínio em
do traba- estudos e consequen-
proporciona estudo e informações sobre o con-
lho temente das ativida-
discussões sobre o tinente africano; porém,
des pedagógicas na
racismo e o precon- há ênfase no combate
perspectiva da Lei e de
ceito. contra o racismo.
suas Diretrizes.

179
Estado do Tocantins
Município de Araguaína – Escola Estadual 14

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental e ensino médio
Número de estudantes: 1.243
Vespertino: 562
Matutino: 555
Noturno: 126
Ano de fundação: 16 de março de 1981
IDEB observado: 4.5 (8ª série/9º ano)

A Escola Estadual 14 está localizada no centro da cidade de Araguaína (TO).


No entorno da instituição, existem igrejas, bares e casas simples que se misturam
aos estabelecimentos comerciais. Há também praças em áreas circunvizinhas. Algu-
mas ruas ainda não foram asfaltadas, o saneamento básico aparenta ser precário e o
entorno da escola revela um crescimento urbano desorganizado.
Esta unidade escolar oferece ensino fundamental e ensino médio. Sua estru-
tura física e arquitetônica é antiga, datada de sua fundação, em 1981; no entanto,
a escola conta com grande diversidade de ambientes pedagógicos. Dentre vários
ambientes, destacam-se o laboratório de Ciências com AUTOLAB (que precisa de
manutenção), com capacidade para atender a 20 estudantes e funcionando regular-
mente nos três turnos diários; o laboratório de informática, equipado com 10 com-
putadores com acesso à internet; um teleposto para gravação e locação de filmes da
TV Escola e do programa Salto para o Futuro; uma quadra esportiva coberta; um
auditório (desativado). Para as atribuições administrativas e pedagógicas, a escola
conta com salas de professores(as); de suporte pedagógico; de orientação educacio-
nal; de atendimento individualizado do(a) professor(a), aluno e pais ou responsá-
veis; de diretores e auxiliares, todas informatizadas. Ainda em relação à estrutura
física, a escola encontra-se equipada com rampa para idosos e cadeirantes.

180
A escola possui infraestrutura para atendimento de estudantes com deficiência
e conta com suporte pedagógico para até seis estudantes, em horários previamente
agendados. Esse atendimento se estende para a comunidade. Embora a escola seja
uma referência para a comunidade nesse tipo de atendimento, o material pedagógico
disponível precisa ser atualizado.
As salas de aula, de um modo geral, não são climatizadas, e os ventiladores
tampouco são suficientes para garantir o conforto ambiental. Cada sala tem em
média 36 estudantes que se sentam em duplas devido às dimensões desse ambiente.
Quanto à distribuição étnica nas turmas, não se percebeu nenhuma forma de segre-
gação ou distribuição homogênea nas salas de aula; os(as) estudantes se organizam
segundo as relações de amizade e afinidade.
A biblioteca não é informatizada, não oferece condições adequadas para o
atendimento, nem possui climatização, e tem um acervo limitado para atender a
comunidade escolar, sobretudo, em relação às temáticas sobre história da África
e cultura afro-brasileira. Há livros paradidáticos sobre o tema étnico-racial, mas
se encontravam em caixas para ser catalogados. Constatou-se ainda a presença de
obras que reforçam estereótipos sobre a história do negro.
Tanto a direção quanto a coordenação pedagógica receberam a equipe da
pesquisa com um misto de apreensão e preocupação em relação aos objetivos da
pesquisa, mas esse clima foi desaparecendo ao longo do trabalho de campo.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
As práticas pedagógicas dos(as) professores(as) da Escola Estadual 14, de
maneira geral, são iniciais e recentes se se considerar que elas emergiram com o es-
tabelecimento oficial da data alusiva à consciência negra, 20 de novembro, em 2008.
Também estão relacionadas a disciplinas específicas e às datas comemorativas inclu-
ídas no calendário, o 20 de Novembro e o 13 de Maio. Nesses eventos, muitos(as)
professores(as) se envolvem por meio da interdisciplinaridade das atividades promo-
vidas, o que nem sempre condiz com o interesse de todas as áreas e professores(as).
Sempre que citam trabalhos ou atividades propostas pela instituição, professores(as)
e estudantes referem-se especialmente à Semana da Consciência Negra. Tais even-
tos estão no PPP da escola e parecem ser o carro-chefe das práticas pedagógicas
voltadas para as relações étnico-raciais.

181
O PPP também prevê que a questão étnico-racial seja trabalhada cotidiana-
mente pelos professores(as) em sala de aula, mas não há um projeto que articule
e estruture o trabalho com a temática durante todo o ano letivo e integre várias
disciplinas e atividades previamente estabelecidas. Em razão disto, em conversa
com a diretora, pôde-se notar sua surpresa pela seleção da escola para a pesquisa.

O desenvolvimento de projetos no passado deveu-se ao investimento pontual


de algum professor ou a alguma ocasião comemorativa específica. Atualmente, segun-
do a diretora, a escola trabalha com a implementação da Lei n.º 10.639/03 usando
atividades ligadas diretamente às disciplinas daqueles professores(as) que demonstram
interesse por esses temas e questões. Exemplo disso foi o desenvolvimento do projeto
Escravo, nem pensar, em 2008, um sucesso segundo o registro. Nesse trabalho, foram
utilizados pelos professores de História exemplares do livro Escravo nem pensar: como
abordar o tema do trabalho escravo na sala de aula e na comunidade.

A escola conta eventualmente com o apoio externo de outras instituições, tais


como a ONG Repórter Brasil, o Instituto Afro-Brasileiro (AIB), a Pastoral
da Terra e dos Terreiros. Esse apoio efetua-se principalmente por meio de
palestras ou de algum tipo de trabalho voluntário. A escola não tem envolvi-
mento direto com o Movimento Negro, mas alguns funcionários(as) contam
indiretamente com seu auxílio na implementação de atividades e projetos.

O relato da gestora evidencia que a existência de atividades voltadas para a im-


plementação da Lei n.º 10.639/03 deve-se a seu esforço pessoal e ao de alguns(mas)
professores(as) comprometidos(as) com a temática. Em seu depoimento, ela chega a
se queixar da pouca participação dos(das) demais professores(as) quando da formu-
lação de ações pedagógicas relacionadas à Lei.

Perfil do(da) principal responsável pelo trabalho


A diretora, duas professoras de História e uma de Geografia destacam-se no
desenvolvimento de atividades ligadas à implementação da Lei. Para o tratamento da
temática, uma das professoras de História propõe concursos de poesia, apresentações e
debates. Ela destacou o interesse especial dos(das) estudantes pelos aspectos culturais
africanos e indígenas. No caso da outra professora de História, o trabalho é conduzido

182
por meio de atividades que facilmente interessam aos estudantes. O conhecimento
da temática por essa professora se deu a partir de um convite da diretora para a sua
participação nas atividades do 20 de Novembro.
Já a professora de Geografia, tem interesse na temática por questões pes-
soais e destacou que trabalha o conteúdo da Lei, principalmente, na ocasião das
comemorações do 20 de Novembro. No entanto, cotidianamente, busca transpor os
muros da instituição em busca de outros espaços sociais a que os estudantes estejam
vinculados, inclusive, as famílias. Afirmou não ter percebido situações que envolvem
preconceito e racismo na escola ou em suas aulas e atribui a esse fato o trato com a
questão em suas turmas logo nas primeiras aulas.
Segundo os depoimentos, as dificuldades para a formulação e implementa-
ção de projetos coletivos na escola advêm, principalmente, da resistência dos(das)
próprios(as) professores(as) da escola. Também foi relatada a necessidade de inves-
timento e financiamento para a formação dos docentes e de aquisição de material
didático a fim de contemplar uma discussão suficientemente aprofundada dos temas
e conteúdos propostos na Lei.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


O grupo de discussão foi composto de seis alunos autoclassificados como
negros e brancos, homens e mulheres. Nos depoimentos obtidos, constatou-se que
os(as) estudantes adquiriram conhecimentos sobre a temática por meio da discipli-
na História. Eles destacaram a atuação de uma das professoras comentando que ela
busca resgatar o passado ensinando aos estudantes a história de seus antepassados
e aplicando atividades inerentes à questão durante o ano letivo. Citaram, princi-
palmente, as atividades relacionadas ao Dia da Consciência Negra, referindo-se às
produções que realizaram – as comidas típicas, as peças teatrais, o recital de poesia,
a dança, por exemplo, a capoeira.
Os(as) estudantes entrevistados(as) demonstraram interesse pela educação para
as relações étnico-raciais. Para alguns, esse interesse foi sendo construído a partir do
trabalho das professoras, e eles levaram esse debate para fora dos muros da instituição,
com parentes ou amigos. Um deles narrou ter sido vítima de preconceito:

Vou ser sincero, já fui vitima de preconceito, mas sentir eu nunca senti pre-
conceito, até porque eu não tenho motivo pra isso, mas já fui vitima sim. Não
são todas as pessoas que procuram saber melhor sobre os negros. Eu me senti

183
menosprezado [...], mas eu procurei não dar importância porque [...] a gente
tem que ter orgulho daquilo que a gente é, da nossa história.
Os(as) estudantes dizem não ter sofrido nenhum tipo de preconceito na es-
cola, mas já presenciaram cenas de discriminação de outros colegas, sob a
forma de apelidos. Quanto ao conhecimento sobre o continente africano, de-
monstraram conhecer aspectos de sua cultura, afirmando a sua diversidade
e riqueza, mas enfatizaram quase unanimemente a gastronomia e as danças.
Eles conhecem alguns países localizados nesse continente e disseram ter a
curiosidade de conhecer os animais africanos, as culturas, as relações sociais e
o cotidiano da África. Gostariam de conhecer mais a vida das mulheres afri-
canas, se são submissas ou não. Uma estudante disse ter interesse em conhecer
melhor a África e compará-la ao Brasil.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
Pela observação e entrevistas, percebe-se o interesse da diretora da escola
pela incorporação da história da África e da cultura afro-brasileira nas atividades
disciplinares. É visível o seu envolvimento na produção de eventos de culminância
para trabalhar as questões da diversidade e cultura na escola. Por ser negra e por
se engajar no Movimento Negro em Araguaína, ela contribui ativamente para que
a escola e a comunidade se conscientizem das desigualdades e do racismo e lutem
contra o preconceito.

Algumas considerações
Mediante a leitura dos documentos escolares e a análise dos dados obtidos,
pode-se dizer que, apesar de a escola já ter desenvolvido alguns projetos e ativida-
des relacionados à temática, as práticas pedagógicas de trabalho com as relações
étnico-raciais ainda não se encontram organizadas a ponto de serem assumidas pelo
coletivo da escola. Mas é um grande mérito o fato de a temática constituir objeto
de discussão e preocupação da direção, da coordenação pedagógica e de parte do
corpo docente.
Pode-se afirmar que tais ações encontram-se em um período experimental.
Porém, com base nos dados levantados durante a pesquisa, é possível observar al-
guns aspectos: o crescente respeito entre os(as) estudantes independentemente de sua

184
condição étnico-racial; a elevação da autoestima daqueles que se reconhecem como
negros; o decréscimo de agressões feitas aos estudantes negros; a crescente credibili-
dade da comunidade junto à escola; a valorização da história da África e da cultura
afro-brasileira e a motivação para envolver-se nas atividades de preparação para o
Dia 20 de Novembro. Esses aspectos devem ser considerados como avanços iniciais e
dimensionados de acordo com o momento em que a escola se encontra, uma vez que
iniciou oficialmente seu trabalho com as relações étnico-raciais em 2008.
Como desafio a ser enfrentado, apontam-se as resistências de um número
significativo de professores(as) da escola contra a adoção de práticas pedagógi-
cas comprometidas com o trabalho sobre as relações étnico-raciais. Alguns(mas)
professores(as) acham que sua disciplina não tem relação com este trabalho; outros
consideram-no desnecessário. Essas e outras possíveis justificativas provavelmente
estão ligadas à falta de formação específica e à consequente necessidade de superar
representações sociais sedimentadas e de buscar orientações didáticas para abarcar
tais temas e questões no cotidiano das aulas.

185
Quadro 18 – Escola Estadual 14 - Araguaína (TO)

Aparência da escola Estrutura física da escola

A escola aparenta pintura recente.


1ª Dimensão: Apresenta boa infraestrutu-
Os cuidados com a acessibilidade
Estrutura física e ra, com variados e amplos
são visíveis: corrimão nas escadas
aparência da escola ambientes.
e rampas para cadeirantes. Apenas
No entanto, alguns deles
algumas salas são climatizadas. É
merecem atenção. É o
necessário mais cuidado com a lim-
caso da biblioteca.
peza dos banheiros dos estudantes.

Motivações
Características da
Tipo de trabalho e res- para a rea-
gestão (direção e
ponsável/propositor lização do
coordenação)
trabalho
Em 2008, a escola
desenvolveu o projeto
Escravo, nem pensar, O trabalho é
2ª Dimensão: mas em geral apresen- fruto do envol-
A diretora é negra,
Envolvimento da ta atividades que são vimento pesso-
tem participação no
gestão e realizadas no interior al da gestora,
Movimento Negro,
do coletivo das disciplinas e ainda de sua relação
está fortemente
descoladas de um com o Movi-
engajada no projeto
projeto comum. Há o mento Negro e
e envolve-se com a
estímulo da diretora e, do engajamen-
temática da Lei n.º
mais especificamente, to efetivo de
10.639/03.
de uma professora de uma professora
História. Aos poucos, de História.
docentes de outras
áreas se envolvem.

Formação continuada da
Biblioteca e acervo étnico-racial
equipe

Embora a SEED realize


3ª Dimensão: desde 2006 algumas ativi-
Formação continuada Não é informatizada e possui um dades voltadas para a Lei
e material de apoio acervo limitado, sobretudo, em rela- n.º 10.639/03, há escassez
ção à temática étnico-racial. Alguns de formações específicas
livros que tratavam da temática que abordem a temática.
encontravam-se encaixotados. Em 2009 apenas um pro-
fessor havia participado de
uma atividade desse tipo.
Formação ética dos
Principais
4ª Dimensão: estudantes Formação conceitual
dificuldades no
Avanços e limites do (trato da diversida- dos estudantes
trabalho
trabalho de)
A abordagem da Notaram-se
Lei proporcionou o A abordagem da dificuldades
aumento de atitudes Lei proporcionou o no aprofun-
de respeito entre aumento de atitudes damento das
os estudantes, a de respeito entre os Os estudantes valori- atividades so-
diminuição de estudantes, a dimi- zam a história da Áfri- bre as relações
comportamentos nuição de compor- ca e são sensíveis ao étnico-raciais
racistas e preconcei- tamentos racistas e problema do racismo. fundamentadas
tuosos e a elevação preconceituosos e a em conhe-
da autoestima dos elevação da autoes- cimentos e
estudantes. tima dos estudantes. princípios com-
partilhados.
Município de Praia Norte – Escola Estadual 15

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental e ensino médio
Número de estudantes: 491
Matutino: 124
Vespertino: 173
Noturno: 194
Ano de fundação: 14 de janeiro de 1970
IDEB observado: 3.1 (8ª série/9º ano)

A Escola Estadual 15 fica no centro da cidade de Praia Norte, em Tocantins.


Os habitantes locais compõem uma comunidade formada por quebradoras de coco
de babaçu, pescadores e fundamentalmente trabalhadores rurais. Ali há várias casas
sem acabamento externo, e a maioria delas parece ter sido construída ou reformada
recentemente. A rua da escola é calçada, mas no entorno há ruas sem calçamento.
Não há notícias de violência no entorno da escola; a cidade é pacata, apesar das
notícias de consumo de drogas.
A escola possui vários ambientes destinados às atividades administrativas e
de coordenação pedagógica (sala da direção, sala da direção adjunta e da secretaria).
Conta com três laboratórios (de Matemática, de multimeios e de Ciências), uma
biblioteca, uma sala de professores e uma quadra poliesportiva. No entanto, o prédio
não tem estrutura física adequada para o atendimento de estudantes com deficiên-
cia, especialmente, para os que apresentam alguma dificuldade de locomoção.
As salas de aula, num total de cinco, são grandes e comportam até 40 estu-
dantes, que se distribuem pela sala por critérios de gênero: meninos de um lado e
meninas de outro. As salas não são climatizadas e possuem apenas ventiladores, o
que as torna pouco confortáveis para os estudantes. A temperatura elevada da região
é intensificada pela cobertura da escola, que não tem forro, e pela ausência de janelas.
As paredes são pichadas e as carteiras estão pintadas, riscadas e deterioradas. A falta
de limpeza dos ambientes chama a atenção, embora as salas sejam constantemente
limpas pelas funcionárias.

187
A biblioteca apresenta problemas semelhantes aos das salas de aula, exceto
pelo fato de ser refrigerada. Trata-se de um espaço pequeno, com um acervo variado
e de boa qualidade, mas com poucos títulos relacionados à temática étnico-racial.
No momento da pesquisa, muitos desses livros encontravam-se encaixotados, uma
vez que não há bibliotecária, o que torna restrito o acesso dos estudantes. A falta
de organização dificulta o uso sistemático da biblioteca pela comunidade escolar,
no entanto, quando aberta, os estudantes têm livre acesso aos dicionários e podem
solicitar empréstimos de livros.
Nos muros da escola há murais produzidos pelos próprios estudantes e re-
lacionados aos temas de projetos anteriormente desenvolvidos: projeto Rio limpo,
Projeto de ensino e aprendizagem construindo o saber, projeto Violência e drogas e pro-
jeto Etnicidade. Os murais são fruto de momentos de culminância desses projetos
e abordam temas como a defesa e a preservação do meio ambiente, e a condenação
da discriminação racial.
Em relação à dinâmica das relações na escola, alguns indícios mostram que,
conquanto a escola esteja situada em uma pequena cidade, na qual todos poderiam
se conhecer, os(as) estudantes, a equipe docente e a equipe gestora da escola pouco se
conhecem. Um dos fatores que podem influir nessa situação é a elevada rotatividade
dos docentes: grande parte deles está na escola há pouco tempo, alguns há menos
de um ano. Durante a observação em campo, houve comportamentos agressivos de
alguns estudantes nos espaços coletivos da escola. Ameaças, xingamentos, empur-
rões e, eventualmente, tapas eram trocados nos intervalos das aulas e nas aulas, na
presença dos professores(as) e coordenadores(as). Todavia, não se observou nenhum
xingamento de conteúdo ligado às questões raciais. Em conversas informais com o
coletivo da escola, tais comportamentos foram considerados provenientes de várias
ordens: questões próprias da adolescência, falta de gentileza e atos de violência entre
estudantes. Não houve relatos de casos de discriminação ou de racismo.
A equipe da pesquisa foi recebida pela escola com um misto de receio e
alegria. A impressão era de que a equipe de pesquisadores era esperada e desejada,
e o receio relacionava-se aos limites com os quais a equipe se depararia: a falta de
domínio de algumas das informações contidas na pesquisa pelo conjunto dos(das)
professores(as) e pela equipe gestora e a ausência de registros dos trabalhos já de-
senvolvidos, em função do espaço físico da escola.

188
As práticas pedagógicas de trabalho com as relações
étnico-raciais
O trabalho desenvolvido pela escola no campo das relações étnico-raciais,
segundo depoimento da diretora e das coordenadoras pedagógicas, teve início em
2005, a partir do trabalho de uma professora de História. Ela participou de um
curso de especialização sobre a temática étnico-racial promovido pela Secretaria
Estadual de Educação e, concluída a formação, deu início ao projeto Etnicidade,
fundando o grupo HISPOARTE (designação referente às disciplinas indicadas na
Lei: História, Português e Artes).
Há três anos a escola realiza o projeto, que teve início com a sensibilização
dos docentes e da equipe gestora por meio da apresentação de audiovisuais (filmes)
e discussões relacionados à temática. No mês de setembro, durante as reuniões de
professores(as), é escolhido um tema para ser desenvolvido em cada uma das tur-
mas. E cada uma delas é coordenada por um(a) professor(a), que se responsabiliza
pelo desenvolvimento da atividade a ser apresentada ao longo da Semana da Cons-
ciência Negra, por exemplo, paródias, cartazes, redações, danças, poesias, confecção
de pratos típicos etc. Em função da permanência dessa atividade no calendário,
grande número dos(as) estudantes e professores já a considera parte da identidade
da escola e a aguarda com ansiedade.
O projeto compreende também atividades relacionadas ao PPP e que são de-
senvolvidas junto à comunidade, apesar da pouca participação. Os entrevistados(as)
afirmaram que durante a Semana da Consciência Negra a comunidade comparece
e participa de momentos específicos, como a organização dos murais nos muros da
escola, a apresentação e a degustação de pratos típicos e o concurso Garota e Garo-
to Beleza Negra, reunindo curiosos pelo trabalho dos(das) estudantes.
A despeito do projeto, a questão étnico-racial é tratada ao longo de todo o
ano, perpassando disciplinas do currículo. Questionados sobre a existência de casos
de racismo, alguns(mas) professores(as) relatam situações isoladas, ocorridas antes
do início do projeto. Outros afirmam não haver preconceito ou discriminação na
escola. Os(as) professores(as) entrevistados(as) são unânimes em defender o estudo
sobre a questão étnico-racial e a história da África e da cultura afro-brasileira.

Perfil dos(as) principais responsáveis pelo trabalho


São três os(as) professores(as)-referência na condução das práticas pedagógi-
cas voltadas para as relações étnico-raciais na escola, não por acaso: são os únicos

189
professores(as) efetivos. A liderança das professoras de História e de Língua Portu-
guesa foi enfatizada nos depoimentos. Os(as) professores(as) afirmam que a forma-
ção recebida pela professora de História e seu investimento no projeto a legitimam
como idealizadora das atividades. Os demais professores não possuem formação
específica para a temática, o que é considerado por eles como prejudicial ao desen-
volvimento das atividades.
No que tange ao conjunto dos(as) profissionais da educação, a escola enfren-
ta a rotatividade docente, sendo poucos os efetivados e com longo tempo na insti-
tuição. Os(as) professores(as) novatos(as) não têm familiaridade com a discussão, o
que torna sua participação mais trabalhosa. Alguns(mas) deles(as) desconheciam a
Lei antes de trabalhar naquela escola.
Os(as) professores(as)-referência, que acompanham a realização do projeto
em todas as suas edições, destacam as dificuldades inerentes à sua realização: a ci-
dade é pequena, com poucos recursos, e não há organizações de caráter étnico na
região, de modo que a escola só mantém contatos com os movimentos sociais da ci-
dade de Imperatriz, distante cerca de três horas dali. Os(as) professores(as) custeiam
os deslocamentos e, por vezes, a remuneração dos representantes daqueles grupos,
para que venham até a escola, ministrem oficinas e palestras e conduzam atividades
culturais. Eles(as) consideram que as atividades são positivas e têm grande efeito
sobre o alunado. Acreditam que a continuidade do trabalho é a grande responsável
pela atenuação de casos de preconceito e discriminação no interior da escola.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Participaram do grupo de discussão cinco mulheres e dois homens. Todos os
integrantes se autoclassificaram como negros. No grupo de discussão realizado com
os(as) estudantes, eles afirmaram que existe um empenho muito grande de todos os
agentes escolares para a realização do projeto Etnicidade, que culmina na Semana
da Consciência Negra da escola. Citaram o caso da última edição do projeto, cujas
atividades centraram-se na produção de textos, poemas, paródias de músicas, no
preparo de comidas típicas, na exposição de cartazes e na pintura dos muros da
escola com desenhos que contemplassem a questão étnico-racial e o combate ao
preconceito e à discriminação.
Uma das atividades destacadas e que chama a atenção não só da escola, mas
também de toda a comunidade, é o concurso Garoto e Garota Beleza Negra, reali-
zado no final da Semana da Consciência Negra e para o qual cada turma seleciona
um casal representante. Os(as) estudantes mostram-se estimulados e envolvidos com

190
o projeto Etnicidade e dizem participar de mais de uma atividade durante a Semana,
porém relataram a existência de estudantes que não aderiram a essas atividades.
Em relação ao conhecimento sobre a temática étnico-racial, eles ressaltaram
a questão da autoaceitação e da autovalorização — o que foi apresentado pelos(as)
professores(as) como um dos objetivos do projeto. Sobre esse aspecto, a fala de uma
estudante é representativa.

Bem, na matéria de História, sempre o professor procura tá tirando um tempo


para falar a respeito disso, e eu aprendi bastante e principalmente sobre me
valorizar. Porque eu sou um exemplo de pessoa que me discriminava, me me-
nosprezava. Eu costumava não sair de casa, tipo... Eu tenho uma prima que
ela tem o cabelo muito liso, então, quando eu via ela se arrumando para sair
eu não saía, eu me achava muito inferior a ela. E aí eu comecei com o projeto
na escola a me valorizar e percebi que o que a mídia divulga, esse padrão que
ela divulga, são visões estereotipadas, efêmeras. Eu sei que nós, tanto o branco
como o negro, nenhum é superior ao outro, somos todos iguais.

Discorreram ainda sobre as aprendizagens adquiridas, como o respeito e o


posicionamento contrário ao preconceito e à discriminação na sociedade. Uma alu-
na acrescentou que, a partir das discussões em sala e de sua aprendizagem com o
projeto, percebeu seus direitos e seus deveres na sociedade.
Os(as) estudantes mencionaram que o preconceito ainda existe e que já ha-
viam sofrido algum tipo de discriminação na escola, mas que, a partir do projeto
realizado, a problemática das relações raciais foi sendo revista por todos os agentes
da escola, e houve mudança no seu comportamento. Mostraram-se comprometidos
com a temática, graças à qual adquiriram um conhecimento que extrapola a sala
de aula e a escola, um aprendizado para ser posto em prática na vida. Admitiram
conversar sobre o tema com colegas e com a família, exceto aqueles que, por falta de
tempo, ainda não tiveram a oportunidade de ter esse diálogo.
Quando questionados acerca do que é e do que representa ser negro no Bra-
sil, uma das estudantes respondeu:

Para muitos significa como se fosse vergonha, tem gente que fala assim: “eu
não sou negro, sou pardo, sou café com leite”... Eles têm vergonha, não se

191
aceitam, por isso, para a maior parte da população negra no Brasil, ser negro
é como se fosse uma vergonha [...].

Em geral, os(as) participantes parecem acreditar que ser negro é representar


a diversidade; orgulham-se disso, valorizam-se e participam de sua cultura. Quando
a pergunta formulada girou em torno da reflexão “o que significa ser branco no
Brasil?”, uma estudante disse:

Segundo o padrão oficial que a mídia divulga, ser branco é ser alto, os cabelos
lisos e loiros e olhos azuis. Na minha concepção, eu não saberia dizer o que
é ser branco, porque eu foco mais pro lado do negro porque eu tenho raízes
afrodescendentes, então eu não sei dizer [...].

Outra integrante, ao tentar problematizar uma visão sobre o que é ser branco
no Brasil, ponderou:

[...] para uma parte da população, ser branco no Brasil é ser superior aos
outros, é a pessoa que vai conseguir ser melhor, ter um nível de vida mais
elevado, mas essas pessoas, que acham assim, na minha opinião, têm um jeito
de pensar errado, porque não são só os brancos que têm chance, todo mundo
tem chance, só que uns aproveitam as chances que tem e outros não.

Os depoimentos colhidos no grupo de discussão revelam que os(as) estudan-


tes têm uma forte identificação com o projeto desenvolvido pela escola e reconhe-
cem que as atividades influenciam na sua formação. No seu discurso, o contato com
as pessoas brancas se apresentou como algo distante da realidade por eles vivenciada
na escola. Para um melhor entendimento dessa situação, seria necessário um traba-
lho de campo mais aprofundado, que, nos limites dessa pesquisa, não foi possível.

192
O papel da gestão da escola e/ou da coordenação
pedagógica
Em seus depoimentos, as gestoras não foram explícitas sobre o conhecimento
da Lei n.º 10.639/03 e tampouco tinham conhecimento concreto do Plano Nacional
de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Uma problematização indicada pelos(as) professores(as) refere-se ao com-
prometimento da gestão atual com o projeto. A falta de entrosamento da gestão
recém-chegada à escola com o conjunto de professores(as) é vista por eles como
empecilho, posto que não se sentem prestigiados e nem percebem empenho por
parte da gestão. Também consideram problemático o fato de os gestores terem sido
indicados ao cargo por critérios políticos.

Algumas considerações
Os(as) professores(as) consideram que o trabalho sobre a temática étnico-
-racial é desenvolvido ao longo do ano, no entanto há um conjunto de atividades
trabalhadas com maior ênfase no último bimestre. O projeto Etnicidade faz parte
da identidade da escola e, portanto, merece estar presente no PPP. Trata-se de um
trabalho que há alguns anos vem sendo realizado, dentro da perspectiva de uma
educação comprometida com a comunidade a que se destina e com a formação para
a cidadania.
Não obstante, o PPP, produzido em 2008, destaca apenas o letramento
como foco de atenção da escola e privilegia a reorganização do ensino por meio
de projetos como forma de alcançar os objetivos formulados. Além dos projetos
citados, a escola desenvolveu o projeto Vamos ler e motivação para o universo do saber;
o Projeto Biblioteca; o Projeto Reforço escolar; o projeto Valorize a sexualidade e não às
drogas; e, por fim, o Projeto Aprendizagem.
Um dos desafios a ser enfrentados diz respeito à formação continuada.
Segundo os depoimentos, os(as) professores(as) não possuem horário remunerado
para preparação de aulas, discussão, estudo e planejamento ou correção de traba-
lhos, o que afeta o desenvolvimento de projetos e práticas pedagógicas alternativas
e diversificadas.

193
Quadro 19 – Escola Estadual 15 - Praia Norte (TO)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Di-
mensão:
Estrutura A estrutura física é precária,
Alguns ambientes encontram-se depredados
física e apesar do conjunto de ambien-
(salas de aula e banheiros). O prédio e o
aparên- tes que o prédio possui. Não
mobiliário precisam de manutenção.
cia da há refeitórios, e os banheiros
escola necessitam de manutenção.

Características da
Tipo de trabalho e Motivações para a
gestão
responsável/propositor realização do trabalho
(direção e coordenação)
2ª Di- O trabalho foi motiva-
mensão: do pela participação
Envol- As atividades são plane-
Apesar de seu razoável da professora de
vimento jadas pelo coletivo, com
conhecimento sobre a História no curso
da ges- o apoio da professora-
Lei, a equipe gestora de especialização,
tão e -referência de História, a
não demonstrou domí- que ela iniciou em
do cole- idealizadora do projeto.
nio sobre os dispositivos 2005. É conduzido
tivo A culminância se dá em
legais nem sobre as atualmente, sobre-
novembro, na Semana
Diretrizes Curriculares. tudo, devido à ação
da Consciência Negra.
de três professoras-
-referência.
Formação continuada da
Biblioteca e acervo étnico-racial
3ª Di- equipe
mensão: Somente a professora de
Forma- História tem domínio sobre a
ção con- A biblioteca tem um bom e variado acervo,
temática, por isso é referência
tinuada e mas não há um profissional responsável por
para o corpo docente. Os de-
material ela. Os títulos sobre a temática étnico-racial
mais professores não possuem
de apoio estavam encaixotados e com acesso restrito.
formação especializada na
temática.
Formação ética dos
Formação conceitual dos Principais dificuldades
estudantes
estudantes no trabalho
(trato da diversidade)

Uma das dificulda-


des é a concentra-
4ª Di- ção das atividades
mensão: O envolvimento dos(as) Demonstram falta de do- relativas à temática
Avanços estudantes com as ativi- mínio sobre o continente no último bimes-
e limites dades possibilita a valo- africano e têm pontos de tre, embora os(as)
do traba- rização das identidades vista perpassados pela professores(as)
lho e a construção de uma visão da miscigenação tenham afirmado que
perspectiva crítica sobre como um valor, de forma as realizavam ao
o preconceito. pouco crítica. longo do ano letivo. A
formação continuada
dos docentes também
se mostra precária.

194
Estado do Amapá
Município de Macapá – Escola Estadual 16

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino médio (regular e integrado)
Número de estudantes: 2.553
Ensino médio regular: 2.286
Ensino médio integrado (profissionalizante): 267
Ano de fundação: 12 de setembro de 1949

Tradicional em Macapá, a Escola Estadual 16 está localizada no bairro deno-


minado Central, considerado o berço da cidade, fundada em 4 de fevereiro de 1758,
no local onde se situa a “cidade velha”. O bairro encampou as primeiras localidades
e construções do município, como a da Fortaleza (onde ficava a antiga doca), a do
Cemitério, a do Alto, a do Formigueiro (onde vivera a Mãe Luzia, Francisca Luzia
da Silva) e a da Favela (onde viveram grandes figuras da cultura popular, entre elas,
Benedito Lino do Carmo, o velho Congós, e D. Gertrudes). Nesse conjunto se fi-
xaram as primeiras famílias, e ali a cidade cresceu.
A Escola Estadual 16 está em excelente estado de conservação. Com uma
estrutura física boa, atende os(as) estudantes do ensino médio regular no primeiro
andar e os do ensino médio integrado no andar térreo. A infraestrutura prevê aces-
sibilidade àqueles com deficiências ou dificuldades de locomoção.
As salas de aula são amplas, bem iluminadas, bem ventiladas. A escola conta
ainda com uma biblioteca que estava em processo de reestruturação, por isso não
foi possível identificar o modo como o acervo foi organizado e seu uso efetivo pelos
estudantes. Há também um laboratório de informática, amplo, arejado, bem ilumi-
nado, com cadeiras confortáveis; um auditório, improvisado, mas em bom estado, e a
sala da TV Escola, equipada com ar-condicionado, cadeiras acolchoadas, TV, DVD
e data-show.
As salas de aula comportam aproximadamente 35 estudantes. Por meio da
observação de campo, constatou-se a diversidade étnica nas diversas turmas. Nota-

195
-se uma acentuada incidência de estudantes pardos e com traços marcadamente
indígenas; os estudantes negros, os indígenas e os brancos são a minoria.
Na rede municipal de ensino, é obrigatório o ensino de história e culturas
afro-brasileira e africana, de acordo com o Projeto de Lei n.º 12, aprovado pela Câ-
mara Municipal de Macapá, em 18 de junho de 2009. O projeto é resultado de uma
audiência pública e de reuniões com a população negra e demais interessados para
se discutir a importância da inserção da temática na grade curricular dos ensinos
público e privado do município.
No que se refere à pesquisa, a diretora da escola foi muito receptiva, o que
não ocorreu em relação aos demais funcionários da escola, que se mostraram pouco
dispostos a colaborar, com exceção das bibliotecárias.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
No PPP está explícito que as atividades educativas da escola são orientadas
pelas concepções da pedagogia crítico-social e da pedagogia libertadora, e têm como
preocupação o desenvolvimento do conceito de cidadania e a formação de indiví-
duos críticos, que respeitem as diferenças individuais e culturais e sejam dotados de
dignidade e princípios éticos. A organização e a sistemática do trabalho pedagógico
da escola residem no PPP, que aborda a temática da diversidade cultural, do racismo
e do preconceito na escola, de modo a atender às exigências da Lei n.º 10.639/03.
Segundo os relatos da diretora, que no momento da pesquisa estava há pouco
mais de cinco meses no cargo, as práticas pedagógicas operadas na escola atendem
a essa lei e aos preceitos da educação para as relações étnico-raciais. Elas são pla-
nejadas em função da temática e estão centradas no projeto Ética e preconceito com o
diferente, idealizado pela professora de História.
Nas atividades de sala de aula utiliza-se material didático que trata da ques-
tão étnico-racial, mas as ações do projeto planejadas nas reuniões pedagógicas não
estão restritas à sala de aula. Elas se estendem para o cotidiano da escola por meio
de atividades que versam sobre a temática, como palestras, oficinas de dança afro e
concursos de redação. Essas ações são realizadas por um coletivo de professores das
disciplinas de História, Geografia e Sociologia. Todos os entrevistados enfatizam
que o 20 de Novembro é o momento de culminância das atividades do projeto,
quando ocorre a maior participação dos estudantes e da comunidade escolar.

196
As atividades são divididas em algumas etapas desenvolvidas no decorrer do
ano, e os resultados são apresentados na Semana da Consciência Negra. As apre-
sentações consistem em discussões sobre o tema, atividades centradas na construção
da história, palestras e exposição aberta.
Na primeira etapa, de caráter formativo, procura-se realizar as discussões ini-
ciais sobre os elementos que compõem a questão étnico-racial no Brasil, introdu-
zindo-se filmes e a leitura de livros e materiais complementares sobre o racismo,
o preconceito e a discriminação. A segunda etapa procura remontar a história de
pessoas “diferentes” que sofreram discriminação e preconceito no Brasil, usando-se
para isso vários tipos de documentos, como dados estatísticos e legislação, além de
depoimentos de membros da comunidade e opinião de autoridades e especialistas
no assunto. A terceira etapa detém-se na formulação de palestras e em dramati-
zações (teatro), júris simulados, paródias, danças, poemas e músicas. E, por fim, a
quarta etapa diz respeito à exposição aberta, que consiste na organização de stands
para a exposição de trabalhos, fotografias, vestuários típicos, músicas e outros ele-
mentos que expressem a diversidade das experiências humanas e suas respectivas
orientações culturais.
A professora de História e idealizadora do projeto Ética e preconceito com o
diferente destaca que ela é quem organiza as práticas pedagógicas que enfocam o
preconceito e a diferença. E admite haver resultados efetivos em virtude da mudan-
ça da abordagem, que procura desvelar os estereótipos e os preconceitos contra os
afro-brasileiros, apresentando o negro como sujeito, como agente histórico autôno-
mo que contribuiu efetivamente para a construção da sociedade brasileira.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


O grupo de discussão foi composto por seis estudantes, homens e mulheres,
que assim se autodeclararam segundo a raça/cor: três estudantes negros, um indíge-
na, um pardo e um branco. Os(as) estudantes admitiram que a escola tem contem-
plado a temática racial por meio do desenvolvimento de projetos e atividades como
palestras, confecção de murais e discussão em sala de aula, nos quais as manifes-
tações de preconceito contra grupos humanos, a ética, o racismo e a discriminação
constituem objeto de discussão.
Se, por um lado, a ampliação das discussões constitui realidade na escola, por
outro, percebeu-se que o enfoque da cultura afro-brasileira está centrado priorita-
riamente na disciplina História do Brasil, com abordagens historiográficas sobre o

197
processo de escravidão a que foram submetidos, no Brasil colonial, os povos prove-
nientes do continente africano. Constatou-se nos depoimentos que os(as) estudantes
têm informações ainda superficiais sobre o continente africano, muitas delas marcadas
por estereótipos atrelados ora ao exótico e ao folclore, ora à miséria.
A compreensão de que o Brasil se constitui em uma sociedade racista se fez
presente em todos os depoimentos dos(as) estudantes entrevistados(as), que já vi-
venciaram ou presenciaram situações de resistência contra a discussão da questão
racial, além de formas pejorativas usadas no trato com pessoas negras e homosse-
xuais. Entretanto, o “preconceito contra ter preconceito” se apresentou como um
elemento presente nos discursos proferidos. Entre os(as) estudantes, apenas um re-
fletiu sobre o caráter abrangente e estrutural do racismo. Segundo ele, “todo mundo,
dentro de si, tem um pouco de racismo”.
Os(as) estudantes apresentaram aspectos positivos, por exemplo, o aprendi-
zado obtido mediante as discussões efetivadas na escola acerca da questão racial. As
menções feitas ao respeito, ao controle do preconceito e à positivação da diferença
refletem o trabalho desenvolvido pela escola.
O fato de o projeto Ética e preconceito com o diferente abordar uma realidade
mais ampla, abrangendo o preconceito de forma geral, acarreta limitações, pois isso
impede uma análise mais focada nas relações étnico-raciais na escola. Talvez seja
por isso que o coletivo de profissionais, em algumas situações, não sabe lidar com
casos de racismo e com os comportamentos discriminatórios em sala.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
Como já foi dito, no momento da realização do trabalho de campo, a diretora
estava há pouco mais de cinco meses no cargo. Todavia, os depoimentos apontam
que ela participa ativamente da escola e envolve os(as) professores(as) nos trabalhos
com a diversidade cultural, o preconceito e o racismo.

Algumas considerações
Acredita-se que, mesmo em caráter inicial e de ensaio, os trabalhos realizados
parecem ter conseguido alcançar os(as) estudantes de modo a lhes apresentar uma
nova visão sobre o racismo e o preconceito, e a despertá-los para a crítica e a des-
construção de estereótipos. Contudo, para que esse processo de ensino-aprendiza-

198
gem seja mais efetivo, torna-se necessário que os(as) professores(as) se qualifiquem
para trabalhar a temática nos objetos de suas disciplinas, bem como nas atividades
extracurriculares da escola. Pode-se considerar que as atividades na perspectiva da
Lei n.º 10.639/2003 na escola demandam maior conhecimento acerca da legislação
educacional que trata da diversidade e da diferença cultural na educação e também
acerca da questão étnico-racial no Brasil.
A falta de conhecimentos aprofundados sobre o tema pode ser creditada ao
fato de os docentes dessa escola não terem passado pelos processos de formação
continuada ofertados pelas Secretarias de Educação ou pela própria escola. Tam-
bém não possuem cursos de pós-graduação na área — o que, além de dificultar o
andamento do projeto, acaba fazendo com que utilizem um repertório de conhe-
cimentos que não os sistematizados e atualizados pela literatura construída sobre
a temática. Outro problema é a falta de material didático especificamente voltado
para a temática: segundo a professora de História, é utilizado um livro de Artes e
textos complementares como subsídio para as atividades propostas no projeto Ética
e preconceito com o diferente, pelo fato de esses textos abordarem os conceitos de
preconceito, discriminação e racismo.
Com base nos relatos e na leitura dos documentos que organizam a prática
pedagógica da escola, pode-se dizer que há um descompasso entre o planejado e o
praticado. De um lado, a abordagem da questão étnico-racial tem lugar no PPP da
escola, mas, de outro, a escola não trabalha com a legislação acerca da diversidade.
Além disso, faltam elementos importantes para desenvolver um conjunto de ações fun-
damentadas e que ultrapassem visões cotidianas sobre a temática. Vale lembrar ainda
que nem todos(as) os(as) professores(as) e funcionários(as) envolvem-se com o projeto:
as práticas pedagógicas na perspectiva da Lei permanecem restritamente vinculadas a
professores(as) responsáveis pelas disciplinas História, Língua Portuguesa e Artes.

199
Quadro 20 – Escola Estadual 16 - Macapá (AP)

1ª Di- Aparência da escola Estrutura física da escola


mensão:
Estrutu-
ra física
e É excelente e conta com amplas salas
A escola tem ambientes arejados e
aparên- de aula climatizadas. Há salas com
limpos.
cia da diversos equipamentos.
escola

Características da ges- Tipo de trabalho e


Motivações para a reali-
tão (direção e coorde- responsável/propo-
zação do trabalho
nação) sitor
2ª Di-
mensão:
Discutir com os estu-
Envol-
dantes a temática da
vimento A gestora participa
diversidade cultural, do
da ges- ativamente da escola Projeto Ética e
racismo e do preconcei-
tão e e envolve os(as) preconceito com o
to na escola e atender
do cole- professores(as) nos tra- diferente, idealizado
às exigências da Lei
tivo balhos com a diversida- pela professora de
n.º 10.639/03, embora
de cultural, o precon- História
tais objetivos ainda não
ceito e o racismo.
façam parte das práticas
do coletivo da escola.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


3ª Di-
mensão:
Forma- O acervo não está disponibilizado Segundo os professores, há oferta
ção con- aos alunos. A biblioteca não se de cursos pela Secretaria de Educa-
tinuada e encontra organizada para atendi- ção, mas eles não participam dessa
material mento. Não há obras que tratem das formação. Citam ainda a promoção de
de apoio temáticas voltadas à educação para eventos referentes à temática étnico-
as relações étnico-raciais. -racial.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificuldades no
estudantes (trato da
dos estudantes trabalho
diversidade)

Os(as) estudantes do
4ª Di- grupo de discussão
A despeito da sensibi-
mensão: reconhecem o trabalho Apesar dos trabalhos
lização à realização do
Avanços com as relações étnico- desenvolvidos, o
trabalho, não há mostras
e limites -raciais, porém afirmam enfoque historiográ-
de domínio sobre a Lei
do tra- que se envolvem pouco fico baseado nos
e as temáticas a ela
balho com as atividades pro- temas referentes à
relacionadas. Há uma
postas. Não expressam escravidão continua
carência de formação
sua capacidade de lidar sendo a ênfase das
continuada e em serviço
de forma crítica com as intervenções.
na perspectiva da Lei.
manifestações precon-
ceituosas.

200
Estado do Amazonas
Município de Manaus – Escola Estadual 17

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental (do 1º ao 5º ano)
Número de estudantes: 642
Vespertino: 319
Matutino: 323
Ano de fundação: 2 de março de 1918
IDEB observado: 5.4 (4ª série/5º ano)

A Escola Estadual 17 situa-se no Bairro Betânia, um dos mais antigos de


Manaus e localizado na região sul da cidade. O bairro possui uma feira de frutas em
uma área coberta e comércio diversificado que parece suprir as demandas dos mora-
dores, distribuídos entre famílias de classe média e classe alta baixa. Um contingen-
te significativo de estudantes dessa escola pertence aos setores populares, enquanto
outra parte se concentra na classe média baixa. Entre os estudantes da escola, 107
são contemplados pelo Programa Bolsa Família.
Segundo moradores, o problema existente no bairro é o alto consumo de
drogas entre jovens e adolescentes. Em virtude disso, a região é o alvo do projeto
Jovem cidadão, desenvolvido pelo governo do Estado e que funciona também em
outra escola estadual.
A estrutura física da escola se divide em nove salas de aula; biblioteca; sala
de TV Escola; secretaria; sala de técnicos; depósito para merenda escolar; depósi-
to para materiais de limpeza e higiene; auditório; sala de diretoria; cozinha; doze
banheiros; uma sala onde funcionará o laboratório de informática; uma sala para a
fanfarra e uma grande quadra utilizada pelos estudantes no horário da entrada na
escola e no horário da merenda escolar.
As salas de aula são equipadas com 40 mesas e cadeiras e recebem em mé-
dia 37 estudantes, mas nem todas apresentam um mobiliário confortável. Um dos
problemas que afetam quase todas as salas é a temperatura alta e intensa durante

201
todo o dia, a qual varia de 39ºC a 42ºC. O condicionador de ar e os ventiladores
não conseguem aliviar o calor, o que pode interferir no desempenho de estudantes
e professores(as). Nas paredes de todas as salas, há trabalhos dos estudantes e carta-
zes, em sua maior parte, sobre questões raciais, cultura dos povos africanos, abolição
da escravatura e outros temas afins. Esses cartazes, segundo os(as) professores(as),
complementam o processo de aprendizagem.
A biblioteca, apesar de pequena, é climatizada, apresenta-se em bom estado, e
o acervo está organizado por áreas de conhecimento. O espaço ainda não se encon-
tra informatizado, e o seu acervo para atendimento à comunidade interna da escola
é restrito, sobretudo, em relação à história da África e da cultura afro-brasileira e às
relações étnico-raciais, além de ser de difícil acesso na estante.
A equipe de pesquisa, junto com o representante da Secretaria de Cultura do
Amazonas, foi recebida pela diretora, que informou que os profissionais da escola es-
tavam muito ocupados com um evento escolar e com a prestação de contas da escola
à comunidade. A propósito, várias apresentações de estudantes foram realizadas nesse
evento, como street dance, apresentação de uma peça teatral intitulada O sítio do pica-
-pau, apresentação da banda da escola, mostra de painéis, entre outras atrações.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
A escola não tem um projeto pedagógico que organize suas ações de forma
a promover a educação para as relações étnico-raciais e a incluir as questões da di-
versidade. Assim, as atividades pedagógicas vinculadas à temática ocorrem de modo
eventual e, na opinião de alguns(mas) professores(as), não são efetivas. O Dia da
Consciência Negra, 20 de novembro, é o momento em que a escola se organiza
em torno da temática, por meio da apresentação de atividades relativas às relações
étnico-raciais.
Essa atividade teve início oficialmente no ano de 2007, e, em 2008, reorga-
nizaram o evento em decorrência de um caso de preconceito na escola. A situa-
ção mobilizou a gestora no sentido de avançar na elaboração de práticas pedagó-
gicas que trabalhassem o preconceito. Os(as) gestores(as) e os(as) professores(as)
entrevistados(as) foram unânimes em afirmar que as atividades realizadas conse-
guem modificar os comportamentos dos estudantes no que se refere ao respeito à
diversidade cultural, produzindo atitudes de respeito entre eles, e isso é perceptível
na diminuição das brincadeiras e piadas de cunho racial.

202
Uma das professoras entrevistadas diz que o preconceito no âmbito familiar
se revela na escola e que as atitudes preconceituosas estão muito mais presentes na
mente dos pais e mães do que propriamente na de seus filhos. Para exemplificar,
narra a história de uma menina negra e um menino branco que eram amigos, e a
mãe do aluno pediu que os dois fossem colocados em salas separadas. A professora
não atendeu ao seu pedido, e, nas festas juninas, ambos ensaiaram quadrilha juntos,
formando um par. Esse fato evidencia a necessidade de organizar práticas antipre-
conceituosas que também envolvam a comunidade.
A escola desenvolve trabalhos como dramatizações e produções de peças
teatrais, hora cívica, palestras, debates, danças e músicas, além de estudos sobre o
continente africano, ressaltando sua riqueza étnica e cultural. Tais ações preten-
dem resgatar a história do negro e suas contribuições para a sociedade brasileira,
tanto na gastronomia quanto no esporte e em outras áreas, e apresentam uma
abordagem diferenciada da história da África, superando estereótipos de miséria e
pobreza. A Secretaria de Estado da Educação participa indiretamente, fornecendo
atividades formativas e orientações sobre trabalhos na escola; todavia, não há par-
cerias com o Movimento Negro ou outra entidade da sociedade civil.

Perfil dos(as) principais responsáveis pelo trabalho


Durante a observação em campo, concluiu-se que não há um projeto ou um
plano de ação traçados pelo coletivo da escola, mas apenas ações pontuais relaciona-
das ao Dia 20 de Novembro. Não se pode dizer, portanto, que existe um profissional
ou um coletivo à frente das práticas pedagógicas inerentes à questão. O trabalho é
realizado de forma pontual e, consequentemente, não foi possível perceber a sua
continuidade.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Apesar das orientações da pesquisa para a composição heterogênea do grupo
de discussão, nem todos os pais e mães solicitados autorizaram a participação dos
seus filhos. Tal situação limitou a realização da proposta. Sendo assim, na Escola
Estadual 17, o grupo de discussão foi composto por quatro estudantes autodeclara-
dos brancos, homens e mulheres.
Os relatos dos integrantes sobre a sua própria participação e envolvimento nas
atividades propostas pela escola constituíram-se de respostas muito sucintas. Eles
demonstraram um real interesse pela temática, mas também falta de conhecimento

203
sobre a questão racial e a história da África. Esta ficou evidente em vários depoimen-
tos em que os(as) estudantes reproduziram, muitas vezes, sem perceber, uma série de
estereótipos sobre o negro na sociedade brasileira.
Sobre atitudes preconceituosas na escola, alguns(mas) estudantes dizem ter
presenciado “branco apelidando negro de negão, preto não sei que lá” e falas como
“mulher não gosta de gente preta”, “todo mundo só gosta de mulher branca etc.”.
Chama a atenção o fato de um estudante admitir que até mesmo ele já apelidara o
próprio amigo de “macaco fedorento”.
As marcas do preconceito se mostraram muito visíveis nas falas dos(as) es-
tudantes. Pode-se inferir dessa situação que a escola desenvolve um trabalho ainda
muito incipiente sobre a questão racial, necessitando de um projeto efetivo que vise
à superação da discriminação e do preconceito, a valorização da cultura negra e a
eliminação da visão estereotipada sobre o negro e sua história.
Em uma análise mais aprofundada dos depoimentos dos(as) estudantes, po-
de-se perceber a escassez de informações. Suas respostas foram muito sucintas e
sem aprofundamento. O fato de a escola não desenvolver um projeto amplo e mais
dinâmico sobre a questão étnico-racial nem ter professores que possuam uma for-
mação específica no tema acarreta limitações no desenvolvimento do trabalho e no
alcance de objetivos delineados.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
A falta de formação para o trato com a temática nas suas dimensões concei-
tual e operacional evidencia-se pela postura de uma das coordenadoras pedagógicas.
Em conversa informal, ela se recusou a participar das entrevistas justificando ser
contra “a pesquisa dos negros”. Sustenta que o “negro” deve parar de se fazer de
“coitadinho” e que devemos passar uma borracha no passado e começar de novo.
Afirma ainda que não concorda com as chamadas políticas afirmativas voltadas para
esse grupo racial e que, daqui a algum tempo, será necessário trabalhar o preconcei-
to contra o branco. Enfim, ela se recusou a participar da pesquisa por não acreditar
na pertinência de tratar da história do continente africano e do negro no Brasil,
bem como por ser contrária a políticas afirmativas e de caráter reparatório.

204
Algumas considerações
Apesar de eventuais e assistemáticas, certas atividades realizadas na escola
vêm abrindo espaço para o debate da questão étnico-racial, que se torna alvo de
preocupações por parte de alguns profissionais.
Nos diversos relatos dos(as) professores(as), ficou evidente a necessidade de
uma formação continuada que capacite os profissionais a trabalhar com as relações
étnico-raciais e a elaborar planos de ação articulados e integrados ao currículo esco-
lar das várias séries do ensino fundamental. Outra demanda que se fez presente nas
falas de professores(as) foi a necessidade de aquisição de um número significativo
de livros didáticos e paradidáticos para apoiar a abordagem de assuntos sobre a
Lei n.º 10.639/03 nas aulas e para orientá-los na construção de um planejamento
diversificado.
Como demonstram os relatos, para que as atividades da Escola Estadual 17
possam avançar, é importante que professores(as) e gestores(as) se qualifiquem para
o trabalho com a questão étnico-racial e que a instituição escolar implemente, de
fato, a Lei n.º 10.639/2003 e suas Diretrizes Curriculares Nacionais. A maior quali-
ficação poderá contribuir para a realização do planejamento das atividades de for-
ma mais articulada e fundamentada. Além disso, possibilitará o desenvolvimento
de ações mais abrangentes, através das quais os(as) estudantes e docentes poderão
conhecer de maneira conceitual e aprofundada a história e as culturas africana e
afro-brasileira. Trata-se de possibilidades que representariam subsídios para a cons-
trução de uma educação centrada na diversidade e na superação de situações de
preconceito e discriminação racial na escola.

205
Quadro 21 – Escola Estadual 17 - Manaus (AM)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Di-
mensão:
Estrutura É bem conservada, com exceção
física e dos banheiros, que necessitam de
Tem uma boa infraestrutura, com varia-
aparên- manutenção. Nas paredes da es-
dos ambientes e amplos espaços para o
cia da cola há trabalhos realizados pelos
trabalho pedagógico.
escola alunos envolvendo a educação
para as relações étnico-raciais.

Características da Tipo de trabalho e


Motivações para a realiza-
gestão (direção e responsável/propo-
ção do trabalho
coordenação) sitor
2ª Di-
mensão: A equipe foi acompa-
Envolvi- nhada pela coorde-
mento da nação, visto que a Não há projeto ou
gestão e diretora encontrava-se plano de ação tra-
do cole- impossibilitada de çados pelo coletivo Comemoração do Dia
tivo fazê-lo. Uma das coor- da escola, apenas Nacional da Consciência
denadoras recusou-se ações pontuais Negra
a conceder entrevista, relacionadas ao Dia
dizendo ser contra a 20 de Novembro.
pesquisa e o enfoque
da legislação.

3ª Di- Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


mensão:
Forma- A biblioteca é pequena, porém
ção con- organizada. Há poucos livros que
tinuada e Embora a SEED ofereça atividades de
abordam a temática étnico-racial e
material formação, elas não são sistemáticas.
não estão disponíveis ou visíveis
de apoio nas estantes.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificuldades do
estudantes (trato da
dos estudantes trabalho
diversidade)
4ª Di-
mensão:
Avanços Aumento do respeito
Apresentam conhe-
e limites entre os estudantes.
cimentos estereo- Não há formação continua-
do traba- Segundo as profes-
tipados e exóticos da para professores e nem
lho soras, é perceptível
sobre a África e os um plano de ação coletivo
a diminuição de com-
afrodescendentes no e multidisciplinar
portamentos racistas e
Brasil.
discriminatórios.

206
Escola Municipal 18

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental e EJA
Número de estudantes: 863
Vespertino: 321
Matutino: 473
Noturno: 69
Ano de fundação: 24 de março de 1985
IDEB observado: 3.5 (4ª série/5º ano) e 3.1 (8ª série/9º ano)

A Escola Municipal 18 está localizada no Bairro Compensa II, em Manaus


(AM), o qual se origina de um processo de invasão ocorrido desde o final dos anos
de 1950. É um bairro considerado popular, com ruas e calçadas estreitas e com
calçamento recente. As casas são muito próximas umas das outras, evidenciando a
ocupação desordenada e a falta de planejamento urbano. Muitas não possuem aca-
bamento e aparentam não sofrer manutenção há algum tempo.
Trata-se de uma área com histórico de violência, em especial, nos momentos
de entrada e saída de estudantes, fato assinalado pelas coordenadoras pedagógicas.
Certas atividades da escola eventualmente ficam comprometidas por causa da ação
de alguns integrantes da comunidade que lançam pedras, pedaços de pau e garrafas
no pátio onde essas atividades são desenvolvidas.
A Escola Municipal 18 é pequena e funciona em dois andares. No primeiro
há uma pequena quadra coberta, onde ocorrem a recepção dos estudantes e parte
das atividades de educação física. Nesse andar ficam um laboratório de informática,
um depósito de merenda e a cozinha, um anexo que serve de depósito de material
didático e salas para a administração e a coordenação pedagógica. No segundo há
dez salas de aula com trinta mesas em média, que são compartilhadas pelos estu-
dantes devido ao tamanho das turmas. A dimensão e a distribuição do espaço da
escola sugerem que ela foi planejada para um público reduzido. E não parece ter
sofrido nenhuma manutenção recente.

207
A biblioteca é refrigerada, com espaço para 22 pessoas sentadas. Não há fun-
cionário próprio, de modo que o acesso aos livros se dá por meio das coordenadoras
pedagógicas: os(as) professores(as) planejam o uso das obras, e as coordenadoras
disponibilizam-nas, encaminhando-as diretamente aos estudantes. A quantidade e a
diversidade do acervo são satisfatórias e adequadas ao tamanho da escola, no entan-
to não há organização por temas e/ou autores nas estantes. Há títulos de divulgação
científica, didáticos e literários, em grande parte, doados e alguns livros relacionados
à temática étnico-racial. Parte das obras encontra-se ainda na embalagem em fun-
ção da ausência de bibliotecário.
Nas turmas observadas, verificaram-se companheirismo e espírito de ajuda
entre os estudantes. As distinções mais evidentes diziam respeito ao gênero, não
se percebendo, praticamente, em nenhuma das turmas, qualquer tensão relativa às
diferenças étnico-raciais. Em uma das turmas da manhã, os estudantes negros eram
os mais populares por seu desempenho em sala e por saberem dançar hip-hop. A
disciplina nas aulas revelou-se um dos problemas observados pela equipe da pesqui-
sa. Em quase todas as aulas, no turno da tarde, os(as) professores(as) tinham que se
esforçar bastante para manter a disciplina da turma.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
As atividades relacionadas à educação para as relações étnico-raciais são pla-
nejadas ao longo do ano, em especial, no projeto Etnicidade, vinculado à Semana da
Consciência Negra. Esse projeto já faz parte da identidade da escola. Sendo assim,
os(as) professores(as) temporários(as) ou os(as) designados(as) são imediatamente
notificados das atividades desenvolvidas e inseridos no planejamento destas. Não
obstante, dadas as dimensões do espaço físico, as atividades não podem ser realiza-
das e assistidas por toda a comunidade escolar ao mesmo tempo, pois não é possível
a reunião de todos os estudantes no local em que ocorrem.
Os docentes afirmam que a temática é integrada às suas aulas durante todo
o ano letivo, por meio da valorização da história da África e dos negros. Segundo
eles, em vez de falar somente da escravidão e da pobreza, também enfatizam o “lado
bom” da questão africana.
Nas entrevistas com gestores(as) e coordenadores(as), ressaltou-se que o trabalho
desenvolvido nesse âmbito pela escola é anterior à promulgação da Lei n.º 10.639/03.
Embora as atividades sejam anteriores à Lei, algumas docentes entrevistadas afirmam

208
que a sua promulgação deu legitimidade ao projeto. Segundo depoimentos, os(as)
professores(as) vistos como resistentes passaram a se sentir comprometidos a participar,
em função do dispositivo legal. As gestoras afirmam haver material didático disponível
para o cumprimento das atividades previstas na Lei.
Grande parte dos docentes conhece a trajetória dessas atividades da escola
por ouvir dizer, uma vez que a rotatividade deles é muito alta, havendo discipli-
nas ministradas por até três professores(as). Quanto ao conhecimento da Lei n.º
10.639/03, alguns(mas) professores(as) afirmaram não tê-lo antes de trabalhar nesta
escola. Uma professora informou ter tomado conhecimento da Lei a partir da re-
vista Nossa Escola, e outra disse ter recebido informações sobre a temática racial por
meio dos PCNs e da mídia.
Os(as) professores(as) afirmam que os(as) estudantes são estimulados, ao
longo de todo o ano, a tomar parte das atividades. No entanto não detalharam as
estratégias ou procedimentos didáticos adotados, nem falaram da atribuição de nota
aos trabalhos apresentados. Alguns(mas) professores(as) acentuam que as crianças
do primeiro ao quinto ano respondem melhor aos apelos das dramatizações. A des-
peito de os(as) professores(as) de todas as disciplinas participarem do planejamento
e da realização das atividades, os entrevistados apontaram as disciplinas de História,
Língua Portuguesa e Artes como as que mais investem nessas práticas pedagógicas
e como as responsáveis pela educação/formação no tema.
Questionados sobre a existência ou não de casos de racismo, discriminação
ou preconceito racial, alguns(mas) professores(as) relatam casos isolados, ocorridos
antes de a escola iniciar o projeto:

Eu estava debatendo com a turma ainda há pouco: uma criança, uma menina,
ela chorando foi até ao banheiro, a pedagoga foi atrás pra saber do que se tra-
tava, pra saber como ela estava, e a criança chorando no banheiro tentando se
lavar, limpando, arranhando om sabão pra limpar, e aí ela investigou, foi atrás,
queria saber e descobriu que a menina era discriminada na sala de aula, e ela
recebia apelido dos colegas. Claro que eu acredito que a professora tenha to-
mado alguma providência, mas a questão toda é essa: a criança tava tentando
se lavar no banheiro pra tirar aquela cor escura, tentando se lavar porque tinha
vergonha, que não queria mais a cor negra. Então, um dos acontecimentos foi
esse aí, inclusive, foi tratado na hora cívica, com palestras, debates.

209
Outros afirmam não haver preconceito ou discriminação na escola, em fun-
ção daquilo que consideram ausência de pessoas negras: “É interessante, mas quase
nós não vemos crianças negras. Realmente, aqui, na minha sala de aula, não tem.
Tem pessoas bem morenas mesmo, mais mulatas, mas, negros não”.
Quanto às ações discriminatórias na escola, os(as) professores(as) assumem
que o preconceito e a discriminação são fatores sociais reproduzidos no ambiente
familiar e que a ação contínua da escola é necessária para promover outros com-
portamentos. Em alguns casos ocorridos na escola, houve necessidade de inter-
venção, a fim de evitar a reprodução de comportamentos discriminatórios. Os(as)
professores(as) consideram que o trabalho desenvolvido até o momento interfere
positivamente no comportamento dos estudantes, que aceitam integralmente a pro-
posta da escola. Acreditam que a continuidade das atividades é a grande responsável
pela atenuação de casos de preconceito e discriminação no interior da instituição.
Além dessas práticas, a escola desenvolve dois projetos relacionados ao mo-
mento de entrada e ao intervalo: o projeto Acolhida e o projeto Recreio cultural. O
primeiro tem por objetivo superar a desorganização no momento de entrada dos
estudantes, evitando acidentes leves, especialmente, no uso das escadas. Os discentes
são dispostos em filas, por turma, e assistem a uma breve preleção por meio da qual
são incitados ao estudo, ao respeito pelos colegas e professores e ao investimen-
to nas atividades discentes. A preleção termina com uma oração em que as ques-
tões já afirmadas são retomadas. As preleções são feitas pelos(as) professores(as) ou
coordenadores(as), por turno. Logo após, os(as) estudantes são conduzidos às salas
de aula em fila. Os pais, mães e responsáveis do turno da manhã participam e levam
os filhos até o início da escada. O Recreio cultural é desenvolvido apenas no turno
da manhã, com os estudantes do primeiro ao quinto ano. Foi criado com o objetivo
de dar fim a brincadeiras violentas, cada vez mais frequentes entre os estudantes
daqueles ciclos. A cada dia da semana, um professor é responsável pela condução de
atividades lúdicas e educativas. Portanto, trata-se de um coletivo que se mobiliza a
fim de solucionar problemas que afetam o cotidiano da escola.

Perfil dos(as) principais responsáveis pelo trabalho


O projeto Etnicidade teve início em 1999, a partir do trabalho do então pro-
fessor de História naquela instituição. O professor seria um apaixonado pela te-
mática e foi motivado pela iniciativa de outra professora que realizara um evento
denominado Semana dos Povos da Floresta no ano anterior. Sobre a origem do
projeto, há divergências. Uma docente entrevistada afirmou que, mesmo cônscio de

210
não haver tensões raciais na escola, o professor desenvolveu o projeto e foi apoiado
pela escola. Já outra professora afirma que o preconceito era, então, evidente e mo-
tivou a iniciativa do professor.
O corpo docente aponta as disciplinas de História, Língua Portuguesa e Ar-
tes como as que mais investem nas práticas pedagógicas na perspectiva da Lei n.º
10.639/03 e como as responsáveis pela educação/formação no tema. Os(as) estudan-
tes, por sua vez, indicaram o atual professor de História como principal envolvido
com as temáticas relacionadas à educação para as relações étnico-raciais. Também
apontaram os professores de Geografia, de Artes e Ensino Religioso como respon-
sáveis pela proposição de atividades que os conscientizam sobre esta temática.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


O grupo de discussão foi formado por seis estudantes autodeclarados como
negros, pardos e brancos e pertencentes às séries finais do ensino fundamental (do
sexto ao nono ano), homens e mulheres.
Durante a dinâmica ficou evidente o domínio das atividades que compõem a
Semana da Consciência Negra na escola. Todos(as) os(as) integrantes reportaram-
-se aos mesmos procedimentos relatados pelos(as) professores(as) sobre a organiza-
ção da atividade e a definição de temáticas. Foi possível perceber nos depoimentos
que o projeto é ansiosamente aguardado, ao longo de todo o ano, por constituir
uma quebra na rotina da sala de aula e por compreender atividades realizadas, em
grande parte, fora desse ambiente e de caráter mais dinâmico. Os(as) estudantes
afirmam sua preferência pelas atividades em que podem se perceber como autores,
expressando suas ideias e opiniões.
O grupo de discussão apontou que o projeto Etnicidade tem surtido grande
efeito na construção da identidade e na valorização da autoestima dos(as) estudan-
tes. No entanto, parece que a discussão ainda precisa avançar mais do ponto de vista
conceitual no que diz respeito à aquisição de conhecimentos mais densos sobre a
África e a cultura afro-brasileira. De maneira geral, os(as) discentes entrevistados(as)
demonstraram ter um conhecimento ainda superficial do continente africano. Não
obstante, dois estudantes afirmaram que seus valores sofreram uma inflexão, pois
passaram a relacionar o que aprenderam na escola ao que observam no convívio
social; da mesma forma, as questões abordadas nas disciplinas foram incorporadas
às suas conversas com a família e com os amigos.

211
Questionados sobre o que é ser branco e o que é ser negro no Brasil, os(as)
estudantes evidenciaram grande desconforto. Reiterado o questionamento, valori-
zaram o negro, destacando o seu espírito de luta e sua autoestima, procurando não
distinguir negros e brancos e afirmando que todos partilham da mesma condição
de brasileiros e podem ser vistos como lutadores. Não obstante o constrangimento
do grupo, uma das participantes fez a seguinte observação: “Ser branco no Brasil é
ser uma pessoa que as outras pessoas têm mais prazer de ser [sic]. Não é porque as
outras pessoas querem ser brancas, é porque elas sabem que os brancos são bem de
vida e tem mais oportunidade que o negro”.
A fala acima revela certa reflexão acerca do tema e, ao mesmo tempo, a repro-
dução de estereótipos sobre o negro e o branco. Essa ambiguidade pôde ser notada
em outros depoimentos. Da mesma forma, a extensão do preconceito, que atinge a
todos os grupos étnico-raciais no Brasil, também foi ponderada pelos(as) estudan-
tes, porém ainda de maneira superficial. Por exemplo, no discurso de uma integrante
autodeclarada branca, o branco também sofre preconceito.
Situações como essas exigem intervenção pedagógica e esclarecimentos que
façam parte do trabalho com a Lei n.º 10.639/03 na escola. A informação sobre
as temáticas africana e afro-brasileira precisa ser acompanhada de momentos de
escuta atenta aos(às) estudantes e de reflexões mais profundas que contribuam para
a superação de preconceitos e estereótipos.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação pedagógica


A escola tem três gestoras, e uma delas tomou conhecimento da Lei por
meios próprios: buscou informações na internet a fim de obter o conhecimento
necessário à orientação de professores(as) e estudantes. Outra tomou conhecimento
em 2005, quando deixou a regência de turma para assumir a direção e atualizar-se
na legislação educacional. Nenhuma das três gestoras possui formação específica
para o enfrentamento da questão.
Os depoimentos divergem quanto à oferta de formação continuada pela Se-
cretaria Municipal de Educação. Algumas das gestoras afirmam que a Secretaria
não oferece nenhuma formação específica para a questão, e outras dizem que sim,
mas que a metodologia utilizada nos cursos não faculta o aproveitamento dos(as)
professores(as). As gestoras foram unânimes em afirmar que nem todos(as) os(as)
professores(as) participam da formação, pois a escola escolhe um professor que
depois deverá ser o multiplicador, o que nem sempre acontece. Nenhuma das três
gestoras conhecia o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares

212
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana.
As entrevistadas afirmam haver certo contato entre a escola e o Movimento
Negro, que realiza no local palestras ou atividades correlatas na Semana da Consciên-
cia Negra, embora não haja participação efetiva desse movimento ou de outra organi-
zação da sociedade civil na organização, projeção e realização das atividades do projeto.

Algumas considerações
Ao longo dos anos, o projeto Etnicidade consolidou-se e passou a identificar a
escola, de modo que, atualmente, ainda que não atinja mais o sucesso alcançado em
anos anteriores, ele faz parte do calendário curricular e envolve todos os docentes.
O PPP, mesmo não fazendo menção direta ao projeto, uma vez que é anterior a ele,
deixa claro que a escola trabalha há muitos anos com a perspectiva de uma educação
comprometida com a comunidade a que se destina e com a formação para a cidadania.
Conquanto a participação dos(as) professores(as) na realização do projeto se
dê de forma integral, a análise dos planos das diferentes disciplinas não sugere a
introdução da temática étnico-racial no cotidiano das aulas e das discussões realiza-
das com os(as) estudantes. Na análise dos planos das disciplinas de História, Língua
Portuguesa e Artes, não se percebeu a indicação de assuntos, temáticas e textos re-
lacionados à Lei n.º 10.639/03 e a suas Diretrizes Curriculares. Também não se ve-
rificou a inserção das temáticas africana e afro-brasileira como um conteúdo regular
do currículo. A formação dos estudantes para uma educação direcionada às relações
étnico-raciais parece ser um desdobramento do trabalho voltado à formação para a
cidadania, essa, sim, evidente nos planos.
Os(as) professores(as) entrevistados(as) foram unânimes em afirmar a impor-
tância do estudo da questão étnico-racial e da história da África e da cultura afro-
-brasileira. Mas, embora a escola mantenha horário para planejamento, os professo-
res afirmam que esses momentos não trazem contribuições para o aprimoramento
da temática. Todos consideram um desafio enfrentar o tema plenamente, por causa
da falta de formação. Uma das docentes entrevistadas afirmou que o material didá-
tico disponível é escasso e não contempla as lacunas de formação de professores(as).
No que se refere à relação com a comunidade, alguns entrevistados afirmaram
que a gestão anterior mantinha forte envolvimento com a Associação de Moradores
e com o Centro de Artes (instituição mantida pela Associação de Moradores com o
apoio do poder público). Segundo os relatos, a atual gestão não mantém esse vínculo, e,
sendo assim, a comunidade participa indiretamente, por meio da doação de materiais

213
para cartazes, da confecção de roupas e do preparo de comidas típicas, auxiliando nos
trabalhos desenvolvidos pelos filhos e assistindo, quando possível, a exposições feitas
pelos estudantes, particularmente, durante as atividades de culminância dos projetos.

Quadro 22 – Escola Municipal 18 - Manaus (AM)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimen-
são:
Estrutura A organização dos ambientes inspira A escola conta com diversos ambien-
física e cuidados. Nas paredes de todas as tes pedagógicos e administrativos.
aparência salas de aula, há escritos de cunho No entanto, suas dimensões são
da escola sexual. pequenas.

Características da
gestão Tipo de trabalho e respon- Motivações para a rea-
(direção e coorde- sável/propositor lização do trabalho
nação)

2ª Dimen- Há divergências sobre


Apesar da sen-
são: a motivação para a
sibilidade para o A temática é abordada por
Envolvi- realização do trabalho.
trabalho com as meio do projeto Etnicidade,
mento da Algumas professoras
relações raciais, as implantado desde 1999 e
gestão e afirmam que a origem
gestoras demons- desenvolvido anualmente
do cole- do projeto se deve ao
traram pouco no último bimestre letivo,
tivo preconceito observado
conhecimento envolvendo a comunidade
na escola, e outras
sobre a lei, suas na semana do Dia 20 de
dizem que ele teve iní-
Diretrizes e temas Novembro.
cio sem a observação
correlatos.
desse comportamento.
Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe
3ª Dimen-
são: A escola conta com um ambiente
Forma- adequado, apesar de pequeno. O
Nem todos os professores participam
ção con- acesso ao acervo se dá pela me-
de formação sobre a temática, e isso
tinuada e diação das coordenadoras, por falta
impede o Quadro docente de trabalhar
material de funcionário para a função. Os
com o tema em profundidade.
de apoio livros sobre a temática étnico-racial
estavam embalados.
Formação ética
dos estudantes Formação conceitual dos Principais dificuldades
(trato da diversi- estudantes no trabalho
4ª Dimen- dade)
são: O projeto Etnici-
Avanços O trabalho é dificultado
dade possibilita o
e limites pela alta rotatividade
desenvolvimento Os estudantes demonstram
do traba- dos professores, pela
do protagonismo conhecimento superficial
lho resistência dos pro-
dos jovens e incide sobre o continente africano
fessores novos e pela
em sua autoestima e a cultura afro-brasileira.
falta de formação na
e na construção
temática.
de sua identidade.

214
Regional
Centro-Oeste

Maria Lúcia Rodrigues Müller


Ângela Maria dos Santos
Vanda Lúcia Sá Gonçalves

Colider

MT

Cuiabá
Brasília
Livramento
GO DF
Goiânia

MS
Campo Grande
Distrito Federal – Escola Estadual 19

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental
Número de estudantes: 455
Matutino: 251
Vespertino: 204
Ano de fundação: 1968
IDEB observado: 5.5 (4ª série/5º ano)

A Escola Estadual 19, situada em Gama, Distrito Federal, apresenta uma


boa estrutura interna, tem salas largas e arejadas, com armários e carteiras para todos
os estudantes. Dispõe de um campo ao ar livre, área de recreação com brinquedos
bem conservados e uma horta, sendo que cada turma é responsável por um canteiro.
Os banheiros são bem limpos e sem pichações ou escritas nas paredes e portas. A
biblioteca da escola possui um acervo diversificado no que se refere à temática das
relações raciais, e este material está localizado ao alcance dos frequentadores.
Nas conversas com as professoras, elas disseram utilizar muito pouco o livro
didático adotado na disciplina de História, pois reconhecem que ele não traz o ne-
cessário para trabalhar com os estudantes a temática étnico-racial. Muitos dos livros
relacionados à temática foram enviados pelo MEC ou pela Secretaria de Educação
ou adquiridos pela própria escola. Outros livros, que fazem parte do acervo pessoal
dos professores, são deixados na escola à disposição de estudantes e professores.
Cada sala de aula comporta aproximadamente 30 estudantes, que se sentam em
duplas. Na maioria das salas, os(as) estudantes negros(as) e brancos(as) estão bem dis-
tribuídos no espaço, de modo que se observou a presença de estudantes negros(as) na
frente, no meio e no fundo das salas. Nos corredores e murais se observa uma ampla
diversidade de cartazes e painéis retratando temáticas étnico-raciais.
De acordo com alguns(mas) professores(as), a maior parte das crianças matri-
culadas na instituição é negra. Elas são oriundas de famílias de baixo poder aquisi-
tivo, e considera-se que algumas têm dificuldade de aprendizagem. Muitos dos pais

216
e mães dos(as) estudantes não chegaram a concluir o ensino fundamental, e parte
deles estava sem emprego. As profissões predominantes na comunidade são domés-
tica, vendedor ambulante, auxiliar de serviços gerais e auxiliar da construção civil.
Na escola, a equipe de pesquisa foi recebida com bastante entusiasmo e ale-
gria, pois a investigação foi vista como uma forma de reconhecimento do trabalho
realizado.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
O projeto Negro que te quero ser negro, de iniciativa de uma das professoras,
teve início em 1998. Surgiu porque os(as) professores(as) perceberam que as crian-
ças com problemas disciplinares e baixo rendimento escolar, em sua maioria, eram
negras ou afrodescendentes, o que os mobilizou para a busca detalhada das causas
dos problemas observados.
A comunidade do entorno da escola é bem atuante, tanto nos momentos fes-
tivos quanto nas reuniões com os pais ou responsáveis. Segundo os(as) professores(as)
e gestores(as), a comunidade está sempre presente nas festas, para apoiar ou ajudar na
realização das comemorações. Uma amostra deste vínculo é a parceria estabelecida
entre a escola e um grupo de capoeira local, o que possibilitou a cessão do espaço da
escola para a realização de aulas de capoeira, das quais muitos estudantes participam.
Várias atividades relacionadas à temática étnico-racial estão previstas no pro-
jeto Negro que te quero ser negro. Trata-se de um projeto contínuo cujas atividades
estavam em andamento no momento em que se realizou a pesquisa. As atividades
abrangem as disciplinas de Alfabetização, História, Artes, Ciências Sociais, Língua
Portuguesa e Geografia, e desenvolvem os conteúdos abaixo relacionados:

[...] leitura, interpretação, análise e produção de textos variados, orais e escri-


tos, com criticidade e nas mais variadas formas de expressão; importância e
consequências das relações: EU x OUTRO, EU x GRUPO, EU x PROFES-
SOR, EU x FAMILIA, EU x SOCIEDADE, bem como dos atos precon-
ceituosos e discriminadores; a história dos povos africano e afro-brasileiro na
construção da cultura brasileira na sua diversidade racial, social e econômica;
ações respeitosas que levam à formação de uma sociedade mais justa; heróis
negros, suas lutas e as datas significativas para o povo negro. (Projeto Negro
que te quero ser negro).

217
Além desse projeto, a escola desenvolve diversas atividades, entre elas, o Mo-
mento cidadania, que acontece semanalmente, com a participação de todos os(as) es-
tudantes e professores(as) do turno, bem como da direção, da coordenação e dos(as)
servidores(as). A cada semana uma turma se responsabiliza por organizar e apre-
sentar seu momento.

Inicia-se com o Hino Nacional, respectivamente, com o hasteamento da Ban-


deira Nacional do Brasil. Em seguida, uma oração e, logo depois, as apresen-
tações artísticas, enfocando variados temas dentro de todos os projetos da
escola, como também relacionados aos conteúdos estudados. Essas atividades
são apreciadas por todas as turmas, funcionários e pais, que são nossos eter-
nos convidados. Tornam-se grandes eventos que abordam desde a pluralidade
cultural do país à valorização do ser. (Projeto Momento cidadania: valores).

Além dos projetos específicos, na Escola Estadual 19, as práticas pedagógicas


na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes ocorrem em diversos momen-
tos ao longo do ano letivo. Segundo as narrativas dos(as) docentes e da direção, há
um encadeamento das ações. No mês de março os(as) estudantes participam das
atividades do dia 21 de março – Dia Internacional de Eliminação da Discriminação
Racial –, nas quais são discutidas as consequências da discriminação e a importância
do respeito entre os diferentes grupos étnico-raciais. No Dia 13 de Maio discutem-
-se a conquista da liberdade pela população negra, a resistência negra no Brasil des-
de a colônia até os dias atuais, os quilombos etc. No dia 16 de junho as atividades
giram em torno do Dia Internacional de Solidariedade à Luta do Povo da África do
Sul. No dia 7 de junho – Dia Nacional de Luta contra o Racismo – rememoram-se
a Marcha Zumbi + 10 e a necessidade da continuidade da luta contra o racismo
na atualidade. Em agosto, mês das tradições populares, a escola se movimenta com
atividades ligadas a danças, à culinária, aos diferentes vocabulários, à arte, à música,
aos diversos hábitos etc. Juntamente com as tradições, são estudados alguns sím-
bolos da resistência negra no Brasil. No mês de novembro, comemoram-se a luta
e a trajetória de Zumbi dos Palmares, sobretudo, no dia 20 de novembro. É o mês
em que acontece a culminância do trabalho realizado ao longo do ano e intitulado
Encontro Cultural da Beleza Negra. Nesse encontro toda a escola se reúne para
que cada turma possa apresentar pelo menos uma atividade feita em sala de aula
e voltada para o estudo das relações étnico-raciais. Segundo os depoimentos, “são
momentos emocionantes, ricos de envolvimento, compromisso e consciência negra”.

218
Perfil do principal responsável pelo trabalho
A mentora do projeto Negro que te quero ser negro, premiado pelo CEERT,
é uma professora formada em Pedagogia e especialista em Processo de Ensino e
Aprendizagem. Segundo ela, o projeto surgiu em virtude da sua experiência de vida
enquanto mulher negra e da parceria com uma outra docente que a ajudou a dar
nome ao projeto e a sistematizá-lo.

[...] Porque sou uma professora negra, sou uma professora que trabalha há
muitos anos, sou uma professora vítima de racismo, de preconceito, de discri-
minação já desde muitos anos. Hoje eu já me considero vitoriosa em muitos
sentidos porque hoje eu já consegui, assim, um respeito muito grande do es-
paço em que eu trabalho, pela comunidade, dentro da sociedade, dentro de
vários locais, mas já fui vítima disso. Eu em decorrência de tudo isso aí puxei
esse trabalho solitário, de início um trabalho solitário, porque os outros não
têm o olhar que você vê, com a dimensão que você vê, então você começa um
trabalho solitário mesmo. Sozinha, eu fazia os murais, mostrava meus murais
do que eu fazia na sala; eu tentava mostrar pros outros através dos murais
que eu botava do lado de fora da minha sala. Então um ou outro chamava
a atenção aquele mural, e aí perguntavam que trabalho era aquele, e aí você
conseguia ir disseminando o que você fazia dentro da sala de aula.

Sobre o trabalho que a escola desenvolve com os estudantes, a professora


afirmou que há um reconhecimento por parte da comunidade, porque a escola tem
“um trabalho sério, tem qualidade, valoriza a todos e não há discriminação”. Esse
trabalho se reflete no comportamento dos estudantes, em casa e na família.

E eu percebo que eles estão levando isso pra casa, sabe? porque eu trabalho com
os pequenininhos. As professoras de quarta série com certeza vão falar outras
coisas pra você porque os meninos da quarta série, a maioria, foram meus, por-
que a gente começou lá com essa base, e vão pro sexto ano no ano que vem.
Então elas vão ter assim coisas superlegais pra falar pra vocês, mas eu percebo
que esse avanço está indo pra casinha deles, entendeu? E a mãe vem e a mãe
fala: “vocês estão estudando isso? Olha, lá no meu trabalho tem um material
assim, eu posso trazer”? A mãe de minha aluna participou de um... Ela trabalha
na Câmara Federal, e aconteceu alguma coisa lá voltada pra Lei e ela trouxe
um pra cada aluno. Olha onde esse negócio já tá indo! E isso é bom, é positivo.

219
O grupo de discussão com os(as) estudantes
Com a realização do grupo de discussão, foi possível perceber que os(as) estu-
dantes conhecem alguns aspectos do continente africano e têm consciência de que
a discriminação por causa da cor da pele é prejudicial a toda a sociedade. Por isso,
quando acontece no pátio da escola um caso que envolve discriminação racial ou
expressão de preconceito, normalmente, eles se remetem às atividades desenvolvidas
para mostrar que deve haver o respeito entre eles.

Ontem, a professora deu o papel sobre a Lei n.º 10.639/03, e eu lembro que
Zumbi dos Palmares... ele lutou muito contra a escravidão porque ele queria
libertar os escravos; então a gente fez um texto também sobre Zumbi dos
Palmares, e a professora falou que [...] quando a gente quer alguma coisa é
pra gente lutar que a gente consegue. (Estudante).

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
A gestora da escola, que se autodeclara preta, afirma que sempre trabalhou
com a temática racial nas escolas por onde passou, mas sua realização pessoal acon-
teceu quando entrou na Escola Estadual 19, há sete anos. Observando o trabalho
desenvolvido pela professora idealizadora do projeto, a diretora resolveu “fazer uma
coisa grande”, dando visibilidade ao trabalho da escola. A criação do Encontro Cul-
tural da Beleza Negra ajudou a divulgar o trabalho da escola, além de chamar a
atenção das autoridades para a importância da implementação da Lei. Segundo a
diretora, por causa desse evento, outras diretoras de escolas vizinhas estão procu-
rando a Escola Estadual 19 para obter orientações sobre o trabalho com a temática
racial, a fim de desenvolvê-la com seus estudantes.
A diretora ressalta a importância da formação dos(as) professores(as) na pers-
pectiva da Lei, porém reclama da falta de interesse de alguns docentes em participar
dos cursos, uma vez que são sempre os mesmos que participam das atividades de
capacitação. Como a escola não pode liberar todos(as) os professores(as) para a
realização de cursos, aqueles que participam têm a obrigatoriedade de repassar aos
outros docentes todo o material e todas as informações. E, muitas vezes, segundo a
diretora, quando a Secretaria de Educação não libera o(a) professor(a) para partici-
par de cursos, a escola resolve o problema.

220
Todo apoio a gente dá. Teve uma época quando duas professoras foram para
São Paulo, elas não conseguiram afastamento pela Secretaria. A gente se-
gurou as turmas, eram duas turmas, elas ficaram uma semana fora e a gente
rezando para não acontecer nada com elas lá, porque elas estavam sem co-
bertura legal. Não deu tempo da gente conseguir o afastamento, aí eu falei:
“não, vocês vão que a gente segura as turmas”. Todo evento que tem que elas
querem participar, se o professor quiser participar, se o servidor quiser parti-
cipar, a gente abre mesmo, faz um rodízio, segura as turmas, se é à tarde, traz
a turma para de manhã naquele espaço que é, eu digo que é auditório, dá aula
de manhã. Eles vão à tarde para ter como trabalhar com segurança, porque
uma coisa é você ir lá e ver, e outra é o outro lhe falar; então, nesse ponto, eu
estou totalmente favorável que eles façam todos os cursos.

A diretora relatou que, logo no início do ano, quando chega um docente


contratado, ele é informado sobre o projeto que a escola desenvolve com as relações
étnico-raciais, e, muitas vezes, esses(as) professores(as) pedem para sair da escola
porque tudo é feito coletivamente: do planejamento às orientações e aos materiais a
ser utilizados. Segundo a gestora, são várias as atividades realizadas com a temática
racial, e isso exige muito dos(as) professores(as), que, além de colaborar para desen-
volvê-las, devem estudar e realizar suas propostas. Essa atuação é apontada como
um dos motivos que provocam o rodízio de professores(as) na escola, dificultando
em parte o andamento da rotina escolar.

Formação continuada
De acordo com os depoimentos dos(as) professores(as), a maioria deles par-
ticipa de cursos constantemente, e os que não têm tal disponibilidade recebem as
informações dos(das) professores(as) que participaram. De um modo geral, os(as)
professores(as) transmitem as informações para os demais no dia do planejamento
coletivo, que ocorre às quartas-feiras, na sala dos professores. Esses encontros de
estudos habitualmente são dirigidos por algum convidado(a) ou professor(a) que
participou de algum curso. Na região em que se localiza a escola, a instituição que
mais oferece cursos para os(as) professores(as) é o Sindicato dos Professores do
Distrito Federal (SINPRO), frequentemente tratando de temas que se referem às
relações raciais e à Lei n.º 10.639/03. Os professores também participam de semi-
nários, congressos e cursos promovidos pela Secretaria de Educação, pelo MEC,
pela SEPPIR, pelo SINPRO, EAPE, UnB, entre outros.

221
Algumas considerações
As entrevistas com os(as) professores(as) da escola e a conversa com os(as)
estudantes demonstraram como é significativo o trabalho que a escola realiza. Todos
os docentes trabalham com alguma temática e estão sendo orientados semanalmen-
te pela professora idealizadora do projeto sobre a metodologia mais adequada para
trabalhar determinado tema. O trabalho planejado e coordenado acaba tendo como
consequência positiva o envolvimento de pais e mães e da comunidade em geral,
além de redundar no conjunto de conhecimentos expressos pelos estudantes e em
novas formas de lidar com as diferenças.
O caráter multidisciplinar, coletivo e multitemático dos trabalhos desenvol-
vidos na escola, somado à articulação da comunidade escolar com a comunidade
do entorno e à inclusão das temáticas étnico-raciais no PPP da escola, tudo isso
constitui fortes indicativos do enraizamento da temática na escola e de sua susten-
tabilidade ao longo do tempo.

222
Quadro 23 – Escola Estadual 19 - Gama (DF)

Aparência da escola Estrutura física da escola

1ª Dimensão: Os banheiros são limpos, sem


Estrutura pichações nas paredes e portas, A escola tem ótima estrutura física
física e apesar de pichações na entrada. A e de equipamentos audiovisuais,
aparência da escola apresenta ampla diversida- salas grandes e arejadas, espaço
escola de de cartazes e painéis retratan- amplo e variedade de brinquedos.
do temáticas étnico-raciais.

Características da Tipo de trabalho e


Motivações para a reali-
gestão (direção e responsável/pro-
zação do trabalho
coordenação) positor

A temática racial
é trabalhada por
2ª Dimensão: A diretora sempre meio do projeto O projeto surgiu da
Envolvimento trabalhou com a Negro que te quero percepção de que as
da gestão e temática e apoia ser negro, de 1998, crianças com problemas
do coletivo diretamente a forma- idealizado por de comportamento e
ção continuada da uma professora e baixo rendimento eram
equipe e a participa- realizado com a negras ou afrodescen-
ção nas atividades. adesão dos demais dentes.
profissionais da
escola.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe

3ª Dimensão: O acervo conta com uma quanti-


Os professores que já participa-
Formação dade boa de exemplares voltados
ram de formações oficiais usam o
continuada e para a temática, embora alguns
momento de planejamento coletivo
material de contenham poucas imagens de
para multiplicar conhecimentos e
apoio crianças negras. As professoras
para o estudo coletivo.
utilizam outros materiais.

Formação ética dos


Formação conceitu- Principais dificuldades
estudantes (trato da
al dos estudantes do trabalho
diversidade)

Os estudantes já sa-
bem que o racismo Conquanto o coletivo
4ª Dimensão: Os estudantes
é prejudicial a toda de professores receba
Avanços e conhecem alguns
a sociedade. Assim, formação continuada
limites do aspectos do
quando acontece advinda de órgãos
trabalho continente afri-
um caso, eles se externos, esse tipo de
cano, como suas
lembram das ativi- formação ocorre mais
histórias, culturas,
dades para mostrar frequentemente no
países, religião.
a importância do âmbito interno.
respeito.

223
Estado do Mato Grosso do Sul
Município de Campo Grande – Escola Estadual 20

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensinos fundamental e médio (curso preparatório
para o vestibular, de iniciativa da SEE de Mato Grosso do Sul)
Número de estudantes: 653
Matutino: 339 (ensinos fundamental e médio)
Vespertino: 260 (ensino fundamental)
Noturno: 54 (ensino médio e curso preparatório para o vestibular)
Ano de fundação: 1969
IDEB observado: 4.6 (4ª série/5º ano) e 3.6 (8ª série/9º ano)

A Escola Estadual 20 está localizada próximo ao eixo central da cidade de


Campo Grande, em um bairro de classe média, que conta com uma boa infraestru-
tura, incluindo casas comerciais e vários tipos de serviços públicos.
A instituição conta com ambientes diversos e amplos: diretoria, secretaria,
sala dos professores, sala de vídeo, laboratório de informática, biblioteca, quadra de
esportes coberta, cozinha, depósito de alimentos, sala da coordenação, pátio e dois
banheiros. A fachada da escola apresenta uma aparência melhor do que a do seu
interior, cujos ambientes encontram-se em mau estado de conservação. A biblioteca
da escola é extremamente pequena, e não há um funcionário responsável pelo seu
funcionamento. Em razão disto, o acervo encontra-se bastante desorganizado, acar-
retando dificuldades de acessibilidade e pouca utilização do espaço pelos(as) discen-
tes e docentes. Alguns dos livros que tratam da temática étnico-racial ficam na sala
da coordenação pedagógica, dificultando ainda mais o acesso dos(as) estudantes e a
realização de leituras e estudos.
A diversidade racial no ambiente escolar é retratada por meio de desenhos e
pinturas referentes à escravidão e às culturas afro-brasileira e africana, e produzidos
pelos(as) estudantes e pelo professor de Artes. Essas representações de personagens

224
negros nas paredes da escola imprimem ao ambiente escolar um aspecto positivo
em relação à valorização da identidade e da cultura negra e parecem impactar tanto
estudantes negros(as) quanto não negros(as).
Na chegada à escola, e durante todo o trabalho de campo, a equipe de pes-
quisa foi muito bem recebida por toda a comunidade escolar.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
Todos(as) os(as) professores(as) da escola abordados(as) pela equipe de pes-
quisa indicaram conhecer o conteúdo da Lei n.º 10.639/03. Mesmo aqueles que
afirmaram não desenvolver atividades com a temática étnico-racial, concordavam
com a importância da abordagem da temática na escola.
Na entrevista com uma das professoras (licenciada em Língua Portuguesa),
ela expressa a abertura dos(as) professores(as) da escola para o trabalho com a Lei
n.º 10.639/03:

Eu considero, nos meus conteúdos, a obrigatoriedade de trabalhar com a Lei


n.º 10.639. Só que só aquilo que eu aprendi no curso. Mas os meus colegas
percebem o trabalho e então me ajudam. E, adotam [a ideia pedagógica] na
sua sala. Porque tenho aqui quatro salas, e os outros professores olham [as
propostas], gostam e fazem também.

De forma geral, as entrevistas com os(as) professores(as) revelaram que, em


sua maioria, as práticas pedagógicas voltadas para a inclusão dos conteúdos refe-
rentes à Lei n.º 10.639 e a suas Diretrizes foram adotadas em decorrência da Feira
de Ciência realizada pela escola em 2006, em que o tema central foi a cultura e
a história afro-brasileiras. Desde o ano de 2006, as ações relacionadas à temática
étnico-racial têm sido efetivadas por meio de atividades culturais norteadas pelos
temas escolhidos para a Feira de Ciências, o que acaba restringindo a realização de
atividades a algumas disciplinas específicas, como salienta uma professora.

[...] passamos filme também, para conhecer a vida social de outros países,
principalmente, da África. Eu gosto muito de mostrar aos estudantes os heróis

225
negros. E para isso nós pesquisamos o continente africano porque existem
curas medicinais que vieram de lá. Que são importantes os nomes de médicos
que são famosos, mas que eles não conhecem, pensam que é de um branco e
não é. Isso eu considero muito importante. Depois que eles percebem, eles vão
atrás para pesquisar, depois descobrem e mostram para a sala.
[...] o negro tem representação em todas as áreas, eu gosto muito de compa-
rar... para que alguém me diga o que o branco tem de melhor, e, quando eles
se dão conta de que não tem... é uma alegria enorme! Enorme!

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


O professor e responsável pela disciplina de Artes, licenciado em Artes Plás-
ticas, é o grande motivador da inclusão da Lei n.º 10.639/03 no cotidiano da escola.
Através da educação visual e da produção de telas que retratam o negro na socie-
dade brasileira, este professor contribui para a reeducação no campo das relações
étnico-raciais entre os seus estudantes do ensino médio e entre os demais estudan-
tes da escola. As telas produzidas por este docente e seus estudantes são expostas
durante todo o ano nas paredes e nos murais da escola.

Essa Lei, pra mim, ela tem parte positiva no meu desempenho pedagógico,
onde eu valorizo a importância do conteúdo, trazendo um pouco da história
brasileira desde a sua primeira estruturação; aonde eu valorizo a etnia espe-
cífica [os negros] trazendo para a comunidade atual a possibilidade de uma
reflexão. Esse trabalho é realizado dentro da sala de aula de forma expositiva
contando um pouco dessa história... do Brasil. Desde a sua colonização pela
mão de obra qualificada daquele momento, a mão de obra barata, a mão de
obra que transformou o ambiente brasileiro e que atualmente continua pre-
sente, mas um pouco esquecida [...]. Na minha prática do dia a dia, eu solicito
aos meus estudantes uma descrição sobre o assunto, cobro em prognóstico
de aprendizagem desse mesmo assunto exposto. Além disso, eu cobro como
avaliação uma produção plástica dentro do assunto em forma de pintura em
tela nos níveis de 1º ano, 2º ano e 3º ano do ensino médio. Para essa escola e
para as outras escolas de que eu participo, a minha metodologia é a mesma e
o meu conteúdo é o mesmo: a Lei n.º 10.639/03.

226
O grupo de discussão com os(as) estudantes
Participaram dessa dinâmica cinco estudantes do ensino médio, do 1º ao 3º
ano, e um estudante do ensino fundamental, 9º ano. O diálogo girou em torno do
conhecimento acerca de algumas personalidades negras retratadas em telas e murais
expostos na escola: Luiz Gama, Zumbi, Chica da Silva, João Cândido, o Almirante
Negro e Carolina de Jesus. Destes, Chica da Silva e Zumbi dos Palmares eram
os mais familiares aos(às) estudantes, que demonstraram conhecimentos sobre sua
história pessoal e sobre sua importância para a luta dos afrodescendentes no país.
Referindo-se a Zumbi dos Palmares, um estudante afirmou:

Bom, eu não sei se estou certo, mas ele fez com que vários outros escravos
que tinham tentado fugir escapassem de seus senhores. Ajudou a conquistar
sua liberdade através das lutas e junto com eles criou quilombos. Quilombo
dos Palmares, onde ele que reinava, ali ele era como um chefe de Estado. Ele
tentou várias façanhas históricas e com poucos homens dominou uma fazenda
que tinha bastante gente, e libertou os escravos que ali estavam. Então ele foi
uma pessoa de bastante luta na época dele [...].

Quando indagados sobre quem foi João Cândido, uma estudante fez algumas
considerações: “[...] Eu acho que ele possibilitou também acabar com esse tipo de tor-
tura... eles [líderes da marinha] os enganavam dizendo que teriam um trabalho melhor,
mas eles seriam tratados da mesma forma como eram tratados no campo, na senzala”.
Durante a conversa, alguns discentes relataram sobre a discriminação racial
existente na sociedade e na própria família. Nesse momento, ainda que de maneira
pouco clara diante da complexidade do debate sobre a questão racial, registraram
a sua opinião sobre a miscigenação e o racismo na sociedade brasileira e revelaram
saber da existência de tais processos.
O povo brasileiro não tem como falar: “eu não sou preto!” “eu não sou negro!”
“eu sou branco”, porque aqui é um país formado pela miscigenação. Aqui não
tem sangue puro. No caso, temos uma mistura de família. Então... tem que ter
essa consciência de que no seu sangue corre, sim, sangue índio, sangue negro,
correm vários tipos, entende? Na minha família mesmo existe. O meu bisavô e
meu tataravô eram negros e algumas outras pessoas “pegaram” essa descendência.
E existe preconceito dentro da própria família, mesmo sabendo que o pai, o avô
era negro. Nossa! Dentro da própria família existe esse negócio... (Estudante).

227
De modo geral, os(as) estudantes discutiram temas ligados às relações raciais
no Brasil, embora apresentassem alguma fragilidade do ponto de vista conceitual. Em
relação à África, demonstraram possuir menor conhecimento. As falas, em geral, divi-
diram-se entre as ideias negativas sobre o continente e o reconhecimento de que, nos
países e culturas africanas, existem elementos positivos, mas estes não são divulgados.
Apesar do conhecimento pouco aprofundado dos(das) estudantes sobre al-
guns aspectos da história e das culturas afro-brasileira e africana, não se pode dei-
xar de reconhecer a atuação do professor de Artes na difusão das questões da Lei
n.º 10.639/03 nesta escola. Contudo, se o trabalho pedagógico fosse realizado de
maneira mais articulada pelo coletivo de profissionais das diferentes áreas, os(as)
estudantes poderiam ter um aprendizado mais sistemático, aprofundando conceitos
e superando estereótipos.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
A diretora da escola fez questão de demonstrar, tanto na entrevista quanto
em outros momentos de conversa informal, seu cuidado em garantir um ambiente
escolar em que se respeite a diversidade étnico-racial e não se admitam práticas de
discriminação racial nas interações entre os estudantes. Segundo ela, existe na escola
uma preocupação em abordar a Lei n.º 10.639/03, especialmente, por meio do pro-
jeto desenvolvido: “A gente colocou esse assunto desde 2006 [...] dentro do PPP; a
gente acha que a escola tem que estar dentro de um contexto, que não pode haver
discriminação em nenhum sentido”.
Essa preocupação também é percebida no depoimento da coordenação peda-
gógica, sobretudo, no da profissional que atua no período da manhã. Ela participou
do curso de formação sobre história e culturas afro-brasileira e africana através do
programa A cor da cultura (Fundação Roberto Marinho), o que colaborou para a
inclusão da questão racial na escola, principalmente, por intermédio do projeto de-
senvolvido em 2006.

Formação continuada
Apesar do trabalho intensivo de alguns, o conjunto de professores(as)
entrevistados(as) afirmou que trabalha a questão racial de forma esporádica, dando
maior enfoque ao assunto nas semanas que antecedem a Semana da Consciência

228
Negra. Entre os(as) professores(as) que fizeram tal afirmação, boa parte disse não
ter participado de nenhuma formação específica sobre a temática, situação oposta
à dos(das) professores(as) que lideram ações contínuas nessa área ao longo do ano
letivo.

Algumas considerações
Apesar dos avanços percebidos no plano intersubjetivo (como a mudança de
comportamento dos(as) estudantes e sua afirmação identitária) e no plano conceitual
(como o início dos diálogos sobre a temática entre algumas disciplinas, por exem-
plo, História e Artes), alguns pontos tornam frágeis as atividades desenvolvidas na
Escola Estadual 20 na perspectiva da Lei n.º 10.639/03. Observa-se que, mesmo
com a inclusão da temática racial no PPP, a sustentabilidade do projeto atualmente
desenvolvido fica comprometida em virtude de problemas como a ausência de plane-
jamento coletivo das ações, a necessidade de maior aprofundamento teórico e a falta
de materiais didáticos.

229
Quadro 24 – Escola Estadual 20 - Campo Grande (MS)

1ª Di- Aparência da escola Estrutura física da escola


mensão:
Estrutura A escola não apresenta condições satis-
A fachada da escola é bem con-
física e fatórias:
servada, embora a infraestrutura
aparência ambiente interno muito simples e estrutu-
geral necessite de cuidados.
da escola ra física precária.

Características da
Tipo de trabalho e res- Motivações para rea-
gestão (direção e
ponsável/propositor lização do trabalho
coordenação)

2ª Dimen- Os professores em geral


são: A diretora e a coor- trabalham com a temática
Envolvi- A implementação da
denadora preocu- racial de forma esporádi-
mento da Lei foi motivada pela
pam-se em garantir ca às vésperas da Sema-
gestão e Feira de Ciências,
um ambiente que na da Consciência Negra.
do coletivo que é planejada a
respeite a diversida- Nesta escola, o professor
partir de abril de
de e suprima ações de Artes é o estimulador
cada ano.
discriminatórias. das práticas pedagógicas
na perspectiva da Lei.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


3ª Dimen-
são: O espaço da biblioteca encontra-
Formação -se desorganizado e subutili-
continuada Poucos professores já participaram de
zado. Os livros que tratam da
e material processos formativos relacionados à
questão racial ficam na sala da
de apoio temática, mas todos conhecem a Lei.
coordenação, sendo restrito o
acesso a eles.

Formação ética dos


Formação conceitual dos Principais dificulda-
estudantes (trato da
estudantes des no trabalho
diversidade)

4ª Dimen- Os estudantes
são: demonstram um Foi citada a ausên-
Avanços e posicionamento cia de planejamento
O conhecimento sobre as
limites do crítico em relação à coletivo das ações,
questões concernentes à
trabalho discriminação racial, além da falta de
história da África ainda é
embora expressem aprofundamento
muito superficial.
confusão de concei- teórico e de materiais
tos sobre as relações didáticos.
étnico-raciais.

230
Estado do Mato Grosso
Município de Colíder – Escola Estadual 21

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental e ensino médio
Número de estudantes: 723
Matutino: 215
Vespertino: 328
Noturno: 180
Ano de fundação: Foi criada pelo Decreto 2.147, publicado no Diário Ofi-
cial de 7/12/1982, sendo o ensino fundamental autorizado pela Resolução
193, de 5/11/2002.
IDEB observado: 4.9 (4ª série/5º ano) e 4.0 (8ª série/9º ano)

A Escola Estadual 21 está localizada na cidade de Colíder, Mato Grosso.


Criada no ano de 1982, com atendimento para o ensino fundamental, passou, em
2004, a contemplar também o ensino médio na modalidade seriada, visando su-
prir as necessidades dos moradores das comunidades vizinhas, que antes precisavam
deslocar-se até o centro da cidade para cursar o ensino médio regular ou a Educa-
ção de Jovens e Adultos.
Embora o prédio esteja em reforma, a Escola Estadual 21 é equipada com
materiais que lhe permitem desenvolver um bom trabalho pedagógico. Há na escola
uma sala de informática (PROINFO e GESAC), biblioteca/sala de leitura, sala de
vídeo e alguns equipamentos tecnológicos (como microscópio e projetor de ima-
gens) que possibilitam o desenvolvimento de aulas de melhor qualidade.
A biblioteca da escola tem um espaço razoável para estudo e conta com re-
ferências bibliográficas sobre a temática étnico-racial, como as obras Superando o
racismo na escola, do MEC, Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre, e A escravidão
no Brasil, de Jaime Pinsky, e livros de literatura (lendas e mitos africanos, por exem-
plo). Alguns desses materiais foram doados pelo MEC, e outros, comprados com
recursos da própria escola. De acordo com o bibliotecário, esses materiais saem da

231
biblioteca somente quando os(as) professores(as) estão trabalhando com a temática
em alguma sala, pois os poucos livros existentes são destinados aos docentes.
A recepção dos pesquisadores na escola se deu em meio a um clima de bas-
tante entusiasmo. Junto com as coordenadoras pedagógicas, a diretora apresentou
a equipe de pesquisa ao coletivo de professores(as). A princípio, alguns docentes
mostraram-se reticentes à participação nas entrevistas, mas, quando foram informa-
dos sobre a indicação feita pela diretora da escola, acabaram por concordar.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
O projeto desenvolvido na escola, na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, é cha-
mado de Kizomba Zumbi de Palmares. Seu objetivo é discutir e redescobrir o belo
na diversidade étnico-racial, cultural e social. Tendo como eixo o projeto Kizomba,
os(as) professores(as) elaboram subprojetos para ser desenvolvidos com os estudan-
tes e apresentados à comunidade no Dia Nacional da Consciência Negra. Em 2009,
foram elaborados os seguintes projetos: Mas nem tudo era açúcar...; Religião; Educan-
do pelo resgate literário e cultural afro-brasileiro; Resgate da cultura afrodescendente em
Mato Grosso (artesanato); Doenças relacionadas com afrodescendentes, em Mato Grosso;
Músicas, danças, artes e pinturas. Em geral, os projetos são desenvolvidos no terceiro
e no quarto bimestres.
Também nesse ano foi instituído no PPP da escola o projeto geral Resgate
da cultura afrodescendente em Mato Grosso, que abrange diferentes áreas do conhe-
cimento. Esse projeto demanda visitas às regiões de quilombos e às comunidades
remanescentes de quilombolas, além de materiais para pesquisa e registros, institui-
ção de pró-labore para palestrantes e realização de seminários. Na análise do PPP
da escola, constatou-se que a Lei aparece como suporte dos dois projetos, Kizomba
Zumbi e Resgate da cultura afrodescendente em Mato Grosso. No documento é descrito
ainda o cronograma de cada disciplina por ciclo no ensino fundamental e no ensino
médio. Mas em nenhuma das disciplinas é contemplado o ensino da História da
África e História dos Africanos no Brasil, conforme prevê a Lei.
Como cada professor elege um tema para trabalhar, alguns professores foram
convidados a falar sobre seus projetos. No momento em que se deu a pesquisa, o
docente de Literatura Brasileira trabalhava sobre a literatura silenciosa dos negros
no Brasil do século XIX e início do século XX e afirmou ter escolhido esse tema por
perceber certa escassez de material sobre ele.

232
[...] a gente percebe que muito se falou, muito se escreveu, mas, quando você
precisa, você vê que havia uma espécie de clareamento da raça [...] era uma
literatura para o negro, e não uma literatura do negro; o que nós estamos
tentando enfrentar é a Literatura do negro neste século, no século 19, que foi
explodir no século 20, mostrando que ele também é capaz, né? Ele é capaz de
produzir a sua literatura, embora eles não tivessem condições para isso.

Um dos professores autodeclarou-se negro e, sendo formado em Biologia,


elegeu as doenças relacionadas à população negra para estudar com suas turmas.
Ressalta que os(as) discentes têm se mostrado muito interessados e estão produ-
zindo um bom material sobre a temática. A respeito do projeto Kizomba Zumbi,
o professor assinala que, por meio dele, a instituição trouxe visibilidade à questão
racial no município.

Olha, eu vejo que é um assunto bastante importante para a comunidade es-


colar. No município nós temos praticamente cinco escolas estaduais, e a única
que trabalha nesse sentido é a Escola Estadual 21. [...] Em outros lugares
que a gente participa, encontramos pessoas que comentam a respeito desse
projeto, até porque, quando se trata de Zumbi, poucas pessoas o conheciam,
e a partir desse momento as pessoas começam a comentar mais, falar mais na
história do Zumbi. Então eu acho que era uma coisa que estava esquecida e,
devido à escola trabalhar com isso, passou a ser esclarecida, divulgada [...].

Perfil do(da) principal responsável pelo trabalho


Durante entrevista, a diretora destacou o papel exercido por sua formação
acadêmica tanto no seu reconhecimento identitário, quanto na compreensão do lu-
gar reservado ao negro na sociedade brasileira.

[...] Foi quando comecei a fazer universidade que eu vi o caminho certo [...].
Eu não sofri porque a universidade dava abertura para os negros e eles que-
riam, no caso, entrar na universidade; eles questionavam [...] muito isso. En-
tão ali eu comecei a ver os primeiros negros na universidade, na UNEMAT.
Então eu comecei a firmar ali e tinham os professores que davam apoio. [...]
eu sou uma autodidata, eu não paro de trabalhar, então, quando eu comecei

233
a estudar, a fazer muitos cursos na psicologia, na psicanálise, [na área] do
comportamento humano, daí foi quando eu vi que este preconceito ele deses-
trutura a pessoa, tira a autoestima [...].

A partir da formação na universidade e em cursos relativos à temática, ela


e uma outra docente elaboraram em 1998 o projeto Kizomba Zumbi de Palmares e
começaram a trabalhar com a questão racial nas disciplinas Artes, Ensino Religioso
e Filosofia. A diretora relata que, no início das atividades, e, inclusive, antes da im-
plementação da Lei, enfrentou muitas dificuldades, principalmente, em relação aos
seus colegas, que se negavam a falar sobre a questão racial. Contando apenas com
o apoio da colega citada, iniciou as atividades com a temática racial e o sincretismo
religioso na escola, o que gerou alguns constrangimentos: segundo ela, foi até cha-
mada de “macumbeira” por alguns profissionais. A diretora ressalta que o projeto
ganhou respaldo com a Lei n.º 10.639/03, e é por causa dele que a escola consegue
agregar a comunidade escolar e a comunidade externa.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Durante o grupo de discussão, questionados sobre aquilo que já haviam estu-
dado acerca do continente africano, os estudantes do noturno mencionaram temas
relacionados com a escravidão, a fome, a miséria e as doenças que acometem o con-
tinente. Alguns estudantes disseram não se recordar de todos os temas estudados, e
outros reportaram-se a fatos da vida de Zumbi dos Palmares. Sobre possíveis casos
de discriminação na escola, eles responderam que há muitos, mas não passam de
brincadeiras que não são levadas a sério pelos que sofrem esse tipo de tratamento.

[...] até os próprios escravos negociavam com os outros escravos, não existiam
só os brancos [...] era como se fosse um mercado de trabalho em que eles ne-
gociavam e renegociavam. Aquilo lá era mão de obra pra eles, matéria-prima
pra fazer o seu serviço, e aí eles colocavam aquele serviço mais perigoso, com
maior nível de periculosidade. [Os escravos] serviam como se fossem burros
de carga, eles faziam o serviço mais pesado e eles viviam lá, eles moravam lá, e
os filhos deles consequentemente passavam a vida naquele lugar; nas fazendas
eles eram explorados. Aí, comparado a atualmente [...] não tá igual era, esse
racismo, mas essa ideia foi bastante trabalhada nas escolas. Nos projetos da
escola a gente trabalha e tem uma ideia melhor de que [os negros] são pes-

234
soas como todos os outros. Então que nem aqui, nós temos o “Negrete” aqui
[referindo-se a um estudante negro] ó, e ele tá participando no meio da gente.

Em outros momentos da conversa, alguns discentes demonstraram ter cons-


ciência de como o racismo atinge os negros em nossa sociedade, principalmente, no
mercado de trabalho. Citaram o supermercado da cidade, que, até há algum tempo,
não admitia funcionários negros, além de algumas fazendas da região, que ainda
mantêm alguns trabalhadores em sistema de trabalho escravo.

Algumas considerações
O trabalho de campo na Escola Estadual 21 evidenciou a realização de prá-
ticas pedagógicas na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, as quais se concentram nos
últimos bimestres do ano. Apesar do evidente entusiasmo da equipe gestora da
escola e de vários(as) professores(as) que introduzem em suas atividades didáticas
discussões sobre a temática, ainda existe uma descontinuidade nos trabalhos, talvez
em função da ausência de um planejamento coletivo e da falta de processos forma-
tivos que impactem o coletivo de docentes.
Neste contexto de avanços e limites no trabalho produzido na Escola Es-
tadual 21, onde a comunidade do entorno e os diferentes setores dos movimentos
sociais se mobilizaram para participar das atividades realizadas, o diferencial obser-
vado na escola poderia favorecer o enraizamento e a sustentabilidade das práticas
desenvolvidas na perspectiva da lei; mas, para isso, seria necessária a articulação
dessas práticas com uma maior organicidade do corpo docente e da comunidade
escolar de um modo geral.

235
Quadro 25 – Escola Estadual 21 - Colíder (MT)

1ª Di- Aparência da escola Estrutura física da escola


mensão:
Estrutura
física e Boa estrutura física (em reforma)
aparên- A escola passava por reformas no
e boa variedade de equipamentos
cia da momento da pesquisa.
audiovisuais.
escola

Características da
Tipo de trabalho e res- Motivações para a
gestão (direção e coor-
ponsável/propositor realização do trabalho
denação)

2ª Di-
A temática é trabalha-
mensão:
da através do projeto O trabalho iniciou-se
Envolvi- A diretora tem for-
Kizomba Zumbi dos com o empenho pes-
mento da mação na temática e
Palmares e de subpro- soal da diretora e de
gestão e mostra empenho em
jetos elaborados pelos outra professora, que
do cole- implementar a Lei, mas
professores. Nota-se um propuseram projetos
tivo sofre resistências de
esforço pelo resgate da a partir de suas forma-
alguns professores.
cultura afrodescendente ções na temática.
em Mato Grosso.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


3ª Di-
mensão:
Forma- Segundo o bibliotecário, o material Os professores só participaram das
ção con- disponível sai da biblioteca somente formações internas; por falta de
tinuada e quando vai ser usado pelos professo- tempo, indisponibilidade de horário e
material res em sala. Há poucos materiais, e dificuldade de locomoção, não pude-
de apoio poucos são adequados à faixa etária ram participar dos cursos oferecidos
dos estudantes. pela SEED, SMED ou outras.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificuldades
estudantes (trato da
dos estudantes no trabalho
diversidade)

4ª Di-
mensão: As brincadeiras
Avanços racistas (apelidos) são
Não foi possível saber
e limites consideradas como
se a percepção do O conhecimento sobre a
do traba- algo natural. O traba-
racismo expressa pelos história da África ainda
lho lho é desenvolvido de
estudantes é fruto dos é superficial.
forma desarticulada
projetos.
com o Quadro geral
de professores.

236
Município de Cuiabá – Escola Estadual 22

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: fundamental e médio
Número de estudantes: 1.740
Matutino: 775 estudantes
Vespertino: 775 estudantes
Noturno: 412 estudantes
Ano de fundação: 5 de maio de 1987
IDEB observado: 3.1 (8ª série/9º ano)

Localizada em Morada da Serra, um bairro de classe média baixa da cidade de


Cuiabá, a Escola Estadual 22 encontra-se numa região favorecida por boas condições
de saneamento básico, segurança e atendimento médico. Fundada em 1987, a escola
passou, ao longo dos últimos anos, por diversas reformas: piso, pintura e construção de
novas salas. No entanto, vários(as) professores(as) reclamaram que o telhado continua
com problemas, apresentando duas ou três tesouras quebradas, motivo pelo qual a
Defesa Civil, chamada para fazer a vistoria da escola, condenou a cobertura do prédio.
A escola tem 16 salas de aula, que comportam em média 35 estudantes cada,
4 salas para as atividades administrativas (direção, secretaria, coordenação e sala de
professores) e uma biblioteca. Os banheiros destinados aos estudantes estão muito
depredados, alguns sanitários não têm portas, e as torneiras e chuveiros, em sua
maioria, encontram-se quebrados. Tanto nos banheiros, quanto em outros espaços
da escola, existem muitas pichações. Há ainda um pátio grande onde os estudantes
se reúnem durante os intervalos e uma quadra coberta onde transcorrem as ativida-
des físicas e os eventos na escola.
A biblioteca dispõe de alguns títulos que contemplam a temática étnico-racial,
como mitos e fábulas africanas, mas há apenas um exemplar de cada. Além desses,
há uma pequena variedade de livros de literatura. De acordo com a bibliotecária, os
livros não são emprestados por haver receio de que os estudantes os destruam. Ainda
segundo ela, raramente os livros do acervo são procurados pelos estudantes.

237
A instituição foi indicada para a pesquisa pela Secretaria de Educação do
Estado. Durante os contatos estabelecidos com a direção da escola, a gestora, em
particular, mostrou-se receptiva à pesquisa. Respondendo positivamente às várias
perguntas do questionário da primeira fase, expressou seu entusiasmo pela partici-
pação da escola na pesquisa. Entretanto, durante a primeira visita, foi possível per-
ceber que a comunidade escolar não havia sido informada da realização da pesquisa
e, talvez por isso, tenha se mostrado desconfiada da seriedade da investigação. A
própria coordenadora pedagógica da escola solicitou às pesquisadoras uma docu-
mentação que comprovasse seu pertencimento à equipe de investigação. Boa parte
dos(as) professores(as) esquivou-se, no primeiro momento, de participar da pesquisa
argumentando que as pesquisadoras deveriam conversar com os docentes que traba-
lhavam com o projeto Maculelê.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
De acordo com os relatos de professores(as) e gestores(as) da escola, o projeto
Trabalhando a diversidade de forma interdisciplinar, mais conhecido como projeto
Maculelê e desenvolvido no ano de 2008, foi elaborado para atender aos objetivos da
Formação continuada/Sala do professor. Nessa modalidade de formação, os(as) do-
centes se reúnem semanalmente para discutir temas do processo pedagógico. Com
o projeto Maculelê, eles(elas) visam promover uma discussão sobre os estereótipos
presentes em suas salas de aula e mobilizar os(as) estudantes para a leitura, seleção
e mobilização do acervo de literatura africana, a começar pelo livro intitulado Cabelo
ruim, de Neusa Santos. As atividades produzidas com base na leitura deste livro
são abordadas nas disciplinas Língua Portuguesa, Matemática, Educação Artística
e Língua Espanhola. As estratégias pedagógicas usadas no projeto consistem na
leitura de livros, elaboração de pesquisas na escola, criação de uma oficina de tranças
e na formação do grupo de dança Maculelê. As atividades do projeto foram inicial-
mente desenvolvidas apenas com os professores, tendo em vista a rejeição do traba-
lho por parte de alguns(mas) estudantes. No momento da observação em campo, o
trabalho da temática com os(as) discentes constituía ainda uma tentativa. “Na sala
de aula a gente tá tentando montar, mas os alunos falam que é coisa de preto. Eles
não têm muito interesse... assim... eles falam: ‘professora, isso aqui é coisa de preto,
de negros’. Eles não falam nem negro, eles falam preto... isso aqui é coisa de preto”.
Uma das professoras entrevistadas na Escola Estadual 22 é formada em Pe-
dagogia e especialista em Filosofia, e ministra aulas de Ensino Religioso. Segundo

238
ela, a incorporação da Lei n.º 10.639/03, em vários aspectos pedagógicos, ajudou a
melhorar o comportamento dos(as) estudantes e dos(das) professores(as) na escola.
Ela cita a mudança de comportamento que ocorreu com um professor negro:

[...] Tínhamos um colega, quando ele começou a trabalhar aqui, ele tinha
um cabelo bem afro, volumoso, e nossa! nós aceitamos ele, brincamos, enfim,
quando ele viu que estava num ambiente onde não havia discriminação, ele
depois cortou o cabelo. Primeiro ele fez trancinha – eu pedi para ele fazer
–, participou desse grupo de dança, tudo. Então, quer dizer, os estudantes (e
também a gente) têm uma aproximação solidária com todos. E isso não dá
essa brecha para dizer: “eu estou sendo discriminado”. Muito pelo contrário,
aqui nós aceitamos de braços abertos, sem discriminação, sem preconceito de
etnia, de raça, de sexualidade, enfim...

Cabe refletir que, mesmo quando a docente reporta-se àquilo que considera
uma atitude democrática e antirracista em relação aos colegas negros, o seu discurso
enfatiza o verbo “aceitar”. Indaga-se: por que o tipo de penteado “afro” adotado pelo
professor negro carecia de “aceitação”? Por que a mudança de penteado (tranças)
e o posterior corte do cabelo foram interpretados como uma resposta positiva do
professor negro ao possível “acolhimento” recebido no interior da escola? Por que a
relação corpo negro, estética e cabelo é ainda motivo de tensão no interior da escola
e da sociedade brasileira?
A mesma professora afirma que participou de um curso de formação especí-
fico sobre a Lei e que essa experiência abriu seus horizontes, dando-lhe segurança
para trabalhar com o tema da educação étnico-racial. Os demais docentes entrevis-
tados na escola, em sua maioria, declaram não ter participado de formação espe-
cífica alguma fornecida pela Secretaria Estadual de Educação. As professoras mais
envolvidas com a educação para as relações étnico-raciais demonstraram interesse
em adquirir mais conhecimentos sobre a África e os africanos, contribuindo, assim,
para a valorização do negro em nossa sociedade.
Uma outra professora entrevistada e que leciona no turno da tarde relatou a
importância da Lei n.º 10.639/03 e o modo como vem realizando o seu trabalho
na perspectiva das relações étnico-raciais para que os(as) estudantes aprendam a
respeitar as diferenças. Segundo ela, os(as) estudantes não devem ser discriminados
por serem negros, e uma vantagem de ser negro é que pessoas de pele escura têm
poucas probabilidades de sofrer doenças da pele (sic!).

239
Durante as conversas informais, nos intervalos das aulas, alguns estudantes
asseguraram que as relações na escola são tranquilas, e não há nenhum tipo de
tensão racial. O que há, segundo eles, são brincadeiras sem importância, que não
afetam em nada a autoestima dos que são “zoados”. Todavia, durante um dos inter-
valos, a equipe percebeu situações constrangedoras, como, por exemplo, quando uma
estudante encostou o dedo no cabelo de um professor negro e zombou: “Ai, ai, ai,
furei o dedo”! O professor não esboçou nenhuma reação que indicasse ter percebido
a atitude da estudante. Simplesmente continuou andando.

Perfil do(da) principal responsável pelo trabalho


A professora de Português, autodeclarada negra, com formação em Letras e
que, no momento da pesquisa, estava cursando, na UFMT, especialização em Re-
lações Raciais e Educação na Sociedade Brasileira, é considerada por todo o corpo
escolar como idealizadora do projeto Maculelê. Ela afirma encontrar dificuldades
para trabalhar com a temática na escola, pois não tem conseguido o apoio dos do-
centes efetivos, contando somente com a ajuda dos(as) professores(as) interinos(as).
Além disso, segundo ela, a coordenação pedagógica, que deveria orientá-la, trava o
desenvolvimento das atividades.

[...] Enquanto a diretora... tudo o que você fala ela acolhe. “Vamos fazer isso!”,
ela é a primeira a falar: “Vamos”. Porém, quando chega na parte da coorde-
nação, aí tem limites... acontecem sempre essas briguinhas internas, então [...]
Não sei se é porque elas têm muita atividade para fazer, tem muito aluno na
escola, nós não temos muito contato da coordenação nos orientando. É sem-
pre da parte da gente, é sempre a gente... Ao invés de a coordenação orientar
o nosso trabalho, é a gente que orienta o trabalho deles. E isso é uma das
principais limitações que a gente tem. Que essa questão da Lei mesmo [...].
Fica muito focado na gente. Se nós não fizermos nada, não acontece nada,
porque aqui não tem essa parte. [Ela] fica preocupada com a questão da disci-
plina, fica centrada na questão de entregar o diário, de entregar a nota em dia
e esquece a parte pedagógica. E esse é o fazer pedagógico. Eu acho que essa é
uma das principais limitações que tem do nosso trabalho. Então eu acho que
a gente perde muito por não ter esse fazer pedagógico da coordenação.

240
O projeto Maculelê, organizado por esta docente, junto com mais cinco pro-
fessores, surgiu em virtude de terem percebido que os estudantes negros, principal-
mente, as meninas, eram tratados com indiferença pelos colegas em razão de ques-
tões estéticas (o cabelo, por exemplo). O trabalho foi motivado pela preocupação
com a baixa autoestima desses estudantes e, sobretudo, pelos constantes casos de
discriminação no cotidiano dessa instituição escolar, não só por parte dos estudan-
tes, como, também, dos docentes.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Participaram do grupo três homens e três mulheres, sendo quatro autoclassi-
ficados como negros e dois classificados como brancos pela pesquisadora. O grupo
era composto de alunos da 6ª e 7ª séries e da sala de superação,1 e suas idades va-
riavam de doze a dezessete anos.
O grupo de discussão tematizou o projeto Maculelê e as atividades desenvol-
vidas na perspectiva da Lei e relatadas pelos(as) professores(as). Alguns estudantes
afirmaram não se recordar de ter estudado ou discutido alguns temas mencionados
por seus(suas) professores(as) nas entrevistas; apenas um deles comentou sobre a
atividade realizada pela professora de Português.
Os estudantes demonstraram nervosismo e certa timidez. Suas respostas fo-
ram curtas e evasivas. Mostraram-se mais loquazes quando indagados sobre a ques-
tão do preconceito e da discriminação. Disseram que há muitos casos na escola e
relataram o caso da aluna negra Luana, que andava muito receosa de não poder
dar continuidade a seus estudos, caso não conseguisse mudar para o turno da noite,
uma vez que era constantemente xingada de “apagão” pelos colegas. E, em sua visão,
não há uma postura das coordenadoras no sentido de coibir esses comportamentos
racistas entre os estudantes.

Já aconteceu, uma foi [na] semana passada... que o menino me xingou e eu


contei para a coordenadora. Ela perguntou quem foi, e eu falei, aí ela chamou
o guri e disse que queria a mãe dele aqui no outro dia, e a mãe dele só veio
aqui e foi embora; depois, nada aconteceu. (Estudante).

1 Nome dado à sala em que os(as) estudantes com dificuldades de aprendizagem participam de atividades
de reforço escolar.

241
A omissão por parte da coordenação e da gestão mostra que não há na es-
cola um trabalho que envolva o coletivo e contemple a educação para as relações
étnico-raciais. Aparentemente apenas alguns(mas) professores(as) trabalham temas
relacionados à Lei n.º 10.639/03 e, mesmo assim, pelas respostas dos estudantes, só
esporadicamente.
Os estudantes demonstraram não ter um conhecimento muito elaborado so-
bre a história ou a cultura dos países da África quando questionados sobre o que
gostariam de aprender a respeito desse continente.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
A diretora da escola é formada em História pela UFMT há dezoito anos,
atua como diretora há um ano e meio e se autodeclara branca. Na entrevista, ela
demonstrou não ter um conhecimento aprofundado das questões relativas à edu-
cação para as relações étnico-raciais, ao conteúdo da Lei, além de não estar muito
ciente das atividades executadas na escola no contexto do projeto. “Eu acho que...
eu acho não, tenho certeza que os professores são muito empenhados nesse desen-
volver dessas atividades, nas danças... que eles gostam muito daquele Maculelê, que
eles gostam”.
Durante a entrevista, a gestora afirmou que a Secretaria Estadual de Educação
não oferecia cursos para os(as) professores(as) sobre a temática da Lei. No entanto, foi
encontrado na sala dos(as) professores(as) um fôlder com vários cursos oferecidos pela
Secretaria, entre eles, um sobre história e cultura africanas. A diretora percebe atitudes
de preconceito e discriminação na escola, citando o caso do porteiro. Segundo ela, ele
é “perseguido” pelas coordenadoras pedagógicas por ser “bem negro”.

Ah! Pelo jeito que a pessoa trata [o porteiro], não trata um branco igual a ele,
é isso aí que tá muito me magoando. E até por parte de professores... Parece
até perseguição, não tem outro motivo a não ser pela cor dele. Quer ver? Você
dá uma sacadinha aí fora, inclusive, hoje ele está até com dor de cabeça e
amanhã ele não quer vir trabalhar mais.2

2 A declaração-denúncia da direção merece ser verificada, e uma solução deverá ser tomada com base nos
princípios legais. Se há o reconhecimento da existência do fato, compete, sobretudo, à gestão da escola
tomar as providências cabíveis. Nos limites da observação em campo, não foram encontrados elementos
que pudessem esclarecer tal situação.

242
Algumas considerações
As informações apresentadas pelos(as) professores(as) e gestoras e pelos estu-
dantes durante o grupo de discussão mostraram dissonâncias entre si. Ao passo que
alguns(mas) professores(as) e coordenadoras afirmaram que os conteúdos relaciona-
dos à educação para as relações étnico-raciais são inseridos nas aulas, outros alega-
ram que o projeto Maculelê ficou restrito e não repercutiu nas práticas dos docentes.
Por meio dos relatos de professores(as), verificou-se ainda que as práticas
pedagógicas relativas à Lei não envolvem toda a comunidade escolar nem têm de-
senvolvimento contínuo na escola, principalmente, por falta de apoio da coordena-
ção e da direção. A inclusão do projeto Maculelê no PPP, que poderia favorecer a
sustentabilidade do trabalho com a temática étnico-racial na escola, ainda não foi
totalmente assumida pela instituição, algo que dependeria não só da sensibilidade
ao tema, mas também do comprometimento efetivo da gestão escolar e dos docen-
tes. Ou seja, a equipe da pesquisa encontrou nessa escola um cenário bem menos
promissor do que aquele anunciado pela própria instituição durante os contatos
iniciais para a realização da observação em campo.

243
Quadro 26 – Escola Estadual 22 - Cuiabá (MT)

1ª Dimen- Aparência da escola Estrutura física da escola


são:
Estrutura O estado de conservação da A estrutura física do prédio já foi conde-
física e escola é precário, sobretudo, o nada pela Defesa Civil; é alvo constante
aparência dos banheiros e do telhado. Há de reclamações dos professores, sobretu-
da escola pichações em toda a escola. do, em relação ao telhado.

Características da
Tipo de trabalho e res- Motivações para a reali-
gestão (direção e
ponsável/propositor zação do trabalho
coordenação)

A temática é inserida
por meio do projeto Tra-
Nota-se a falta de
2ª Dimen- balhando a diversidade
conhecimento sobre
são: de forma interdisciplinar,
as atividades e
Envolvi- mais conhecido como A motivação da pro-
de apoio efetivo a
mento da projeto Maculelê. Esta fessora responsável
elas. Os estudantes
gestão e prática se restringiu pelo desenvolvimento
criticam a gestora
do coletivo ao ano de 2008, tendo da proposta parece ser
por sua ausência
como protagonista uma pessoal e identitária.
na escola e nas
professora que contava
decisões que lhe
com a participação de
competem.
um pequeno grupo de
profissionais.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


3ª Dimen-
são: Os livros de literatura contem-
Formação plam a temática africana, mas Apesar de a gestora dizer que a Secre-
continuada só há um exemplar de cada. taria de Educação não oferece cursos de
e material Não são emprestados por formação, foram encontrados folhetos de
de apoio causa do receio de que sejam divulgação de cursos na escola.
estragados.
Formação ética dos
Formação conceitual Principais dificuldades
estudantes (trato da
dos estudantes no trabalho
diversidade)

4ª Dimen- Observaram-se
são: formas de discrimi- Os estudantes eviden- Certas brincadeiras ra-
Avanços e nação racial veladas ciam que a forma como cistas (apelidos) são vis-
limites do e abertas, vindas foi realizado o trabalho tas como algo natural.
trabalho não somente de com a questão racial Falta apoio pedagógico
estudantes, mas não deixou marcas para levar adiante as
também de profes- expressivas. atividades.
sores.

244
Município de Nossa Senhora do Livramento – Escola Estadual 23

Localização da escola: rural (Quilombo Mata Cavalo)


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental, ensino médio e EJA
Número de estudantes: 125
Matutino: 56
Vespertino: 69, incluindo duas salas de aula do EJA
Ano de fundação: 2008
IDEB da escola: Não possui, porque tem apenas um ano de funcionamen-
to de forma independente. Anteriormente funcionava como sala anexa a outro
estabelecimento de ensino da rede estadual.

A Escola Estadual 23 está localizada no Quilombo Mata Cavalo, cujo ter-


ritório encontra-se dividido em seis comunidades: Comunidade Estiva (Ourinho);
Comunidade Mata Cavalo de Baixo; Comunidade Mata Cavalo do Meio; Comu-
nidade Aguaçu (Passagenzinha); Comunidade Mutuca e Comunidade Mata Cavalo
de Cima. A escola, que passou a funcionar de modo independente somente a partir
de 2008, recebeu o nome da matriarca que deu origem à maioria das famílias com-
ponentes da comunidade Mutuca.
A escola tem oito salas de aula, duas delas destinadas à EJA no período ves-
pertino. Fazem parte do prédio escolar uma sala de informática, dois banheiros, sala
do diretor (também utilizada pelo secretário) e cozinha. Embora esse prédio seja
relativamente novo, a estrutura escolar é insatisfatória, inacabada, com necessidades
de ampliação. A escola não tem espaço para refeitório, e é preciso realizar melhorias
nos banheiros e criar espaços destinados ao lazer, ao estudo e à leitura (uma sala de
leitura ou biblioteca) e às atividades esportivas.
Nas paredes e murais da escola, foi possível observar a existência de diversos
desenhos referentes à escravidão dos negros e produzidos pelos estudantes como
atividade orientada pelos(as) professores(as). Alguns cartazes apresentam pessoas
negras no ambiente da sala de informática (trazendo mensagens sobre o valor de
ser negro), outros abordam temas referentes ao 13 de Maio, e ainda outros fazem
referência ao Quilombo Mata Cavalo.

245
A escola ainda não conta com espaço específico para o funcionamento de
uma biblioteca; assim, o acervo é guardado em uma sala de aula onde existem dois
armários. Esse acervo é formado, basicamente, por livros didáticos e uns poucos
livros sobre a temática étnico-racial, a maioria deles, encaminhada pela Secretaria
Estadual de Educação.
As aulas na Escola Estadual 23 são bastante prejudicadas pela irregularidade
do transporte escolar, o que tem causado grandes transtornos aos estudantes, que
chegam a ficar até mais de três dias consecutivos sem aula. O diretor da escola in-
formou que suas reclamações à Secretaria Municipal de Educação não têm surtido
efeito, pois ela sempre se justifica com desculpas referentes a problemas mecânicos,
falta de combustível e questões burocráticas entre o estado e o município relaciona-
das aos valores a serem pagos para o transporte escolar. São questões sérias vividas
pelas escolas do campo e, especialmente, pelos quilombolas no Brasil.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
Por meio das observações e entrevistas realizadas na Escola Estadual 23,
verificou-se que todos(as) os(as) professores(as) possuem conhecimento da Lei n.º
10.639/03 e expressam a consciência de estar trabalhando numa comunidade qui-
lombola, em que as práticas pedagógicas precisam dialogar com este contexto. Essa
preocupação em tratar da questão racial pode ser vista, por exemplo, na entrevista
com a professora de Geografia.

O ano passado também, por ser professora de história, eu trabalhei com pro-
jetos..., resgatando a cultura de Mata Cavalo. Foi abordado desde a África,
como você falou agora, até o quilombo daqui. Teve a participação só do ensino
médio. O primeiro projeto, a primeira feira cultural [...] ficou com a parte da
África [...]. O segundo ano já ficou com outra temática, e o terceiro ano fina-
lizou com a agricultura daqui, a quantidade de famílias. E este ano também
eu já falei para o professor [diretor da escola] para ver se a gente consegue
envolver a escola inteira, desde o pré até o terceiro ano [ensino médio].

Ao ser indagada sobre os impactos dos trabalhos desenvolvidos na escola


abordando as relações étnico-raciais no Brasil, a professora afirmou:

246
Tem uma [mudança de] comportamento relacionada a esse assunto. Por
exemplo, tem uma aluna na 8ª, é... Eu não lembro como que foi o caso lá do
menino que... “Oh, morena bonita!”. [Ela retrucou] Morena não, meu filho,
negra bonita! Então se vê que tem mesmo orgulho.

Entretanto, as afirmações dos(as) próprios(as) professores(as) evidenciaram


que a especificidade da educação quilombola ainda não constitui centralidade no
processo educacional colocado em prática pelo coletivo de professores(as). Mesmo
havendo, por parte dos docentes, o reconhecimento da necessidade da abordagem
das especificidades dos quilombos e das questões relativas à africanidade, a ausência
de formação específica parece dificultar o desenvolvimento do trabalho com esses
aspectos. E a valorização do negro ainda permanece distante do cotidiano tanto da
escola quanto da comunidade.

[...] ao meu ver, aqui está precisando de muita coisa para a própria comunida-
de se aceitar. As próprias pessoas que moram aqui, elas mesmas, se restringem,
certo? [No] modo de pentear cabelo... [na] religiosidade, porque aqui tem a
religião protestante e tem o catolicismo. Aí o que predomina, pelo jeito, é a
protestante, e aquelas pessoas que são da umbanda são discriminadas mesmo
sem se conhecer como é essa religião ou essa religiosidade, não sei como pode
ser chamado. (Professora).

Uma das professoras do ensino fundamental também afirmou:

Comecei a trabalhar com as crianças mostrando para elas o valor da sua cor,
sua origem. Porque há alguns que têm a pele clara e não se consideram ne-
gros. Eu falo para eles o valor que tem o negro hoje em dia e que eles também
devem saber o seu valor. Comecei a trabalhar com eles fazendo pesquisa sobre
os negros [e pedi que fizessem] perguntas para as pessoas mais velhas que
vivem dentro do quilombo para saber melhor sobre os nossos antepassados.

A coordenadora da escola revelou que recentemente foram encaminhadas


pela Secretaria Estadual de Educação as primeiras orientações sobre a questão qui-
lombola para ser discutidas pelas escolas quilombolas estaduais.

247
Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho
De maneira geral, podem ser destacados alguns aspectos coletados na obser-
vação e nas entrevistas: as atividades pedagógicas voltadas para a implementação
da Lei n.º 10.639/03 são desenvolvidas de forma mais sistemática pela professora
de História, através de conteúdos como história do negro, conforme registro em
seu plano de aula. Não existe na escola um projeto que aborde as questões relativas
à educação para as relações étnico-raciais, apesar da orientação recebida pelos(as)
professores(as) para que se adotem conteúdos referentes à Lei e suas Diretrizes. As
atividades realizadas pela escola na perspectiva da valorização do negro e afirmação
identitária dos(das) estudantes quilombolas ficam restritas a trabalhos com pente-
ados afros, desfile de beleza negra e trabalhos artísticos (pinturas e outros). Não se
desenvolvem estudos coletivos mais elaborados que contribuam para o enfrenta-
mento da discriminação e para a afirmação da identidade negra.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Participaram seis estudantes, homens e mulheres, sendo três indicados pela
escola e três escolhidos pela equipe de pesquisa.
Identificaram-se falas que revelam que os estudantes têm consciência de sua
cor negra e da discriminação existente contra os negros na sociedade brasileira.
Eles falaram bastante sobre situações de negação da origem negra no quilombo
e atribuíram isso à proliferação de ideias racistas sobre a inferioridade do negro.

[...] meu marido é bem escuro. Mas só que eu acho que ele tem vergonha de
si mesmo porque é escuro. E eu não. Eu sou bem mais clara do que ele, eu
tenho orgulho dele, porque ele tem uma pele bonita, pele bem limpa, é assim
um moreno bem... Todo mundo fica cativando ele, porque ele é moreno escuro,
então isso fez ele se sentir orgulhoso por ser moreno. E eu também tenho
minha família que é bem negra. Sou descendente de escravos e de índios e
tenho orgulho de minha família; não tenho preconceito de ninguém que é
negro. (Grifo nosso).

Apesar das reflexões críticas sobre questões relativas às relações raciais na


sociedade brasileira, os estudantes demonstraram poucos conhecimentos sobre a
história dos afro-descendentes no Brasil. Pelo depoimento abaixo, nota-se que eles

248
desconhecem as histórias dos seus ancestrais e, em certa medida, as suas próprias:
“Eu também não sabia que existiam esses grupos, que sobrou só um grupo, que
passou a ser todos nós”.
Neste mesmo sentido, outra estudante afirma:

Minha avó sempre contava, sempre contava que, quando ela nasceu, que foi
terminada a guerra, não sei se foi começada a guerra do Brasil e do Paraguai
ou se foi terminada... que ela também é descendente de escravo, que a mãe
dela escondeu ela num buraco para não morrer, então ela conta muitas his-
tórias do negro, sobre bisavó, tataravô... então mais ou menos assim sobre o
negócio dos negros, assim que eu conto o que eu conheço.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
O diretor da escola foi indicado pela Secretaria Estadual de Educação de
Mato Grosso e havia assumido a gestão apenas dois meses antes da realização do
trabalho de campo. Ele se empenhou muito para que a pesquisa transcorresse bem
e recebeu a equipe com atenção e presteza. Mas, apesar da sua boa vontade em
contribuir, ele apresentou certo desconhecimento sobre a Lei n.º 10.639/03, mesmo
reconhecendo a especificidade cultural e étnico-racial do território em que se insere
a escola.

[...] em minha opinião, eu acho que [a Lei] deve estar inserida não só na es-
cola... aqui praticamente dos quilombolas, que é mais que uma obrigação. Mas
em todas as escolas brasileiras, porque a nossa raça em quase 90% ... é afro.
Então eu acho que é de grande importância a gente tomar esse conhecimen-
to [...] pelo que eu acompanhei e conversei, a coordenadora pedagógica dos
professores é que tem tido a preocupação desde o começo da escola, inclusive,
na sala dos professores, tem discutido isso [a Lei]. Agora, eu não posso dizer
como que está sendo essa implementação [da Lei n.º 10.639/03]. Eu só tenho
dois meses aqui, cuidando mais da burocracia do que da parte pedagógica,
mas eu acho que já tem um bom começo... é preciso melhorar bastante.

249
Em entrevista com a coordenadora pedagógica, notou-se que, pelo fato de
possuir conhecimentos específicos, ela orienta os(as) professores(as) a incluir, em
seus planejamentos, conteúdos referentes à educação para as relações étnico-raciais
(mais especificamente, história e culturas afro-brasileira e africana).

[...] Desde o começo a gente começou a se preocupar com esse tipo de tra-
balho. E esse ano, para focar ainda mais, para a gente capacitar os nossos
professores, começamos pela sala do professor e começamos fazendo material.
Os professores já participaram de um curso no ano passado vendo a necessi-
dade de trabalharmos essa questão dentro da escola. O que vimos, através dos
vários materiais que estávamos recebendo, é que estávamos expulsando nossos
estudantes da nossa comunidade. É um currículo voltado para a educação da
cidade. E a gente estava percebendo isso. Tanto é que os estudantes queriam
uma escola diferente. Então, vimos que os estudantes estão gostando da escola
rural e querem permanecer na nossa escola, porém com qualidade de vida.
Eles querem permanecer dentro do quilombo. A gente vê, em várias comuni-
dades, que não tem essa preocupação de que estão esvaziando os quilombos.

Algumas considerações
Ao mesmo tempo em que certas atividades pedagógicas observadas na escola
reforçam determinados estereótipos sobre a população negra no Brasil (como, por
exemplo, algumas ilustrações coladas nas paredes de uma das salas de aula dos anos
iniciais da educação básica, nas quais aparece um homem negro arrebentando as cor-
rentes no Dia 13 de Maio, simbolizando a Abolição), foi possível identificar outras
abordagens que fazem referência às lutas da população negra contra a escravidão e,
mais especificamente, à constituição dos quilombos no país. Durante a observação
em campo, percebeu-se a preocupação da coordenação da escola e dos docentes em
desenvolver um trabalho mais sistemático sobre a história e as culturas afro-brasileira
e africana, com destaque para a realidade quilombola vivida pela comunidade.
Em geral, os(as) professores(as) empenham-se em realizar práticas pedagógi-
cas na perspectiva da Lei. Como os depoimentos dos estudantes demonstram, existe
uma base social (a história oral da comunidade e, especialmente, dos mais idosos)
que dá condições para que os conteúdos da Lei se enraízem na comunidade escolar.
Nesse sentido, o trabalho pedagógico precisa ser consolidado, aproveitando esse ter-
reno promissor da comunidade quilombola onde a escola está inserida.

250
Quadro 27 – Escola Estadual 23 - Nossa Senhora do Livramento (MT)

Aparência da escola Estrutura física da escola

1ª Dimen-
são:
A escola apresenta, no seu espaço A infraestrutura da escola é bastante
Estrutura
físico, alguns desenhos referentes precária, e o prédio ainda está ina-
física e
à escravidão e ao 13 de Maio, uma cabado. Além disso, há o problema
aparência
forma de fazer referência ao quilom- do transporte escolar, que é bastante
da escola
bo e aos seus moradores. irregular.

Motivações para
Características da gestão Tipo de trabalho e res-
a realização do
(direção e coordenação) ponsável/propositor
trabalho

2ª Dimen-
são: Apesar de o diretor A temática é desen-
Envolvi- expressar boa vontade, volvida por meio de Foi motivado graças
mento da faltam-lhe informações trabalhos em sala ao reconhecimento
gestão e qualificadas. É a coor- de aula, como o da da especificidade
do coletivo denadora quem orienta professora de História, de uma comunida-
e incentiva os trabalhos, intitulado Resgatando de negra quilom-
promovendo a formação a cultura de Mata bola.
interna dos docentes. Cavalo.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


3ª Dimen-
A escola ainda não possui uma
são:
sala especial para a biblioteca, e os Notou-se a ausência de uma forma-
Formação
livros ficam guardados em armários ção continuada que contemplasse o
continuada
em uma sala de aula. Existem pou- conjunto de professores, sobretudo,
e material
cos livros sobre a temática, todos em relação à educação quilombola.
de apoio
encaminhados pela SEED.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificulda-
estudantes (trato da
dos estudantes des no trabalho
diversidade)

4ª Dimen- Argumentam sobre Não há um plane-


Os estudantes têm cons-
são: algumas das relações jamento coletivo de
ciência do racismo no
Avanços e raciais na sociedade um projeto sobre
Brasil e de sua identida-
limites do brasileira, mas pos- a temática, nem
de negra,
trabalho suem pouco conheci- material específico.
além de valorizarem a
mento sobre a África e Ocorre uma aborda-
ancestralidade.
suas contribuições ao gem tradicional do
Brasil. 13 de Maio.

251
Estado de Goiás
Município de Goiânia – Escola Estadual 24

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino regular e semestralidade – primeiros anos do ensino
médio
Número de estudantes: 794
Matutino: 468
Vespertino: 153
Noturno: 173
Ano de fundação: 1952
IDEB observado: 4.9 (4ª série/5º ano) e 3.4 (8ª série/9º ano)

A Escola Estadual 24 situa-se em um bairro de classe média baixa da cidade


de Goiânia. Em seu entorno, existem pequenos comércios, residências e um parque.
As ruas são asfaltadas e há serviço de coleta de lixo.
A escola tem dezoito salas de aulas, mas sua estrutura física deixa bastante
a desejar, pois não há um espaço destinado ao refeitório, nem espaços apropriados
para as atividades físicas e recreativas dos estudantes. O prédio necessita de am-
plas reformas: há muitas pichações nas paredes, principalmente, nos banheiros, que
também estão bastante precários. No que se refere à qualidade da estrutura física,
a exceção é uma ala construída há poucos anos e onde funcionam as salas de labo-
ratório para o ensino médio (matutino e noturno) e parte do ensino fundamental
no período vespertino. Nos cartazes expostos nas paredes e murais da escola, não
se observaram imagens ou informações referentes à diversidade étnico-racial ou a
algum tema correlato.
O espaço da biblioteca é pequeno, porém razoavelmente organizado. De
acordo com a bibliotecária, o acervo que trata da temática afro-brasileira é encami-
nhado pelo MEC, pois a escola e a Secretaria Estadual de Educação não investem
recursos na aquisição de livros sobre a temática. A bibliotecária afirmou ainda que o
uso desses livros é bastante restrito, já que não há nenhuma orientação sistemática

252
dos(as) professores(as) para a leitura ou o estudo destas obras. No geral, a biblioteca
parece ser pouco utilizada pelos(as) estudantes, e seus principais usuários são os(as)
estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental. Esses escolhem os livros con-
forme seus interesses, que raramente incluem os livros de literatura infanto-juvenil
de temática étnico-racial.
A comunidade escolar (diretor, coordenadoras e professores) recebeu a equipe
responsável pela pesquisa de forma bastante respeitosa, com exceção da coordenado-
ra-geral, que, no decorrer da pesquisa, mostrou-se irritada e insatisfeita com o foco do
trabalho. Ela havia sido encarregada pelo diretor de fornecer todas as informações so-
licitadas sobre a ação da escola no tocante à Lei n.º 10.639/03. Contudo, apresentava
visível incômodo com a presença das pesquisadoras. Reclamava muito das condições
de trabalho dos(as) professores(as) e das políticas educacionais, verbalizando que a
educação tem coisas muito sérias a resolver para, de fato, melhorar as instituições
escolares, o que, no seu entender, não inclui a implementação da Lei n.º 10.639/03.
Afirmava que os investimentos deveriam ser voltados para focos realmente impor-
tantes, tais como a valorização dos(das) professores(as) e a melhoria da estrutura das
escolas e da qualidade do ensino.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
Por meio de conversas estabelecidas com a coordenação e com alguns(mas)
professores(as), soube-se que a escola realizou, no ano de 2006, uma ação mais di-
reta com a temática racial, atividade premiada pela Secretaria Estadual de Educação.
Percebeu-se nos primeiros contatos com as coordenadoras a falta de conhecimento
sobre a Lei n.º 10.639/03. Quando o teor da Lei foi explicitado, elas indicaram
alguns(mas) professores(as) que trabalharam no projeto: a professora de História e
o professor de Artes.
Ficou evidenciado, através de conversas informais e das entrevistas com
os(as) professores(as), que a direção e a coordenação da escola não têm nenhu-
ma intencionalidade de incluir de forma sistemática nas práticas pedagógicas
dos docentes a Lei e suas Diretrizes, ficando a cargo dos(as) professores(as) mais
comprometidos(as) com a questão étnico-racial a realização de projetos voltados
para o tema. Embora os docentes admitam a falta de um esforço consistente para
a abordagem da temática de forma planejada e coletiva, eles consideram que isso
se deve mais a fatores internos, relativos à organização escolar, do que às suas
responsabilidades como docentes.

253
[...] no 8º ano, eu já trabalhei a questão da saída dos africanos e a exclusão
da ideia de que a África é um país. Porque a África é um continente. É a
primeira coisa para mostrar a diversidade da África, mostrar a maneira como
eles vieram pra cá. Então eu busquei [...] visualizar [a maneira como] os afri-
canos de diversas etnias e com suas diversidades vieram parar aqui. Então o
meu contato com essa questão África X Brasil já está sendo ministrado nas
minhas aulas [...].

Uma professora de História foi apontada como envolvida com a temática ra-
cial na escola. Essa abordagem parece ficar restrita às suas aulas de História e Artes.
Segundo o que se pôde saber, o conjunto da escola desenvolve mais atividades sobre
a temática étnico-racial e africana nas datas alusivas à questão, tais como o Dia 20
de Novembro.

[...] desde que estou na escola, há cinco anos, eu tenho buscado trabalhar a
questão da Lei. [...] o trabalho fica muito solitário, porque nos faltam momen-
tos para pensar esse trabalho pedagógico. Às vezes ele vai aparecer somente
em novembro no calendário escolar, que faz referência a essa data. Então esse
trabalho, que seria uma coisa permanente, ainda não está acontecendo exata-
mente por essas dificuldades que a gente encontra de pensar, elaborar práticas.

Durante as entrevistas com os(as) professores(as), não foi possível identificar,


de maneira explícita, as atividades realizadas abordando a temática étnico-racial
na escola, já que eles referiam-se a essas práticas apenas de forma vaga. E, como
se notou por suas falas, tais práticas são realizadas individualmente, sem nenhum
planejamento coletivo.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Para o grupo de discussão, foram convidados seis estudantes. Porém, um de-
les não trouxe o termo de consentimento assinado pela família. Sendo assim, o
trabalho foi realizado com cinco estudantes. Segundo autodeclaração de raça/cor
participaram uma estudante negra, dois pardos e duas brancas.
Os(as) participantes demonstraram muita timidez, tornando-se necessário
que, a todo momento, algumas informações fossem apresentadas para dinamizar

254
o diálogo. O ponto de partida para a conversa foi um trecho apresentando a Áfri-
ca como berço da humanidade e transcrito do livro didático adotado pela escola.
Os(as) estudantes ficaram bastante surpresos com as informações apresentadas, pois
não sabiam da probabilidade de serem descendentes de povos do continente africa-
no. De acordo com eles, tais informações deveriam ser mais divulgadas.

[...] que a gente veio dessa origem, [deveriam] falar mais sobre isso, porque
eu não sei... com certeza deve ter muito mais gente que não sabe sobre isso.
O brasileiro, ele tem bem mais origem... assim... ele é mais influenciado do
que a gente imaginava pela África, e a relação que eu acho que ele tem [com
a África] é de trabalho e esforço, porque o Brasil é um país que luta muito
pra acabar com a miséria.

Os(as) estudantes demonstraram ter consciência do preconceito contra o


negro na sociedade brasileira. Argumentaram que são contra o racismo e várias
vezes recorreram à igualdade como um valor, como forma de justificar sua posição.
Durante os depoimentos, rechaçaram veementemente os comportamentos racistas
existentes na sociedade, mas disseram acreditar que esse tipo de comportamento
é uma exceção. Pela conversa, foi possível perceber que, em geral, os estudantes
não possuem conhecimentos básicos sobre as culturas afro-brasileira e africana e a
história afro-brasileira. Em relação às contribuições culturais, apontam a capoeira
e a macumba como elementos culturais de contribuição negra. Quando indagados
sobre as influências negras na culinária brasileira, não souberam apontar nenhuma.
Entretanto, mencionaram que os(as) professores(as) de História e Artes trabalha-
vam a questão negra em sala de aula, confirmando o que foi recolhido nas entrevis-
tas com os docentes.
Na conversa sobre o continente africano, emitiram opiniões bastante negati-
vas, relacionando-o apenas com a miséria, a fome, as guerras e as doenças.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
Em entrevista, o diretor informou já ter participado de algumas reuniões or-
ganizadas pela Secretaria Estadual de Educação, nas quais haviam sido apresentadas
informações sobre a Lei n.º 10.639/03.

255
Há algum tempo atrás eu fiz um curso, a gente fala “projetão”, onde prepa-
ram a pessoa pra assumir a direção da escola. Depois, na formação mesmo
da Secretaria Metropolitana, que é a subsecretaria aqui de Goiânia, ela tem
essa preocupação de dar essa informação para equipe gestora: diretor, vice e
secretário. [...] agora essa formação também está sendo dada para os profes-
sores e coordenação e assim por diante. Em função do cargo, você precisa ler
também, aí você fica a par das próprias leis e da própria matriz na elaboração
delas; então, você tem que fazer um aparato das resoluções, das leis, então foi
assim que eu fiquei sabendo [sobre a Lei].

Embora reconheça que a Lei n.º 10.639/03 trata da questão racial e afirme
ter recebido informações a respeito dela, percebeu-se que o diretor não possui um
conhecimento mais aprofundado sobre a legislação. Ele se refere à importância da
Lei, mas suas afirmações indicam certo desconhecimento do papel da equipe ges-
tora na condução de um trabalho coletivo com a educação para as relações étnico-
-raciais.

Eu acho que ela [a Lei] dá um norte, direciona você a um objetivo a chegar. A


importância da Lei é justamente estar te direcionando. E os próprios PCNs já
falam sobre isso, e nós temos agora recentemente o caderno de habilidades e
competências do professor; esse caderno de habilidades eu não sei se é em ní-
vel de estado ou nível federal, ele já contempla essas questões, principalmente,
os PCNs; dá um suporte, e, quando foi implantada a 10. 639, nós até estive-
mos aqui falando sobre essa Lei; tivemos informação sobre a obrigatoriedade,
na disciplina mais específica, ela ia permear em determinadas áreas, como
História, Filosofia, Sociologia, Ensino Religioso e assim por diante.

A coordenadora pedagógica (coordenadora-geral) da escola também demons-


trou ter pouco conhecimento da Lei n.º 10.639/03 e nenhum envolvimento com
ela. Além do desconhecimento da temática racial, ela revelou uma nítida resistência
à sua implementação. Essa resistência, aparente na visível hostilidade às pesquisa-
doras, parece ter origem no pressuposto, tão frequente no imaginário social e entre
uma parcela considerável de professores(as) e equipes pedagógicas, de que todos são
iguais, e como iguais é que devem ser tratados na escola.

256
Eu nem sabia o número dessa Lei. Eu me inteirei mesmo foi agora, com a
pesquisa de vocês. Eu sei que existe porque eu... individualmente, eu mesma
penso que esse tanto de Lei não resolve o problema. Porque eu vejo o aluno
como ser humano, não por cor de pele. Somos todos criaturas de Deus, e eu
não vejo diferença. Não vejo por cor de pele, amarelo, pardo, negro. Esse ne-
gócio de Lei é só embromação!

Mais adiante, na entrevista, quando se indagou dela se teve alguma formação


na área, ela se confundiu e não respondeu à pergunta, apresentando sua opinião sobre
a temática. Na verdade, ela discorreu sobre a não existência de preconceito e racismo:

[...] como eu avalio essa Lei, essa temática. Agora... Depois... Porque eu leio
muito e tenho informação, e sei, sim, da dificuldade do negro mesmo da (?)
e que ainda... e, para te falar a verdade, eu vejo o preconceito muito mais no
negro do que quando decidiram entre (?) branco, porque não tem ninguém
da raça branca, aqui tudo é uma mistura, não existe ser puro aqui. E então,
o negro, branquinho mesmo não tem não. Então é assim, eu não tenho in-
formações da história em si, eu tenho vários... tenho um conhecimentozinho,
mas assim, não vejo necessidade para mim fazer um curso porque eu não vou
envolver nesse projeto, de ficar divulgando... De ficar trabalhando. Porque eu
acho que a gente deve divulgar é... a igualdade. Isso daqui é cor de pele, né?
E tem muito negro aí de alma branquíssima, e como tem aí branco que tem
alma que você nem enxerga.

Certamente o depoimento da coordenadora põe à mostra o seu despreparo


como membro de uma equipe gestora de escola e sua inaptidão para atuar em po-
líticas educacionais por meio do trabalho pedagógico, particularmente, tratando-se
da Lei n.º 10.639/03. Também indica sua dificuldade em aceitar a adesão a con-
teúdos e práticas pedagógicas que remetam à inclusão de sujeitos historicamente
excluídos e destituídos de direitos sociais, como os estudantes negros.

Algumas considerações
No intuito de identificar as práticas pedagógicas na perspectiva da Lei n.º
10.639/03 na Escola Estadual 24, a pesquisa deparou-se com algumas dificuldades.

257
Entre elas, merecem destaque a resistência, a desinformação e o desrespeito expressos
pela coordenadora pedagógica em relação à temática étnico-racial. No plano institu-
cional, encontrou-se menção aos conteúdos da Lei apenas nos planos da disciplina de
História: turmas do 7º e 8º anos do ensino fundamental e 1º ano do ensino médio.
Todos esses planos foram elaborados pela professora de História, uma das entrevista-
das e considerada por todos a referência no trabalho com a temática na escola.
Conforme os relatos dos(as) professores(as), as práticas pedagógicas desen-
volvidas na perspectiva da Lei que mais envolveram os estudantes e possivelmen-
te auxiliaram na mudança de comportamento são atividades relativas aos aspectos
culturais, como danças, teatros e filmes que tratam das questões negras. São pouco
sistematizadas, e a realização do trabalho se dá de forma esporádica e eventual, o
que acaba refletindo na postura dos próprios estudantes, que, ao menos durante o
grupo de discussão, não se mostraram inteirados do assunto.
Portanto, pode-se dizer que as práticas pedagógicas que vêm sendo realizadas
nesta instituição estão ainda distantes da perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e de suas
Diretrizes, pois dependem do empenho individual de alguns docentes e enfrentam
sérias resistências para se enraizar. O trabalho indicado como referência foi realiza-
do em 2006, e a partir de então as atividades se tornaram esporádicas. A observação
em campo revelou o despreparo e o desinteresse de uma parte dos profissionais
da escola no que se refere ao trabalho com a história e as culturas afro-brasileira e
africana. Destacam-se as opiniões estereotipadas e a pouca informação presentes na
atuação da coordenadora pedagógica.

258
Quadro 28 – Escola Estadual 24 - Goiânia (GO)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimen-
são: Há muitas pichações nas paredes,
Estrutura principalmente, nos banheiros,
física e A infraestrutura é muito precária, sem
também bastante precários. Não se
aparência espaço para refeitórios e para as ativi-
veem imagens referentes à diver-
da escola dades físicas e recreativas.
sidade étnico-racial nos cartazes
e murais.

Tipo de trabalho e
Características da gestão Motivações para a reali-
responsável/propo-
(direção e coordenação) zação do trabalho
sitor

2ª Dimen- O diretor possui pouco


são: conhecimento sobre A escola teve uma
Envolvi- a Lei. A coordenadora ação envolvendo
mento da Motivação pessoal e
pedagógica apresenta a temática das
gestão e ideológica de alguns
opiniões estereotipadas relações raciais em
do cole- professores, sobretudo,
e desinformação sobre 2006 e foi premiada
tivo o de História e o de
a questão étnico-racial. pela SEED. Esse
Artes.
Questionou, inclusive, a deve ter sido o moti-
importância da pesquisa vo da indicação.
realizada.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


3ª Dimen-
são:
Forma- O espaço da biblioteca é peque-
ção con- no, porém organizado. A escola A equipe não participa de cursos de
tinuada e raramente investe na aquisição de formação continuada na perspectiva
material títulos sobre a temática étnico-ra- da Lei. O diretor cita um curso de que
de apoio cial, os quais são poucos e pouco participou, mas fora do foco da Lei.
utilizados.

Formação ética dos estu-


Formação conceitual Principais dificuldades
dantes (trato da diversi-
dos estudantes no trabalho
dade)

4ª Dimen- Os estudantes têm Demonstram desin-


A coordenadora
são: consciência do precon- formação sobre a
da escola não tem
Avanços e ceito contra o negro história da África e
preparo pedagógico e
limites do na sociedade. Mostram da humanidade e
apresenta concepções
trabalho discordância sobre os sobre as culturas
pouco críticas sobre as
comportamentos racistas africana e afro-
questões educativas e
e acreditam que esse tipo -brasileira. Têm uma
pedagógicas em geral.
de comportamento é uma visão estereotipada
exceção. desses elementos.

259
Regional Sul

Paulo Vinicius Baptista da Silva


Débora Cristina de Araujo
Tânia Mara Pacífico

PR
Pitanga Colombo
Curitiba

Blumenau
SC
Ponte Alta

RS Porto Alegre
Estado de Santa Catarina
Município de Blumenau – Escola de Educação Básica Municipal 25

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental e EJA
Número de estudantes em 2008, segundo informação constante no PPP
(p. 17-18): 1.050 estudantes
Ensino fundamental: 1.010
EJA: 40
Tempo de existência: 75 anos
IDEB observado: 4.3 (4ª série/5º ano) e 4.3 (8ª série/9º ano)

A Escola de Educação Básica Municipal 25 localiza-se no município de


Blumenau. Embora a imagem marcante da cidade seja de influência germânica,
a presença de outros grupos étnicos e raciais é o que realmente se destaca no en-
torno e na própria escola pesquisada. Entre os(as) professores(as), não se verifica
essa diversidade, mas, entre os(as) demais funcionários(as) e principalmente entre as
crianças, as características fenotípicas indicam que a população blumenauense está
(ou sempre esteve) diferente do que se divulga por meios midiáticos. Apesar de não
haver muitas crianças pretas (de acordo com a classificação do IBGE), nota-se a
grande presença de pardas, fruto de influências africanas e indígenas.
A instituição estudada tem 75 anos de existência, mas o prédio atual tem
apenas 15 anos de utilização. A escola costuma ter matriculados(as) anualmente
cerca de 1.100 estudantes (segundo a diretora), mas, devido à catástrofe causada pe-
las fortes chuvas em 2008, houve um elevado índice de evasão e transferências para
outras escolas ou de migrações para outros municípios. Em 2009, ainda por causa
do estado de calamidade da região, houve atraso no início do ano letivo, já que as
instalações da escola serviram de abrigo para as famílias do bairro que aguardavam
novos alojamentos da Prefeitura.

262
O contato inicial foi feito com a diretora auxiliar da escola,1 que demonstrou
muito entusiasmo em receber os pesquisadores. Nesse contato inicial, ela deu indí-
cios, por meio de exemplos das atividades desenvolvidas, de que o artigo 26-A da
LDB (modificado pela Lei 10.639/03) estava em processo de implementação em
sua escola, o que a destacava entre as demais. A recepção da equipe na escola foi
muito boa por parte de todos(as) os(as) profissionais. Mesmo os(as) professores(as)
dos anos iniciais do ensino fundamental, que mantiveram pouco contato com a
equipe de pesquisa, foram muito receptivos(as) e mostraram ter conhecimento sobre
o que seria realizado na escola naquele período. Muitas crianças também sabiam,
pois, nas semanas anteriores, haviam produzido trabalhos relacionados ao tema, e
muitas delas abordaram a equipe de pesquisa.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
Como a escola esperava pela pesquisa, o professor indicado como referên-
cia, juntamente com outras professoras da escola, organizou um espaço específico
para reunir os trabalhos produzidos por estudantes. Todos os trabalhos estavam
localizados no piso superior, onde se concentram as salas de 5ª a 8ª séries, e eram
relacionados com a diversidade étnico-racial e o combate ao racismo. Além disto,
uma das professoras de Português desenvolveu atividades específicas discutindo gê-
nero, sobretudo, a representação da mulher na mídia. No local havia também dois
murais em construção, com desenhos iniciados por dois alunos retratando símbolos
do hip-hop.
Tais aspectos são indicativos de que este estabelecimento de ensino se dife-
rencia no trabalho que realiza com a Lei n.º 10.639/03: a abordagem nesta escola
não se restringe ao combate ao racismo, mas também propõe o enfrentamento de
outras formas de discriminação e exclusão social. Porém, três grandes elementos
ainda podem ser apontados como empecilhos para uma efetiva proposta de rompi-
mento com uma educação padronizada e excludente, conforme revelaram os depoi-
mentos e o grupo de discussão: 1) a ausência de engajamento de grande parte dos
profissionais da escola no trabalho desenvolvido pelo “grupo menor”; 2) a omissão,
nos documentos oficiais (principalmente no PPP) do modo como se dá a imple-
mentação da Lei n.º 10.639/03 e de outras temáticas correlacionadas a ela; 3) a
esparsa formação continuada no campo da educação para as relações étnico-raciais.

1 A diretora profissional estava afastada para tratamento de saúde na época da pesquisa de campo.

263
Perfil do(da) principal responsável pelo trabalho
O professor reconhecido como referência no trabalho com a Lei n.º 10.639/03
na escola ministra aulas de História e Ensino Religioso. Ele se demonstrou mui-
to engajado no combate a todas as formas de preconceito e, sempre que possível,
mostrava materiais à equipe ou lhe apresentava outros(as) profissionais da escola
empenhados em ajudá-lo no desenvolvimento dessas ações. Entretanto, o reconhe-
cimento da diversidade étnico-racial da região não parece ser suficiente para superar
as dificuldades internas em dar sustentabilidade às atividades desenvolvidas na esco-
la. Nas entrevistas e em várias conversas informais, a ênfase recaiu no trabalho desse
professor, demonstrando que a abordagem das Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08
(ao lado da história e cultura africanas, essa última abrange também a história e
cultura indígenas) ocorre quase que exclusivamente nas turmas em que ele atua e
nas de outras professoras engajadas. Ficou evidente, durante a visita, que a maioria
dos(das) professores(as) não exerce nenhum tipo de atuação direta em prol de prá-
ticas pedagógicas voltadas à educação para as relações étnico-raciais.
Para alguns dos(as) professores(as) entrevistados(as), essa restrição deve-se,
em parte, à escassez de formação adequada. Aqueles que se destacam no processo
de implementação da Lei na escola (o professor-referência e a diretora) e tam-
bém os que estão à frente do trabalho na Secretaria Municipal de Educação são
professores(as) que participaram do curso Educação e africanidades no Brasil, promo-
vido em âmbito nacional com recursos públicos do MEC/SECADI. Esses poucos
participantes acabaram se transformando em referência para o município e se tor-
nando responsáveis pelo trabalho com a temática na rede municipal.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Este grupo foi integrado por seis estudantes da 7ª e 8ª séries. Nos seus de-
poimentos, os(as) participantes, ao mesmo tempo em que demonstraram os impac-
tos das representações estereotipadas acerca da população negra em seus processos
formativos, indicaram a escola como lócus de transformação dessas representações.
Alguns afirmaram que há cerca de quatro anos eles vêm estudando o valor da cultu-
ra afro-brasileira. Os(as) estudantes reconhecem a imagem de predominância euro-
peia na composição do município e problematizam a visão eurocêntrica transmitida
sobre a região. Isso revela que têm consciência da influência de matrizes africana e
indígena em sua vida e na formação dos habitantes locais.

264
O papel da gestão da escola e/ou da coordenação
pedagógica
Durante todo o período de desenvolvimento da pesquisa, a diretora da escola
mostrou-se extremamente interessada e disponível para auxiliar a equipe. Tendo sido
uma das participantes do curso Educação e africanidades no Brasil, ela acabou tornando-
-se uma das referências na temática étnico-racial, tanto dentro quanto fora da escola.

Formação continuada
De acordo com as entrevistas realizadas, apenas dois membros da comuni-
dade escolar (professor-referência e diretora) participaram de curso de formação na
temática étnico-racial: o curso já referido. Este foi um dos principais motivos para
que os dois se tornassem as referências no trabalho com o tema.

Algumas considerações
Mesmo que, nesta escola, o trabalho com a Lei n.º 10.639/03 não envolva
todo o coletivo de profissionais e que, em seu PPP, não haja nenhuma menção à Lei
nem a quaisquer documentos referentes à educação para as relações étnico-raciais,
é possível afirmar que as ações da escola apresentam vários aspectos significativos.
As produções apresentadas nos cartazes colocados na escola, por exemplo, concre-
tizam os procedimentos e os fundamentos utilizados pelo grupo de professores(as),
tematizando o reconhecimento e a valorização das diferenças como elementos es-
senciais para uma sociedade multicultural. Portanto, destaca-se que, apesar de todas
as dificuldades enfrentadas pela escola, incluindo a insuficiência de apoio pedagógi-
co, alguns de seus professores desenvolvem ações compatíveis com os preceitos das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Além disso, a equipe de pesquisa pôde constatar que a presença da investi-
gação na escola e sua potencial repercussão nacional atuaram de forma positiva no
modo como a escola passou a encarar as práticas pedagógicas relacionadas à Lei n.º
10.639/03. Por diversas vezes, em conversas informais e entrevistas, deu-se ênfase às
alterações que ocorrerão nos documentos oficiais e à consciência de que a escola precisa
buscar uma formação mais adequada aos preceitos da Lei. Ao que tudo indica, os pro-
blemas constatados serão brevemente enfrentados para o alcance de um modelo educa-
cional mais condizente com as práticas pedagógicas voltadas às relações étnico-raciais.

265
Quadro 29 – Escola de Educação Básica Municipal 25- Blumenau (SC)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimen-
são:
Estrutura A escola se preparou para receber
A escola funciona em um CAIC, que
física e a equipe de pesquisa: havia nas
está em mau estado de conservação
aparência paredes vários cartazes fazendo
por não ter passado por nenhuma
da escola referência à diversidade étnico-
reforma nos últimos anos.
-racial.

Características da
Tipo de trabalho e Motivações para a realiza-
gestão (direção e
responsável/propositor ção do trabalho
coordenação)

2ª Dimen-
A diretora realizou
são:
o curso Educação
Envolvi-
e africanidades no Apesar de um con-
mento da
Brasil (MEC/SECA- junto de professores Reconhecimento da diver-
gestão e
DI), junto com o pro- abordar os aspectos sidade étnico-racial entre
do coletivo
fessor de História. referentes à Lei, o tra- os estudantes.
Apresenta abertura balho não é desenvol-
para a realização do vido pelo coletivo.
trabalho com a Lei
na escola.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


3ª Dimen-
são:
A biblioteca atual fica em um pe-
Formação Os responsáveis pelo trabalho na esco-
queno espaço da escola, ao con-
continuada la e no município participaram do curso
trário de tempos anteriores. Alguns
e material Educação e africanidades no Brasil
livros encontram-se estragados e
de apoio (MEC/SECADI). No entanto, não foram
existem alguns sobre a temática
registradas outras ações de formação.
étnico-racial.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificuldades no
estudantes (trato da
dos estudantes trabalho
diversidade)

A escola tem promo-


4ª Dimen- vido uma formação
são: Os estudantes
mais humanista. Os
Avanços e convivem com as
estudantes demons-
limites do diversidades e têm Um grave problema é o
traram uma aprendi-
trabalho respeito por elas, fato de a mídia enfatizar
zagem voltada para
encontrando-se or- a prevalência da cultura
a valorização das
ganizados em uma germânica na cidade.
diferenças e para uma
postura antidiscrimi-
ressignificação das
natória.
representações afro-
-brasileira e africana.

266
Município de Ponte Alta – Escola de Educação Básica 26

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental
Número de estudantes: 373 (14 turmas distribuídas em manhã/tarde)
Matutino: 8 turmas (de 1 ª a 8 ª série)
Vespertino: 6 turmas (de 1ª a 6ª série)
Ano de fundação: abril de 1986
IDEB observado (2009): 5.2 (4ª série/5º ano) e 3.8 (8ª série/9º ano)

A Escola de Educação Básica 26 foi escolhida para participar da pesquisa em


decorrência de sua premiação no prêmio CEERT em 2004. Localiza-se na área urbana
do município de Ponte Alta (SC) e atende muitos estudantes de localidades próximas,
como São Felipe, Serro Verde, Cerrado, Areial, Cafundó, Monjolinho, assentamento
Anita Garibaldi e reassentamento Nossa Senhora do Caravagio. Os 373 estudantes,
matriculados nos períodos da manhã e da tarde e distribuídos em 14 turmas no ano
de 2009, chegam até a escola, principalmente, por meio do transporte escolar público.
A infraestrutura da escola é muito boa, com vários espaços que podem ser
utilizados por professores(as) e estudantes. Não se observou nas paredes dos corre-
dores ou dos banheiros nenhum tipo de pichação, e, em alguns cartazes espalhados
pela escola, notou-se a representação iconográfica de crianças, homens e mulheres
negros(as) ao lado de pessoas de outros grupos étnico-raciais.
A biblioteca e o acervo bibliográfico da escola são muito reduzidos, e a maior
parte das prateleiras é usada para guardar os livros didáticos utilizados em anos
anteriores. Os livros de literaturas africana e afro-brasileira têm um espaço reserva-
do na biblioteca, e, segundo a professora que ocupa a função de bibliotecária (sem
formação específica em Biblioteconomia), são utilizados com maior frequência pela
professora de História, referência na implementação da Lei n.º 10.639/03.
Durante o primeiro contato dos pesquisadores com a escola, feito por telefone,
a assistente técnico-pedagógica da escola mostrou-se muito receptiva, mas acabou
apresentando dificuldades no envio de algumas informações importantes. Depois de
algumas tentativas, as informações foram obtidas, e o trabalho de campo foi agendado.

267
As práticas pedagógicas de trabalho com as relações
étnico-raciais
De acordo com a professora de História e Geografia, sua participação, em
2004, no prêmio CEERT com o projeto Resgate histórico-cultural da etnia negra:
conhecer e aprender sobre o diferente para saber respeitar, em parceria com a professora
de Educação Física (que mudou de escola), resultou na escolha do projeto entre
32 experiências inscritas. O projeto, segundo ela, foi motivado pela percepção da
prática, comum entre os estudantes, de atribuir uns aos outros apelidos de cunho
depreciativo e discriminatório. As atividades desenvolvidas durante o projeto envol-
veram: o estudo sobre racismo, discriminação, preconceito, violência, pessoas com
deficiência, sexualidade; a realização de atividades de integração entre os estudantes,
a exemplo de brincadeiras e danças para socialização do tema proposto; a leitura
de textos informativos, poemas, livros, jornais, revistas; a realização de pesquisa de
campo; a produção de cartazes, murais, paródias, danças, músicas, coreografias, brin-
cadeiras, jogos, vídeos e seminários. Foram utilizados os filmes A guerra de Hart e
Duelo de titãs, além da canção “Pensamento”, interpretada pelo grupo Cidade Negra.
Em 2009, a professora desenvolveu o projeto Identidade brasileira. As ações desen-
volvidas incluíram o aprofundamento de temas anteriores por meio do estudo e da
pesquisa sobre os seguintes assuntos: identidade e autoidentificação; resgate históri-
co e cultural das referências do passado; crenças, religiosidade e práticas populares;
expressões culturais e as diferentes visões de mundo; preconceitos, discriminação,
violência; políticas de inclusão social; história e cultura afro-brasileira; culinária e
música afro-brasileira; comportamento, ética e pluralidade cultural.
Apesar dos aspectos positivos dos projetos, como a continuidade das ativi-
dades e o envolvimento de alguns(mas) docentes e demais funcionários(as), per-
ceberam-se contradições internas que merecem ser explicitadas. De acordo com o
professor de Artes, foi produzida em 2009 uma peça teatral para ser apresentada na
noite cultural da escola. A atriz principal era uma estudante negra, e, segundo ele,
a reação da plateia diante do pertencimento étnico-racial da menina não foi boa.
Considerando o envolvimento desse docente no trabalho com a educação para as
relações étnico-raciais, sua conclusão sobre o incidente soa contraditória, pois, na
sua opinião, esse episódio poderia ter sido evitado se outra estudante tivesse de-
sempenhado o papel principal. Seria esta a melhor solução? Ou a situação aponta
a necessidade de um trabalho mais intenso no campo das relações étnico-raciais na
referida escola?

268
Perfil do(da) principal responsável pelo trabalho
A idealizadora e principal articuladora do projeto é a professora responsável
pelas disciplinas de História e Geografia nos anos finais do ensino fundamental. Ela
realizou um curso sobre a temática étnico-racial oferecido pela Secretaria da Edu-
cação de Santa Catarina, em parceria com a Universidade do Planalto Catarinense
(UNIPLAC), sendo a única docente na escola que possui formação específica na área.
Em suas disciplinas, a professora desenvolve vários trabalhos visando in-
vestir na construção da autoestima dos estudantes negros por meio do resgate da
história dos afrodescendentes no Brasil. Tal trabalho tem gerado a diminuição pro-
gressiva do uso de apelidos pejorativos e degradantes.

Logo que eu iniciei aqui, tinha essa questão da violência verbal, a questão dos
apelidos, apelidos maldosos; aí, conforme a gente foi trabalhando o projeto,
realmente foi diminuindo bastante. Agora ainda tem, não vou dizer que não
tem, ainda tem; mas é mais ameno e...e... [...] de uma forma mais não tão
maldosa, estão se inter-relacionando melhor.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


O grupo de discussão foi composto por sete estudantes, sendo quatro mu-
lheres e três homens. Do ponto de vista da autoclassificação racial, duas mulheres se
autoclassificaram como brancas e duas, como negras. Em relação aos homens, dois
se autoclassificaram como negros e um se considerou pardo.
Contradições foram percebidas também no diálogo com os(as) estudantes.
No intuito de dinamizar o debate no grupo de discussão, foi selecionado um acrós-
tico com a palavra “identidade”, trabalho solicitado aos estudantes pela professora
de História e Geografia. Também foi exibido um vídeo produzido pelo projeto A
cor da cultura e intitulado Corpo.
Os(as) participantes se mostraram bastante interessados, mas a discussão
foi monopolizada por uma aluna, que era muito desinibida por ter participado da
Conferência Nacional de Educação (CONAE) Municipal representando a escola.
Durante a conversa, foram levantados assuntos relacionados ao racismo, às religiões
de matriz africana, às cotas raciais e à estética negra, com enfoque no cabelo cres-
po. De forma geral, eles mostraram entendimento sobre a importância de respeitar
as religiões de matriz africana, mas afirmaram que em suas famílias ainda existe a

269
crença de que tais religiões cultuam o demônio. Um aluno se posicionou contra
as cotas, usando o mesmo argumento da professora responsável pela biblioteca: a
Constituição garante direitos iguais a todos. Por meio de seus depoimentos, deixa-
ram evidente que ainda relacionam os países africanos à pobreza, apesar de reco-
nhecerem que, se a Copa do Mundo de Futebol de 2010 será realizada na África do
Sul, o país tem estrutura econômica para sediá-la.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
A diretora da escola, de 46 anos, é formada em Pedagogia e cursou pós-gra-
duação em Gestão Escolar pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Durante as entrevistas realizadas, ela afirmou não existirem casos de racismo na
escola, o que a impedia de entender a razão pela qual a escola tinha sido selecionada
para a pesquisa, até porque o conteúdo referente à implementação da Lei 10.639/03
está inserido naturalmente nas diversas disciplinas. Durante as conversas iniciais, ela
demonstrou, inclusive, certo desconforto com a realização da investigação. “Nós não
temos casos de racismo, então, eu acho que o pessoal tá trabalhando de uma forma
natural e que [de fato] não tem se destacado a questão do racismo...”
Ao mesmo tempo, ela reconheceu que o corpo docente precisa aprofundar-se
mais nas questões referentes às relações étnico-raciais.

[...] A gente tem um conhecimento mais da questão da culinária [...]. Eu


tenho conhecimento na área em relação à cultura dos costumes que eles trou-
xeram para nosso povo e eu acho que é interessante. A gente gostaria de ter
um curso de capacitação com todos os professores da escola. Aprofundar com
relação a toda a história, a escola.

Algumas considerações
As contradições do discurso de professores(as) e estudantes, verificadas du-
rante as observações em campo e as entrevistas, guardam relação com as contradi-
ções presentes nos processos de formação continuada oferecidos aos profissionais
da educação. De acordo com as entrevistas, a única professora com formação para
trabalhar com a temática étnico-racial é a de História e Geografia, que está engaja-
da na implementação da Lei na escola.

270
Portanto, apesar do comprometimento pessoal da professora-referência da
escola em adotar práticas pedagógicas direcionadas à educação para as relações
étnico-raciais, percebe-se que o trabalho desenvolvido ali carece do envolvimento
coletivo do corpo docente. Uma das lacunas observadas refere-se à não inclusão da
temática no planejamento de todas as disciplinas, dificultando a sustentabilidade
das atividades e dos projetos desenvolvidos.

Quadro 30 – Escola de Educação Básica 26 - Ponte Alta (SC)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Di-
mensão:
Estrutura A escola apresenta-se extrema-
física e mente limpa e conservada. Não
A infraestrutura da escola é muito boa;
aparên- se veem pichações nos banheiros
conta com vários espaços possíveis para
cia da nem nas paredes. Os cartazes
utilização.
escola expostos nas paredes refletem a
diversidade interna.

Tipo de trabalho e
Características da gestão Motivações para a reali-
responsável/pro-
(direção e coordenação) zação do trabalho
positor

2ª Di-
mensão: O trabalho com a temá-
Como não percebe casos
Envolvi- tica étnico-racial foi moti-
de racismo na escola e
mento da Os trabalhos são vado pela percepção de
acredita que a temática
gestão restritos a algu- práticas discriminatórias
da Lei está inserida em
e do mas disciplinas, entre os estudantes, e,
todas as disciplinas de
coletivo e um deles é o embora esteja centrali-
forma natural, a diretora
projeto Identidade zado em duas docentes
demonstrou estranheza
brasileira. apenas, esse trabalho
diante da escolha da
recebeu a premiação do
escola.
CEERT.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


3ª Di-
mensão:
Forma- O espaço é reduzido, e boa parte
ção con- Apenas uma professora realizou um cur-
das prateleiras é usada para livros
tinuada e so de formação continuada na temática,
didáticos. Os livros de literaturas
material oferecido pela SEED Santa Catarina e
africana e afro-brasileira têm um
de apoio pela UNIPLAC.
espaço reservado na biblioteca.

271
Formação ética dos estu- Formação concei-
Principais dificuldades no
dantes (trato da diversi- tual dos estudan-
trabalho
dade) tes

O projeto e as interven-
4ª Di- ções realizadas pelas Os estudantes
mensão: disciplinas geram a sensi- denotam pouco
O trabalho restringe-
Avanços bilização dos estudantes conhecimento da
-se a duas professoras,
e limites à discriminação e à diver- história da África
e a abordagem sobre
do traba- sidade. Ao mesmo tempo, e expressam es-
as questões colocadas
lho os estudantes mostram tereótipos sobre o
pela Lei n.º 10.639/03 é
comportamentos contra- continente africa-
superficial.
ditórios em relação à pre- no, associando-o
sença de colegas negros à pobreza.
em lugares de evidência
(o caso do teatro).

Estado do Paraná
Município de Colombo – Colégio Estadual 27

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensinos fundamental, médio e profissionalizante
Número de estudantes: 2.020
Matutino: 743
Vespertino: 722
Noturno: 555
Ano de fundação: 1981
IDEB observado (2009): 4.4 (8ª série/9º ano)

O Colégio Estadual 27 está localizado em um dos bairros mais populosos


da cidade de Colombo (PR), às margens da Rodovia BR-476, que liga Curitiba a
Bocaiuva do Sul e a vários bairros importantes da cidade. A cidade de Colombo
tem uma forte tradição de imigração italiana, embora o bairro mencionado eviden-
cie que esse elemento não predomina atualmente, em razão dos grupos migratórios

272
que aportaram na cidade (principalmente, a partir da década de 1980), vindos do
interior do Paraná, onde a população negra é representativa.
O colégio atende 2.020 estudantes distribuídos nos níveis fundamental, médio
e profissionalizante. O espaço físico da escola é diversificado. Possui várias instalações,
que, no entanto, deixam a desejar quanto às dimensões. O laboratório de ciências, por
exemplo, foi adaptado para receber duas salas do último ano do ensino fundamental, e
a biblioteca não comporta o acervo, que tampouco está em condições de ser acessado.
De um modo geral, o prédio do colégio é bem conservado, pois passou por uma pintura
recentemente, e todos os espaços parecem novos, embora a construção seja antiga. A
pintura, feita no início da nova gestão da escola, alterou sua fachada externa, mas alguns
aspectos ainda evidenciam a necessidade de melhores condições estruturais.
Desde o contato inicial dos pesquisadores com membros da equipe gestora
(coordenadora pedagógica e diretor auxiliar), observou-se sua boa receptividade à
pesquisa. O diretor, quando do contato pessoal, também se mostrou muito acessível.
Como sua atuação é muito intensa, a entrevista só pôde ser realizada no período do
almoço, quando ele conseguiu parar por um tempo e responder às perguntas.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
As conversas informais com os(as) professores(as) denotaram que o trabalho
desenvolvido na escola na perspectiva da Lei e de suas Diretrizes começou em 2005,
no contexto do projeto Semana da diversidade. A motivação inicial para o trabalho
foi um projeto proposto por um babalorixá que possui um terreiro de candomblé
próximo à escola. Em razão dos resultados positivos do trabalho inicial, vários(as)
professores(as) se envolveram com as atividades, dentro e fora das salas de aula,
tendo como referência os trabalhos realizados por três professores e uma pedagoga.
Apesar da percepção de alguns problemas de relacionamento entre membros das
equipes docente e administrativa, o diretor da escola ressaltou que o trabalho coletivo
tem possibilitado a sensibilização à temática da Lei e a continuidade das atividades liga-
das a ela. Dois outros professores entrevistados reiteraram as informações apresentadas
pelo diretor de que o trabalho com as relações étnico-raciais se dá de forma intensa na
escola, indo muito além de eventos pontuais, como feiras culturais e apresentações.
Também foi destacado pela maioria dos entrevistados que não há na escola
documentação sobre o projeto realizado, e muito do que vem sendo feito ainda não
está organizado na forma de um registro sistemático das ações. O projeto Semana

273
da diversidade não possui histórico de seu desenvolvimento ou dos resultados alcan-
çados. Muitos entrevistados salientaram que a pesquisa alertou-os para a importân-
cia de documentar, sistematizar e organizar essa e outras práticas.
Mesmo que tal sistematização ainda não esteja a contento, durante a obser-
vação em campo, a direção e o coletivo de professores cederam à equipe da pesquisa
uma série de fotografias e vídeos (ainda que dispersos) que podem ser considerados
como registro das atividades pedagógicas realizadas pela escola na perspectiva da
Lei n.º 10.639/03. Tais atividades incluem: a) a formação de um dos docentes em
capoeira por meio do programa Viva a escola, promovido pela Secretaria Estadual
de Educação do Paraná; b) o trabalho realizado pelos(as) estudantes durante a feira
de ciências e intitulado A África não está na mídia; c) a pesquisa feita, em 2006,
pelas turmas do primeiro ano do ensino médio sobre candomblé e umbanda, cul-
minando em um evento no mês de novembro; d) a unidade temática sobre a Lei
n.º 10.639/03, no documento que representa a parte teórica da análise desenvolvida
pelo professor considerado como a referência principal no trabalho com a Lei e que
participou do curso PDE-PR; e) o grupo de estudos formado por este professor
e denominado Grupo de Apoio à Implementação do Projeto PDE – a Lei n.º
10.639/03 e o combate ao racismo no espaço escolar; f ) o jornal da escola, que ex-
põe e discute temas relevantes à instituição, incluindo as relações raciais; g) os even-
tos realizados na Semana da diversidade, com registros fotográfico e videográfico.

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


O professor reconhecido na escola como referência primordial na condução das
atividades inerentes à educação para as relações étnico-raciais concedeu uma interes-
sante entrevista. Relatou o desenvolvimento das atividades desde 2005, o que trans-
formou a escola em referência no Estado, e suas tentativas e dificuldades de realizar
um mapeamento do perfil etnicorracial do município de Colombo. No ano de 2006,
o professor conseguiu fazer o mapeamento apenas na escola e não pôde dar conti-
nuidade a ele no município. Durante a conversa, descreveu as ações desenvolvidas na
escola por meio de um grupo multidisciplinar que vem crescendo a cada dia, além das
formas utilizadas no enfrentamento a casos de racismo ocorridos na instituição.
O professor-referência é responsável pela condução do grupo de estudos sobre a
temática étnico-racial criado por ele na escola e que se propõe a desenvolver um traba-
lho articulado com o grupo de estudos proposto pela SEE do Paraná. Por meio do gru-
po de estudos, a equipe da escola tem conseguido aglutinar mais pessoas em torno dos
estudos e debates, mediante a leitura de textos atuais sobre as relações raciais no Brasil.

274
O grupo de discussão com os(as) estudantes
Após as desistências de alguns convidados para participar da dinâmica, for-
mou-se um grupo de oito estudantes do ensino médio, alguns indicados pela equipe
pedagógica e outros escolhidos pelos próprios pesquisadores. Deste grupo, seis eram
mulheres e dois eram homens. Por meio da heteroclassificação racial feita pelos pes-
quisadores, os integrantes foram classificados como pretos, pardos e brancos.
A explicitação do ponto de vista dos(as) estudantes sobre as atividades de-
senvolvidas na escola refletiu os impactos desses projetos em sua subjetividade e na
ampliação de seus conhecimentos sobre a história da África e dos afro-brasileiros
no Brasil. As abordagens mostraram que a discussão a respeito das ações afirmativas
e cotas raciais é restrita, e isso acaba reforçando o discurso do mérito e das políticas
universalistas. Um aspecto a ser destacado foi a participação, a pedido da coorde-
nadora pedagógica, de uma estudante identificada pelo grupo como racista. Feito o
convite, ela aceitou com prontidão e foi uma das primeiras a devolver o documento
de autorização assinado pela mãe. Perguntou ainda se não havia mais vagas, pois
uma amiga gostaria de participar.
O ponto de partida para a conversa do grupo de discussão foi o vídeo do
projeto A cor da cultura, que tratava da representação da África no currículo escolar.
Finda a exibição do vídeo, a estudante que havia sido identificada como racista
problematizou seu comportamento, fazendo com que outro menino também se ex-
pusesse. Ambos afirmaram que estão deixando de ser racistas e que a escola tem
contribuído muito para isso. A estudante ressaltou, entretanto, que o excesso de
abordagem sobre a valorização da cultura afro-brasileira acaba por reforçar estig-
mas, pois relega os componentes da população negra a “coitadinhos”. Sua tese é que,
independentemente das marcas que a sociedade impõe aos indivíduos, seja por sua
cor, seja por uma deficiência, eles têm condições de superá-las.
Do restante do grupo, duas integrantes de um jornal da escola que divulga
fatos relevantes ocorridos na instituição foram as que mais participaram. Foram elas
que deram o tom crítico ao debate, sempre buscando discutir exemplos dos traba-
lhos desenvolvidos na escola e das relações sociais em que o racismo é operante.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação


pedagógica
O diretor do colégio tem 42 anos, formação em História e Filosofia e espe-
cialização em Filosofia Clínica. Ele se autoclassificou como branco e demonstrou

275
ter uma atuação bastante ativa nas atividades escolares relacionadas à educação para
as relações étnico-raciais e nas demais atividades. Apresentou uma visão muito crí-
tica acerca do que é desenvolvido em sua escola e procurou ressaltar que, apesar das
inúmeras dificuldades, o grupo está conseguindo conquistas significativas.

Eu, eu sou bastante transparente em dizer o seguinte: tudo isso que falam,
se pintarem de cor-de-rosa, não é verdade. Nós temos problemas, nós temos
desencontros, nós temos professores que estão no debate, assim... se desco-
brindo. Mas pra mim isso tudo é gratificante, pra mim, enquanto gestor. Ver
que na tua escola tem pessoas que de fato estão se despertando dentro dessa
discussão... não por força de Lei, mas por força de um grupo, que apoiava uma
Lei, apoiava toda a discussão da própria cultura negra e vem fazer esse debate
dentro da escola. Me sinto honrado por ter esse grupo, e, respondendo à sua
pergunta, eu acho que é através da existência desse grupo, e pela existência de
parceiros que sabem da discussão, que a gente foi escolhido. Eu quero acredi-
tar nisso, porque, se não foi por isso, eu acho que não vai fazer muito sentido
essa nossa conversa aqui.

A direção da escola destaca-se, sobretudo, na forma como compreende a educa-


ção para as relações étnico-raciais e proporciona espaço para que sejam desenvolvidos
trabalhos específicos, como projetos, feiras e seminários voltados à valorização da his-
tória e das culturas afro-brasileira e africana. A equipe pedagógica, embora de modo
menos expressivo, é consciente da necessidade da Lei e apoia as ações desenvolvidas.
Os profissionais engajados na implementação da Lei n.º 10.639/03 também
atuam em outras ações da escola (cursinho pré-vestibular e jornal da escola, por
exemplo), tendo em vista a melhoria da qualidade do ensino. O sucesso dessa ex-
periência deve-se, certamente, aos(às) professores(as) compromissados(as) com a
formação de estudantes críticos e conscientes da realidade em que vivem, convictos
de que essa realidade pode ser alterada mediante uma formação para a cidadania.

Formação continuada
Conforme o relato de alguns(mas) professores(as), a participação no proces-
so formativo oferecido pela Secretaria Estadual de Educação do Paraná tem sido
fundamental para o embasamento das atividades realizadas. A formação se dá sob
a forma de grupos de estudos aos sábados, com ampla adesão dos docentes. E a

276
base adquirida durante o processo de formação parece suprir, de certa maneira, as
deficiências da biblioteca escolar em relação aos títulos voltados para as relações
étnico-raciais. Além de defasados, alguns livros apresentam imagens e reflexões dis-
criminatórias e estigmatizantes.

Algumas considerações
A pesquisa confirmou as indicações informais, dadas por professores(as) da
rede estadual e do sindicato, por exemplo, e formais (NEAB-UFPR e SEED) de
que o Colégio Estadual 27 tem se destacado entre as escolas estaduais do Paraná na
implementação da Lei n.º 10.639/03. A forma como o trabalho vem sendo encami-
nhado demonstra que, embora haja ainda problemas (principalmente, relacionados à
resistência de profissionais da escola), o grupo que está à frente das atividades vem
conseguindo, ano a ano, agregar mais pessoas, inclusive, de outros setores, como
funcionários de serviços gerais e profissionais administrativos.
A relação mantida com entidades de religião de matriz africana do entorno
da escola é de proximidade e apoio, de forma que a escola atua na ressignificação de
representações negativas e depreciativas, possibilitando a seus estudantes conhecer a
diversidade étnica e religiosa do município e reconhecer novos patrimônios cultu-
rais de procedência africana e afro-brasileira. Por ser referência, o colégio mantém
uma proximidade também com profissionais da Secretaria Estadual da Educação e
do Núcleo Regional de Educação, que atuam no trabalho de implementação da Lei
n.º 10.639/03, e isso intensifica e legitima as ações em desenvolvimento na escola.
A atuação da escola vai além da Lei n.º 10.639/03, incluindo a Lei n.º
11.645/08, que passa a substituir a primeira incluindo em seu objeto a questão in-
dígena. De forma menos intensa, segundo o diretor, o trabalho de valorização e res-
significação dessa cultura vem acontecendo, inclusive, por meio de visitas a aldeias
da região e apresentações de grupos indígenas em eventos da escola.
Embora o PPP ainda não contemple de forma efetiva e de maneira total-
mente condizente os preceitos das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana, a observação de campo e os dados obtidos indicam que, com o processo
de reformulação desse documento da escola, tais preceitos serão incluídos de modo
adequado, aproximando a prática da teoria. A reformulação do PPP e a inclusão
efetiva da temática étnico-racial no documento poderão favorecer a sustentabilidade
das práticas já desenvolvidas na escola.

277
Quadro 31 – Colégio Estadual 27 - Colombo (PR)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Di-
mensão:
Estrutu- A pintura recente da fachada da escola
ra física alterou a representação corrente do esta- Alguns espaços evidenciam a ne-
e belecimento, anteriormente, marcado por cessidade de melhores condições
aparên- muitas pichações. Os poucos cartazes estruturais, como o laboratório de
cia da expostos evidenciam sobretudo pessoas ciências.
escola brancas, e nota-se a presença de grafites
na escola.

Características da ges-
Tipo de trabalho e res- Motivações para a
tão (direção e coorde-
ponsável/propositor realização do trabalho
2ª Di- nação)
mensão:
Envol- O trabalho começou em
vimento 2005 e aos poucos se
A atuação do diretor Iniciou-se com a
da ges- transformou em várias
na escola é intensa, proposição de um
tão e atividades dentro da
por isso houve certas projeto apresentado
do cole- escola, tendo como
dificuldades em realizar pelo babalorixá da
tivo referência o trabalho de
a entrevista. comunidade.
três professores e uma
pedagoga.

3ª Di- Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


mensão:
For-
mação A SEED do Paraná oferece várias
A organização prejudica a localização
continu- atividades de formação em serviço
dos livros voltados à temática étnico-
ada e para os professores, mediante gru-
-racial. Há coleções antigas e com re-
material pos de estudos temáticos ocorridos
presentações bastante estereotipadas.
de apoio aos sábados.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificulda-
estudantes (trato da
dos estudantes des no trabalho
diversidade)

A realização das ativida-


A equipe tem um
4ª Di- des voltadas à educação
bom envolvimento no
mensão: para as relações étnico- Observou-se entre os
trabalho com a temá-
Avanços -raciais provoca mudan- estudantes pouca dis-
tica, porém, verifica-
e limites ça nas posturas racistas cussão sobre a questão
-se a naturalização
do tra- de alguns estudantes. das ações afirmativas
de algumas ofensas
balho Um cuidado recomen- e cotas raciais, o que
raciais. Também
dado por uma estudante acaba por reforçar o
existem tensões e
diz respeito à ênfase na discurso do mérito e das
discordâncias com o
discussão, o que pode políticas universalistas.
trabalho na equipe
acabar reforçando visões
escolar.
do negro como coitado.

278
Município de Curitiba – Escola Municipal 28

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensino fundamental e EJA
Número de estudantes: 685
Matutino: 12 turmas, total 344 estudantes
Vespertino: 12 turmas, total 341 estudantes
Noturno: 2 turmas, total 40 estudantes (EJA)
Data de fundação: 29 de setembro de 1980 (Decreto nº 44, de 11 de fe-
vereiro de 1981)
IDEB observado (2009): 6.3 (4ª série/5º ano)

A Escola Municipal 28 situa-se no Bairro Santa Felicidade, região adminis-


trativa de Curitiba que envolve 16 bairros e fica a 7 km do centro dessa capital. A
região onde se localiza o bairro preserva muito da cultura trazida pelos imigrantes
italianos. Fundada em 29 de setembro de 1980, a escola iniciou suas atividades em 5
de janeiro de 1981, ofertando o curso pré-escolar no período de férias. Atualmente,
entre estudantes do ensino fundamental e da EJA, a instituição tem 685 estudantes
matriculados.
A estrutura física da escola é boa, apesar de sua dimensão pequena. São doze
salas de aula, uma sala de artes, dois laboratórios de informática (um com compu-
tadores de última geração, e outro com computadores antigos), uma sala de recur-
sos (para atendimento de estudantes com dificuldade de aprendizagem), uma sala
multiuso, dois banheiros masculinos, dois banheiros femininos, um banheiro para
professores e demais funcionários, uma sala com divisória, na qual ficam localizadas
a diretoria e a secretaria, uma sala para os professores, uma sala para as pedagogas
e uma cantina.
A biblioteca da escola é uma unidade do programa Farol do Saber e tem
como objetivo atender os estudantes e a comunidade em geral, colocando à sua
disposição um acervo bibliográfico organizado e atualizado, oferecendo auxílio à
pesquisa e incentivo à leitura e proporcionando atividades culturais que envolvam

279
toda a comunidade. As bibliotecárias são funcionárias da prefeitura, todas pedago-
gas readaptadas. Os livros de literaturas africana e afro-brasileira ficam dispostos
de forma bem visível em uma prateleira de fácil acesso para os usuários. Apesar
da qualidade do acervo de obras voltadas à temática étnico-racial, não se percebeu
a expressão da diversidade étnico-racial nos cartazes e nos murais da escola, que
apresentam em uma exposição apenas crianças e adultos brancos.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
O trabalho de campo foi precedido de algumas dificuldades burocráticas.
Após várias ligações telefônicas e a entrega de um documento assinado pela Se-
cretaria Municipal da Educação, a equipe foi recebida na escola pela pedagoga, que
demonstrou amplo conhecimento sobre a Lei n.º 10.639/03. Os(as) professores(as)
são instruídos por essa profissional, segundo ela, a inserir em seus planos de ação
os conteúdos referentes à história da África e da cultura afro-brasileira, para que as
atividades não se transformem em trabalhos pontuais, mas em conteúdos que gerem
conhecimentos aprofundados.
As conversas com as professoras da escola indicadas pela pedagoga ajudaram
a esclarecer um pouco da metodologia utilizada nas atividades. Essas professoras
foram aprovadas no projeto da Prefeitura Municipal de Curitiba denominado Esco-
la & universidade e que se configura em uma parceria entre essas duas instituições:
os(as) professores(as) universitários(as) ficam responsáveis por auxiliar docentes da
educação básica que atuem na educação infantil e no ensino fundamental orientan-
do-os na realização de projetos com temas específicos. Os(as) professores(as) muni-
cipais recebem uma gratificação em dinheiro no período em que estão participando
dos projetos. Os(as) docentes desta escola trabalham com a temática africana, tendo
por objetivo resgatar a riqueza da cultura da África ao promover o respeito pela
diversidade por meio do reconhecimento da diferença enquanto possibilidade de
troca e agregação de saberes. Seu trabalho com essa temática busca explicar as di-
mensões e a riqueza da contribuição dos negros no processo de formação do povo
brasileiro e debater também sobre as desigualdades sociais advindas de ideias pre-
concebidas e baseadas no racismo.
Uma das professoras da escola gentilmente convidou a equipe de pesquisa
para acompanhar algumas de suas aulas nas quais iniciara um trabalho com o macu-
lelê. Em parceria com a responsável pelo laboratório de informática e com a agente
de leitura do Farol do Saber, essa professora elaborou para o projeto Universidade

280
& escola um trabalho denominado “A África está entre nós”. No entanto, em ra-
zão da inadequação da fundamentação teórica do trabalho, ele não foi aprovado. A
professora afirmou que o grupo pretende reapresentá-lo no próximo ano. Durante
a exposição das suas atividades, esta docente promoveu uma pequena apresentação
de capoeira, um dos temas discutidos em sala de aula. Os(as) estudantes se mostra-
ram bastante interessados e participativos. Em um outro momento, ela apresentou
à equipe alguns materiais utilizados no seu trabalho com a educação para as rela-
ções étnico-raciais. Com os estudantes maiores de oito anos, foi trabalhado o CD
Akuan, do músico Helinho Sant’Ana, da Sol Azul Produções, com cantos de alguns
orixás do candomblé e da umbanda.
A pedagoga da escola também enumerou algumas atividades relevantes, entre
elas, os momentos de contação de histórias, em que são apresentados contos africa-
nos e afro-brasileiros. Esta prática é realizada por uma outra pedagoga no contexto
do programa Farol do Saber, voltado para estudantes da escola e da comunidade.
A pedagoga relatou ainda que a escola possui uma boneca negra e que, no ano de
2008, com o intuito de discutir a temática das relações raciais, esta era levada para
casa pelos(as) estudantes para ser cuidada e, posteriormente, temas como racismo
eram discutidos na escola.

Perfil do(da) principal responsável pelo trabalho


Em conversas com as professoras indicadas pela pedagoga da escola, ficou
evidente que a motivação pessoal foi a indutora da realização dos trabalhos com a
educação para as relações étnico-raciais. A percepção de atitudes discriminatórias
no seio da própria família parece ter sido uma das principais justificativas para a
postura antirracista das duas professoras entrevistadas. De acordo com a professora
de Artes, as pessoas da sua família são muito racistas, e,em um dos seus aniversá-
rios, ela recebeu a visita de um colega negro cuja presença causou medo à sua mãe,
deixando-a muito assustada. Foi preciso que ela tranquilizasse a mãe, dizendo que
o rapaz era de confiança. A outra professora entrevistada, que atua na escola como
auxiliar de regência, disse pertencer à umbanda, religião de matriz africana, e, se-
gundo ela, seu pai tem muita dificuldade em aceitar seu pertencimento religioso. No
dia do seu ritual de iniciação, apesar da resistência, ele compareceu, mas, ao final,
disse que, como demonstração cultural, a umbanda era muito bonita, mas não lhe
parecia ser uma religião.

281
O grupo de discussão com os(as) estudantes
O grupo de discussão foi composto por seis estudantes, homens e mulheres, sen-
do três negros e três brancos. No momento da pesquisa, estes estudavam no 1º, 3º e 4º
anos do ensino fundamental. Para iniciar a conversa, os(as) estudantes leram em duplas
os livros Minhas contas, de Luiz Antônio, Chico Rei, de Renato Lima, e Chuva de manga,
de James Rumford. Após a leitura, emergiram assuntos como a importância de estudar
as religiões de matriz africana nas disciplinas de Ensino Religioso e Filosofia.
Durante a dinâmica, alguns depoimentos revelaram situações tensas. Uma
estudante contou que o namorado de sua tia sofrera um xingamento na rua, sen-
do chamado pejorativamente de preto, e que, como o racismo é crime, ele entrou
com uma ação na justiça. A estudante demonstrou conhecimento da existência do
racismo e indignação pelo fato. Um estudante negro do grupo disse que não gos-
tava de sua cor e que detestava ter de cortar o cabelo tão curto, por imposição da
mãe. A partir do relato desse estudante observa-se a necessidade de uma urgente
intervenção pedagógica.
No geral, as crianças se mostraram bastante interessadas durante o grupo
de discussão. Uma estudante disse que gostaria de conhecer a fauna e os costumes
africanos, tais como vestuário e culinária. As crianças que participaram do grupo
de discussão têm o conhecimento de que a África é um continente formado por
vários países. Os meninos disseram ter gostado muito da apresentação de capoeira
que houve na escola e mais ainda de participar das aulas de capoeira e de maculelê,
durante a Educação Física.

O papel da gestão da escola e da coordenação


pedagógica
Durante a realização da pesquisa na escola, não foi possível conversar com a
diretora, que estava voltando de licença médica. Ela estava grávida e, devido à gripe
H1N1, teve que se afastar de suas funções. Deste modo, a visita à escola foi realiza-
da sob o acompanhamento da pedagoga, que demonstrou um amplo conhecimento
sobre a Lei n.º 10.639/03.
Através da análise dos documentos da escola e das diversas entrevistas realizadas
com as professoras, percebeu-se que, por meio da inserção dos conteúdos de história
da África e cultura afro-brasileira no PPP e nos planos de ação docente, a direção e a
equipe pedagógica da escola não só cumprem a Lei n.º 10.639, mas também incenti-
vam as práticas pedagógicas que valorizam a educação para as relações étnico-raciais.

282
Algumas considerações
As práticas pedagógicas desenvolvidas na Escola Municipal 28 contemplam,
em algumas ações, os indicativos da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes Curricula-
res Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais, o que significa um avanço
rumo a uma educação antirracista. A inserção da Lei n.º 10.639/03 no PPP da
escola e o caráter coletivo e multidisciplinar do trabalho desenvolvido parecem for-
talecer a sustentabilidade das práticas pedagógicas já desenvolvidas ali.
O visível investimento da escola no trabalho com a educação para as rela-
ções étnico-raciais, todavia, confronta-se com situações de autonegação identitária
de estudantes negros, como a observada durante o grupo de discussão. Portanto, a
inserção dos conteúdos relativos à temática racial e sua discussão conceitual na es-
cola deveriam vir acompanhadas de uma escuta atenta das vivências dos estudantes,
sobretudo, dos negros. Uma outra ação que também parece merecer investimento
é o envolvimento das famílias em atividades que discutam a temática étnico-racial,
especialmente, se se considerar a localização da escola em um bairro de maioria
branca, algo que, em muitos momentos, pode reforçar essa hegemonia.

283
Quadro 32 – Escola Municipal 28 - Curitiba (PR)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimen-
são:
A escola é muito bem conservada
Estrutura
e não tem pichações nas paredes Apesar do exíguo espaço, a escola
física e
nem nos banheiros. Os cartazes apresenta uma boa infraestrutura, com
aparência
ostentados não retratam a diversi- ótimos equipamentos audiovisuais.
da escola
dade étnico-racial.

Características da ges- Tipo de trabalho e


Motivações para a reali-
tão (direção e coorde- responsável/pro-
zação do trabalho
nação) positor

2ª Dimen-
As atividades são
são:
A diretora e a pedagoga desenvolvidas em O trabalho com a Lei
Envolvi-
conhecem bem a Lei e sala de aula e deve-se à vivência de
mento da
as temáticas correlatas envolvem vários(as) muitas situações de
gestão e
a ela; por isso incenti- professores(as), discriminação no interior
do coletivo
vam o trabalho dos(as) que abordam ques- das famílias, o que
professores(as) com a tões pertinentes ajudou a construir uma
temática. no âmbito de sua ética pessoal antirracista.
disciplina.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe

A temática étnico-racial está inserida e


normatizada nos Conselhos Estadual
e Municipal e nos Planos Estaduais e
3ª Dimen- Municipais de Educação, desencadean-
são: A biblioteca faz parte do sistema do várias ações de formação. Uma das
Formação Farol do Saber, que tem como ações, o projeto Escola & universidade,
continuada objetivo atender os(as) estudantes promovido pela Secretaria Municipal de
e material e a comunidade em geral com a Curitiba, possibiltou que duas profes-
de apoio disponibilização de vários serviços soras da escola fossem orientadas por
e de um bom acervo étnico-racial. docentes universitários na temática
étnico-racial. No Departamento de Ensi-
no da SMED, há uma equipe respon-
sável pela formação para a diversidade
étnico-racial.
Formação ética dos
Formação conceitu- Principais dificuldades
estudantes (trato da
al dos estudantes no trabalho
diversidade)
4ª Dimen- Os problemas primor-
são: Os(as) estudan- diais são os preconceitos
Avanços e Os(as) estudantes têm tes se mostraram expressos pela comuni-
limites do consciência da existên- envolvidos com a dade e a necessidade
trabalho cia do racismo como temática e demons- de aprofundamento do
crime. traram conhecimen- trabalho identitário em
to sobre a África. um bairro majoritaria-
mente branco.

284
Município de Pitanga – Centro Estadual de Educação Básica para
Jovens e Adultos 29

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: ensinos fundamental e médio
Número de estudantes: 711
Ensino fundamental, fase II: 417
Ensino médio: 294
Ano de fundação: 1991

O Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos 29 localiza-


-se no município de Pitanga, região central do estado do Paraná, e oferece os
ensinos fundamental e médio. Ocupa, no centro da cidade, um prédio que fora
construído com outras finalidades. Isso determina que sua parte física apresente
diversas restrições, pois os espaços foram adaptados. No andar térreo, fica a parte
com estrutura mais adequada, que inclui a secretaria, a sala de direção, o labo-
ratório de informática, a sala de professores, a cozinha e o refeitório. No subso-
lo encontram-se uma biblioteca e uma grande sala, que anteriormente fora uma
garagem. No primeiro e no segundo andar, há uma série de cômodos que foram
adaptados para sala de aula.
O Centro funciona nos turnos vespertino e noturno, das 14 horas às 22h30.
Em 2006 havia cerca de 450 estudantes matriculados. Em 2009 esse número pas-
sou para 711, sendo 294 estudantes no ensino médio e 417 no ensino fundamental,
fase II, dos quais 273 estão distribuídos em 12 turmas de Ações Pedagógicas Des-
centralizadas. Essas turmas funcionam em outros espaços físicos, nos municípios de
Nova Tebas, Boa Ventura e Mato Rico, no Estado do Paraná, além das que funcio-
navam em Pitanga. O espaço destinado à biblioteca é bastante pequeno e usado, por
vezes, como sala de aula. Os livros voltados à temática étnico-racial são raros e, no
caso de alguns títulos consultados, bastante desatualizados.
A seleção da escola para participar da pesquisa foi aceita de maneira muito
positiva pela comunidade escolar e vista como reconhecimento do trabalho desenvol-
vido. Durante a primeira visita à escola, a equipe da pesquisa foi apresentada aos(às)

285
professores(as), demais funcionários(as) e estudantes. Todos foram notificados da in-
vestigação e solicitados a cooperar e informar sobre os trabalhos e documentos.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
De acordo com os relatos, o desenvolvimento de atividades inerentes às re-
lações étnico-raciais e ao ensino de história e culturas afro-brasileira e africana no
Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos 29 foi iniciado em 2006 e
tem como ponto de culminância as comemorações da Semana da Consciência Negra,
na data de 20 de novembro, num projeto intitulado A força e o brilho da luz negra. Os
grupos de estudos promovidos pela Secretaria Estadual de Educação do Paraná foram
os grandes incentivadores do desenvolvimento de atividades nessa direção.
As práticas são realizadas nas diversas disciplinas e por diversos(as)
professores(as), tendo em vista o aprendizado e também a produção de um evento
pelos estudantes na Semana da Consciência Negra. A modalidade desenvolvida são
os estudos presenciais efetivados por plano de estudos e atividades, por disciplina.
Assim, a maior parte dos estudantes frequenta o Centro Estadual de Educação
Básica para Jovens e Adultos 29 em horários determinados no decorrer da semana.
Entre as atividades adotadas nas disciplinas estão as relativas à história e às culturas
africana e afro-brasileira.
Segundo o relato da diretora, da coordenadora pedagógica e de algumas pro-
fessoras, o projeto teve uma adesão contínua e crescente na escola, tendo como ápi-
ce o ano de 2008, quando todos(as) os(as) professores(as) estiveram envolvidos(as).
Em geral, os eventos anuais contam com uma significativa participação de inte-
grantes de organizações do Movimento Negro, demonstrando interlocução entre a
escola e os grupos políticos do entorno. A participação dos ativistas efetiva-se atra-
vés de palestras à comunidade escolar nos momentos comemorativos da Semana da
Consciência Negra.
As experiências pessoais de professoras entrevistadas, da diretora e da coor-
denadora pedagógica foram determinantes na construção de um senso ético antir-
racista, algo vital sobretudo em uma cidade de maioria branca. O professor de His-
tória, jovem e branco, questionado sobre o motivo que o levara ao tema, respondeu
que, durante o ensino médio, seus melhores amigos eram negros e ele observava a
discriminação impingida a eles pelos(as) professores(as) (por vezes, não notada ou
mesmo não explicitada). Como profissional de educação, decidiu trabalhar contra

286
a discriminação e a favor da igualdade racial, apoiando-se no ensino de história e
cultura afro-brasileiras.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


A equipe de pesquisa indicou três estudantes para participar do grupo de
discussão e, de acordo com as orientações gerais da pesquisa, solicitou à direção a
indicação de mais três, a fim de compor o total de seis integrantes. Todavia, a escola
ampliou o convite para as salas de aula descentralizadas e, devido à importância
atribuída à pesquisa, convidou também uma ex-aluna muito vinculada ao projeto.
Essa integrante teve um envolvimento muito satisfatório, mas sua presença e suas
constantes intervenções parecem ter funcionado como inibidor da participação dos
outros componentes do grupo. O material apresentado para iniciar a discussão foi
um portfólio com impressos e fotografias do projeto A força e o brilho da luz negra.
De acordo com os(as) estudantes que participaram do grupo de discussão, os con-
teúdos sobre racismo trabalhados no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e
Adultos 29 modificaram sua percepção do racismo e suas condutas em relação a ele. Uma
estudante afirmou: “[...] para mim mudou bastante, porque eu era bem preconceituosa
e, depois que eu comecei a estudar, vendo as histórias do povo, eu inclusive participei”.
Em outro trecho, a mesma estudante explicita sua mudança de concepção
sobre o racismo:

Esse 13 de maio, para mim, como hoje que eu entendo sobre o preconceito
[...] não significa que mudou alguma coisa. Hoje o negro até tem sua liberda-
de, tudo, mas existe o preconceito [...] da própria cor, da própria raça, vamos
supor assim. É dolorido, o ser humano, né ? [...] Então assim vai da cabeça de
cada um. Enfim, nós fizemos uma pesquisa do projeto que a professora pediu
pra nós, cada um falou da sua forma nessa pesquisa na sala de aula, e a gente
viu que ainda hoje existe preconceito, acho que toda sala, todo mundo.

O papel da gestão da escola e/ou da coordenação pedagógica


Tanto a diretora quanto a coordenadora pedagógica mostraram-se muito so-
lícitas em participar da pesquisa e dos trabalhos de educação étnico-racial, tendo
demonstrado em vários momentos a disponibilidade para colaborar na formação e
atuação efetiva do corpo docente.

287
Durante as entrevistas realizadas, ambas referiram casos de racismo no inte-
rior de suas famílias, descendentes de ucranianos, o que as despertou para a neces-
sidade de intervenção pedagógica por meio do desenvolvimento de um sentimento
pessoal antirracista e do ensino de história e culturas afro-brasileira e africana.

Formação continuada
Conforme relatado pela diretora, pela coordenação pedagógica e pelos(as)
professoras, o trabalho com a temática étnico-racial na escola iniciou-se em função
da necessidade de cumprir a legislação e ainda graças ao incentivo dos grupos de
estudos sobre a implementação da Lei. Esses grupos funcionam aos sábados nas
escolas e são uma modalidade da formação continuada realizada pela Secretaria
Estadual de Educação do Paraná. Os integrantes podem optar por algumas temá-
ticas entre as disponíveis, para as quais há uma sequência de textos indicados e de
atividades orientadas por uma equipe de ensino. Além de fazer leitura e discussão
dos textos, os componentes de cada grupo têm de preparar e enviar à Secretaria um
relatório da análise realizada nesses grupos (parte teórico-conceitual) e das ativida-
des desenvolvidas correspondentes (parte aplicada). A carga horária dedicada a essas
atividades, em cumprimento às solicitações formais, é considerada em processos de
progressão funcional na carreira dos(as) professores(as). Apesar desse avanço no que
concerne à formação continuada, os professores reclamaram da escassez de material
pedagógico voltado à temática. Mas, mesmo nesse contexto, as práticas observadas,
e, sobretudo, o relato das práticas já desenvolvidas, salientam a seriedade do traba-
lho do grupo.

Algumas considerações
De modo geral, o Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adul-
tos 29 desenvolve práticas pedagógicas na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, cau-
sando um impacto efetivo na subjetividade de seus estudantes e alterando-lhes a
percepção e o trato do racismo. O caráter coletivo e multidisciplinar dos trabalhos
realizados, bem como a inserção da temática das relações étnico-raciais no PPP da
escola mediante planos de trabalho anuais, favorece a sustentabilidade das práticas
pedagógicas desenvolvidas na escola.

288
Essas práticas favoreceram alguns avanços ajudando a: (a) questionar as re-
lações étnico-raciais baseadas em preconceitos, como ficou expresso na perspectiva
dos(as) estudantes que participaram do grupo de discussão; (b) valorizar, divulgar e
respeitar os processos históricos de resistência negra, utilizando, entre outros, con-
teúdos relativos ao quilombo de Palmares e a Zumbi, ao African National Congress
e a Mandela, ao poeta e militante Oliveira Silveira; (c) colocar em questão formas
de desqualificação, por exemplo, nas discussões sobre a linguagem e as metáforas
que desconceituam a população negra e que têm ocorrência na escola, segundo o
depoimento de duas professoras e da coordenadora pedagógica; (d) criar condições
para que os estudantes negros sigam seus estudos, como o caso da ex-aluna negra
convidada a participar do grupo de discussão, a qual inclusive definiu o curso que
faz hoje (licenciatura em História) em função do trabalho sobre história e cultura
afro-brasileiras realizado pela escola. Por fim, os avanços envolvem a inclusão da
modalidade Educação de Jovens e Adultos nas etapas da educação básica ofertadas
pela escola (ensino fundamental e ensino médio).
A despeito desses progressos, porém, os dados obtidos em campo possibilita-
ram a observação de aspectos que ainda merecem uma intervenção cuidadosa, como
a formação de professores(as) e a oferta de material didático e de apoio.

289
Quadro 33 – Centro Estadual de Educação Básica Para Jovens e Adultos 29 - Pitanga (PR)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimen-
são: Observou-se a presença de
Estrutura cartazes que expressam valores Embora a escola seja bem ampla, sua
física e como igualdade, beleza, auto- estrutura física não é tão boa, por ser
aparência estima e valorização dos(as) proveniente de adaptações.
da escola negros(as).

Características da Tipo de trabalho e


Motivações para a reali-
gestão (direção e responsável/propo-
zação do trabalho
coordenação) sitor

Ao longo do A vivência de muitas


2ª Dimen- ano, os(as) situações racistas no
são: A diretora e a coor- professores(as) interior das famílias e nas
Envolvi- denadora mostram- inserem em sua escolas ajudou alguns
mento da -se muito sensíveis à disciplina discussões profissionais da escola a
gestão e temática e dispostas étnico-raciais, que construir uma ética pes-
do coletivo a apoiar os profes- culminam na Sema- soal antirracista. Mas os
sores e a incentivá- na da Consciência grandes promotores da
-los a participar das Negra. Trabalham abordagem da temática
atividades. com o projeto A foram os grupos de estu-
força e o brilho da dos formados pela SEED
luz negra. do Paraná.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe

O Centro não recebe o mesmo


material bibliográfico distribuído
3ª Dimen- A SEED do Paraná oferece forma-
para as outras escolas, por isso a
são: ções em serviço para os professo-
direção teve de solicitar alguns dos
Formação res mediante grupos de estudos
livros à SEED. O acervo de material
continuada temáticos que ocorrem aos sábados.
didático é desatualizado e relati-
e material Registra-se também a participação
vamente escasso, sobretudo, os
de apoio de alguns docentes nos seminários
livros voltados especificamente para
do Fórum Estadual de Diversidade
a EJA. Foram encontrados pou-
Étnico-Racial.
quíssimos livros sobre a temática
étnico-racial.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificuldades no
estudantes (trato da
dos estudantes trabalho
diversidade)
Algumas estudantes As atividades desen-
4ª Dimen- relatam que sua volvidas parecem
são: participação no contribuir para que
Avanços e O material pedagógico é
projeto possibilitou estudantes negros
limites do escasso e desatualizado,
a percepção do passem a se orgu-
trabalho sobretudo, o voltado à
racismo, incluindo o lhar de sua origem e
EJA.
seu próprio, além de estudantes brancos
ajudar a mudar sua passem a ver a con-
postura. tribuição dos negros
para a sociedade.

290
Estado do Rio Grande do Sul
Município de Porto Alegre – Escola Municipal de Educação Infantil 30

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: educação infantil
Número de estudantes: 105 estudantes
Ano de fundação: 29 de setembro de 1990, sob o Decreto 13/791, e alte-
ração para o atual nome através do Decreto 18/888

A Escola Municipal de Educação Infantil 30 faz parte da história do Bairro


Vila Nova, que traz nas suas origens a colonização de imigrantes italianos a partir
de 1895. No ano de 2009, com 17 anos de existência, a escola contava com 105
estudantes, uma diretora, uma vice-diretora, sete professoras, duas delas na função
de apoio administrativo e cinco responsáveis pela docência, 12 funcionários efetivos,
além de estagiários e profissionais terceirizados.
O prédio da escola foi construído em terreno em aclive, num nível superior
ao da rua. Na entrada há um corredor que, à esquerda, dá acesso para a secretaria, a
sala da direção e o banheiro para adultos. O corredor termina na entrada de um pá-
tio coberto. À direita do corredor, encontra-se a sala do berçário – uma sala ampla
com duas janelas para a frente do prédio e um mobiliário central com trocadores e
equipamentos para a higiene das crianças. A sala tem uma divisória na altura apro-
ximada à das crianças. Todas as demais salas têm diversos murais, que cumprem
uma função tanto decorativa quanto educativa e nos quais se expõe desde a rotina
(os nomes das crianças e seus trabalhos) até os recados.
Outro ambiente amplo da escola é a “sala alternativa”, onde ficam a biblio-
teca, um conjunto de computadores dispostos em mobiliário adequado ao tamanho
das crianças e outros equipamentos (aparelho de som e projetor multimídia). Além
do acervo de literatura infanto-juvenil encontrado na biblioteca, cada sala de aula
conta com uma coletânea de obras nessa área, incluindo aquelas voltadas à temática
étnico-racial.

291
Ao ser informada sobre a seleção da escola, a diretora demonstrou certa apre-
ensão: “É mesmo?! Não sei se é bom ou se é ruim”. Logo após, ela passou a for-
necer uma série de informações sobre o trabalho realizado, manifestando confiança
na qualidade do que realizam. De forma geral, todos os membros da escola foram
muito receptivos e solícitos em atender às demandas apresentadas para a pesquisa.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
Duas professoras da escola deram depoimentos sobre o projeto Etnias, que,
de certo modo, é o eixo articulador das demais atividades desenvolvidas. Uma das
professoras é bastante engajada no desenvolvimento de atividades voltadas à cultura
afro, e a outra as realiza apenas esporadicamente. De acordo com as entrevistadas, o
projeto Etnias tem como objetivo resgatar a história da comunidade, ressignificando
a participação dos negros na história local e pessoal dos(as) estudantes. Embora
generalizante em relação à África, o projeto foi bem realizado, apoiando-se em fon-
tes diversas de informação e fazendo o levantamento de aspectos específicos sobre
determinadas regiões ou culturas africanas, por exemplo, sobre os Yorubá.
O trabalho desenvolvido na Escola Municipal de Educação Infantil 30 é um
bom exemplo de prática pedagógica em que o conhecimento da realidade local pode
ajudar no trabalho com elementos típicos da cultura e da história afro-brasileira. E
a escola não contou com orientações ou informações dos dispositivos legais ou com
formação específica, porque os docentes e a equipe gestora só tiveram acesso à Lei
n.º 10.639/03 e suas Diretrizes após o início das atividades do projeto. Outro aspec-
to que chama a atenção na escola e constitui um importante pilar de seu currículo
é a presença da literatura infanto-juvenil no cotidiano dos estudantes. A aquisição
contínua de exemplares da área, a incorporação e a atualização do trabalho com
obras de valorização da história e da cultura afro-brasileira são dignas de nota.

Perfil do(da) principal responsável pelo trabalho


A coordenação das atividades relacionadas à educação para as relações étni-
co-raciais na escola é desenvolvida pela vice-diretora, que tem atribuições de coor-
denação pedagógica e é a única profissional da escola com formação continuada na
temática. Entretanto, por motivos pessoais, ela não pôde ser entrevistada.

292
O grupo de discussão com os(as) estudantes
Participaram do grupo de discussão seis crianças (homens e mulheres) do
último ano da educação infantil, sendo três negras e três brancas, de seis anos de
idade. Em função do trabalho levado a termo pela escola, foram escolhidos, para
a realização da dinâmica, alguns materiais utilizados no projeto Identidades. Para
mobilizar as conversas, foram usadas duas famílias de bonecos, uma formada por
bonecos brancos e outra por negros, com tamanhos e adereços distintos, caracteri-
zando todos os participantes de uma família (avós, pais, mães e filhos). As crianças
posicionaram-se, verbal e corporalmente, de maneira tão complexa quanto a dinâ-
mica das relações raciais no Brasil.
Foi solicitado a elas que falassem sobre as diferenças entre as duas famílias,
e, após algumas observações, uma menina disse, em tom baixo de voz: “branca”. O
pesquisador chamou a atenção para aquela observação e pediu para que as crianças
definissem o outro grupo.
Pedro:2 Ela falou que elas são iguais, mas uma é branca; uma branca e a outra
é o quê?
João: E tem mais uma branca... O vovô tem cueca.
Tiago: É...
Crianças (G): A vovó não tem cueca...
Crianças: O vovô tem cueca... O vovô tem cueca.
Tiago: A vovó tem cueca também (fala alto).
Pedro: Nádia, tem duas vovós aqui! Essa vovó é o quê?
Tiago: Ela usa calcinha... e cueca...
Crianças: Essa é vovó...
Mariana: Essa vovó ela, ela não é diferente, porque ela não é diferente, ela só
é diferente por fora... por dentro, por dentro ela é tudo igual. Por fora ela é
diferente, mas por dentro ela é tudo igual...
Pesquisador: Ela é diferente... Ela é diferente por fora. Qual diferença?
Mariana: Por fora ela é diferente, mas por dentro... As roupas, os sapatos, os
óculos são iguais...

2 Guardados os procedimentos éticos da pesquisa científica, os nomes das crianças são fictícios.

293
Pedro: Você tinha falado de outra coisa.
Crianças: A cor da pele?
Pedro: É.
Mariana: Ah, então não sei...

Pôde-se verificar, sobretudo, na fala de uma criança, e na do grupo em geral,


que a classificação entre brancos e negros é percebida por ele. No entanto, essa
criança não conseguia nomear os grupos pelo critério de cor. Seria a expressão, já
tão precoce, da introjeção de uma interdição social da nomeação das diferenças
étnico-raciais presentes em nossa sociedade? Ou seria a expressão de constrangi-
mento diante da situação da pesquisa, em que o interesse do pesquisador, de certa
forma, fora anunciado para as crianças?
A dificuldade em designar as personagens por sua cor, no diálogo das crianças,
parece refletir a complexa ética das relações raciais no país. Elas se defrontam com
as mesmas dificuldades que a sociedade encontra em operar com as classificações
de grupos humanos por cor ou raça. A estudante Mariana parece ter consciência de
que há uma diferença entre as bonecas que representavam as avós; no entanto, não a
nomeia e afirma que todas são iguais, uma saída para o conflito em que se encontra;
saída, muitas vezes, também adotada pelos adultos em várias situações sociais em
que a nomeação das diferenças étnico-raciais é solicitada.

Formação continuada
Uma das limitações verificadas nas práticas pedagógicas observadas e rela-
tadas nas entrevistas refere-se à formação do corpo docente. Todos(as) afirmaram
não haver participado de nenhuma ação específica envolvendo a história e cultura
afro-brasileiras ou a educação para as relações étnico-raciais. Em entrevista, uma
das professoras relatou seu trabalho com um CD de música africana de uma co-
leção distribuída num supermercado de Porto Alegre. Apesar da boa intenção, a
utilização deste material demonstra a carência de materiais mais elaborados. Além
disso, em vários trechos das entrevistas, observou-se a força da crença na tese da
“miscigenação brasileira”, articulada a certa incredulidade na existência e na força
do preconceito racial no Brasil.

294
Algumas considerações
O trabalho com as relações étnico-raciais na escola surgiu a partir do reco-
nhecimento da diversidade presente no bairro e na instituição, e está impregnado de
intencionalidade positiva, mas, ainda assim, perceberam-se certos limites teóricos e
operacionais que podem ser superados. A não incorporação da temática étnico-racial
no PPP da escola, por exemplo, bem como a utilização de um conceito genérico de
diversidade como eixo norteador dos trabalhos, enfraquece as possibilidades de sus-
tentabilidade das práticas pedagógicas desenvolvidas.
A exposição realizada no contexto da Feira Cultural e as observações em
campo colocaram em evidência os trabalhos, os livros e os materiais produzidos e
utilizados durante o projeto Etnias. De um lado, tanto em termos numéricos (livros
e objetos) quanto em termos de destaque (posições e arranjo), a cultura africana e a
cultura afro-brasileira ocuparam um lugar de relevo na escola. De outro lado, o uso
da expressão “etnia africana” revela um conhecimento bastante inicial sobre a África
e sua diversidade, de tal sorte que, na visão da escola, é preciso designar essa etnia
no plural, etnias, de acordo com a pluralidade de culturas africanas existentes.
Talvez uma das razões desse equívoco e de outros percebidos no decorrer da
pesquisa de campo seja a escassez de experiência dos docentes na formação con-
tinuada. Apesar dessa inexperiência, nota-se a atenção do corpo docente para a
seleção de obras de literatura infantil (carro-chefe do trabalho na escola) que valo-
rizam personagens negros ou abordam temas referentes à cultura e à história afro-
-brasileiras.

295
Quadro 34 – Escola Municipal de Educação Infantil 30 - Porto Alegre (RS)

Aparência da escola Estrutura física da escola

1ª Dimen-
são: A escola apresenta ótimas condi-
Estrutura ções de conservação e limpeza,
física e A estrutura física também é boa,
além de representar a diversidade
aparência da com vários espaços adequados às
identitária em seus cartazes, com
escola crianças.
um número significativo de casais
inter-raciais.

Características da Tipo de trabalho e


Motivações para a rea-
gestão (direção e responsável/propo-
lização do trabalho
coordenação) sitor

2ª Dimen- O projeto Etnias


são: A vice-coordenadora, buscou resgatar a
Envolvimento que não pôde ser história da comuni- A decisão de traba-
da gestão e entrevistada por estar dade local e, assim, lhar as identidades
do coletivo de licença, é quem chegou aos negros das crianças foi um
coordena os trabalhos como grupo étnico- motivador importante, e
de educação para as -racial importante precedeu, inclusive, a
relações étnico-raciais na história social e Lei n.º 10.639/03.
na escola. pessoal dos estu-
dantes.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe

3ª Dimen-
são: A “sala alternativa” é uma ampla
Não há formação continuada dos
Formação sala onde ficam a biblioteca e
professores: o projeto se desenvolve
continuada e alguns equipamentos multimídia.
devido, principalmente, aos interesses
material de Conta com um bom acervo de
pessoais e profissionais. Essa situação
apoio literatura infanto-juvenil, incluin-
acaba por reduzir certas práticas à boa
do títulos voltados à temática
vontade de alguns docentes.
étnico-racial.

Formação étnica dos


Formação conceitual Principais dificuldades
estudantes (trato da
dos estudantes no trabalho
diversidade)
4ª Dimen-
O conhecimento
são:
Nota-se uma constru- sobre a diversidade O trabalho é dificulta-
Avanços e
ção identitária racial do continente afri- do pela ausência de
limites do
com as crianças, cano ainda é super- formação continuada
trabalho
ainda que a nomeação ficial, mesmo que de professores e pela
racial, por vezes, seja haja um processo escassez de material
marcada por interditos. de valorização de de apoio aos docentes.
sua cultura.

296
Regional Sudeste

Elânia de Oliveira
José Eustáquio de Brito
Natalino Neves da Silva

MG
Uberlândia

Belo Horizonte ES
Vitória

SP Itaguai RJ
Campinas Cabo Frio
Estado de Minas Gerais
Município de Belo Horizonte – Escola Municipal 31

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Nível de ensino: educação infantil
Número de estudantes: 230 crianças de três a oito anos de idade
Ano de fundação: após fechamento e reforma do prédio por dois anos, re-
cebeu a nova denominação pela Lei n.º 8.975/04 e foi inaugurada em 12
de março de 2005 como a primeira escola de infância em tempo integral
do município

A Escola Municipal 31 é a primeira escola de tempo integral da prefeitura


municipal de Belo Horizonte. Situada no bairro São Marcos, zona norte de Belo
Horizonte, atualmente atende a 230 crianças de três a oito anos, de bairros adja-
centes como Goiânia, Alvorada, Fernão Dias e União, no horário das 7h às 17h30.
A escola, localizada no alto de um morro íngreme, é cercada por casas. Não
tem ônibus na porta e o acesso é a pé ou de carro. Os quatro blocos da escola estão
situados em níveis diferentes, num aclive que se inicia próximo à entrada principal
e termina na entrada da garagem. Além disso, existe um acentuado declive entre o
nível da rua e as dependências da escola, que são interligadas por uma longa esca-
daria e uma rampa.
A Escola Municipal 31 conta com um espaço físico amplo e vários ambien-
tes, como salas de aula e de administração, espaços de lazer e auditório, além de
equipamentos audiovisuais, computadores e impressoras. Sua biblioteca possui um
terminal de computador ligado à rede interna e um aparelho de som com CD.
Existem cinco grandes prateleiras com livros para a consulta de funcionários e de
membros da comunidade, e dez pequenas prateleiras para os livros de consulta dos
estudantes. O espaço da biblioteca conta ainda com um pequeno palco, onde os
estudantes fazem apresentações. O auditório funciona também como espaço multi-
mídia da escola, dotado de vários equipamentos audiovisuais.
O anúncio de que a escola havia sido selecionada para participar da pesquisa
foi recebido com entusiasmo pela diretora, que viu nessa escolha o reconhecimento

298
do trabalho realizado desde a sua inauguração. No início do trabalho de campo,
todos os professores da escola foram informados, em reunião, sobre a pesquisa e
receberam uma cópia do resumo enviado pela coordenação regional.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
Os documentos cedidos pela escola e a observação em campo mostraram que
a instituição busca implementar a Lei n.º 10.639/03, seguindo um dos princípios
centrais das Diretrizes (Brasil, 2004) no que se refere à inserção da temática no
cotidiano e não apenas em datas especiais. O fato de ser uma escola muito nova
(completou cinco anos em 2010), a primeira de tempo integral da rede municipal
de Belo Horizonte, contribuiu para que ela já se constituísse incluindo essa lei no
seu projeto político-pedagógico, como um de seus pilares. Outro fator que contribui
para o fortalecimento das práticas pedagógicas relacionadas à educação das relações
raciais é o público da escola, composto majoritariamente por crianças negras. O fato
de trazer no seu currículo a disciplina Relações Étnico-Raciais, ministrada para to-
das as turmas da escola, é uma importante inovação no que se refere a um currículo
voltado para a educação infantil e para os anos iniciais da educação básica.
Indagados sobre as motivações que levaram a escola a abraçar tão fortemente
o trabalho na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, os(as) entrevistados(as) foram unâ-
nimes em destacar seu incômodo com os xingamentos racistas entre as crianças, no
período de criação da escola. Durante a entrevista, o professor de Educação Física
comentou:

[...] eu, na brinquedoteca, que é um lugar que nós construímos aqui na escola
logo no início, eu percebi que havia maior preferência das crianças pelas bonecas
brancas e loiras. E aí, não sei se de fato pelo tema, se era um resultado do nosso
trabalho, ou se era uma coincidência, a partir do momento que a gente começou
trabalhar com essa temática as crianças passaram a ter uma preferência maior
pelas bonecas negras, a ponto de às vezes eu ter que uma vez intervir por ver
crianças brigando por causa de uma boneca negra, que é uma boneca maior e...
algo que eu não tinha visto ainda logo que eu entrei aqui na escola. [...] No caso
era uma criança negra e uma criança branca. [...] Só que tinha bonecas menores,
tanto negras como brancas, e essa boneca maior era negra, e elas não queriam a
boneca branca maior, elas queriam a boneca grande negra.

299
Paralelamente ao trabalho na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, a escola já
incorporou na sua prática as diretrizes da Lei n.º 11.645, abrangendo também a
cultura dos povos indígenas. Isso pode ser observado pela preocupação de adquirir
materiais pedagógicos que contemplem a questão indígena, como os livros de con-
tos e os fantoches encomendados para as aulas de Relações Étnico-Raciais, a ser
apresentados na festa da família, em novembro.
Em 2009, uma professora desenvolveu o Projeto Identidades, cujos objetivos
eram desconstruir preconceitos e ideias preconcebidas e tentar lidar com o arsenal
da mídia, que o tempo todo bombardeia as crianças com informações que se con-
trapõem ao trabalho que a escola desenvolve. Outra prática pedagógica significativa
desenvolvida pela escola, dentro do Projeto África, é o trabalho com a literatura,
descrito por outra docente que se apresentou para a entrevista portando fotos, livros
e histórias para relatar as atividades desenvolvidas com as crianças da educação
infantil. A partir desse trabalho, as crianças e os(as) professores(as) conheceram as
histórias do baobá. A professora aproveitou o ano em que se comemora o centená-
rio de nascimento do poeta negro Solano Trindade e do escritor Machado de Assis
e trouxe diversos livros de histórias para as crianças. Entre esses, estava o livro As
panquecas de mama Panya,1 história que traz elementos de rituais do Quênia, país
localizado na região leste do continente africano, e que agradou a todas as crianças.
No desenvolvimento das práticas pedagógicas na perspectiva da Lei n.º
10.639/03, cabe destacar que a fundação da biblioteca guarda estreita relação com
o objetivo da escola de trabalhar as relações étnico-raciais. Segundo a bibliotecária,
o nome escolhido, por meio de um concurso que envolveu toda a instituição, é de
um pedagogo negro contador de histórias. Ressalte-se que a Secretaria Municipal
de Educação de Belo Horizonte possui uma política de distribuição de kits de lite-
ratura afro-brasileira para as escolas, que já está na sua quarta edição.
Os dias de acompanhamento no campo mostraram que a biblioteca é um es-
paço destacado e bem dinâmico. Há um cantinho especial, com duas mesas peque-
nas, no qual são expostos livros de “heróis negros” e de povos indígenas. Há também
a produção de um jornal com indicações de leitura e informações sobre livros e
autores. Para chamar a atenção das crianças, a bibliotecária adota várias estratégias:

Então eu dou um destaque, assim, enfeitando com um cartaz ou é na troca do


livro, a cada quinze dias eu troco os livros, eles ficam quinze dias para empréstimo,

1 Livro de Richard Chamberlin e Mary Cahmberlin. Edições SM.

300
aí depois eu renovo, não exponho todos não, porque eles são muitos, mas não são
tantos, não. Então eu tenho que dar uma renovada [...] Aí é uma contação de
histórias. É um jornalzinho da biblioteca, tem um jornalzinho, chama a atenção
para um autor, chama a atenção sobre o assunto...

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


Evidencia-se no trabalho da Escola Municipal 31 o aspecto coletivo das pro-
postas e a busca constante de novas ideias para estimular as crianças ainda não
alfabetizadas e, ao mesmo tempo, ampliar o potencial de atuação junto às crianças
maiores. Esse trabalho é realizado por um grupo de professores negros e brancos,
envolvidos não só com a temática étnico-racial, mas, também, com o desenvolvi-
mento bem-sucedido de toda a proposta pedagógica da escola. Entretanto, vale a
pena destacar a importância da atual diretora no desenvolvimento do trabalho na
perspectiva da Lei n.º 10.639/03. No período em que ainda não ocupava a dire-
ção da escola, ela participou do curso de aperfeiçoamento em História da África e
Culturas Afro-Brasileiras, ofertado pelo Programa Ações Afirmativas na UFMG,
contemplado pelo edital Uniafro I, em 2004. A partir de então, foi uma das imple-
mentadoras desse trabalho na escola.
No trabalho atual desenvolvido na Escola Municipal 31, destaca-se a dispo-
sição unânime de todos para colaborar, incluindo as professoras que ali não atuam
mais, mas foram responsáveis pela implementação de práticas pedagógicas na pers-
pectiva da Lei n.º 10.639/03 e desenvolveram diversos projetos. Como a professora
que compareceu à escola especialmente para dar entrevista, mostrar os materiais, li-
vros e fotos e falar do seu trabalho com a leitura, especialmente de contos africanos
e autores negros, como Machado de Assis e Solano Trindade.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


O grupo de discussão com as crianças reuniu-se no auditório da escola e en-
volveu seis crianças, quatro meninas e dois meninos. Após breve introdução, as crian-
ças falaram sobre o que aprendem nas aulas de Relações Étnico-Raciais, sobre os
projetos desenvolvidos na escola e sobre o que gostariam de saber sobre a África. Um
dos pontos que chamou a atenção nas falas das crianças foi a capacidade demonstra-
da de compreender os propósitos dos trabalhos desenvolvidos na instituição, mesmo
que a forma de se expressar evidenciasse as dificuldades de falar articuladamente
sobre tantos conceitos novos e complexos, tais como preconceito, racismo e cultura.

301
Sobre as aulas de Relações Étnico-Raciais, as crianças comentaram a práti-
ca desenvolvida em sala, destacando que aprenderam como é importante discutir
o racismo na sociedade. Um exemplo marcante dessas práticas foi a música Nega
maluca, que elas aprenderam com uma das professoras. As crianças disseram que,
segundo a professora, o “problema do racismo na música está no fato de dizerem
“nega maluca”, quando poderiam ter dito mulher maluca, moça maluca”. Todavia,
a postura crítica diante da música poderia ter sido abordada de forma pedagogica-
mente mais aprofundada, incluindo o questionamento do que vem a ser a “loucura”
ou “maluquice” na referida música, já que tal atribuição é sempre realizada por aque-
les que se consideram e são classificados socialmente como “normais”.
Indagadas quanto ao que gostariam de saber sobre a África, as crianças de-
monstraram curiosidades surgidas do trabalho realizado na escola e que se mistu-
ram às opiniões que escutam fora dela. Entre essas curiosidades, elas destacaram:

Maria: “Eu sei que na África tem muito negro e tem branco, lá não tem muito
racismo. [...] Eu sei que lá tem pouca comida...eles....vestem...
João: o que eu gostaria de saber de lá? Se eles tem energia elétrica...conhecer
as pirâmides de Gizé.
Mariana: Lá tem muita bobagem?
Joana: Eu quero saber... as pirâmides... das roupas.
Paula: Queria saber por que as mulheres usam a parte de baixo e não usam a
de cima, os objetos de lá, saber sobre os baobás de lá, porque uma parte é rica
e a outra parte é pobre... Por que o racismo tem mais com os negros do que
com os brancos? O que os brancos têm de diferente dos negros; tem muitos
negros que não valem nada e tem brancos que valem muita coisa. Tem bran-
cos que são muito bons, mas tem outros que são mais ruins...
Maria: Como eles fazem as comidas, os talheres... se lá tem corrupção.
Pedro: Se lá tem crianças pobres, se lá é muito sujo... se é muito poluído.2

Os relatos das crianças expressam que a África não é um lugar totalmente


desconhecido para elas, o que deve ser atribuído ao trabalho realizado pela escola.

2 Os nomes das crianças são fictícios.

302
Todavia, foi possível perceber nos depoimentos a reprodução de estereótipos e de
visões limitadas sobre o continente, que se fixam nas situações de pobreza e fome.
Algumas chegam a ser ambíguas quando entram no campo dos valores e os relacio-
nam com o pertencimento étnico-racial. Todavia, cabe destacar que, embora disper-
sas, as referências às pirâmides de Gizé e aos baobás demonstram um conhecimento
maior sobre o continente, pouco encontrado no contexto dos demais grupos de
discussão desta pesquisa, sobretudo aqueles que reuniram crianças menores.

O papel da gestão da escola e/ou coordenação


pedagógica
O que se nota na Escola Municipal 31 é a tendência de realização de prá-
ticas mais coletivas e interdisciplinares, fortemente incentivadas pela gestão e pela
coordenação pedagógica. Além dos impactos em vários projetos pedagógicos, esta
tendência democrática parece favorecer um campo fértil para o trabalho com a te-
mática étnico-racial. Isso não significa que este aconteça sem tensões e resistências.
Porém, o trabalho de campo aponta que o fato de a instituição contar, dentro do seu
Quadro funcional, com um grupo de profissionais que ocupa a liderança na gestão
e na coordenação pedagógica, e também com um coletivo atuante de docentes que
levam à frente o atendimento da Lei n.º 10.639/03, acaba influenciando as práticas
pedagógicas do restante da escola.

Formação continuada
A Escola Municipal 31 se destaca no trabalho com a Lei n.º 10.639/03 por
diversos fatores. Com relação à formação continuada, a escola teve seis professores
formados no primeiro curso de Aperfeiçoamento em História da África e Cultura
Afro-Brasileira e Africana, ofertado pelo Programa Ações Afirmativas na UFMG
no ano de 2004, o que confere a esse grupo de professores(as) maior desenvoltu-
ra, conhecimento e segurança no trato das questões raciais no cotidiano da escola.
Também os capacita para a elaboração dos projetos e a formação em serviço dos
professores que não tiveram a mesma oportunidade.

Algumas considerações
Embora ainda seja nova, a Escola Municipal 31 apresenta diversos aspectos
que contribuem para a sustentabilidade das práticas pedagógicas na perspectiva da

303
Lei n.º 10.639/03 ali desenvolvidas. Uma das principais causas disso é o fato de ser
uma escola que já surge com essa lei inserida no seu projeto político-pedagógico,
não como apêndice, mas como um dos seus pilares. Outro fator, que complementa
o anterior, é o trabalho da equipe da Secretaria Municipal de Educação de Belo
Horizonte, responsável pelo estímulo e fomento dos trabalhos na perspectiva das
relações étnico-raciais. Muitos dessa equipe são integrantes do movimento negro.
Outros aspectos devem ser destacados nessa escola: a busca de formação
continuada pelos profissionais, o investimento e o apoio da gestão, a inserção da
disciplina Relações Étnico-Raciais, com uma docente responsável, e sua inclusão
no projeto político-pedagógico, como foi salientado anteriormente. No caso da in-
trodução de uma disciplina específica para tratar da questão étnico-racial, nota-se
uma situação diferente das vivenciadas em outras escolas pesquisadas. Nelas, houve
a inserção de uma disciplina para trabalhar a temática da Lei n.º 10.639/03, em
atendimento a um decreto municipal. No caso da Escola Municipal 31, essa decisão
foi tomada após discussão entre gestão, coordenação e corpo docente, o que lhe deu
um caráter de decisão coletiva, gerando a aceitação do grupo.

Quadro 35 – Escola Municipal 31 - Belo Horizonte (MG)

1ª Dimensão: Aparência da escola Estrutura física da escola


Estrutura física e A escola possui um excelente
aparência da Escola muito bem conservada.
espaço físico, espaços amplos e
escola Infraestrutura adequada.
diversos equipamentos.
Características da Tipo de trabalho e
Motivações para a rea-
gestão (direção e responsável/propo-
lização do trabalho
coordenação) sitor

2ª Dimensão: A atual diretora é Aula de Relações


Envolvimento a principal respon- Raciais, Projeto
Incômodo de vários
da gestão e do sável pelo trabalho Identidades e Proje-
professores diante da
coletivo desenvolvido, pois to África, desenvolvi-
presença de xinga-
realizou o curso de dos pelo coletivo de
mentos racistas entre
formação quando professores. Narra-
as crianças.
ainda não atuava ção de histórias pela
na gestão. bibliotecária.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe

A escola teve seis dos seus


3º Dimensão: professores formados em curso
Formação conti- A biblioteca tem centralidade
de aperfeiçoamento em História
nuada e material na escola, com um bom acervo
da África ofertado pelo Programa
de apoio voltado à temática étnico-racial. O
Ações Afirmativas na UFMG. Há
nome da biblioteca homenageia
discussões coletivas de sociali-
um contador de histórias negro.
zação de experiências entre os
docentes.

304
Formação ética
dos estudantes Formação conceitual Principais dificuldades
(trato da diversi- dos estudantes no trabalho
dade)
Apesar da
recorrência de
4º Dimensão: Algumas crian-
xingamentos racis-
Avanços e limites ças conseguem Desafio de trabalhar
tas, as crianças,
do trabalho expressar, mediante aspectos relacionados
brancas e negras,
desenhos, algumas à Lei n.º 10.639/03
já conseguem
especificidades so- e às Diretrizes com
valorizar a beleza
bre a África apren- crianças não alfabeti-
negra, o que pode
didas nas atividades zadas.
ser visto em ativi-
dos projetos.
dades realizadas
pela escola.

Município de Uberlândia – Escola Municipal 32

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Nível de ensino: educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de
Jovens e Adultos.
Número de estudantes: 1.770 alunos(as) que frequentam as aulas regular-
mente nos três turnos.
Ano de fundação: A escola foi criada em 1996.

A Escola Municipal 32 situa-se no bairro Jardim Canaã, periferia do município


de Uberlândia, Minas Gerais. Os moradores do bairro, operários em sua maioria, são
oriundos de outras partes de Uberlândia, de outras cidades da região, do alto Parana-
íba e de outros estados brasileiros. O bairro conta com poucos equipamentos sociais
(centros de lazer e cultura e postos de saúde, entre outros) e a escola se tornou uma
das poucas referências para as crianças, muitas das quais passam o dia sozinhas.
Criada em 1996, essa escola tem infraestrutura para atender pessoas deficientes,
espaço para apresentação de teatro, dança e demais eventos da comunidade escolar,
além de uma quadra poliesportiva coberta, em que são desenvolvidas as atividades es-
portivas. Ocupa todo o quarteirão do bairro e, apesar de não contar com o profissional
de portaria, seus portões ficam abertos durante todo o tempo. Na frente da escola não

305
existem muros, e o ambiente escolar é agradável. Tanto os(as) estudantes quanto os(as)
profissionais que ali trabalham gostam de permanecer nela. A participação discente é
ativa, uma vez que vários projetos têm sido desenvolvidos na escola: Meio ambiente;
Circo; Rádio Escola; Teatro; Mosaico; Violão; Bola na rede; Educanvisa; ECA; Olhar
a África e ver o Brasil, entre outros. Atualmente, alguns dos projetos listados não são
mais realizados devido à indisponibilidade de recursos financeiros.
A biblioteca possui um acervo de livros sobre a temática racial – voltado,
sobretudo, para a formação continuada de professores(as) – e algumas poucas pu-
blicações de literatura infanto-juvenil. Percebe-se que o acervo disponível ainda é
limitado, principalmente no que se refere ao empréstimo para a comunidade esco-
lar. Alguns docentes consideram que ainda assim houve um avanço, pois, antes da
proposta de trabalhar a implementação da Lei n.º 10.639/03, a escola não tinha
praticamente nenhum livro que discutisse esse tema. Colaborou para isso o fato de
alguns(mas) professores(as) possuírem um acervo pessoal e utilizá-lo na escola.
A chegada da equipe da pesquisa já era aguardada pelos(as) funcionários(as),
professores(as) e diretora, a qual fez questão de apresentar todos os(as) profissio-
nais da escola, além de passar o dia inteiro à disposição dos(as) pesquisadores(as),
esclarecendo a proposta educativa que a escola desenvolve, especialmente o projeto
Olhar a África e ver o Brasil.3
Logo na entrada da escola há um muro com uma intervenção de grafite rea-
lizada no contexto do projeto: trata-se do rosto do líder negro Zumbi dos Palmares.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
A proposta do projeto Olhar a África e ver o Brasil teve início em 2008, com
a colaboração do grupo de professores(as) de História e da equipe pedagógica. Antes,
ao longo de 2007, ocorreram práticas de leitura e produção de textos, acesso a mapas
da África e exposições orais sobre racismo, preconceito e discriminação. Esse projeto
tem como objetivo criar condições didático-pedagógicas que favoreçam o processo de
valorização e promoção da história e da cultura de matriz africana na escola.
A metodologia adotada para a realização do projeto envolve várias ações:
promover o trabalho interdisciplinar, envolvendo os docentes das várias disciplinas
sobre a temática; realizar debates, passeios, dinâmicas, filmes, músicas, palestras, a

3 Título em homenagem a Pierre Verger, retirado do livro Influências: olhar a África e ver o Brasil (Editora
Nacional), ilustrado com suas fotos.

306
Semana da Consciência Negra e a interação entre os diversos grupos e artistas
locais que vivenciam a cultura africana; criar um acervo (CDs, DVDs) audiovisual
para consulta e divulgação nas aulas; adquirir material didático, livros, assinatura de
revistas e suplementos para compor o acervo da biblioteca da escola; elaborar uma
programação anual na escola, para apresentação de grupos e atividades diversas que
tenham a finalidade de valorizar a cultura de matriz africana.
Segundo o depoimento do professor de História, a Lei n.º 10.639/03 foi um
marco significativo e um referencial historicamente construído a partir da mobili-
zação de vários setores do movimento negro espalhados pelo país. Ele acredita que
essa lei tem o potencial de chamar a atenção para a questão racial e destaca a forma-
ção continuada de professores(as), a produção de materiais para serem trabalhados
nas escolas e a efetiva preocupação com a questão racial no Brasil:

Acho que existe interesse sobre o continente africano pelos estudantes quando
há também o incentivo. No sétimo ano, por exemplo, ao invés de começar-
mos com a Idade Média na Europa nós começamos com os grandes reinos
Africanos e nós estamos falando do mesmo período. Estamos falando de uni-
versidades na África, do reino do Mali, que não existia na Europa, de grandes
conhecimentos tecnológicos que os africanos detinham que os europeus não
detinham. Então ao fazer isso eles tentam localizar no mapa a ideia que a
África não é um país como muitos imaginam, são vários países e com vários
reinos [...] olha, o Egito está no continente Africano. E ao valorizar esses
reinos africanos essa tecnologia africana percebe-se que os estudantes também
minimamente ou de forma até surpreendente eles entendem isso e conside-
ram que isso é importante.

Esse professor considera problemático o fato de a Lei n.º 10.639/03 privile-


giar as áreas de História, Literatura e Artes, pois docentes de outras áreas do conhe-
cimento não consideram que o trabalho na perspectiva da Lei também faça parte
do conjunto de suas atribuições. Para ele, um dos grandes desafios desse trabalho
é lidar com a religiosidade de matriz africana, em um contexto de efervescência de
igrejas evangélicas que demonstram forte intolerância religiosa. De acordo com esse
docente e outros profissionais da escola, a restrita produção teórica que articula os
campos da educação e da religião de matriz africana de forma qualificada dificulta
ainda mais o trabalho em sala de aula.

307
Outra professora, responsável pela disciplina História, acredita que um dos
principais objetivos do projeto é a construção da identidade negra de forma posi-
tiva – “o projeto fez com que os nossos estudantes vissem aquele que eles acham
diferente com mais respeito”. Ela considera que o projeto provoca mudanças no
comportamento dos(as) estudantes brancos e negros, no sentido de se relacionarem,
na valorização da beleza de ser negro(a) e na autoestima positiva dos(as) estudantes
negros(as) no ambiente escolar.

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


O grupo de professores(as) de História é a referência dos demais docentes
e da equipe pedagógica na realização dos trabalhos. Além de fornecer os subsí-
dios teóricos, esse grupo incentiva a participação de professores(as) e acompanha
as atividades do projeto. Todavia, há um esforço dos profissionais para que essas
atividades consigam abranger todas as disciplinas e os três turnos da escola. Diz a
professora de artes:

É a primeira vez que estou desenvolvendo projeto sobre a temática afro e con-
sidero que desde então valorizo mais a cultura afro-brasileira e africana, além
do crescimento profissional, que está sendo muito grande. No meu trabalho
além de dar textos, confecciono máscaras. Participei do desfile que ocorreu
aqui na escola, de beleza negra, busquei produzir acessórios com materiais
recicláveis. Eu percebi que os meninos ficaram muito entusiasmados e com
alegria, aí muitos diziam ‘olha, esse colar é de macumba’. Eu falava: ‘gente, não
é colar de macumba’. E mostrava várias imagens, então eu vejo que aqueles
que queriam participavam.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


O grupo contou com a participação de oito estudantes do turno da manhã.
O número maior de componentes resultou de duas novas indicações, feitas por uma
das docentes. Destes, quatro são homens e quatro, mulheres, sendo dois brancos e
seis negros. A composição do grupo, feita juntamente com os professores, buscou
selecionar estudantes que demonstravam maior nível de engajamento no projeto.
De acordo com os(as) estudantes, a vivência desse projeto tem possibilitado
o surgimento de uma nova postura em relação ao outro, além do fortalecimento da

308
identidade negra de maneira positiva. Além disso, o projeto parece ter propiciado o
reconhecimento, a visibilidade e a descoberta das culturas afro-brasileira e africana:

Acho legal, as atividades extras, como que aconteceu o desfile aqui na escola,
teve cabelo, maquiagem roupa. Acho que incentivou bastante os estudantes
a se respeitarem mais. Esse projeto em si nos deu outro ponto de vista que
não só aquele continente pobre [...] o nosso projeto teve como intuito uma
proposta interdisciplinar que abrange todas as matérias, a gente vai trabalhar
com África em todas as disciplinas, a África não é só aquele continente pobre,
a África tem bastante cultura que deve ser valorizada no Brasil e no mundo
(Estudante).

Os depoimentos dos estudantes apresentam uma postura crítica em relação


ao pertencimento identitário e à valorização da identidade negra. Como afirma uma
estudante do ensino fundamental:

Até eu mesmo falava ah, eu sou negra, não! Mas depois que a gente partici-
pou do projeto a gente mudou bastante. Parece que tinha pessoas que tinham
vergonha de assumir a sua própria cor de pele [...] Eu não!... Eu falo que sou
negra mesmo! [...] Eu nunca tive vergonha da minha cor, só que depois desse
projeto eu sinto mais orgulho, sabe (Estudante).

O papel da gestão da escola e/ou coordenação


pedagógica
A supervisora educacional da escola afirmou que a participação dos(as)
professores(as) de História foi essencial para a realização do projeto, pois eles con-
tribuíram com os colegas de outras áreas com informações e materiais de pesquisa,
aliando-se com a equipe pedagógica para que o projeto alcançasse seus objetivos.
A gestora da escola, por sua vez, disse que tomou consciência da Lei n.º
10.639/03 e das suas diretrizes a partir do grupo de professores(as) de História que
realizaram cursos de formação continuada, com enfoque na questão racial, promovidos
pelo Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz (Cemepe),
bem como o ofertado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Ela comentou
que a temática das relações étnico-raciais não fez parte da sua formação inicial.

309
A diretora aponta ainda a lacuna quanto às relações raciais existente na formação
de gestores. Ela se considera uma “aluna”, pois cada atividade realizada pelo projeto
representa uma descoberta que propicia um novo aprendizado. Segundo os profissionais
da escola, a participação da gestão no desenvolvimento do projeto faz toda a diferença.
A equipe pedagógica e a gestora mostraram-se abertas para aceitar o desafio
proposto pelo grupo de professores(as) de História e implementaram um projeto
com vistas à promoção da igualdade racial.

Formação continuada
A professora de História avalia ainda que, para a implementação da Lei n.º
10.639/03, os docentes contam com o apoio de parceiros na esfera pública e na
universidade. Ela destaca o trabalho da Coordenadoria Afro-Racial (Coafro) da
Secretaria Municipal de Educação, que disponibiliza recursos e pessoas para asses-
soria ao trabalho pedagógico. Destaca também o trabalho do Núcleo de Estudos
Afro-Brasileiros (Neab). Segundo ela,

a Coafro ajuda no sentido do apoio, porque eles perceberam que nós íamos
abraçar a causa, então, eles vieram apoiando e fizeram apresentações aqui e
deram palestras para os nossos meninos na biblioteca. Já o apoio recebido
do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) é voltado para a formação de
professores que reflete logicamente na aprendizagem do aluno.

Algumas considerações
Além dos resultados alcançados pelo projeto Olhar a África e ver o Brasil
no que tange à sociabilidade de estudantes negros e brancos na escola, à negação
de estereótipos e à alteração de preconceitos, os resultados do projeto alcançaram
um reconhecimento externo ao município de Uberlândia. Em 2009, esse projeto
foi agraciado com o primeiro lugar no III Concurso Internacional Visual Class,4
realizado no Teatro Universitário César Cava, em Presidente Prudente, São Paulo.
A inclusão do projeto Olhar a África e ver o Brasil no projeto político-pedagó-
gico da escola, articulada ao caráter coletivo do trabalho com a educação das relações

4 O III Concurso Internacional Visual Class tem como público-alvo estudantes do ensino público e privado
e contou com a participação de duas escolas do exterior (Argentina e Polônia) e sete escolas públicas e
privadas de todo o país, com destaque para a prefeitura de Uberlândia, que concorreu com três projetos. A
prefeitura de Uberlândia foi a vencedora com o projeto Olhar a África e ver o Brasil, desenvolvido pela Es-
cola Municipal 32, que levou como prêmio o laptop Class Mate e a lousa digital da Tes. Fonte: <boletim@
multimidiaeducacional.com.br>. Sobre o software Visual Class, consultar: <http://www.softmarket.com.br>.

310
étnico-raciais e ao desenvolvimento de atividades ao longo de todo o ano letivo, indica
o enraizamento e a sustentabilidade das práticas pedagógicas colocadas em ação na
Escola Municipal 32. Os resultados positivos dessas práticas pedagógicas encontram-
-se visíveis e referendados também nos depoimentos dos(as) estudantes, que reafir-
mam a elevação da autoestima, sobretudo, dos(as) estudantes negros(as).

Quadro 36 – Escola Municipal 32 - Uberlândia (MG)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimensão:
Estrutura física A escola tem cercas em vez
e de muros e sua fachada é
Ótima infraestrutura e diferentes espaços,
aparência da bem conservada. O portão
além de equipamentos audiovisuais.
escola da escola permanece aber-
to durante todo o tempo.

Características da Tipo de trabalho e Motivações para


gestão (direção e responsável/propo- a realização do
coordenação) sitor trabalho

2ª Dimensão: Realização, por


Tanto a direção quanto O projeto Olhar a
Envolvimento parte do coletivo
a coordenação colo- África e ver o Brasil,
da gestão e do de História, de
caram-se à disposição homenagem à obra
coletivo curso de formação
dos professores de de Pierre Verger, foi
continuada sobre
História para trabalhar proposto pelo coletivo
história da África
visando à igualdade de professores de
e cultura afro-
racial. História.
-brasileira.
Biblioteca e acervo étnico-
Formação continuada da equipe
-racial
3ª Dimensão:
Formação O acervo de livros voltados Formação continuada oferecida pelo
continuada e à temática étnico-racial é Neab/UFU, em parceira com o Centro
material de ainda limitado e voltado Municipal de Estudos e Projetos, aos
apoio sobretudo aos professores, professores de História. Processos de
com poucos exemplares de formação desenvolvidos por núcleo da
literatura infanto-juvenil. Secretaria Municipal de Educação.

Formação ética dos


Formação conceitual Principais dificulda-
estudantes (trato da
dos estudantes des no trabalho
diversidade)

Necessidade de
4ª Dimensão: O projeto provocou Rompimento de maior apoio da
Avanços e limi- mudanças no relacio- preconceitos sobre a Secretaria de
tes do trabalho namento entre negros África e sobre a con- Educação. Falta de
e brancos, na valoriza- tribuição afro-brasilei- recursos finan-
ção da beleza de ser ra no Brasil. Vontade ceiros. Situações
negro e na autoestima. de saber mais. de intolerância
religiosa.

311
Estado do Rio de Janeiro
Município de Cabo Frio – Escola Municipal Agrícola 33

Localização da escola: rural


Dados da escola:
Níveis de ensino: fundamental, médio e técnico-agrícola
Número de estudantes: 501
Matutino: 310
Vespertino: 163
Ano de fundação: Decreto n.º 2.153, de 12 de janeiro de 1985

A Escola Municipal Agrícola 33 localiza-se na região rural de Cabo Frio,


distante 40 minutos de carro do centro da cidade, nos terrenos da antiga fazenda
Campos Novos, região de remanescentes de quilombolas. Fica próxima à divisa com
Búzios, onde está o Quilombo da Rasa. A escola é grande, mas suas salas de aulas
são pequenas para a quantidade de alunos, cerca de 42 em cada turma do ensino
fundamental. Como se trata de uma escola agrícola, há espaços para aulas práticas,
tais como cozinha experimental, horta, zootecnia etc. A biblioteca é grande e bem
organizada, com um acervo bibliográfico pequeno, mas variado no que se refere às
relações étnico-raciais. Durante a visita à escola, a equipe regional de pesquisa fez
uma doação de livros para a biblioteca em nome do Programa Ações Afirmativas
na UFMG. Estes foram imediatamente catalogados e incorporados ao acervo da
escola, ficando disponíveis para locação.
O anúncio de que a escola havia sido selecionada para participar da pesquisa
foi recebido com entusiasmo pelo diretor, que viu nessa escolha a oportunidade
de dar visibilidade, fora da cidade e região, ao projeto que vem sendo realizado
ali desde 2007. Todos os(as) professores(as) e funcionários(as) da escola, além da
Secretaria Municipal de Educação, pareciam estar cientes da seleção da instituição
para a pesquisa.

312
As práticas pedagógicas de trabalho com as relações
étnico-raciais
Durante o trabalho de campo, os(as) estudantes encontravam-se no período
de provas e as aulas terminavam mais cedo. Nesse período, foi possível acompa-
nhar e registrar o dia a dia dos(as) estudantes, além de participar dos preparativos
da escola para o encerramento do projeto Pé na África, edição 2009, que tem na
programação uma grande festa, com desfile da beleza negra, exposição dos traba-
lhos, shows musicais dos(as) estudantes, dança etc. Todos os preparativos, bem como
parte da programação, foram acelerados, de forma que pudessem ser acompanhados
pela equipe de pesquisadores(as).
Embora a Lei n.º 10.639/03 ainda não estivesse contemplada no seu projeto
político-pedagógico, que se encontra defasado em relação ao que ali se faz hoje,
desde 2007 a escola vem desenvolvendo um trabalho bem-sucedido na perspectiva
dessa lei, como relatou o diretor. De acordo com ele, o nome do projeto, Pé na
África, é uma alusão a uma fala do ex-presidente da República Fernando Henrique
Cardoso, que ficou famosa na sua gestão. Dentro desse projeto se inserem diversos
subprojetos que são desenvolvidos ao longo do ano. Tudo começa em abril, com
reuniões de preparação com o coletivo da escola, e o seu ápice ocorre em novembro,
mês da Consciência Negra, antes do feriado estadual em homenagem a Zumbi dos
Palmares. Trata-se de um projeto temático, e a escolha do tema varia de um ano
para o outro.
A escola tem sua memória registrada em fotos, vídeos e documentos, que
foram gentilmente cedidos à equipe de pesquisa. Esses documentos e registros, bem
como a observação em campo, mostram que a instituição busca implementar a Lei
n.º 10.639/03 seguindo um dos princípios centrais das Diretrizes (Brasil, 2004), que
recomenda a inserção da temática no cotidiano e não apenas em datas especiais. As
motivações para o trabalho na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, na Escola Muni-
cipal Agrícola 33, estão intimamente relacionadas com o perfil étnico-racial dos(as)
estudantes e da região e com os desafios que esse pertencimento apresenta para a
escola.

A dificuldade em se identificar como negro, as piadas racistas e as diferentes


formas de discriminação e agressões frequentemente vistas em sala de aula
entre os estudantes ou observadas — e por isso reproduzidas — por eles na
mídia em geral, acrescida de uma descrença no próprio futuro, o que provoca

313
um profundo e trabalhoso — para nós educadores — desinteresse pela escola,
são frutos da carência em esclarecer como a sociedade brasileira se estruturou
e como o racismo atua hoje. Se saírem do ensino fundamental com essa ideia
deturpada a respeito das imagens do negro na sociedade, esses cidadãos pos-
sivelmente vão reproduzir todas as injustiças que hoje existem ou tão somente
aceitar essas ideias, através das quais eles sofrem tanto, sem um pensamento
crítico a respeito (Trecho extraído do projeto 2008, elaborado pelo professor
de Geografia e atual diretor da escola).5

O tema proposto em 2008 visava a junção de “estudos sobre história e cultura


afro-brasileiras e o período em que a família real portuguesa veio para o Brasil –
fugindo do cerco de Napoleão – e por aqui permaneceu, fato que então completava
duzentos anos”.
O tema central do projeto Pé na África, edição 2009, é o resgate da cultura
afro-brasileira por meio de danças, músicas e ritmos. Paralelamente, diversas discus-
sões e pesquisas são desenvolvidas. Durante a pesquisa, pôde-se observar e registrar
a preparação das atividades de encerramento da edição 2009. De acordo com o
diretor e os(as) estudantes entrevistados no grupo de discussão, em 2009 o projeto
conseguiu mobilizar mais os jovens, principalmente pela escolha da temática.
A edição 2007 do projeto Pé na África ganhou o segundo lugar do Prêmio
Professor Renato Azevedo, na categoria segundo segmento do ensino fundamental
(5ª a 8ª séries), em cerimônia da Secretaria Municipal de Educação.

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


O diretor, referência do trabalho na escola, graduou-se em Geografia na UFF,
em 2003, e fez pós-graduação em História da África na Universidade Cândido
Mendes, em 2004. Em 2007, o então professor transferiu-se para a Escola Munici-
pal Agrícola 33, como responsável pela disciplina Geografia, e passou a propor tra-
balhos na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, em parceria com outras disciplinas. A
proposta de trabalho se transformou em um projeto bem-estruturado e atualmente
envolve todas as áreas.

5 Projeto História da África: uma janela para o Brasil – imagem e identidade negra brasileira, desenvolvido em
2008.

314
O grupo de discussão com os(as) estudantes
O grupo de discussão reuniu-se pela manhã, com seis estudantes – três ho-
mens e três mulheres, negros e brancos. Foi possível perceber as diversas impressões
dos(as) jovens sobre o trabalho que vem sendo desenvolvido na escola. Inicialmente,
os(as) integrantes pareciam instruídos para responder adequadamente ao que fosse
perguntado sobre o projeto, mas aos poucos foram se soltando e expressando com
mais espontaneidade sua opinião. Ao falar sobre o projeto e as atividades realizadas
na escola, bem como sobre o que se tem aprendido sobre África, cultura afro-brasi-
leira e as relações raciais na escola e no país, muitos afirmaram que a princípio não
gostaram das atividades propostas; entretanto, passaram a ver coisas interessantes
com o decorrer das atividades. Um dos estudantes destacou que “o projeto ajuda a
colocar para fora o desejo de falar, de expressar o que sabe sobre o que aprendeu”.
Outra estudante afirmou não ter gostado inicialmente do projeto: “O projeto mexe
com a escola, com as pessoas. Algumas pessoas [estudantes] que não se interessa-
vam por nada passaram a se interessar”. Ela citou como exemplo a própria irmã, que
também estuda na escola e passou a se interessar mais tarde pelo projeto.
De acordo com outro estudante, “aprender história na teoria é chato, mas
na prática é legal”. O mesmo jovem explicou que eles levam o projeto para casa,
discutem com as famílias e mostram os pontos positivos do que estão vendo, prin-
cipalmente em relação ao preconceito.
Em muitas situações relatadas pelos(as) jovens, em consonância com a afir-
mação de professores(as) e do diretor, a religião aparece como um sério entrave
para o desenvolvimento das atividades relativas à temática étnico-racial. De acordo
com uma estudante de 16 anos, cantora e compositora, por vezes a família, que
é evangélica, tenta persuadi-la a não cantar ritmos africanos e não participar das
atividades da escola que tratam de questões afro-brasileiras ou estão relacionadas às
religiões de matriz africana. Para que ela pudesse interpretar no projeto de 2009 a
canção Canto das três raças, interpretada por Clara Nunes, foi preciso muita conver-
sa da direção, dos(as) professores(as) e dos músicos para que a mãe permitisse sua
participação.
Indagados(as) sobre o que gostariam de saber sobre a África, os(a) estudantes
apontaram diversas questões, entre elas aquelas relacionadas à cultura e à religião.
Expressaram curiosidade sobre o modo como os africanos lidam com a diversidade e
destacaram a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre os modos de vida da-
queles povos. Alguns afirmaram que queriam obter mais informações positivas, pois,
segundo eles, as informações negativas sobre a África são as que mais sobressaem.

315
O papel da gestão da escola e/ou da coordenação
pedagógica
A observação em campo mostrou a importância da direção da escola na ela-
boração e na garantia da continuidade dos projetos na perspectiva da Lei 10.639/03.
No caso da Escola Municipal 33, ter o diretor como idealizador do projeto – aliado
ao fato de este ser um especialista em História da África e ter formação para o
trabalho com relações étnico-raciais – é um dos principais fatores para estimular a
adesão cada vez maior de outros professores(as), os quais passam a realizar projetos
e práticas na perspectiva dessa lei.

Formação continuada
A Secretaria Municipal de Educação, por meio da Casa do Professor, desen-
volve um processo de formação continuada para os(as) professores(as) da região, do
qual participam os(as) professores(as) da Escola Municipal 33. A Secretaria Muni-
cipal conta ainda com uma publicação intitulada Cadernos Pedagógicos, dirigida aos
professores(as) e trazendo orientações para a aplicação das Diretrizes (Brasil, 2004).
A orientação para o trabalho, na perspectiva do que propõe a Secretaria de Educa-
ção, é de responsabilidade dos(as) diretores(as).

Algumas considerações
As práticas observadas na Escola Municipal 33 mostram o resultado de um
trabalho que vem se consolidando ao longo dos dois últimos anos. Na fala de um
professor negro e que leciona Geografia, “essa lei é uma lei que pegou, ao contrário
de tantas outras que não pegaram”.
A experiência observada revela que a ação indutora e formadora da gestão
educacional do município, bem como a participação e o apoio da gestão da própria
escola, construíram um campo fértil para o enraizamento das práticas pedagógicas
na perspectiva da Lei n.º 10.639/03. Entretanto, embora o trabalho seja realizado
durante todo o ano e envolva boa parte dos estudantes e professores, a inclusão da
temática étnico-racial no projeto político-pedagógico da escola, o que ainda não foi
efetivado, pode representar a garantia da sustentabilidade das práticas atualmente
desenvolvidas.

316
Quadro 37 – Escola Municipal Agrícola 33 - Cabo Frio (RJ)

1ª Di- Aparência da escola Estrutura física da escola


mensão:
Estrutura
A escola é bem conservada, com
física e Grande área construída, embora as
pinturas nas paredes produzidas
aparên- salas de aula sejam pequenas. Há es-
dentro das atividades do Projeto Pé
cia da paços para realização de aulas práticas.
na África.
escola

Tipo de trabalho e Motivações para


Características da gestão
responsável/propo- a realização do
(direção e coordenação)
sitor trabalho
2ª Di-
mensão:
Envolvi-
mento da O Projeto Pé na
O atual diretor da escola é
gestão África foi concebido O reconhecimento
bastante atento às discus-
e do pelo atual diretor, do perfil étnico-ra-
sões étnico-raciais. Já fez
coletivo que atualmente é cial dos estudantes
cursos de formação na
responsável pela im- e o papel indutor do
temática e é referência na
plantação, formação diretor.
escola.
e acompanhamento.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


3ª Di-
mensão:
Forma-
ção conti- Os processos de formação continuada
Bom acervo bibliográfico voltado
nuada e para os professores da região são ofe-
para a temática étnico-racial e
material recidos pela Casa do Professor, ligada
interesse em aumentá-lo.
de apoio à SMED.

Formação ética dos estu- Formação conceitual Principais dificulda-


dantes (trato da diversidade) dos estudantes des no trabalho

4ª Di-
mensão:
Embora demonstrem
Avanços Conflitos religiosos
que aprenderam mui-
e limites Impactos na autoidentifica- com famílias evan-
to sobre a África e a
do traba- ção racial com referências gélicas que apre-
cultura afro-brasileira,
lho à contribuição africana, sentam entraves ao
alguns estudantes
ressignificada a partir da trabalho. Influência
evidenciam algumas
especificidade quilombola. estereotipada da
contradições do
mídia.
racismo.

317
Município de Itaguaí – Escola Municipal 34

Localização da escola: rural


Dados da Escola:
Níveis de ensino: educação infantil e primeiro segmento do ensino fun-
damental
Número de estudantes: 181
Matutino: 92
Vespertino: 89
Ano de fundação: 5 de julho de 1966

Localizada no bairro Mazombinha, região rural de Itaguaí, a Escola Muni-


cipal 34 encontra-se instalada num terreno cedido pelo militar que dá nome a ela.
Da entrada é possível avistar a região da Serra da Mazomba, que integra a Mata
Atlântica, com nascentes que formam o leito do Rio Mazomba. De acordo com
algumas interlocutoras encontradas na escola, o termo “mazombo” possui signifi-
cados contraditórios incorporados pelos moradores da região ao seu modo de se
referir ao lugar. Numa primeira acepção, o termo designa “lugar de povo livre”,
uma alusão aos negros escravizados que se refugiavam na região montanhosa e de
difícil acesso da Serra da Mazomba em busca da liberdade. Outro sentido conferi-
do à palavra aponta o lugar como “vale das trevas”, uma referência que os antigos
moradores fazem aos castigos físicos impostos aos negros, na época da escravidão,
nas fazendas da região.
A escola atende a demandas da educação infantil e do primeiro segmento do
ensino fundamental, nos turnos da manhã e da tarde. Apresenta uma ótima aparência
e uma estrutura física adequada ao desenvolvimento de suas atividades. Nota-se, no
entanto, a ausência de uma área adequada ao desenvolvimento de atividades físicas.
Os contatos telefônicos e a troca de mensagens eletrônicas entre membros
da equipe regional sudeste e a coordenadora pedagógica da escola já antecipavam
a boa receptividade em relação ao projeto de pesquisa, o que se confirmou com a
chegada do pesquisador no aeroporto do Rio de Janeiro, onde havia um motorista
da Secretaria Municipal de Educação para transportá-lo até a região de Mazomba,
município de Itaguaí, em pleno domingo.

318
Por se tratar de um evento inédito na escola, a chegada da pesquisa foi aguar-
dada com muita expectativa. O primeiro contato presencial, onde foram apresen-
tados os objetivos da pesquisa, reuniu a diretora, a coordenadora pedagógica e a
coordenadora de Temas Transversais/Africanidades da Secretaria Municipal de
Educação de Itaguaí. Além de conceder entrevista para a pesquisa, essa coordena-
dora esteve presente na escola todos os dias, acompanhando passo a passo o tra-
balho de campo. Vários registros e documentos disponibilizados pelo campo foram
selecionados por ela.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
Durante o primeiro encontro na escola, a diretora, a coordenadora pedagógica
e a coordenadora da Secretaria discorreram brevemente sobre o projeto desenvolvido
na escola, intitulado Brasil de todos os povos. As atividades desenvolvidas em torno
desse projeto tiveram seu ápice nos dias da realização do trabalho de campo. Toda
a escola e a comunidade estavam envolvidas com a apresentação das produções dos
estudantes, que fizeram referência à presença de vários povos e culturas na construção
da identidade brasileira. Essa foi uma oportunidade para se verificar as representações
em torno da participação da população negra na construção dessa identidade.
Elementos da cultura afro-brasileira podem ser observados em diversos espa-
ços da escola, tais como murais, corredores e algumas salas de aula. A sala de leitura
da escola, por exemplo, parece funcionar como centro de convergência e irradiação
da produção das turmas em torno de várias temáticas, e o resultado dessa produção
encontra-se exposto em vários pontos da sala. Nesse espaço é possível perceber tam-
bém a intenção da escola de trabalhar com o tema da educação das relações étnico-
-raciais. Os dizeres de um cartaz exposto na sala manifestam o engajamento da escola
em torno dessa temática: “O que nos diz o nosso PPP sobre a Lei n.º 10.639/03?
‘Observar e concretizar ações durante todo o processo de aprendizado contribuindo
para o aprimoramento do respeito e valorização da cultura afro-brasileira’”.
Durante o trabalho de campo na escola, a docente responsável pela disci-
plina Ciências Sociais e Humanas anunciou seu propósito de desenvolver, no ano
2010, um projeto visando resgatar a memória da região de Mazomba. Contando
com a contribuição de moradores mais velhos do bairro, com registros históricos
sobre o município e, sobretudo, com o envolvimento dos estudantes nesse trabalho,
a professora pretendia contribuir para a construção da identidade dos sujeitos que
habitam o local. De acordo com essa docente, a construção coletiva da identidade

319
encontra-se expressa na Lei n.º 10.639/03, no sentido de traduzir para a experiência
local elementos da cultura afro-brasileira presentes no meio em que se vive.

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


No decorrer do trabalho de campo na Escola Municipal 34, ficou visível a
disposição dos(as) profissionais da escola de tratar com seriedade e compromisso os
desafios da educação das relações étnico-raciais, não obstante o conjunto de desafios
enfrentados, sobretudo os de ordem religiosa, destacados por praticamente todas as
entrevistadas na pesquisa. Destaca-se a atuação da diretora e coordenadora pedagógica.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Participaram do grupo de discussão 6 estudantes negros e brancos, de 9 a 13
anos, do 4º e 5º anos do ensino fundamental. O encontro com os(as) estudantes
ocorreu na sala de leitura da escola, onde também esteve presente a coordenadora
pedagógica, acompanhando o trabalho. Depois de conhecer a proposta da pesquisa
e os(as) pesquisadores(as), as crianças foram convidadas a percorrer a sala, aprecian-
do os materiais que estavam expostos ali e que haviam sido produzidos ao longo
do projeto. Entre os cartazes, os objetos e os livros, os estudantes deveriam esco-
lher um que melhor expressasse o que eles estavam aprendendo sobre a história da
África e a cultura afro-brasileira. Após a escolha, as crianças foram convidadas a
expressar em uma folha, através de desenho ou escrita, o significado que o estudo
das relações étnico-raciais/africanidades tinha para eles. Os relatos a seguir foram
escritos pelos(as) estudantes, que buscaram expressar seus sentimentos quanto ao
tema apresentado:6

Quando a professora passa a cultura brasileira eu acho importante e também


a cultura africana. É importante porque a gente aprende um pouco mais sobre
a africanidade ( João, 10 anos, 4º ano).
O que eu sinto sobre a África é uma grande tristeza porque eles trabalhavam
e não recebiam nada e ainda apanhavam (Mariana, 11 anos, do 4º ano).
Eu acho que os africanos são esforçados e inteligentes e eles sofriam muito
(Pedro, 10 anos, 4º ano).

6 Os nomes das crianças são fictícios.

320
Eu me sinto como se eu estivesse fazendo uma viagem nos tempos dos negros
nossos antepassados (Maria, 9 anos, 5º ano).
Eu sinto que todos devem ser unidos: branco, negro, porque nosso país é de
todos os povos ( Joana, 13 anos, 5º ano).

O papel da gestão da escola e/ou coordenação


pedagógica
As conversas com os sujeitos da pesquisa revelaram que o tratamento do tema
das relações étnico-raciais na rede municipal antecede o texto da Lei n.º 10.639/03.
De acordo com a coordenadora de Temas Transversais/Africanidades da Secretaria
Municipal de Educação, sua relação com a história da África e da cultura afro-brasi-
leira deriva inicialmente de sua formação em Educação Artística. Seu ponto de vista é
de que “ninguém fala da história da arte no Brasil sem trabalhar a questão da África”.
Por afirmar essa convicção, ela reforça a ideia de que a abordagem do tema já fazia
parte de sua trajetória antes mesmo da promulgação da Lei n.º 10.639/03 e de suas
Diretrizes (Brasil, 2004). Entretanto, de acordo com a sua compreensão, a existência
dessa lei altera em grande medida a forma de relação das escolas com o tema:

Bom, eu sou professora de arte na rede estadual e eu tive conhecimento da lei


em 2003. Mas é aquela coisa; eu enquanto professora, a gente não via ninguém
dentro da escola que eu trabalhava falando dessa lei. Parece que ela foi uma
coisa que ninguém parecia tomar conhecimento. Quando chegou em 2005, eu
cheguei na escola e tinha um cartaz anunciando um curso sobre a lei e queriam
que enviassem um professor de história, artes ou literatura para fazer esse curso
de extensão pela Faculdade Cândido Mendes. E eu fui. Mas ali eu fui como
professora e você pensa que é uma aluna. Eu pensei assim: o que eu vou saber
mais disso daí? Eu já vi tanta coisa em livro... De repente, o que vai interessar
isso pra mim? Na aula inaugural eu percebi que eu não sabia nada! Porque no
texto que o professor indicou para leitura, eu vi que não sabia nada. E então eu
entrei de cabeça para começar o trabalho desde que comecei a trabalhar na Se-
cretaria de Educação com essa coordenação [de temas transversais]. E um dos
temas, é claro, é a pluralidade cultural e eu já estava o tempo inteiro enfocando
e trabalhando [...] Daí em diante, eu terminei o curso de extensão da Cândido
Mendes, fiz um outro de extensão on line pela Universidade de Brasília e fiz
uma pós pela Universidade Católica de Petrópolis, todos eles relacionados com
a questão da educação das relações étnico-raciais. Eu já tinha feito os cursos e

321
então fui procurando saber o que tinha aqui dentro do município relacionado
com o tema para melhor organizar o trabalho junto das escolas de Itaguaí (Co-
ordenadora de Temas Transversais/Africanidades da SME).

A mobilização iniciada a partir das iniciativas da Secretaria Municipal de


Educação repercutiu no conjunto da rede municipal e a emergência do tema no
plano municipal influiu nas práticas desenvolvidas pelas profissionais da Escola
Municipal 34, que tem na coordenadora pedagógica da escola uma das grandes
incentivadoras e apoiadoras do trabalho.

Algumas considerações
De acordo com os relatos, à medida que o trabalho de formação com as pro-
fessoras avançou, houve mais abertura para trabalhar o tema africanidade em sala de
aula, pois o perfil racial dos estudantes e a história da comunidade rural do bairro
de Mazomba indicavam a necessidade de trabalhar esse tema. A implementação
das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para
o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (Brasil, 2004) proporcionou
um deslocamento do tratamento do tema, reflete uma das professoras entrevistada
durante o trabalho de campo. De uma forma esporádica, relacionada aos eventos
do calendário político-civil, passou-se a uma abordagem mais vinculada ao campo
da cultura e da valorização da diversidade cultural brasileira, de modo a trabalhar
questões voltadas à identidade cultural e à autoestima dos(as) estudantes.
Na comunidade destaca-se a presença de famílias evangélicas de igrejas não
renovadas, fato também manifestado nos perfis do corpo docente, da direção e da
coordenação pedagógica da escola. Entretanto, antes que isso represente um fecha-
mento para a abordagem dos temas emanados da Lei n.º 10.639/03, a escola pro-
move um amplo debate interno – nos processos de formação em serviço – e externo,
com a comunidade escolar. Esse debate tem colaborado para enfrentar barreiras
da intolerância religiosa, viabilizando o trabalho pedagógico, contribuindo para a
construção da identidade dos sujeitos e promovendo interações que respeitem a
diversidade característica da formação do povo brasileiro.
Percebeu-se que, não obstante o trabalho criativo desenvolvido pelas pro-
fessoras, coordenação pedagógica e direção, no sentido de proporcionar a intera-
ção dos(as) estudantes(as) com material didático compatível com a abordagem crí-
tica sobre a história da África e cultura afro-brasileira, preconizada pela Lei n.º

322
10.639/03, a experiência desenvolvida pela escola carece de referências bibliográ-
ficas e pedagógicas que apresentem os temas para a educação infantil e as séries
iniciais do ensino fundamental.

Quadro 38 – Escola Municipal 34 - Itaguaí (RJ)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimen-
são: A escola apresenta uma estrutura
Estrutura A escola apresenta um bom estado física adequada ao desenvolvimen-
física de conservação e ostenta uma série to de suas atividades. Nota-se, no
e aparência de trabalhos já produzidos pelos entanto, a ausência de uma área
da escola estudantes nas atividades. adequada ao desenvolvimento de
atividades físicas.
Tipo de trabalho e
Características da gestão Motivações para a
responsável/pro-
(direção e coordenação) realização do trabalho
positor
2ª Dimen-
são: O projeto Brasil de
O trabalho na rede
Envolvi- Envolvimento e com- todos os povos,
municipal com as
mento da promisso da gestão da sob a responsabili-
relações étnico-raciais
gestão e escola e coordenação dade da coordena-
antecede a Lei, mas a
do coletivo em contribuir para os dora pedagógica,
percepção da diversi-
trabalhos na perspectiva conta com o envol-
dade dos estudantes
da Lei n.º 10.639/03 e vimento do coletivo
motivou os trabalhos.
suas Diretrizes. de profissionais da
escola.

3ª Dimen- Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


são:
Formação Escassez de material pedagógico Nota-se a necessidade de incor-
continuada (livros, filmes, mapas, etc.) adequa- porar, nos processos de formação,
e material do ao tratamento crítico e voltado às aspectos relacionados à corporeida-
de apoio séries iniciais. de e aplicados à educação infantil.

Formação ética dos


Formação conceitu- Principais dificuldades
estudantes (trato da
al dos estudantes no trabalho
diversidade)
A formação continu-
ada das professoras
4ª Dimen- para lidar com temas
As histórias de
são: relacionados à africa-
Os estudantes demons- resistência da po-
Avanços e nidades configura-se
tram ter consciência pulação negra são
limites do como um desafio a
acerca da importância da trabalhadas com as
trabalho ser enfrentado. Há
valorização da diver- crianças tendo em
necessidade de es-
sidade e se respeitam vista os diversos
tudo e de referências
mutuamente. contextos sociocul-
bibliográficas sobre a
turais.
temática étnico-racial
na educação infantil e
séries iniciais.

323
Estado do Espírito Santo
Município de Vila Velha – Escola Estadual Oral e Auditiva 35

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Nível de ensino: escola de apoio (modalidade educação especial), não re-
gular
Número de estudantes: aproximadamente 60 estudantes
Obs: Muitos estudantes matriculados comparecem quando necessitam,
portanto em dias alternados
Ano de fundação: agosto de 1990

A Escola Especial de Educação Oral e Auditiva 35 está localizada na Praia


da Costa, em Vila Velha, Espírito Santo, em frente à residência oficial do gover-
nador do estado. A escola é grande, arejada, extremamente limpa e em seu en-
torno existem poucas residências. Tem uma quadra para educação física, salas de
aulas e salas para aprendizagem da língua brasileira de sinais (Libras). Uma das
salas de aulas atende especificamente estudantes com múltiplas deficiências. Há
também uma sala pequena, com poltronas, em que alguns familiares costumam
aguardar os filhos até que terminem as aulas. São oferecidas refeições no turno da
manhã e no da tarde.
O anúncio de que a escola havia sido indicada pela Secretaria Estadual de
Educação do Espírito Santo para participar da pesquisa foi recebido por sua equi-
pe com um misto de surpresa e alegria. Durante o primeiro contato telefônico,
sua pedagoga informou que se tratava de um educandário de apoio a estudantes
surdos, não sendo, portanto, uma escola regular. Ressaltou, entretanto, a impor-
tância da realização da pesquisa ali e disponibilizou tudo o que fosse necessário
para a realização do trabalho, além de uma tradutora-intérprete para acompanhar
a equipe.

324
As práticas pedagógicas de trabalho com as relações
étnico-raciais
Como se pôde constatar no período de trabalho de campo, um novo currículo
escolar foi elaborado e lançado oficialmente pela Secretaria Estadual de Educação,
no dia 30 de novembro de 2009, para ser implantado em todas as escolas estaduais
do Espírito Santo. Em decorrência disso, as escolas realizaram reuniões com pais,
mães e responsáveis para apresentar a proposta do novo currículo, além de enviar
documentos para a Secretaria informando oficialmente o que havia sido realizado.
Nesse novo currículo, composto por oito volumes, a temática das relações
étnico-raciais ocupa uma unidade. Apesar de representar um avanço no que diz
respeito à inserção dessa temática, pois prevê também um acompanhamento desse
trabalho, o lançamento do novo currículo expõe algumas das dificuldades encon-
tradas, uma vez que não se conhece nenhuma publicação elaborada pela Secretaria
para subsidiar as práticas pedagógicas e divulgar as experiências na perspectiva da
Lei n.º 1.639/03 já desenvolvidas no estado nos últimos anos.
De acordo com os(as) profissionais entrevistados(as), para muitos(as) estu-
dantes que já não frequentam mais uma escola regular – o que é uma exigência da
Secretaria – a Escola Estadual 35 constitui um dos únicos espaços que possibilitam
uma socialização saudável, para que eles não se sintam excluídos. Muitos também
sofrem processos de exclusão no interior de suas famílias, em função de diversos fa-
tores, entre eles a rejeição à deficiência que portam. De acordo com os(as) profissio-
nais, esse Quadro poderia ser amenizado se os familiares aprendessem Libras, por
exemplo. No entanto, mesmo diante da oferta de cursos para os familiares, em geral
eles não participam ou, quando iniciam, logo desistem. Os motivos de tal situação
são vários e merecem ser discutidos pedagogicamente.
A aplicação da Lei n.º 10.639/03 na Escola Estadual 35 ainda se encontra
em processo inicial. A maioria dos(as) professores(as) era recém-contratada na esco-
la e tinha conhecimento da existência dessa lei, mas nenhum(a) deles(as) conhecia
suas Diretrizes (Brasil, 2004). Não obstante esse desconhecimento, o que se encon-
trou foi um grupo de professores(as) bastante motivados(as), trabalhando em con-
junto pela primeira vez e entusiasmados(as) com o retorno desse trabalho devido à
participação dos(as) estudantes e dos(as) colegas.
No seu depoimento, a intérprete e estudante de Pedagogia, que tem especializa-
ção em Libras e trabalha há três anos na escola, menciona os trabalhos desenvolvidos
atualmente e explica a especificidade do trabalho com jovens e adolescentes surdos.
Ao se reportar ao trabalho desenvolvido pela professora de Português durante uma

325
aula com estudantes adolescentes e adultos em processo de alfabetização, mas que já
sabem se comunicar relativamente bem em Libras, a intérprete relata o trabalho com
o livro Menina bonita do laço de fita:7

Porque nos sinais tem diferenças pra certos sinais que você faz. Então às vezes
eles não entendem muito bem. Eles também estão num processo de aprendi-
zado na vida também. Então o que acontece quando eles vão se referir a preto
eles se referem às vezes como raça pra objeto. Então eu quis colocar pra eles
a diferença porque eles já haviam aprendido antes sobre os sinais. E cores. E
nós explicamos que cores para objetos são diferentes de cores para as raças.
Então pra ficar bem frisado ali no texto que raça é diferente de objeto, que
nós estamos falando de raça então eu falei com eles que raça enquanto cor
negra era um sinal. Agora, a cor preta para objeto era outro sinal. Que não
se pode confundir. Ai eu dei exemplo. Por exemplo, eu mesma, eu sou negra.
Então meu sinal... sinal de negro é esse sinal, porque pertence ao sinal do
mapa do país África. (rsrsrs) Esse é o sinal do país África. Então ai tem pra
eles saberem. Porque quando eles verem o sinal de novo eles vão ligar: Ah! O
país África... pessoa negra. E a diferença de cor. Qualquer objeto é outro sinal.
Entendeu? ...(rsrsrs).

Outra prática pôde ser observada durante a aula com estudantes portadores de
múltiplas deficiências. Muito entusiasmada, a professora também decidiu trabalhar a
história do livro Menina bonita do laço de fita. Para isso, ela precisou pedir o livro em-
prestado em outra escola, o que por si só já revela a carência de acervo bibliográfico da
escola de ensino especial. Além do livro, a professora trouxe para a sala duas bonecas,
uma negra e outra branca, indicando que, como parte das atividades, os(as) estudantes
deveriam cortar fotos de pessoas brancas, negras etc. Seu espanto foi grande quando
observou que os(as) estudantes não estavam recortando fotos de pessoas negras. Ao
ser indagados(as), eles(as) disseram que essas fotos eram feias, por isso não iriam cor-
tá-las. Um dos estudantes se recusou terminantemente a fazê-lo. A professora apro-
veitou essa situação para discutir com eles(as) as diferenças, mostrar pessoas negras de
renome, bonitas, importantes. O resultado foi um cartaz que foi colado na sala. Vale
destacar que o estudante que se recusara a recortar pessoas negras para colar no cartaz
foi visto, durante o trabalho de campo, muito educado e entusiasmado, participando

7 livro de Ana Maria Machado. Editora Ática, São Paulo, 2000.

326
dos ensaios para o teatro sobre aceitação das diferenças, que seria apresentado para
toda a escola.

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


As práticas observadas na escola são derivadas de uma proposta elaborada
por duas pedagogas, solicitadas pela diretora da escola para assessorar as atividades
relacionadas às relações étnico-raciais e outros projetos. Tal proposta foi apresentada
aos professores(as) para ser desenvolvida ao longo do semestre. Várias dessas ativi-
dades eram realizadas de forma interdisciplinar e, por isso, segundo as professoras,
interessavam aos estudantes. O ápice dessas atividades estava previsto para a semana
de 20 de novembro de 2009. De acordo com a diretora, as professoras pensaram em
realizar um evento na praça do centro de Vila Velha e, assim, envolver as famílias e
a comunidade. Entre as atividades desenvolvidas pelos professores(as) e estudantes,
chamava atenção a maquete de futebol que estava em construção e se encontrava
exposta no hall de entrada da escola. De acordo com as docentes entrevistadas, essa
produção foi iniciativa de uma delas, dentro do projeto Futebol e etnia, atividade
pensada com o propósito de atrair a atenção dos(as) estudantes para o tema e para
as aulas.

O papel da gestão e/ou da coordenação pedagógica


De acordo com a diretora, o trabalho na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 foi
mais intenso em 2009, em função de menor resistência por parte do atual grupo de
professores(as). A entrada de professores(as) mais novos(as) e mais motivados(as)
ajudou a mudar a opinião corrente de que seria muito difícil trabalhar tantos pro-
jetos, além de ensinar Libras e atender aos estudantes em suas dúvidas. Para o con-
junto de docentes que saiu da escola, não seria necessário trabalhar esses temas na
escola de apoio, uma vez que os estudantes já frequentam uma escola regular. Com
a saída desses(as) professores(as), a escola passou a investir novamente nos projetos;
entre eles, os voltados para a aplicação da Lei n.º 10.639/03. Para isso, a partici-
pação ativa da diretora foi determinante, sobretudo no que se refere à solicitação
das duas pedagogas responsáveis pela elaboração das linhas gerais do projeto, a ser
desenvolvido ao longo do semestre. Um dos desafios mais evidentes desse trabalho
é o de inseri-lo no processo de alfabetização, tanto em português quanto em Libras.

327
O grupo de discussão com os(as) estudantes
Como os projetos desenvolvidos pela escola são realizados nos 2 turnos e
não seria possível formar um grupo com estudantes da manhã e da tarde ao mesmo
tempo, a equipe de pesquisa optou por 2 grupos de discussão, um pela manhã e ou-
tro à tarde. Todavia, não foi possível reunir 6 estudantes em cada um. Pela manhã,
participaram 3 estudantes, 1 mulher e 2 homens, com idades de 11, 16 e 23 anos. O
grupo da tarde contou com a participação de 4 rapazes, 2 brancos e 2 negros, com
idades de 13, 19, 22 e 23 anos.
Os grupos reuniram-se em clima de muito entusiasmo por parte dos(as) es-
tudantes, prejudicado pelas dificuldades de expressão e de compreensão porque a
equipe de pesquisa não dominava a Libras. Por isso, ao clima de ansiedade mistura-
va-se a timidez, entre os(as) jovens e os(as) adolescentes.
Apesar de todas as dificuldades que a situação de pesquisa acarretava, os(as)
estudantes demonstraram, no grupo de discussão, ter compreendido a proposta do
teatro com relação ao preconceito e ao respeito àqueles que são diferentes. Um dos
estudantes, branco e de 23 anos, considerado muito preconceituoso pelos colegas,
admitia ter sido preconceituoso e não gostar de pessoas negras. Entretanto, depois
da discussão, do teatro e das aulas com a professora responsável, ele disse que havia
mudado, pois percebia que estava errado e não podia continuar assim.
No que se refere à compreensão das questões relativas às relações raciais e
às culturas africana e afro-brasileira, observou-se que os(as) estudantes estão ainda
no início. Ficou evidenciado, portanto, que esse trabalho precisa ser feito sempre,
lançando mão de diversas possibilidades para tornar um tema tão complexo para
todos(as) nós acessível e compreensível aos(às) estudantes surdos(as). Eles tiveram
dificuldades para compreender noções como África e mundo, bem como para res-
ponder à questão sobre o que gostariam de saber sobre a África. A intérprete recor-
reu ao mapa-múndi e tentou diversas traduções, mas a dificuldade se manteve forte.

Formação continuada
Uma das dificuldades concretas enfrentadas pelas profissionais da escola rela-
ciona-se à ausência de materiais específicos para o trabalho com a Lei n.º 10.639/03,
bem como à inexistência de biblioteca ou de cursos de formação continuada para
os(as) professores(as) da instituição. De acordo com a diretora, essa defasagem tem
sido justificada pela Secretaria Estadual de Educação pelo fato de a escola não ser
regular, mas somente de apoio. Ela informou ainda que, no ano de 2008, indicou

328
uma professora para participar da formação oferecida pela Secretaria, mas esta não
foi selecionada com a justificativa de que o curso seria para professores de escolas
de ensino regular.

Algumas considerações
Com base nos depoimentos colhidos e nas práticas observadas na escola,
é possível afirmar que as atividades na perspectiva da Lei n.º 10.639/2003 estão
em processo inicial. O entusiasmo dos(as) professores(as) e o envolvimento dos(as)
estudantes sugerem que os trabalhos na perspectiva dessa lei encontram terreno
fértil na escola. No entanto, fica evidente a necessidade de inclusão das temáticas
afro-brasileira e africana nos processos de formação de professores(as) da educação
especial.
Embora represente um avanço em comparação ao restante do país, a obri-
gatoriedade de inclusão da Lei n.º 10.639/03 no currículo das escolas públicas es-
taduais do Espírito Santo ainda apresenta limites. Um deles é a ausência de um
trabalho sistemático voltado para a formação de professores(as) na perspectiva dessa
lei, principalmente daqueles que atuam na educação especial. Tal situação pode,
em alguns casos, acabar reforçando resistências e estereótipos, além de perpetuar
aspectos equivocados da história da África e da cultura afro-brasileira e não ajudar
a melhorar as relações entre negros e brancos no espaço escolar. O cumprimento
da Lei n.º 10.639/03 precisa ser acompanhado de políticas e práticas de formação,
melhoria do acervo bibliográfico, garantia de condições dignas de infraestrutura das
escolas, monitoramento e avaliação.
Para aqueles que atuam somente no ensino regular, a dimensão da comple-
xidade do trabalho realizado na Escola Estadual Oral e Auditiva 35 talvez seja de
difícil compreensão. Como construir um diálogo atento para saber o que os(as)
estudantes surdos compreendem sobre as questões afro-brasileira e africana? Como
captar seus preconceitos para trabalhá-los? Como explicar-lhes a riqueza do con-
tinente africano? Como explicar-lhes conceitos como racismo, discriminação, pre-
conceito e ações afirmativas? Estes são questionamentos novos trazidos pela Lei
n.º 10.639/03 e suas Diretrizes, que exigem um estudo específico e aprofundado.
Todavia, só o fato de esses questionamentos estarem inseridos na Escola Estadual
Oral e Auditiva 35 pode ser considerado um avanço no processo de implementação
da Lei n.º 10.639/03.

329
Quadro 39 – Escola Especial de Educação Oral e Auditiva 35 - Vila Velha (ES)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimen-
são:
Estrutura
física e A escola é grande, arejada, limpa Ótima infraestrutura, diferentes
aparência e adaptada aos estudantes com espaços, além de equipamentos
da escola deficiência. audiovisuais.

Tipo de trabalho
Características da gestão Motivações para a rea-
e responsável/
(direção e coordenação) lização do trabalho
propositor

2ª Dimen- Exigência estadual de


são: Os trabalhos
Apesar de empenhada, a que todas as escolas
Envolvi- realizados se dão
diretora reconhece seus do estado fizessem
mento da durante as aulas
limites em relação à temáti- a inserção da Lei n.º
gestão e e são propostos
ca. Nesse sentido, solicitou 10.639/03 no currículo
do coletivo pelas pedagogas.
duas pedagogas que se e realizassem práticas
Projeto Futebol
responsabilizariam pela pedagógicas voltadas
e etnia; reflexões
elaboração e acompanha- para o seu cumpri-
sobre raça, etnia
mento do trabalho. mento no cotidiano da
e discriminação.
escola.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe


3º Dimen-
são:
Formação Apesar da motivação e empolgação
continuada Escassez de material didático e de
dos professores, nenhum deles
e material apoio na perspectiva das relações
passou por curso de formação
de apoio étnico-raciais.
continuada.

Formação ética dos estu- Formação


Principais dificuldades
dantes (trato da diversi- conceitual dos
no trabalho
dade) estudantes

4º Dimen- Os conhecimen-
Apesar da legisla-
são: tos adquiridos
ção estadual, ainda
Avanços e Apesar das dificuldades de pelos estudantes
falta apoio logístico e
limites do comunicação e compreen- surdos apresen-
formativo. Falta inserir
trabalho são de termos relacionados tam-se limitados,
o trabalho com as rela-
à temática, os estudantes sinalizando
ções étnico-raciais nos
começaram a refletir sobre que na escola
processos de alfabeti-
seus preconceitos. regular o trabalho
zação em português e
também não é
em Libras.
realizado.

330
Estado de São Paulo
Município de Campinas – Escola Municipal de Ensino Fundamental 36

Localização da escola: urbana


Dados da escola:
Níveis de ensino: fundamental e Educação de Jovens e Adultos
Número de estudantes: 1.800 (aproximadamente)
Ano de fundação: fevereiro de 1976
IDEB observado (2009): 6.4 (4ª série / 5º ano) e 4.8 (8ª série / 9º ano)

A Escola Municipal de Ensino Fundamental 36 se localiza em um bairro da


periferia da cidade de Campinas, São Paulo, onde, segundo os funcionários da esco-
la, a violência tem aumentado significativamente. Devido à localização e ao número
expressivo de estudantes atendidos nos três turnos, nem sempre os(as) docentes
aprovados em concursos públicos ou os contratados para atuar na escola fazem a
opção de trabalhar ali.
A escola é cercada por um muro baixo e conta com várias câmeras de vídeo
filmando tudo o que acontece dentro e fora da instituição. Entretanto, não há con-
senso em relação ao uso desses equipamentos. Talvez em função do controle exer-
cido pelas câmeras, o espaço escolar é visto como agradável, tanto por estudantes
quanto pelos(as) profissionais que ali trabalham e parecem gostar de estar na escola.
Esta conta com boa infraestrutura, diversas salas e espaços físicos bem conservados,
além de vários equipamentos audiovisuais.
Nos murais da escola está a produção dos(as) estudantes de vários ciclos ou
turnos, que geralmente contam com a colaboração de algum docente. Entre as pro-
duções expostas, chama a atenção o jornal mural, em que são discutidos temas da
mídia impressa ou de interesse geral da comunidade escolar. Com certa periodici-
dade, após cada edição, o jornal é recolhido do Quadro e catalogado na memória
da escola.
A biblioteca possui um acervo que atende a proposta de leitura e pesquisa,
dos ciclos iniciais à EJA. Esse acervo é atualizado na medida das necessidades e
solicitações dos(as) professores(as). O atendimento na biblioteca ocorre no período

331
da manhã e, parcialmente, à tarde, mas isso não impede que os(as) professores(as)
e seus estudantes façam uso do espaço sem a presença da funcionária responsá-
vel. As publicações de literatura infanto-juvenil – e as que visam à formação de
professores(as) – voltadas para as questões étnico-raciais são em pequeno número.
Tanto a diretora da escola quanto a coordenadora pedagógica mostraram-se
muito interessadas e felizes com a realização da pesquisa na instituição. Desde o pri-
meiro contato telefônico até o início das atividades, elas se colocaram sempre à dispo-
sição para contribuir no que fosse preciso. Essa disponibilidade foi endossada com a
seguinte afirmação da diretora: “Já não é sem tempo dar visibilidade ao trabalho que
vem sendo desenvolvido aqui na escola, vocês estão chegando na hora certa”.

As práticas pedagógicas de trabalho com as relações


étnico-raciais
Durante o trabalho de campo, foi possível observar que muitos projetos edu-
cacionais são desenvolvidos na instituição: Africanidades: educando para a igual-
dade; Informática; Pedagogia da imagem; Jogos escolares municipais; Coral e jazz,
entre outros. Também por isso, a instituição é considerada pela comunidade uma
referência local. De acordo com alguns docentes, isso acontece por causa do traba-
lho ali desenvolvido e, sobretudo, pelo engajamento dos profissionais da educação
presentes na instituição.
A proposta do projeto Africanidades: educando para a igualdade teve início
em 2003, na gestão anterior. Iniciado pela ex-diretora da escola depois do curso de
formação promovido pela Secretaria Municipal de Educação para a implementação
da Lei n.º 10.639/03, o projeto teve continuidade com um professor-referência,
uma orientadora pedagógica e o coletivo de professores(as), e já alcança resultados
positivos. Esses resultados são apontados pelos próprios sujeitos e dizem respeito à
apropriação de novos conhecimentos e a mudanças de comportamentos em relação
ao outro, tanto por parte dos(as) estudantes quanto dos(as) docentes. Outro resulta-
do apontado é a valorização da autoestima, sobretudo dos(as) estudantes negros(as).
Vários foram os relatos de professores(as) constatando que, depois da realização do
projeto, os(as) estudantes negros(as) começaram a se perceber de forma positiva,
evidenciada pelo “lidar com o cabelo e o se assumir mesmo como negro”.
Constatou-se que as atividades desenvolvidas pelo projeto Africanidades, de
forma geral, abrangem todas as disciplinas da escola, com orientação e acompa-
nhamento do professor de História. Geralmente, os docentes informam a ele, com

332
antecedência, qual trabalho será desenvolvido em determinado momento, e o pro-
fessor disponibiliza todo o material necessário para que ocorra a discussão. Afirmam
alguns docentes:

A minha participação no projeto se deu, primeiramente, como uma mulher


negra e através do apoio do professor de História (...) a importância da Lei
consiste em redimensionamentos de posições e de posturas de intolerância e de
percepção de que o “outro”, apesar de pele diferenciada (...) ele tem a sua cul-
tura. Esse eu acho que é o papel fundamental da Lei (Professora de História).
Eu comecei a trabalhar, nos três primeiros anos, a identidade, o nome... depois
o nome, os apelidos carinhosos – a quem colocar, por que colocar? Estudamos
sobre apelidos de que não gostamos, apelidos e atitudes que não gostamos e
com a participação da família (...) e a partir daí vamos dar continuidade... com
igualdade racial (...) Foi muito interessante, no ano passado uma aluna me
perguntou: ‘de que cor eu sou?’ E ela é negra. ‘Eu sou mulata?’ E eu devolvi a
pergunta para a sua mãe: ‘de que cor você é?’ Aí ela veio e me disse: ‘profes-
sora, a mamãe falou que eu sou negra!’ E aí o cabelo mudou, ela fazia de tudo
no cabelo dela. Por isso eu penso que às vezes a gente não faz diferença para
um todo, mas pelo menos para um a gente vai fazer a diferença! (Professora
de Português – anos iniciais do ensino fundamental).

Perfil do(a) principal responsável pelo trabalho


O professor que leciona História na EJA e no ensino fundamental se autode-
clara branco, responde pela formação dos(as) demais professores(as) e pelo projeto
Africanidades e é hoje a referência do desenvolvimento do projeto na escola. Ele
trabalha com a formação de outros(as) professores(as), subsidia os materiais didá-
ticos e ajuda na produção da mostra Africanidades, o auge de todos os trabalhos
realizados pelos docentes ao longo do ano letivo. Geralmente, essa mostra acontece
no dia 20 de novembro. Durante a entrevista, a relação entre o trabalho desenvol-
vido com a educação das relações étnico-raciais e o seu pertencimento étnico-racial
emergiu do diálogo. Nesse momento, o professor revelou que a iniciativa vem da
sua postura profissional como docente de História, da sensibilidade ao perceber a
reprodução da desigualdade racial no interior da sala de aula e do fato de ser ele
mesmo uma pessoa com deficiência e, nesse sentido, também vivenciar situações de
preconceito:

333
Primeiramente assumo a postura de professor de História e da insuficiência
de informações que existe nos livros didáticos, e tenho a consciência que o
material didático trabalhado é limitado. A primeira vez que eu entrei na sala
de aula, em 1995, eu fiquei chocado em perceber que os estudantes brancos
estavam sentados na frente, os mestiços no meio e os negros no fundo. Pôxa,
como ninguém consegue perceber isso! Como as crianças negras irão cons-
truir a sua identidade? A Lei n.º 10.639 vem tentar resgatar um outro lado
da História que foi apagado. Tem uma outra questão também: sou portador de
necessidade especial e, então, eu sei o que é viver situações do preconceito. Então o
meu envolvimento com essas questões tem a ver com a questão pessoal, pro-
fissional e de cidadania. (Grifos nossos).

Os depoimentos da ex-diretora, do professor de História e de outros(as)


professores(as) revelaram ser possível desenvolver trabalhos na perspectiva da Lei
n.º 10.639/03 com vistas à implementação de suas Diretrizes (Brasil, 2004), a exem-
plo do projeto Africanidades. O resultado desse projeto na escola promove o desen-
volvimento da consciência crítica em torno do preconceito e da discriminação racial
que se verifica no Brasil. E, segundo os dados, esse trabalho está sendo capaz de
provocar mudança de posturas, promovendo a construção democrática da alteridade
na relação estabelecida com o outro.

O papel da gestão da escola e/ou coordenação


pedagógica
A ex-diretora, autodeclarada preta de acordo com as categorias de cor do
IBGE, ao receber o convite para dar um depoimento sobre o projeto, aceitou pron-
tamente. Ela afirmou que participou da capacitação oferecida pela Secretaria Mu-
nicipal de Educação de Campinas a gestores(as), professores(as) e funcionários(as),
para trabalhar com a Lei n.º 10.639/03 nas escolas:

Participei de todas as formações do curso Memória, Identidade e Promoção da


Igualdade da Diversidade (Mipid) e trouxe para a escola, porque pelo calendário
escolar as escolas tinham dias de reunião em que você poderia suspender a aula,
só para reunião, então eu usava esses espaços para poder fazer a formação dos
professores, então aquilo que eu aprendia nas oficinas eu trazia para eles e falei
“olha, agora nós temos uma Lei para trabalhar a questão racial e como é que

334
vai ser”? Trouxe também textos, então no começo houve sim uma resistência,
como? E a primeira fala que eu me lembro é assim “é só mais uma lei e como
tantas outras não pegava”, aí eu falei “não, essa vai pegar, aqui dentro vai pegar”.
Aí nós começamos a discutir o porquê disso, existe aqui dentro essa questão
racial? Não existe? Quem são nossos estudantes? Como esses estudantes se sen-
tem aqui dentro? Como que eles são tratados? E fora disso tinha a questão de
eu ser negra, e isso para os estudantes criava uma identidade, sabe quando você
fala “tem alguém semelhante”, entendeu? E me favorecia muito a relação com
eles e, é lógico, toda formação que eu ia me lembrava desses estudantes e pen-
sava: “não dá pra ser de qualquer maneira”... fiquei até emocionada, desculpa!

O fato de estar à frente da gestão da escola, na época, ajudou a ex-diretora a


fazer dessa lei um instrumento pedagógico de combate à discriminação e ao racis-
mo. Mesmo a ausência de formação inicial de alguns docentes não inviabilizou esse
trabalho, uma vez que o seu aprendizado nos cursos de formação era repassado du-
rante as reuniões de formação na escola. De acordo com a ex-diretora, procedendo
dessa maneira, superou-se a resistência apresentada por alguns professores(as) e o
trabalho, aos poucos, foi sendo concretizado, continuado e expandido pela gestora e
pela coordenadora pedagógica atual.
Ainda segundo a ex-diretora, a inclusão do projeto Africanidades no projeto
político-pedagógico da escola, durante sua gestão, representou um avanço significa-
tivo, pois foi o resultado das práticas que já vinham sendo desenvolvidas e que, aos
poucos, ganharam legitimidade entre o coletivo de profissionais da educação:

As coisas foram acontecendo e aí entrou no nosso projeto pedagógico como


uma coisa que acontece naturalmente. Não sei qual totalidade do tempo, mas
em algum momento todos os professores trabalham a questão racial, todos,
não tem uma disciplina que fuja do tema, que não dê uma atenção especial,
todas, todas as disciplinas.

O grupo de discussão com os(as) estudantes


O grupo reuniu-se com seis estudantes do turno da manhã – três homens e
três mulheres, cinco brancos e um negro. Um dos professores fez questão de parti-
cipar da dinâmica. O material selecionado para desencadear a conversa foi a música
Morro Velho, de Milton Nascimento.

335
Os(as) estudantes consideraram que a aprendizagem adquirida extrapolou o
ambiente escolar, afirmando que “a gente acaba levando tudo o que aprendemos para
casa e conta para mãe, para o pai e para os colegas. A forma que o projeto é passado é
bem legal”. Das narrativas colhidas durante a conversa, destaca-se a seguinte:

O que eu mais gosto de estudar aqui na escola é o projeto Africanidades.


O professor tem uma maneira diferente de passar o conhecimento. A gente
aprende muitas coisas novas, a gente já sabe sobre a escravidão tudo isso, e
muitas coisas a gente achava que já sabia, mas não sabia. Eu, por isso, gosto do
Africanidades porque o professor conta como os negros superaram a escravi-
dão. E é isso que eu acho legal, porque você acaba se envolvendo na história
(Estudante).

Alguns dos estudantes participantes do grupo já se conheciam, e isso facilitou


a interação e o desenvolvimento da dinâmica. Percebeu-se uma visão consideravel-
mente crítica dos(as) alunos em relação aos temas sociais, como o preconceito e a
discriminação racial, o racismo, a intolerância etc. De certa forma, esse momento foi
propício para revelar o impacto que a educação para as relações étnico-raciais tem
proporcionado na vida desses(as) estudantes:

Por causa da cor começa ter o racismo e isso significa que a sociedade in-
fluencia nossos sentimentos e as nossas vidas – ah, eu não converso com você
porque você é negra, a sociedade impõe na cabeça. No trabalho também existe
isso, a pessoa vai lá, uma morena e uma branca, a preferência será dada para
quem é branca. [...] Antes a gente pensava que o racismo era algo muito dis-
tante, que acontece com o meu tio, primo e vizinho, mas com a gente nunca
vai acontecer, o projeto Africanidades mostrou que o racismo pode acontecer
com a gente também. [...] O racismo é uma tremenda falta de respeito, não é
porque a pessoa é negra que ela não pode ter um emprego bom, ela não pode
ter uma vida, que ela tem de viver como escravo e ficar jogado por aí, por isso
é que acho que o racismo no Brasil é uma falta de respeito... (Depoimentos
dos estudantes do grupo de discussão).

Ao finalizar o grupo de discussão, o professor que acompanhou a realização da


dinâmica encontrava-se bastante emocionado com os depoimentos dos estudantes,

336
pois até aquele momento ele não tinha ideia da dimensão do resultado que o projeto
Africanidades havia proporcionado na vida desses sujeitos. Nesse sentido, a escolha
da escola para a realização da pesquisa constituiu também um momento de avaliação
do próprio trabalho na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, realizado pelos profissionais
que nela atuam.

Formação continuada
Em 2003, a Secretaria Municipal de Educação de Campinas, em parceria
com o CEERT, promoveu a formação de profissionais da educação na perspectiva
da Lei n.º 10.639/03 durante dois anos. Dessa formação surgiu a necessidade de
haver em Campinas um projeto que atingisse todas as escolas da rede. O grupo de
formandos se reuniu e criou o programa Memória, Identidade e Promoção da Igual-
dade da Diversidade (MIPID), que capacitou 12 professores(as) (educadores(as)
étnicos(as)) para atuar na formação e capacitação em todas as escolas. A ex-diretora
da Escola Municipal 36, entrevistada pela pesquisa, foi uma das participantes dessa
capacitação.
A Secretaria Municipal de Educação conta hoje com o Núcleo de Ação e
Educação Descentralizada (NAED) e uma equipe reduzida, para atender as de-
mandas de todas as regiões no que diz respeito à questão da diversidade.

Algumas considerações
De acordo com as observações feitas em campo, as práticas pedagógicas de
trabalho com vistas à implementação da Lei n.º 10.639/03 colocadas em ação na
Escola Municipal 36 aproximam-se da exigência das Diretrizes (Brasil, 2004), so-
bretudo no que diz respeito ao “empenho na valorização da história e cultura dos
afro-brasileiros e dos africanos, assim como o comprometimento com a educação
para as relações étnico-raciais positivas a que tais conteúdos devem conduzir.”
Não menos importante, a inclusão do projeto Africanidades no projeto po-
lítico-pedagógico da escola pode ser considerado um avanço em direção a uma
re-educação das relações étnico-raciais. Na opinião de um dos professores entre-
vistados, essa inclusão diz respeito à legitimidade que a proposta assume dentro da
escola. Segundo ele, sempre que chega um(a) novo(a) professor(a) para trabalhar na
instituição, o grupo de docentes o informa sobre a existência desse trabalho e busca
integrar o profissional nas atividades que já vêm sendo desenvolvidas de forma co-
letiva, favorecendo a continuidade e a sustentabilidade dessas práticas pedagógicas.

337
Quadro 40 – Escola Municipal de Ensino Fundamental 36 - Campinas (SP)

Aparência da escola Estrutura física da escola


1ª Dimensão:
Estrutura
física e
aparência da Há uma cerca baixa em torno da Boa infraestrutura, diferentes espa-
escola escola e câmeras de vigilância. ços e equipamentos audiovisuais.

Características da Nome do trabalho


Motivações para realiza-
gestão (direção e coor- e responsável/
ção do trabalho
denação) propositor

2ª Dimensão: Projeto Africani- A sensibilidade de


Envolvimento dades: educando alguns profissionais
da gestão e A formação e o com- para a igualdade, diante das formas de
do coletivo promisso com a temáti- iniciado pela ex- reprodução do racismo
ca da Lei possibilitaram -diretora e sob a na escola (distribuição
que a ex-diretora e a responsabilidade espacial de estudantes
vice-diretora atual mo- do professor de na sala de aula, baixa
bilizassem a escola. História envolve autoestima dos negros,
a participação de etc.) e o curso proporcio-
outros docentes. nado pela SMED/CEERT.

Biblioteca e acervo étnico-racial Formação continuada da equipe

3ª Dimensão:
Há avanços no processo interno
Formação
de formação de professores no
continuada e Apesar de contar com uma boa
formato de multiplicadores. Contudo,
material de biblioteca, o acervo com foco na
observa-se ainda a ausência de
apoio temática étnico-racial ainda é
formação continuada na perspectiva
escasso.
da Lei para todos os profissionais
da escola.

Formação ética dos Formação


Principais dificuldades
estudantes (trato da conceitual dos
do trabalho
diversidade) estudantes

Os estudantes Apesar de ter sido


4ª Dimensão: Os estudantes relatam afirmam que fomentadora do curso de
Avanços e que aprenderam a estão aprendendo formação na perspecti-
limites do respeitar a diversidade, assuntos sobre va da Lei em 2003, no
trabalho além de se assumirem a África. Seus momento atual há pouco
negros com orgulho e costumes, religião apoio da SMED no
influenciarem a própria e o impacto des- acompanhamento e na
família. ses aspectos no distribuição de material
Brasil. didático e de apoio.

338
Considerações finais
A pesquisa possibilitou uma maior aproximação do complexo e desafiador
trabalho de escolas públicas nas cinco regiões do país que atuam na perspectiva da
Lei n.º 10.639/03, do Parecer do CNE 03/04 – que aprovou as Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana (Brasil, 2004) – e da Resolução 01/04, que detalha
os direitos e as obrigações dos entes federados quanto à implementação dessa lei.
Como já foi dito, esse conjunto de dispositivos legais é considerado pelo MEC,
pelo CNE, pelos(as) gestores(as) de sistemas de ensino e pelos(as) pesquisadores(as)
da temática racial como indutores de uma política educacional voltada para a afir-
mação da diversidade cultural e da concretização de uma educação das relações
étnico-raciais nas escolas, há tanto tempo demandada pelo movimento negro e de-
mais partícipes da luta antirracista, definida como polítca pública a partir de 2003.

Primeira fase: nas trilhas para chegar às escolas e às


suas práticas pedagógicas
O inventário do conjunto de escolas indicadas pelas secretarias estaduais e
municipais de Educação, pelo Prêmio CEERT e pelos NEABs, mediante aplicação
do questionário virtual, foi extremamente significativo para se chegar aos 36 estudos
de caso realizados e garantir o caráter institucional da pesquisa. Do instrumento
encaminhado às secretarias estaduais e às secretarias municipais de Educação nessa
fase de mapeamento e consulta, destacam-se algumas conclusões de caráter mais
geral.
A primeira delas é que a implementação da Lei n.º 10.639/03 e suas Di-
retrizes revela o campo conflitivo no qual se encontram as políticas públicas em
educação voltadas para a garantia e o respeito à diversidade. Assim, a análise dos
questionários aplicados, sobretudo aos gestores de sistema de ensino, revela que não
se pode discutir a implementação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes de forma
desconectada das formas de gestão instituídas pelos sistemas de ensino.
A análise dos questionários aplicados indica a necessidade de uma ação im-
portante na política educacional: sair da implantação para a implementação da Lei
n.º 10.639/03, sobretudo em um contexto em que figura o Plano Nacional das Di-
retrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Brasil, 2009).

339
Para tal, fazem-se necessários uma maior aproximação e mais conhecimento
dos dilemas, dificuldades e resistências vividos pelos sistemas de ensino e pelas escolas
no que se refere ao cumprimento da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes (Brasil, 2004).
Alguns elementos evidenciados na pesquisa sinalizam que a construção de políticas
para a diversidade é o primeiro impasse. A ele soma-se a tendência da política edu-
cacional brasileira de realizar reformas por meio de leis, com prevalência da incorpo-
ração parcial dos textos legais, o que resulta em uma forma gradual de implementa-
ção justificada por razões de ordem prática, financeira e político-ideológica. Estudos
como o realizado por meio desta pesquisa poderão orientar o poder público sobre os
melhores caminhos e estratégias para a realização de uma efetiva política educacional
voltada para a diversidade.
A pesquisa aponta que a implementação da Lei e suas Diretrizes (Brasil,
2004), entendidas como política de diversidade e não simplesmente como medida
educacional restrita à inserção de disciplinas no currículo, exige uma combinação
de dispositivos políticos e ações intersetoriais que ultrapassem as tendências obser-
vadas no campo das políticas educacionais. O próprio tema da Lei n.º 10.639/03
demanda ações articuladas entre os diversos setores, uma vez que mobiliza aspectos
históricos, políticos, culturais, pedagógicos, de gênero e raça, de desenvolvimento
social e regional, e geracionais e financeiros. É certo que o setor educacional sozi-
nho não dará conta da complexidade dessa demanda.

Ainda na primeira fase, a pesquisa aponta conclusões de


caráter mais específico
A incorporação de militantes do movimento negro no Quadro das secretarias
de Educação fortaleceu essas instâncias internamente, na construção de uma políti-
ca voltada para a educação das relações étnico-raciais. Porém, como na maioria das
vezes esses profissionais fazem parte do Quadro do magistério público da educação
básica, eles são cedidos ou transferidos das suas escolas. Quando são os principais
(ou os únicos) protagonistas à frente do trabalho com a Lei n.º 10.639/03 no inte-
rior dessas instituições, a sua entrada para a gestão do sistema de ensino pode enfra-
quecer as práticas pedagógicas desenvolvidas e interferir no grau de enraizamento
dessa lei no cotidiano escolar.
Essa situação nos leva a questionar a intensidade de enraizamento da Lei n.º
10.639/03 e sua sustentabilidade nas escolas públicas. Em muitas realidades brasileiras,
a efetivação dessa legislação nas práticas pedagógicas ainda depende da ação de atores
específicos, pois ela não está incorporada na proposta pedagógica e curricular da escola.

340
Assim, a saída de professores(as), gestores(as) ou pedagogos(as) considerados(as) refe-
rência na implementação dessa lei no espaço escolar, mesmo que ocuparem cargos na
gestão do sistema de ensino voltados para a educação das relações étnico-raciais, pode
resultar na desarticulação e até no término desse trabalho.
A análise dos 39 questionários respondidos pelos(as) secretários(as) de Edu-
cação aponta que, em nível nacional, a Lei n.º 10.639/03 tem se configurado mais
por ações de implantação que de implementação. Há dificuldades de ordem política,
ideológica, cultural, regional, financeira e técnica envolvidas nesse processo. A ges-
tão da (e para) a diversidade é um grande desafio para os sistemas de ensino e sofre
resistências de diversas ordens. A maior compreensão e o maior detalhamento dessa
problemática exigem a realização de um novo estudo, focado na especificidade dos
dilemas advindos da gestão e da implementação dessa lei.
A indicação das escolas pelos 19 NEABs que responderam o questionário
virtual foi importante para a construção do conjunto de instituições investigadas,
dentre as quais foram selecionadas as 36 escolas participantes. Em alguns momen-
tos houve consenso entre essa indicação e a do Prêmio CEERT ou da Secretaria
de Educação. Os outros dados recolhidos sobre a organização e a constituição dos
NEABs que responderam ao questionário são importantes para a construção de um
perfil desses núcleos, o que foge aos objetivos deste estudo, mas será fonte de inves-
tigação de pesquisas futuras desenvolvidas pela coordenação nacional.
As 65 escolas premiadas pelo CEERT e selecionadas nas suas 3 primeiras
edições a princípio se mostravam como aquelas em que se depositava maior expec-
tativa, devido à explícita comprovação, em nível nacional, de realização de práticas
pedagógicas voltadas para as relações étnico-raciais. Porém, a inclusão dessas esco-
las classificadas nos primeiro, segundo e terceiros lugares do Premio CEERT nem
sempre significou, no momento em que foram checadas in loco, a permanência das
ações e das práticas premiadas, sobretudo porque as três primeiras edições do prê-
mio focalizavam práticas individuais e não as escolas ou os coletivos de profissionais.
Essa característica do prêmio, somada às inúmeras dificuldades de enraizamento e
sustentabilidade de ações pedagógicas voltadas para a educação das relações étnico-
-raciais, acabou resultando na descontinuidade de muitas das experiências premia-
das. Essa situação já foi percebida pelo próprio CEERT, que passou a incluir na
sua edição mais atual a premiação de escolas e não de práticas individualizadas.
Contudo, apesar desses limites, não se poderia deixar de lado o reconhecimento do
prêmio como uma importante iniciativa, em nível nacional, na perspectiva da Lei
n.º 10.639/03.

341
Segunda fase: a aproximação das escolas e das suas
práticas pedagógicas
Dificuldades iniciais
Este livro não será capaz de contemplar o intenso trabalho dos(as)
pesquisadores(as), coordenadores(as) e integrantes dos NEABs, com experiência no
tema desta pesquisa, na busca das 36 escolas pesquisadas e na realização do trabalho
de campo.
De um modo geral, os(as) diretores(as) ou seus(suas) adjuntos(as), ao ser
contatados(as) pelas equipes das coordenações regionais, mostraram-se satisfeitos(as)
pelo fato de sua instituição ter sido reconhecida e escolhida por uma pesquisa pa-
trocinada pelo MEC/SECADI e pela representação da UNESCO no Brasil. No
entanto, no processo de busca das escolas participantes, algumas dificuldades foram
encontradas e merecem ser destacadas:
Nem sempre foi possível encontrar, entre as escolas indicadas, aquelas que
satisfizessem todos os critérios estabelecidos pela coordenação nacional.
Várias escolas indicadas, quando checadas, não possuíam a maioria dos re-
quisitos para a seleção. Detectou-se a existência de um número reduzido de
escolas com informações consistentes, ou seja, com possibilidade concreta
de pesquisa.
Apesar da lista oficial dos endereços e dados de contato, alguns se encon-
travam desatualizados ou trocados, em nível federal, estadual e municipal.
Houve casos de escolas sem meios de contato (apenas telefone público dis-
tante da escola). A busca do endereço correto levou a equipe a realizar
vários tipos de busca, como, por exemplo, na internet.
Em alguns casos, a falta de contato com o(a) gestor(a) da escola (seja por
estar ocupado(a) com demandas da escola, seja por desencontro de horá-
rios) interpôs problemas para a seleção da instituição, pois os(as) demais
professores(as) e a coordenação pedagógica não estavam autorizados a dar
informações sem a anuência dele.
Foram descartadas durante a checagem as escolas que receberam o prêmio
CEERT e nas quais não havia mais trabalho efetivo e contínuo na pers-
pectiva da Lei.
Foi necessário negociar com as escolas mais de uma vez as datas de realização
do trabalho de campo por causa de férias e retorno de diretoras, redefinin-
do agendas já acordadas com a vice-diretora ou a coordenadora pedagógica.

342
Houve ainda casos de escolas que se recusaram a responder o telefonema de
checagem ou a participar da pesquisa. O principal argumento era de que
os(as) diretores(as) estavam sempre muito ocupados, sem disponibilidade
para atender o(a) pesquisador(a) e responder às questões de checagem.
Encontradas, checadas e selecionadas as 36 escolas participantes, a pesquisa
entrou na sua segunda fase, cujo interesse era encontrar informações capazes de
responder às seguintes indagações:
O que as escolas indicadas pelos vários atores-chave entendem como práticas
pedagógicas na perspectiva da Lei n.º 10.639/03?
Quais são as práticas realizadas nas escolas públicas nessa perspectiva? Elas
têm continuidade? Quem as desenvolve?
Há participação da gestão do sistema e da gestão da escola no desenvolvi-
mento de tais práticas?
Como fica a participação da comunidade nesse processo? Há diálogo com os
movimentos sociais e, principalmente, com o Movimento Negro?
Essas experiências se enraízam nas escolas passando a fazer parte do PPP a
ponto de alcançar um grau de sustentabilidade? Ou elas oscilam de acordo
com a presença ou não dos sujeitos que as desenvolvem?
Quais são os avanços e os limites da Lei n.º 10.639/03 no interior das escolas
públicas?
A resposta a essas indagações foi alcançada durante a realização do trabalho
de campo, a partir do qual é possível apontar algumas considerações gerais sobre as
práticas pedagógicas na perspectiva das relações étnico-raciais encontradas.
A pesquisa defrontou-se com experiências e práticas bastante diversas. Al-
gumas refletem o grau de comprometimento do coletivo de professores(as) e
gestores(as), bem como a participação da comunidade e da gestão municipal ou
estadual de educação. Outras explicitam o lugar marginal com que a temática é tra-
tada no interior da escola e, por vezes, pela própria gestão educacional do município
ou do Estado.
Por mais distante da perspectiva da Lei e das Diretrizes Curriculares Nacionais
que uma prática observada pudesse ser, não se pode dizer que a temática étnico-ra-
cial fosse totalmente desconhecida pelo conjunto de profissionais entrevistados(as).
Isso não quer dizer que a equipe da coordenação regional não tenha encontrado
educadores(as) com profundo desconhecimento da Lei n.º 10.639/03, mas um fato

343
deve ser apontado: o grau de ignorância em relação à temática racial está relacionado
não apenas às lacunas da formação inicial e continuada dos docentes – embora este
fator pese consideravelmente – mas, principalmente, à postura pessoal e à política
dos profissionais das escolas. A pesquisa descartou a ideia de que exista um total
desconhecimento da Lei e suas Diretrizes pelos(as) profissionais entrevistados(as).
Mesmo aqueles(as) que se mostraram resistentes à implementação do trabalho re-
velaram algum conhecimento sobre ela.
As entrevistas de educadores(as) resistentes à implementação da Lei nas es-
colas, sobretudo aqueles(as) que ocupam o lugar da gestão e da coordenação peda-
gógica, revelam não somente a introjeção do racismo ambíguo e do mito da demo-
cracia racial que resultam em visões preconceituosas, estereotipadas e até mesmo
racistas sobre questão africana e afro-brasileira, mas também visões e posturas con-
servadoras sobre a educação e a prática da gestão de maneira mais geral. Ou seja,
a investigação aponta que o enraizamento de práticas pedagógicas na perspectiva
da Lei e sua sustentabilidade em escolas cuja direção e/ou coordenação são con-
servadoras e autoritárias tende a ser muito mais fraco. As iniciativas pedagógicas
existentes ficam a critério de um(a) professor(a) específico(a) e algumas vezes de um
pequeno coletivo de docentes comprometidos com a questão racial.
As práticas pedagógicas com enraizamento mediano e intenso geralmente
apresentam maior envolvimento de profissionais da escola, apoio da gestão e/ou da
coordenação. São escolas com uma dinâmica de trabalho mais aberta ao entorno,
à comunidade, aos grupos culturais existentes na região. São também escolas em
que os processos de formação continuada ofertados pelo MEC, pelas Secretarias
de Educação, pelos sindicatos e pelos NEABs contam com maior participação do
corpo docente (seja por iniciativa própria, seja por estímulo da escola) e encontram
nas instituições escolares um lugar de maior legitimidade nas ações.
A existência de determinadas experiências que destoam significativamente
do espírito da Lei n.º 10.639/03 e de suas Diretrizes, no conjunto das 36 escolas
participantes, possibilita observar os limites das práticas pedagógicas voltadas à (re)
educação das relações étnico-raciais no contexto escolar e orientam os focos nos
quais ainda é necessário investir.
Porém, é possível indicar um ponto em comum entre as escolas analisadas: a
tentativa de construção de formas inovadoras de cumprir a Lei n.º 10.639/03 pos-
sibilitando, assim, o florescimento de novos modos de vivenciar as relações étnico-
-raciais no Brasil. Estas são desenvolvidas principalmente por meio do trabalho
coletivo e de projetos interdisciplinares, os quais têm proporcionado diálogos entre

344
os(as) docentes de diferentes áreas do conhecimento que atuam na educação básica.
Alguns desses projetos surgem e são realizados de forma articulada com organi-
zações do Movimento Negro, associações culturais, Ongs, NEABs, comunidades-
-terreiro, entre outros.
O trabalho de campo aponta um envolvimento crescente de coletivos de
professores(as) nas práticas pedagógicas voltadas para a diversidade étnico-racial
nas escolas acompanhadas, o que revela uma tendência de superação de práticas
individualizadas. Mostra também que os(as) professores(as) estão experimentando
novas formas de abordagem pedagógica das relações raciais e aprendem junto com
os(as) estudantes sobre a África. Porém, o aprendizado sobre o continente africano
é ainda o que se mostra mais superficial e carente de uma formação continuada
mais densa.
Como diz Santos (2010), a Lei n.º 10.639/03 possui um forte efeito sobre
os(as) docentes da educação básica e sobre a formação de professores(as): ela está
desencadeando novos saberes e novas práticas sobre a temática africana e afro-bra-
sileira na sala de aula.
Muito próximo às conclusões que a autora citada encontrou em sua pesquisa,
é possível dizer que a investigação realizada trouxe evidências da complexa e estreita
relação entre os saberes escolares e os saberes docentes mobilizados e construídos
no interior das escolas. Estes últimos entendidos como fruto de uma conjugação
de saberes construídos na trajetória de vida, formação e experiências profissionais
dos(as) educadores(as). Os(as) professores(as) entrevistados(as) revelam em seu de-
poimento como a temática africana e afro-brasileira os impele a uma renovação
de práticas, à criatividade, ao desafio de trabalhos coletivos e interdisciplinares, ao
estudo e à busca de bibliografia, ao reconhecimento da sua própria ignorância sobre
a temática africana e afro-brasileira e às lacunas sobre essa temática no seu processo
de formação inicial nas mais diversas áreas.
A despeito das variações regionais observadas no trabalho de campo, pro-
duzidas em função dos desafios colocados pela realidade local (os quais exigem
respostas diversificadas), é possível perceber recorrências no que se refere às opiniões
sobre as formas de superação do racismo na escola apontadas pelas 36 escolas-
-participantes. O reconhecimento da necessidade de inserção da Lei n.º 10.639/03
no PPP e a necessidade de maior investimento na formação continuada podem ser
citados como uma delas.
Do ponto de vista do pertencimento étnico-racial dos profissionais
entrevistados(as) e que se apresentam mais envolvidos ou responsáveis pela realização

345
das práticas, o maior envolvimento recai sobre os autodeclarados pretos e pardos quando
comparados aos brancos.8 Não se deve desconsiderar a maior presença de negros (pretos
e pardos) nas atividades de docência e de gestão nas escolas das regionais Nordeste I
e II de acordo com a própria composição racial da população na região Nordeste do
país, nem a forte presença dos autodeclarados pardos na regional Norte, em virtude de
fatores semelhantes e com destaque para a especificidade da presença da matriz indíge-
na. Também na região Sul, por conta da composição racial da população, a presença de
brancos se apresentou como uma característica, o que não enfraqueceu a participação
dos pretos e pardos. Pode-se afirmar que esta investigação aponta para o fato de que, aos
poucos, a Lei n.º 10.639/03 vem sendo assumida por profissionais de diferentes perten-
cimentos étnico-raciais, o que revela um avanço. Porém as entrevistas explicitaram que,
mesmo que tenhamos uma maior diversidade no que se refere a esse pertencimento, os
fatores de ordem pessoal, as vivências do preconceito das mais variadas origens ao longo
das trajetórias de vida e as questões familiares ainda são os principais motivadores das
ações pedagógicas desenvolvidas. Sem desconsiderar a importância da experiência na
constituição dos sujeitos, urge ao campo educacional entender que o ensino de história
e cultura africana e afro-brasileira e a educação das relações étnico-raciais não podem se
limitar à experiência pessoal do(a) profissional da educação. Ambos devem ser assegura-
dos como um direito, presente na Lei n.º 9394/96 – LDB, a ser garantido pelas escolas
públicas e privadas da educação básica do país. Nesse sentido, o trabalho pedagógico
deverá aprimorar a dimensão conceitual sobre o tema, contribuir na formação ética
dos(as) estudantes na sua relação com a diferença e construir uma educação antirracista.

Enraizamento das práticas


Em algumas situações apontadas pela pesquisa, observa-se que a Lei n.º
10.639/03 deu legitimidade às práticas que já vinham sendo realizadas de forma
isolada nas escolas, por vários docentes – antes mesmo da sanção da referida Lei.
Isso propiciou reconhecimento e legitimidade, de modo que houve um maior inte-
resse de outros profissionais e a elaboração de projetos interdisciplinares que con-
templem a temática étnico-racial.

8 Embora todas as coordenações regionais tenham sido orientadas a colher os dados relativos à raça/cor
dos(as) entrevistados(as), essa informação foi inserida de forma irregular nos relatórios de cada coorde-
nação regional. Além disso, em alguns momentos, os profissionais entrevistados(as) não se sentiram à
vontade em autodeclarar a raça/cor, diferentemente do que se pôde observar em relação à maioria dos(as)
estudantes. Esta situação, por si só, se constitui em um dado de pesquisa, porém a sua análise foge aos
objetivos desta investigação. Dessa forma, optou-se por não fazer um Quadro com a classificação racial
geral dos sujeitos da pesquisa, mas, sim, inserir este dado na descrição das práticas das escolas quando
este se apresentou devidamente coletado pelo(a) pesquisador(a) responsável.

346
Os campos disciplinares da educação básica cujas temáticas africana e afro-
-brasileira se mostram mais inseridas, dentre as 36 escolas participantes, são histó-
ria, artes e literatura. Esse dado vem corroborar o que atesta a Lei n.º 10.639/03,
razão por que segue uma discussão específica sobre esse assunto. Em várias escolas
foi possível perceber a predominância do(a) docente ou do coletivo de profissionais
da área de História como principal responsável pela realização do trabalho. Todavia,
também ocorre a inserção do tema nas áreas de Português, Filosofia, Geografia, En-
sino Religioso, Biologia, Matemática, Língua Espanhola, Química, Dança, Teatro
e Estudos Amazônicos em proporções diferenciadas. Observa-se que na educação
infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental a introdução da temática é feita
principalmente por meio da literatura infantil e, em algumas situações, pelas ativi-
dades de artes cênicas e plásticas.
Há também experiências de disciplinas específicas no currículo abordando a
temática da história e da cultura afro-brasileira e africana por meio de decretos mu-
nicipais, estaduais e/ou por iniciativa da gestão e do coletivo da escola. Essa iniciati-
va produz resultados distintos. No caso do decreto, muitas vezes, o seu atendimento
acontece de forma burocrática e sem uma discussão coletiva mais sistemática sobre
o perfil do(a) docente que deverá ocupar tal cadeira, em quais etapas e modalidades
do ensino deverá ser desenvolvido, o que deverá ser ensinado e como o trabalho
será desenvolvido. As decisões sobre a implementação do decreto, em alguns casos,
ficam totalmente soltas, a critério das escolas e sem nenhuma orientação dos Con-
selhos de Educação e das Secretarias. Em decorrência disso, o processo no interior
da escola corre o risco de ser conduzido sem a discussão do coletivo de profissionais
e não se enraíza no PPP. Em outras situações, o decreto se torna uma medida po-
lítica e normativa que reforça a Lei n.º 10.639/03 e induz algum tipo de ação da
escola em relação ao tema. No caso do surgimento da disciplina como uma escolha
pedagógica e política da gestão e de um coletivo docente, esse processo tende a ser
menos tenso e mais bem-sucedido.
Sobre o enraizamento das práticas pode-se observar que o movimento de
inclusão da temática ou dos projetos pedagógicos voltados para a temática étnico-
-racial no PPP da escola é um elemento facilitador da continuidade das atividades
e possibilita maior sustentabilidade das práticas. Essa situação garante que a prática
não seja interrompida no caso de transferência do(a) professor(a) responsável pelo
surgimento ou pelo andamento do trabalho. Tal inclusão pode não ser a garantia to-
tal de que o trabalho será realizado, porém sabe-se que a sua efetivação pode induzir
a construção de novas práticas pedagógicas e coloca a questão racial em um lugar
institucional dentro da estrutura da escola e como uma responsabilidade do coletivo

347
de profissionais, retirando-a do lugar de empenho individual, práticas militantes e
iniciativas isoladas.
A sustentabilidade das práticas pedagógicas está estreitamente relacionada
com algumas características mais gerais da própria escola: (a) a gestão escolar e
de seu corpo docente; (b) os processos de formação continuada de professores na
temática étnico-racial e (c) a inserção no PPP. Nota-se que não se pode esquecer o
peso da cultura escolar, a organização dos tempos e espaços, bem como a materiali-
dade da escola e sua relação com as práticas observadas.
O desinteresse pelas questões étnico-raciais notado em algumas escolas
não diz respeito apenas às questões do racismo, da discriminação, do preconceito
e do mito da democracia racial. Está relacionado também ao modo como os(as)
educadores(as) lidam com questões mais gerais de ordem política e pedagógica, por
exemplo, formas autoritárias de gestão, descompromisso com o público, desestímulo
à carreira e à condição do(a) docente, bem como visões políticas conservadoras de
maneira geral.
A pesquisa aponta que o enraizamento intenso da Lei n.º 10.639/03 está
relacionado com a presença da temática afro-brasileira e africana no PPP e no cur-
rículo da escola, ou seja, com seu grau de institucionalização. O currículo mantém
uma vinculação estreita com a existência de práticas mais democráticas de gestão,
mas não se limita a elas, tanto que na mudança da gestão o trabalho pode sofrer
alterações, mas persiste.
No caso da gestão, é importante destacar que a implementação da Lei n.º
10.639/03 nas escolas públicas relaciona-se à democratização da gestão escolar, ou
seja, da instituição de canais democráticos que garantam a efetiva participação, de
aprendizado do jogo democrático e do repensar das estruturas de poder autoritário,
que permeiam as relações sociais e as práticas educativas (DOURADO, 2003).
A implementação da Lei n.º 10.639/03 nas escolas interroga posturas peda-
gógicas conservadoras, pois se trata do desenvolvimento de práticas, projetos e ações
educativas coletivas que reconheçam as lutas sociais pela emancipação social, as
quais têm os movimentos sociais como protagonistas. As escolas que demonstraram
enraizamento intenso aproximam-se dessa concepção.
Há também questões estruturais da escola que interferem no maior ou no me-
nor enraizamento das práticas: a organização dos tempos e espaços escolares, a ma-
terialidade, a infraestrutura física da escola e a localização regional. Escolas com uma
organização temporal confusa e rígida tendem a ter pouco espaço para a realização de

348
projetos em relação não só à questão racial como também às mais diversas temáticas,
sobretudo aquelas ligadas à diversidade.
Uma das características da Lei n.º 10.639/03 (alterada pela Lei 11.645/08) e
suas Diretrizes é que elas induzem a escola a realizar práticas menos conteudistas e
possibilitam que os docentes trabalhem de forma criativa e articulada, com todos os
limites que esse processo apresenta. A Lei aponta em seu texto que:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,


públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-
-brasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos
aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história
da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a
cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da socie-
dade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e
política, pertinentes à história do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos
indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar,
em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.

Apesar disso, deve-se considerar que o Parecer CNE/CP 03/04 e a Resolu-


ção CNE/CP 01/04, os quais instituem as Diretrizes, extrapolam uma visão con-
teudista e inserem a temática étnico-racial em uma dimensão mais ampla, que diz
respeito à relação entre saberes.
Portanto, a implementação da Lei aponta um lugar mais denso e mais pro-
fundo para a educação escolar, a saber, a dimensão política do conhecimento. Re-
conhecer os saberes, as crenças, a arte, a literatura, a poesia, os valores, a história, as
lutas da população afro-brasileira e africana, além de ser uma iniciativa de combate
ao racismo, configura-se, também, como uma postura política e epistemológica.
A educação das relações étnico-raciais prevista na Lei n.º 10.639/03, e seus
dispositivos legais, insere-se em um debate radical para a educação escolar hoje.
Esse debate ainda é visto com resistências, uma vez que o “Outro” é reconheci-
do como diferente, diante da necessidade de garantia de direitos e oportunidades

349
iguais sem negar as suas diferenças. Isso implica mudança na estrutura da escola, no
currículo, na gestão e administração educacional, e na concepção de conhecimento.
Trata-se de mudanças que fatalmente orientarão a construção de novas práticas.
Pode-se afirmar que não existe uma escola, dentre as 36 participantes da pes-
quisa, que tenha realizado essa mudança política e epistemológica na sua totalidade.
Dado a complexidade da questão racial no Brasil, no que diz respeito à educação
escolar, tal mudança ainda não é possível de se verificar nos currículos e nas prá-
ticas pedagógicas existentes na educação básica atual. Mas pode-se afirmar que as
escolas com enraizamento intenso e mediano se aproximam mais desse movimento.
Essa situação se dá menos pela existência de um debate e uma reflexão profunda
entre os(as) próprios(as) docentes, gestores(as) e pedagogos(as) que protagonizam
as práticas na perspectiva da Lei n.º 10.639/03, e mais pelo senso de justiça social
desenvolvido por esses sujeitos.
Outras vezes, os protagonistas de tais ações foram formados nos movimentos
sociais, notadamente no Movimento Negro, e nas lutas sociais. Sendo assim, levam
essa vivência, experiência e abordagem crítica sobre a história e cultura africana e
afro-brasileira aprendida nesses outros espaços sociais para a escola e ajudam a enri-
quecer a prática pedagógica. Nesse contexto, alguns docentes e escolas já realizavam
várias atividades voltadas para a temática étnico-racial, antes mesmo da existência
da Lei n.º 10.639/03. A sanção da Lei trouxe legitimidade ao seu fazer pedagógico,
retirando essas iniciativas do lugar da “pura militância” e colocando-as como dever
da escola e dos(as) educadores(as) e como direito à educação. Trouxe também inda-
gações e revisão de conhecimentos, o que tem possibilitado a superação de práticas
muito coladas na própria experiência pessoal e com pouco embasamento teórico.
Sobre a aproximação das práticas observadas aos princípios e às orientações
constantes no texto das Diretrizes Curriculares Nacionais, observa-se que há uma re-
lação entre a percepção do racismo por gestores(as), pedagogos(as) e professores(as)
e o desenvolvimento dessas práticas. As escolas em que o mito da democracia racial
se mostrou mais presente nos depoimentos colhidos, revelando a sua força enquan-
to concepção e imaginário social e pedagógico sobre a diversidade, apresentaram
práticas mais individualizadas, projetos com menor envolvimento do coletivo de
profissionais e pouco investimento na formação continuada na perspectiva da Lei
e suas Diretrizes. Dessa forma, apresentam níveis mais fracos de enraizamento e
sustentabilidade.
Embora a pesquisa não tivesse condições de fazer um aprofundamento so-
bre o conhecimento conceitual dos(as) docentes a respeito da História da África,

350
foi possível perceber que este precisa ser incrementado. Os conhecimentos ainda
são superficiais, cheios de estereótipos e por vezes confusos. O grupo de discussão
com os(as) estudantes é revelador de tal situação. Os(as) estudantes demonstram de
maneira geral que o trabalho tem conseguido alertá-los, sensibilizá-los, informá-los
sobre a dimensão ética do racismo, do preconceito e da discriminação racial, mas
lhes oferece pouco conhecimento conceitual sobre a África e sua inter-relação com
as questões afro-brasileiras.
Os conhecimentos parciais e, por vezes, estereotipados sobre o continente
africano apresentados pelos(as) estudantes que participaram dos grupos de dis-
cussão expressam a necessidade de uma densa formação teórica de toda a escola,
a saber, docentes, diretores(as), coordenadores(as) pedagógicos, estudantes, equipe
técnica e de apoio. Esta situação é compreensível, dada a grande lacuna na formação
inicial e continuada de professores sobre tal temática. A discussão sobre a África
em nível de graduação ainda se restringe a alguns cursos de licenciatura e bacha-
relado em História e, em algumas vezes, é discutida nas Artes e na Literatura. Na
formação em Pedagogia e nas licenciaturas em geral essa discussão é ainda quase
inexistente. Essa ênfase em uma restrição teórica na abordagem do tema, lamenta-
velmente, é reforçada no próprio texto da Lei n.º 10.639/03, e tem sido intencio-
nalmente usada como argumento pelos docentes das outras áreas quando querem se
esquivar da sua responsabilidade pedagógica diante da obrigatoriedade do ensino de
história e cultura africana e afro-brasileira. O argumento de que o campo da His-
tória e a compreensão histórica da realidade não se constroem sozinhos e que para
compreendê-los faz-se necessário o diálogo com as outras áreas do conhecimento,
bem como o argumento de que a ênfase do texto da Lei n.º 10.639/03, no segundo
parágrafo do artigo 26A não é restritiva, mas aponta que tal abordagem se fará “em
especial, nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”, e
ainda que o argumento de que o texto das Diretrizes Curriculares avança e amplia a
discussão e o diálogo entre as diversas áreas do conhecimento, tudo isso ainda não
tem sido suficiente para reverter tal situação e interpretação.
A necessidade de maior desenvolvimento de estudos e trabalhos interdiscipli-
nares que fortaleçam a dimensão conceitual sem cair no conteudismo também pode
ser considerada um impedimento para um maior enraizamento das práticas e sua
sustentabilidade. Cabe destacar que esse desconhecimento não está só na educação
básica, mas é da sociedade brasileira de maneira geral. Ele possui raízes mais pro-
fundas na nossa cultura, pois diz respeito a uma dificuldade do Brasil de conhecer a
África real, e não a África mítica, seja do ponto de vista negativo, seja da hiperva-
lorização e idealização do continente.

351
As datas comemorativas ainda são o recurso que os(as) docentes utilizam para
realizar os projetos interdisciplinares e trabalhos coletivos voltados para a Lei n.º
10.639/03. Nota-se que a oficialização do dia 20 de novembro como Dia Nacional
da Consciência Negra no calendário escolar pelo artigo 79B da Lei n.º 10.639/03
tem produzido resultados diferentes. Algumas escolas já trabalhavam com essa data
antes mesmo da promulgação da Lei, mas outras passaram a adotá-la após esse mo-
mento. Nota-se que o dia tem se transformado em Semana da Consciência Negra
em algumas escolas, e outras conseguem até mesmo estendê-lo para o mês intei-
ro. Esse momento tem sido trabalhado pelas várias escolas como culminância dos
projetos interdisciplinares realizados ao longo do ano letivo e consegue mobilizar
os(as) estudantes e a comunidade com gincanas, desfiles, exposições, apresentações,
excursões etc. É também um dos momentos em que algumas escolas dialogam mais
com os movimentos sociais e grupos de pesquisa das universidades, cobram apoio
das secretarias de educação e do MEC a fim de enriquecer as práticas, promover
palestras e formar a própria equipe da escola. Pode ser que tais ações representem
a reinvenção de saberes e práticas e uma alteração paulatina no currículo? É quase
certo que se deva discutir melhor – com menos resistência – o caráter e a forma
como as datas comemorativas vêm sendo apropriadas e ressignificadas pelas escolas,
secretarias de educação e pelo próprio MEC? Talvez a rediscussão de tais datas pos-
sa ser um caminho para a reflexão teórica das escolas e equipes pedagógicas sobre a
história, a memória, a resistência e os avanços da população afro-brasileira e africa-
na na formação social, cultural e política do Brasil, da África e da diáspora africana.
Por mais que se possa questionar a tendência de cristalização das culturas e
dos processos de lutas sociais pela instauração de datas comemorativas no calendá-
rio escolar da educação básica, cabe aqui um alerta: a pesquisa revela que algumas
escolas conseguiram transformar essa data em um evento mobilizador da comuni-
dade escolar e tem conseguido dar legitimidade aos profissionais que o realizam,
contribuindo para o enraizamento do trabalho com a Lei n.º 10.639/03 nas escolas.
No entanto, é possível encontrar práticas nas quais o dia 20 de novembro é traba-
lhado em uma perspectiva pouco crítica, servindo-se apenas como uma justificativa
de que a escola está implementando a Lei.
O dia 13 de maio também é uma data comemorada, porém com menor ên-
fase. Pelo seu caráter histórico e político, ele é visto mais como lembrança da abo-
lição (algumas vezes de forma crítica e outras não). O seu caráter de resistência e
libertação entendido como Dia Nacional de Luta Contra o Racismo não tem sido
a principal ênfase da data.

352
Dificilmente aparecem com um tratamento pedagógico do coletivo da escola as
outras datas para discussão da questão afro-brasileira e africana, tais como 21 de mar-
ço (Dia Internacional pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação); 25 de maio
(Dia da Libertação da África); 25 de julho (Dia da Mulher Negra Latino-Americana e
do Caribe) e 28 de setembro (Lei do Ventre Livre).

O grupo de discussão com os(as) estudantes


Do ponto de vista dos(as) estudantes, observa-se que o trabalho com as rela-
ções étnico-raciais na escola considerado mais enraizado, e por isso, mais próximo
da perspectiva da Lei e das suas Diretrizes, se dá muito mais em direção a uma
formação ética (não discriminar, não colocar apelidos pejorativos, tratar com igual-
dade) do que a uma formação conceitual (conhecimentos históricos, geográficos,
políticos, literários, artísticos sobre a realidade afro-brasileira e africana, diferença
conceitual sobre racismo, preconceito, discriminação, entre outros).
Reconhece-se que, do ponto de vista da educação das relações étnico-raciais,
a construção de uma postura ética pelos estudantes já é um avanço. Inclusive, essa é
uma forte tendência do texto das Diretrizes Curriculares Nacionais e faz parte das de-
mandas do Movimento Negro para a educação escolar, formação de professores(as)
e formação dos(as) estudantes. Todavia, faz-se necessário o investimento na amplia-
ção do debate conceitual sobre a história e cultura africana e afro-brasileira. Esse
debate, embora não hegemônico, já existe no campo da produção do conhecimento
científico, porém ainda chega de forma desigual e irregular na educação básica, na
produção de material didático e paradidático.
Os materiais, as publicações, as discussões e as pesquisas já existentes e pro-
duzidas pela universidade sobre África e questões afro-brasileiras nas diversas áreas
do conhecimento acadêmico não mantêm, necessariamente, o diálogo com a educa-
ção básica nem o incluem como parte das suas preocupações. Essa inquietação faz
parte das ações de ensino e extensão desenvolvidas pelos(as) pesquisadores(as) inte-
grantes dos NEABs, mas ainda não se configura como uma questão central nos cur-
sos superiores das mais diversas áreas do conhecimento. Sendo assim, reitera-se que
o viés encontrado na formação conceitual dos(as) estudantes nesta pesquisa aponta
para um viés ainda maior no campo da produção do conhecimento sobre a África
e a questão racial no Brasil e o seu diálogo com a formação de professores(as) da
educação básica. Essa ausência só se tornou pública e começa a ser discutida fora
dos âmbitos acadêmicos em virtude da sanção da Lei n.º 10.639/03.

353
Cabe destacar os trabalhos realizados com crianças da educação infantil em
algumas escolas pesquisadas, com alunos surdos, escolas rurais, quilombolas e EJA.
Com avanços e limites, a pesquisa ajuda a superar a ideia de que o trabalho com a
temática da Lei n.º 10.639/03 e a educação das relações étnico-raciais só encontra
resposta entre estudantes adolescentes e jovens. A discussão sobre as relações raciais
no Brasil e a História e a Cultura Africana pode (e deve!) ser feita com estudan-
tes de todos os níveis, todas as etapas e todas as modalidades de ensino. Contudo,
ainda faltam formação, produção de material didático e paradidático específicos e a
socialização da produção já existente que subsidie as escolas nesse processo. Falta,
também, maior investimento na formação de professores da educação básica ou,
pelo menos, a intensificação dos processos já existentes.
A educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental são etapas
da educação básica em que é possível encontrar maior quantidade de material
de apoio e paradidático para a discussão da diversidade étnico-racial brasileira.
A literatura infanto-juvenil talvez seja a área de maior produção no tema. Tal
situação pôde ser verificada nas escolas, sobretudo na análise do acervo das bi-
bliotecas. Para adolescentes, jovens e adultos, tal produção ainda é restrita, o que
obriga os(as) docentes a se dedicarem ainda mais na busca de novas estratégias
pedagógicas. Todavia – embora não possa ser usado como justificativa –, sabe-se
que a desigualdade regional e socioeconômica das diferentes regiões do país impõe
condições de trabalho e de formação inicial e continuada muito desiguais para
os(as) docentes brasileiros. A estas questões somam-se a organização da escola, a
remuneração dos profissionais e os entraves da implementação da gestão democrá-
tica. Tudo isso torna ainda mais complexo e desafiador o trabalho com a educação
das relações étnico-raciais nas escolas e a busca de novas alternativas e estratégias
que enriqueçam a prática pedagógica. Uma política específica de renovação do
acervo da biblioteca da escola em relação aos títulos e demais materiais sobre a
temática africana e afro-brasileira que atendam aos sujeitos das diferentes etapas
e modalidades da educação básica – já adotada por algumas secretarias de educa-
ção – poderia ser um caminho na superação desse Quadro. O Programa Nacional
Biblioteca da Escola, embora seja reconhecido como uma política importante do
Ministério da Educação, não consegue cobrir, sozinho, a especificidade dessa de-
manda. É necessária uma maior presença da gestão dos sistemas de ensino e das
escolas na solução desse problema. É crucial também o envolvimento do MEC,
conselhos de educação, secretarias e universidade na produção e socialização de
materiais didáticos e paradidáticos voltados para estudantes com deficiência na
perspectiva da diversidade étnico-racial.

354
Um dos maiores desafios do trabalho com a Lei n.º 10.639/03 e suas Diretri-
zes do ponto de vista conceitual com os(as) estudantes reside em algumas questões:
Como superar paradigmas eurocêntricos nos quais ainda se baseia a discussão sobre
a História da África nas universidades e nas escolas? Como os(as) estudantes po-
derão conhecer o pensamento africano sobre a própria África? Como terão acesso
às obras e aos estudos produzidos por autores(as) africanos que tematizam o seu
próprio continente?
Esse processo está diretamente relacionado aos docentes, às escolas e aos cur-
rículos: como superar a tendência presente no campo acadêmico e na formação de
professores(as) de adotar somente referências de autores(as) e discussões ocidentais
sobre a África? Como transformar as discussões teóricas consistentes sobre o tema
em materiais didáticos e paradidáticos de qualidade e de fácil acesso ao professor(a)
da educação básica? Como descolonizar os nossos currículos de forma que eles in-
cluam e expressem a riqueza da temática africana e afro-brasileira?

Relação escola–comunidade e formação de


professores(as)
A relação escola–comunidade também conta muito no enraizamento e susten-
tabilidade das práticas. Porém, a participação da comunidade por si só não garante o
desenvolvimento de práticas mais próximas da perspectiva da Lei e a realização da
educação das relações étnico-raciais. Primeiro, porque a relação escola–comunidade é
um grande desafio para a educação escolar brasileira de maneira geral e para a realiza-
ção da gestão democrática; depois, porque a relação escola–comunidade nem sempre é
emancipatória. Ainda se fazem presentes nos Estados e municípios brasileiros ranços
de uma relação clientelista da escola com a comunidade, ou seja, nem sempre a par-
ticipação ocorre na perspectiva da gestão democrática, mas muitas vezes serve para
reforçar autoritarismos. Deve-se considerar que o princípio da gestão democrática,
embora seja constitucional, não é adotado em todos os Estados e municípios, e mes-
mo aqueles que o adotam carecem da efetivação da democracia, de fato.
Quanto aos professores(as), a ausência ou o espaço restrito para a forma-
ção em serviço dos próprios educadores(as) é também um inibidor do processo de
discussão, de enraizamento e de problematização das práticas realizadas. Como já
foi apontado anteriormente, nem todos(as) os(as) docentes têm tempo, disponibi-
lidade e disposição para frequentar cursos e atividades de formação continuada na
perspectiva da Lei ofertadas pelas Secretarias, pelas universidades e pelos NEABs
fora do espaço e do tempo escolar (quando estas existem!). Essa situação revela

355
aos sistemas de ensino a necessidade de considerar com mais seriedade os proces-
sos de formação em serviço dos profissionais da educação e uma maior atenção à
escola como espaço/tempo formador dos próprios docentes. É também necessário
aprofundar o debate sobre o direito dos profissionais da educação à sua formação e
qualificação em seu próprio local de trabalho.
Talvez, diante dessa situação, a educação a distância, no seu formato semipre-
sencial, possa ser um elemento interessante. Porém, há de se ter muito cuidado com
esse processo! Como foi alertado na Conferência Nacional de Educação Básica (CO-
NAE, 2010), a educação a distância não deve substituir a formação presencial. Ao ser
adotada, cabe ao MEC e sistemas de ensino o acompanhamento sistemático e a ava-
liação do processo, e aos profissionais da educação, o exercício competente do controle
social. É também necessário o cuidado com as propostas de educação a distância na
perspectiva da Lei 10.639/03 que começam a chegar às escolas e aos docentes oriun-
das da iniciativa privada. Muitas delas são altamente oportunistas e mercadológicas.
Nesse sentido, os gestores de sistemas de ensino têm a responsabilidade de fiscalizar
e orientar as escolas. E mais, têm a responsabilidade de produzir tal formação, dentro
da esfera pública, preferencialmente na forma presencial e, em casos necessários, à
distância na modalidade semipresencial em parceria com o MEC, NEABs e/ou Ongs
com um histórico atestado de competência e seriedade no trabalho com a questão
étnico-racial. Ao se considerar a realidade do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as
dificuldades da formação continuada de professores ficam ainda mais evidentes.
A ação indutora das secretarias de educação – somada à gestão da escola na
viabilização de processos de formação em serviço (destinação de recursos financei-
ros, promoção de cursos, seminários, palestras, produção de material paradidático e
de apoio, política de distribuição de livros sobre o tema, entre outros) e no estímulo
e na construção de condições de processos de formação continuada (articulação
com universidades, NEABs, Ongs, grupos culturais, associações e organizações do
Movimento Negro e políticas internas, para que os(as) docentes possam participar)
– revela-se como um forte componente para a construção de práticas pedagógicas
condizentes com a Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes. No trabalho de campo, as
escolas inseridas nesse contexto mais afirmativo revelavam-se realizadoras de práti-
cas envolventes, mais enraizadas e sustentáveis.
A coordenação nacional da pesquisa infere que as políticas educacionais de-
sencadeadas em alguns Estados e municípios – como a adoção de bônus para os(as)
docentes pelo bom desempenho dos estudantes nas avaliações locais e nacionais
(que já é passível de divergências e discussões entre sindicatos e poder público)

356
– poderão contribuir negativamente para o enraizamento e a sustentabilidade das
práticas pedagógicas na perspectiva da Lei, uma vez que as atenções se voltam para
as áreas de Português e Matemática como prioritárias nas escolas. Isso reforça o
imaginário de que discussões como a questão racial e africana e outras são secundá-
rias, além de legitimar posturas conservadoras e equivocadas sobre a relação escola–
aprendizagem–conhecimento e enfraquecer as práticas pedagógicas voltadas para a
educação das relações étnico-raciais.
Nas práticas observadas e nos diversos depoimentos dos entrevistados(as),
constata-se a demanda de formação inicial e continuada de professores(as) na pers-
pectiva da diversidade étnico-racial, entendida como o principal elemento para uma
mudança de práticas e posturas racistas. Essa é, de fato, uma necessidade e uma
demanda legítima; portanto, não pode ser negada a sua importância. Mas deve-se
problematizar o consenso de que a participação dos docentes em processos de for-
mação inicial e continuada será capaz de mudar automaticamente práticas precon-
ceituosas, discriminatórias e racistas.
É necessária uma formação dos(as) professores(as) como uma dimensão mais
ampla e não resumida às aprendizagens adquiridas em processos formais. Os espa-
ços sociais (família, igreja, círculos de amizades, grupos culturais, grupos políticos,
associações, entre outros) nos quais circulam também são formadores e deforma-
dores.
A questão étnico-racial, assim como as várias outras expressões da diversi-
dade, encontra-se nesse terreno conflitivo. Portanto, ao se propor a formação de
professores(as) como a melhor alternativa para a mudança de mentalidades e cons-
trução de práticas democráticas e afirmativas sobre a diversidade étnico-racial na
educação escolar, é preciso considerar que essa formação deverá tocar com radicali-
dade em questões arraigadas na conformação histórica, social, política e econômica
do nosso país, problematizando o lugar da raça e da questão racial nesse contexto.
Será importante indagar se os processos em curso consideram – em seus programas,
ações, discussões teóricas, produção de material, diálogo e reflexão – a complexi-
dade da presença do racismo e do mito da democracia racial no imaginário social
e pedagógico e constroem ações, discussões e estratégias visando a sua superação.
E se conseguem refletir sobre como a especificidade do imaginário racial e racista
brasileiro afeta o nosso olhar sobre o continente africano.
É também importante destacar que nos processos de formação de
professores(as) estão em jogo opções políticas e ideológicas conservadoras e autori-
tárias feitas pelos próprios docentes, alguns dos quais ferindo os princípios éticos da

357
educação como formação humana e caminham na contramão do direito à diferença
entendido como direito à educação. Algumas dessas práticas apoiam-se, inclusive,
em interpretações dogmáticas, de cunho religioso configurando-se em práticas de
intolerância religiosa. Essas ações precisam ser denunciadas, e a elas cabem san-
ções legais, pois o racismo é, a partir da Constituição de 1988, crime inafiançável e
imprescritível. Não é possível conceber práticas e discursos racistas na sociedade e,
por conseguinte, no sistema de ensino e nas escolas. E não se pode deixar alastrar
nas escolas a intolerância religiosa, que incide sobre estudantes e docentes pratican-
tes de religiões brasileiras de matriz africana. Também não se pode deixar que tal
intolerância produza uma interpretação preconceituosa e racista sobre a temática
afro-brasileira e africana impedindo o trabalho com a Lei n.º 10.639/03 nas escolas.
Além disso, é preciso garantir o caráter laico da escola pública, garantido por Lei.
Os processos de formação ainda deverão considerar a existência de um receio
e/ou a negação de vários gestores(as) e docentes diante do novo e da mudança ins-
taurado no campo da educação, sobretudo quando vem como resposta do Estado
às lutas dos movimentos sociais. O conhecimento do histórico social e político da
luta da população negra em prol da educação e o papel protagonista do Movimento
Negro por uma educação democrática, que contemple de forma explícita a história
e a cultura afro-brasileira e africana, deveriam fazer parte dos processos de formação
de professores(as).
A pesquisa revela como em várias escolas participantes existem projetos sig-
nificativos que estão sendo desenvolvidos por coletivos de profissionais e, ao mesmo
tempo, na mesma escola, a existência de outros educadores(as) que desconhecem
esse processo histórico, não conhecem a Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes, ou
mantêm um conhecimento superficial delas, inclusive de resistência, entendendo-as
como imposição do Estado ou “lei dos negros”.
É preciso considerar que há vários interesses em jogo e que a educação das
relações étnico-raciais mexe com estruturas de poder classistas, machistas, racistas e
homofóbicas na gestão dos sistemas de ensino e nas escolas. Muitas vezes, as pessoas
se discriminam umas às outras movidas por interesses, ou seja, movidas pelo desejo
de se manter em posições de poder ou por elas consideradas como tais. Portanto, há
de se questionar o que se entende por uma formação de professores(as) e diversidade
étnico-racial e quais são as práticas desenvolvidas. Dependendo da formação e do
modo como os fatores anteriormente apresentados se articulam a esta, os seus resulta-
dos podem não ser os mais democráticos. Aqui se aponta uma reflexão não somente
para as Secretarias de Educação mas também para os NEABs e para o MEC.

358
Os resultados da pesquisa apontam que há distanciamento entre a política de
formação de professores(as) de maneira geral e a formação para a diversidade étnico-
-racial em específico. É raro perceber a inclusão da temática étnico-racial nos pro-
cessos, nos cursos convencionais de formação de professores(as) (e de gestores(as)!)
desenvolvidos em nosso país. Geralmente, ela se desenvolve como uma formação à
parte, com editais próprios ou financiamentos específicos, que são também necessários.
A pesquisa aponta que a política específica de formação de professores(as)
para a diversidade étnico-racial é necessária e precisa ser fortalecida. A sua exis-
tência como política específica está relacionada com o caráter de ação afirmativa
da própria Lei n.º 10.639/03. Todavia, a investigação alerta para a necessidade de
inserção da discussão específica sobre relações raciais nos processos e nas políticas
convencionais de formação de professores(as), ou seja, a inclusão da ação afirmativa
nas políticas universais transformando-as e (re)qualificando-as.
Esse procedimento poderá garantir que os processos de formação continuada
de professores(as) desenvolvidos pelo MEC e pelo sistema de ensino contemplem
a Lei n.º 10.639/03, o Parecer CNE/CP 03/04 e a Resolução CNE/CP 01/04
na educação básica de maneira geral, sem perder de vista as políticas específicas
voltadas para o campo, o indígena, o quilombola, a educação de jovens e adultos, a
educação profissional e a educação especial.
A ausência de uma formação para a diversidade étnico-racial nessas moda-
lidades de ensino pôde ser verificada mediante a pesquisa realizada. As escolas que
foram observadas e que ofertam algumas dessas modalidades realizam suas práti-
cas com limites, desafios e avanços; porém ainda carecem de mais apoio do poder
público, de materiais e formação específicos, de espaços de discussão, de recursos
financeiros, de melhoria da infraestrutura física e da divulgação dos trabalhos sig-
nificativos que realizam.
Um ponto que deve ser reiterado na pesquisa e que permeia várias práticas
pedagógicas descritas e depoimentos colhidos refere-se às tensões entre a imple-
mentação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes e a intolerância religiosa advinda
de determinados grupos de matriz evangélica. Essa situação afeta estudantes, fa-
miliares e docentes. As interpretações motivadas por esse tipo de comportamen-
to, somadas ao desconhecimento sobre os conteúdos da Lei n.º 10.639/03, têm
produzido situações de conflito e tensões. Algumas, inclusive, interpõem limites à
participação de estudantes em projetos interdisciplinares com a temática africana e
afro-brasileira. Essa situação vem se agravando e exige uma intervenção mais con-
tundente do poder público.

359
Em suma, a pesquisa revela avanços, porém destaca que ainda há um dis-
tanciamento a superar na relação entre a política de formação de professores(as),
a gestão dos sistemas de ensino e das escolas, e as práticas pedagógicas realizadas
no cotidiano das instituições escolares. Os motivos e as disputas são múltiplos e
variados, e alguns deles foram apontados ao longo deste estudo: históricos, cultu-
rais, políticos, econômicos, religiosos e ideológicos. No caso específico da questão
racial, somam-se a esses motivos a presença do mito da democracia racial, o racismo
ambíguo, o preconceito e a discriminação racial. Tal situação acaba por interferir na
implementação da Lei n.º 10.639/03 nos sistemas de ensino, bem como no enraiza-
mento e na sustentabilidade das práticas pedagógicas realizadas pelas escolas.
Diante de tal situação, o MEC/SECADI vem demonstrando empenho na
construção de políticas e práticas, a fim de superar essa situação e fazer avançar a
Lei n.º 10.639/03 da implantação para a implementação nos sistemas de ensino e
seu enraizamento das práticas pedagógicas. Uma das estratégias adotadas tem sido
a realização de pesquisas institucionais que possam apontar caminhos para a cons-
trução, a elaboração e o aperfeiçoamento das políticas de diversidade tal como esta
que ora vem a público.
Ao retomar as perguntas iniciais colocadas pela investigação, pode-se dizer que:
Passados sete anos de sua sanção, a Lei n.º 10.639/03 tem sido implantada
pelos sistemas de ensino e tem sido objeto de práticas pedagógicas nas
escolas, porém de forma irregular, com graus diferenciados de intensida-
de, enraizamento e sustentabilidade. Estes estão intrinsecamente ligados às
questões estruturais da sociedade de maneira geral e da educação em espe-
cífico, tais como: a existência do racismo ambíguo; a persistência do mito
da democracia racial no imaginário social e pedagógico; a imbricação entre
desigualdade racial, social e regional; as condições de trabalho nas escolas; a
infraestrutura da escola; a rigidez dos currículos, da estrutura e da organiza-
ção escolar; as distintas nuances de gestão democrática; a formação inicial,
continuada e em serviço dos(as) educadores(as); os limites e os avanços das
políticas educacionais destinadas aos diferentes níveis, etapas e modalidades
de ensino; os dilemas enfrentados pelas escolas no contexto urbano e rural;
os desafios da educação quilombola.
A pesquisa não permite afirmar que houve alterações nos currículos e nas
práticas de formação inicial de profissionais da educação em decorrência da
implementação da Lei e da disseminação de suas Diretrizes Curriculares. A
maioria dos(as) docentes, diretores(as) e pedagogos(as) entrevistados(as) faz

360
parte de uma geração que durante o seu processo de formação inicial não
teve contato com uma discussão sistemática da diversidade étnico-racial
nos cursos de Licenciatura e Pedagogia e se formaram antes da sanção da
Lei n.º 10.639/03.

Do ponto de vista da formação continuada e em serviço e considerando as


variações de escola para escola e as peculiaridades regionais, a pesquisa
aponta que há, sim, ações de formação sendo desenvolvidas pelas Secreta-
rias de Educação e pelo MEC, as quais chegam às escolas. Estas se defron-
tam com vários limites e dilemas, tais como:
O desafio da (re)organização dos tempos e espaços escolares para que os(as)
profissionais possam participar de cursos de especialização, atualização e ca-
pacitação ofertados (alguns articulados com os NEABs via edital UNIAFRO,
PROEXT);
A falta de recursos financeiros do(a) professor(a) e da escola para que os(as)
educadores(as) participem das ações de formação conciliando-as com o seu
tempo de trabalho na escola (tais ações na maioria das vezes não preveem
ajuda de custo, e muitas exigem deslocamento do docente, mesmo que seja
nos finais de semana sobretudo para aqueles que residem no interior e em
áreas rurais e quilombolas);
A disponibilidade de tempo do(a) professor(a) para se dedicar à formação fora
do seu horário de trabalho e/ou aos sábados;
O acúmulo de trabalho dos docentes, sendo que muitos deles dobram sua
jornada na mesma escola ou trabalham em outra rede de ensino;
O compromisso e a flexibilidade da gestão e da coordenação da escola para
reorganizar o trabalho pedagógico nos períodos de ausência dos docentes em
formação continuada ou em serviço e o comprometimento desse(a) profissio-
nal e do corpo docente em relação ao repasse das informações.
Quanto à formação desenvolvida concomitantemente ao tempo da docência,
destaca-se a tensão entre o direito ao tempo de formação do(a) professor(a) e
o direito ao tempo de escola dos estudantes. Administrar essa situação exige
da gestão da escola e da coordenação pedagógica criatividade, flexibilidade,
capacidade de diálogo, discussão e implementação, de fato, de uma proposta
pedagógica. Essa reorganização implica a participação ativa da comunidade

361
escolar e a articulação com o entorno, exigindo, assim, da gestão da escola,
competência na administração de conflitos e dos recursos financeiros para a
realização de atividades pedagógicas. Essas atividades deverão garantir o direi-
to de escola ao estudante, durante a ausência do(a) professor(a), de modo que
não sejam substituídas por medidas paliativas. Todavia, a liberação dos docen-
tes e a reorganização dos tempos e espaços dependem também das condições
de trabalho, da infraestrutura adequada da escola, da proposta pedagógica e de
um Quadro mais permanente e menos rotativo de profissionais na instituição.
A capacidade de organizar de forma bem-sucedida ou não os momentos de
formação continuada e em serviço tem relação também com as desigualdades
de condições de funcionamento das escolas. Em algumas escolas localizadas
nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste a situação é mais precária (falta
de professores(as), alta rotatividade dos docentes na mesma escola, infraestru-
tura física precária, falta de acervo bibliográfico diversificado). Nesse sentido,
pode-se dizer que a pesquisa aponta a forte presença das desigualdades regio-
nais e sua interface com a educação das relações étnico-raciais.
As iniciativas do MEC/SECADI e o conjunto de dispositivos legais em prol
da implementação da Lei n.º 10.639/03 têm incidido de maneira diferenciada
considerando as disparidades regionais com base em indicadores nacionais.
Em várias escolas foi possível ver nas bibliotecas a existência de livros, vídeos,
CDs e materiais paradidáticos enviados pelo MEC (por exemplo, o kit A Cor
da Cultura) ou pelas Secretarias de Educação por meio de políticas específi-
cas. Todavia, nem sempre o material se encontrava visível e disponível para
docentes e estudantes. Outras vezes, mesmo quando se apresentava acessível,
era tema de interesse somente do(a) profissional ou do coletivo docente que
levava à frente as práticas pedagógicas na perspectiva da Lei nas escolas. Ou
ainda ficava à mercê do entendimento equivocado de que tal material não
deveria ser socializado para empréstimo e consulta fora da escola por docentes
e estudantes mediante o argumento de que ele seria estragado. Em algumas
escolas esse material ficava guardado na sala da coordenação.
O curso de formação a distância Africanidades, promovido pelo MEC/SECA-
DI merece ser assinalado. Apesar de ser mais destacado em algumas escolas da
região Sul, os seus efeitos positivos na formação docente são dignos de nota.
Embora a educação a distância ainda apresente vários limites, no Brasil, diante
da imensa demanda de formação na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 que tem
chegado aos NEABs e ao MEC e das lacunas constatadas na formação inicial

362
dos(as) docentes em relação à temática, a formação a distância – desde que seja
realizada com competência técnica, teórica e compromisso – pode ser sinalizada
como uma possibilidade formativa capaz de atingir um contingente maior de
docentes, ao ser articulada com o formato semipresencial.
Um alerta importante apontado pela investigação é sobre o enraizamento da
Lei no cotidiano da escola. Este ainda está muito colado aos atores-referência
pelo trabalho com a temática africana e afro-brasileira. Tais atores podem ser
um coletivo ou mesmo um ou dois profissionais que insistem em levar à frente
a implementação da Lei n.º 10.639/03 na escola. Nesse processo, um avanço
a ser apontado, diz respeito à existência de gestores(as) e pedagogos(as) entre
esse coletivo, fato que não se via antes com muita frequência. Contudo, tais
iniciativas ainda são personalizadas, o que enfraquece a capacidade de enraiza-
mento da Lei nas escolas, a sua sustentabilidade e a passagem do processo de
implantação para a implementação em nível de sistema de ensino. O que fazer
diante desse Quadro? A pesquisa aponta a necessidade e a urgência de cons-
truir formas estruturantes de enraizamento e de implementação da Lei n.º
10.639/03 e suas Diretrizes na educação básica. Será necessário fazer com que
a Lei n.º 10.639/03, que nasce como uma política pública, seja incorporada
nas estruturas do sistema público de ensino e não fique à mercê de coletivos
de docentes ou de gestores(as) sensibilizados pela temática afro-brasileira e
africana na escola ou daqueles que política e pedagogicamente já entenderam
a importância da educação antirracista e realizam trabalhos nessa perspectiva.
Como foi apontado, embora haja uma relação estreita entre as práticas mais
enraizadas e sustentáveis e a gestão da escola, a implementação da Lei não
deve se restringir às posturas pessoais e concepções mais ou menos demo-
cráticas dos profissionais da escola. Ela deve ser garantida como um direito.
A pesquisa reforça a urgência de introduzir a Lei n.º 10.639/03 e suas Di-
retrizes nas políticas de educação básica como um todo, de forma a tocar e
alterar as estruturas existentes. Para isso, será necessário inseri-las nas políti-
cas de currículo, nas políticas de formação de professores(as), no Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD), no Programa Nacional Biblioteca da
Escola (PNBE) e demais programas e políticas educacionais, no conjunto
das Diretrizes Curriculares implementadas pelo MEC, na formação dos(as)
licenciados(as) e pedagogos(as), nas provas dos concursos públicos para ad-
missão de profissionais na educação básica (em todas as etapas e modalidades)
e no ensino superior. Também para isso a destinação e a adequação de recur-
sos financeiros se fazem necessárias.

363
Recomendações
Um dos objetivos específicos desta pesquisa é a construção de referenciais de
aplicabilidade da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes Curriculares, que possam contribuir
para os processos de gestão pedagógica da diversidade desenvolvidos pelo MEC, pelas
secretarias de educação e pelas escolas públicas existentes nas várias regiões do País.
A diversidade e a complexidade das práticas pedagógicas, bem como os avan-
ços e os limites apontados durante a realização da pesquisa, orientam um conjunto
de recomendações para a efetivação de uma política educacional voltada para di-
versidade étnico-racial. Estas são destinadas aos mais diversos setores: (a) ao Mi-
nistério da Educação; (b) aos(às) gestores(as) dos sistemas de ensino; (c) aos(às)
gestores(as) das escolas; (d) aos(às) docentes; (e) ao Conselho Nacional de Educa-
ção, (f ) aos conselhos estaduais e municipais de educação e do Distrito Federal; (g)
aos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros; (h) aos movimentos sociais.

Recomendações ao MEC
Adotar políticas e programas voltados para a implementação da Lei n.º
10.639/03 levando em consideração as desigualdades regionais, o contexto cultural
e ambiental, com destaque para as áreas rurais, as comunidades quilombolas e os
bolsões de pobreza nos grandes centros urbanos.
Adotar políticas intersetoriais em que a política educacional dialogue com
outras áreas e setores do poder público na implementação da Lei n.º 10.639/03.
Definir em discussão com o Conselho Nacional de Secretários de Educação
(CONSED) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME)
a criação de estruturas administrativas dentro da gestão educacional do Estado ou mu-
nicípio (secretarias, departamentos, coordenações, núcleos) responsáveis pela política
educacional de implementação da Lei n.º 10.639/03.
Implementar e cumprir as metas do Plano Nacional das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Destinar recursos financeiros para que as Secretarias Estaduais e Municipais
de Educação tenham condições adequadas para o cumprimento das metas do Plano
Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-
-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Inserir nas políticas educacionais desenvolvidas pelo MEC informações por

364
sexo e por raça/etnia, a fim de subsidiar o monitoramento, a avaliação das ações e a
produção de dados na perspectiva étnico-racial.
Estimular as Secretarias Estaduais, as Secretarias Municipais de Educação
e do Distrito Federal a inserir informações por sexo e por raça/etnia nas políticas
educacionais desenvolvidas, a fim de subsidiar o monitoramento, a avaliação e a
produção de dados em uma perspectiva étnico-racial.
Estimular e induzir a inserção da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes nos
planos estaduais e municipais de educação em cumprimento das metas estabele-
cidas pelo Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana.
Estimular e induzir as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, em
articulação com o CNE, CONSED e UNDIME, a regulamentarem a Lei n.º
10.639/03 e suas Diretrizes em nível local e regional em cumprimento às metas
estabelecidas pelo Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-
cação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana.
Monitorar e avaliar, em parceria com o Conselho Nacional de Educação
(CNE) e em caráter permanente, a inserção da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretri-
zes nas políticas educacionais do MEC, dos estados, dos municípios e do distrito
federal.
Produzir avaliação interna das iniciativas de implementação da Lei n.º
10.639/03 realizadas pelo MEC/SECADI, destacando os dados de implementação
das ações desenvolvidas.
Implementar, garantir, acompanhar e avaliar a inserção da Lei n.º 10.639/03
e suas Diretrizes nas políticas e nos processos de formação continuada de
professores(as) da educação especial, educação do campo, educação quilombola,
educação profissional, educação nas prisões já existentes e naqueles que ainda serão
implementados.
Garantir, implementar e avaliar a inserção da Lei n.º 10.639/03 e suas Dire-
trizes na educação de jovens e adultos, para os estudantes da educação especial, das
escolas quilombolas, das escolas do campo, da educação profissional e da educação
nas prisões.
Inserir a Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes nas políticas de currículo do
MEC, no PNLD, no PNBE e nos outros programas similares.

365
Fortalecer os Fóruns Estaduais de Educação e Diversidade Étnico-Racial
(sobretudo os permanentes) no processo de acompanhamento social, avaliação e
articulação da política educacional de implementação da Lei n.º 10.639/03.
Garantir a inserção da educação das relações étnico-raciais prevista na Lei n.º
10.639/03, no Parecer CNE/CP 03/04 e na Resolução CNE/CP 01/04 no novo
Plano Nacional de Educação (PNE).
Implementar e garantir políticas educacionais que atendam ao cumprimento
da educação das relações étnico-raciais em consonância com o documento final da
Conferência Nacional de Educação (CONAE, 2010).
Introduzir a valorização da diversidade étnico-racial e a educação antirracista
como uma das dimensões da qualidade social da educação priorizada pelo MEC.
Dar continuidade à política de publicações do MEC/SECADI voltada para
a diversidade étnico-racial impressa e on-line distribuída a educadores(as) da edu-
cação básica e incrementá-la.
Garantir a oferta de referenciais teóricos (publicações, traduções, documentá-
rios, acesso a banco de dados, entre outros) que deem um embasamento conceitual
mais sólido aos docentes e gestores(as) das escolas e dos sistemas de ensino sobre
História da África e a questão afro-brasileira.
Incentivar e garantir, em parceria com o CONSED e a UNIME, a regula-
mentação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes curriculares pelos Conselhos Esta-
duais de Educação e pelos Conselhos Municipais de Educação.
Desenvolver campanha sistemática de divulgação na mídia televisiva, impres-
sa, on-line, portal do MEC e sites de organismos internacionais parceiros sobre as
políticas, programas e práticas na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 realizadas pelo
MEC, pelas Secretarias de Educação, pelas escolas e pelos(as) educadores(as).
Garantir a articulação entre diversidade étnico-racial e diversidade regional nos
materiais impressos e on-line publicados pelo MEC na perspectiva da Lei n.º 10.639/03.
Incluir a temática da Lei n.º 10.639/03 nos processos de avaliação da apren-
dizagem dos(as) estudantes da educação básica.
Construir redes de educação e diversidade étnico-racial que focalizem a di-
vulgação e a socialização de propostas curriculares, experiências de gestão, práti-
cas pedagógicas e discussão conceitual sobre a África na perspectiva da Lei n.º
10.639/03 e suas Diretrizes entre países da América Latina, sobretudo aqueles com
maior presença afro-latina.

366
As redes de educação e diversidade étnico-racial deverão articular ações im-
plementadas pelo MEC, organismos internacionais, Movimento Negro, Ongs, NE-
ABs, Secretarias Estaduais de Educação, Secretarias Municipais de Educação e do
Distrito Federal e escolas públicas na implementação e consolidação da Lei n.º
10.639/03. Também deverão ser realizadas em articulação com os Fóruns Estaduais
e Municipais de Educação e Diversidade Étnico-Racial.

Recomendações aos (às) gestores(as)


Dos sistemas de ensino
Inserir a Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes nas orientações curriculares de
todas as etapas da educação básica e suas modalidades de ensino.
Criar estruturas administrativas dentro das secretarias estaduais, municipais e
do Distrito Federal (secretarias, departamentos, coordenações, núcleos) responsáveis
pela política educacional de implementação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes.
Garantir, em articulação com o MEC, NEABs, Ongs e universidade, a re-
alização de processos de formação continuada de professores(as) e gestores(as) da
educação básica na perspectiva da Lei n.º 10.639/03.
Garantir a inserção da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes nas políticas de
currículo das Secretarias de Educação Estaduais, Municipais e do Distrito Federal.
Garantir recursos públicos e acompanhamento pedagógico específico para a
implementação de Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes nas escolas quilombolas e na
educação especial.
Inserir a educação para as relações étnico-raciais nas demais políticas e nos
programas voltados para a formação de professores(as) da educação básica realizados
pelos sistemas de ensino e pelas escolas.
Realizar ações intersetoriais para o aprimoramento do processo de imple-
mentação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes nas escolas públicas.
Produzir e distribuir material de apoio na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e
suas Diretrizes para os(as) docentes da educação básica levando em consideração a
diversidade e a desigualdade regional.
Instituir dentro da política educacional do estado, município e Distrito Federal a
distribuição para todas as escolas públicas, de todas as etapas e modalidades de ensino,

367
de kits de literatura afro-brasileira, livros teóricos, produção audiovisual, jogos, brinque-
dos e demais materiais de apoio na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes.
Garantir a divulgação e socialização de materiais impressos e on-line publica-
dos pelo MEC na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 para as escolas públicas.

Das escolas
Garantir a inserção da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes no tempo de formação e
qualificação em serviço e nos processos de formação continuada dos profissionais da escola.
Garantir a inserção da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes no PPP e nas po-
líticas de currículo das escolas.
Articular junto com as demais escolas públicas do bairro ou região a constru-
ção de uma rede de escolas que realizam práticas pedagógicas voltadas para a edu-
cação das relações étnico-raciais, a fim de concretizar o processo de implementação
da Lei n.º 10.639/03.
Demandar junto às secretarias estaduais, municipais e distrital de educação re-
cursos públicos e acompanhamento pedagógico específico para a implementação de
Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes nas escolas quilombolas e na educação especial.
Articular ações conjuntas com o Movimento Negro, grupos culturais, associações
e demais organizações da comunidade, com experiência na discussão sobre a temática
étnico-racial, na implementação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes na escola.
Promover debates sobre a diversidade religiosa com a participação da escola,
comunidade, movimentos sociais, movimento negro e grupos religiosos, a fim de
construir ações que visem à superação da intolerância religiosa e à garantia do ca-
ráter laico da escola pública.
Denunciar crimes de racismo praticados por profissionais da escola, estu-
dantes e comunidade aos órgãos competentes em articulação com o trabalho dos
Conselhos Tutelares.
Estimular a realização de práticas pedagógicas que incluam os estudantes e
suas formas de participação (grêmios, grupos culturais, grupos de estudos) como
interlocutores do trabalho de implementação da Lei n.º 10.639/03.

368
Recomendações aos docentes
Implementar trabalhos, projetos, ações e práticas interdisciplinares na pers-
pectiva da Lei n.º 10.639/03, do Parecer CNE/CP03/04 e da Resolução CNE/CP
01/04.
Participar dos processos de formação em serviço e continuada promovidos
pelo MEC, secretarias de educação, universidade, NEABs, escola e Movimento Ne-
gro na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes.
Cobrar da gestão da escola e do sistema de ensino, do MEC, do CNE, dos
conselhos de educação estaduais, municipais e do Distrito Federal a efetivação do
processo de implementação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes.
Realizar práticas pedagógicas na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e suas Di-
retrizes que incluam e considerem as diversas formas de participação dos(as) estu-
dantes (grêmios, grupos culturais, grupos de estudos).
Realizar, de forma conjunta e interdisciplinar, a avaliação da aprendizagem
dos(as) estudantes sobre a história e cultura africana e afro-brasileira com enfoque
nas dimensões conceitual e ética.
Denunciar crimes de racismo praticados por profissionais da escola, estu-
dantes e comunidade aos órgãos competentes em articulação com o trabalho dos
Conselhos Tutelares.
Articular ações conjuntas com o Movimento Negro, grupos culturais, asso-
ciações e demais organizações da comunidade, com experiência na discussão sobre
a temática étnico-racial, que visem a educação das relações étnico-raciais na escola.
Participar de pesquisas juntamente com os NEABs sobre as práticas peda-
gógicas de trabalho na perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes desen-
volvidas nas escolas, a fim de subsidiar a realização de estudos e reflexões teóricas
sobre os avanços e os desafios vivenciados pelos(as) docentes da educação básica no
processo de implementação desta legislação.
Participar dos Fóruns Estaduais e Municipais de Educação e Diversidade
Étnico-Racial, juntamente com o poder público, Movimento Negro e demais mo-
vimentos sociais.
Participar das redes de educação e diversidade étnico-racial em articulação
com os Fóruns Estaduais e Municipais de Educação e Diversidade Étnico-racial,
movimento negro e demais movimentos sociais.

369
Recomendações ao CNE
Monitorar e avaliar em caráter permanente o processo de implementação
da Lei n.º 10.639/03, do Parecer CNE/CP03/04 e da Resolução CNE/CP 01/04
realizado pelos sistemas de ensino.
Orientar a gestão do sistema de ensino e os conselhos de educação estaduais,
municipais e do Distrito Federal, em cooperação com o CONSED e UNDIME,
nos processos de regulamentação da Lei n.º 10.639/03.
Inserir a Lei n.º 10.639/03, o Parecer CNE/CP03/04 e a Resolução CNE/
CP 01/04 nas diretrizes curriculares nacionais dos cursos de Pedagogia e Licencia-
tura orientando a reestruturação dos currículos já existentes.
Produzir Diretrizes Curriculares Nacionais Operacionais, a fim de subsidiar os
sistemas de ensino e as escolas no processo de implementação da Lei n.º 10.639/03.
Produzir as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Qui-
lombola.

Recomendações aos Conselhos de Educação Estaduais,


Municipais e do Distrito Federal
Monitorar e avaliar em caráter permanente o processo de implementação
da Lei n.º 10.639/03, do Parecer CNE/CP03/04 e da Resolução CNE/CP 01/04
realizado pelos sistemas de ensino e pelas escolas.
Regulamentar a Lei n.º 10.639/03, o Parecer CNE/CP03/04 e a Resolução
CNE/CP 01/04 em nível estadual, municipal e no Distrito Federal por meio de
normatizações específicas.
Produzir as Diretrizes Curriculares Estaduais e Municipais para a Educação
Escolar Quilombola.
Promover discussões e debates sobre a Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes
com os gestores de sistema de ensino e equipe técnica das secretarias de educação,
a fim de subsidiar o processo de implementação da legislação.

Recomendações aos NEABs


Dar continuidade aos trabalhos de pesquisa em âmbito nacional, regional e
local para identificação das práticas pedagógicas realizadas pelas escolas públicas na
perspectiva da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes.

370
Mapear e disseminar as tradições orais afro-brasileiras produzidas por grupos
culturais, Movimento Negro, comunidades-terreiro, grupos juvenis da periferia, po-
pulação quilombola e pessoas da comunidade mediante a realização de pesquisa em
âmbito nacional, regional e local e em articulação com as escolas públicas, a fim de
ampliar a compreensão da educação das relações étnico-raciais.
Realizar pesquisa em âmbito nacional, regional e local em parceria com orga-
nismos internacionais e pesquisadores(as) de NEABs, que focalizem especificamente
os aprendizados dos estudantes da educação básica sobre História da África e a ques-
tão afro-brasileira após a sanção da Lei n.º 10.639/03 e a aprovação de suas Diretrizes.
Realizar pesquisas em âmbito nacional, em parceria com organismos interna-
cionais e pesquisadores(as) de NEABs, que considerem as iniciativas e as principais
necessidades das escolas localizadas no interior do País, nas zonas rurais, na edu-
cação quilombola e na educação especial, na implementação da Lei n.º 10.639/03.
Realizar pesquisas em âmbito nacional, regional e local em parceria com
organismos internacionais e pesquisadores(as) de NEABs, que focalizem os(as)
gestores(as) de sistemas de ensino e das escolas e os seus limites e desafios na im-
plementação da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes.
Apoiar as escolas públicas da educação básica no processo de implementação
da Lei n.º 10.639/03 e suas Diretrizes por meio de ações de formação continuada
de professores(as) voltada para a educação das relações étnico-raciais.

Recomendações aos movimentos sociais


Estabelecer diálogos com o MEC/SECADI, sobretudo a Comissão Assesso-
ra de Diversidade para Assuntos Relacionados aos Afrodescendentes (CADARA),
nas questões concernentes à implementação da Lei n.º 10.639/03.
Monitorar e avaliar em caráter permanente o processo de implementação
da Lei n.º 10.639/03, do Parecer CNE/CP03/04 e da Resolução CNE/CP 01/04
realizado pelas escolas e sistemas de ensino.
Estimular a articulação em âmbito nacional, estadual e municipal com outros
movimentos sociais, na construção de estratégias político-pedagógicas que visem à
superação do racismo, do sexismo e da homofobia nas escolas.
Participar dos Fóruns Estaduais de Educação e Diversidade Étnico-Racial
no processo de acompanhamento social, avaliação e articulação da política educa-
cional de implementação da Lei n.º 10.639/03.

371
Apoiar as escolas públicas e os processos de formação em serviço e continu-
ada de professores(as) na implementação da educação das relações étnico-raciais.
Apoiar as escolas quilombolas no processo de implementação da Lei n.º
10.639/03 e suas Diretrizes.
Subsidiar as instituições escolares nos processos pedagógicos e nas discussões
com a comunidade sobre o tema da intolerância religiosa, a fim de garantir o caráter
laico da escola pública.
Denunciar crimes de racismo praticados por profissionais da escola, estu-
dantes e comunidade aos órgãos competentes em articulação com o trabalho dos
Conselhos Tutelares.
Participar dos Fóruns Estaduais e Municipais de Educação e Diversidade
Étnico-racial.
Participar das redes de educação e diversidade étnico-racial em articulação
com os Fóruns Estaduais e Municipais de Educação e Diversidade Étnico-racial.

372
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375
Os(as) autores(as)
Coordenação nacional, coordenações regionais e consultoria

Cláudia Lemos Vóvio (Consultoria Coordenação Nacional)

Doutora em Linguística Aplicada no Instituto de Estudos da Linguagem – UNICAMP

Professora no curso de Pedagogia – UNIFESP

Colaboradora do programa de Educação de Jovens e Adultos da ONG Ação Edu-


cativa Assessoria Pesquisa e Informação.

clvovio@uol.com.br

Elânia de Oliveira (Coordenação Regional Sudeste)

Doutora em Educação (UFMG)

Professora de Português da Escola de Educação Básica

e Profissional da UFMG – Centro Pedagógico

Coordenadora de Formação do Programa Ações Afirmativas na UFMG e

Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas

sobre Relações Étnico-Raciais e Ações Afirmativas (NERA/CNPQ)

elaniadeoliveira.oliveira@gmail.com

Florentina da Silva Souza (Coordenação Regional Nordeste I)

Doutora em Estudos Literários – UFMG

Professora Associada do Instituto de Letras – UFBA

Vice-diretora do Centro de Estudos Afro-Orientais – UFBA

florenss@ufba.br

376
Maria Lúcia Rodrigues Muller (Coordenação Regional Centro-Oeste)

Doutora em Educação/UFRJ

Professora do Instituto de Educação e do

Programa de Pós-Graduação em Educação – UFMT

Coordenadora do Núcleo de Estudos e

Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (NEPRE)/UFMT

mullerlu@terra.com.br

Moisés de Melo Santana (Coordenação Regional Nordeste II)

Professor Adjunto do Departamento de Educação da UFRPE

Doutor em Educação (Currículo) pela PUC SP

Diretor do Departamento de Educação da UFRPE

moises.santana@pq.cnpq.br

Nilma Lino Gomes (Coordenação Nacional)

Doutora em Antropologia Social/USP

Professora da Faculdade de Educação da UFMG e do

Programa de Pós-Graduação em Educação – FAE/UFMG

Coordenadora-Geral do Programa Ações Afirmativas na UFMG e do Núcleo de


Estudos e Pesquisas sobre Relações Étnico-Raciais e Ações Afirmativas (NERA/
CNPQ)

nilmagomes@uol.com.br

377
Paulo Vinicius Baptista da Silva (Coordenação Regional Sul)

Doutor em Psicologia Social – PUC/SP

Professor de Graduação e Pós-Graduação do Setor de Educação – UFPR

Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – UFPR e

do Grupo de Trabalho Educação e Relações Raciais da ANPED

paulovbsilva@uol.com.br

Rodrigo Ednilson de Jesus (Coordenação Nacional)

Doutor em Educação – FAE/UFMG

Professor da Faculdade de Educação da UFMG

Integrante da equipe do Programa Ações Afirmativas na UFMG

Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Étnico-Raciais e Ações


Afirmativas (NERA/CNPQ)

rodrigoednilson@gmail.com

Shirley Aparecida de Miranda (Coordenação Nacional)

Doutora em Educação – FAE/UFMG

Professora da Faculdade de Educação da UFMG

Integrante da equipe do Programa Ações Afirmativas na UFMG

Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Étnico-Raciais e Ações


Afirmativas (NERA/CNPQ)

shapmiranda@uol.com.br

378
Vanda Lucia Praxedes (Coordenação Nacional)

Doutora em História – FAFICH/UFMG

Professora da Faculdade de Educação – UEMG

Coordenadora Executiva do Programa Ações Afirmativas na UFMG

Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Étnico-Raciais e Ações


Afirmativas (NERA/CNPQ)

valupraxedes@gmail.com

Wilma de Nazaré Baía Coelho (Coordenação Regional Norte)

Doutora em Educação – UFRN

Professora Adjunto III do Instituto de Ciências da Educação – UFPA

Professora Titular IV do Centro de Ciências Humanas e Educação – UNAMA

Coordenadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Formação de Professores e


Relações Étnico-Raciais – Núcleo-GERA-UFPA

wilmacoelho@yahoo.com.br

Pesquisadores(as) assistentes

Ângela Maria dos Santos (Regional Centro-Oeste)

Mestre em Educação – UFMT

Especialização em Psicopedagogia, Educação e Relações Raciais na Sociedade Bra-


sileira.

Professora da Rede Estadual de Mato Grosso – Secretaria de Estado da Educação


de Mato Grosso (SEDUC/MT)

Pedagoga – Licenciada em Pedagogia – Universidade do estado de Mato Grosso


(UNEMAT)

angelamar7@gmail.com

379
Auxiliadora Maria Martins da Silva (Regional Nordeste II)

Doutoranda em Educação – UFPE

Coordenadora Pedagógica da Rede Municipal de Ensino do Recife

auxiliadora.martins@ig.com.br

Débora Cristina de Araujo (Regional Sul)

Mestre em Educação – UFPR

Professora da Rede Estadual

Licenciada em Letras – Faculdade Estadual de Educação Ciências e Letras de Pa-


ranavaí

debbora.a@hotmail.com

Ires dos Anjos Brito (Regional Nordeste I)

Mestranda do Programa de Estudos Étnicos e Africanos do CEAO-UFBA

Professora da Rede Particular

Licenciada em Letras Vernáculas – UFBA

anjosdebrito@hotmail.com

Itacir Marques da Luz (Regional Nordeste II)

Doutorando em Educação – UFMG

Mestre em Educação Popular – UFPB

Técnico Educacional da SEDUC PE

itacirluz@hotmail.com

380
Ivany Pinto Nascimento (Regional Norte)

Doutora em Psicologia da Educação – PUC/SP

Professora Adjunta IV do Instituto de Ciências da Educação – UFPA

Ivany.pinto@gmail.com

José Eustáquio de Brito (Regional Sudeste)

Doutor em Educação – UFMG

Professor da Faculdade de Educação – UEMG

Pesquisador vinculado ao Programa Ações Afirmativas na UFMG e ao Núcleo de


Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Ações Afirmativas (NERA/CNPQ)

Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Educação e Relações Étnico-


-Raciais da FaE/UEMG

jeustbrito@uol.com.br

Letícia Maria de Souza Pereira (Regional Nordeste I)

Mestre em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística –


UFBA

Professora de Literatura Afro-Brasileira no Curso de Formação para o Ensino


de História e Cultura Afro-brasileiras pelo Centro de Estudos Afro-Orientais –
CEAO/UFBA;

Vice-coordenadora do Programa Conexões de Saberes – UFBA/SECADI-MEC.

Pesquisadora do projeto EtniCidades: Intelectuais e Escritores/as Afrolatinos pelo


Instituto de Letras da UFBA.

laeticias@hotmail.com

381
Mauro Cezar Coelho (Regional Norte)

Doutor em História Social – USP

Professor Adjunto II do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – UFPA

mauroccoelho@yahoo.com.br

Natalino Neves da Silva (Regional Sudeste)

Doutorando em Educação, Programa Ações Afirmativas na UFMG

Professor da Universidade FUMEC e do Colégio Minas Gerais

Professor designado na Universidade do Estado de Minas Gerais

Integrante da equipe do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Étnico-


-Raciais e Ações Afirmativas (NERA/CNPQ)

natalgerais@yahoo.com.br

Tânia Mara Pacífico (Regional Sul)

Mestranda em Educação – UFPR

Pedagoga da Rede Estadual

Licenciada em Pedagogia – UFPR

taniapacifico@hotmail.com

Vanda Lúcia Sá Gonçalves (Regional Centro-Oeste)

Mestre em Educação – UFMT

Professora – Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Amapá.

Pesquisadora do NEPRE/UFMT

vandalsg@gmail.com

382
Bolsistas de iniciação científica, auxiliares de pesquisa e voluntários

Aianny Naiara Gomes Monteiro (Regional Norte)

Graduanda em Direito – UFPA

aiannymonteiro@yahoo.com.br

Alexandra Aparecida Rocha (Regional Sudeste)

Graduada em Ciências Contábeis; graduanda em Pedagogia da FaE/UFMG

Bolsista do Programa Ações Afirmativas na UFMG

xandrabh@yahoo.com.br

Aline Neves Rodrigues Alves (Coordenação Nacional)

Graduada em Geografia – IGC/UFMG

Bolsista PROBIC (FAPEMIG)

Integrante da equipe do Programa Ações Afirmativas na UFMG

Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Étnico-Raciais e Ações


Afirmativas (NERA/CNPQ)

alineves2005@yahoo.com.br

Andréia Rosalina Silva (Regional Sudeste)

Mestre em Educação – FAE/UFMG

Integrante da equipe do Programa Ações Afirmativas na UFMG

Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Étnico-Raciais e Ações


Afirmativas (NERA/CNPQ)

sasor2002@yahoo.com.br

383
Bruno José da Silva (Regional Nordeste II)

Graduando em Ciências Sociais – UFRPE

brunojs34@hotmail.com

Cleonice Ferreira do Nascimento (Regional Centro-Oeste)

Mestranda em Educação

Pedagoga – Licenciada em Pedagogia – UFMT

cleocleon@gmail.com

Daniela Sacramento de Jesus (Regional Nordeste I)

Graduanda em Pedagogia – UFBA

danita.sacra@gmail.com

Débora Roberta Borges (Regional Centro-Oeste – voluntária)

Graduada em Ciências Sociais – UFMT

Débora-roberta@hotmail.com

Djalma Oliveira de Arandas (Regional Nordeste II)

Graduando em Ciências Sociais – UFRPE

Djalma.arandas@gmail.com

Felipe Tavares de Moraes (Regional Norte – voluntário)

Mestrando em educação – UFPA

felipetavaresmoraes@gmail.com

384
Florença Aparecida Procópio (Regional Sudeste)

Graduanda em Geografia – IGC/UFMG

Bolsista do Programa Ações Afirmativas na UFMG

flor.procopio@yahoo.com.br

Gleice Maria de Meira Jesus (Regional Centro-Oeste)

Graduanda em Pedagogia – UFMT

gleicemeira@gmail.com

Kerolyn Daiane Teixeira (Regional Sul)

Graduanda em História – UFPR

kerolyn.daiane@hotmail.com

Lílian Almeida dos Santos (Regional Nordeste I - voluntária)

Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade


– UNEB

Pedagoga – UNEB

lilianalmeida@yahoo.com

Pallomma Melo (Regional Nordeste II)

Graduanda em Ciências Sociais – UFRPE

pallommamelo@hotmail.com

385
Rafaela Paiva Costa (Regional Norte -voluntária)

Mestranda em educação – UFPA

rafaelapaivacosta@yahoo.com.br

Rebeca B. Carmo (Regional Nordeste I)

Graduanda em Ciências Sociais – UFBA

brito_rebeca@yahoo.com.br

Rodrigo Antonio da Silva (Regional Norte)

Graduando em História – UFPA

rodrigo_antonio89@yahoo.com.br

Rosineide Brazilino de Andrade (Regional Nordeste II)

Graduando em Pedagogia – UFRPE

rosinha1a@hotmail.com

Solange Aparecida Rosa (Regional Sul)

Graduanda em Pedagogia – UFPR

solrosasol@gmail.com

Suzilaine Pontes (Regional Sul)

Graduanda em Letras – UFPR

suzynpontes@gmail.com

386
Tunai Rehm Almeida Regional Norte)

Graduando em Historia - UFPA

tca_rehm@hotmail.com

Vanessa Carla França (Regional Nordeste I)

Graduanda em Ciências Sociais – UFBA

vane_carla3@yahoo.com.br

387
Anexos

388
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389


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390
Municípios e Capitais que receberam
o Instrumento de Pesquisa

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MT

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MG
ES
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PR

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0 250 500 1.000 Km

Legenda 1:25.000.000
Municípios com indicação de Escolas.
Envio do Instrumento: 11 a 18 Junho/2009

Secretarias Municipais de Educação (Capitais) Por Aline Neves R. Alves

Secretarias Estaduais de Educação

391
Municípios com Escolas indicadas
pela Secretaria Estadual de Educação

0 250 500 1.000 Km

1:25.000.000
Legenda Período: 25 Junho a 19 Agosto/2009
Municípios com indicação de Escolas.
Por Aline Neves R. Alves

392
Municípios com Escolas contempladas
pelo Prêmio CEERT

Municípios
Ananindeua
Aracaju
Belo Horizonte
Bom Jesus da Lapa
Campinas
Duque de Caxias
Fortaleza
Guarujá
Ivaiporã
Jaru
Macapá
Manaus
Maringá
Mauá
Olinda
Ourinhos
Peruibe
Piracícaba
Planaltina
Ponte Alta
Porto Alegre
Porto Murtinho
Quixadá
Recife
Ribeirão Pires
Rio de Janeiro
Riversul
Salvador

0 250 500 1.000 Km


Legenda Data: 19 de Agosto/2009

Municípios Por Aline Neves R. Alves 1:25.000.000

393
Municípios com Escolas contempladas
pelo Prêmio CEERT

0 250 500 1.000 Km

1:25.000.000
Período: 25 Junho a 19 Agosto/2009
Legenda
Por Aline Neves R. Alves
Municípios com Escolas indicadas pelo NEAB’s

394


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Prezado(a) Secretário(a) Estadual de Educação, você está
recebendo agora o Questionário da Pesquisa “Práticas Pedagógicas
de Trabalho com Relações Étnico-Raciais na Escola na Perspectiva da
Lei 10.639/03”, realizada dentro do acordo MEC/UNESCO e
coordenada pelo Programa Ações Afirmativas na UFMG.
O objetivo principal desta pesquisa é mapear e analisar as
práticas pedagógicas de educação das relações étnico-raciais
desenvolvidas pelas escolas públicas e pelas redes de ensino de
acordo com a Lei 10.639/03 (obrigatoriedade do ensino de
história da África e das culturas afro-brasileiras), a fim de subsidiar
a definição de políticas públicas. Prevê o levantamento de
informações sobre a institucionalização da Lei em todas as
Unidades Federadas e em uma amostra de Estados e a realização
de alguns estudos de caso em escolas públicas das redes Estaduais
e estaduais.
 Sendo assim, contamos com a sua inestimável colaboração
no preenchimento deste questionário, o qual deverá ser devolvido
à Coordenação Nacional da pesquisa.
Desde já, expressamos nossos agradecimentos, ao mesmo
tempo em que nos colocamos disponíveis para quaisquer
esclarecimentos.

Coordenação Nacional da Pesquisa

Profa. Dra. Nilma Lino Gomes


UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Faculdade de Educação
Departamento de Administração Escolar
Avenida Presidente Antônio Carlos, 6.627 - Campus Pampulha,
Belo Horizonte - MG CEP: 31270-901 Tel.: (31)3409-5323
E-mail: pesquisa10639coordenacao@gmail.com
395
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A seguir, apresentaremos um quadro a ser preenchido com


algumas informações sobre as escolas que têm desenvolvido, neste
Estado, trabalhos ou atividades voltados para a educação das
relações étnico-raciais e implementação da Lei 10.639/03.

Gostaríamos de salientar que, as escolas indicadas no quadro


a seguir, devem desenvolver trabalhos e atividades a MAIS DE
UM ANO.

409
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Prezado(a) Coordenador(a) do Núcleo de Estudos Afro-
brasileiros (NEAB):
Você está recebendo agora o Questionário da Pesquisa
“Práticas Pedagógicas de Trabalho com Relações Étnico-Raciais na
Escola na Perspectiva da Lei 10.639/03”, realizada dentro do
acordo MEC/UNESCO e coordenado pelo Programa Ações
Afirmativas na UFMG.
O objetivo principal desta pesquisa é mapear e analisar as
práticas pedagógicas de educação das relações étnico-raciais
desenvolvidas pelas escolas públicas e pelas redes de ensino de
acordo com a Lei 10.639/03 (obrigatoriedade do ensino de
história da África e das culturas afro-brasileiras), a fim de subsidiar
a definição de políticas públicas. Prevê o levantamento de
informações sobre a institucionalização da Lei em todas as
Unidades Federadas e em uma amostra de municípios e a
realização de alguns estudos de caso em escolas públicas das redes
municipais e estaduais.
 É também objetivo da pesquisa levantar ações de formação
de professores desenvolvidas pelos NEAB´s e conseguir destes
indicação de escolas que realizam trabalhos na perspectiva da Lei.
Para tal, contamos com a sua inestimável colaboração no
preenchimento deste questionário, o qual deverá ser devolvido na
Secretaria Executiva da pesquisa.
Desde já, expressamos nossos agradecimentos, ao mesmo
tempo em que nos colocamos disponíveis para quaisquer
esclarecimentos.

Coordenação Geral da Pesquisa


Profa. Dra. Nilma Lino Gomes
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
411
Faculdade
 de Educação
Departamento de Administração Escolar
Avenida
FaculdadePresidente Antônio Carlos, 6627 - Campus Pampulha,
de Educação
Belo Horizonte.deMG.
Departamento CEP: 31.270-901
Administração Escolar
(31)
Avenida 3409-5323Presidente Antônio Carlos, 6627 - Campus Pampulha,

Belo Horizonte. MG. CEP: 31.270-901
(31) 3409-5323
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A seguir, apresentaremos um quadro a ser preenchido pelo Neab


com algumas informações sobre as escolas que realizam trabalhos
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participaram das atividades de formação já realizadas. Contamos
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A seguir, apresentaremos um quadro a ser preenchido pelo Neab


com algumas informações sobre as escolas que realizam trabalhos
ou atividades voltados para a educação das relações étnico-raciais
e implementação da Lei 10.639/03 no seu município e que
participaram das atividades de formação já realizadas. Contamos
com a sua colaboração no preenchimento do mesmo.



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Coleção Educação para Todos
Volume 1: Educação de jovens e adultos: uma memória contemporânea, 1996-2004
Volume 2: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03
Volume 3: Construção coletiva: contribuições à educação de jovens e adultos
Volume 4: Educação popular na América Latina: diálogos e perspectivas
Volume 5: Ações afirmativas e combate ao racismo nas Américas
Volume 6: História da educação do negro e outras histórias
Volume 7: Educação como exercício de diversidade
Volume 8: Formação de professores indígenas: repensando trajetórias
Volume 9: Dimensões da inclusão no Ensino Médio: mercado de trabalho, religiosidade e
educação quilombola
Volume 10: Olhares feministas
Volume 11: Trajetória e políticas para o ensino das artes no Brasil: anais da XV CONFAEB
Volume 12: O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje.
(Série Vias dos Saberes, n. 1).
Volume 13: A presença indígena na formação do Brasil. (Série Vias dos Saberes, n. 2)
Volume 14: Povos indígenas e a lei dos “brancos”: o direito à diferença.
(Série Vias dos Saberes, n. 3).
Volume 15: Manual de lingüística: subsídios para a formação de professores indígenas na área
de linguagem. (Série Vias dos Saberes, n. 4).
Volume 16: Juventude e contemporaneidade
Volume 17: Católicos radicais no Brasil
Volume 18: Brasil alfabetizado: caminhos da avaliação. (Série Avaliação, n. 1).
Volume 19: Brasil alfabetizado: a experiência de campo de 2004. (Série Avaliação, n. 2).
Volume 20: Brasil alfabetizado: marco referencial para avaliação cognitiva.
(Série Avaliação, n. 3).
Volume 21: Brasil alfabetizado: como entrevistamos em 2006. (Série Avaliação, n. 4).
Volume 22: Brasil alfabetizado: experiências de avaliação dos parceiros. (Série Avaliação, n. 5).
Volume 23: O que fazem as escolas que dizem que fazem educação ambiental?
(Série Avaliação, n. 6).
Volume 24: Diversidade na educação: experiências de formação continuada de professores.
(Série Avaliação, n. 7).
Volume 25: Diversidade na educação: como indicar as diferenças? (Série Avaliação, n. 8).
Volume 26: Pensar o ambiente: bases filosóficas para a educação ambiental
Volume 27: Juventudes: outros olhares sobre a diversidade
Volume 28: Educação na diversidade: experiências e desafios na educação intercultural bilíngüe
Volume 29: O Programa Diversidade na Universidade e a construção de uma política educacional
anti-racista
Volume 30: Acesso e permanência da população negra no ensino superior
Volume 31: Escola que Protege: enfrentando a violência contra crianças e adolescentes
Volume 32:
Volume 33:
Volume 34: Preconceito, discriminação e bullying no ambiente escolar. (Série Avaliação, n. 9).
Volume 35: Controle de frequência do Programa Bolsa Família e o direito de aprender.
(Série Avaliação, n. 10).
Volume 36: Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola na perspectiva
da Lei n.º 10.639/03
Volume 37: Educação e diversidade no campo

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