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Meu ódio é de ter sido gente

Meu ódio é de ter sido gente, quando poderia [ter sido animal,
de ter sido homem, em tempos de animal.
Meu ódio é de ter amado pouco,
quando poderia ter amado mais,
de ter sido tão careta, em tempos de amores [carnais.

Meu ódio é de ter sido pasto,


quando poderia ter sido flor,
de ter sido merda,
quando poderia desabrochar,
de ter sido água que não corre pro mar,
que morre logo ali, em lago minguado.

Meu ódio é de ter sido eu,


quando poderia ter sido mil,
de ter sido mil outros menos covardes nessa [vida sem sal,
de não ter sido sal que salga,
de não ter sido sal do mar,
mas sal sem graça de lágrimas de dor,
de ter falado aos homens,
como quem acaricia uma flor.

Meu ódio é de ser eu,


quando na madrugada ainda não canta o [sabiá.
Deveria morrer antes, todos os dias,
pois é humilhante ter um cantar tão fraco,
meu Deus, em tempos de tanto desamor.
(Devair Fiorotti)

Atividade

1º) Após a Leitura da poesia de Devair Fiorotti, relacionando com o sermão de


Santo Antônio aos peixes, de Padre Antonio Vieira, classifique como verdadeiras
ou falsas as proposições a seguir:

( ) Ao diálogo estabelecido entre dois textos podemos chamar de


intertextualidade. Assim, os dois textos apresentam uma relação intertextual.
( ) Não há qualquer relação entre os dois textos, visto que foram publicados em
períodos literários diferentes.
( ) Nos dois textos há uma relação entre homens e animais, em que os dois
alternam-se ora a partir de seus defeitos, ora suas virtudes.
( ) Nos versos “De não ter sido sal que salga/ de não ter sido sal do mar”,
podemos interpretar que o eu-poemático arrepende-se de não ter colaborado
para com a diminuição da corrupção e maldade humanas.
( ) Tal como Padre Antonio Vieira no Sermão de Antonio aos peixes, Devair
Fiorotti louva os homens de seu tempo, elogiando suas condutas irrepreensíveis
de amor ao próximo.

2º) Gregório de Matos Guerra foi um autor expoente do movimento Barroco e


utilizava em suas poesias o cultismo. A seguir leia o poema de Roberto Mibielli
e classifique as proposições em verdadeiras ou falsas:

vejo epifanias onde pifam os carros


vejo as dragas e os dragões na lama
dos rios mortos que cortam a cidade
vejo maldade nos olhos abandonados
das crianças cosidas nas calçadas
e um maldar contínuo nos corpos
benevolentes e frios das sacerdotisas
da noite carnívora que abandona
os fracos abraçados à solidão
e faz sorrir árvores de natal
vejo descalças as calçadas da fama
criatividade e lama na raiz do mundo
por isso me escondo nas fendas
e sonho com as partes de mim
que sacrifiquei em busca de paz

Roberto Mibielli

( ) Pode-se perceber a presença de cultismo no poema de Roberto Mibielli


quando há o jogo de palavras tais como: epifanias/ pifam, dragas/ dragões,
maldade/maldar, descalças/ calçadas.

( ) Assim como nas poesias de crítica social de Gregório de Matos Guerra, há


na poesia de Mibielli a denúncia a desigualdades sociais de sua época.

( ) Há proximidade entre Gregório de Matos Guerra e Roberto Mibielli pela


presença do erotismo-pornográfico, evidente nos versos “vejo maldade nos
olhos abandonados/ das crianças cosidas nas calçadas/ e um maldar contínuo/
nos corpos/ benevolentes e frios das sacerdotisas/ da noite carnívora que/
abandona/ os fracos abraçados à solidão”.

( ) A palavra “paz” ao final do poema, tal como nos poemas de Gregório de


Matos Guerra, é utilizada para indicar o arrependimento dos pecados e a busca
pela salvação da alma através da religião.

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