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DIREITO ADMINISTRATIVO III

1ª Turma — Exame Final


10.01.2012

I. (4 val.) Distinga sucintamente entre:


a) Acção popular e acção particular no âmbito da impugnação de actos
administrativos;
b) Providências cautelares conservatórias e providência cautelares antecipatórias.

II. (12 val.)


Como medida destinada a fazer face à crise económica, o Ministro da Economia
aprovou em 5 Setembro de 2011, por portaria, o regime de financiamento público de
“projectos particulares de interesse económico” (o chamado Programa PPIE),
estabelecendo aí, entre outras coisas, i) as condições que esses projectos deviam
observar para a concessão do financiamento público, sob pena de nulidade do acto de
concessão do financiamento, ii) a possibilidade de, em alguns casos, serem celebrados
contratos de PPIE entre o Estado e os candidatos ao Programa, a ter lugar no prazo
máximo de 30 dias após o designado “acto de compromisso”, e, por último, iii) a
proibição de candidatura ao Programa de quaisquer pessoas ou empresas que já
tivessem sido destinatárias de um qualquer financiamento público no ano de 2011.
Justifique as suas respostas.
a) A empresa Y, que já havia sido destinatária de um financiamento público,
considera que a proibição de se candidatar ao Programa PPIE é ilegal. Como pode ela
reagir contra essa proibição ilegal?
b) A empresa X, concorrente directa da empresa Z, considera que o acto
administrativo de 10 de Outubro de 2011, que atribuiu à empresa Z o financiamento
público para a execução do seu projecto particular de interesse económico, é nulo e
decide instaurar, com esse fundamento, uma acção administrativa comum com vista à
condenação da empresa Z à abstenção da execução do referido projecto? Concorda?
Porquê?
c) Em 15 de Outubro de 2010, o Ministro da Economia comprometeu-se (“acto
de compromisso”) perante a empresa U a celebrar com ela um contrato de PPIE, mas,
até hoje, esse contrato ainda não foi outorgado. A empresa U pretende que o contrato
seja celebrado. Qual a forma processual adequada à tutela do seu interesse?

III. (4 val.)
Numa discussão entre vários colegas sobre o próximo exame de Direito
Administrativo III, há um aluno que afirma o seguinte: “os tribunais administrativos são
os tribunais competentes para conhecer de todos os litígios emergentes de relações de
direito administrativo, desde que nelas seja parte a Administração Pública, e que esses
tribunais não podem conhecer de quaisquer litígios emergentes de relações de direito
privado, mesmo que nelas seja parte a Administração Pública”. Concorda? Justifique a
sua resposta.
Critérios de correcção

I.a)
A acção popular pretende qualificar a legitimidade para a impugnação de actos
administrativos no âmbito do art. 55º, nº 1, alínea f), do CPTA (acção popular local) e
no âmbito do art. 55º, nº 2, do CPTA (acção popular social). Caracterização sumária de
cada uma.
A acção particular pretende qualificar a legitimidade para a impugnação de actos
administrativos no âmbito do art. 55º, nº 1, alíneas a), c) e d), do CPTA. Caracterização
sumária.

I.b)
As providências cautelares conservatórias são as que visam manter ou preservar a
situação de facto existente, designadamente assegurando ao requerente a manutenção da
titularidade ou do exercício de um direito ou de gozo de um bem, que está ameaçado de
perder.
As providências antecipatórias são as que visam prevenir um dano, obtendo
adiantadamente a disponibilidade de um bem ou o gozo de um benefício a que o
particular pretende ter direito, mas que lhe é negado (antecipam uma situação que não
existia, quando haja um interesse substancial pretensivo).
Relevo da distinção: art. 120º, nº 2, alíneas b) e c), do CPTA.

Nota prévia: na avaliação e classificação das respostas ao caso prático, teve-se


sobretudo em consideração o discurso justificativo apresentado pelo aluno para
fundamentar a sua resposta.

II. a)
Qualificação (natureza jurídica) da medida proibitiva constante do ponto iii) da portaria:
regulamento administrativo.
O sistema de matriz dualista: acção administrativa comum e a acção administrativa
especial.
Estando em causa a reacção contra uma norma proibitiva, opção pela acção
administrativa especial e, dentro desta, pela impugnação de normas.
A distinção entre normas regulamentares mediatamente operativas e imediatamente
operativas e o seu relevo: art. 73º, nº 1, e o art. 73º, nº 2, do CPTA.
A qualificação da norma proibitiva constante do ponto iii) da portaria como norma
regulamentar imediatamente operativa.
A opção pela impugnação directa da norma constante do ponto iii) da portaria, pedindo
a declaração da sua ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.

II. b)
O sistema de matriz dualista: acção administrativa comum e a acção administrativa
especial.
A pretensão de condenação da empresa Z à abstenção da execução do seu projecto
particular de interesse económico pressupõe a contestação do acto administrativo de 10
de Outubro de 2011, que atribuiu a essa empresa o financiamento público.
As acções entre particulares (art. 37º, nº 3) pressupõem que não haja a mediação de um
acto administrativo impugnável. O acto administrativo de 10 de Outubro de 2011 é um
acto impugnável.
Opção pela acção administrativa especial de impugnação de actos administrativos,
pedindo a declaração de nulidade do acto de 10 de Outubro de 2011.
Acção a instaurar contra o Ministério da Economia, tendo como contra-interessada a
empresa Z.

II. c)
O que está em falta, por parte do Ministro da Economia, não é um acto administrativo
devido, mas a celebração de um contrato, uma declaração de vontade (se se preferir, um
“contrato devido”).
Assim, a pretensão dirigida à condenação da Administração na celebração do contrato
deve seguir a forma processual da acção administrativa comum [art. 37º, nº 2, alínea e),
do CPTA] e não a forma da acção administrativa especial de condenação à prática do
acto devido.

III)
A afirmação do aluno é incorrecta.
O sentido e alcance do art. 212º, nº 3, da CRP.
As soluções actuais constantes da lei ordinária, designadamente, do ETAF.
Por um lado, os tribunais administrativos não são os tribunais competentes para
conhecer de todos os litígios emergentes de relações de direito administrativo, desde
que nelas seja parte a Administração Pública.
Não só há casos em que, por força da CRP ou da lei, os tribunais administrativos não
são competentes para conhecer de litígios emergentes de relações de direito
administrativo, mesmo sendo nelas parte a Administração Pública (indemnizações
devidas por expropriação, impugnação de coimas, etc.), como há casos em que os
tribunais administrativos são chamados a conhecer de litígios desses mesmo que a
Administração Pública não seja parte na relação em causa. Sucede assim, por exemplo,
com os casos das alíneas c) e d) do art. 4º, nº 1, do ETAF.
Por outro lado, é também incorrecto afirmar que os tribunais administrativos não podem
conhecer de quaisquer litígios emergentes de relações de direito privado, mesmo que
nelas seja parte a Administração Pública. Há casos em que os tribunais administrativos
são chamados a conhecer de conflitos emergentes de relações de direito privado,
sobretudo se nelas for parte a Administração Pública. Os exemplos mais conhecidos: o
contencioso de responsabilidade civil da alínea g) do art. 4º, nº 1, do ETAF e o
contencioso contratual das alíneas b) e c) do art. 4º, nº 1, do ETAF.

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