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ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA DINÂMICA FAMILIAR1

ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO FAMILIAR AO LONGO DOS TEMPOS

Alguns estudos sócio-históricos possibilitam uma visão das diferenças na maneira


de se conceber as relações familiares em classes e em grupos sociais distintos.
Historicamente a concepção de família vem se desenvolvendo como uma organização em
constante transformação. De acordo com ARIÉS2, é a partir do século XVIII que se
operavam as principais transformações na organização familiar ocidental. O Estado exercia
o poder sobre o cotidiano do cidadão, acuando-o numa atitude de repressão social. Na
época, a constante ameaça de uma revolução levara o Estado a coibir a liberdade e
expressão ou qualquer fator que beneficiasse ou oferecesse menção às críticas. Assim ao
melhor estilo “cabeça vazia, oficina do diabo” (dito popular) a instituição sufocava o tempo
do trabalhador com longas jornadas de trabalho. O reduzido tempo de latência entre as
jornadas de trabalho favoreciam fatores singulares em nível micro social. As crianças eram
cuidadas e alimentadas por amas de leite tendo um contato reduzido com a família. O local
de trabalho devia obedecer ao critério de proximidade e essas famílias tinham uma estrutura
extensa onde conviviam primos, avós, tios e irmãos juntos aos pais.

Com a Revolução Industrial iniciou-se uma crescente separação entre casa e local
de trabalho além da desagregação da estrutura de família extensa no âmbito social. No
século XIX a família ocidental surgia com a configuração da família parental atual; pai, mãe
e filhos. No entanto a evolução estrutural da família sugere, ao longo dos tempos, uma
quantidade cada vez menor de membros no crescente número de famílias. Esse decréscimo
é resultado da redução do número de filhos por casal (ARIÉS, Ib Ibid, p. 30).

1
Compilação e adaptação de artigos, livros e pesquisas na área. Referências bibliográficas disponíveis.
2
ARIES, P. A família e a cidade.
Consolidou-se então no início do século XX o caráter privado da família, de uma
face extensa e parental ao modelo de família nuclear, composta de mãe, pai e filhos. O
padrão de família era então o casal companheiro ligado por laços de afetividade numa união
monogâmica, fundamentada no amor e vivendo em função dos filhos Esse modelo familiar
torna-se presente nos dias de hoje, desejado e evidenciado em ritos de casamento em
frases e juramentos de lealdade e fidelidade (ARIÉS, Ib Ibid, p. 31).

Ao longo da história brasileira, a família vem passando por transformações


importantes que se relacionam com o contexto sócio-econômico e político do país. No
Brasil-Colônia, marcado pelo trabalho escravo e pela produção rural para a exportação,
evidenciava-se esse modelo de família originária da Europa e, antes mencionada,
tradicional, extensa e patriarcal; onde os casamentos se baseavam em interesses
econômicos. A mulher era destinada à castidade, à fidelidade e à subserviência. Os filhos,
considerados extensão do patrimônio do patriarca, eram criados por amas e governantas e
educados de acordo com suas responsabilidades perante a família a o Estado 3.

As mudanças na estrutura familiar assemelham-se às evidenciadas na Europa. Ou


seja, o modelo de família nuclear burguesa vem surgindo aos poucos com a Proclamação
da República bem como o fim do trabalho escravo e as novas práticas de sociabilidade e
lazer com o início do processo de industrialização, urbanização e modernização do país. O
homem continua detentor da autoridade; enquanto a mulher assume uma nova posição;
ficando a cargo dos trabalhos domésticos e assumindo a responsabilidade do lar. Até nos
dias atuais é presente esse conceito de família onde a mulher desempenha o papel de
cuidadora. Embora haja aumento no número de mulheres no mercado de trabalho, desde
cedo, a menina é educada para desempenhar seu papel de mãe e esposa, zelar pela
educação dos filhos e pelos cuidados com o esse lar. Nas grandes cidades brasileiras, a
tendência social é de ambos saírem do lar para trabalhar, deixando os filhos a cargo de
babás e creches. Realidade reforçada diretamente pelo estatístico aumento das mães e pais
solteiros, que na responsabilidade tutelar da criança, não encontram apoio do outro genitor e
trabalham para prover o seu sustento e o da criança. O desenvolvimento dos métodos

3
FONSECA, C. Amor e família no Brasil.
contraceptivos e de esterilização corroboram para a diminuição da taxa de natividade,
embora se mostrem pouco significativos para conter o aumento do número de adolescentes
e jovens que se tornam pais. O declínio no número de casamentos e a atual tendência às
relações estáveis com a coabitação dos parceiros também se torna um fator importante na
estrutura de um novo modelo familiar4 .

Na visão de SARTI5 (1992), o ideal da família patriarcal é parte integrante das


representações sobre a família que perpassa todas as classes sociais. A estrutura
hierárquica deposita sobre o chefe da família os deveres e responsabilidades, e configura -
se como estrutura dominante. O estado no contexto social assume a postura do “grande
pai”. À luz da Teoria Sistêmica, o aspecto relacional entre os múltiplos sistemas e
subsistemas permite inferir que essa família patriarcal, enquanto estrutura ideológica, se
impõe como paradigma a toda sociedade. Dessa forma, essa noção se torna um elemento
compositor das concepções dos sistemas sociais e se impõe sobre a família, configurando-
se como “padrão de autoridade moral”.

FONSECA (1989), sondando a compreensão da estrutura familiar de grupos de


baixa renda no Brasil, apresenta um retrato da forma como se apresentam as famílias
pobres e o lócus das crianças nestes contextos. Ela aponta diferenças entre a estrutura das
famílias de classe baixa e das famílias abastadas em vários aspectos. Nas classes menos
favorecidas o fenômeno da circulação de crianças é freqüente, situação onde ela passa
grande parte da infância e juventude em casas que não são as dos seus pais. Nesses
casos, o casal está envolvido numa rede consangüínea que exige constante demonstração
de solidariedade, muitas vezes em detrimento do laço conjugal ou problemas financeiros,
fazendo com que os laços de sangue prevaleçam sobre os contratos, do casamento ou
mesmo da organização familiar em relação à moradia. .Evidencia-se essa prática como o
diferencial entre aqueles indivíduos que adotam valores da classe média, onde a família
conjugal concentra energias nos próprios filhos, criando-os num ambiente doméstico
fechado em torno da escola e de carreiras futuras. Esse fenômeno circulatório, que

4
PEREIRA, P. A. Desafios contemporâneos para a sociedade e a família.
5
SARTI, C. A família patriarcal entre os pobres urbanos.
promove a convivência doméstica das crianças com avós e outras entidades familiares,
serve para elucidar algumas razões que promovem o pedido de ação de guarda, uma vez
que o requerente dessas ações se configura grande parte das vezes como avós ou figuras
parentais que participaram ativamente da criação do infante.

O CONCEITO DE FAMÍLIA NA TERAPIA FAMILIAR SISTÊMICA

A formulação de idéias acerca da Teoria Geral dos Sistemas deu suporte há


alguns campos de estudo em Psicologia. Evidenciam-se os princípios da Terapia Familiar
Sistêmica pela proposição de conceitos e idéias atuais e pressupostos que abandonam o
tradicional estruturalismo individualista, concebendo a importância da análise do sistema
como um todo, tornando irrelevante o estudo das partes, considerando o caráter não-
somatório e tendo as relações como foco do estudo. ANDOLFI6 relaciona alguns
pressupostos metodológicos dessa teoria, entre eles a concepção de família como um
sistema em interação: fator essencial na análise das relações entre comportamento
individual e grupo familiar. O sistema é um organismo dinâmico, onde cada elemento exerce
seu papel. Como sistema interativo, a família é vista como um conjunto de unidades
interligadas, de modo que qualquer mudança em uma provoca mudanças no sistema como
um todo. Essa dinâmica do sistema evidencia a tendência das forças nele operantes a
homeostase, ou seja, qualquer circunstância que venha a romper esse equilíbrio provocará
novas mudanças nesse sistema a fim de restabelecê-lo. Assim, como um organismo
dinâmico, uma mudança em qualquer parte pressupõe mudanças em todo sistema,
mecanismo que Bertallanffy definiu como Globalidade. Essas mudanças podem decorrer da
interação com outros sistemas. Internamente, a interação entre os membros do sistema
ocorre de forma circular, ou seja, tem um laço bilateral.

A constante interação com outros sistemas o classifica como um sistema aberto. A


família como exemplo, não é passiva a esses estímulos externos, mas ativa na interação
com sistemas sociais. Diante disso, a família pode ser considerada como um sistema
inserido em vários outros sistemas sociais. Esses sistemas estão em constante troca e

6
ADOLFI, M. A terapia familiar.
transformação como modalidade de adaptação às demandas circunstanciais e a fim de
possibilitar o desenvolvimento psicossocial de seus membros. Modalidade essa que é
direcionado à tendência homeostática. Essa capacidade de auto-regulação do sistema
compreende o conceito de retroalimentação negativa e direciona-se à manutenção
homeostática. A capacidade de transformação, relacionada com a adaptação do sistema às
novas demandas, é direcionada pela retroação positiva onde o mecanismo de feedback
direciona-se à mudança.

Na interação, um dos aspectos principais corresponde à linguagem. Entende-se


que a linguagem, como modalidade de comunicação de emissor e receptor, tem como
finalidade a transmissão da mensagem. Essa mensagem não se constitui apenas de uma
informação especifica, mas, também, evidencia a natureza das relações entre os
comunicantes. Em nível de relato o material relaciona-se ao conteúdo enquanto em nível de
ordem, privilegia-se o modo como essa comunicação será entendida. Neste segundo caso,
tal nível é chamado de metacomunicação. A harmonia e a congruência entre relato e ordem
garantem a clareza na comunicação.

Entretanto, o desacordo nesses dois níveis evidencia um distúrbio dessa


comunicação. A assimetria ou discordância dos níveis de comunicação torna a recepção da
mensagem confusa ou pode evidenciar uma incongruência entre esses. Tal fator é
conhecido como duplo-vínculo. O modo como se fala, por exemplo, deve reforçar
diretamente o conteúdo da mensagem. Tal desacordo bem como a contradições de
mensagens pelo seu relato também classificam tal comunicação como incongruente.
Quando a ordem não é clara e reforçadora do relato, a mensagem não demonstra carga
emocional adequada e evidencia a idéia de que apenas esse relato compõe a mensagem.
Entretanto o excesso de carga emocional pode ofuscar tal relato e prejudicar, também, o
entendimento da mensagem pelo receptor. Além desses, alguns outros distúrbios de
comunicação, que são observados no sistema familiar, comprometem os níveis de
comunicação.
Quando a linguagem torna-se turva ou incompleta, essa comunicação torna-se
confusa. Esse déficit na apresentação da mensagem relaciona-se diretamente com a
clareza do estilo usado, bem como a firmeza e segurança do relato. Outro fator importante
relaciona-se com o receptor. O destinatário da mensagem deve ser claro e a mensagem
direcionada diretamente a ele. A falta de identificação e clareza no receptor deixa a
mensagem sem direcionamento adequado.

Em tais distúrbios a comunicação fica comprometida evidenciando diretamente um


peso nas relações e prejudicando o desenvolvimento de outros fatores dentro desse sistema
como a estipulação e entendimento de regras e fronteiras. Regras essas que, por tentativa e
erro, são estabelecidas e podem ser modificadas ao longo do tempo no sistema familiar. A
delimitação dessas regras e fronteiras pode ter características mais rígidas ou mais flexíveis,
entretanto sua oportuna seleção determina o modo de funcionamento do sistema. As regras
devem ser explícitas como forma de garantir o entendimento e a clareza na comunicação
além de coerentes. As fronteiras e regras devem ser flexíveis frente às novas situações e
compartilhadas pela maior parte de membros.

A funcionalidade do sistema evidencia-se na dinâmica e no desempenho dos


papéis familiares. MINUCHIN7 relata sobre os subsistemas familiares (conjugal, parental,
filial, fraterno etc.) e focaliza a clareza dos seus limites. Papéis bem delimitados e funções
claras dentro do ambiente familiar são características desses subsistemas. As funções e
papéis devem ser explícitos e adequados ao comportamento de cada membro, evitando a
excessiva rigidez e permitindo que eles assumam outras funções diferentes das atribuídas
aos papéis específicos. Dentre esses papéis a função de liderança deve estar presente, ser
diferenciada e democrática.

Entretanto, quando o desenvolvimento familiar esbarra em algum conflito que o


sistema não consegue elaborar e resolver, o equilíbrio se rompe e o sistema tenta se
reorganizar a fim de restabelecê-lo. Um fator evidenciável em um processo conflituoso
patológico é o sintoma. Este sintoma é a tentativa de reequilibro do sistema. Entretanto o

7
MINUCHIN. S. Families and family therapy
sintoma, que compete ao sistema inteiro manifesta-se em um membro, chamado de
Paciente Identificado. NICHOLS e SCHWARTZ8 relatam sobre o posicionamento do
membro sintomático, apontando o direcionamento do foco de atenção da família a ele.
Apontam também a voluntariedade do ato “sintomático”, onde o PI abre mão de seu bem
estar pelo do sistema.

No sistema familiar, cada membro é único e desempenha seu papel. Entretanto


para se pensar em papéis familiares, deve-se admitir antes que cada membro desempenha
vários papéis nesse âmbito. A mulher que desempenha papel de esposa na relação conjugal
também desempenha o de mãe em relação aos filhos, bem como o homem que assume a
postura de marido e pai, sendo que ambos ainda podem ter outras funções dentro da
família. As potencialidades de um papel dentro da família também são consideradas no
estudo sistêmico, pois a negligência no seu desempenho aponta um aspecto a ser
observado. Em geral, os papéis tendem a ser culturalmente definidos, revelando padrões
característicos e evidenciando modelos relacionados à hierarquia familiar. Por exemplo, o
marido, que por uma tradição cultural assume a responsabilidade de “chefe de família” e
leva sobre si o peso do sustento, bem como a esposa, que leva sobre si, a responsabilidade
do lar. Entretanto, atualmente alguns autores discorrem sobre a o decréscimo no peso
dessas tradições. CARTER e McGOLDRICK9 postulam que:

“... Na nossa cultura atual os casais estão menos amarrados por tradições
familiares e mais livres do que nunca para desenvolverem relacionamentos homem-mulher
diferente daqueles que experienciaram em suas famílias de origem” (pg. 18).

Como sistema aberto, essa família conjugal tem características morfogenéticas,


isto é, tem a capacidade de modificar sua organização conforme as interações com o meio.

Numa família parental, relatar o papel dos filhos implica remeter antes ao papel
que lhe é estabelecido antes mesmo que possa nascer. Uma vez que o universo simbólico é
compartilhado pelo sistema, as expectativas que envolvem esse novo membro definem a

8
NICHOLS, M.P. e SCHWARTZ. R. C. Terapia Familiar – Conceitos e métodos
9
CARTER, B. e McGOLDRICK, M. As mudanças no ciclo de vida familiar.
sua função na família. Assim a criação e os cuidados que esta criança recebe estão
diretamente relacionados a esse papel idealizado pelos pais. Em geral, os pais esperam que
os filhos tenham carreiras promissoras no âmbito profissional, o que leva esses pais, muitas
vezes baseados em suas próprias experiências profissionais, a decidir ou influenciar as
escolhas, depositando sobre a criança o peso dessa expectativa.

Entretanto, somente esse aspecto não define pontualmente o papel dessa criança,
embora tenha forte relação com a função que ela vai desempenhar na evolução dessa
família. Na maioria das sociedades, a criança é tida como fruto da união do casal e símbolo
desse amor conjugal. Os vínculos afetivos estabelecidos visam o cuidado e as atenções se
voltam para o novo membro. Diante disso, CARTER e McGOLDRICK propõem que, desde o
momento do nascimento, a criança demanda dos pais o avanço de uma geração, a fim de
que se tornem cuidadores. Nesta fase, os problemas mais comuns na relação entre pais são
as constantes brigas pelas responsabilidades e pela postura diante dos filhos. Grande parte
das vezes, esses pais são incapazes de impor limites e exercer a autoridade necessária na
criação das crianças e evidenciam dessa forma, sua relutância na aceitação da fronteira
geracional entre eles e seus filhos. As principais queixas nesta fase referem-se à falta de
controle sobre a criança ou, num referencial oposto, o comportamento dos pais, que
refletindo uma forte barreira geracional, espera dessa criança, atitudes e comportamentos
adultos.

Atualmente em muitas famílias é comum a participação dos dois membros no


mercado de trabalho. No entanto, a fase intermediária de criação dos filhos nessas famílias
tende a gerar problemas comuns na visão das autoras. Referem-se, na maioria dos casos,
aos conflitos gerados pela sobrecarga de um dos membros, que, sufocado entre a rotina
profissional e os cuidados com a criança, muitas vezes somados aos afazeres domésticos,
abrem mão de aspirações, lazer e, em alguns casos, até do próprio emprego. Por outro lado,
em tal situação a criança pode vir a ser negligenciada ou ser exposta ao risco do cuidado de
estranhos em creches, berçários ou na responsabilidade de uma babá. Nos casos de
separação, esse aspecto também fica evidente já que em grande parte dos casos o pai ou a
mãe que tem sobre si a guarda da criança precisa trabalhar, para proceder sustento e se
reestruturar economicamente.

AS MUDANÇAS NO CICLO DE VIDA FAMILIAR: O DIVÓRCIO E O RECASAMENTO

Conforme se pode evidenciar, o ciclo de vida familiar também é foco de atenção


na abordagem familiar sistêmica e importante conteúdo para análise. CARTER e
McGOLDRICK relatam sobre as mudanças no ciclo de vida familiar nos processos e
circunstâncias que fogem ao tradicionalismo como o divórcio/recasamento. Esse estágio
produz um tipo de profundo desequilíbrio que se associa às mudanças, perdas e ganhos no
grupo familiar e à interrupção e deslocamento do tradicional ciclo. Como em qualquer outra
fase há mudanças significativas no status relacional além de importantes tarefas emocionais
no desempenho de todos os papéis a fim de garantir o prosseguimento no desenvolvimento
da família. Nesse referencial, as situações são estabelecidas de acordo com os aspectos
evidentes nos picos de tensão emocional, que marcam os pontos de transição entre o
momento da decisão de separar-se e a anunciação da decisão à família. O que acarreta a
discussão dos arranjos financeiros, momento da separação física, bem como do divórcio
legal; quando há recente contato entre os conjugues para decisões financeiras ou
normativas, saída dos filhos de casa e no recasamento.

Em um processo de separação, levando-se em conta os aspectos psicológicos, a


elaboração de um divórcio relaciona-se diretamente com uma recuperação do eu nesse
novo ciclo. Entretanto, nos casos de disputa de guarda judicial, a demanda se configura na
maioria das vezes, na dificuldade do casal em elaborar essa separação, evidenciando
questões de conjugalidade, relacionadas ao vínculo do casal e de parentalidade, que elucida
a natureza do vínculo com os filhos.

Contudo nesse estágio, há atitudes essenciais relacionadas às questões


desenvolvimentais, tais como a recuperação das perdas do primeiro casamento ao iniciar o
novo relacionamento, o que evidencia um adequado divórcio emocional e luto, além do
entendimento das complexidades e ambigüidades derivadas da reconstrução e
recomprometimento com a formação da nova família. No planejamento familiar desse novo
relacionamento devem-se ponderar os medos e a necessidade de tempo para o ajustamento
à complexidade de múltiplos papéis novos, fronteiras e autoridade. Em relação aos filhos,
cabe ao par parental a comunicação clara sobre os medos, conflitos de lealdade e
condições para participação em dois sistemas familiares; além do planejamento da
manutenção das conexões das crianças com as famílias. Redefinição dos papéis familiares
e hierarquia relacionada com as autoridades, fronteiras e regras.

FAMÍLIA E FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

Torna-se cada vez maior a preocupação dos pais em acertar na educação dos
filhos. Muitas vezes aqueles se perguntam onde foi que erraram para que o filho tivesse a
dificuldade que hoje tem. BOSSA10 ressalta que mais do que responsáveis pela qualidade
de vida, os pais são construtores do aparelho psíquico dos seus filhos. Nascendo numa
condição de total incompletude, o ser humano depende totalmente dos adultos que estão a
sua volta, especialmente de seus pais ou daqueles que fazem função paterna e materna.
Embora trazendo uma carga genética que também interfere no seu destino, o fator genético
será menos influente, quanto mais influente for a educação.

A aprendizagem humana envolve uma relação sujeito-objeto. O sujeito que nasce


como um ser biológico, logo se constitui como um sujeito psicológico. A evolução normal das
funções egóicas (atenção, memória, pensamento, juízo, percepção, linguagem, motricidade,
afetividade) dependem das condições externas, mais especificamente da relação mãe-bebê,
uma vez que uma comunicação especial se estabelece nessa relação desde os primeiros
momentos da vida do bebê.

PILETTI11 considera, assim como diversos outros autores, que as primeiras


experiências educacionais da criança, geralmente são proporcionadas pela família. Através
das influências familiares, vai-se paulatinamente moldando seu comportamento. Os pais o

10
BOSSA, N. A. Do nascimento ao inicio da Vida Escolar: o que fazer para os filhos darem certo.
11
PILETTI, N. Psicologia educacional.
fazem, na maioria das vezes, de modo inconsciente. Diga-se que os resultados esperados,
quando se quer influenciar de modo consciente e deliberado, nem sempre acontecem. O
que é ensinado inconscientemente tende a permanecer por mais tempo. O autor considera
de fundamental importância para o desenvolvimento posterior da criança e para sua
aprendizagem escolar, os sentimentos que os pais nutrem por ela durante os anos
anteriores à escola. Tais sentimentos contribuem para o desenvolvimento do conceito de si
própria (o autoconceito), o conceito do mundo e de seu lugar no mundo. Considera o
autoconceito como base de toda aprendizagem, pois se a criança julga-se capaz de
aprender, aprenderá muito mais do que se ela nutrir sentimento de incapacidade.

MOULY12 refere-se ao autoconceito considerando que quando a pessoa passa


por novas experiências e enfrenta novos valores, aceita-os ou rejeita-os, em função de sua
compatibilidade ou incompatibilidade com a avaliação atual que faz de si mesma. Lembra
que a formação do autoconceito é um processo lento, que se desenvolve a partir da reação
dos pais e de outras pessoas ao comportamento inicial da criança. Dessa forma, está
intimamente ligado à necessidade de aprovação e aceitação, assim como à de auto-estima.
O nenê pode conceber-se como mau, se a mãe ao ensinar, irrita-se com ele, se o castiga
por seus erros, se o rejeita, se acentua os seus aspectos maus. Quando ocorrem novas
experiências, tende, cada vez mais, a avaliar cada nova situação através do ponto de vista
já formado.

MUSSEN13 lembra que, mesmo as influências familiares sendo relevantes no


desenvolvimento da criança, não se deve menosprezar a influência de outros grupos e
entidades sociais. Apesar de existirem poucos estudos sistemáticos sobre a influência de
colegas, vizinhos, escola, igreja e meios de comunicação em massa (jornais, cinema, TV,
e.t.c.) no desenvolvimento da personalidade da criança, é óbvio que, no estabelecimento de
novos contatos, a criança encontre novos identificandos. Poderá acontecer que os
comportamentos adquiridos em família sejam modificados ou que novas reações apareçam.

12
MOULY, G. J., Psicologia Educacional.
13
MUSSEN, P.H. O desenvolvimento psicológico da criança.
Em alguns casos as novas identificações podem reforçar e fortalecer as que foram
aprendidas no lar; em outros, podem ser diferentes e até opostas.

Quando as expectativas familiares e as do grupo de fora da família se chocarem,


a criança conhecerá um conflito. Se sua identificação com os pais for sólida, dificilmente
adotará valores contrários aos deles; porém, se for tênue sua identificação com os pais, ou,
se a pressão do grupo de fora for grande, é possível que adote valores defendidos por este.

O comportamento, desejável ou indesejável, não apenas acontece: é causado.


Conforme o enfoque dado pelos pais à aprendizagem escolar, será o tipo de influência
exercida sobre a criança; exemplificando: se os pais preferem ver TV, passear, assistir a
algum filme, ao invés de ler, certamente a criança, mesmo possuindo revistinhas e livros,
não terá muito interesse por leitura. Portanto, sem intenção de ensinar, os pais podem
influenciar a aprendizagem de seus filhos através de atitudes e valores que passam a eles.

MORENO E CUBERO14 atribuem à família garantia de sobrevivência física de


seus membros e ressaltam que é dentro dela que se realizam as experiências básicas que
serão imprescindíveis para o desenvolvimento autônomo dentro da sociedade
(aprendizagem do sistema de valores, da linguagem, do controle de impulsividade, etc.).
Referem-se ao modelamento psicológico da criança, citando os meios para tal:
recompensas, castigo, observação. Consideram o poder da família, não absoluto, nem
infinito, visto que: -- quando a criança nasce, certas características podem ao menos estar
parcialmente definidas, como sua saúde e temperamento infantil; --outros contextos
socializadores, como escola e colegas, influem sobre a criança, paralelamente à ação dos
pais, em maior ou menor grau; a família é influenciada por uma série de fatores
determinantes de seu funcionamento, por exemplo, situação sócio-econômica dos pais. Os
referidos autores discorrem sobre diferentes estilos de comportamento dos pais e
conseqüentes efeitos sobre o desenvolvimento social e da personalidade da criança.

14
MORENO, M.C. & CUBERO, R. Relações sociais nos anos pré-escolares em Desenvolvimento Psicológico e

Educação.
Classificam os pais nas seguintes categorias:

- pais autoritários-manifestam altos níveis de controle, de exigências de


amadurecimento, porém baixos níveis de comunicação e afeto explícito. Os filhos tendem a
ser obedientes, ordeiros e pouco agressivos, porém tímidos e pouco persistentes no
momento de perseguir metas; baixa auto-estima e dependência (não se sentem seguros,
nem capazes para realizar atividades por si mesmos); filhos pouco alegres, mais coléricos,
apreensivos, infelizes, facilmente irritáveis e vulneráveis às tensões, devido à falta de
comunicação desses pais.

- pais permissivos-pouco controle e exigências de amadurecimento, mas muita


comunicação e afeto; costumam consultar os filhos por ocasião de tomada de decisões que
envolvem a família, porém não exigem dos filhos, responsabilidade e ordem; estes, tendem
a ter problemas no controle de impulsos, dificuldade no momento de assumir
responsabilidade; são imaturos, têm baixa auto-estima, porém são mais alegres e vivos que
os de pais autoritários.

- pais democráticos - níveis altos tanto de comunicação e afeto, como de controle


e exigência de amadurecimento; são pais afetuosos, reforçam com freqüência o
comportamento da criança e tentam evitar o castigo; correspondem às solicitações de
atenção da criança; esta tende a ter níveis altos de autocontrole e auto-estima, maior
capacidade para enfrentar situações novas e persistência nas tarefas que iniciam;
geralmente são interativos, independentes e carinhosos; costumam ser crianças com
valores morais interiorizados (julgam os atos, não em função das conseqüências que advêm
deles, mas sim, pelos propósitos que os inspiram).

MUSSEN15 interpreta essas conclusões em termos de aprendizagem e


generalização social: os lares tolerantes e democráticos encorajam e recompensam a
curiosidade, a exploração e a experimentação, as tentativas para lidar com novos problemas
e a expressão de idéias e sentimentos. Obviamente, uma vez aprendidas e fortalecidas em

15
MUSSEN, P.H. Ib ibid.
família, essas atividades se generalizam na escola. Por outro lado, a criança que foi
severamente controlada ou excessivamente protegida por seus pais, não aprende esses
tipos de reação, visto que foi desencorajada de atuar independentemente, de explorar e
experimentar por conta própria. Adquire, então, reações tímidas, desgraciosas, apreensivas
e de modo geral, conformistas, as quais também se generalizam na escola.

Embora um pai ou uma mãe raramente se enquadrem totalmente em um dos três


padrões descritos, pois seu comportamento é mais variado e menos esteriotipado do que
sugere essa classificação, o comportamento educacional predominante da maior parte dos
pais assemelha-se a um ou outro desses estilos.

Quanto à formação da personalidade, deduz-se que:

- Após o nascimento, a criança começa sofrer influências familiares que aos


poucos vão modelando seu comportamento, sendo a maior parte das influências exercidas
pelos pais sobre os filhos, provavelmente inconsciente;
- A criança estrutura sua personalidade com base nas experiências infantis,
sendo uma das mais importantes, o clima psicológico que os pais propiciam a ela;
- Muitas vezes os valores adquiridos em família são ameaçados por outros
contextos socializadores;
- Os pais têm certas maneiras características de se comportarem, e estas têm
influências diferentes sobre os filhos, que podem desenvolver diferentes personalidades;
- A criança deve desenvolver um autoconceito positivo, sendo, para isso, muito
importante as reações dos adultos.

FAMÍLIA E DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

Não menos importante é a contribuição da família para o desenvolvimento


cognitivo da criança. ZORZI16 conceitua conhecimento cognitivo como um processo de
formação da própria inteligência; e esta, como o conhecimento de uma capacidade
geral de estabelecer relações, quer seja entre objetos, eventos ou situações. O autor faz

16
ZORZI, J.L. Linguagem e aprendizagem.
correspondência entre construção da inteligência e processo de formação de
conhecimentos. Não aleatórios, ressalva ele, mas sim estruturados de forma que os mais
elementares servem de base para os mais complexos que se seguem.

Contrariando a tese dos inatistas e dos behavioristas, esclarece que o


desenvolvimento da inteligência constitui-se num processo de troca entre o sujeito e o meio,
sendo resultado da interação entre eles (construtivismo). A linguagem, por si só, não garante
a formação de conhecimentos: há uma interdependência entre pensamento e linguagem.

O desenvolvimento cognitivo tem início já no período pré-verbal ou sensório-motor


(aproximadamente dos zero aos dois anos de idade), período básico para a evolução das
condutas futuras mais complexas. É do desenvolvimento construído ao longo desse período,
que depende o aparecimento da linguagem. Caracteriza-se pela construção de uma
inteligência prática (características de objetos, relações espaciais, temporais e causais)
envolvendo ação e relação com o outro. Seu desenvolvimento prende-se, sem dúvida, às
características orgânicas da criança, especialmente do sistema nervoso.

Existe, pois, um desenvolvimento cognitivo que antecede e prepara o surgimento


da linguagem; e, mais tarde, quando esta se constituir em linguagem simbólica e
instrumento de apoio para o pensamento, influenciará o próprio desenvolvimento cognitivo.

Ao final do período sensório-motor, se a comunicação verbal (linguagem) não


aparecer, ou se apresentar de modo lento ou dificultoso, pode ser indício de diferentes tipos
de problemas. Pode estar acontecendo um atraso global do desenvolvimento e
conseqüentemente isso trará prejuízo para aquisição da linguagem, bem como, para
aquisição de todas as condutas simbólicas. Ainda mais: poderá ocorrer um retardo de
aquisição de linguagem e, mais tarde, já em idade escolar, distúrbios de aprendizagem com
dificuldades maiores ou menores, conforme a intensidade das dificuldades iniciais de
desenvolvimento.

Para prevenir tais problemas, os pais devem conversar muito com as crianças,
desde bebês, e não atender prontamente às suas solicitações não verbais, estimulando-as a
verbalizar. Devem estimulá-las a emitir os vocábulos simples (verbos de ação indireta, como
cair, dar, pegar, querer, etc.) e evitar falar de modo infantilizado com ela. Estimular, através
de ordens simples, a compreensão de fatos de rotina. Procurar ampliar o vocabulário da
criança, verbalizando tudo o que ocorre à sua volta, bem como o nome de objetos, pessoas,
animais, etc. Falar com ela, naturalmente, sem uso abusivo de diminutivos.

Siegel (1982), citado por MORENO E CUBERO17, concentrou-se no estudo de


intercâmbios comunicativos que os filhos estabelecem cotidianamente com os pais.
Elaborou a teoria do distanciamento: fazer com que a criança se distancie do imediatamente
presente para operar sobre ele. Segundo a referida teoria, para melhor desenvolverem o
cognitivo na criança, os pais devem, com suas verbalizações, obrigá-la a antecipar eventos
futuros, a reconstruir acontecimentos passados, a empregar a imaginação quando agem
sobre os objetos pessoais ou eventos, a efetuar inferências e buscar alternativas na solução
de problemas.

Também é relevante que os pais usem de reforço físico e verbal, consultem a


criança e perguntem-lhe no momento de tomar uma decisão que a afete, sejam sensíveis
aos desejos e sentimentos dela, estimulem sua independência e autonomia, exigindo que
seja ela que resolva problemas por si mesma (embora fiquem por perto para apoiá-la, se
necessário).

Com base no que fora apresentado, conclui-se que desde muito cedo as crianças
devem ser estimuladas (desde bebês). É muito importante que os pais leiam para a criança,
contem-lhe coisas, façam-lhe comentários sobre o mundo que a cerca, tenham boa
disposição para responder e formular perguntas, utilizem palavras e enunciados que a
criança conhece ou está prestes a conhecer, cerquem-na de atividades rotineiras e de vez
em quando lhe ofereçam alguma novidade; os pais devem sempre oferecer-lhe materiais
para serem manipulados, como livros de história, jogos educativos, objetos da casa, sendo
muito importante a participação deles nos jogos.

17
MORENO, M.C. & CUBERO, R. Ib ibid.
A PSICOPEDAGOGIA NA RELAÇÃO FAMÍLIA-ESCOLA

A Psicopedagogia vem relevar o que está por trás, não apenas dos problemas de
aprendizagem, mas por toda atividade cognitiva do ser pensante, mostrando como este
aprende e a relação dele com o conhecimento através das suas modalidades de
internalização e investigando diretamente como se dá a relação da tríade aprendente-
ensinante-conhecimento18.

Por ser seu objeto de estudo, a psicopedagogia estuda o ser pensante focando-se
não só nos personagens da aprendizagem, mas nas relações vinculares presentes na
relação19.

O conteúdo emergente da contribuição sinérgica da pedagogia com a


psicologia trás um reconhecimento desse ser cognocente, reconhecendo as fases de seu
desenvolvimento, a estrutura de sua formação e através de técnicas e observações
conseguir investigar como se dá seu processo de aprendizagem contextualizando e
reconhecendo-o num ambiente transferencial e reconhecendo cada fenômeno, sua
funcionalidade e suas causas20.

Diante disso, numa perspectiva macro social, a escola tem como função social,
reproduzir e oficializar nas vidas dos estudantes a ideologia proposta pela sociedade.
Ideologia esta que “afirma e nega”; expressa verdade das realidades numa imagem
invertida. Assim, ela as oculta, oferecendo aos homens uma representação mistificada do
sistema social, para mantê-los em seu ”lugar” no sistema de exploração de uns pelos
outros21.

Nesse eixo a Psicopedagogia transpassa a função social e institucional da


escola, entendendo o aprendente como um ser livre pra pensar de forma independente e de
acordo com seus próprios meios e descobertas. Essa forma de conceber a aprendizagem
18
ALMEIDA & SILVA, M.C. Psicopedagogia: Em busca de uma fundamentação teórica.
19
FERNANDEZ, A. A Inteligência Aprisionada.
20
SCOZ, B. J. L. (Org.). Psicopedagogia: o Caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional.
21
ANDRADE, A.S. Condição de vida, potencial cognitivo da escola: Um estudo etnográfico sobre alunos
repetentes da primeira série do primeiro grau.
faz com que a psicopedagogia rompa paradigmas muitas vezes enraizados em nossa
sociedade que acaba despejando a culpa do fracasso escolar quase que exclusivamente
nesse aprendente.

PESQUISAS E ESTUDOS SOBRE O ENVOLVIMENTO DE PAIS NA VIDA ESCOLAR

O envolvimento de pais na vida escolar do filho foi bastante pesquisado na década


de noventa, tentando mostrar o quanto pode ser produtiva a parceria escola-família. Esses
estudos tentaram, de início, definir o que é esse envolvimento de pais. Alguns
pesquisadores o definiram como o grau em que pais participam das atividades associadas à
vida escolar do filho, tais como: acompanhar tarefas e trabalhos escolares, ver caderno com
as lições da escola, verificar se o filho fez as tarefas, estabelecer horário de estudo,
informar-se sobre matérias e provas, entre outras22. Outros pesquisadores o definiram como
as interações do filho direcionadas ao seu próprio desenvolvimento, encorajamento deste
desenvolvimento, através do reforço aos esforços da criança e arranjo de experiências de
enriquecimento cultural; outros consideram que um pai envolvido seja aquele que auxilia nas
tarefas de casa, quando é solicitado, participa da programação da escola, assiste às
atividades esportivas e extracurriculares do filho, auxilia o filho adolescente a selecionar
cursos e toma conhecimento de como o filho está indo na escola23. Há ainda alguns estudos
que propuseram um modelo tridimensional, esclarecendo que o envolvimento dos pais pode
ser demonstrado pelo seu comportamento em relação à escola, pela sua disponibilidade
afetiva e pessoal, relacionada à vida escolar do filho e pela oportunidade de experiência
intelectual/cognitiva, que estes pais proporcionam aos seus filhos24.

A pesquisa de Grolnick e Slowiaczeck (1994) descobriu que, se professores


percebem que os pais são envolvidos, atendem melhor ao aluno na escola; se o filho
22
FREITAS, G. B., MAIMONI, E. H. & SIQUEIRA, M. M. M. (1994). Escala reduzida de envolvimento de pais
na vida escolar do aluno
23
STEINBERG, L.; LAMBORN, S. D.; DORNBUSH, S. M. & DARLING, N. Impact of parenting practices on
adolescent achievement: authoritative parenting, school involvement, and encouragement to succeed
24
GROLNICK, W. S. & SLOWIACZECK, M. L. Parent’s involvement in children’s schooling: a multidimensional
conceptualization and motivational model
percebe pais como envolvidos, podem ser influenciados pelo comportamento dos pais, no
que se refere à importância que dão à escola. Por outro lado, filhos que tiram boas notas
podem levar mães a serem mais envolvidas e mãe envolvida influencia o envolvimento do
pai.

Já a pesquisa brasileira de Freitas, Maimoni e Siqueira (1994) revelou um dado


inesperado, pois, das nove variáveis analisadas nesse estudo, como possíveis
determinantes do envolvimento de pais na vida escolar do aluno, apenas duas mostraram
forte relação com envolvimento: série cursada pelo filho e horário de trabalho do pai, quando
se esperava que fosse o horário de trabalho da mãe a mostrar tal resultado. Isso indica que
o grau de envolvimento dos pais com os estudos dos filhos parece ser influenciado por duas
grandes dimensões: o nível de necessidade do filho e a disponibilidade do pai, e não da
mãe. Como a esta vem cabendo, na medida do possível, o acompanhamento escolar do
filho, talvez seja preciso reavaliar o papel do pai, quando presente na família, em relação ao
aspecto educacional da criança e do jovem.

Um outro dado importante, que surgiu, tanto das pesquisas nacionais, como das
estrangeiras, diz respeito à relação entre nível sócio-econômico cultural e envolvimento,
mostrando que pais podem se tornar envolvidos com a vida escolar dos seus filhos,
independente de seu nível socioeconômico.

A principal preocupação de pesquisadores na área da Educação talvez seja


responder à pergunta: por que existem bons e maus alunos? As pesquisas sempre estão
tentando chegar a uma resposta por diversos caminhos.

O caminho ora escolhido é o de pesquisar sobre a família, já que há muitos


indícios de que algumas causas das dificuldades escolares estejam situadas na família, mas
que também o auxílio dos pais ao aluno em casa pode ser um importante determinante do
sucesso escolar. É o que as pesquisas vêm mostrando, muito embora se reconheça que a
família não seja a única responsável nesse particular.
Autores de diferentes orientações teóricas parecem concordar com que nenhum
efeito adverso seja irreversível, quando se fala em aprendizagem e em escola. Portanto, um
aluno com dificuldades escolares pode ter esse quadro revertido, em qualquer época de sua
vida escolar. Bettelheim e Zelan25, em um quadro de referência psicanalítico, insistem no
fato de que uma criança que entre para a escola com uma baixa auto-estima pode ter essa
auto-estima reconstruída, em um ambiente escolar que fortaleça o seu ego, através de
experiências de sucesso.

Essa capacidade de reverter efeitos adversos tem sido descrita na literatura a


respeito, como resiliência.

MARTURANO26 refere-se à resiliência como “capacidade de resistência ao stress


em crianças que crescem em condições desfavoráveis, desenvolvendose como adultos que
funcionam em um alto nível de bem estar”. A mesma autora, com base em outros estudos,
faz referência a variáveis que operam como fatores protetivos, aumentando a resiliência. A
primeira delas refere-se a características de personalidade (autonomia, auto-estima,
orientação social positiva), a segunda, à coesão e ao afeto familiar, sem discórdia e a
terceira, à supervisão comportamental ou firmeza e democracia nas relações com o filho.

Um dado que deve ser lembrado aqui é o resultante da pesquisa longitudinal,


realizada por Bradley, Caldwell e Rock 27 , que acompanharam 42 alunos, durante dez anos,
com avaliações aos dois e dez anos de idade. Os autores encontraram uma relação entre a
estabilidade do envolvimento de pais e a competência escolar dos alunos.

Muitos estudiosos, preocupados com essa problemática, e no intuito de restituir


aos pais a sua capacidade de criar filhos em condição de serem bem-sucedidos em sua vida
escolar futura, projetaram formas e torná-los mais envolvidos desde muito cedo, com as
aprendizagens importantes para o desenvolvimento da criança. Uma dessas formas foi

25
BETTELHEIM, B. & ZELAN, K. Psicanálise da Alfabetização: um estudo psicanalítico do ato de ler.
26
MARTURANO. E. M. A criança, o insucesso escolar precoce e a família: condições de resiliência e
vulnerabilidade.
27
BRADLEY, R. H.; CALDWELL, B.M. & ROCK, S. L. Home environment and school performance: a ten-year
follow up and examination of three models of environmental action.
idealizada por Feuerstein28 e recebeu o nome de Programa de Enriquecimento Instrumental
(PEI), que visa a uma ampliação do potencial de aprendizagem de crianças, jovens e
adultos, mesmo daqueles mais comprometidos cognitivamente. O mesmo objetivo tem o
programa MISC (Mediational Intervention Sensitizing) de Pnina Klein29, que se preocupa
com a preparação de mães ou outras pessoas que cuidem de crianças, para serem boas
mediadoras de aprendizagens importantes para o desenvolvimento das mesmas.

KEITH TOPPING30 (1989), nas suas primeiras pesquisas em escola, tinha como
principal preocupação, obter uma maior participação da família no processo de
aprendizagem do aluno. Considerando que existem resistências por parte do pessoal da
escola, que teme a interferência dos pais, por um lado, e que os pais não sabem muito bem
como e no que colaborar, Topping elaborou alguns procedimentos, entre os quais o que
denominou “leitura conjunta”, em que ações bem definidas são passadas aos pais, a fim de
que escola e família saibam claramente o que fazer. Assim, a escola não se sente
ameaçada pela interferência dos pais e estes podem realizar suas aspirações de
acompanhar mais de perto seus filhos na escola, colaborando efetivamente para que
melhorem no seu desempenho em leitura. Além disso, o tempo gasto pelos pais é mínimo,
facilitando a tarefa que lhes é proposta, qual seja a de ouvir o filho ler para o pai ou para a
mãe, por pelo menos cinco minutos diariamente. A partir dos dados de seus estudos, o
pesquisador recomenda que isso seja feito prioritariamente pelo pai, ao invés de pela mãe,
se este estiver presente na família.

Um último aspecto e que é tratado por SANTOS e JOLY31 refere-se aos


benefícios para os próprios pais, que, participando de atividades de leitura conjunta com o
filho, podem melhorar a sua leiturização. Assim, acredita-se ser possível que pais possam
ser mediados em suas atividades de leitura, tornando-se mais proficientes na mesma e
utilizando depois os recursos aprendidos, na mediação das aprendizagens dos filhos em
casa.
28
FEUERSTEIN, R. An Instrumental Enrichment: an intervention program for cognitive modifiability.
29
KLEIN, P. More intelligent and sensitive child (MISC): a new look at an old question.
30
TOPPING, K. Paired reading, spelling and writting: the handbook for parent and peer tutoring in literacy.
31
SANTOS, A. A. A. & JOLY, M. R. C. Lendo histórias em família: influência sobre o vocabulário infantil e
desempenho em leitura e escrita.
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