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Conteúdo

1 Lógica Matemática - Provas


Wladimir NEVES 5
1.1 Lógica Matemática Clássica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.1.1 Quantificadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.1.2 Conectivos Lógicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.2 Provas Matemáticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.2.1 Provas Diretas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.2.2 Provas Indiretas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

2 Conjuntos - Funções
Wladimir NEVES 21
2.1 Conjuntos e Álgebra de Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.1.1 Operações com Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.2 Relações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.2.1 Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.2.2 Relações de Equivalência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
2.2.3 Relações de Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
2.3 Conjuntos Finitos - Infinitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
2.3.1 Conjunto dos Números Naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
2.3.2 Conjuntos Enumeráveis - Não enumeráveis.
Cardinalidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

3 Conjunto dos Números Reais

1
2 CONTEÚDO

Wladimir NEVES 65
3.1 Corpo - Corpo Ordenado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
3.1.1 Axiomas de Corpo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
3.1.2 Corpo Ordenado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
3.1.3 Supremo - Ínfimo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
3.2 Incompletude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
3.2.1 Racionais - Irracionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
3.2.2 Limites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
3.3 Construção dos Números Reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
3.3.1 Construção de Cantor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
3.3.2 Construção de Dedekind . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
3.3.3 Axioma do Supremo - Densidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
3.4 Teoria Geral sobre Limites para Seqüências Numéricas . . . . . . . . . . 96
3.5 Séries Numéricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111

4 Cálculo de Uma Variável Real


Wladimir NEVES 125
4.1 Topologia da Reta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
4.1.1 Conjuntos Abertos - Conjuntos Fechados . . . . . . . . . . . . . . 125
4.1.2 Caracterização de Conjuntos Abertos e Fechados por Seqüências . 129
4.1.3 Conjuntos Compactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
4.2 Limite de uma Função Real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
4.2.1 Limite de Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
4.2.2 Limites Laterais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146
4.2.3 Aproximações ao Infinito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
4.3 Continuidade de uma Função Real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
4.3.1 Continuidade de Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
4.3.2 Descontinuidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156
4.3.3 Funções Contı́nuas Definidas em Conjuntos Compactos . . . . . . 158
4.3.4 Continuidade Uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160
CONTEÚDO 3

4.3.5 Funções Contı́nuas Definidas em Intervalos . . . . . . . . . . . . . 165


4.4 Diferenciabilidade de uma Função Real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
4.4.1 Definição e Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
4.4.2 Máximos e Mı́nimos Locais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
4.4.3 Funções Diferenciáveis Definidas em Intervalos . . . . . . . . . . . 174
4.4.4 Regra de L’Hôpital . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
4.4.5 Funções de Classe C n . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
4.4.6 Fórmulas de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
4.5 Funções Convexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180

5 Seqüências - Séries de Funções


Wladimir NEVES 187
5.1 Seqüência de Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
5.1.1 Convergência Pontual ou Simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
5.1.2 Convergência Uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190
5.2 Intercambiando Limites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
5.2.1 Convergência Uniforme e Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . 194
5.2.2 Convergência Uniforme e Integrabilidade . . . . . . . . . . . . . . 195
5.2.3 Convergência Uniforme e Diferenciabilidade . . . . . . . . . . . . 196
5.3 Busca por Compacidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196
4 CONTEÚDO
Capı́tulo 1

Lógica Matemática - Provas


Wladimir NEVES

Nosso interesse aqui é estudar alguns elementos de lógica matemática clássica. Sem
aprofundar o assunto, apresentamos as definições e regras de utilização dos principais
quantificadores, conectivos lógicos e também alguns dos princı́pios de demonstração em
matemática. Desta forma, esperamos que o leitor sinta-se mais seguro e confortável na
leitura e compreensão de um texto matemático, como por exemplo teoremas, definições,
lemas, etc.

1.1 Lógica Matemática Clássica

1.1.1 Quantificadores

Por proposição denominaremos uma sentença que pode ser verdadeira ou falsa (como
esta estiver determinada). Por exemplo, a equação

1 + 1 = 2,

é uma proposição, que é verdadeira. A desigualdade

7 < 5,

5
6 CAPÍTULO 1. LÓGICA MATEMÁTICA - PROVAS WLADIMIR NEVES

é também uma proposição, de fato falsa. Agora, uma sentença do tipo

o trilionésimo dı́gito decimal de π é 1,

é claramente uma proposição, contudo classificá-la como verdadeira ou falsa sem dúvida
é tarefa árdua até para o mais rápido supercomputador. Em outras palavras, não é
necessário que saibamos quando dada uma sentença se esta é verdadeira ou não, contudo
para ser uma proposição, esta deverá ser necessariamente verdadeira ou falsa.
Algumas sentenças não são proposições no sentido da lógica matemática clássica;

Bolo de chocolate é bom.

Um exemplo mais pertinente contudo é a seguinte equação

x + 1 = 4,

a qual como colocada não é nem verdadeira nem falsa. Contudo, poderá ser verdadeira ou
falsa de acordo com o valor atribuı́do à variável x. Por exemplo, se substituirmos x por 3,
obtemos uma proposição verdadeira, por outro lado se substituirmos x por 10, obtemos
uma proposição falsa. Neste caso, dizemos que x é uma variável livre e, declarações
como esta equação são denominadas sentenças abertas (funções proposicionais, ou
estruturas frasais). As afirmações

2x − 7y + 20 = 0,
x ≥ y,

são também exemplos de funções proposicionais. Contudo, a proposição

(x + 1)2 = x2 + 2x + 1,

claramente envolve a variável x, porém, não estamos livres para atribuir valores a ela e,
desta forma, dizemos que é uma variável ligada. Então, utilizaremos a notação

P (x) (leia-se P de x)

para uma sentença aberta, somente quando x é uma variável livre.


1.1. LÓGICA MATEMÁTICA CLÁSSICA 7

Seja P (x) a sentença aberta


x2 − 1 = 0.

Substituindo x por 3, obtemos uma proposição falsa P (3), i.e.

9 − 1 = 0.

Por outro lado, podemos também obter uma proposição de P (x) prefixando uma das
seguintes frases:
i) para cada (ou para todo) x;
ii) existe um x tal que.
No primeiro caso, obtemos uma declaração falsa

para cada x, x2 − 1 = 0,

no segundo caso, obtemos uma declaração verdadeira, haja vista por exemplo

P (1) ser verdade.

Estas frases pré-fixadas são chamadas quantificadores. O sı́mbolo (∀x) é utilizado


como uma abreviação para o quantificador universal (i), isto é,

para cada x (ou para todo x).

Assim, (∀x) (x + 1 > x) pode ser traduzido como

para cada x, x + 1 > x.

Similarmente, (∃y) representa o quantificador existencial (ii), isto é,

existe um y tal que.

Logo, (∃y) (y 2 + 1 = 0) é a proposição

existe um y tal que y 2 + 1 = 0.

Observe que o significado apropiado de uma declaração quantificadora dependerá do


contexto. Por exemplo, a sentença acima (∀x) (x + 1 > x) se ocorrer envolvendo números
reais, provavelmente deverá ser interpretado que a desigualdade

x + 1 > x,
8 CAPÍTULO 1. LÓGICA MATEMÁTICA - PROVAS WLADIMIR NEVES

é válida para todos os números reais. Contudo, se x toma valores complexos, tal de-
sigualdade não faria sentido. Similarmente, a afirmação

(∃y) (y 2 + 1 = 0),

é falsa se considerarmos somente números reais, porém verdadeira se números complexos


são considerados para a variável y. Por conseguinte, em qualquer ocasião em que quan-
tificadores sejam utilizados, existe presente algum conjunto fundamental X, mesmo que
este não esteja mencionado explicitamente, o qual contém todos os valores possı́veis para
a variável considerada. Se quisermos chamar a atenção para este conjunto fundamental
X, podemos utilizar as notações
(∀x ∈ X),
(∃x ∈ X).
Isto é, (∃x ∈ IR) (x2 + 1 = 0) falsamente diz que existe um número real x que satisfaz a
equação x2 + 1 = 0.
Agora, consideremos a função proposicional

x > y,

onde o conjunto fundamental X é o conjunto dos números reais. Primeiramente, podemos


quantificar a variável x para formar a seguinte sentença

(∗) (∃x)(x > y).

Esta declaração também é uma função proposicional, possuindo somente uma variável
livre, y. Por exemplo, se atribuirmos a y

o valor 1020 ,

obtemos uma proposição verdadeira, a qual diz que existe x, exemplo 1020 +1, que é maior
que y = 1020 . Também, podemos formar uma proposição a partir de (∗) quantificando
y. Por exemplo
(∀y)[(∃x)(x > y)],

ou simplificando a notação de modo usual

(∗∗) (∀y)(∃x)(x > y).


1.1. LÓGICA MATEMÁTICA CLÁSSICA 9

O que significa que, para cada y existe um x tal que x > y, a qual é uma sentença
verdadeira. Por outro lado, a sentença

(∗ ∗ ∗) (∃x)(∀y)(x > y),

a qual é notação compacta para

(∃x)[(∀y)(x > y)],

declara algo muito diferente, isto é, existe um número real x o qual é o maior de todos, a
qual é uma sentença falsa. Note que, a afirmação (∗ ∗ ∗) é muito mais forte que (∗∗). Em
(∗∗), x pode variar com y, em (∗ ∗ ∗) é fixado de uma vez por todas. Mais geralmente, se

P (x, y)

é uma sentença aberta envolvendo duas variáveis x e y, então a declaração

(∃x) (∀y) P (x, y)

é uma afirmação muito mais forte do que

(∀y) (∃x) P (x, y).

A segunda declaração afirma que para cada valor de y é possı́vel obter um correspondente
valor de x que torne P (x, y) verdadeiro. Neste caso, diversos valores de x podem ser
tomados conforme os valores de y. A primeira, contudo, afirma que um valor fixado de
x pode ser obtido, digamos x0 , tal que P (x0 , y) é uma declaração verdadeira para todos
os valores de y. O exemplo abaixo resume bem o que foi dito.

Exemplo 1.1.1. Considere as seguintes afirmações

(∃x ∈ I) (∀y ∈ I) (x ≥ y),


(∀y ∈ I) (∃x ∈ I) (x ≥ y),
onde I é um subconjunto dos números reais. A primeira declaração afirma que I possui
um maior elemento. Então, se I é o intervalo fechado [−5, 10] a declaração é verdadeira,
contudo se I = [−5, 10) é falsa. A segunda é muito mais fraca que a primeira, de fato,
qualquer que seja I ⊂ IR e y ∈ I, existe um x ∈ I tal que x ≥ y, desde que sempre
podemos tomar x = y.
10 CAPÍTULO 1. LÓGICA MATEMÁTICA - PROVAS WLADIMIR NEVES

Vejamos mais dois exemplos.

Exemplo 1.1.2. Seja a afirmação

(∀x ∈ IR) (∃y ∈ IR) (x + y = 0).

Traduzindo, para cada número real x, existe um número real y tal que

x + y = 0.

Em outras palavras, y é inverso aditivo de x no corpo dos números reais. Por outro lado,

(∃y ∈ IR) (∀x ∈ IR) (x + y = 0)

é falso, dado que não existe nenhum número real y que sirva como inverso aditivo para
todo o corpo dos reais.

Exemplo 1.1.3. Sejam as afirmações

(∀x ∈ IR) (∀y ∈ IR) (x2 − y 2 = (x + y)(x − y)),


(∀y ∈ IR) (∀x ∈ IR) (x2 − y 2 = (x + y)(x − y)).

De fato, estas duas declarações afirmam a mesma coisa, isto é

x2 − y 2 = (x + y)(x − y)

é válida para todo número real x, y.

O Exemplo 1.1.3, ilustra um princı́pio geral de quantificação, ao invés do caso de


quantificadores de tipo misto, quantificadores semelhantes podem ser permutados. Então,

(∀x) (∀y) P (x, y) e (∀y) (∀x) P (x, y),

indicam a mesma coisa. Por este motivo, quantificadores de mesmo tipo são usualmente
colocados juntos. O sı́mbolo
(∀x, y),

por exemplo pode ser utilizado como abreviação para

(∀x) (∀y) ou (∀y) (∀x),


1.1. LÓGICA MATEMÁTICA CLÁSSICA 11

e lido como para todo x e y. Então, a lei associativa da adição pode ser escrita como

(∀x, y, z) (x + (y + z) = (x + y) + z).

Observação similar pode ser considerada para quantificadores existenciais.

1.1.2 Conectivos Lógicos

Nesta seção, consideraremos algumas formas de combinarmos sentenças.


Dado duas sentenças, estas podem ser unidas pela conjunção alternativa ou. Contudo,
em linguagem coloquial ou pode ser utilizada com sentido exclusivo ou inclusivo, vejamos
dois exemplos.

Dependendo do tempo, trabalharei de tênis ou sandália;


Se o produto a · b = 0, onde a e b são reais, então a = 0 ou b = 0.

No primeiro caso, ou é utilizado com sentido exclusivo. Contudo no segundo, podemos


ter a = 0 e b 6= 0, b = 0 e a 6= 0 e também a = b = 0, isto é ou foi utilizado no sentido
inclusivo. Neste caso, frequentemente em linquagem coloquial utiliza-se e/ou.

Definição 1.1. A disjunção de duas sentenças P e Q é a sentença

P ou Q,

denotada P ∨ Q, a qual deve ser entendida como verdade quando pelo menos uma das
duas sentenças for verdadeira, e falsa quando ambas forem falsas. Isto é, estamos uti-
lizando o conectivo ou no sentido inclusivo.

Duas sentenças podem ser também unidas pela conjunção correlativa e. Aqui, vamos
utilizar A e B no sentido de ambos, isto é A e também B. É neste sentido que a con-
junção coordenativa aditiva e será utilizada.
12 CAPÍTULO 1. LÓGICA MATEMÁTICA - PROVAS WLADIMIR NEVES

Definição 1.2. A conjunção de duas sentenças P e Q é a sentença

tanto P quanto Q,

denotada P ∧ Q, a qual é entendida como verdadeira se tanto P quanto Q forem ver-


dadeiras, e falsa se pelo menos uma das duas sentenças não for verdadeira.

Por exemplo, sejam P e Q as seguintes declarações

2 é um número primo,
4 é um número primo.
Então, P ∧ Q é a afirmação composta

2 é um número primo, e 4 é um número primo.

Logo, conforme definição anterior, P ∧ Q é uma proposição falsa.

Ainda, podemos negar uma sentença dada.

Definição 1.3. A negação de uma sentença P é a sentença, não P , denotada por

¬P,

a qual é entendida como verdade se P for falsa, e falsa se P for verdadeira.

Por exemplo, se P for a proposição

2 não é um número primo,

então ¬P é a proposição
2 é um número primo.

As definições anteriores para os conectivos lógicos ∨, ∧ e ¬ podem ser resumidas pela


tabela verdade abaixo
P Q P ∨Q P ∧Q ¬P
V V V V F
V F V F F
F V V F V
F F F F V
1.1. LÓGICA MATEMÁTICA CLÁSSICA 13

Agora, consideramos o conectivo lógico ⇒, que significa

se . . . então.

Para entendermos o significado de ⇒, consideremos a declaração

Se eu ganhar na loteria hoje,


então comprarei um carro para meu filho.

Claramente esta declaração é falsa se eu ganhar e não comprar um carro para meu
filho. Porém, e se eu não ganhar? Bem, neste caso não tenho compromisso de comprar
carro algum. Logo se não tiver sorte de ganhar na loteria não terei quebrado nenhuma
promessa não comprando um carro. De fato, em argumentos matemáticos estamos mais
interessados quando a hipótese for verdadeira, e não muito interessados quando esta for
falsa. Usualmente, consideramos que a sentença P ⇒ Q é falsa somente quando P for
verdadeira e Q for falsa, nos demais casos P ⇒ Q é verdade. Conseqüentemente, se P é
falso, consideraremos que a sentença P ⇒ Q é verdadeira mesmo que Q seja verdadeiro
ou falso. Contudo, deve-se estar atento, pois podemos provar qualquer coisa partindo-se
de uma premissa falsa!

Definição 1.4. Se P e Q são declarações, denotaremos por

P ⇒ Q,

a afirmação condicional
se P então Q ou P implica Q.

Sendo a tabela verdade fornecida abaixo

P Q P ⇒Q
V V V
V F F
F V V
F F V
14 CAPÍTULO 1. LÓGICA MATEMÁTICA - PROVAS WLADIMIR NEVES

Definição 1.5. Se P e Q forem declarações, denotaremos por

P ⇔ Q,

a afirmação bicondicional

P se, e somente se, Q ou P é logicamente equivalente a Q.

Sendo a tabela verdade fornecida abaixo

P Q P ⇔Q
V V V
V F F
F V F
F F V

Utilizando conectivos lógicos, podemos formar expressões mais sofisticadas como

[(P ∨ ¬Q) ⇒ R] ⇔ (¬S ⇒ ¬P ).

Expressões como a anterior usualmente são denominadas formas declarativas, algumas


são de interesse especial.

Definição 1.6. Uma tautologia é uma forma declarativa consistindo de letras rela-
cionadas por conectivos lógicos que é sempre verdade quaisquer que sejam as proposições
substituı́das pelas letras existentes. Por outro lado, uma forma declarativa que seja sem-
pre falsa é denominada uma contradição.

Um dos exemplos mais simples de uma tautologia é uma expressão da forma

P ∨ ¬P,

e analogamente uma das mais simples contradições é da forma

P ∧ ¬P.
1.1. LÓGICA MATEMÁTICA CLÁSSICA 15

No primeiro caso, qualquer que seja a proposição substituı́da para P , o resultado será
verdadeiro, contudo para o segundo será sempre falso. Um segundo exemplo de uma
tautologia é a forma declarativa

[(P ⇒ Q) ∧ (Q ⇒ R)] ⇒ (P ⇒ R),

a qual deve ser lida como

Se P implica Q e Q implica R, então P implica R.

Definição 1.7. Duas formas declarativas α e β são logicamente equivalentes se, e


somente se, a forma declarativa
α⇔β

é uma tautologia.

Exemplo 1.1.4. A forma P ⇒ Q é equivalente a ¬P ∨ Q. Um exemplo simples é a


seguinte declaração

Se este carro não funcionar, então chamarei um táxi.


Este carro funciona ou chamarei um táxi.
A equivalência lógica é mostrada a seguir através da tabela verdade

P Q ¬P P ⇒Q ¬P ∨ Q
V V F V V
V F F F F
F V V V V
F F V V V

Exemplo 1.1.5. A forma ¬(P ⇒ Q) é logicamente equivalente a P ∧ ¬Q. Conforme


mostra a tabela verdade abaixo

P Q ¬Q ¬(P ⇒ Q) P ∧ ¬Q
V V F F F
V F V V V
F V F F F
F F V F F
16 CAPÍTULO 1. LÓGICA MATEMÁTICA - PROVAS WLADIMIR NEVES

Exemplo 1.1.6. A forma P ⇒ Q é logicamente equivalente a ¬Q ⇒ ¬P . Conforme


mostra a tabela verdade abaixo

P ¬P Q ¬Q P ⇒Q ¬Q ⇒ ¬P
V F V F V V
V F F V F F
F V V F V V
F V F V V V

A forma ¬Q ⇒ ¬P é chamada contraposição da forma declarativa P ⇒ Q. O fato


destas duas formas declarativas serem equivalentes fornece a base de um tipo de prova
matemática indireta, a qual veremos mais adiante.

Exemplo 1.1.7. A forma P ⇔ Q é logicamente equivalente a

(P ⇒ Q) ∧ (Q ⇒ P ).

Por conseguinte, uma afirmação da forma P ⇔ Q nada mais é do que duas implicações,
uma em que P ⇒ Q e a recı́proca, i.e., que Q ⇒ P .

Agora, vejamos a negação de algumas declarações quantificadoras. Onde, iniciamos


observando a equivalência nas seguintes declarações:

¬(∀x)(x + 1 = 0),
(∃x)(x + 1 6= 0) ou (∃x)[¬((x + 1 = 0)].

Em geral, ¬(∀x), possui o mesmo significado que (∃x)¬. Em outras palavras, dizer que
uma declaração não é sempre verdade é equivalente a dizer que algumas vezes é falsa.
Similarmente, ¬(∃x) possui o mesmo significado que (∀x)¬, como podemos observar
pelas seguintes declarações equivalentes

¬(∃x ∈ IR)(x2 + 1 = 0),


(∀x ∈ IR)(x2 + 1 6= 0).

Agora, apliquemos as obsevações anteriores de modo a negar a seguinte declaração

(∃x) (∀y) (∃z) P (x, y, z).


1.2. PROVAS MATEMÁTICAS 17

Temos que
¬(∃x) (∀y) (∃z) P (x, y, z)
⇔ (∀x) ¬(∀y) (∃z) P (x, y, z)
⇔ (∀x) (∃y) ¬(∃z) P (x, y, z)
⇔ (∀x) (∃y) (∀z) ¬P (x, y, z).

Note que, podemos obter a última expressão a partir da original trocando os sı́mbolos ∃
por ∀, vice-versa e colocando a negação após os quantificadores. Isto ilustra uma regra
útil e fácil para negar declarações quantificadoras.

Observação 1.1. De modo a negar uma declaração quantificadora iniciada por uma
seqüência de quantificadores, permutamos os sı́mbolos ∃ e ∀, e colocamos o sı́mbolo de
negação ao final dos quantificadores.

1.2 Provas Matemáticas

Sejam P e Q duas declarações. Gostarı́amos de mostrar que

P ⇒ Q,

isto é, a acertiva de que quando a hipótese P for verdadeira, então a conclusão (ou
tese) Q seja verdade. Vejamos dois modos de realizarmos tal objetivo, primeiramente
as chamadas provas diretas, e posteriormente as denominadas provas indiretas.

1.2.1 Provas Diretas

A construção de uma prova direta de P ⇒ Q envolve a construção de uma cadeia de


declarações R1 , R2 , . . ., Rn tais que

P ⇒ R1 , R1 ⇒ R2 , . . . , Rn ⇒ Q.

Teorema 1.1. Seja n um número natural ı́mpar. Então, n2 é ı́mpar.


18 CAPÍTULO 1. LÓGICA MATEMÁTICA - PROVAS WLADIMIR NEVES

Proof. Por hipótese, temos que n é ı́mpar, i.e.,

P : n é um número ı́mpar.

Logo, devemos provar que

Q: n2 é um número ı́mpar.

Por definição de natural ı́mpar, temos que

R1 : n = 2k + 1, para algum número natural k.

Temos que P ⇒ R1 , gostarı́amos de mostrar que n2 = 2m + 1 para algum natural m,


mas
R2 : n2 = (2k + 1)2 = 4k 2 + 4k + 1,
R3 : n2 = 2(2k 2 + 2k) + 1.
Logo, escolhendo m = 2k 2 + 2k, temos que

R4 : n2 = 2m + 1.

Conseqüentemente,
P ⇒ R1 ⇒ R2 ⇒ R3 ⇒ R4 ⇒ Q,

o que prova o teorema.

Observe que a construção como apresentada é bastante didática, isto é, grande parte
dos argumentos poderiam vir implı́citos na demonstração.

1.2.2 Provas Indiretas

Existem basicamente dois tipos de provas indiretas:


i) provas por contraposição;
ii) provas por contradição.
Em ambos os casos inicia-se assumindo que a conclusão Q seja falsa, ou ainda que ¬Q é
verdade.
i) Prova por Contraposição
Conforme visto, a forma P ⇒ Q é logicamente equivalente a ¬Q ⇒ ¬P . Logo, para
mostrar que P ⇒ Q, provamos que ¬Q ⇒ ¬P .
1.2. PROVAS MATEMÁTICAS 19

Teorema 1.2. Seja n um número natural. Se n2 for par, então n é par.

Proof. Temos que


P : n2 é um natural par,
Q : n é par.
Vamos mostrar que, ¬Q ⇒ ¬P , i.e., se n for ı́mpar então n2 é ı́mpar. Mas isto é
exatamente o que provamos no Teorema 1.1.

Provas por contraposição são particularmente importantes quando quantificadores


universais estão envolvidos. Logo, a prova se dará envolvendo quantificadores existenciais.

Teorema 1.3. Seja a ≥ 0 um número real. Se para todo ε > 0 tivermos que a < ε,
então a = 0.

Proof. A hipótese é que para todo ε > 0 dado, temos a < ε. E a conclusão é que a deve
ser zero. Logo, vamos supor que a > 0, i.e., a negação da conclusão. Devemos provar
que
¬(∀ε > 0)(a < ε),

é verdade, ou ainda que


(∃ε > 0)(a ≥ ε),

é verdadeira. O que é imediato, como a > 0, basta tomar ε0 = a/2.

Teorema 1.4. Se m, n são números naturais tais que m + n > 20, então m ≥ 10 ou
n ≥ 10.

Proof. Vamos supor que a conclusão seja falsa, i.e. m < 10 e n < 10, então

m + n < 20.

O que prova o teorema.

ii) Prova por Contradição


De modo a provar que P ⇒ Q, mostramos que P ∧ ¬Q leva a uma contradição. De fato,
se C for uma contradição provar que

P ∧ ¬Q ⇒ C,
20 CAPÍTULO 1. LÓGICA MATEMÁTICA - PROVAS WLADIMIR NEVES

por (i) é equivalente a mostrar que

¬C ⇒ ¬(P ∧ ¬Q),

mas conforme visto ¬(P ∧ ¬Q) é logicamente equivalente a P ⇒ Q.

Teorema 1.5. Seja a um número real. Se a > 0, então 1/a > 0.

Proof. Seja 1/a ≤ 0, e junto com a > 0, segue que


1
1= · a ≤ 0.
a

Provas por contradição são bem conhecidas, talvez uma das mais famosas seja a
seguinte:

Teorema 1.6. Não existe nenhum racional cujo quadrado seja 2.

I e que r2 = 2. Por definição


Proof. Suponhamos que r ∈ Q
p
r= ,
q
onde p, q ∈ ZZ, q 6= 0 e, vamos admitir sem perda de generalidade que p, q são positivos e

mdc(p, q) = 1.

Temos que
p2
= 2,
q2
isto é, p2 = 2q 2 , logo p2 é par, o que implica que p é par. Agora, se p é par, então

p = 2m,

onde m ∈ IN. Conseqüentemente, temos que

4m2 = 2q 2 .

De modo análogo, segue que q é par. Contudo, se p e q são pares, então têm 2 como fator
comum o que contradiz o fato de serem primos entre si. Esta contradição nos indica que
a hipótese inicial de que r ∈ Q
I é falsa, o que conclui a prova.
Capı́tulo 2

Conjuntos - Funções
Wladimir NEVES

2.1 Conjuntos e Álgebra de Conjuntos

Não vamos definir conjunto (classe, coleção ou famı́lia) assim como seus elementos, nem
dar uma lista de axiomas para a teoria de conjuntos. Conjunto será considerado como
um conceito primitivo, esta noção é denominada ”Naive set theory”, i.e. teoria ingênua
de conjuntos.
Se A é um conjunto e x um elemento então

x ∈ A,

significa que x é um elemento de A ou que x pertence a A. Por

x∈
/ A,

denominamos que x não é um elemento de A.

Sejam A e B conjuntos, tais que

se x ∈ A então x ∈ B,
(x ∈ A ⇒ x ∈ B)

21
22 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

isto é, todo elemento de A é também elemento de B, então diremos que A está contido
em B, ou que B contém A ou ainda que A é um subconjunto de B, e denotamos

A ⊂ B ou B ⊃ A.

Observação 2.1. A sentença A ⊂ B não exclui a possibilidade de A conter todos os


elementos de B. Logo é imediato que A ⊂ A qualquer que seja A. Se existe um elemento
x ∈ B tal que x 6∈ A, dizemos que A é um subconjunto próprio (ou parte própria) de
B. Por vezes denotaremos A 6⊂ B, de modo a indicar que A não está contido em B.

Definição 2.1. Dois conjuntos são iguais se contêm os mesmos elementos e, denotamos

A = B.

Quando A e B não forem iguais, denotaremos A 6= B.

Nota 2.1. Estaremos sempre considerando que igualdade significa identidade, i.e. a = b
significa qua a e b são dois sı́mbolos para um mesmo objeto.

Teorema 2.1. Sejam A e B dois conjuntos. Então A = B se e somente se A ⊂ B e


B ⊂ A.

Proof. 1. Primeiro vamos mostrar que

A ⊂ B e B ⊂ A ⇒ A = B.

Como A ⊂ B, temos que todo elemento de A é elemento de B e analogamente B ⊂ A


implica que todo elemento de B também é elemento de A, logo A e B têm os mesmos
elementos, por definição A = B.
2. Agora, vamos provar que

A = B ⇒ A ⊂ B e B ⊂ A.

Conforme visto qualquer conjunto está contido nele mesmo, logo se A = B temos que
A ⊂ B e B ⊂ A.
2.1. CONJUNTOS E ÁLGEBRA DE CONJUNTOS 23

Um conjunto fica perfeitamente definido (caracterizado ou determinado)


i) Listando seus elementos

A = {1, 2, 3},
B = {2, 4, 6, 8, . . .},

onde a ordem em que os elementos são escritos não é importante, observe que utilizamos
chaves ({. . . }) para descrever os elementos. Ainda, se

C = {b, n, a},
D = {b, a, n, a, n, a},

então por definição C = D. Conseqüentemente, de modo caracterizar um conjunto basta


cada elemento constar uma única vez.

Dado um objeto x, podemos considerar o conjunto formado por este único elemento,
sendo denotado por {x} e denominado como conjunto unitário (ou singleton).

ii) Especificando uma propriedade comum e exclusiva a todos os elementos. Se P é


uma propriedade (ou uma sentença aberta) denotamos

{x/P (x)},

para caracterizar o conjunto em que todos os elementos satisfazem a propriedade P . Se


for preciso especificar onde os elementos x devem ser tomados, escrevemos

{x ∈ A : P (x)}.

Por vezes, pode ocorrer que nenhum elemento de A satisfaz a propriedade P . Neste
caso {x ∈ A : P (x)} não possui elemento algum, é o que denominaremos conjunto vazio
(nulo ou void) e, denotaremos por ∅.

Observação 2.2. Se A é um conjunto qualquer, então todo elemento de ∅ é um elemento


de A. De fato, como ∅ não possui elemento algum, não existe x ∈ ∅ tal que x ∈
/ A
(Vacuidade). Em outras palavras, ∅ ⊂ A qualquer que seja A.
24 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

De modo formal, listamos alguns conjuntos numéricos com os quais trabalharemos:

IN := {0, 1, 2, 3, . . .} conjunto dos números naturais,


ZZ := {0, 1, −1, 2, −2, . . .} conjunto dos números inteiros,
Q
I := {m/n : m, n ∈ ZZ, n 6= 0} conjunto dos números racionais,
IR conjunto dos números reais.

Nota 2.2. É usual ainda a escolha para o conjunto dos números naturais como sendo
IN := {1, 2, ...}, i.e. sem considerarmos o número 0. Esta escolha de se incluir ou não o
0 é totalmente indiferente com relação a teoremas, lemas, definições, etc onde o conjunto
dos números naturais estiver presente. Claro, fixada uma determinada notação, deve-se
estar atento a incluir ou excluir o zero convenientemente. Usualmente, utilizaremos o
conjunto dos inteiros positivos, isto é,

ZZ+ := {1, 2, 3, . . .}

como sendo os naturais sem considerarmos o zero.

Exemplo 2.1.1. Vejamos alguns exemplos:


1 - {x ∈ IN : x é par} = {2, 4, 6, 8, ...} =: 2IN;
2 - {x ∈ 2IN/x > 10 ⇒ x é ı́mpar} = {2, 4, 6, 8, 10};
3 - {x/x 6= x} = ∅;
4 - {x ∈ IN/x2 − 3x + 2 = 0} = {1}.

2.1.1 Operações com Conjuntos

Definição 2.2. Sejam A e B dois conjuntos dados.


a) A união de A e B, denotada A ∪ B, é o conjunto de todos os elementos que pertencem
a A ou B, i.e.
A ∪ B := {x/x ∈ A ou x ∈ B}.

Segue imediato que, A ⊂ A ∪ B, B ⊂ A ∪ B.


b) A interseção de A e B, denotada A ∩ B, é o conjunto de todos os elementos que
pertencem a A e B, i.e
A ∩ B := {x : x ∈ A e x ∈ B}.
2.1. CONJUNTOS E ÁLGEBRA DE CONJUNTOS 25

Se A ∩ B = ∅, dizemos que A e B são disjuntos.


Segue imediato que A ∩ B ⊂ A, A ∩ B ⊂ B.

Segue das definições anteriores que:


1) A ∪ ∅ = A, A ∩ ∅ = ∅;
2) A ∩ A = A, A ∪ A = A (indepotente);
3) A ∩ B = B ∩ A, A ∪ B = B ∪ A (comutativa);
4) (A ∩ B) ∩ C = A ∩ (B ∩ C),
(A ∪ B) ∪ C = A ∪ (B ∪ C) (associativa);
5) A ∩ (B ∪ C) = (A ∩ B) ∪ (A ∩ C)
A ∪ (B ∩ C) = (A ∪ B) ∩ (A ∪ C) (distributiva),
onde A, B e C são conjuntos quaisquer.

Nota 2.3. Conforme item (4) anterior, podemos simplesmente escrever

A ∪ B ∪ C, A ∩ B ∩ C.

Generalizando, temos que se {A1 , A2 , . . . , An } é uma coleção de conjuntos, então

A1 ∪ A2 ∪ . . . ∪ An := {x/x ∈ Ai para algum i},


A1 ∩ A2 ∩ . . . ∩ An := {x : x ∈ Ai para todo i},

e denotamos
n
[
A1 ∪ A2 ∪ . . . ∪ An = Ai ,
i=1

n
\
A1 ∩ A2 ∩ . . . ∩ An = Ai .
i=1

Ainda, se I é uma coleção de ı́ndices, tal que existe Ai para cada i ∈ I, temos que

[
Ai := {x/x ∈ Ai para algum i ∈ I},
i∈I

\
Ai := {x/x ∈ Ai para todo i ∈ I}.
i∈I
26 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Definição 2.3. Sejam A e B dois conjuntos. A diferença de A e B, denotada A − B


(ou A\B), é o conjunto de todos os elementos que pertencem a A e não pertencem a B,
i.e.
A − B := {x/x ∈ A e x 6∈ B}.

Quando B ⊂ A a diferença A − B é usualmente denotada {A B, denominada com-


plementar de B em relação a A. Segue imediato que

A − B = {A (A ∩ B),
A − ∅ = {A ∅ = A,
A − A = {A A = ∅.
Nota 2.4. Ainda, definimos a diferença simétrica, denotada por A∆B como

A∆B := (A − B) ∪ (B − A).

Observação 2.3. Quando estiver subentendido claramente que os conjuntos considerados


são subconjuntos de um fixado conjunto X (conjunto fundamental) e, que se está tomando
o complementar com relação a X, denotaremos

{X A = AC ,

qualquer que seja A e então


x ∈ AC ⇔ x 6∈ A.

Neste caso, a noção de diferença reduz-se à de complementariedade do seguinte modo

A − B = A ∩ BC .

Com efeito, x ∈ A − B ⇔ x ∈ A e x 6∈ B ⇔ x ∈ A e x ∈ B C ⇔ x ∈ A ∩ B C .

Segue da definição anterior que:


1) (AC )C = A;
2) A ⊂ B ⇔ B C ⊂ AC ;
3) (A ∪ B)C = AC ∩ B C e
4) (A ∩ B)C = AC ∪ B C ,
onde A e B são subconjuntos de um conjunto fixado X, em relação ao qual estamos
tomando os complementares.
2.1. CONJUNTOS E ÁLGEBRA DE CONJUNTOS 27

Observação 2.4. Os ı́tens (3) e (4) anteriores são conhecidos como Leis (Regras) De
Morgan. Generalizando, temos que
[ \
( Ai )C = Ai C ,
i∈I i∈I

\ [
( Ai )C = Ai C .
i∈I i∈I
S S
De fato, dado x ∈ X temos que x ∈ ( Ai )C ⇔ x 6∈ Ai ⇔ não existe i ∈ I tal que
T
x ∈ Ai ⇔ x 6∈ Ai para todo i ∈ I ⇔ x ∈ Ai C para todo i ∈ I ⇔ x ∈ i Ai C , o que
prova a primeira igualdade. A segunda é conseqüência imediata, levando-se em conta que
(X C )C = X. De fato, denotando Bi = Ai C temos que Bi C = Ai , logo
\ \ (1) [ [
( Ai )C = ( Bi C )C = Bi = Ai C .

Agora, mencionamos algumas outras operações com conjuntos.

Definição 2.4. Uma partição (ou decomposição) de X é uma coleção de subconjuntos


de X disjuntos dois a dois, tal que a união é X.

Definição 2.5. Seja X um conjunto, denotamos a coleção de todos os subconjuntos de


X por P(X) (ou 2X ), i.e.
P(X) := {A / A ⊂ X}.

Ainda, P(X) é denominado o conjunto das partes de X ou ainda o conjunto potência


de X.

Exemplo 2.1.2. Vejamos alguns exemplos:

X = ∅ ⇒ P(∅) = {∅};
X = {a} ⇒ P({a}) = {∅, {a}};
X = {a, b} ⇒ P({a, b}) = {∅, {a, b}, {a}, {b}}.

Nota 2.5. Qualquer que seja X, P(X) nunca é vazio e, também nunca é uma decom-
posição de X. De fato, se C(X) é uma partição para X, então C(X) é um subcojunto
próprio de P(X).
28 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Neste momento, introduzimos o conceito de produto cartesiano entre dois conjuntos


a partir do conceito de par ordenado. Pares ordenados podem ser convenientemente
tratados, simplesmente introduzindo (a, b) como um termo indefinido para dois objetos
a e b dados e, assumindo propriedades básicas que os especifiquem. Isto é, se a e b são
objetos, denotamos
(a, b)

para indicar que a é a 1a coordenada e b a 2a coordenada e ainda satisfazendo

(a, b) = (x, y) ⇒ a = x e b = y.

E nada mais temos a dizer ou imaginar o que par ordenado realmente é. Contudo,
par ordenado pode ser definido no contexto da teoria dos conjuntos, o que não será
apresentado aqui.

Definição 2.6. Sejam A e B dois conjuntos. O produto cartesiano de A e B,


denotado A × B, é o conjunto cujos elementos são todos os pares ordenados (a, b) para
algum a ∈ A e algum b ∈ B, i.e.

A × B := {(a, b)/a ∈ A e b ∈ B}.

Quando A = B denotamos A × A = A2 .

Exemplo 2.1.3. Se A = {a, b} e B = {c, d}, então

A × B = {(a, c), (a, d), (b, c), (b, d)},


B × A = {c, a), (c, b), (d, a), (d, b)}.

Segue da definição que:


1) A × B = ∅ ⇔ A = ∅ ou B = ∅;
2) A ⊂ X e B ⊂ Y ⇒ (A × B) ⊂ (X × Y );
3) (A × B) ⊂ (X × Y ) ⇒ A ⊂ X e B ⊂ Y, (A, B 6= ∅).
Ainda para todo conjunto A, B, C e D, temos que:
4) (A ∪ B) × C = (A × C) ∪ (B × C);
5) (A ∩ B) × (C ∩ D) = (A × C) ∩ (B × D);
6) (A − B) × C = (A × C) − (B × C).
2.2. RELAÇÕES 29

2.2 Relações
Nosso interesse agora é formalizar o conceito de relações ou ainda relações binárias, i.e.
entre dois objetos.

Definição 2.7. Uma relação é um conjunto de pares ordenados. Se R é uma relação,


usualmente escrevemos
xRy,

para denotar que (x, y) ∈ R. Ainda, definimos como domı́nio e imagem da relação R
respectivamente as projeções sobre a 1a e 2a coordenadas, i.e.

domı́nio de R := {x/ para algum y, xRy},


imagem de R := {y/ para algum x, xRy}.

No exemplo anterior, domı́nio R = {a, b}, imagem R = {d, e}.

Definição 2.8. Sejam A e B dois conjuntos, dizemos que R é uma relação de A para
B se está contida em A × B, logo

domı́nio R ⊂ A,
imagem R ⊂ B.

No caso A = B falaremos simplesmente numa relação sobre A.

Os tipos mais importantes de relações são os seguintes:

•Funções;
•Relações de Equivalência;
•Relações de Ordem.

2.2.1 Funções

Definição 2.9. Sejam A e B dois conjuntos, uma função de A para B é uma relação
f (de A para B) tal que
domı́nio de f = A,

e para cada x ∈ A existe um único elemento y ∈ B com (x, y) ∈ f , i.e,

(x, y) ∈ f e (x, z) ∈ f ⇒ y = z.
30 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Este único y ∈ B tal que (x, y) ∈ f é denotado

f (x) (f ”de” x),

e ao invés de (x, y) ∈ f ou ainda xf y, escrevemos

y = f (x),

e dizemos que y é o valor que a função f assume (ou toma) no ponto (argumento) x.
Equivalentemente, dizemos f manda, mapeia ou transforma x sobre y, e denotamos

x 7→ f (x).

Logo, as palavras mapeamento, transformação, correspondência, ou operador são


utilizadas como sinônimos para função. Ainda, o sı́mbolo
f
f : A → B ou A → B,

é utilizado para indicar que f é uma função de A para B. Frequentemente, utilizamos

D(f ) (ou Df ),
R(f ) (ou Rf )
para indicar respectivamente o domı́nio e a imagem de f .

Observação 2.5. Conforme definição anterior uma função é apenas um tipo particular
de relação. Contudo, alguns autores preferem definir função como algo ativo(envolvendo
uma regra) e o conjunto de pares ordenados que definimos como função é denominado o
gráfico da função. Aqui o gráfico da função (traço) é o simples fato de representarmos
tal conjunto de pares ordenados no eixo cartesiano ortogonal (o que nem sempre é útil),
logo função e gráfico da função não diferem nada em si. Neste sentido, temos que:
i) Sejam A e B dois conjuntos dados, e uma regra bem estabelecida que associa para cada
elemento x ∈ A um único elemento y ∈ B, o qual denotamos por f (x). Então, dizemos
que f é uma função de A para B. O conjunto A é denominado domı́nio de f , o
subconjunto de B de todos os elementos f (x) tal que x ∈ A é denominado imagem de
f . Ainda, alguns autores denominam B como contra-domı́nio de f .
ii) O gráfico de uma função f : A → B é o conjunto

G(f ) := {(x, y) ∈ A × B / y = f (x)}.


2.2. RELAÇÕES 31

Nota 2.6.
1. Observe que dizer que f é uma função de A para B, naturalmente implica que quando
mudarmos A ou B, temos outra função.
2. Ainda, destacamos o fato corrente de confundir-se a função com seu valor no ponto.
Isto é, dada f : A → B, ocasionalmente falaremos de f (x) como sendo a função f , o que
é apenas uma conveniência lingüistica.

Exemplos de algumas relações que são e outras que não são funções.

Exemplo 2.2.1. Considere os conjuntos A = {a, b}, B = {c, d} e as seguintes relações

R1 = {(a, c), (b, d)} ⊂ A × B,


R2 = {(a, b), (b, b)} ⊂ A2 ,
R3 = {(a, c), (a, d)} ⊂ A × B.

Então, temos que R1 e R2 são funções e R3 não.

Exemplo 2.2.2. Seja f : IR → IR,



 x, se x ∈ IR \ Q,
I
f (x) :=
 0, se x ∈ Q.
I

Construir o gráfico da função f neste caso é sem sentido.

Nota 2.7. Na definição de função, alguns autores:


a) Não fazem a exigência de que o domı́nio da função seja todo o conjunto A, i.e.,
podem existir pontos sem correspondência.
b) Por vezes é assumido que se tenha mais de uma correspondência, é o que usual-
mente se denomina função multivalor.
No que se segue neste texto, não consideraremos nem (a) nem (b).

Definição 2.10. Sejam A e B conjuntos. O conjunto de todas as funções de A para B


é um subconjunto de P(A × B) denotado por B A .

Definição 2.11. Sejam A e B conjuntos e uma função f : A → B. Dizemos que:


1. A função f é injetiva (injetora ou um a um), quando dados x, y ∈ A

f (x) = f (y) ⇒ x = y.
32 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Ou ainda que,
x 6= y ⇒ f (x) 6= f (y).

2. A função f é sobrejetiva (sobrejetora ou sobre), quando a imagem de f é igual a


B, isto é, para todo y ∈ B existe pelo menos um x ∈ A, tal que

f (x) = y.

3. A função f é bijetiva ( ou bijetora), quando é injetiva e sobrejetiva ao mesmo


tempo.

Exemplo 2.2.3. Seja A ⊂ B, a função f : A → B definida por

f (x) := x para todo x ∈ A,

é denominada inclusão (imersão ou injeção) de A para B. Claramente se f for uma


imersão, então f é injetiva.

Exemplo 2.2.4. Sejam as funções Π1 : A × B → A e Π2 : A × B → B, definidas


respectivamente como
Π1 (a, b) := a,
Π2 (a, b) := b,
as quais denominamos projeções. Claramente, Π1 e Π2 são funções sobrejetivas.

Exemplo 2.2.5. A função inclusão de X para X, é denominada mapeamento identi-


dade sobre X, denotado IdX (ou Id). A função identidade e uma função bijetiva.

Definição 2.12. Sejam A, B, X e Y conjuntos. Se X ⊂ A e Y ⊂ B, então defini-


mos a imagem de X e a imagem inversa de Y sobre o mapeamento f : A → B,
respectivamente por
f (X) := {f (x) : x ∈ X}
= {y ∈ B / y = f (x), x ∈ X},

f −1 (Y ) := {x ∈ A ; f (x) ∈ Y }.
2.2. RELAÇÕES 33

Segue imediato da definição anterior que:


1. Se f é sobrejetiva, então f (A) = B.
2. Podemos ter f −1 (Y ) = ∅, mesmo que Y ⊂ B seja não vazio. Basta f (A) ∩ Y = ∅.
Logo f não é sobre.
3 - Seja y ∈ B e considere o singleton {y}. Escrevemos f −1 (y) ao invés de f −1 ({y}). Se
f não for injetiva, então f −1 (y) pode possuir mais de um elemento.

Teorema 2.2. Sejam A e B dois conjuntos. O mapeamento f −1 : P(B) → P(A),


definido por f −1 (Y ) := {x ∈ A / f (x) ∈ Y }, satisfaz:
1. f −1 (Y ∪ Z) = f −1 (Y ) ∪ f −1 (Z),
2. f −1 (Y ∩ Z) = f −1 (Y ) ∩ f −1 (Z),
3. f −1 (Y C ) = [f −1 (Y )]C ,
4. Y ⊂ Z ⇒ f −1 (Y ) ⊂ f −1 (Z),
5. f −1 (B) = A,
6. f −1 (∅) = ∅.

Proof.
1. Temos que, x ∈ f −1 (Y ∪ Z) ⇔ f (x) ∈ Y ∪ Z ⇔ f (x) ∈ Y ou f (x) ∈ Z ⇔ x ∈
f −1 (Y ) ∪ f −1 (Z), o que prova (1).
2. O item (2) é análogo a (1), trocando-se ou por e.
3. Agora, x ∈ f −1 (Y c ) ⇔ f (x) ∈ Y C ⇔ f (x) 6∈ Y ⇔ x 6∈ f −1 (Y ) ⇔ x ∈ [f −1 (Y )]C , o
que mostra (3).
4. Temos que, x ∈ f −1 (Y ) ⇒ f (x) ∈ Y . Como Y ⊂ Z, segue que f (x) ∈ Z, logo
x ∈ f −1 (Z), o que mostra (4).
5. Os itens (5) e (6) são imediatos, visto que

f −1 (B) := {x ∈ A / f (x) ∈ B} = A,
f −1 (∅) := {x ∈ A / f (x) ∈ ∅} = ∅.

A imagens (diretas) não se comportam tão bem quanto as inversas, como veremos a
seguir.
34 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Teorema 2.3. Sejam A e B dois conjuntos. O mapeamento f : P(A) → P(B), definido


por f (X) := {f (x) / x ∈ X}, satisfaz:
1. f (X ∪ Z) = f (X) ∪ f (Z);
2. f (X ∩ Z) ⊂ f (X) ∩ f (Z);
3. X ⊂ Y ⇒ f (X) ⊂ f (Y );
4. f (∅) = ∅.

Proof.
1. Seja y ∈ f (X ∪ Z), então existe pelo menos um x ∈ X ∪ Z tal que f (x) = y. Se
x ∈ X, então y ∈ f (X) e por conseguinte, y ∈ f (X) ∪ f (Z). Ainda, se x ∈ Z, então
y ∈ f (Z), logo y ∈ f (Z) ∪ f (X). Em qualquer caso, temos que f (X ∪ Z) ⊂ f (X) ∪ f (Z).
Reciprocamente, se z ∈ f (X) ∪ f (Z), então z ∈ f (X) ou z ∈ f (Z). Se z ∈ f (X), então
existe x ∈ X, tal que f (x) = z. Analogamente, caso z ∈ f (Z), exite y ∈ Z tal que
f (y) = z, em qualquer caso existe w ∈ X ∪ Z tal que f (w) = z, isto é, z ∈ f (X ∪ Z). O
que prova (1).
2. Vamos mostrar (2). Se y ∈ f (X ∩ Z), então existe pelo menos um x ∈ X ∩ Z, tal que
f (x) = y. Como x ∈ X e x ∈ Z , segue que y ∈ f (X) e y ∈ f (Z). Logo y ∈ f (X) ∩ f (Z).
3. Se y ∈ f (X), então existe x ∈ X tal que f (x) = y. Como X ⊂ Y , temos que x ∈ Y e
conseqüentemente, y ∈ f (Y ). Mostramos assim (3).
4. O item (4) é imediato da definição.

Agora, vamos ver dois exemplos que ilustram a condição de só termos a inclusão no
item (2) do teorema anterior.

Exemplo 2.2.6. Seja Π o plano euclideano Π ≡ IR2 , e f a projeção (paralela) de Π


sobre o eixo dos x. Considere X e Y os segmentos de reta unindo o ponto 0 ao ponto
1 na direção x, respectivamente nas cotas y = 0 e y = 1. Então, X ∩ Y = ∅, logo
f (X ∩ Y ) = ∅. Contudo, temos que f (X) ∩ f (Y ) 6= ∅.

Exemplo 2.2.7. Seja f : A → B uma função não injetiva. Então existem x 6= y em


A, com f (x) = f (y). Tome X = {x} e Y = {y}, segue que X ∩ Y = Ø e desta forma
f (X ∩ Y ) = ∅. Contudo, f (X) ∩ f (Y ) = {f (x)} 6= ∅.
2.2. RELAÇÕES 35

Logo, concluimos que injetividade é condição necesária para f (X ∩Z) = f (X)∩f (Z).
O teorema a seguir mostra que esta condição também e suficiente.

Teorema 2.4. Se f : A → B é uma função injetiva, então para todo X, Y ∈ P(A)

f (X ∩ Y ) = f (X) ∩ f (Y ).

Proof. Já provamos que


f (X ∩ Y ) ⊂ f (X) ∩ f (Y ).

Logo, basta mostrar que


f (X) ∩ f (Y ) ⊂ f (X ∩ Y ).

Se y ∈ f (X) ∩ f (Y ), então y ∈ f (X) e y ∈ f (Y ). Logo, existem x1 ∈ X e x2 ∈ Y


tais que y = f (x1 ) e y = f (x2 ). Como f é uma função injetiva e f (x1 ) = f (x2 ), segue
x1 = x2 = x e portanto x ∈ X ∩ Y . Conseqüentemente, y ∈ f (X ∩ Y ).

Observação 2.6. Generalizando, seja f : A → B e Ai ⊂ A, Bj ⊂ B, para todo i ∈ I e


j ∈ J. Então, temos que
S S
f ( i∈I Ai ) = i∈I f (Ai ),
T T
f ( i∈I Ai ) ⊂ i∈I f (Ai ),
S S
f −1 ( j∈J Bj ) = j∈J f −1 (Bj ),
T T
f −1 ( j∈J Bj ) = j∈J f −1 (Bj ).
De fato, vejamos a primeira e a última afirmativa. Para a primeira, temos que
S S
y ∈ f ( i∈I Ai ) ⇔ existe x ∈ i∈I Ai tal que y = f (x)
⇔ existem i ∈ I e x ∈ Ai , com y = f (x)
⇔ existe i ∈ I tal que y ∈ f (Ai )
S
⇔ y ∈ f (Ai ).
Agora, vejamos a última
T
x ∈ f −1 ( Bj )
T
⇔ f (x) ∈ Bj
⇔ f (x) ∈ Bj para todo j ∈ J
⇔ x ∈ f −1 (Bj ) para todo j ∈ J
T
⇔ x ∈ j f −1 (Bj ).
36 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Algumas operações com funções.

Definição 2.13. Seja f : A → B, e X ⊂ A. Frequentemente é conveniente definirmos


uma nova função g : X → B, tal que g(x) := f (x) para todo x ∈ X, i.e.

g := {(a, b) ∈ f / a ∈ X}.

Esta nova função g é denominada a restrição de f ao conjunto X e denotamos

g = f |X .

Similarmente, podemos pensar em estender uma dada função. Considere f : Z → B e


A ⊃ Z, então qualquer função h : A → B, tal que h(x) = f (x) para todo x ∈ Z, é
denominada uma extensão de f ao conjunto A.

Definição 2.14. Sejam f : A → B, g : B → C, funções tais que a imagem de f esta


contida no domı́nio da g. Então, definimos a função composta g ◦ f de A para C como

(g ◦ f )(x) := g(f (x))

para todo x ∈ A.

Nota 2.8. Mesmo que f ◦ g e g ◦ f façam sentido, em geral a comutatividade não é


satisfeita, isto é,
f ◦ g 6= g ◦ f.

Teorema 2.5. Sejam f : A → B, g : B → C e h : C → D. Então, a associatividade e


satisfeita, i.e.
(h ◦ g) ◦ f = h ◦ (g ◦ f ).

Proof. Para todo x ∈ A, temos que

[(h ◦ g) ◦ f ](x) = (h ◦ g)(f (x)) = h(g(f (x)))


= h[(g ◦ f )(x)] = [h ◦ (g ◦ f )](x).
2.2. RELAÇÕES 37

Nota 2.9. Sejam f : A → B, g : B → C e h = g ◦ f . Segue imediato da definição


de composição de funções que se f e g são injetivas (sobrejetivas), então h é injetiva
(sobrejetiva).

Observação 2.7. Dada uma função h : A → B, é sempre possı́vel escrevermos h como

h = gi ◦ fs ,
h = gs ◦ fi ,

onde gi , fi são funções injetivas e fs , gs são sobrejetivas. De fato, para o primeiro caso
temos que
gi : h(A) → B, x 7→ gi (x) := x
fs : A → h(A), x 7→ fs (x) := h(x).
Logo gi ◦ fs : A → B e para cada x ∈ A

(gi ◦ fs )(x) = gi (h(x)) = h(x).

No segundo caso, escolhemos

gs : A × B → B, (x, y) 7→ Π2 (x, y) = y,
fi : A → A × B, x 7→ (x, h(x)).

Logo gs ◦ fi : A → B e para todo x ∈ A

(gs ◦ fi )(x) = Π2 (x, h(x)) = h(x).

Teorema 2.6. Sejam f : A → B, g : B → C e H ⊂ C. Então,

(g ◦ f )−1 (H) = f −1 (g −1 (H)).

Proof. Temos que (g ◦ f )−1 (H) := {x ∈ A / (g ◦ f )(x) ∈ H}. Então para todo x ∈ A,

x ∈ (g ◦ f )−1 (H)
⇔ (g ◦ f )(x) ∈ H
⇔ f (x) ∈ g −1 (H)
⇔ x ∈ f −1 (g −1 (H)).
38 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Definição 2.15. Sejam f : A → B e g : B → A, dizemos que g é uma inversa à


esquerda da função f , quando

g ◦ f = IdA : A → A,

isto é, g(f (x)) = x para todo x ∈ A.

Exemplo 2.2.8. Seja k um número natural fixado, f : IN → IN, x 7→ 2x e g : IN → IN,


tal que 
 x/2, se x ∈ 2IN,
g(x) :=
 k, de outra forma.

Logo, para todo x ∈ IN temos que (g ◦ f )(x) = x, isto é, a função g é uma inversa à
esquerda de f . Observe que para cada k temos uma nova função g.

Teorema 2.7. Seja f : A → B, então f possui uma inversa à esquerda se, e somente se
é uma função injetiva.

Proof.
1. Suponhamos que g : B → A seja uma inversa à esquerda de f , i.e. g ◦ f = IdA . Então
para todo x1 , x2 ∈ A, temos que

f (x1 ) = f (x2 ) ⇒ g(f (x1 )) = g(f (x2 )).

Conseqüentemente, x1 = x2 , logo f é uma função injetiva.


2. Agora, suponhamos que f é injetiva. Então, para todo y ∈ f (A), existe um único
x ∈ A tal que y = f (x). Seja k ∈ A e, definimos g como

 x, se y ∈ f (A),
g(x) :=
 k, se y ∈ B − f (A).

Segue que g : B → A e para todo x ∈ A

g(f (x)) = x.

O que completa a demonstração.


2.2. RELAÇÕES 39

Definição 2.16. Sejam f : A → B e g : B → A, dizemos que g é uma inversa à


direita da função f , quando

f ◦ g = IdB : B → B,

isto é, f (g(y)) = y para todo y ∈ B.

Exemplo 2.2.9. Seja f : X × Y → X, (x, y) 7→ Π1 (x, y) = x e g : X → X × Y ,


x 7→ (x, k), k ∈ Y qualquer fixado. Logo, para todo x ∈ X,

(f ◦ g)(x) = f (g(x)) = f (x, k) = x,

isto é, g é uma inversa à direita de f . Novamente, para cada k temos uma função g
diferente.

Teorema 2.8. Seja f : A → B, então f possui uma inversa à direita se, e somente se
é uma função sobrejetiva.

Proof.
1. Suponhamos que g : B → A seja uma inversa à direita, i.e. f ◦ g = IdB . Então para
cada y ∈ B, tomamos
x = g(y).

Logo, f (x) = f (g(y)) = y, i.e., f é uma função sobrejetiva.


2. Agora, suponhamos que f é sobre. Então, para cada y ∈ B, existe pelo menos um
x ∈ A, tal que
f (x) = y.

Fixado este x ∈ A, definimos g : B → A, y 7→ g(y) = x, segue que para todo y ∈ B

(f ◦ g)(y) = f (g(y)) = f (x) = y.

Conseqüentemente, g é uma função inversa à direita de f .

Definição 2.17. Seja f : A → B. Quando existir uma função g : B → A, tal que

g ◦ f = IdA e f ◦ g = IdB ,
40 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

isto é, g for uma inversa à esquerda e direita simultaneamente de f , diremos que g é a
inversa de f . Neste caso, denotamos

g = f −1 : B → A.

Observação 2.8.
1. Segue que uma função possui inversa se, e somente se for bijetiva.
2. A função inversa, se existir, é única. De fato, seja f : A → B e suponhamos que
existam
ge : B → A,
gd : B → A,
funções inversas à esquerda e direita de f respectivamente. Temos que

ge = ge ◦ IdB = ge ◦ (f ◦ gd ) = (ge ◦ f ) ◦ gd = IdA ◦ gd = gd .

Nota 2.10. Se f : A → B e g : B → A são funções bijetivas, então

(f ◦ g)−1 = g −1 ◦ f −1 .

Neste ponto, introduzimos o importante conceito de seqüências.

Definição 2.18. Sejam I e X conjuntos, onde os elementos i ∈ I serão denominados


ı́ndices. Uma função f : I → X é definida como uma famı́lia no conjunto X. O valor de
f para cada i ∈ I, i.e. f (i) é denotado fi , sendo a famı́lia f representada pelas seguintes
notações
(fi )i∈I , (fi ) ou ainda {fi }i∈I , {fi }.

Exemplo 2.2.10. Seja (Ai )i∈IR+ uma famı́lia de conjuntos.

Definição 2.19. Uma famı́lia (fi )i∈I em X é denominada de seqüência (ou sucessão),
quando I = IN, isto é o conjunto dos números naturais. Conseqüentemente, uma seqüência
em X é uma função
f : IN → X,

denotada por
(fn )n∈IN , (f1 , f2 , f3 , . . .), (fn )∞
n=1 , (fn ),

onde o valor de f (n) é representado por fn e chamado o n-ésimo termo da seqüência.


2.2. RELAÇÕES 41

Exemplo 2.2.11. Quando f : IN → IR, dizemos que (fn ) é uma seqüência de números
reais.

Exemplo 2.2.12. Quando X é um conjunto de funções e f : IN → X, dizemos que


(fn )∞
n=1 é uma seqüência de funções.

Nota 2.11. 1. Não custa ressaltar que, como definido, uma seqüência (famı́lia) não é
necessariamente injetiva.
2. Ter cuidado, i.e., não confundir a seqüência (fn ) (uma função), com o conjunto de
valores da seqüência {f (n) : n ∈ IN} (imagem da função).

Exemplo 2.2.13. Seja f : IN → IR, (fn ) := (1, 1, 1, . . .). A imagem de f , isto é R(f ) é
o singleton {1}.

Exemplo 2.2.14. Sejam f : IN → IR, g : IN → IR,

(fn )∞
n=1 := (0, 7, 0, 7, 0, 7, . . .),

(gn )∞
n=1 := (0, 0, 7, 0, 0, 7, 0, 0, 7, . . .).

Logo, f e g ou ainda (fn ) e (gn ) são seqüências distintas, porém R(f ) = R(g).

Observação 2.9. Por abuso de notação, utiliza-se às vezes

(fn ) ⊂ X,

sendo f uma função sobre X, i.e. f : I → X. Observe que: (fn ) ⊂ I × X.

Finalizamos esta seção com mais alguns tipos particulares de funções.

Definição 2.20. Seja X um conjunto e A ⊂ X. A função χA : X → {0, 1}, definida


como 
 1, se x ∈ A,
χA (x) :=
 0, se x ∈ X − A,

é denominada função caracterı́stica do conjunto A. Sendo ainda denotada por 1A .


42 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Exemplo 2.2.15. Seja D ⊂ X × X,

D := {(x, x) / x ∈ X}

dito a diagonal de X × X. A função caracterı́stica de D é dada por 1D : X × X → {0, 1},


(x, y) 7→ δxy , onde δxy é denominado δ−Kronecker. Então para todo x, y ∈ X,

 1, se x = y,
δxy :=
 0, se x 6= y.

De modo formal, definimos temporariamente os números 0, 1 e 2 como

0 := ∅, 1 := {∅}, 2 := {∅, {∅}}.

Isto é, 0 é o conjunto vazio, 1 é o singleton {∅} e 2 é o conjunto {0, 1}. Então observando
o exemplo anterior, temos que
1A : X → 2.

Agora, considere a seguinte função

ξ : P(X) → 2X .
A 7→ 1A

Temos que ξ é uma bijeção de P(X) sobre 2X , onde ξ −1 associa a cada f : X → 2 o


conjunto A dos pontos de x ∈ X tais que f (x) = 1. Conseqüentemente, existe uma cor-
respondência bijetiva entre P(X) e 2X , o que justifica a notação utilizada anteriormente.

2.2.2 Relações de Equivalência

Definição 2.21. Seja X um conjunto, uma relação de equivalência R sobre X (usual-


mente denotada ∼), é uma relação que satisfaz as seguintes propriedades
i) xRx para todo x ∈ X (reflexiva),
ii) xRy ⇔ yRx (simétrica),
iii) xRy e yRz ⇒ xRz (transitiva).
Ainda, a classe de equivalência de um elemento x ∈ X é o conjunto

Qx := {y ∈ X / xRy}.

De fato, como veremos X é a união disjunta destas classes de equivalência.


2.2. RELAÇÕES 43

Teorema 2.9. Seja X um conjunto, podemos realizar uma partição de X em classes de


equivalência através de uma relação R se, e somente se R for uma relação de equivalência
sobre X.

Proof.
1. Qualquer partição de X determina uma relação binária sobre X, onde aRb significa
que
a pertence a mesma classe de b,

em outras palavras a e b pertencem a um mesmo subconjunto da partição de X. Por


conseguinte, R deve ser reflexiva, simétrica e transitiva, i.e. uma relação de equivalência.
2. Agora, seja R uma relação de equivalência sobre X, e definimos

Qa := {x ∈ X : xRa}.

Claro que a ∈ Qa , visto que R é reflexiva. Dados Qa e Qb estes são conjuntos iguais
ou disjuntos. De fato, suponhamos que exista c tal que c ∈ Qa ∩ Qb , segue que cRa e
cRb. Logo aRc por simetria e aRb por transitividade. Para cada x ∈ X, se x ∈ Qa
então xRa, mas como aRb, temos que xRb. Conseqüentemente, x ∈ Qb , i.e. Qa ⊂ Qb .
Analogamente, Qb ⊂ Qa . Desta forma, Qa = Qb quando possuem algum elemento (pelo
menos um) em comum. Por conseguinte, os conjuntos distintos Qa formam uma partição
de X em classes de equivalência.

2.2.3 Relações de Ordem

Definição 2.22. Seja X um conjunto, uma relação de ordem parcial R sobre X


(usualmente denotada ≤), é uma relação que satisfaz as seguintes propriedades
i) xRx para todo x ∈ X (reflexiva),
ii) xRy e yRx ⇒ x = y (anti-simétrica),
iii) xRy e yRz ⇒ xRz (transitiva).
Ainda, se ≤ satisfaz para todo x, y ∈ X
iv) x ≤ y ou y ≤ x (tricotomia),
então ≤ é dita uma relação de ordem total (linear, simples ou completa) sobre X.
44 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Se x ≤ y e x 6= y, denotamos x < y. Ainda, x ≥ y significa que y ≤ x. Analogamente


x > y.

Exemplo 2.2.16. Seja X um conjunto dado e, consideremos P(X). Então a relação


de inclusão sobre P(X) é uma relação de ordem parcial. Observe que, dados A e B
quaisquer em P(X), não temos necessariamente A ⊂ B ou B ⊂ A, o que justifica a
relação de ordem não ser linear.

Claramente uma ordem parcial sobre um conjunto X, induz uma ordem parcial sobre
qualquer subconjunto não vazio de X.

Nota 2.12. Por ”Seja X um conjunto parcialmente ordenado”, estaremos sempre pen-
sando em
Seja X o domı́nio de uma relação de ordem parcial.

Alguns autores usualmente definem o par (X, ≤), com o mesmo sentido anterior.

Definição 2.23. Seja (X, ≤) e A ⊂ X. Um elemento u ∈ X é chamado cota superior


para A quando
x≤u para todo x ∈ A.

Um elemento ma ∈ X é denominado elemento maximal de X se o único x ∈ X


satisfazendo
ma ≤ x é o próprio ma .

Analogamente, definimos cota inferior l ∈ X e elemento minimal mi ∈ X.

Observação 2.10.
1. Elementos maximal e minimal podem ou não existir e, ainda não necessitam ser únicos
a menos que a ordem seja total.
2. Uma cota superior para A ⊂ X não necessita ser um elemento de A, e a menos que
A seja linearmente ordenado, um elemento maximal de A não necessita ser uma cota
superior para A.
2.2. RELAÇÕES 45

De fato, vejamos o seguinte exemplo. Seja X = {0, 1}, P(X) = {∅, {0}, {1}, {0, 1}}
e A = {{0}, {1}}. Logo,

(P(X), ⊂) e (A, ⊂),

são parcialmente ordenados. Temos que

∅ é uma cota inferior para A,


∅ é um elemento minimal de P(X),
{0} é um elemento maximal de A,
{1} é um elemento maximal de A,
{0, 1} é uma cota superior para A,
{0, 1} é um elemento maximal de P(X),
{0} é um elemento minimal de A,
{1} é um elemento minimal de A.

Definição 2.24. Seja (X, ≤) um conjunto totalmente ordenado. Se todo subconjunto


não vazio de X possui um elemento minimal (necessariamente único), então ≤ é dita
uma boa ordenação sobre X, ou ainda que X é bem ordenado.

Exemplo 2.2.17. Seja X o conjunto de todos os racionais não negativos, i.e.

X = {x ∈ Q
I ; x ≥ 0},

e ≤ a ordem usual em Q.
I Então (X, ≤) é uma ordem total em X. Temos o 0 como
elemento mı́nimo para X, contudo X não é bem ordenado. De fato,

∅ 6= A = {x ∈ X / x 6= 0} ⊂ X,

e se x ∈ A, então x/2 ∈ A. Logo A não contém elemento minimal (ou menor elemento).

Nota 2.13. O conjunto dos números naturais IN, ou ainda dito dos inteiros positivos
ZZ+ , é um dos mais importantes conjuntos bem ordenados. A boa ordenação de IN é
logicamente equivalente ao Princı́pio da Indução Matemática.
46 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

2.3 Conjuntos Finitos - Infinitos

2.3.1 Conjunto dos Números Naturais

No inı́cio deste capı́tulo, recordamos os conjuntos numéricos de modo formal conforme


visto em um curso de matemática de nı́vel elementar. O conjunto dos números naturais
foi apresentado como

IN = {0, 1, 2, 3, . . .},

ou ainda

IN = {1, 2, 3, . . .}.

Como já pode ser observado tal conjunto é de fundamental importância na análise
matemática. Deste modo, passamos agora a construção dos números naturais dentro
da teoria dos conjuntos, utilizando a idéia intuitiva de número de elementos. De fato, já
definimos os números 0, 1 e 2 por

0 := ∅,
1 := {∅},
2 := {∅, {∅}},

e a construção de IN será obtida via o conceito de sucessor, onde cada número será igual
ao conjunto de seus predecessores.

Definição 2.25. Para cada conjunto X, definimos o sucessor de X, denotado

X + ou s(X),

como sendo o conjunto obtido pela inclusão de X aos elementos de X, isto é

X + := X ∪ {X}.

Definição 2.26. Definimos 0 como o conjunto que não possui elementos. Conseqüentemente,

0 := ∅,
2.3. CONJUNTOS FINITOS - INFINITOS 47

e seguindo a idéia de sucessores, temos que

1 := 0+ = ∅ ∪ {∅} = {∅} = {0},


2 := 1+ = {0} ∪ {1} = {0, 1},
3 := 2+ = {0, 1} ∪ {2} = {0, 1, 2},
etc.

Onde etc, significa que estaremos adotando usual notação e que esta se segue. Podemos
assim utilizar quaisquer outros numerais 4, 10, 200.000, sem qualquer outra explicação.

Conforme a definição anterior não segue imediato que a construção de sucessores possa
ser tomada ad infinitum com um único e mesmo conjunto. Neste momento, precisamos
de um axioma e, por conveniência, no que se segue, vamos supor a construção dos naturais
começando com 1.

Axioma do Infinito
Existe um conjunto contendo 1 e contendo o sucessor de cada um de seus elementos.

Definição 2.27. Seja S um conjunto, dizemos que S é indutivo se

i) 1 ∈ S;
ii) para cada n, se n ∈ S então n+ ∈ S.

Observação 2.11. Neste sentido, o Axioma do Infinito simplesmente diz que existe um
conjunto indutivo. Claramente, a interseção de qualquer famı́lia de conjuntos indutivos
é um conjunto indutivo. Agora seja A um conjunto indutivo e consideremos a interseção
de todos os conjuntos indutivos contidos em A, o qual denotaremos por ω. Dado B um
outro conjunto indutivo, temos que A ∩ B é indutivo, e como A ∩ B ⊂ A segue que A ∩ B
entra na definição do conjunto ω, i.e. ω ⊂ A ∩ B. Por conseguinte, ω ⊂ B, isto é, ω
está contido em qualquer conjuno indutivo.

Definição 2.28. Um número natural é definido como em elemento do conjunto ω, e


de modo usual, denotamos

ω = IN (ou ainda ZZ+ ).


48 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Teorema 2.10. Se S é um subconjunto indutivo de IN, então S = IN.

Na definição de conjunto indutivo, gostarı́amos de reescrever (ii) como

S é fechado em relação a soma por 1,

isto é, para cada n, se n ∈ S então (n + 1) ∈ S. Faz-se necessário a utilização das


operações de soma e produto no conjunto dos naturais anteriormente construı́do. Estas
definições são a seguir apresentadas, porém sem exaurirmos o assunto.

Definição 2.29.
1. Definimos a operação de adição (soma), denotada (+), como

+ : IN × IN → IN
(n, m) 7→ n + m,

tal que, n + m é a partir de n tomar seu sucessor m vezes.


2. Definimos a operação de multiplicação (produto), denotada (·), como

· : IN × IN → IN
(n, m) 7→ n · m,

tal que n · m é somar n, m vezes. Frequentemente, omitimos o sinal de multiplicação.

Agora como somar 1 é tomar o sucessor, podemos dizer que S é indutivo se 1 ∈ S e,


S é fechado com relação a soma por 1, i.e.

(∀n)(n ∈ S ⇒ (n + 1) ∈ S).

Teorema 2.11. (Princı́pio da Indução)


Seja P (n) uma proposição (função proposicional) na qual a variável n pode assumir
todos os valores em ZZ+ . Suponhamos que

a) P (1) é verdade;
b) (∀n ∈ ZZ+ )(P (n) ⇒ P (n + 1)) é verdade.

Então P (n) é verdadeira para cada n ∈ ZZ+ .


2.3. CONJUNTOS FINITOS - INFINITOS 49

Proof. Seja S := {n ∈ ZZ+ / P (n)}. Então, por (a) 1 ∈ S e, por (b) temos que

∀n, n ∈ S ⇒ (n + 1) ∈ S,

isto é, S é fechado com relação a soma por 1. Logo S é um conjunto indutivo, i.e.
S = ZZ+ . O que prova o teorema.

Exemplo 2.3.1. Seja n ∈ ZZ+ , de uma prova indutiva para mostrar que

n(n + 1)
1 + 2 + 3 + ··· + n = .
2

Seja P (n) igual a equação anterior, i.e., P (n) é verdadeira quando o lado esquerdo for
igual ao direito e falso, caso contrário. Agora, definimos

S := {n ∈ ZZ+ / P (n)},

logo é suficiente mostrar que S é indutivo. Imediato que P (1) é verdade,

1(1 + 1)
1= ,
2

isto é 1 ∈ S. Resta mostrar que S é fechado com relação a soma por 1. Suponhamos que
k ∈ S, devemos mostrar que (k + 1) ∈ S. Se k ∈ S, então

k(k + 1)
1 + 2 + 3 + ··· + k =
2
k(k + 1)
⇔ 1 + 2 + 3 + . . . + k + (k + 1) = + (k + 1)
2
(k + 1)(k + 2)
⇔ 1 + 2 + 3 + . . . + (k + 1) = .
2
Conseqüentemente, (k + 1) ∈ S.

Exemplo 2.3.2. Seja n ∈ ZZ+ , mostrar que

x2n−1 + y 2n−1 é divisı́vel por x + y.

Seja P (n) a declaração anterior e como antes, definimos

S := {n ∈ ZZ+ / P (n)}.
50 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Temos que x2−1 +y 2−1 = x+y, logo P (1) é verdadeiro ou ainda 1 ∈ S. Agora, suponhamos
que P (n) é verdade, então existe um polinômio p(x, y) tal que

x2n−1 + y 2n−1 = p(x, y)(x + y).

Segue que

x2(n+1)−1 + y 2(n+1)−1 = x2n+1 + y 2n+1


= x2 x2n−1 + x2 x2n−1 − x2 x2n−1 + y 2 y 2n−1
= x2 (x2n−1 + y 2n−1 ) − y 2n−1 (x2 − y 2 )
= x2 (x + y)p(x, y) − y 2n−1 (x + y)(x − y).

Por conseguinte, x2(n+1)−1 + y 2(n+1)−1 é divisı́vel por x + y, logo P (n + 1) é verdade e, S


é indutivo.

Definição 2.30. Definimos uma relação de ordem total no conjunto dos números natu-
rais através da operação de soma. Dados m, n ∈ ZZ+ , dizemos que m é menor que n, e
denotamos m < n, quando existe p ∈ ZZ+ , tal que

n = m + p.

Nota 2.14. Segue de modo natural as observações feitas para relação de ordem (≤).
Onde n ≥ m, significa que n é maior ou igual a m.

Observação 2.12. As operações de soma e adição satisfazem as seguintes propriedades,


as quais são demonstradas por indução. Para todo m, n, p ∈ ZZ+ , temos que:
Associatividade,
m + (n + p) = (m + n) + p,
m(np) = (mn)p.
Comutatividade,
m + n = n + m,
mn = nm.
Lei do corte,
m + n = m + p ⇒ n = p,
mn = mp ⇒ n = p.
2.3. CONJUNTOS FINITOS - INFINITOS 51

Ainda, temos que a soma é distributiva com a multiplicação, i.e.

m(n + p) = mn + mp.

Exemplo 2.3.3. Mostre a seguinte desigualdade

2n ≤ (n + 1)!.

De modo usual, seja P (n) a declaração anterior e S := {n ∈ ZZ+ / P (n)}. Trivialmente


P (1) é verdadeira, i.e. 1 ∈ S e vamos supor que P (k) é verdade. Então,

2k+1 = 22k
≤ 2(k + 1)!
≤ (k + 2)(k + 1)!
≤ (k + 2)!.

Logo S é indutivo, por conseguinte P (n) é verdade para todo n ∈ ZZ+ .

Observação 2.13. Por vezes, queremos mostrar que uma determinada proposição P (n)
é verdadeira para todo n ≥ n0 . O Princı́pio da Indução é facilmente adaptado neste caso.
Seja P (n) uma proposição tal que para algum n0 ∈ ZZ+

a) P (n0 ) é verdade;
b) (∀n ≥ n0 )(P (n) ⇒ P (n + 1)).
Então, para todo n ≥ n0 P (n) é verdade. De fato, seja m = n − n0 + 1 e definimos

S := {m ∈ ZZ+ : Q(m)},

onde Q(m) = P (m + n0 − 1). Logo Q(1) = P (n0 ) é verdade, i.e. 1 ∈ S, ainda

(∀m ∈ ZZ+ )(Q(m) ⇒ Q(m + 1)) ⇔ (∀n ≥ n0 )(P (n) ⇒ P (n + 1)).

Segue que S é um conjunto indutivo, isto é, S = ZZ+ e, Q(m) é verdade para todo
m ∈ ZZ+ . Por conseguinte, P (n) é verdadeira para todo n ≥ n0 .

Exemplo 2.3.4. Mostre que

2n < n! para todo n ≥ 4.


52 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Temos que 24 < 4!, logo P (4) é verdade. Ainda,

2n+1 = 2 2n
< 2 n!
< (n + 1) n! = (n + 1)!,

onde utilizamos que n ≥ 4. Segue que P (n) é satisfeita para todo n ≥ 4.

Agora apresentaremos mais algumas propriedades do conjunto dos números naturais.

Proposição 2.1. O número 1 é o menor inteiro positivo. Isto é, se n ∈ ZZ+ e n 6= 1,


então (n − 1) ∈ ZZ+ .

Proof. Basta mostrar que


(∀n ∈ ZZ+ )(n ≥ 1).

Seja S := {n + 1 / n ∈ ZZ+ }, como 1 6∈ S e S é fechado com relação a soma por 1, temos


que S é parte própria de ZZ+ . Seja T := S ∪ {1}, logo T ⊂ ZZ+ , 1 ∈ T e T é fechado
em relação a soma por 1, i.e., T é indutivo e conseqüentemente, T = ZZ+ . Em outras
palavras, exceto o 1 qualquer natural é da forma n + 1, com n ∈ ZZ+ .

Proposição 2.2. Se n ∈ ZZ+ , então não existe nenhum inteiro positivo entre n e n + 1.

Proof. A demonstração será por contradição, isto é, seja n ∈ ZZ+ e suponhamos que
exista k ∈ ZZ+ tal que
n < k < (n + 1),

o que deve nos levar a uma contradição, mas isto é imediato, basta tomar m = k − n.
De fato, temos que m ∈ ZZ+ e m < 1 o que é uma contradição ao fato de 1 ser o menor
inteiro positivo.

Teorema 2.12. (Boa Ordenação dos Naturais)


Todo subconjunto não vazio dos naturais possui um menor elemento.

Proof. A demonstração será por contraposição, isto é, seja S ⊂ ZZ+ e suponhamos que S
não possui menor elemento, vamos mostrar que S é vazio. Seja T o complementar de S
em ZZ+ , i.e.
T = {ZZ+ S = {n ∈ ZZ+ ; n 6∈ S}.
2.3. CONJUNTOS FINITOS - INFINITOS 53

Logo mostrar que S = ∅ é equivalente mostrar que T = ZZ+ . Para cada n ∈ ZZ+ , definimos

In := {k ∈ ZZ+ / k ≤ n},

e seja P (n) a declaração de que In ⊂ T . Logo é suficiente mostrar que P (n) é verdade
para todo n ∈ ZZ+ , o que faremos por indução. Temos que,

1 ∈ T,

pois 1 6∈ S. Logo I1 = {1} ⊂ T e, P (1) é verdade. Agora, suponhamos P (k) verdadeira,


por conseguinte
Ik = {1, 2, . . . , k} ⊂ T,

e desta forma 1, 2, . . . , k 6∈ S. Se k + 1 ∈ S, este deverá ser o menor elemento, mas por


hipótese S não tem menor elemento. Como não existe nenhum inteiro entre k e k + 1,
devemos ter k + 1 ∈ T , desta forma

Ik+1 = Ik ∪ {k + 1} ⊂ T,

equivalentemente P (k + 1) é verdade, o que prova o teorema.

Como aplicação do princı́pio da Boa Ordenação dos Naturais, vejamos a seguinte


proposição. Antes porém, lembramos que um número natural k 6= 1 chama-se primo,
quando não existirem m, n ∈ ZZ+ , n < k e m < k, tais que

k = m n.

Caso contrário, dizemos que é composto.

Proposição 2.3. Todo natural n ≥ 2 possui um fator primo.

Proof. Suponhamos que a proposição seja falsa. Logo pelo princı́pio da Boa Ordenação
dos Naturais, existe um menor inteiro positivo n0 ≥ 2, o qual não possui fator primo.
Conseqüentemente, n0 não é primo, segue que

n0 = a b com a, b > 1.

Ainda, como a < n0 e n0 é o menor inteiro que não possui fator primo, devemos ter que
a possui fator primo, digamos p. Por conseguinte, p deverá ser fator de n0 , o que é uma
contradição.
54 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Nota 2.15. Por argumento análogo à Proposição 2.3, demonstra-se o Teorema Funda-
mental da Aritmética, o qual diz que todo número natural se decompõe, de modo único,
como produto de fatores primos.

Conforme já mencionamos, a Boa Ordenação dos Naturais é logicamente equivalente


ao Princı́pio da Indução. No Teorema 2.12 provamos a boa ordenação a partir do princı́pio
da indução. Por outro lado, poderı́amos provar o Teorema 2.11 utilizando as hipóteses
(a) e (b) e a boa ordenação dos naturais. De fato, vamos utilizar a boa ordenação na
prova de um princı́pio de indução mais forte, o que mostra o teorema a seguir.

Teorema 2.13. (Segundo Princı́pio da Indução)


Seja P (n) uma função proposicional tal que
i) P (1) é verdade,
ii) (para cada n ∈ ZZ+ )(P (1) ∧ P (2) ∧ P (3) ∧ . . . ∧ P (n) ⇒ P (n + 1)).
Então, P (n) é verdade para cada n ∈ ZZ+ .

Proof. Seja S = {n ∈ ZZ+ / P (n)}. Para provarmos o teorema, é suficiente mostrarmos


que S = ZZ+ . De fato, suponhamos que não seja, i.e. S é subconjunto próprio de ZZ+ ,
logo

T := {n ∈ ZZ+ : n 6∈ S} 6= ∅.

Pelo Princı́po da Boa Ordenação T possui um menor elemento, digamos n0 . Como 1 ∈ S,


n0 6= 1 e como n0 é elemento mı́nimo de T ,

1, 2, . . . , (n0 − 1) ∈ S.

Segue por (ii) que n0 ∈ S, o que é uma contradição ao fato de n0 ∈ T . Como n0 foi obtido
pela hipótese de que T = (ZZ+ − S) 6= ∅, devemos ter T = ∅, ou ainda que S = ZZ+ . Em
outras palavras P (n) é verdade para cada n ∈ ZZ+ .
2.3. CONJUNTOS FINITOS - INFINITOS 55

2.3.2 Conjuntos Enumeráveis - Não enumeráveis.


Cardinalidade.

Definição 2.31. Sejam A e B dois conjuntos, dizemos que são equivalentes (equipo-
tentes ou equipolentes) quando existe uma função bijetiva f : A → B, e neste caso
denotamos
A#B (ou A ∼ B).

Nota 2.16. Claramente, # é uma relação de equivalência. De fato, temos que

A#A (reflexiva),
A#B ⇔ B#A (simétrica),
A#B e B#C ⇒ A#C (transitiva).

Definição 2.32. Seja n ∈ ZZ+ e, denotamos

In := {k ∈ ZZ+ ; k ≤ n}.

Dado um conjunto S, dizemos que


a) S é finito se é vazio, ou In #S e neste caso diremos que S tem n elementos;
b) S é infinito se não é finito;
c) S é enumerável (ou contável) se IN#S;
d) S é não-enumerável se não for finito ou enumerável.
Usualmente, diremos que um conjunto é enumerável ainda que finito.

Nota 2.17. No que se segue nesta seção, assumimos implicitamente que todos os con-
juntos são não vazios.

Teorema 2.14. Sejam m, n ∈ ZZ+ .


a) Se m ≤ n, então existe f : Im → In injetiva;
b) Se m > n, então não existe f : Im → In injetiva.

Proof. De modo provarmos (a), basta definir f : Im → In , k 7→ f (k) = k. Para (b),


é suficiente mostrarmos para n = m − 1. De fato, suponhamos que exista uma função
injetiva de Im para In , segue que os m − 1 pontos de In têm um único correspondente em
56 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Im . Conseqüentemente, temos uma contradição ao fato dos m elementos de Im possuirem


correspondência.

Corolário 2.1. Se existe uma função bijetiva f : Im → In , então m = n. Ainda, se X


é um conjunto e existem bijeções

g : Im → X,
h : In → X,

devemos ter m = n.

Proof. Como f : Im → In é uma função bijetiva, então existe f −1 : In → Im , a qual


também e bijetiva. Por conseguinte, m ≤ n e n ≤ m, i.e. m = n. De modo análogo,
existe g −1 : X → Im bijetiva, logo

(g −1 ◦ h) : In → Im

é uma função bijetiva. Desta forma m = n.

Corolário 2.2. O conjunto IN dos números naturais é um conjunto infinito.

Proof. Basta mostrar que não existe f : IN → Im bijetiva para algum m ∈ IN fixado. De
fato, como m + 1 ∈ IN, não existe f : IN → Im injetiva.

Teorema 2.15. Seja S um conjunto finito. Se T ⊂ S, então T é finito. O número de


elementos de T não excede o de S e só é igual quando T = S.

Proof. 1. Se S possui um único elemento, então o único subconjunto T ⊂ S é o próprio


S, logo finito.
2. Agora, se S é finito e não singleton, então existe uma bijeção

f : S → In

para algum 2 ≤ n ∈ IN fixado. Suponhamos que T não é finito, então não existe nenhuma
função bijetiva
g : T → Im
2.3. CONJUNTOS FINITOS - INFINITOS 57

para todo m ∈ IN. O que é uma contradição, visto que

f |T : T → In

é injetiva e ainda sobre sua imagem. Isto é,

f |T : T → f (T ) =: Im

é uma função bijetiva para algum m ∈ IN. Observe que m ≤ n.

Corolário 2.3. Se S é um conjunto infinito e S ⊂ T , então T é um conjunto infinito.

Teorema 2.16. Todo conjunto infinito possui um subconjunto enumerável.

Proof. Seja S um conjunto infinito, e a1 ∈ S. Como S é infinito, existe a2 ∈ S distinto


de a1 , existe a3 ∈ S distinto de a1 e a2 . Continuando este processo, o qual nunca se
estingue devido S ser infinito, temos que

A := {a1 , a2 , a3 , . . .} ⊂ S,

e claramente f : IN → A, i 7→ ai é uma bijeção. Conseqüentemente, A é enumerável.

Observação 2.14.
1. Não se pode ter uma bijeção
f : X → Y,

de um conjunto finito X sobre uma parte própria Y ⊂ X; ( Tarski ).


2. Um conjunto é infinito se, e somente se existe uma bijeção

f : X → Y,

onde Y é uma parte própria de X; ( Dedekind ).


De fato, vejamos a primeira observação, isto é item (1). Como X e Y são finitos
existem
g : Im → X,
h : In → Y,
58 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

bijetivas com m > n, visto que Y é parte própria de X. Agora, suponhamos que f : X →
Y seja injetiva, logo
h−1 ◦ f ◦ g : Im → In

é uma função bijetiva e desta forma m = n, o que é uma contradição. Para o item (2),
se existe f : X → Y bijetiva, por (1), X não é finito. Agora, se X é infinito então

A := {a1 , a2 , a3 , . . .} ⊂ X,

é um conjunto infinito enumerável. Seja

Y := (X − A) ∪ {a2 , a4 , a6 , . . .}.

Claramente Y é uma parte própria de X e definindo f : X → Y , como f (x) = x se


x ∈ X − A e f (ai ) = a2i , temos que f é uma bijeção, logo X#Y .

Quando A e B são dois conjuntos finitos, dizer que A#B é equivalente a dizermos que
possuem o mesmo número de elementos. Contudo, para conjuntos infinitos, dizermos que
dois conjuntos têm o mesmo número de elementos tem sentido vago, veja Observação 2.14
item (2), mas a correspondência bijetiva ainda permanece clara. Neste caso, utilizaremos
o conceito de cardinalidade como definiremos a seguir.

Definição 2.33. Não definiremos o que seja cardinalidade de um conjunto, diremos


que dois conjuntos A e B têm mesma cardinalidade (ou o mesmo número cardinal ou
mesma potência), quando
A#B,

e denotamos
card(A)=card(B) ou #(A) = #(B).

Conseqüentemente, A e B finitos possuem mesma cardinalidade se possuem mesmo número


de elementos. Ainda, denotaremos

#(IN) = ℵ0 ( aleph null ).


2.3. CONJUNTOS FINITOS - INFINITOS 59

Exemplo 2.3.5. Seja P = {2n / n ∈ IN}, isto é, o conjunto dos números pares. A
função f : IN → P , n 7→ 2n é uma bijeção, logo P é enumerável e

#(P ) = ℵ0 .

Exemplo 2.3.6. O conjunto ZZ dos números inteiros é enumerável. Ainda, #(ZZ) = ℵ0 .


De fato, basta definirmos uma bijeção entre IN e ZZ da seguinte forma

(1, 0), (2, 1), (3, −1), (4, 2), (5, −2), . . .

Teorema 2.17. Seja S um conjunto enumerável. Se T ⊂ S, então T é enumerável.

Proof. 1. Seja f : IN → S bijetiva e, definimos

P := {n ∈ IN : f (n) ∈ T } ≡ f −1 (T ).

Claramente P é não vazio, logo pelo Princı́pio da Boa Ordenação P possui menor ele-
mento, digamos p1 . Agora, seja p2 o menor elemento do conjunto P \{p1 }. Continuando
desta forma, obtemos
p1 , p2 , p3 , . . . , pk em P.

Por construção, temos que 1 ≤ p1 < p2 < . . . < pk < . . ., e por indução, segue que

n ≤ pn (∀n ∈ IN).

2. Agora, seja g : IN → IN, g(n) := pn para todo n ∈ IN. Como pk+1 ∈


/ {p1 , . . . , pk } a
função g é injetiva. Logo
f ◦ g : IN → T

é injetiva de IN em T . Agora, queremos mostrar que

f ◦ g(IN) = T,

i.e., sobrejetiva. Temos que f : IN → S é sobrejetiva, logo para cada t ∈ T ⊂ S, temos


que
t = f (nt )
60 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

para algum nt ∈ P ⊂ IN. Contudo, como n ≤ pn = g(n) para n ∈ IN, temos que

nt = g(mt )

para algum mt ∈ IN, mt ≤ nt . Conseqüentemente, t = f (g(mt )), de onde segue que f ◦ g


é sobre de IN em T . Por conseguinte, T é enumerável.

Conforme nossa definição, um conjunto é enumerável se é equipotente aos naturais,


isto é, exista uma função bijetiva entre IN e o conjunto considerado. O teorema a seguir,
caracteriza a enumerabilidade de modo mais fraco.

Teorema 2.18. Um conjunto S é enumerável se, e somente se existe uma função injetiva

f : S → IN.

Ou ainda, uma função sobrejetiva

f : IN → S.

Proof.
1. Se S é enumerável, então existe uma função f : IN → S bijetiva, o que mostra a ida
em ambos os casos.
2. Seja f : S → IN injetiva, logo é bijetiva sobre sua imagem (f : S → f (S)). Con-
seqüentemente,
S#f (S).

Claramente f (S) é enumerável, visto que f (S) ⊂ IN, segue que S é um conjunto enu-
merável.
3. Finalmente, suponhamos que f : IN → S é sobrejetiva. Logo existe uma inversa à
direita de f , isto é
f ◦ fd = I S .

De fato, seja fd : S → IN, s 7→ fd (s) da seguinte forma

fd (s) := menor elemento do conjunto {n ∈ IN ; f (n) = s}.

Logo fd : S → IN é injetiva e, pelo item (2) anterior, S é enumerável.


2.3. CONJUNTOS FINITOS - INFINITOS 61

Nota 2.18. Quando um conjunto S for enumerável, podemos colocar seus elementos em
uma lista, i.e. como a imagem de uma seqüência

S = {x1 , x2 , . . .},

onde repetições são permitidas.

Corolário 2.4. Sejam X, Y conjuntos enumeráveis, então X × Y é um conjunto enu-


merável.

Proof. Como X e Y são enumeráveis, existem

f : X → IN,
g : Y → IN,

funções bijetivas. Logo h : X × Y → IN2 ,

(x, y) 7→ (f (x), g(y)) =: h(x, y),

é uma função bijetiva. Conseqüentemente, X × Y é enumerável se IN2 for, mas isto


é imediato basta tomar o mapeamento (n, m) ∈ IN2 7→ 2n 3m , o qual é uma função
injetiva.

Corolário 2.5. Sejam X1 , X2 , . . ., Xn , . . . conjuntos enumeráveis. Então



[
X= Xn ,
n=1

é enumerável.

Proof. Denotemos os elementos de cada conjunto Xi como xij , da seguinte forma

x11 x12 x13 . . .


x21 x22 x23 . . .
x31 x32 x33 . . .
x41 x42 x43 . . .
.. .. .. . .
. . . .
62 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Agora, definimos f : IN → X, como

(1, x11 ), (2, x21 ), (3, x12 ), (4, x31 ), (5, x22 ), (6, x13 ), . . .

a qual é uma função sobrejetiva. Conseqüentemente, X é enumerável.

Exemplo 2.3.7. O conjunto dos números racionais é enumerável. De fato, primeiro


escrevemos Q I + ∪ {0} ∪ Q
I =Q I − , onde

I ± = {r ∈ Q
Q I ; r ≷ 0}.

Ainda, definimos
Q := {m/n ; m, n ∈ IN}.

I + ⊂ Q, basta mostrar que Q é enumerável para que Q


Logo, como Q I + seja enumerável,
I − e, por conseguinte Q.
logo Q I Para mostrar que Q é enumerável, utilizamos raciocı́nio
análogo ao corolário anterior, i.e. colocamos os elementos de Q como

1/1 2/1 3/1 . . .


1/2 2/2 3/2 . . .
1/3 2/3 3/3 . . .
1/4 2/4 3/4 . . .
.. .. .. . .
. . . .

e definimos f : IN → Q da seguinte forma

(1, 1/1), (2, 1/2), (3, 2/1), (4, 1/3), (5, 2/2), (6, 3/1), . . .

a qual é sobrejetiva. Segue que Q é enumerável e por conseguinte Q.


I

Até o presente momento todos os conjuntos infinitos vistos foram enumeráveis. Uti-
lizando o argumento da diagonal de Cantor, vamos construir um conjunto infinto não-
enumerável.

Exemplo 2.3.8. Seja S o conjunto de todas as seqüências cuja imagem é o conjunto


{0, 1}. Um elemento de S é por exemplo

s = {1, 0, 1, 1, 1, 0, 0, 1, . . .}.
2.3. CONJUNTOS FINITOS - INFINITOS 63

Ainda conforme nossa notação

S = {0, 1}IN ou 2IN .

Afirmamos que nenhuma função f : IN → S é sobrejetiva. Logo, S é não-enumerável.


De fato, suponhamos que S seja enumerável, então S pode ser colocado em uma lista,
i.e.
S = {s1 , s2 , s3 , . . .},

onde cada seqüência si = (ai1 , ai2 , ai3 , . . .) ∈ S, ou ainda, de modo análogo ao realizado
anteriormente, colocamos os elementos de S como

a11 a12 a13 . . .


a21 a22 a23 . . .
a31 a32 a33 . . .
a41 a42 a43 . . .
.. .. .. . .
. . . .

Agora, definimos uma nova seqüência

t = (t1 , t2 , t3 , . . .),

do seguinte modo 
 0, se ann = 1,
tn :=
 1, se ann = 0.
Conseqüentemente, tn 6= sn para todo n ∈ IN, logo temos uma contradição ao fato de
S = {s1 , s2 , s3 , . . .}.

De modo mais geral que o exemplo anterior, temos o seguinte resultado devido a
Cantor. Sejam X, Y conjuntos, onde Y possui pelo menos 2 elementos. Nenhuma
função
f :X →YX

é sobrejetiva. Ainda, utilizando o mesmo argumento, mostraremos que o conjunto dos


números reais IR é não-enumerável.
64 CAPÍTULO 2. CONJUNTOS - FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Definição 2.34. Um conjunto X é dito ter cardinalidade do continuum quando

X#IR.

Ainda, denotaremos #(IR) = c.

A seguir enunciamos o seguinte resultado.

Teorema 2.19. Para todo conjunto X,

#(X) < #P(X).

Em particular, #(IN) < #P(IN) = c.

Corolário 2.6. Se #(X) ≥ c, então X é não-enumerável.

A recı́proca do corolário anterior é denominada a Hipótese do Continuum, i.e.

X é não-enumerável ⇒ #(X) ≥ c,

ou ainda sua forma equivalente

#(X) < c ⇒ X é enumerável.

Em outras palavras, temos que a seguinte questão: Existe um conjunto não enumerável,
tal que
ℵ0 < #(?) < c.

Conforme Gödel a resposta é não, porém Cohen afirmou que a resposta é afirmativa. De
fato, ambas as respostas são consistentes com os axiomas básicos da teoria dos conjuntos,
incluindo-se o Axioma da Escolha, o qual enunciamos a seguir.

Axioma da Escolha
Dado um conjunto S, existe um mapeamento e : P(S) → S, dito função escolha, tal
que se E ⊂ S e E 6= ∅, então
e(E) ∈ E.
Capı́tulo 3

Conjunto dos Números Reais


Wladimir NEVES

Nosso objetivo principal neste capı́tulo será o estudo de seqüências e séries de números
reais, logo um melhor entendimento do conjunto dos números reais é de fundamental
importância. Sem exaurirmos o assunto, faremos a construção dos reais via a idéia de
seqüências e posteriormente via cortes. De fato, introduzimos naturalmente a idéia de
limite para seqüências numéricas, buscamos o porquê de trabalharmos com IR, damos
as principais propriedades para limites de seqüências e, finalizamos este capı́tulo com o
conceito de séries numéricas.

3.1 Corpo - Corpo Ordenado

3.1.1 Axiomas de Corpo

Começamos pelo conceito de corpo.

Definição 3.1. Um corpo é um conjunto F onde se acham definidas duas operações, de-
nominadas adição (+) e multiplicação (·), satisfazendo as seguintes propriedades (Axiomas
de Corpo).

(A) Axiomas para adição:

65
66 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

(A1) Se x ∈ F e y ∈ F , então a soma

x + y ∈ F.

Isto é, o conjunto F é fechado em relação a adição.

(A2) Adição é comutativa. Isto é, para todo x, y ∈ F

x + y = y + x.

(A3) Adição é associativa. Isto é, para todo x, y, z ∈ F

(x + y) + z = x + (y + z).

(A4) O conjunto F contém um elemento denotado por 0, tal que

0 + x = x,

para todo x ∈ F .

(A5) Para cada x ∈ F , existe um elemento em F denotado −x, tal que

x + (−x) = (−x) + x = 0.

(M) Axiomas de multiplicação:

(M1) Se x ∈ F e y ∈ F , então o produto

x · y ∈ F.

Isto é, o conjunto F é fechado em relação a multiplicação.

(M2) Multiplicação é comutativa. Isto é, para todo x, y ∈ F

x · y = y · x.

(M3) Multiplicação é associativa. Isto é, para todo x, y, z ∈ F

(x · y) · z = x(y · z).
3.1. CORPO - CORPO ORDENADO 67

(M4) O conjunto F contém um elemento denotado por 1, tal que

1 · x = x · 1 = x,

para todo x ∈ F .

(M5) Para cada x ∈ F , x 6= 0, existe um elemento em F denotado por x−1 (ou


1/x), tal que
x · x−1 = x−1 · x = 1.

(AM) Lei distributiva. Para todo x, y, z ∈ F

x · (y + z) = x · y + x · z.

Nota 3.1. Usualmente denotamos

x − y, x/y, x + y + z, xyz, x2 , x3 , 2x, . . . , etc

em lugar de

x + (−y), x · (1/y), (x + y) + z, (xy)z, x · x, x · x · x, x + x, etc.

Exemplo 3.1.1. O conjunto dos numeros racionais com as operações de soma e produto
definidas respectivamente como
p m pn + mq
+ = ,
q n q·n
p m pm
· = ,
q n q·n
é um corpo.

Exemplo 3.1.2. Seja F = {a, b} com a 6= b. Definindo a adição e a multiplicação


respectivamente como

a+a=a a·a=a

a+b=b a·b=a

b+a=b b·a=a

b+b=a b · b = b,
68 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

temos que F é um corpo. Em particular, podemos ver que a = 0 e b = 1. Logo F = {0, 1}


e este corpo é denominado corpo dos inteiros módulo 2, sendo usualmente denotado

ZZ2 = {0, 1}.

Os axiomas da adição implicam as seguintes declarações:

a) Se x + y = x + z, então y = z. Lei do cancelamento, ou corte;

b) Se x + y = x, então y = 0. Unicidade de zero;

c) Se x + y = 0, então y = −x. Unicidade do oposto (inverso aditivo);

d) −(−x) = x.

Os axiomas da multiplicação implicam nas seguintes declarações:

a) Se x 6= 0 e xy = xz, então y = z. Lei do cancelamento ou corte.

b) Se x 6= 0 e xy = x então y = 1. Unicidade do um.

c) Se x 6= 0 e xy = 1, então y = 1/x. Unicidade do inverso.

d) Se x 6= 0, então 1/(1/x) = x.

Teorema 3.1. Para todo x, y e z pertencentes a um corpo F , temos que

a) 0 x = 0;

b) Se x 6= 0 e y 6= 0 então x · y 6= 0;

c) (−x)y = −(xy) = x(−y);

d) (−x)(−y) = xy.

Proof. 1. De modo mostrar (a), temos que

0x = 0x + (0x − 0x) = 0x + 0x − 0x = (0 + 0)x − 0x = 0x − 0x = 0.


3.1. CORPO - CORPO ORDENADO 69

2. Suponhamos x 6= 0, y 6= 0 e que xy = 0. Então

1 1 1 1
1= · · x · y = · · 0 = 0,
y x y x

obtendo assim a contradição de que 1 = 0. Conseqüentemente, xy 6= 0. O que mostra o


item (b).
Os itens (c), (d) são provados de modo análogo ao item (a).

Observação 3.1. Num corpo F ,

x2 = y 2 ⇒ x = ±y.

De fato, x2 = y 2 ⇔ x2 − y 2 = 0 ⇔ (x + y)(x − y) = 0. Logo (x + y) = 0 ou (x − y) = 0.


No primeiro caso x = −y e no segundo x = y.

3.1.2 Corpo Ordenado

Definição 3.2. Um corpo ordenado F , é um corpo munido de uma relação de ordem


total (<), tal que
i) x + y < x + z se x, y, z ∈ F e y < z;
ii) xy > 0 se x, y ∈ F e x > 0, y > 0.
Se x > 0, denominamos x positivo. Se x < 0, negativo.

Nota 3.2. Como < é uma relação de ordem total, para todo x, y ∈ F temos que

x < y, x>y ou x=y (tricotomia),

e somente uma destas pode ocorrer.

Teorema 3.2. Seja F um corpo ordenado e x, y, z ∈ F .

a) Se x > 0, então −x < 0;

b) Se x > 0 e y < z, então xy < xz;

c) Se x < 0 e y < z, então xy > xz;


70 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

d) Se x 6= 0, então x2 > 0. Em particular 1 > 0;

e) Se 0 < x < y, então


1 1
0< < .
y x
Proof. 1. Como x > 0, temos que

0 = −x + x > −x + 0 = −x.

O que mostra (a).


2. Como y < z, y − y < z − y. Logo z − y > 0 e como x > 0, segue que

0 < xz − xy.

De onde segue (b). Item (c) é análogo.


3. Para (d). Se x > 0, então xx = x2 > 0. Se x < 0, então −x > 0 e (−x)(−x) =
x2 > 0. Em particular,
1 = 1 · 1 = 12 > 0.

4. Finalmente, vamos mostrar (e). Como x > 0,


1
0<1=x· .
x
Logo x−1 > 0. Analogamente, y −1 > 0. Agora, como x < y, temos que y − x > 0, então
1 1
(y − x) · · > 0.
x y
De onde segue o item (e).

Num corpo ordenado F existe a importante noção de intervalo.

Definição 3.3. Dados a, b ∈ F com a ≤ b, denominamos intervalo aberto determinado


por a, b o conjunto
(a, b) := {x ∈ F/a < x < b}.

Onde a e b são chamados pontos extremos e neste caso não incluı́dos. Se estes são
incluı́dos, temos o intervalo fechado

[a, b] := {x ∈ F : a ≤ x ≤ b}.
3.1. CORPO - CORPO ORDENADO 71

Os conjuntos
[a, b) := {x ∈ F/a ≤ x < b},

(a, b] := {x ∈ F/a < x ≤ b},

são denominados intervalos semi-abertos (ou semi-fechados). Se a = b, temos que

(a, a) = (a, a] = [a, a) = Ø,

[a, a] = {a},

este último, i.e. o semi-aberto em {a}, é dito intervalo degenerado. Ainda, definimos

(a, ∞) := {x ∈ F/x > a},

(−∞, b) := {x ∈ F/x < b},

denominados semi-retas abertas e

[a, ∞) := {x ∈ F/x ≥ a},

(−∞, b] := {x ∈ F/x ≤ b},

denominado semi-retas fechadas. Finalmente,

(−∞, ∞) := F,

é dito intervalo total.

Observe que os sı́mbolos +∞ e −∞ são dois objetos distintos, nenhum deles perten-
centes a F .

Definição 3.4. Seja F um corpo ordenado e x ∈ F , definimos o valor absoluto de x,


denotado |x| como 



x, se x > 0,


|x| := 0, se x = 0,





−x, se x < 0.

O conceito de valor absoluto é fundamental para caracterizarmos subconjuntos limi-


tados.
72 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Definição 3.5. Seja F um corpo ordenado e A ⊂ F . Dizemos que A é limitado, quando


existir M > 0, tal que
|x| ≤ M (∀x ∈ A).

Caso contrário, dizemos que A é um conjunto ilimitado.

Teorema 3.3. Num corpo ordenado F , temos que para todo x, y ∈ F , c ≥ 0

a) |x| = 0 se, e somente se x = 0,

b) | − x| = |x|,

c) |x · y| = |x| · |y|,

d) |x| ≤ c se, e somente se −c ≤ x ≤ c,

e) −|x| ≤ x ≤ |x|.

Proof. 1. Se x = 0 então |x| = 0. Por outro lado se x 6= 0 então −x 6= 0 e por conseguinte


|x| 6= 0. Logo
|x| = 0 ⇒ x = 0.

2. Se x = 0, trivial. Se x > 0, então −x < 0. Logo

|x| = x = −(−x) = | − x|.

Se x < 0 análogo.
3. Se x = y = 0, então x = 0 ou y = 0, logo segue imediato. Se x > 0 e y > 0, então
xy > 0,
|xy| = xy e |x| · |y| = xy = |xy|.

Se x < 0 e y > 0, então xy < 0,

|xy| = −xy e |x| · |y| = −xy = |xy|.

Demais casos, demonstração análoga.


4. Agora, mostremos (d). Iniciamos por

|x| ≤ c ⇒ −c ≤ x ≤ c.
3.1. CORPO - CORPO ORDENADO 73

Se x ≥ 0 então x = |x| ≤ c, logo x ≤ c. Por outro lado −c ≤ 0 ≤ x, segue que

−c ≤ x ≤ c.

Se x ≤ 0 então −x = |x| ≤ c, logo x ≥ −c. Por outro lado x ≤ 0 ≤ c ⇒ x ≤ c, segue que

−c ≤ x ≤ c.

Vejamos a volta, isto é, mostremos que −c ≤ x ≤ c ⇒ |x| ≤ c. De fato, se x ≥ 0


então |x| = x ≤ c. Por outro lado, se x ≤ 0, então |x| = −x ≤ c.
5. Item(e) segue direto de (d), para c = |x|.

Definição 3.6. Dado um intervalo qualquer I ⊂ F , i.e. com extremos abertos ou fecha-
dos a, b ∈ F , dizemos que o intervalo é limitado, caso contrário é dito ilimitado. No
primeiro caso, a medida (ou tamanho) do intervalo I, denotado L1 (I), é definido como

L1 (I) := |a − b|.

Para o segundo caso, i.e. intervalo ilimitado, temos que

L1 (I) := +∞.

Claramente, um intervalo limitado é um conjunto limitado e, um intervalo ilimitado


é um conjunto ilimitado.

Teorema 3.4. Seja F um corpo ordenado. Para todo x, y, z ∈ F


a) |x + y| ≤ |x| + |y| (Desigualdade Triangular),
¯ ¯
b) ¯|x| − |y|¯ ≤ |x − y|,
c) |x − z| ≤ |x − y| + |y − z|,
d) Se x 6= 0, então |x−1 | = |x|−1 ,
x |x|
e) Se y 6= 0, então |xy −1 | = |x||y|−1 ou | | = .
y |y|
Proof. 1. Pelo teorema anterior, temos que

−|x| ≤ x ≤ |x|,
−|y| ≤ y ≤ |y|,
74 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

logo
−(|x| + |y|) ≤ x + y ≤ |x| + |y|.

Conseqüentemente, |x + y| ≤ |x| + |y|.


2. Utilizando a desigualdade triangular, temos que

|x| = |x − y + y| ≤ |x − y| + |y|,

logo
(|x| − |y|) ≤ |x − y|.

Analogamente,
|y| = |y − x + x| ≤ |x − y| + |x|,

(|x| − |y|) ≥ −|x − y|.

De onde segue o resultado.


3. O item (c) é imediato e (e) análogo a (d), o qual segue de

|x · x−1 | = |x| · |x−1 |.

Definição 3.7. (Funções Monótonas)


Sejam F, G corpos ordenados. Uma função f : F → G é dita:
• crescente, quando para todo x, y ∈ F ,

x < y ⇒ f (x) < f (y);

• não-decrescente, quando para todo x, y ∈ F ,

x ≤ y ⇒ f (x) ≤ f (y);

• decrescente, quando para todo x, y ∈ F ,

x < y ⇒ f (x) > f (y);

• não-crescente, quando para todo x, y ∈ F ,

x ≤ y ⇒ f (x) ≥ f (y).

Em qualquer caso, f é denominada uma função monótona.


3.1. CORPO - CORPO ORDENADO 75

Definição 3.8. Seja F um corpo ordenado e x, y ∈ F , definimos a distância de x a y,


denotada d(x, y) como
d(x, y) := |x − y|.

3.1.3 Supremo - Ínfimo

Num corpo ordenado F temos os importantes conceitos de Cota Superior-Supremo e


Cota Inferior-Ínfimo.

Definição 3.9. Seja F um corpo ordenado e A ⊂ F . Dizemos que u ∈ F é uma cota


superior de A se
x≤u para todo x ∈ A.

Um subconjunto A de F é limitado superiormente se A tem uma cota superior.


Similarmente, dizemos que ` ∈ F é uma cota inferior de A se

`≤y para todo y ∈ A,

e A é limitado inferiormente se A possui uma cota inferior. Finalmente, um subcon-


junto A de F é limitado quando é limitado superior e inferiormente.

Segue da definição anterior que u ∈ F não é cota superior de A se, e somente se existe
x ∈ A tal que u < x. De modo análogo para cota inferior.

Exemplo 3.1.3. Seja F o conjunto dos números racionais e A, B ⊂ F , tal que

A = {r; r < 1}, B = {x/x ≥ 0}.

Por exemplo, temos que A é limitado superiormente por 1, e B é limitado inferiormente


por 0.

Nota 3.3. 1- Um conjunto contido em um corpo ordenado, pode ter cota superior e não
inferior (e vice-versa).
2- Se um conjunto (contido em um corpo ordenado) possui cota superior, então possui
uma infinidade. Analogamente para cota inferior.
76 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Exemplo 3.1.4. Seja IN ⊂ Q.


I Sabemos que IN é limitado inferiormente por 1. Contudo,
não é limitado superiormente, i.e., IN não possui uma cota superior. De fato, suponhamos
que
p
∈Q
I
q
seja uma cota superior de IN. Então p/q ≥ n para todo n ∈ IN, onde p e q são inteiros
positivos. Como p + 1 ∈ IN,
p
p+1≤ ,
q
pq + q ≤ p,
p
q≤ < 1.
p+1
Isto é 0 < q < 1, o que é um absurdo. Conseqüentemente, p + 1 ∈ IN e

p
p+1>
q
p
o que contraria o fato de ser uma cota superior de IN.
q

Observação 3.2. Se A = ∅ ⊂ F , então todo u ∈ F é cota superior de A. De fato, de


modo u ∈ F não ser uma cota superior deve existir x ∈ A tal que u < x. Como A = ∅,
não existe x ∈ A tal que x < u.

Definição 3.10. Seja F um corpo ordenado e A ⊂ F um subconjunto limitado supe-


riormente. Um elemento α ∈ F é dito supremo de A quando α é a menor das cotas
superiores de A em F . Isto é, para que α ∈ F seja supremo de A ⊂ F é necessário e
suficiente que
(i) para todo x ∈ A, x ≤ α;
(ii) se β ∈ F é tal que x ≤ β para todo x ∈ A, então α ≤ β.

O item (i) simplesmente diz que α é uma cota superior, já (ii) pode ser reformulada
como:
(ii’) se β < α em F , então existe x ∈ A tal que β < x.
De fato, (ii’) significa que nenhum elemento de F menor que α, pode ser cota superior
de A.
3.1. CORPO - CORPO ORDENADO 77

Definição 3.11. Seja F um corpo ordenado e A ⊂ F limitado inferiormente. Um


elemento α ∈ F é dito infimo de A quando α é a maior das cotas inferiores de A em
F . Isto é, para que α ∈ F seja ı́nfimo de A ⊂ F é necessário e suficiente que
(i) para todo x ∈ A, α ≤ x;
(ii) se β ∈ F é tal que β ≤ x para todo x ∈ A, então β ≤ α.
A condição (ii) pode ser reformulada como:
(ii’) se β > α em F , então existe x ∈ A tal que x < β.
De fato, nenhum elemento de F maior que α, pode ser cota inferior de A.

Observação 3.3. Se α e β satisfazem (i) e (ii) na Definição 3.10, ou ainda (i) e (ii’),
então temos que α ≤ β e β ≤ α, logo α = β. Conseqüentemente, o supremo quando
existir é único e denotamos o supremo de um conjunto A por

sup A.

Analogamente, o ı́nfimo quando existe é único e denotamos

inf A.

Exemplo 3.1.5. Seja A := {x ∈ Q


I : x < 1}. Então sup A = 1. De fato, como visto 1
é uma cota superior de A. Se u é uma cota superior qualquer de A, tal que u < 1, então

u+1
u< < 1.
2

Logo definindo
u+1
x := ∈ A,
2
segue que u < x, o que implica numa contradição de u ser uma cota superior. Neste
caso, temos que sup A ∈
/ A.

Exemplo 3.1.6. O conjunto IN ⊂ Q


I é limitado inferiormente e, afirmamos que

inf IN = 1.

Com efeito, conforme visto 1 é uma cota inferior de IN. Ainda, se ` é cota inferior de
IN, então ` ≤ n (∀ n ∈ IN). Em particular ` ≤ 1. Neste caso, inf IN ∈ IN.
78 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Exemplo 3.1.7. Seja F um corpo ordenado, a, b ∈ F com a < b, e A = (a, b). Então,
temos que

inf A = a,

sup A = b.

Claramente a é uma cota inferior de A, i.e., para todo x ∈ A, a ≤ x visto que a < x < b.
Agora, vamos supor que ` é uma cota inferior, tal que ` > a. Logo

a+` a+`
∈A e < `,
2 2

contradizendo o fato de ` ser uma cota inferior. Neste caso, vemos também que inf A ∈
/ A.
De modo análogo, podemos mostrar que

sup A = b.

Nota 3.4. Quando o supremo de A é um elemento de A, ele é denominado máximo de


A e denotado
max A = sup A ∈ A.

Quando o ı́nfimo de A é um elemento de A, ele é denominado mı́nimo de A e denotado

min A = inf A ∈ A.

O seguinte critério é frequentemente útil de modo a estabelecer quando uma cota


superior de um certo conjunto (contido em um corpo ordenado) é de fato seu supremo.

Teorema 3.5. Uma cota superior u de um subconjunto A de um corpo ordenado F é o


supremo de A se, e somente se para cada ε > 0, existe um xε ∈ A, tal que

u − ε < xε .

Proof. 1. Seja u uma cota superior do conjunto A e v uma outra cota superior tal que
v < u. Então, definimos
ε := u − v > 0.
3.1. CORPO - CORPO ORDENADO 79

Logo para este ε, existe xε ∈ A, tal que

v = u − ε < xε ,

isto é, nenhum elemento menor que u pode ser cota superior de A. De onde segue que
u = sup A.
2. Agora seja ε > 0 e, suponhamos que u = sup A. Como u − ε < u, u − ε não é cota
superior de A em F , i.e., existe pelo menos um xε ∈ A tal que u − ε < xε .

Nota 3.5. Resultado análogo ao Teorema anterior para o ı́nfimo pode ser obtido, i.e., se
` é uma cota inferior e satisfaz

(∀ ε > 0)(∃ xε ∈ A)(xε < ` + ε),

então ` é o ı́nfimo de A. Por outro lado, se ` é o ı́nfimo de A, então é uma cota inferior
e satisfaz a sentença anterior.

Exemplo 3.1.8. Seja F um corpo ordenado, a ∈ F e A ⊂ F um subconjunto limitado


superiormente. Então,
a + A := {a + x ; x ∈ A}

é limitado superiormente e
sup(a + A) = a + sup A.

Se α = sup A, então x ≤ α (∀ x ∈ A). Logo y := a + x ≤ a + α (∀ y ∈ a + A), i.e.


a + α é uma cota superior de a + A.
Agora, dado ε > 0, existe xε ∈ A, tal que α−ε < xε . Logo (α+a)−ε < xε +a ∈ a+A,
de onde segue que
α + a = sup(a + A).

Exemplo 3.1.9. Seja F um corpo ordenado, A ⊂ F e α = sup A, e considere

−A := {−x/x ∈ A}.

Mostre que inf(−A) = −α. Isto é,

sup A = − inf(−A).
80 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Como α = sup A, temos que x ≤ α (∀ x ∈ A). Logo −x ≥ −α (∀ x ∈ A), i.e. −α é


uma cota inferior do conjunto −A.
Agora, dado ε > 0, existe xε ∈ A, talque α − ε < xε . Conseqüentemente,

−α + ε > −xε ∈ −A.

Daqui, −α é o inf −A, e inf(−A) = − sup(A).

Exemplo 3.1.10. Sejam A, B subconjuntos não vazios e limitados de um corpo ordenado


F , tal que A ⊂ B. Mostre que

inf B ≤ inf A ≤ sup A ≤ sup B.

Como A ⊂ B e sup B ≥ x (∀ x ∈ B), temos que sup B é uma cota superior para A,
logo
sup A ≤ sup B.

De modo análogo inf B ≤ inf A. Claramente inf A ≤ sup A.

Agora vamos ver um importante conceito relativo a corpos ordenados, i.e. quando
são arquemedianos. Existem corpos ordenados não arquemedianos, tais exemplos não são
triviais e podem ser encontrados em Gelbaum & Olmsted, Counter Examples in Analysis.

Definição 3.12. Um corpo ordenado F é dito arquimediano se para todo b ∈ F e todo


0 < a ∈ F existe um inteiro positivo n tal que

n a > b.

Isto é, não importa quanto b seja grande e a pequeno, que repetições sucessivas de a
eventualmente excederão b.

Teorema 3.6. Num corpo ordenado F , as seguintes afirmações são equivalentes:

i) IN ⊂ F não é limitado superiormente,

ii) F é arquimediano,
3.2. INCOMPLETUDE 81

iii) se 0 < a ∈ F , então existe n ∈ IN tal que

1
0< < a.
n

Proof. 1. Dados 0 < a ∈ F e b ∈ F , temos que

b
∈ F,
a

e como IN não é limitado superiormente em F , existe n ∈ IN, tal que

b
< n.
a

De onde segue que b < na.


2. Dado a > 0 e b = 1, por (ii) existe n ∈ IN, tal que 1 < na, ou ainda

1
0< < a.
n

3. Suponhamos que IN seja limitado superiormente e seja b uma cota superior de IN.
Como b > 0, então 1/b > 0. Por (iii) existe n ∈ IN tal que

1 1
0< < ,
n b

ou ainda b < n. Conseqüentemente, b não é cota superior, e como é arbitrário, temos


que IN não é limitado superiormente.

Exemplo 3.1.11. Conforme vimos anteriormente IN ⊂ Q


I não é limitado superiormente.
Logo o conjunto dos números racionais é arquemediano.

3.2 Incompletude

3.2.1 Racionais - Irracionais

Até aqui observamos que o conjunto dos números racionais satisfaz todos os axiomas
algébricos da definição de corpo, é ordenado e também arquemediano. Qual (ou quais)
82 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

justificativa nos leva a inventar outro conjunto númerico, i.e., o conjunto dos números
reais?

Primeiramente, lembramos que 2, conforme provamos, não é um número racional.

Diremos que 2 é um número irracional (diferente de dizer que é não racional), o que
será definido de modo preciso posteriormente. Ainda que seja um número irracional, de

modo formal, i.e. sem o rigor da análise, sabemos do cálculo que 2 satisfaz (no corpo
dos reais) a seguinte equação algébrica

x2 − 2 = 0.

Na verdade, veremos logo a seguir que existe pelo menos uma quantidade enumerável de
números irracionais. Desta forma, respondemos parcialmente a pergunta anterior, isto
é, utilizando o conjunto dos números racionais estarı́amos desconsiderando (pelo menos)
um conjunto enumerável de números.

Definição 3.13. Um número x o qual é raiz de uma equação algébrica da forma

Cn xn + Cn−1 xn−1 + · · · + C1 x + C0 = 0 (Cn 6= 0),

onde os coeficientes Ci ’s são todos inteiros é denominado um número algébrico.

Observação 3.4.
1- Todo número racional é algébrico. Basta tomar ax − b = 0.
2- Se Cn = 1, então qualquer raiz racional deverá ser necessariamente um número inteiro.
De fato, se r = a/b é uma raiz de

Cn xn + · · · + C0 = 0,

então b deve ser um fator de Cn .


3- Se m é um inteiro positivo, o qual não é a n-ésima potência de um inteiro, então


n
m,

é irracional. Basta tomar xn − m = 0.


3.2. INCOMPLETUDE 83

Nota 3.6. Conforme visto anteriormente, existe pelo menos uma quantidade enumerável
de números irracionais. Contudo, nem todo irracional é algébrico, os quais não são (por
exemplo π, e, etc) são chamados números transcendentes.

Referente ainda a pergunta inicial, vamos considerar a seguinte questão. Como cal-
cular a raiz da equação
x2 − 2 = 0?

O matemático grego Heron (2000 a.C.) utilizou o seguinte algorı́timo para obter tal raiz,

i.e. 2, o que conhecemos hoje como método de Newton. Dado x1 6= 0, seja

x2 = 1/2(x1 + 2/x1 )

x3 = 1/2(x2 + 2/x2 )
..
.

xn+1 = 1/2(xn + 2/xn ) (∀n ∈ IN).

Para x1 = 1, obtemos do algorı́timo anterior a seqüência numérica

x1 = 1

x2 = 3/2 = 1, 5

x3 = 17/12 = 1.416666...

x4 = 577/408 = 1.414215...

x5 = 665857/470832 = 1.414213562374...
..
.

Será que (xn ) se aproxima de 2? Ou ainda, num sentido a ser precisado, converge para
√ √
2? Contudo, como 2 ∈ /QI não faz sentido falar em convergência em tal conjunto.
Neste mesmo sentido, vejamos mais dois exemplos interessantes.
Seja τ um número positivo, denominado número de ouro, satisfazendo
1
τ =1+ .
τ
Logo, τ 2 − τ − 1 = 0, de onde segue de modo formal que
1 √
τ = ( 5 + 1).
2
84 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Conseqüentemente, o número de ouro é um irracional . Substituindo τ recursivamente,


temos que

1
τ =1+ ,
τ
1
τ =1+ ,
1
1+
τ
1
τ =1+ , ...
1
1+
1
1+
τ

1
denominado de frações continuadas (regra de construção). Agora, omitindo em cada
τ
passo anterior, obtemos a seqüência numérica

x1 = 1

x2 = 2

x3 = 3/2 = 1.5

x4 = 5/3 = 1.666...

x5 = 8/5 = 1.6
..
.

A seqüência (xn ) está alternadamente se aproximando de um valor numérico, de fato τ .


Isto é, converge para τ , o que como antes deve ser colocado de modo preciso.

Para o último destes três importantes exemplos, vejamos o cálculo do comprimento de


circunferência cujo o diâmetro é um. Este cálculo foi realizado por Arquimedes através
do comprimento de polı́gonos regulares inscritos e circunscritos à circunferência.
3.2. INCOMPLETUDE 85

Número de Lados − +
6 3,000 3,464102
12 3,105829 3,215390
48 3,139450 3,146086
384 3,141558 3,141663
3.072 3,141592 3,141594
12.288 3,141593 3,141593
.. .. ..
. . .

Será que as duas seqüências anteriores convergem? Para que número? De fato,
são convergentes para o que denominamos de número π. Observe que somente em 1768
Lambert mostrou que π é irracional e em 1822 Lindemann mostrou que π é transcendente.

3.2.2 Limites

Definição 3.14. Seja F um corpo ordenado. Uma seqüência (xn ) de elementos de F é


dita limitada, se existe um elemento 0 < M ∈ F , tal que

|xn | ≤ M para todo n ∈ IN.

Isto é, o conjunto imagem da seqüência é limitado. A classe de todas as seqüências


limitadas será denotada por B. E quando uma seqüência não for limitada, diremos que
é ilimitada.

Definição 3.15. Dada uma seqüência (xn ) em um corpo ordenado F e x ∈ F , dizemos


que o limite de (xn ) é x, e denotamos

lim xn = x, xn → x quando n → ∞,
n→∞

se para todo 0 < ε ∈ F dado, existe um N (ε) ∈ IN tal que

|xn − x| < ε ou d(xn , x) < ε


86 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

para todo n ≥ N (ε). Utilizando quantificadores

(∀ 0 < ε ∈ F )(∃ N (ε) ∈ IN)(∀ n ≥ N (ε))(|xn − x| < ε).

Neste caso, dizemos que (xn ) é convergente. Uma seqüência que não converge é dita
divergente.
No caso em que (xn ) é convergente e x = 0, dizemos que a seqüência (xn ) é nula e
denotamos a classe de todas as seqüências nulas por N .

Exemplo 3.2.1. (Seqüência Constante)


Seja F um corpo ordenado e a ∈ F . Considere a seqüência (xn ) em F , tal que xn = a
para todo n ∈ IN. Logo
|xn − a| = 0 (∀ n ∈ IN).

Neste caso, trivialmente temos que

lim xn = a.
n→∞

I e considere a seqüência (1/n)∞


Exemplo 3.2.2. Seja F = Q n=1 . Temos que

1
lim = 0.
n→∞ n

De fato, dado ε > 0, devemos mostrar que existe N (ε) ∈ IN tal que
¯ ¯
¯1 ¯
¯ − 0¯ < ε (∀ n ≥ N (ε)).
¯n ¯

Como Q
I é arquimediano dado b = 1/ε, existe N (ε) ∈ IN, tal que N > b = 1/ε. Con-
seqüentemente
1
<ε (∀ n ≥ N (ε)).
n
Neste caso temos que (1/n) ∈ N .

Exemplo 3.2.3. Considere a seqüência


µ ¶
1 5 5 9
, , , ,... ,
3 6 9 12
2n + (−1)n
cujo o n-ésimo termo é dado por yn = . Temos que
3n
2
lim yn = .
n→∞ 3
3.2. INCOMPLETUDE 87

Dado ε > 0, ¯ ¯ ¯ ¯ ¯ ¯
¯ 2 ¯¯ ¯¯ 2n + (−1)n 2n ¯¯ ¯¯ (−1)n ¯¯
¯yn − = − ¯=¯ < ε,
¯ 3¯ ¯ 3n 3n 3n ¯
logo
1 1
<ε⇔n> .
3n 3ε
Pela propriedade arquimediana de Q,
I existe um N (ε) ∈ IN, tal que

1
N (ε) > .

Conseqüentemente, para todo n ≥ N (ε), temos que


¯ ¯
¯ 2 ¯
¯yn − ¯ < ε.
¯ 3¯

O que prova nossa tese.

Observe que nos três exemplos anteriores as seqüências eram limitadas, isto é,

(xn ), (1/n) e (yn ) ∈ B.

Ainda, tais exemplos que consideramos são bem simples, visto que em todos os casos era
bem intuitivo que tais seqüências convergiam e descobrir seus limites não era tarefa muito
difı́cil. Contudo, obter resultados de convergência a partir da definição para seqüência
mais complicadas pode se tornar bastante árduo. Desta forma, desenvolveremos uma
Teoria Geral sobre limites para Seqüências Numéricas. Antes porém, vejamos a seguinte

Observação 3.5. Seja F um corpo ordenado e (xn )∞


n=1 uma seqüência em F . Pela

definição de convergência, de modo (xn ) ser convergente:


i) Devemos conhecer o limite x;
ii) Este limite x deve pertencer a F ;
iii) Se xn → x em F quando n → ∞, então x é único.

O item (iii) garante a unicidade do limite. De fato, sejam x1 , x2 ∈ F e, suponhamos


que xn → x1 para todo n ≥ N1 e que xn → x2 para todo n ≥ N2 , isto é, dado ε > 0,
existem N1 , N2 , tais que
|xn − x1 | < ε (∀ n ≥ N1 ),
88 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

|xn − x2 | < ε (∀ n ≥ N2 ).

Seja N := max{N1 , N2 }, então

|x1 − x2 | = |x1 − xn + xn − x2 |

≤ |x1 − xn | + |x2 − xn | = 2ε (∀ n ≥ N ).

Segue que, para todo ε > 0 dado, existe N (ε) = max{N1 , N2 } tal que

|x1 − x2 | < ε.

Pelo item (ii) da observação anterior, vemos que não temos como dizer para os exemplos
do cálculo da raiz de 2, a seção de ouro e o valor de π, que tais seqüências de números
racionais convergem em Q,
I visto que se aproximavam de valores que sabemos não serem
elementos de Q.
I Agora, vejamos uma idéia de eliminarmos a condição (i).

Definição 3.16. Seja F um corpo ordenado. Uma seqüência (xn ) em F é denominada


de Cauchy se para todo 0 < ε ∈ F dado, existe N (ε) ∈ IN, tal que

|xp − xq | < ε ou d(xp , xq ) < ε,

para todo p, q ≥ N (ε). A classe de todas as seqüências de Cauchy será denotada por C.

Lema 3.1. Seja F um corpo ordenado. Se (xn ) é uma seqüência convergente em F ,


então (xn ) ∈ C.

Proof. Seja x = lim xn , então dado ε > 0, existe N (ε) ∈ IN, tal que
n→∞

|xn − x| < ε/2, (∀ n ≥ N (ε)).

Conseqüentemente, para todo m, n ≥ N (ε)

|xn − x| < ε/2, |xm − x| < ε/2.

Segue que, para todo 0 < ε ∈ F dado, existe N (ε) tal que

|xn − xm | = |xn − x + x − xm | < ε/2 + ε + 2 = ε.


3.3. CONSTRUÇÃO DOS NÚMEROS REAIS 89

Lema 3.2. Se (xn ) é uma seqüência de Cauchy em um corpo ordenado F , então (xn ) ∈ B.

Proof. Dado ε > 0, em particular ε = 1, existe um N (1) ∈ IN, tal que

|xn − xm | < 1 (∀ m, n ≥ N (1)).

Logo para todo n ≥ N (1)


|xn − xN | < 1.

Segue que
¯ ¯
¯|xn | − |xN |¯ ≤ |xn − xN | < 1,

|xn | ≤ 1 + |xN | (∀ n ≥ N ).

Seja S := {|x1 |, |x2 |, . . . , |xN −1 |, 1 + |xN |} e M := sup(S). Então, |xn | ≤ M para todo
n ∈ IN.

Definição 3.17. Um corpo ordenado F onde toda seqüência de Cauchy é convergente é


dito Cauchy Completo.

3.3 Construção dos Números Reais


Nesta seção apresentamos de modo formal a Construção do Corpo dos Reais. Primeiro
é apresentada a versão analı́tica devido a Cantor, via As Seqüências de Cauchy. Depois
a algébrica, via Os Cortes de Dedekind. O mais importante a ser ressaltado é a idéia de
completude do corpo dos reais, retratado pela ”reta real”, o que é feito ao final através
do Axioma do Supremo.

3.3.1 Construção de Cantor

Conforme vimos, se uma seqüência é convergente então ela é de Cauchy e, gostarı́amos


de ter a recı́proca. De fato, como já observamos isto é falso no conjunto do números
racionais. A idéia então será completar os racionais através de limites, obtendo-se desta
forma o conjunto dos números reais.
90 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Definição 3.18. Duas seqüências de Cauchy são ditas equivalentes, quando sua diferença
é uma seqüência nula.

Então duas seqüências que possuem o mesmo limite são equivalentes. Esta relação
de equivalência gera uma partição no conjunto C. Cada classe de equivalência determina
o que Cantor denominou como um número real, e o conjunto de todas as classes é
denominado conjunto dos números reais, denotado por IR.
De modo justificar a palavra número para uma classe de equivalência, devem ser
satisfeitos:
a) Os axiomas de corpo, i.e. soma (diminuição) e produto (divisão). Sejam α, β ∈ IR,
com
(a1 , a2 , . . . , ) ∈ α, (b1 , b2 , . . . , ) ∈ β,

isto é,
an → α, bn → β n → ∞.

De modo usual, temos que

α + β := (a1 + b1 , a2 + b2 , . . . ),
α · β := (a1 · b1 , a2 · b2 , . . . ).

b) Uma ordem total, isto é, axioma corpo ordenado. Diremos que α ∈ IR é positivo,
se existe (an ) ∈ α, tal que
an > 0 (∀ n ∈ IN).

c) Um subconjunto destas classes deve ser isomorfo ao conjunto dos números racionais.
Basta tomar para cada a racional

(a, a, . . . ) ∈ α.

Se agora tomarmos novas seqüências de Cauchy de números reais, obtemos uma nova
extensão do sistema numérico? Não! Tais limites serão novamente números reais. O
conjunto dos números reais é fechado com relação a operação de tomar limites.

Definição 3.19. O conjunto IR−I


Q é denominado conjunto dos números irracionais.
3.3. CONSTRUÇÃO DOS NÚMEROS REAIS 91

3.3.2 Construção de Dedekind

Na seção anterior construı́mos o corpo dos reais completando Q,


I isto é tornando todas
as seqüências de Cauchy convergentes. Outro problema, ainda que análogo é o de con-
tinuidade, isto é, apesar de Q
I ser um corpo ordenado arquemediano, existiam ”buracos”

do tipo 2. Dedekind observou que poderı́amos definir continuidade através do oposto,
isto é geometricamente qualquer ponto selecionado em uma reta deveria ser visto como
a separação em dois segmentos de reta os quais o ponto divide.
Se todo ponto do primeiro segmento (classe) fica à esquerda do segundo segmento
(classe), então dever existir um e somente um ponto o qual produz tal divisão. Esta noção
pode ser aplicada para qualquer corpo ordenado e é denominada Teoria de Cortes.

Definição 3.20. Um corte é qualquer divisão de um corpo ordenado em duas classes L


e R, tais que

i) nem L nem R são vazios;

ii) todo elemento de L é menor que qualquer elemento em R;

iii) todo elemento pertence a L ou (no sentido exclusivo) R.

Ainda, denotamos o corte por L/R.

Pela definição anterior, as seguintes possibilidades podem ocorrer na fronteira de L/R:

i) L possui último elemento e R possui primeiro elemento, o que define um salto. Por
exemplo um corte no conjunto dos números inteiros.

ii) L não possui último elemento e R não possui primeiro elemento, o que define um
buraco. Por exemplo o seguinte corte no conjunto dos números racionais

I x2 < 2},
L := {x ∈ Q;

I x2 > 2}.
R := {x ∈ Q;

iii) L possui último elemento porém R não possui primeiro elemento. Analogamente,
L não possui último elemento porém R possui primeiro elemento.
92 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Agora, consideramos o conjunto de todos os cortes sobre os racionais. Cada corte


em Q
I é definido como um número real. Analogamente, de modo justificar a palavra
número para um corte, devem ser satisfeitos:

a) Os axiomas de corpo, i.e. soma (diminuição) e produto (divisão). Sejam α = L/R


e β = L0 /R0 , então
α + β := L/R,

onde L é igual soma de todos os racionais de L e L0 . Analogamente R é igual a


soma de todos os racionais contidos em R e R0 . Pode ser verificado que L/R assim
definido satisfaz as condições de corte. De modo análogo, para α · β.

b) Uma ordem total, isto é, axioma corpo ordenado. Diremos que L/R é menor que
L0 /R0 , se existem racionais em L0 que não estão em L.

I ∗ ⊂ IR, os quais elementos são


c) O conjunto dos números racionais é isomorfo a Q
cortes racionais.

Finalmente, o conjunto dos números reais assim construido é fechado com relação
a operação de cortes.

3.3.3 Axioma do Supremo - Densidade

Assumindo que valores limites e continuidade são propriedades da reta real, obtemos
assim nossa representação geométrica do conjunto dos números reais. Onde a construção
analı́tica via as seqüências de Cauchy ou a algébrica via cortes de Dedekind foram obtidas
independentemente. Uma outra forma, talvez mais simples, de expressar esta idéia de
completude é o axioma do supremo.

Definição 3.21. Um corpo ordenado F é dito completo quando todo subconjunto não
vazio de F limitado superiormente tem supremo em F .

Nota 3.7. Existem corpos Cauchy-completo, porém não completo. Um exemplo pode ser
encontrado em Gelbaum-Olmsted, Counter Examples in Analysis, página 17.
3.3. CONSTRUÇÃO DOS NÚMEROS REAIS 93

Axioma do Supremo
Existe um corpo ordenado completo, denominado corpo dos números reais e denotado
por IR, o qual contém Q
I como subcorpo.

Observação 3.6. De fato, a afirmação de F ser um corpo ordenado, arquemediano e


toda seqüência de Cauchy converge é equivalente ao Axioma do Supremo.

Então o conjunto dos números reais é um corpo ordenado completo, i.e., todo sub-
conjunto não vazio de IR limitado superiormente possui supremo em IR.

Definição 3.22. Dizemos que um conjunto X ⊂ IR é denso em IR, se para quaisquer


a, b ∈ IR, a < b, existe x ∈ X tal que

a < x < b.

Em outras palavras, todo intervalo (a, b) não degenerado contêm algum elemento de X.

Teorema 3.7. Entre dois números reais existe um número racional.

Proof. Sejam a, b ∈ IR e a < b, vamos mostrar que existe r = m/n ∈ Q,


I tal que

a < r < b.

Como a < b, então b − a > 0. Pela propriedade arquimediana de IR, existe n ∈ IN, tal
que
1
0< < b − a.
n
Seja A := {p ∈ IN; p > na}, logo A 6= ∅. De fato, se A = ∅, então na seria uma cota
superior para IN, o que é absurdo pois IR é arquimediano. Conseqüentemente, como
A ⊂ IN e A 6= ∅, podemos aplicar o Princı́pio da Boa Ordenação, i.e. A tem menor
elemento. Seja
m := min A.

Logo m ∈ A, i.e.
m
r= > a,
n
94 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

e m ≤ p para todo p ∈ A. Ainda, m − 1 ∈


/ A, i.e.

m − 1 ≤ na.

Então
m m−1+1 m−1 1
r= = = + < a + (b − a) = b.
n n n n
De onde segue a tese.

Corolário 3.1. Entre dois números reais existe um número irracional.

Conseqüentemente, tanto o conjunto dos números racionais quanto dos irracionais são
densos em IR.

Agora conforme mencionado, vejamos que IR é não enumerável.

Teorema 3.8. (Princı́pio dos Intervalos Encaixantes)


Seja I1 ⊃ I2 ⊃ · · · ⊃ In ⊃ . . . uma seqüência decrescente de intervalos limitados e
fechados, onde In = [an , bn ], an , bn ∈ IR para todo n ∈ IN. Então

\
In é não vazia.
n=1

Isto é, existe pelo menos um número x ∈ IR, tal que x ∈ In para todo n ∈ IN.

Proof. Como In ⊂ I1 para todo n ∈ IN, temos que

an ≤ b1 (∀n ∈ IN).

Logo o conjunto não vazio A := {an : n ∈ IN} é limitado superiormente em IR. Seja

x := sup A.

Conseqüentemente, an ≤ x para todo n ∈ IN. Ainda, como cada bn é uma cota superior
para A, segue que x ≤ bn para todo n ∈ IN. Conseqüentemente,

x ∈ In (∀n ∈ IN).
3.3. CONSTRUÇÃO DOS NÚMEROS REAIS 95

Teorema 3.9. O conjunto dos números reais é não enumerável.

Proof. Vamos mostrar que não existe nenhum mapeamento de IN em IR sobrejetivo. Logo
IR é não enumerável. Seja f : IN → IR qualquer fixada. Iniciamos definindo o intervalo
fechado I1 := [a1 , b1 ], com

a1 < b1 < f (1).

Se f (2) = a1 , então
1¡ ¢
a2 := f (2) + b1 , b2 := b1 .
2
Se f (2) ∈ (a1 , b1 ], então
1¡ ¢
a2 := a1 , b2 := a1 + f (2) .
2
/ I1 , definimos
Finalmente, quando f (2) ∈

1¡ ¢
a2 := a1 , b2 := a1 + b1 .
2

Em qualquer caso, temos que f (2) ∈


/ I2 = [a2 , b2 ]. Procedendo desta forma, geramos uma
seqüência de intervalos fechados (In ) encaixantes, tal que, para todo n ∈ IN

f (n) ∈
/ In .

Agora, pelo Princı́pio dos Intervalos Encaixantes, existe x ∈ IR, tal que

x ∈ In (∀n ∈ IN).

Porém, não existe n ∈ IN, tal que, f (n) = x. Logo, f não é sobre.

Corolário 3.2. O conjunto dos números irracionais é não enumerável.

Observação 3.7. Todo intervalo não degenerado de números reais é não enumerável.
96 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

3.4 Teoria Geral sobre Limites para Seqüências Numéricas


Nesta seção apresentamos alguns resultados que facilitarão dizer quando uma seqüência
dada é convergente ou não.

Teorema 3.10. Toda seqüência convergente é limitada.

Proof. Imediato. Conforme anteriormente visto, toda seqüência convergente é de Cauchy


e, toda seqüência de Cauchy é limitada.

Nota 3.8.
1 - A contrapositiva deste resultado nos diz que, uma seqüência ilimitada é divergente.

Exemplo 3.4.1. A seqüência cujo n-ésimo termo é dado por




2n se n é par
n
n + (−1) n =

0 se n é ı́mpar

é ilimitada pela propriedade arquimediana, logo divergente.

2 - A recı́proca deste resultado é falsa, i.e. uma seqüência limitada pode não ter limite.

Exemplo 3.4.2. Seja a seqüência (1, −1, 1, −1, 1, . . . ), que é claramente limitada. Con-
tudo, divergente. De fato, suponhamos que

lim(−1)n = a.

Então, para todo ε > 0, em particular ε = 1, existe N (1) ∈ IN, tal que
¯ ¯
¯(−1)n − a¯ < 1 (∀ n ≥ N (1)).

Se n for par, então


|1 − a| = |a − 1| < 1 ⇔ 0 < a < 2.

Se n for ı́mpar, então

| − 1 − a| = |a + 1| < 1 ⇔ −2 < a < 0.

Como existem pares e ı́mpares maiores que N (1), não existe nenhum a satisfazendo as
duas condições anteriores ao mesmo tempo.
3.4. TEORIA GERAL SOBRE LIMITES PARA SEQÜÊNCIAS NUMÉRICAS 97

Teorema 3.11. (Propriedades dos Limites)


a) Se (xn ), (yn ) são duas seqüências convergentes, então (xn + yn ) é convergente e

lim(xn + yn ) = lim xn + lim yn .

b) Se (xn ), (yn ) são duas seqüências convergentes, então (xn yn ) é convergente e

lim(xn · yn ) = lim xn · lim yn .

c) Se (x
µ n ),¶
(yn ) são duas seqüências convergentes, yn 6= 0 para todo n ∈ IN e lim yn 6= 0,
xn
então é convergente e
yn µ ¶
xn lim xn
lim = .
yn lim yn
d) Se (xn ), (yn ) são duas seqüências convergentes e xn ≤ yn para valores suficientemente
grandes de n, então
lim xn ≤ lim yn .

e) Se (xn ) é convergentes, então (|xn |) é convergente e

lim |xn | = | lim xn |.

A recı́proca não é verdadeira, observe que ((−1)n ) é uma seqüência divergente e

(| − 1|n ) = (1, 1, 1, . . . )

claramente converge para 1. Contudo, se lim |xn | = 0, então

lim xn = 0.

f ) Se (xn ) ∈ N e (yn ) ∈ B (convergente ou não), então

(xn yn ) ∈ N .

Observe que, se (yn ) ∈


/ B o produto pode divergir, basta tomar
1
xn = , y n = n2 .
n
Ainda, se o produto xn yn for convergente, este pode convergir para qualquer valor, tome
por exemplo
k
xn = e yn = n.
n
98 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Proof.
1. Seja xn → x e yn → y quando n → ∞, logo dado ε > 0, existem n1 , n2 ∈ IN, tal que

|xn − x| < ε (∀ n ≥ n1 ),

|yn − y| < ε (∀n ≥ n2 ).

Conseqüentemente, para todo n ≥ N := max(n1 , n2 ), temos que

¯ ¯
¯(xn + yn ) − (x + y)¯ = |xn − x + yn − y|

≤ |xn − x| + |yn − y| = 2ε.

Ainda, como (xn ) é convergente, logo limitada, existe M > 0 tal que

|xn | ≤ M (∀ n ∈ IN).

Então para todo n ≥ N , obtemos

|xn yn − xy| = |xn yn − xn y + xn y − xy|

≤ |xn yn − xn y| + |xn y − xy|

≤ |xn ||yn − y| + |y||xn − x|

< M ε + |y|ε = (M + |y|) ε.

O que mostra os itens (a) e (b).


2. Agora, mostremos o item (c). De modo análogo a (1), seja xn → x e yn → y quando
n → ∞. Então, existe N ∈ IN, tal que para todo n ≥ N

1 2 1 2
|xn − x| < |y| ε, |yn − y| < |y| ε.
4 4

Agora, para N1 suficientemente grande, temos que

1
|yn | > |y|.
2

Ainda, para todo n ∈ IN, existe M > 0, tal que

|xn | ≤ M, |yn | ≤ M.
3.4. TEORIA GERAL SOBRE LIMITES PARA SEQÜÊNCIAS NUMÉRICAS 99

Então, segue que


¯ ¯ ¯ ¯
¯ xn x ¯ ¯ xn y − yn x ¯
¯ − ¯=¯ ¯ = 1 |xn y − yn x|
¯ yn y ¯ ¯ yn y ¯ |yn y|
2
< 2 |xn y − xn yn + xn yn − yn x|
|y|
2
< 2 {|xn ||y − yn | + |yn ||xn − x|}
|y|
2
< 2 {M |y − yn | + M |xn − x|} = M ε.
|y|
3. De modo provarmos (d), basta verificar que se (zn ) é uma seqüência convergente,
digamos zn → z quando n → ∞ , e zn ≥ 0 para todo n ≥ n0 , então z ≥ 0. Com efeito,
suponhamos que z < 0 e zn → z com zn ≥ 0 para todo n ≥ n0 . Logo, fazendo

ε := −z > 0,

temos que |zn − z| < −z, ou ainda

z < zn − z < −z.

De onde segue que zn < z − z = 0 para todo n ≥ N (ε), o que contradiz o fato de zn ≥ 0
para todo n ≥ n0 . Conseqüentemente, temos que

z ≥ 0.

Agora, como (xn ) e (yn ) são convergentes, digamos

(yn − xn ) → (y − x)

definindo zn := yn − xn , temos que y − x ≥ 0.


¯ ¯
4. Como (xn ) é convergente, segue que ¯|xn | − |x|¯ ≤ |xn − x| < ε para todo n ≥ N (ε).
Ainda, temos que
¯ ¯
|xn − 0| = |xn | = ¯|xn | − 0|¯ < ε,

para todo n ≥ N (ε), de onde segue que lim xn = 0, o que prova (e). Agora, se lim xn = 0
e |yn | ≤ M para todo n ∈ IN, então

|xn yn − 0| = |xn yn | ≤ |xn ||yn | ≤ M |xn | < M ε,

para todo n ≥ N (ε), o que mostra o item (f ).


100 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Exemplo 3.4.3. Considere o seguinte limite

5n2 + 1
lim .
n→∞ 3n2 − 5n + 10

Temos que
5n2 + 1 5 + 1/n2 5
lim 2
= lim 2
= ,
3n − 5n + 10 3 − 5/n + 10/n 3
onde aplicamos alguns dos itens do teorema anterior.

Teorema 3.12. (Teorema do Sanduı́che)


Sejam (xn ), (yn ) duas seqüências convergentes e

lim xn = lim yn = L.

Se (zn ) é uma seqüência tal que


xn ≤ zn ≤ yn ,

para n suficientemente grande, então (zn ) é convergente e

lim zn = L.

Proof. Como (xn ) e (yn ) convergem para L, dado ε > 0, existem n1 , n2 , ∈ IN, tais que

|xn − L| < ε ⇔ L − ε < xn < L + ε (∀ n ≥ n1 ),

|yn − L| < ε ⇔ L − ε < yn < L + ε (∀ n ≥ n2 ).

Agora, seja n0 ∈ IN, tal que

xn ≤ zn ≤ yn (∀ n ≥ n0 ).

Então, para N := max{n0 , n1 , n2 }, temos que

L − ε < xn ≤ zn ≤ yn < L + ε (∀ n ≥ N ).

Conseqüentemente, para todo n ≥ N

|zn − L| < ε.
3.4. TEORIA GERAL SOBRE LIMITES PARA SEQÜÊNCIAS NUMÉRICAS 101
³ sen nx ´∞
Exemplo 3.4.4. Seja x ∈ IR fixado e considere a seqüência . Então,
n n=1

¯ sen nx ¯ 1
¯ ¯ ≤ ⇔ −1 ≤ sen nx ≤ 1 .
n n n n n
Logo pelo Teorema do Sanduı́che,
sen nx
lim = 0.
n
¡√ √ ¢∞
Exemplo 3.4.5. Considere a seqüência n + 1 − n n=1 . Fazendo
√ √
√ √ n+1+ n n+1−n
n+1− n √ √ =√ √ ,
n+1+ n n+1+ n
temos que
√ √ 1
0< n+1− n < √ −→ 0.
2 n n→∞
Então pelo Teorema do Sanduı́che
√ √
lim ( n + 1 − n) = 0.

Teorema 3.13. Seja (xn )∞ ∞


n=1 convergente para x, então toda subseqüência (xnk )k=1 também

converge para x.

Proof. Dado ε > 0, existe N (ε) ∈ IN, tal que

|xn − x| < ε (∀ n ≥ N ).

Como n1 < n2 < n3 < . . . é uma seqüência crescente de números naturais, existe um
nkN ≥ N (ε) tal que, para todo nk ≥ nkN , temos que

|xnk − x| < ε.

Nota 3.9. Pelo teorema anterior, se uma seqüência contém pelo menos duas subseqüências
que convergem para limites diferentes, então é divergente.
¡ ¢
Exemplo 3.4.6. A seqüência (−1)n = (−1, 1, −1, 1, . . . ), possui uma subseqüência
(−1, −1, −1, . . . ) a qual converge para −1 e outra (1, 1, 1, . . . ), que obviamente converge
¡ ¢
para 1. Conseqüentemente, (−1)n ) é divergente. De fato, como já havı́amos visto.
102 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Definição 3.23. Seja (xn ) uma seqüência, dizemos que a é um valor de aderência de
(xn ), quando é o limite de alguma subseqüência de (xn ).

Exemplo 3.4.7. Dado (2, 0, 4, 0, 6, 0, . . . ) , temos que 0 é um valor de aderência.

Até o presente momento, não fizemos a imposição nos teoremas anteriores do conjunto
numérico ser o corpo dos reais, o que é necessário nos três teoremas a seguir. De fato,
estes são os três importantes teoremas sobre limites de seqüências de números reais.

Teorema 3.14. (Propriedade de Seqüências Monótonas)


Toda seqüência monótona limitada de números reais é convergente.

Proof. Sem perda de generalidade, suponhamos (xn ) não-decrescente, i.e.

x1 ≤ x2 ≤ x3 ≤ . . . .

Como é limitada por hipótese possui uma cota superior. Seja o conjunto não vazio

S := {xn , n ∈ IN}

limitado superiormente, logo S tem supremo em IR. Ainda, denotamos

u = sup S.

Agora, vamos mostrar que lim xn = u. Com efeito, para todo ε > 0, como u = sup S,
existe xN ∈ S tal que
u − ε < xN .

Então, como (xn ) é não-decrescente e u = sup S, temos que

u − ε < xN ≤ xn ≤ u (∀ n ≥ N ),

de onde segue
u − ε < xn < u + ε (∀ n ≥ N ).

Conseqüentemente, para todo n ≥ N

|xn − u| < ε.
3.4. TEORIA GERAL SOBRE LIMITES PARA SEQÜÊNCIAS NUMÉRICAS 103

Teorema 3.15. (Teorema de Bolzano-Weirstrass)


Toda seqüência limitada de números reais possui uma subseqüência convergente.

Proof. É suficiente mostrarmos que toda seqüência (xn ) ∈ B de números reais, possui uma
subseqüência monótona. Diremos que um termo xn de uma seqüência dada é destacado
quando
xn ≥ xp para todo p > n.

Seja D ⊂ IN o conjunto de ı́ndices n tais que xn é um termo destacado. Temos dois


casos a considerar:
1- Se D for um conjunto infinito

D = {n1 < n2 < n3 < . . . },

então a subseqüência (xn )n∈D será monótona não-crescente, pois

xn 1 ≥ xn 2 ≥ xn 3 ≥ . . . .

2- Se D for um conjunto finito, seja n1 ∈ IN maior que todos os elementos de D, então


n1 ∈
/ D e desta forma não é destacado. Logo, existe n2 ∈ IN, n2 > n1 , tal que

xn1 < xn2 .

Segue que n2 ∈
/ D, logo não e destacado, então existe n3 ∈ IN, n3 > n2 , tal que

xn1 < xn2 < xn3 .

Prosseguindo desta forma, obtemos uma subseqüência crescente

xn1 < xn2 < xn3 < . . . .

Em qualquer caso, obtemos uma subseqüência monótona, a qual por hipótese é limitada,
por conseguinte convergente.

Teorema 3.16. (Critério de Cauchy)


Uma seqüência de números reais é convergente se, e somente se ela é de Cauchy.
104 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Proof. Como já mostramos que se (xn ) for convergente, então ele é de Cauchy, resta
mostrar a recı́proca, i.e., suponhamos que (xn ) é de Cauchy e mostremos que ela converge.
Sabemos que C ⊂ B num corpo ordenado F qualquer, em particular uma seqüência de
Cauchy (xn ) de números reais é limitada, logo possui uma subseqüência convergente,
digamos
xnk → L.

Agora, provaremos que de fato toda seqüência (xn ) converge para L. Dado ε > 0, existe
nk0 , n0 ∈ IN , tal que
|xnk − L| < ε (∀ nk ≥ nk0 ),

|xn − xm | < ε (∀ n, m ≥ n0 ).

Seja N = max{nk0 , n0 }. Então, para nk , n ≥ N

|xn − L| = |xn − xnk + xnk − L|

≤ |xn − xnk | + |xnk − L|

= ε + ε = 2ε,

provando que lim xn = L.

Agora, vamos estudar a convergência de algumas seqüências particulares.

Exemplo 3.4.8. Seja a ∈ IR qualquer, porém fixado e, consideremos a seqüência (an )∞


n=1 .

1. Se a = 1, então a seqüência

(an ) = (1, 1, . . . )

converge para 1.
2. Se a = −1, então a seqüência
¡ ¢
(−1)n ) = (−1, 1, −1, . . . )

diverge.
3. Se a = 0, então a seqüência

(an ) = (0, 0, . . . )
3.4. TEORIA GERAL SOBRE LIMITES PARA SEQÜÊNCIAS NUMÉRICAS 105

converge para 0.
4. Se a > 1, então a = 1 + x para algum x > 0. Logo pela Desigualdade de Bernoulli

an = (1 + x)n ≥ 1 + nx.

A seqüência (1 + nx)∞ n
n=1 é ilimitada, logo (a ) também é ilimitado e por conseguinte,

diverge.
De fato, como precisaremos a seguir, diremos que (1 + nx) diverge para +∞ assim
como (an ).
5. Se a < −1, então a2n > 0 e a2n−1 < 0. A subseqüência (a2n ) é ilimitada, então
(an ) é ilimitado, conseqüentemente diverge.
6. Se 0 < a < 1, então a2 < a, a3 < a2 < a e assim sucessivamente. Segue que

an+1 < an (∀ n ∈ IN),

isto é, a seqüência (an ) é decrescente e limitada por 1, por conseguinte converge. Ainda,
como a < 1, temos que
1
a= ,
1+x
para algum x > 0. Logo
1 1 1 1 1
0 < an = n
≤ ≤ = ·
(1 + x) 1 + nx nx n x
e pelo Teorema do Sanduı́che lim an = 0.
7. Se −1 < a < 0, então 0 < |a| < 1. Por (6)

|a|n = |an | → 0 quando n → ∞.

Conseqüentemente, lim an = 0.
n→∞

Conclusão: A seqüência (an ) é convergente quando

−1 < a ≤ 1,

e neste caso

lim an = 0 se −1<a<1 e

lim an = 1 se a = 1.

De outra forma, diverge.


106 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

¡√ ¢ ¡ ¢
Exemplo 3.4.9. Seja a ∈ IR, a > 0 fixo e considere n
a ou a1/n .
1. Se a = 1, então a seqüência
¡√ ¢
n
a = (1, 1, . . . )

converge para 1.

2. Se a > 1, então n
a > 1. Logo

n
a = 1 + hn ,

onde hn > 0 e depende de n. Conseqüentemente,

a = (1 + hn )n ≥ 1 + n hn ,
a−1
≥ hn > 0
n
e pelo Teorema do Sanduı́che lim hn = 0. Segue que

lim n
a = lim(1 + hn ) = 1 + lim hn = 1.

3. Se 0 < a < 1, então n
a < 1. Logo
√ 1
n
a= ,
1 + kn
onde kn > 0 e depende de n. Por conseguinte,
¡ 1 ¢n 1 1
a= = n
≤ .
1 + kn (1 + kn ) 1 + nkn
Então para todo n ∈ IN
a(1 + nkn ) ≤ 1,
¡1 ¢ 1
0 < kn ≤ −1 · .
a n
Pelo Teorema do Sanduı́che lim kn = 0. Conseqüentemente,
n→∞

√ 1 1 1
lim n
a = lim = = = 1.
1 + kn lim 1 + kn 1
¡ ¢∞
Conclusão: A seqüência a1/n n=1 , a ∈ IR, a > 0 é convergente e
1
lim a n = 1.
3.4. TEORIA GERAL SOBRE LIMITES PARA SEQÜÊNCIAS NUMÉRICAS 107
¡ √ ¢∞ √ √
Exemplo 3.4.10. Seja n n n=1 = (1, 2, 3 3, . . . ).

Se n = 1, então n n = 1. Para n ≥ 2, temos que

n
n > 1.

Caso contrário n ≤ 11/n = 1. Logo



n
n = 1 + hn ,

onde hn > 0 e depende de n. Temos que

n(n − 1) 2
n = (1 + hn )n = 1 + nhn + hn + termos positivos
2
n(n − 1) 2
≥ hn .
2

Segue que r
2
≥ hn > 0
n−1
e pelo Teorema do Sanduı́che, lim hn = 0. Então

lim n
n = lim(1 + hn ) = 1 + lim hn = 1.

Exemplo 3.4.11. Cálculo da raiz quadrada de um número real positivo.


Dado a > 0, seja L um um número real positivo, tal que

L2 = a.

Neste caso, diremos que L é a raiz quadrada de a e, denotamos L = a. Claro que,

(− a)2 = a.

Para mostrar a existência de L, vamos utilizar argumento análogo ao de Heron para o



cálculo em particular da 2. Seja x1 > 0 qualquer fixado e considere a seqüência (xn ),
com
1¡ a ¢
xn = xn−1 + (n ≥ 2).
2 xn−1
Supondo que (xn ) é convergente e seu limite L > 0, segue que

1¡ a¢
L= L+ ,
2 L
108 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES


isto é L2 = a. Então, basta mostrar que a seqüência de números reais (xn − a) ∈ N .
Primeiro, afirmamos que a seqüência (yn ) ∈ N , onde

xn − a
yn := √ (∀n ∈ IN).
xn + a

Com efeito, temos que


√ √
yn = (xn − a)/(xn + a)
√ √
= (xn−1 − 2 a xn−1 + a)/(xn−1 + 2 a xn−1 + a)
= (yn−1 )2 .

Analogamente, segue que

yn = [(yn−1 )2 ]1 = [(yn−2 )2 ]2 = . . . = [(y0 )2 ]n .

Como y0 < 1, y02 < |y0 |. Por conseguinte,

0 < yn ≤ |y0 |n .

Então, sabendo que |y0 |n → 0 quando n → ∞ e utilizando o Teorema do Sanduı́che,


temos que
lim yn = 0.
n→∞

Agora sabendo que


√ 1 + yn
xn = ( a) ,
1 − yn
passando ao limite quando n → ∞, obtemos


lim xn = a.
n→∞

Ainda, L assim obtido é único, isto é, qualquer outro argumento que obtenha um número
real positivo cujo quadrado seja igual a a, deve ser necessariamente igual a L. De fato,
basta supor que L̃ > 0, satisfaça L̃2 = 2, logo

L̃2 − L2 = 0,

de onde segue que L̃ = L.


3.4. TEORIA GERAL SOBRE LIMITES PARA SEQÜÊNCIAS NUMÉRICAS 109

Antes de fecharmos esta seção de limites de seqüências introduzindo limites infinitos,


vejamos antes alguns conceitos importantes. Primeiro, observamos que frequentemente
é interessante juntar +∞ e −∞ a IR.

Definição 3.24. Diremos que IR ∪ {−∞, ∞} é o corpo dos reais estendido, sendo
denotado por IR.

As operações aritiméticas sobre IR são estendidas parcialmente para IR, temos que:

x ± ∞ = ±∞ (∀x ∈ IR),

∞ + ∞ = ∞,

−∞ − ∞ = −∞,

x · (±∞) = ±∞ (∀x > 0),

x · (±∞) = ∓∞ (∀x < 0).

Não é atribuido qualquer significado a ∞ − ∞, porém a menos que seja dito algo em
contrário, assumimos que
0 · (±∞) = 0.

É claro que +∞ é uma cota superior para todo subconjunto de IR, logo todo subconjunto
não vazio possui supremo em IR. Em particular, se A 6= ∅ não é limitado superiormente
em IR, então
sup A = +∞.

Argumento análogo para cotas inferiores e ı́nfimo.

Definição 3.25. (Limites Infinitos)


Seja (xn ) uma seqüência de números reais. Se para todo M , existe N ∈ IN, tal que
xn ≥ M , para todo n ≥ N , então

lim xn = +∞.
n→∞

Analogamente, se para todo M , existe N ∈ IN, tal que xn ≤ M , para todo n ≥ N , então

lim xn = −∞.
n→∞
110 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Nota 3.10. Não custa ressaltar que ±∞ são sı́mbolos e não números reais. Logo, em
ambos os casos da definição anterior temos que as seqüências não convergem em IR.
Contudo, escrevemos ainda

xn → +∞ ou xn → −∞,

quando n → ∞.

Definição 3.26. (Limites Superior e Inferior)


Seja (xn ) uma seqüência de números reais. Seja A o conjunto em IR, tal que

xnk → x (k → ∞)

para alguma subseqüência (xnk ) ⊂ (xn ). Logo o conjunto A contém todos os limites de
subseqüências, ainda possivelmente +∞, −∞. Agora, definimos

u := sup A, l := inf A.

Diremos que u, l são respectivamente o limite superior e limite inferior da seqüência


(xn ). Ainda, utilizamos a seguinte notação

u = lim sup xn ou u = limxn ,

l = lim inf xn ou l = limxn .

De modo a fixar estes importantes conceitos, vejamos uma outra forma de caracterizar
os limites superior e inferior. Por exemplo o primeiro caso. Seja (xn ) uma seqüência de
números reais e associada a ela considere a seqüência (In ), com

In := sup{xk / k ≥ n} (∀n ∈ IN).

Claramente, (In ) é uma seqüência monótona não crescente e limitada (em IR), logo
convergente e, temos que
¡ ¢
limxn = lim In = inf sup xk .
n→∞ n≥1 k≥n

Analogamente, temos que


¡ ¢
limxn = sup inf xk .
n≥1 k≥n

Finalmente, enunciamos o teorema a seguir, o qual apresenta algumas propriedades sobre


os limites superior e inferior.
3.5. SÉRIES NUMÉRICAS 111

Teorema 3.17. (Propriedades dos Limites Superior e Inferior)


a) Seja (xn ) uma seqüência em IR, então

lim inf(xn ) = − lim sup(−xn ),

lim inf(xn ) ≤ lim sup(xn ).

b) Sejam (xn ), (yn ) duas seqüências em IR. Em geral não segue que

lim(xn + yn ) = lim(xn ) + lim(yn ).

Basta tomar por exemplo,

0 = lim((−1)n + (−1)n+1 ) 6= lim(−1)n + lim(−1)n+1 = 2.

De fato, temos que


lim(xn + yn ) ≤ lim(xn ) + lim(yn ).

Analogamente, temos que

lim(xn + yn ) ≥ lim(xn ) + lim(yn ).

c) Se (xn ), (yn ) são duas seqüências em IR, então

lim(xn + yn ) ≤ lim(xn ) + lim(yn ).

d) Uma seqüência (xn ) é convergente em IR se, e somente se

lim inf(xn ) = lim sup(xn ).

3.5 Séries Numéricas


Nesta seção vamos tornar preciso o que entendemos por um somatório de um número
infinito de parcelas. A pergunta natural seria: Essas ”somas” infinitas comportam-se de
forma análoga as somas finitas? Como veremos em alguns casos sim, mas via de regra
não! Ainda, como tais somas infinitas serão obtidas via limites, o conjunto dos números
reais mais uma vez é de fundamental importância. O termo numéricas, faz a distinção
com outros tipos de séries, como por exemplo a de funções.
112 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Definição 3.27. Uma expressão da forma



X
ai = a1 + a2 + . . . + an + . . .
i=1

é denominada uma série numérica (ou soma infinita), onde o número an é dito o
n-ésimo termo da série. Em geral, denotamos sn a n-ésima soma parcial
n
X
sn = ak ,
k=1

e a partir da seqüência (aj )∞


j=1 dos termos da série, associamos a seqüência de somas

parciais (sj )∞
j=1 .

Definição 3.28. Quando a seqüência de somas parciais (sn ) tiver limite S, dizemos que
P
a série ∞ n=1 an é convergente e, escrevemos

S = lim sn ≡ lim (a1 + a2 + . . . + an ).


n→∞ n→∞

P∞
Neste caso, n=1 an denotará tanto a série quanto o limite da seqüência de somas par-
ciais, i.e.
n
X ∞
X
lim ai = ai = S.
n→∞
i=1 i=1
P∞
Quando a série n=1 an não é convergente, dizemos que é divergente.

Nota 3.11. Por vezes será conveniente considerarmos



X ∞
X
ai , an , etc.
i=0 n=n0

No primeiro caso, isto é, onde começamos a série pelo contador em zero, deve ficar claro
que tal notação quando utilizada para aj = xj , isto é

1 + x + x2 + x3 + . . . + xn + . . . ,

faz sentido ainda que x seja igual a zero.

Exemplo 3.5.1. Mostre que a seguinte série converge,



X 1 1 1 1
= + + ... + + ... .
n=1
n(n + 1) 1·2 2·3 n · (n + 1)
3.5. SÉRIES NUMÉRICAS 113

Para cada n ∈ ZZ+ , temos que

1 1 1
sn = + + ... + .
1·2 2·3 n · (n + 1)

Agora, escrevendo
1 1 1
= − ,
n · (n + 1) n n+1
obtemos que sn = 1 − 1/(n + 1). Logo,
µ ¶
1 1
lim sn = lim 1 − = 1 − lim = 1.
n→∞ n→∞ n+1 n→∞ n + 1

Isto é, a série é convergente e seu limite é 1, ou ainda



X 1
= 1.
n=1
n(n + 1)

Exemplo 3.5.2. (Série Geométrica)


Seja a ∈ IR, fixo e, consideremos a seguinte série

X
an = 1 + a + a2 + . . . + an + . . . .
n=0

Para a = 0 a série vale 1. Para a = 1, a série



X
an = 1 + 1 + 1 + . . .
n=0

claramente diverge. Para a 6= 1, temos que

sn = 1 + a + a2 + . . . + an ,

e multiplicando-se por a
a sn = a + a2 + . . . + an+1 .

Logo, subtraindo as duas expressões anteriores, obtemos

1 − an+1 1 an+1
sn = = − .
1−a 1−a 1−a

Conforme visto a seqüência (an ) é convergente para −1 < a ≤ 1. Como a 6= 1, segue que

an+1
1−a → 0 para |a| < 1, e diverge para |a| > 1.
n→∞
114 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Conseqüentemente, para |a| < 1


µ ¶
1 an+1 1 an+1 1
lim sn = lim − = − lim = .
n→∞ n→∞ 1−a 1−a 1 − a n→∞ 1 − a 1−a
P
Isto é, a série geométrica ∞n=0 an é convergente quando |a| < 1, ainda


X 1
an = ,
n=0
1−a

e divergente quando |a| ≥ 1.

Nos exemplos anteriores foi simples obter a partir da série dada o n-ésimo termo da
seqüência de somas parcias de modo explı́cito, isto é, sem envolver a soma dos n termos
da série. Logo, utilzamos somente a teoria já desenvolvida para seqüências numéricas no
estudo da seqüência de somas parcias. Nem sempre isto será possı́vel ou mesmo pode
tornar-se bastante árduo. Desta forma, desenvolveremos agora uma teoria para séries
numéricas focada em estabelecer seu carácter de convergência ou não.
P∞
Teorema 3.18. Se a série n=1 an é convergente, então

lim an = 0.
n→∞

Proof. Seja (sn ) a seqüência de somas parciais e S seu limite. Logo, temos que

0 = S − S = lim sn − lim sn−1 = lim (sn − sn−1 ) = lim an .


n→∞ n→∞ n→∞ n→∞

Nota 3.12. O terorema anterior fornece uma condição necessária, porém não suficiente.
O contra-exemplo clássico é a série harmônica, a qual diverge. De fato, a importância
deste teorema está em sua contrapositiva, i.e. se

lim an 6= 0,
n→∞

P∞
então a série n=1 an diverge.
P∞
Exemplo 3.5.3. A série n=0 n2 , claramente diverge.
3.5. SÉRIES NUMÉRICAS 115

Exemplo 3.5.4. Segue também do teorema anterior que a série


X∞ µ ¶n
1
1+
n=1
n

diverge, visto que µ ¶n


1
lim 1 + = e 6= 0.
n→∞ n
Lema 3.3. (Critério de Cauchy para Séries)
P
A série an é convergente se, e somente se para todo ε > 0 dado, existe N ∈ IN, tal
que, para todo m, n ≥ N ,

|an+1 + an+2 + . . . + am | < ε.

Ou ainda, fazendo m = n + p, para todo n ≥ N e p ∈ IN,

|an+1 + an+2 + . . . + an+p | < ε.

Proof. Basta aplicar o Critério de Cauchy a seqüência de somas parcias (sn ) associada a
série, visto que
|sn − sm | = |an+1 + an+2 + . . . + am |.

Exemplo 3.5.5. (Série Harmônica)


Mostre que a série harmônica, i.e.
X∞
1 1
diverge, ainda que lim = 0.
n=1
n n→∞ n

Seja n ∈ ZZ+ e m = 2n. Então,


1 1 1
sn = 1 + + + ... + ,
2 3 n
1 1 1 1 1
s2n = 1 + + + ... + + + ... +
2 3 n n+1 2n
e por conseguinte
1 1
s2n − sn = + ... +
n+1 2n
1 1 1 1
> + ... + =n· = .
2n 2n 2n 2
116 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Agora, tomando ε = 1/2, em particular existe n, m = 2n tal que para todo N ∈ IN, temos
que
1
|s2n − sn | > .
2
Conseqüentemente, (sn ) não é de Cauchy, logo a série harmônica diverge.

Teorema 3.19. (Propriedades)


P P∞
1. Linearidade. Se as séries ∞ n=1 an , n=1 bn são convergentes e α, β ∈ IR, então
P∞
n=1 (α an + β bn ) é convergente e

X ∞
X ∞
X
(α an + β bn ) = α an + β bn .
n=1 n=1 n=1
P∞ P∞
2. Monotonia. Se as séries n=1 an , n=1 bn são convergentes e an ≤ bn para cada
n ∈ ZZ+ , então

X ∞
X
an ≤ bn .
n=1 n=1
P
3. Inclusão ou exclusão de um número finito de termos. A série ∞n=1 an é convergente
P∞
se, e somente se n=n0 an é convergente. Isto é, somar ou diminuir um número n0 de
termos a uma série não altera o caráter de convergência ou divergência da mesma.

Proof. A prova segue de modo imediato considerando-se as seqüências de somas parciais.


Ainda, para (3) observando que

X ∞
X
an = a1 + a2 + . . . + an0 −1 + an .
n=1 n=n0

Nota 3.13. Ainda que a soma de duas séries convergentes possa ser realizada termo por
termo, isto é, de modo análogo a somas finitas, a situação quando da multiplicação de
duas séries é muito mais complicada e na verdade pode ser realizada de várias formas.

Teorema 3.20. (Fórmula de Abel para Soma por Partes)


Sejam (an ), (bn ) duas seqüências e
k−1
X
Bk := bj .
j=1
3.5. SÉRIES NUMÉRICAS 117

Se 1 < m < n, então


n
X n
X
ak bk = (an+1 Bn+1 − am Bm ) − (ak+1 − ak ) Bk+1 .
k=m k=m

Proof. Seja ∆Bk := Bk+1 − Bk , então bk = ∆Bk . Logo, podemos escrever


n
X n
X
ak ∆Bk = (an+1 Bn+1 − am Bm ) − Bk+1 ∆ak ,
k=m k=m

a qual é análoga a fórmula de integração por partes para integral de Riemann vista no
curso de cálculo. Agora, calculemos

∆(ak Bk ) = ak+1 Bk+1 − ak Bk

= (ak+1 − ak )Bk+1 + ak (Bk+1 − Bk )

= Bk+1 ∆ak + ak ∆Bk .

Conseqüentemente, temos que


n
X n
X n
X
Bk+1 ∆ak + ak ∆Bk = ∆(ak Bk ) = an+1 Bn+1 − am Bm .
k=m k=m k=m

Teorema 3.21. Seja (an ) uma seqüência monótona não-crescente convergindo para zero.
P
Se a seqüência de somas parciais associada à série bn é limitada, então a série

X
an bn
n=1

é convergente.

Proof. Seja M > 0 tal que


k−1
X
|Bk := bj | ≤ M (∀k).
j=1

Dado ε > 0, existe N (ε) ∈ IN, tal que

ε
aN ≤ .
2M
118 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Para m, n ≥ N , temos que


n
X n
X
| ak bk | = |(an+1 Bn+1 − am Bm ) − (ak+1 − ak ) Bk+1 |
k=m k=m
n
X
≤ M |an+1 + am + (ak − ak+1 )|
k=m

= 2M am ≤ 2M aN ≤ ε.

Corolário 3.3. (Teste de Leibnitz)


Seja (cn ) uma seqüência monótona convergindo para zero. Então a série

X
(−1)n cn
n=1

é convergente.

Definição 3.29. Uma série satisfazendo as condições do corolário anterior é dita alter-
nada. Ainda, o Teste de Leibnitz é usualmente conhecido como Critério de Leibnitz.

Corolário 3.4. (Teste de Abel)


P
Seja (an ) uma seqüência monótona convergente. Se a série bn é convergente, então
a série

X
an bn
n=1
converge.

Exemplo 3.5.6. Considere a série



X 1
(−1)n+1 .
n=1
n

Como a seqüência (1/n) converge monotonamente para zero, isto é

1 1 1
< , lim = 0.
n+1 n n→∞ n

Pelo critério de Leibnitz a série converge.


3.5. SÉRIES NUMÉRICAS 119

Exemplo 3.5.7. Analogamente ao exemplo anterior, a série

X∞
1
(−1)n √ .
n=1
n

é convergente.

P∞
Definição 3.30. Uma série an é denominada absolutamente convergente,
n=1
P
quando a série de valores absolutos ∞n=1 |an | é convergente.

P P
Teorema 3.22. Se a série |an | converge, então a série an é convergente. Ainda,
X X X
an = a+
n − a−
n,

onde a+ −
n := max{an , 0} e an := max{−an , 0}.

P∞
Proof. Como n=1 an é absolutamente convergente, dado ε > 0, existe N ∈ IN, tal que
para todo n ≥ N e p ∈ IN

¯ ¯
¯|an+1 | + |an+2 | + |an+3 | + . . . + |an+p |¯ < ε.

Pela desigualdade triangular, temos que

|an+1 + an+2 + an+3 + . . . + an+p |


≤ |an+1 | + |an+2 | + |an+3 | + . . . + |an+p |
¯ ¯
= ¯|an+1 | + |an+2 | + |an+3 | + . . . + |an+p |¯ < ε.
P P∞ −
Conseqüentemente, pelo Critério de Cauchy as séries ∞ +
n=1 an e n=1 an são conver-
P∞
gentes, assim como n=1 an . Finalmente, o teorema esta provado utilizando a pro-

priedade de linearidade.

Observação 3.8. Pelo teorema anterior basta provar que uma série converge em valores
absolutos para ser convergente. A recı́proca é falsa, conforme visto a série

X∞
1
(−1)n+1
n=1
n
120 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

é convergente, porém a série de valores absolutos, a qual é a série harmônica diverge.


P
Ainda, pelo teorema anterior e a propriedade de monotonia, se a série |an | é conver-
gente, então
¯X ¯ X
¯ ¯
¯ an ¯ ≤ |an |.

De fato, segue imediato observando-se que para todo n ∈ ZZ+

−|an | ≤ an ≤ |an |.

P
Definição 3.31. Uma série an convergente que não é absolutamente convergente é
denominada condicionalmente convergente.

Nota 3.14. Séries absolutamente convergentes e condicionalmente convergentes têm


comportamentos completamente distintos, quanto ao rearranjamento de seus termos. En-
quanto para a primeira tal rearranjamento não altera o caráter de convergência absoluta,
para segunda o mesmo não ocorre. De fato, tudo pode ocorrer conforme mostra o teorema
que enunciaremos a seguir.

Teorema 3.23. (Riemann)


P
Seja an uma série condicionalmente convergente, então conforme o rearranjamento
de seus termos, esta poderá divergir ou convergir para qualquer número real prescrito.

Agora, vejamos mais alguns testes.

Teorema 3.24. (Teste de Comparação)


P P∞
Sejam ∞n=1 an e n=1 bn duas séries com bn > 0 para todo n ∈ IN. Suponhamos que

exista N ∈ IN, tal que


|an | ≤ bn ,

para todo n ≥ N , temos que:


P P∞
i) Se ∞ n=1 bn converge, então n=1 |an | converge;
P∞ P∞
ii) Se n=1 an diverge, então n=1 bn diverge.
3.5. SÉRIES NUMÉRICAS 121

Proof. 1. Para todo n ≥ N e todo p ∈ IN, segue que

|an+1 | + |an+2 | + . . . |an+p | ≤ bn+1 + bn+2 + . . . + bn+p .

Logo, pelo Critério de Cauchy



X ∞
X
bn converge ⇒ |an | converge.
n=1 n=1
P
2. De modo a provar (ii) basta utilizar (i). De fato, suponhamos que bn seja conver-
P P
gente, por (i) temos que |an | converge. Por conseguinte, an é convergente, o que é
uma contradição.

Teorema 3.25. (Teste Assintótico)


Sejam (an ), (bn ) duas seqüências de termos não negativos, tal que an ∼ bn , isto é

an
lim
= c 6= 0.
n→∞ bn

P P∞
Então, ambas as séries ∞n=1 an e n=1 bn convergem ou divergem.

Proof. Pela propriedade de linearidade, basta considerar o caso em que an /bn → 1 quando
n → ∞. Logo para todo ε > 0 dado, em particular ε = 1/2, existe N ∈ IN, tal que

1 an 3
< <
2 bn 2

para todo n ≥ N . De onde segue a prova aplicando o Teste de Comparação.

Teorema 3.26. (Teste da Integral )


Seja f : [1, ∞) → IR uma função monótona não-crescente, não negativa, e defina
Z x
r := lim f (ξ)dξ.
x→+∞ 1
P∞
Então, a série n=1 fn converge ou diverge respectivamente para r < +∞ e r = +∞.
Ainda, no primeiro caso

X
r≤ fn ≤ r + f1 .
n=1
122 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES

Proof. 1. Seja F : [1, ∞) → IR+ a primitiva de f , i.e.


Z x
F (x) := f (ξ)dξ.
0

Como f é monótona a integral do lado direito existe no sentido de Riemann, logo F esta
bem definida, ainda que, possa assumir +∞.
2. Para cada n > 1,
Z n n−1 Z
X k+1
f (x) dx = f (x) dx.
1 k=1 k

Ainda, como f é monótona não crescente, f (k + 1) ≤ f (x) ≤ f (k) para k ≤ x ≤ k + 1.


Logo, temos que
Z k+1 Z k+1
f (k + 1) ≤ f (x) dx ≤ f (k) dx = f (k).
k k

Então somando a desigualdade anterior para k = 2, 3, . . . , n − 1, segue que


n−1
X Z n n−1
X
sn − f (1) = f (k + 1) ≤ f (x) dx ≤ f (k) = sn−1 .
k=1 1 k=1

Pela desigualdade anterior e, sabendo que (sn ) é uma seqüência monótona, esta será
convergente ou divergente repectivamente para r < +∞ ou r = +∞. No primeiro
caso, passando ao limite na desigualdade anterior quando n → ∞, segue o restante da
prova.

Exemplo 3.5.8. Para p ∈ (0, ∞), estudemos a série

X∞
1
p
.
n=1
n

Teorema 3.27. (Teste da Razão ou Teste de D’Alembert)


Seja (an ) uma seqüência tal que an 6= 0 para cada n ∈ ZZ+ e,
¯ ¯ ¯ ¯
¯ an+1 ¯ ¯ an+1 ¯
¯
li := lim inf ¯ ¯ ¯
e ls := lim sup ¯ ¯.
an ¯ an ¯
P
Se ls < 1, então a série ∞ n=1 an converge absolutamente; se li > 1, então a série diverge.

Ainda, quando li = ls = 1 nada se pode afirmar.


3.5. SÉRIES NUMÉRICAS 123

Proof. 1. Aqui daremos a prova no caso mais simples, onde


¯ ¯
¯ an+1 ¯
¯
li = ls = l = lim ¯ ¯.
an ¯

2. Seja l < 1. Então,

Teorema 3.28. (Teste da Raiz ou Teste de Cauchy)


Seja (an ) uma seqüência tal que

1
r := lim sup |an | n .

P∞
Se r < 1, então a série n=1 an converge absolutamente; se r > 1, então a série diverge.
Ainda, quando r = 1 nada se pode afirmar.

Proof. 1. Aqui também daremos a prova no caso mais simples, onde

1
r = lim |an | n .

2. Seja r < 1. Então,


124 CAPÍTULO 3. CONJUNTO DOS NÚMEROS REAIS WLADIMIR NEVES
Capı́tulo 4

Cálculo de Uma Variável Real


Wladimir NEVES

4.1 Topologia da Reta

4.1.1 Conjuntos Abertos - Conjuntos Fechados

Definição 4.1. Seja X ⊂ IR. Um ponto a ∈ X é dito ponto interior de X quando


existir ε > 0 tal que
(a − ε, a + ε) ⊂ X.

Ainda, o conjunto de todos os pontos interiores de X, será denotado intX, ou X , i.e.,

intX := {x ∈ X / x é ponto interior}.

Exemplo 4.1.1. Seja X = [0, 2). Por exemplo, temos que 1 ∈ X é ponto interior. De
fato, basta tomar ε = 1/2, logo

(1 − 1/2, 1 + 1/2) ⊂ [0, 2).

É fácil ver que todo a ∈ (0, 2) é ponto interior de X. Com efeito, seja
1
ε := min{a − 0, 2 − a} > 0,
2
logo
(a − ε, a + ε) ⊂ [0, 2).

125
126 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Contudo, 0 não é ponto interior de X. De fato, para todo ε > 0

(−ε, ε) 6⊂ [0, 2).

Definição 4.2. Um conjunto A ⊂ IR é dito aberto, quando A = intA. Conseqüentemente,


A é aberto se e somente se para todo x ∈ A, existir εx > 0, tal que

(x − εx , x + εx ) ⊂ A.

De modo formal, podemos dizer que um conjunto aberto é estável em relação a pontos
próximos.

Exemplo 4.1.2. O conjunto [0, 2) não é aberto. De fato, 0 ∈ [0, 2) e, vimos que 0 não
é ponto interior.

Exemplo 4.1.3. O intervalo aberto (a, b), a, b ∈ IR, é um conjunto aberto. Ver Exemplo
4.1.1.

Exemplo 4.1.4. O conjunto vazio é aberto. Não existe elemento algum que não satisfaça
a condição de ser ponto interior.

Exemplo 4.1.5. A reta real, isto é, o conjunto IR é aberto. Para todo x ∈ IR, existe
ε > 0 (de fato para todo ε > 0) tal que x + ε ∈ IR e x − ε ∈ IR, isto é,

(x − ε, x + ε) ⊂ IR.

Exemplo 4.1.6. Os intervalos (−∞, a), (b, ∞) são conjuntos abertos.

Exemplo 4.1.7. Como estamos considerando subconjuntos da reta, temos que

intZZ = intQ
I = ∅.

Logo os conjuntos ZZ e Q
I não são abertos. Vejamos a primeira afirmação, a segunda
segue de modo análogo. Não existe m ∈ ZZ, tal que, para todo ε > 0

(m − ε, m + ε) ⊂ ZZ.

Por conseguinte, intZZ = ∅.


4.1. TOPOLOGIA DA RETA 127

Teorema 4.1.
(i) A reunião de uma famı́lia qualquer de conjuntos abertos é um conjunto aberto.
(ii) A interseção finita de conjuntos abertos é um conjunto aberto.

Proof.
S
1. De modo provar (i), seja (Aλ )λ∈L uma famı́lia de abertos. Se a ∈ Aλ , então existe
λ ∈ L tal que a ∈ Aλ . Como Aλ é aberto, existe ε > 0 tal que
[
(a − ε, a + ε) ⊂ Aλ ⊂ Aλ .
λ∈L
S
Como a ∈ Aλ é qualquer, segue o resultado.
2. Agora, mostremos (ii). Seja n ∈ IN e A1 , A2 , . . . , An conjuntos abertos. Se a ∈ A1 ∩A2 ,
então a ∈ A1 e a ∈ A2 . Como A1 e A2 são abertos, existem ε1 , ε2 > 0, tais que

(a − ε1 , a + ε1 ) ⊂ A1 ,
(a − ε2 , a + ε2 ) ⊂ A2 .

Tomando ε = min{ε1 , ε2 }, temos que (a − ε, a + ε) ⊂ A1 e (a − ε, a + ε) ⊂ A2 , logo


(a − ε, a + ε) ⊂ (A1 ∩ A2 ). Conseqüentemente, A1 ∩ A2 é aberto. Por indução, mostramos
que
(A1 ∩ A2 ∩ . . . ∩ An−1 ) ∩ An = A1 ∩ A2 ∩ . . . ∩ An

é um conjunto aberto.

Nota 4.1. O exemplo a seguir mostra que o item (ii) do teorema anterior não é verdade
para interseção infinita de conjuntos abertos.

Exemplo 4.1.8. Seja A1 = (−1, +1), A2 = (−1/2, +1/2), . . ., An = (−1/n, +1/n).


Temos que, An é aberto para todo n ∈ ZZ+ . Claramente

\
{0} ⊂ An ,
n=1

pois para todo n ∈ ZZ+ , 0 ∈ (−1/n, 1/n). Agora, mostremos que



\
An ⊂ {0}.
n=1
128 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

T
Por absurdo, suponhamos que exista x ∈ An e x 6= 0. Como |x| > 0, pela propriedade
arquimediana existe n0 ∈ ZZ+ , tal que
1
|x| >> 0.
n0
T
Logo, x 6∈ (−1/n0 , 1/n0 ) = An0 e portanto x 6∈ An . Conseqüentemente,

\
An = {0}
n=1

e {0} não é aberto, pois para todo ε > 0 temos que (−ε, ε) 6⊂ {0}.

Definição 4.3. Seja F ⊂ IR, dizemos que F é um conjunto fechado se seu complementar
em relação a IR, i.e. {IR F = IR − F , é um conjunto aberto em IR.

Exemplo 4.1.9. Segue imediato que o conjunto vazio e IR são conjuntos fechados.

Exemplo 4.1.10. O intervalo fechado [a, b] é um conjunto fechado, pois (−∞, a)∪(b, ∞)
é aberto. De modo análogo, temos que (−∞, a], [b, ∞) e {a} são conjuntos fechados.
Contudo, o intervalo (a, b] não é aberto nem fechado.

Teorema 4.2.
(i) A interseção de uma famı́lia qualquer de conjuntos fechados é um conjunto fechado.
(ii) A reunião finita de conjuntos fechados é um conjunto fechado.

Proof. A prova é uma simples aplicação das Leis de Morgan. Seja (Fλ )λ∈L uma famı́lia
de fechados em IR. Para cada λ ∈ L, tomamos Aλ = Fλc , o qual é aberto. Como
\ [ [
( Fλ )c = Fλc = Aλ
T
é um conjunto aberto, segue que Fλ é fechado. O que mostra (i). Agora, para n ∈ ZZ+ ,
sejam F1 , F2 , . . . , Fn conjuntos fechados e como antes Aj (j = 1, n). Temos que
n
[ n
\ \
c
( Fj ) = Fjc = Aj
j=1 j=1
Sn
é um conjunto aberto. Conseqüentemente, j=1 Fj é fechado, provando (ii).

Nota 4.2. A reunião infinita de fechados pode deixar de ser um conjunto fechado, como
mostra o exemplo a seguir.
4.1. TOPOLOGIA DA RETA 129

Exemplo 4.1.11. Para cada n ∈ IN, seja Fn = [1/n, 1], logo Fn é fechado para cada n.
Contudo,
[
[1/n, 1] = (0, 1]

não é um conjunto fechado. De fato, suponhamos que


[
0∈ [1/n, 1].

Então existe um n0 natural tal que 0 ∈ [1/n0 , 1]. O que é uma contradição, pois para
todo n natural, 1/n > 0.

4.1.2 Caracterização de Conjuntos Abertos e Fechados por Seqüências

Aqui, utilizamos o conceito de seqüência, ou ainda limite de uma seqüência de números


reais, de modo a caracterizar quando um subconjunto da reta é aberto ou fechado.

Definição 4.4. Dizemos que a ∈ IR é um ponto de aderência ao conjunto X ⊂ IR,


quando para todo ε > 0 tem-se

(a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅.

De fato, um ponto aderente a um conjunto X pode estar ou não em X.

Exemplo 4.1.12. Seja o conjunto X = (0, 1] ∪ {2} e, consideremos os pontos 0, 1/2.


Temos que o primeiro ponto não pertence ao conjunto, enquanto o segundo sim, contudo
ambos são pontos de aderência do conjunto X. De fato, para todo ε > 0

(−ε, ε) ∩ X 6= ∅,

1 1
( − ε, + ε) ∩ X 6= ∅.
2 2
Observe que 2 também é um ponto de aderência do conjunto X.

É óbvio, mas não custa ressaltar que a questão está em tomarmos ε0 s cada vez
menores, de tal modo investigarmos o fato de um ponto ser de aderência.
130 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Definição 4.5. O conjunto dos pontos aderentes a um conjunto X é denominado fecho


(ou aderência) de X, e denotado X.

É claro que X ⊂ X. De fato, para todo a ∈ X e para todo ε > 0, segue que

(a − ε, a + ε) ∩ X ⊃ {a} 6= ∅.

Exemplo 4.1.13. Como alguns exemplos, temos que

(0, 1] = [0, 1],


[0, 1] = [0, 1],
Q
I = IR (os racionais são densos nos reais),
{1/n ; n ∈ IN} = {1/n ; n ∈ IN} ∪ {0}.

Teorema 4.3. Seja X ⊂ IR. Um ponto a é aderente a X se, e somente se a é limite de


alguma seqüência (xn ) de pontos de X (xn ∈ X, ∀n ∈ IN).

Proof. 1. Primeiro, suponhamos que a é aderente a X, isto é, a ∈ X, então para todo
ε > 0, (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅. Então, para cada n ∈ IN, tomando ε = 1/n, segue que
existe
¡ 1 1¢
xn ∈ a − , a + ∩ X.
n n
Isto é, para cada n ∈ IN, existe xn ∈ X, tal que
1
|xn − a| < ,
n
de onde segue que lim xn = a.
2. Agora, suponhamos que lim xn = a, xn ∈ X, então dado ε > 0, existe N ∈ IN tal que

|xn − a| < ε (∀n ≥ N ).

Logo, xn ∈ (a − ε, a + ε) ∩ X 6= ∅.

Teorema 4.4. Um conjunto F ⊂ IR é fechado se, e somente se F = F .

Proof. 1. Suponhamos que F é fechado e, vamos mostrar que F = F . Claramente,


F ⊂ F , logo resta mostrar F ⊂ F . Como F é fechado, A := IR \ F é aberto. Se a ∈ F ,
então para todo ε > 0 dado
(a − ε, a + ε) ∩ F 6= ∅.
4.1. TOPOLOGIA DA RETA 131

Como F ∩ A = ∅, segue que


(a − ε, a + ε) 6⊂ A.

Conseqüentemente, a não é ponto interior de A, mas intA = A, de onde segue que a ∈ F .


2. Agora, suponhamos que F = F e, vamos mostrar que F é fechado. Como antes, seja
A = F c , logo é equivalente mostrarmos que A é aberto. Se a ∈ A, então a 6∈ F e como
F = F , concluimos que a não é ponto aderente a F . Logo existe ε > 0, tal que

(a − ε, a + ε) ∩ F = ∅,

ou ainda
(a − ε, a + ε) ⊂ A.

Por conseguinte, a é ponto interior de A, de onde segue que A é aberto.

Corolário 4.1. Se F ⊂ IR é um conjunto fechado, então para toda seqüência {xn }∞


n=1 ,

xn ∈ F , tal que xn → a, tem-se a ∈ F .

Definição 4.6. Seja X ⊂ IR, um ponto a ∈ IR é dito um ponto de acumulação de X,


quando para todo ε > 0, (a − ε, a + ε) contém pelo menos um ponto de X diferente de a,
isto é,
(a − ε, a + ε) ∩ (X − {a}) 6= ∅.

Equivalentemente, para todo ε > 0, existe x ∈ X, tal que

0 < |x − a| < ε (x 6= a).

Claramente, um ponto de acumulação de X pode ou não estar em X. Retorne ao


Exemplo 4.1.12 e observe que 2 não é um ponto de acumulação do conjunto X, porém 0
e 1/2 são.

Definição 4.7. O conjunto dos pontos de acumulação de X é denotado X 0 e chama-se


conjunto derivado de X. Desta forma,

X 0 = {a ∈ IR ; a é ponto de acumulação de X}.


132 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Quando a ∈ X não é ponto de acumulação de X, dizemos que é um ponto isolado de


X. Isto é, se a é isolado de X, então existe ε > 0, tal que

(a − ε, a + ε) ∩ X = {a}.

Ainda, dizemos que X é um conjunto discreto quando todos os seus pontos são isolados.

Exemplo 4.1.14. Considere os seguintes conjuntos, e seus respectivos derivados:

I = (a, b), I 0 = [a, b],


A = {1/n ; n ∈ IN}, A0 = {0},
B = {x1 , x2 , . . . , xn }, B 0 = ∅,
IN0 = ZZ0 = ∅,
I 0 = IR.
Q

Observe que, B, IN e ZZ são conjuntos discretos.

Teorema 4.5. Seja X ⊂ IR e a ∈ IR. As seguintes afirmações são equivalentes:


(i) a é ponto de acumulação de X;
(ii) a é limite de uma seqüência (xn ) de pontos de X, distintos dois a dois;
(iii) todo intervalo aberto contendo a, contém uma infinidade de elementos de X.

Proof. 1. (i) ⇒ (ii), isto é, se a é ponto de acumulação de X, então existe (xn ), xn ∈ X,
com xn 6= xm para todo m 6= n, tal que xn → a. Seja a ∈ X 0 , logo para todo ε > 0 dado,
existe x ∈ X − {a} tal que
0 < |x − a| < ε.

Tome ε1 = 1, então existe x1 ∈ X − {a} tal que

0 < |x1 − a| < 1.

Seja ε2 = min{|x1 − a|, 1/2}, então existe x2 ∈ X − {a} tal que

0 < |x2 − a| < ε2 ≤ 1/2.

Seja ε3 = min{|x2 − a|, 1/3}, então existe x3 ∈ X − {a} tal que

0 < |x3 − a| < ε3 ≤ 1/3.


4.1. TOPOLOGIA DA RETA 133

Prosseguindo desta forma, obtemos uma seqüência (xn ), xn ∈ X e para todo n ∈ IN,
temos que
0 < |xn+1 − a| < |xn − a|,
0 < |xn − a| ≤ 1/n.

De onde segue

lim xn = a (xn 6= xm , ∀n 6= m).


n→∞

2. (ii) ⇒ (iii). Como lim xn = a, para todo ε > 0, existe N ∈ IN, tal que

xn ∈ (a − ε, a + ε) (∀n ≥ N ).

De onde segue o resultado sabendo que xn ∈ X, com xn 6= xm para todo m 6= n.


3. (iii) ⇒ (i). Segue da definição de ponto de acumulação.

Corolário 4.2. Se X 0 6= ∅, então X é infinito.

Até o presente momento as definições dadas podem ser estendidas de modo natural a
conjuntos mais gerais que IR. Contudo, a definição a seguir, fundamental para definirmos
limites laterais na próxima seção, é particular a subconjuntos da reta.

Definição 4.8. Seja X ⊂ IR. Um ponto a ∈ IR é dito um ponto de acumulação à


direita de X, denotado a ∈ X+0 , quando para todo ε > 0, (a, a + ε) contém pelo menos
um ponto de X, isto é,

(a, a + ε) ∩ X 6= ∅.

Analogamente, um ponto b ∈ IR é dito um ponto de acumulação à esquerda de X,


denotado b ∈ X−0 , quando para todo ε > 0, (b − ε, b) contém pelo menos um ponto de X,
isto é,

(b − ε, b) ∩ X 6= ∅.

Claramente, se x é um ponto de acumulação a direita ou esquerda, então é um ponto


de acumulação.
134 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

4.1.3 Conjuntos Compactos

O conceito de conjuntos compactos, ou ainda compacidade, é sem dúvida uma das pro-
priedades mais importantes da análise matemática. Aqui na análise real isto não é uma
verdade absoluta. De fato, como veremos (Teorema de Heine-Borel), conjuntos com-
pactos são perfeitamente caracterizados por fechados e limitados. Contudo, iniciamos
com a definição de conjuntos compactos através da noção de cobertura, visto que a reta
real oferece um excelente local para ver compacidade pela primeira vez.

Definição 4.9. Chama-se cobertura de um conjunto X ⊂ IR a uma famı́lia

= = (Cλ )λ∈L

de subconjuntos de IR, tais que


[
X⊂ Cλ .
λ∈L

Ainda, quando todos os subconjuntos Cλ ⊂ IR são abertos, dizemos que = é uma cober-
tura aberta de X e, quando
L = {λ1 , . . . , λn },

dizemos que = é uma cobertura finita de X.

Definição 4.10. Seja X ⊂ IR e = = (Cλ )λ∈L uma cobertura de X. Quando L? ⊂ L é


tal que ainda se tem
[
X⊂ Cλ? ,
λ? ∈L?

dizemos que =? = (Cλ? )λ? ∈L? é uma subcobetura de = para X.

Definição 4.11. Um subconjunto K ⊂ IR é dito compacto, quando toda cobertura


aberta de K contém uma subcobertura finita. Isto é, se
[
K⊂ Cλ (Cλ ⊂ IR aberto),
λ∈L

então existem λ1 , . . . , λn tais que


n
[
K⊂ Cλi .
i=1
4.1. TOPOLOGIA DA RETA 135

Exemplo 4.1.15. Seja X = {x1 , x2 , . . . , xn } e = = (Cλ )λ∈L uma cobertura aberta de


X. Para cada xi ∈ X, (i = 1, . . . , n), tomamos λi ∈ L e Cλi , tal que xi ∈ Cλi . Con-
seqüentemente,
X ⊂ Cλ1 ∪ . . . ∪ Cλn ,

isto é, X é um conjunto compacto.

Nota 4.3. De modo mostrarmos que um conjunto S é compacto, devemos examinar


arbitrárias coleções de conjuntos abertos que contenham S e, mostrarmos que uma sub-
cobertura finita destes ainda contém S. Por outro lado, mostrar que S não é compacto
é bem mais simples, visto que basta tomar uma cobertura aberta de S e mostrar que
nenhuma coleção finita desta cobertura contém S.

Exemplo 4.1.16. Seja o intervalo fechado, não limitado H = [0, ∞) e vejamos que H
não é um conjunto compacto. De fato, para cada n ∈ IN, seja An = (−1, n), logo An é
aberto e

[
H⊂ An ,
n=1
isto é, (An )n∈IN é uma cobertura aberta de H. Agora, suponhamos que H seja compacto,
então existem An1 , . . . , Ank tais que

H ⊂ An1 ∪ . . . ∪ Ank .

Tomando-se p = max{n1 , n2 , . . . , nk }, temos que

H ⊂ Ap = (−1, p),

o que é uma contradição visto que p + 1 ∈ H e p + 1 6∈ Ap .

Exemplo 4.1.17. Seja o intervalo aberto, limitado I = (0, 1) e vejamos que I não é um
conjunto compacto. De fato, para cada n ∈ IN, n ≥ 3, seja An = (1/n, 1 − 1/n), logo An
é aberto e

[
I⊂ An ,
n=3
isto é, (An )n∈IN é uma cobertura aberta de I. Se I é um conjunto compacto, então (An )n≥3
possui uma subcobertura finita {An1 , . . . , Ank } tal que

I ⊂ An1 ∪ . . . ∪ Ank .
136 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Tomando-se p = max{n1 , n2 , . . . , nk }, temos que

I ⊂ Ap = (1/p, 1 − 1/p),

o que é uma contradição, visto que 1/p ∈ I e 1/p 6∈ Ap .

Agora, vejamos como caracterizar conjuntos compactos na reta, sem ter de passar
pela definicão, isto é, sem ter de utlizar a noção de cobertura.

Teorema 4.6. (Teorema de Heine-Borel)


Seja K ⊂ IR. Então K é um conjunto compacto se, e somente se é fechado e limitado.

Proof. 1. Primeiro mostremos que se K é compacto, então é fechado e limitado. Começamos


mostrando que é fechado. Seja A = K c e vamos mostrar que A é aberto. Seja x ∈ A e
para cada n ∈ IN, definimos

An := {y ∈ IR : |y − x| > 1/n}.

Temos que cada An é aberto. De fato, para cada z ∈ An , tomando


1
ε := min{|z − (x − 1/n)|, |z − (x + 1/n)|},
2
segue que (z − ε, z + ε) ⊂ An . Ainda, claramente temos que

[
IR − {x} = An =: U,
n=1

onde U é aberto. Como x ∈


/ K, temos que K ⊂ U . Agora, como K é compacto, existe
m ∈ IN, tal que
m
[
K⊂ An =: Um .
n=1
Daqui, segue que
K ∩ (x − 1/m, x + 1/m) = ∅.

Conseqüentemente, (x − 1/m, x + 1/m) ⊂ A e como x é arbitrário A é um conjunto


aberto.
2. Agora, vamos mostrar que K compacto é limitado. Para cada m ∈ IN, seja Am =
(−m, m). Como cada Am é aberto e

[
K⊂ Am = IR,
m=1
4.1. TOPOLOGIA DA RETA 137

temos que {Am } é uma cobertura aberta de K. Como K é compacto, existe M ∈ IN, tal
que
M
[
K⊂ Am = (−M, M ).
m=1

Isto é, |x| ≤ M para todo x ∈ K.


3. Agora, suponhamos que K é fechado e limitado. Seja

¡ ¢
F = Cλ λ∈L ,

uma cobertura aberta de K e queremos mostrar que existe L? ⊂ L, L? finito, tal que
[
K⊂ Cλ .
λ∈L?

Por contradição, suponhamos que não exista L? satisfazendo a condição anterior. Como
K é limitado, existe M > 0, tal que

K ⊂ [−M, M ] =: F1 .

Sejam F10 = [−M, 0], F100 = [0, M ]. Logo, pelo menos um dos dois conjuntos

K ∩ F10 6= ∅ e K ∩ F100 6= ∅,

não esta contido em nenhuma subcobertura finita de F, desde que

K = (K ∩ F10 ) ∪ (K ∩ F100 ).

Se K ∩ F10 satisfaz tal condição, então fazemos F2 := F10 . Caso contrário, F2 := F100 .
Agora, realizamos uma bissecção de F2 em dois conjuntos fechados, i.e., F20 e F200 . Se
F20 ∩ K é não vazio e não esta contido em nenhuma subcobertura finita de F, fazemos
F3 := F20 , caso contrário F3 := F200 . Continuando desta forma, obtemos uma seqüência
de intervalos encaixantes (Fn ). Então pelo Princı́pio dos Intervalos Encaixantes, existe
x ∈ Fn , para todo n ∈ IN. Conseqüentemente, x é um ponto de acumulação de K, e
como K é fechado, x ∈ K. Logo, para algum λ ∈ L, temos que x ∈ Cλ . Como Cλ é
aberto, existe ε > 0, tal que
(x − ε, x + ε) ⊂ Cλ .
138 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Por outro lado, como os intervalos Fn são obtidos via repetidas bissecções de F1 , temos
que
M
L1 (Fn ) = (∀n ∈ IN).
2n−2
Então, para n0 suficientemente grande, tal que

M
< ε,
2n0 −2

temos que Fn0 ⊂ Cλ . Por conseguinte,

K ∩ Fn0 ⊂ Cλ ,

isto é K ∩ Fn0 está contido em um único conjunto de F, o que contradiz nossa construção
dos intervalos Fn . Conseqüentemente, existe L? ⊂ L finito, e desta forma K é compacto.

Ainda que conjuntos compactos fiquem perfeitamente caracterizados em IR como


fechados e limitados via Teorema de Heine-Borel, frequentemente é mais oportuno sua
caracterização por seqüências. De fato, este é o conceito de seqüêncialmente compacto
que introduzimos a seguir.

Definição 4.12. Um conjunto K ⊂ IR é dito seqüêncialmente compacto, se para


cada seqüência (xn ), xn ∈ K, existe uma subseqüência (xnk ) ⊂ (xn ), tal que

lim xnk = x,
k→∞

com x ∈ K.

Teorema 4.7. Um conjunto K ⊂ IR é compacto se, e somente se é seqüêncialmente


compacto.

Proof. 1. Seja K compacto e, (xn ) uma seqüência com xn ∈ K para todo n ∈ IN. Pelo
Teorema de Heine-Borel K é limitado, logo (xn ) é limitada. Pelo Teorema de Bolzano-
Weierstrass, existe uma subseqüência (xnk ) ⊂ (xn ) convergente. Ainda pelo Teorema de
Heine-Borel K é fechado, logo
lim xnk = x,
k→∞
4.2. LIMITE DE UMA FUNÇÃO REAL 139

com x ∈ K.
2. Agora, suponhamos que K é seqüêncialmente compacto. Primeiro, suponhamos que
K não é limitado. Então, existe uma seqüência (xn ), xn ∈ K, tal que

|xn | > n (∀n ∈ IN).

Então toda subseqüência de (xn ) é ilimitada, logo não converge, o que é um absurdo.
Finalmente, suponhamos que K não é fechado. Então K possui um ponto de acu-
/ K. Como x ∈ K 0 , existe uma seqüência (xn ), xn ∈ K, xn 6= x para todo
mulação x ∈
n ∈ IN. Conseqüentemente, toda subseqüência de (xn ) também converge para x ∈
/ K.
Isto é, não existe subseqüência de (xn ) convergente para um ponto de K, o que é um
absurdo.

4.2 Limite de uma Função Real

4.2.1 Limite de Funções

Definição 4.13. Seja f : A ⊂ IR → IR e a ∈ A0 . Dizemos que l ∈ IR é limite da função


f (x) quando x tende para a e, escrevemos

lim f (x) = l ou f (x) → l,


x→a x→a

quando dado ε > 0, existir δ = δ(ε, a) > 0 (δ dependendo de ε e a) tal que, para todo
x ∈ A, se 0 < |x − a| < δ, então
|f (x) − l| < ε.

Isto é,

lim f (x) = l ⇔ (∀ε > 0)(∃δ > 0)(∀x ∈ A)(0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − l| < ε).
x→a

Observação 4.1. Conforme a definição anterior, a negação de l ser o limite de f (x)


em a é estabelecida como

lim f (x) 6= l ⇔ (∃ε > 0)(∀δ > 0)(∃xδ ∈ A)(0 < |xδ − a| < δ e |f (xδ ) − l| ≥ ε).
x→a
140 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Nota 4.4. 1. Na definição de limite, temos que a ∈ A0 , logo não necessariamente a ∈ A.


Como exemplo, faz sentido
sin x
lim = 1.
x→0 x

De fato, como veremos a 6∈ A será de grande importância na definição de derivada.


2. Ainda na definição de limite, mesmo que a ∈ D(f ), a afirmação

lim f (x) = l,
x→a

nada diz a respeito do valor de f (a).

Exemplo 4.2.1. Seja f : IR → IR, x 7→ c, i.e. função constante. Para todo a ∈ IR,
temos que
lim f (x) = c.
x→a

De fato, para todo ε > 0, tome δ > 0 qualquer e, temos que para x ∈ IR

0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − c| = |c − c| = 0 < ε.

Exemplo 4.2.2. Seja f : IR → IR, x 7→ x, i.e. função identidade. Para todo a ∈ IR,
temos que
lim f (x) = a.
x→a

De fato, para todo ε > 0, tome δ > 0 (δ =?) tal que para x ∈ IR

0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − a| = |x − a| < ε.

Logo, basta tomar δ = ε dado.

Exemplo 4.2.3. Ainda utilizando a definição de limite, vamos mostrar que

lim (3x2 + 1) = 4.
x→1

Dado ε > 0, devemos encontrar δ > 0 tal que

0 < |x − 1| < δ ⇒ |(3x2 + 1) − 4| < ε.

Temos que
|3x2 + 1 − 4| = |3x2 − 3| = 3|x + 1||x − 1|.
4.2. LIMITE DE UMA FUNÇÃO REAL 141

Logo, se |x − 1| < 1 então 0 < x < 2 e por conseguinte, |x + 1| < 3. Segue que

|x − 1| < 1 ⇒ |(3x2 + 1) − 4| < 9|x − 1|.

Agora, se |x − 1| < ε/9 então |(3x2 + 1) − 4| < ε. Finalizando, basta tomar

δ = min{1, ε/9},

para obtermos o resultado desejado.

Assim como observamos que obter o limite de seqüências numéricas através da definição
poderia tornar-se um trabalho árduo, aqui fazemos a mesma ressalva. Como lá, faremos
uso de diversas propriedades de modo a facilitar o cálculo do limite de funções reais.

Teorema 4.8. (Unicidade do limite)


Seja f : A ⊂ IR → IR, a ∈ A0 e l1 , l2 ∈ IR. Se

f (x) → l1 e f (x) → l2 ,
x→a x→a

então l1 = l2 .

Proof. Se f (x) → l1 quando x → a, então para todo ε > 0 dado, existe δ1 > 0 tal que,
para todo x ∈ A
0 < |x − a| < δ1 ⇒ |f (x) − l1 | < ε/2.

Analogamente, temos que

0 < |x − a| < δ2 ⇒ |f (x) − l2 | < ε/2.

Seja δ = min{δ1 , δ2 }, logo para todo x ∈ A

0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − l1 | < ε/2 e |f (x) − l2 | < ε/2.

Então,
0 ≤ |l1 − l2 | = |l1 − f (x) + f (x) − l2 |
≤ |l1 − f (x)| + |f (x) − l2 | < ε,
de onde segue que l1 = l2 .
142 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Teorema 4.9. (Teorema do Sanduı́che)


Sejam f, g, h : A ⊂ IR → IR, a ∈ A0 e l ∈ IR. Se para todo x ∈ A, x 6= a, tivermos

f (x) ≤ g(x) ≤ h(x) e


limx→a f (x) = limx→a h(x) = l,

então limx→a g(x) = l.

Proof. Para todo ε > 0, existe δ1 > 0, tal que para todo x ∈ A

0 < |x − a| < δ1 ⇒ |f (x) − l| < ε (l − ε < f (x) < l + ε).

Analogamente,

0 < |x − a| < δ2 ⇒ |h(x) − l| < ε (l − ε < h(x) < l + ε).

Seja δ = min{δ1 , δ2 }. Então, para todo x ∈ A

l − ε < f (x) ≤ g(x) ≤ h(x) < l + ε,

de onde segue que limx→a g(x) = l.

Exemplo 4.2.4. Considere a seguinte função

f : IR − {0} → IR,
1
x 7→ x sin
x
vamos mostrar que f (x) → 0 quando x → 0. De fato,

0 ∈ (IR − {0})0 = IR,

logo faz sentido calcular o limite anterior, ainda, para todo x ∈ IR − {0} temos que

1
−|x| ≤ |x sin | ≤ |x|.
x

Aplicando o Teorema do Sanduı́che, segue que

lim f (x) = 0.
x→0
4.2. LIMITE DE UMA FUNÇÃO REAL 143

Teorema 4.10. (Estabilidade de Limites)


Sejam f, g : A ⊂ IR → IR, a ∈ A0 . Se f (x) ≤ g(x), para todo x ∈ A − {a} e os limites
de f, g existem quando x → a, então

lim f (x) ≤ lim g(x).


x→a x→a

Proof. A prova se dará por contradição, isto é, sejam

l1 := limx→a f (x),
l2 := limx→a g(x)
e, suponhamos que l1 > l2 . Agora, para ε = (l1 − l2 )/2, existe δ > 0 tal que, para todo
x ∈ A, se 0 < |x − a| < δ, então

|f (x) − l1 | < ε (l1 − ε < f (x) < l1 + ε),


|g(x) − l2 | < ε (l2 − ε < g(x) < l2 + ε).
Como 2ε = l1 − l2 , ou ainda l2 + ε = l1 − ε, segue que

g(x) < l2 + ε = l1 − ε < f (x).

Isto é, para todo x ∈ A tal que 0 < |x − a| < δ, temos que g(x) < f (x), o que contradiz
a hipótese.

O teorema a seguir é de fundamental importância, pois relaciona o limite de funções


reais ao limite de seqüências numéricas. Desta forma, várias das propriedades vistas
para limites de seqüências numéricas poderão aqui ser utilizados. Ainda, como veremos
através de exemplos, este teorema serve para mostrar que um determinado limite não
existe.

Teorema 4.11. Seja f : A ⊂ IR → IR, a ∈ A0 e l ∈ IR. Então

lim f (x) = l
x→a

se, e somente se, para toda seqüência de pontos xn ∈ A − {a}, tal que

lim xn = a,
n→∞

temos que
lim f (xn ) = l.
n→∞
144 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Proof. 1. Suponhamos que f (x) → l quando x → a. Então, dado ε > 0, existe δ > 0 tal
que, para todo x ∈ A
0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − l| < ε.

Agora, tome (xn )∞


n=1 , xn ∈ A − {a}, tal que xn → a. Logo, para δ anterior fixado, existe

N ∈ IN, tal que


0 < |xn − a| < δ para todo n ≥ N .

De onde segue
|f (xn ) − l| < ε para todo n ≥ N .

2. Seja (xn )∞
n=1 , xn ∈ A − {a}, tal que xn → a e f (xn ) → l quando n → ∞. Suponhamos

que
lim f (x) 6= l.
x→a

Então existe ε > 0, tal que para todo δ > 0, existe xδ ∈ A tal que

0 < |xδ − a| < δ e |f (xδ ) − l| ≥ ε.

Para cada n ∈ IN, tomando-se δ = 1/n, temos que

0 < |xn − a| < 1/n e |f (xn ) − l| ≥ ε.

O que contradiz a nossa hipótese inicial.

Exemplo 4.2.5. Considere a seguinte função f : IR → IR,



 0, se x ∈ IR \ Q,
I
f (x) :=
 1, se x ∈ QI
dita função de Dirichlet e, vejamos que f não possui limite em ponto algum. De fato,
seja a ∈ IR, logo existem (xn ), (yn ), xn ∈ Q,
I yn ∈ IR − Q
I tais que convergem para a
quando n → ∞. Para todo n ∈ IN,

f (xn ) = 1
f (yn ) = 0.
Conseqüentemente, f (xn ), f (yn ) convergem para 1 e 0 respectivamente quando n → ∞.
Logo, pelo teorema anterior
lim f (x) @.
x→a
4.2. LIMITE DE UMA FUNÇÃO REAL 145

Exemplo 4.2.6. Considere a seguinte função

f : IR − {0} → IR
1
x 7→ sin
x
e, vamos mostrar que o limite em 0 não existe. De fato,

0 ∈ (IR − {0})0 = IR,

logo faz sentido calcular o limite de f em zero. Sejam (xn ), (yn ) convergindo para 0, tal
que
1
xn = ,

1
yn = .
2nπ + π/2
Conseqüentemente, para todo n ∈ IN

f (xn ) = sin(nπ) = 0,
f (yn ) = sin(2nπ + π/2) = 1,

de onde segue que


lim f (x) @.
x→0

Teorema 4.12. (Propriedades)


Sejam f, g : A ⊂ IR → IR, a ∈ A0 . Se f e g têm limites no ponto a ∈ A0 , então f ± g,
f g e |f | têm limites no ponto a e, temos que:

a) lim (f ±g)(x) = lim f (x)±lim g(x).


x→a x→a x→a

b) lim (f g)(x) = (lim f (x)) (lim g(x)).


x→a x→a x→a

c) lim |f (x)| = | lim f (x)|.


x→a x→a
¡f ¢
d) lim (x) = (lim f (x))/(lim g(x)),
x→a g

desde que, para todo x ∈ A, g(x) 6= 0, e

lim g(x) 6= 0.
x→a

Ainda, se A = [0, ∞) e f (x) = x, então
√ √
lim x= a.
x→a
146 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Proof. Vejamos a primeira propriedade, as demais são demonstradas de forma análoga.


Sejam
lim f (x) = l e lim g(x) = m,
x→a x→a

então para toda seqüência (xn ) ⊂ A − {a}, xn → a, temos que

f (xn ) → l e g(xn ) → m.
n→∞ n→∞

Agora, pela propriedade de limite de seqüências numéricas (f + g)(xn ) → l + m, quando


n → ∞. Aplicando o Teorema 4.11 segue que

lim (f + g)(x) = l + m = lim f (x) + lim g(x).


x→a x→a x→a

Nas duas seções que se seguem, apresentamos algumas das extensões do conceito de
limite de uma função de valor real de variável real. São eles limites laterais, limites no
infinito e limites infinitos.

4.2.2 Limites Laterais

Por vezes quando uma função f : A ⊂ IR → IR não possui limite num ponto a ∈ A0 , este
existe quando f é restrita a um intervalo em só um dos lados do ponto a, isto é a ∈ A0+
ou a ∈ A0− . Neste sentido, vejamos o conceito de limites laterais.

Definição 4.14. Seja f : A ⊂ IR → IR e a ∈ A0+ . Um ponto l ∈ IR é dito limite à


direita de f quando x tende para a e, escrevemos

lim f (x) = l ou f (x) →+ l,


x→a+ x→a

quando dado ε > 0, existir δ = δ(ε, a) > 0 tal que para todo x ∈ A, se a < x < a + δ,
então |f (x) − l| < ε. Isto é,

lim f (x) = l ⇔ (∀ε > 0)(∃δ > 0)(∀x ∈ A)(a < x < a + δ ⇒ |f (x) − l| < ε).
x→a+

Analogamente, dado b ∈ A0− dizemos que m ∈ IR é limite à esquerda de f quando x


tende para b e, escrevemos

lim f (x) = m ou f (x) →− m,


x→b− x→b
4.2. LIMITE DE UMA FUNÇÃO REAL 147

quando dado ε > 0, existir δ = δ(ε, b) > 0 tal que para todo x ∈ A, se b − δ < x < b,
então |f (x) − l| < ε.

Observação 4.2. Todas as propriedades que provamos para limites, valem para limites
laterais com as devidas modificações.

Exemplo 4.2.7. Seja A = IR − {0}, f : A → IR,

x
f (x) = x + .
|x|

A função f é definida de forma diferente em (−∞, 0) e (0, ∞). Primeiro, vamos mostrar
que o limite na origem não existe. Sejam (xn ), (yn ) convergindo para 0, com

1 1
xn = , yn = − .
n n

Logo, temos que


1
f (xn ) =
+ 1 → 1,
n
1
f (yn ) = − − 1 → −1.
n
De onde segue que o que afirmamos. Agora, vejamos os limites laterais. De fato, como
0 ∈ A0+ ∩ A0− , faz sentido calcular ambos os limites laterais, temos que

limx→0+ f (x) = limx→0+ (x + 1) = (limx→0+ x) + 1 = 1,

limx→0− f (x) = limx→0− (x − 1) = (limx→0− x) − 1 = −1.

Nota 4.5. Claramente os limites laterais podem ou não existir e, ainda que existam não
são necessariamente iguais.

Exemplo 4.2.8. Seja A = IR − {0} e, consideremos a senguinte função g : A → IR,

1
g(x) = sin .
|x|

Aqui, temos também que g esta definida de forma diferente em (−∞, 0) e (0, ∞). Con-
tudo, por um procedimento análogo ao Exemplo 4.2.6, segue que o limite de g na origem
não existe, assim como não existem o limite lateral à esquerda e o limite lateral à direita.
148 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Algumas vezes é mais oportuno iniciarmos calculando os limites laterais do que o


próprio limite de uma função em um determinado ponto. O teorema a seguir caracteriza
a existência do limite a partir dos laterais.

Teorema 4.13. Seja f : A ⊂ IR → IR, a ∈ A0+ ∩ A0− e l ∈ IR. Então

lim f (x) = l
x→a

existe se, e somente se os limites laterais existem e são iguais, isto é

lim f (x) = lim− f (x) = l.


x→a+ x→a

Proof. Segue imediato das definições de limite e limites laterais que, se o limite de f
existe em a ∈ A0+ ∩ A0− , então os limites laterais existem e são iguais. Logo, vejamos a
volta. Dado ε > 0, existem δ− , δ+ > 0, tais que, para todo x ∈ A,

a < x < a + δ+ ⇒ |f (x) − l| < ε,

a − δ− < x < a ⇒ |f (x) − l| < ε.

Então, tomando δ := min{δ− , δ+ }, temos que, para cada x ∈ A,

0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − l| < ε.

Finalizando limites laterais, vejamos a importante propriedade das funções monótonas


limitadas relacionada a estes. Isto é, toda função monótona limitada possui limites
laterais em todos os pontos.

Teorema 4.14. Seja f : A ⊂ IR → IR uma função monótona limitada. Então para cada

a ∈ A0+ e b ∈ A0− ,

os limites laterais existem, i.e.

lim f (x) = l e lim f (x) = m (l, m ∈ IR).


x→a+ x→b−
4.2. LIMITE DE UMA FUNÇÃO REAL 149

Proof. Sem perda de generalidade, suponhamos f não decrescente, isto é, se x1 < x2
então f (x1 ) ≤ f (x2 ). Ainda, provaremos para a ∈ A0+ , b ∈ A0− é análogo. Seja

X := {f (x) ; x ∈ A e x > a},

temos que X 6= ∅ pois a ∈ A0+ e X é um conjunto limitado porque f é uma função


limitada, logo possui ı́nfimo. Seja l = inf X, segue que para cada ε > 0 existe

fε ≡ f (x + δ) (δ > 0),

tal que
f (x + δ) < l + ε.

Para ε > 0 e δ > 0 anteriores, como f é não-decrescente, se x ∈ A e a < x < a + δ então

l ≤ f (x) ≤ f (x + δ).

Conseqüentemente,
l − ε < l ≤ f (x) ≤ f (x + δ) < l + ε,

de onde segue o resultado.

4.2.3 Aproximações ao Infinito

Até o presente momento, estamos utilizando

lim f (x) = l
x→a

ou ainda
lim f (x) = l e lim f (x) = l,
x→a+ x→a−

onde a, l ∈ IR, de modo a significar respectivamente que, f tem limite l quando x tende
a a, f tem limite (lateral) l quando x tende a a pela direita e finalmente, f tem limite
(lateral) l quando x tende a a pela esquerda. Observe que a+ e a− são sı́mbolos. Agora,
gostarı́amos de estender tais conceitos para a e l pertencentes a IR, i.e. reais estendido.
150 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Definição 4.15. (Limites no Infinito)


Seja f : A ⊂ IR → IR, l ∈ IR. Quando A for ilimitado superiormente, escrevemos

lim f (x) = l
x→+∞

para significar que dado ε > 0, existe 0 < M ∈ IR, tal que para todo x ∈ A, se x > M
então
|f (x) − l| < ε.

Isto é,
(∀ε > 0)(∃M > 0)(∀x ∈ A)(x > M ⇒ |f (x) − l| < ε).

Analogamente, quando A for ilimitado inferiormente, escrevemos

lim f (x) = l
x→−∞

para significar que dado ε > 0, existe 0 < M ∈ IR, tal que se x ∈ A e x < −M , então

|f (x) − l| < ε.

Exemplo 4.2.9. Seja A = IR − {0}, f : A → IR,

1
f (x) = .
x

Temos que,
lim f (x) = 0, lim f (x) = 0.
x→+∞ x→−∞

De fato, vejamos o primeiro. Para todo ε > 0, tome M = 1/ε > 0, tal que se x > M ,
então
1 1
| − 0| = < ε.
x x
Nota 4.6. No exemplo anterior é comum ainda utilizar a seguinte notação

lim f (x) = 0+ , lim f (x) = 0− .


x→+∞ x→−∞

Observe que o limite em ambos os casos é o número 0. Contudo, utilizamos os sı́mbolos


0+ e 0− de modo a enfatizar respectivamente que f tem limite 0 aproximando-se por
valores maiores que zero, e f tem limite 0 aproximando-se por valores menores que zero.
4.2. LIMITE DE UMA FUNÇÃO REAL 151

Definição 4.16. (Limites Infinitos)


Seja f : A ⊂ IR → IR e a ∈ A0 , escrevemos

lim f (x) = +∞
x→a

para significar que dado M > 0, existe δ > 0, tal que para todo x ∈ A,

0 < |x − a| < δ ⇒ f (x) > M.

Isto é,
(∀M > 0)(∃δ > 0)(∀x ∈ A)(0 < |x − a| < δ ⇒ f (x) > M ).

Analogamente, escrevemos
lim f (x) = −∞
x→a

para significar que dado M > 0, existe δ > 0, tal que para todo x ∈ A,

0 < |x − a| < δ ⇒ f (x) < −M.

Exemplo 4.2.10. Considere a seguinte função f : IR − {a} → IR, f (x) = (x − a)−2 e,


vamos mostrar que f (x) → +∞ quando x → a. De fato, para todo M > 0, temos que

1 1
2
>M ⇔ > (x − a)2 = |x − a|2 .
(x − a) M

Logo, dado M > 0, tomamos δ = 1/ M , tal que para todo x ∈ IR − {a},

1
0 < |x − a| < δ ⇒ > M.
(x − a)2

Nota 4.7. A definição anterior pode ser adaptada para limites laterais. Por exemplo,
escrevemos
lim f (x) = +∞
x→a+

para significar que dado M > 0, existe δ > 0, tal que para todo x ∈ A,

0 < x < a + δ ⇒ f (x) > M.

Isto é,
(∀M > 0)(∃δ > 0)(∀x ∈ A)(0 < x < a + δ ⇒ f (x) > M ).
152 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Finalmente, todos os conceitos anteriores podem ser combinados, vejamos o seguinte

Exemplo 4.2.11. Considere a função f : IR → IR, definida como



 1/x, se x ∈ IR \ {0},
f (x) :=
 +∞, se x = 0.

Temos que
lim f (x) = +∞ e lim f (x) = −∞.
x→0+ x→0−

Note que não existe o limite de f quando x → 0, mesmo para esta noção estendida de
limites.

4.3 Continuidade de uma Função Real

4.3.1 Continuidade de Funções

Definição 4.17. Seja f : A ⊂ IR → IR e a ∈ A. Dizemos que f é contı́nua no ponto


a ∈ A, quando para todo ε > 0 dado, existir δ = δ(ε, a) tal que para todo x ∈ A, se
|x − a| < δ, então
|f (x) − f (a)| < ε.

Isto é, f é contı́nua no ponto a ∈ A quando

(∀ε > 0)(∃δ > 0)(∀x ∈ A)(|x − a| < δ ⇒ |f (x) − f (a)| < ε).

Ainda, dizemos que f é contı́nua em A (ou simplesmente contı́nua), quando for contı́nua
em cada ponto x ∈ A.

Observação 4.3. Segue imediato das definições de limite e continuidade que, se a ∈ A0


então f é contı́nua no ponto a se, e somente se
i) A função f deve ser definida em a (i.e. a ∈ A ∩ A0 );
ii) O limite em a deve existir e seu valor igual a f (a), isto é

lim f (x) = f (a).


x→a
4.3. CONTINUIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 153

Ainda, se a for um ponto isolado, então qualquer função definida em A é contı́nua no


ponto a. De fato, como a é isolado, existe δ > 0 tal que

(a − δ, a + δ) ∩ A = {a}.

Logo para todo ε > 0 dado, tomando δ > 0 acima, segue que para todo x ∈ A, tal que

|x − a| < δ (x ≡ a),

temos que |f (x) − f (a)| = |f (a) − f (a)| = 0 < ε.

Exemplo 4.3.1. Seja f : IR → IR, x 7→ c, i.e. função constante. Temos que f é


contı́nua em IR. De fato, para cada a ∈ IR, segue que

lim f (x) = c = f (a).


x→a

Exemplo 4.3.2. Seja f : IR → IR, x 7→ x, i.e. função identidade. Temos que f é


contı́nua em IR. De fato, para cada a ∈ IR, segue que

lim f (x) = a = f (a).


x→a

Nota 4.8. Quando f : A ⊂ IR → IR e a ∈ A ∩ A0+ , temos que f é contı́nua no ponto a


se, e somente se
lim f (x) = f (a).
x→a+

Neste caso, alguns autores especificam dizendo que f é contı́nua à direita no ponto a.
Ainda que tenha completo sentido, não faremos aqui tal distinção. Análogo ocorre para
um ponto b ∈ A ∩ A0− , onde f é denominada contı́nua à esquerda no ponto b, quando

lim f (x) = f (b).


x→b−


Exemplo 4.3.3. Seja f : [0, ∞) → IR, f (x) = x. Então f é contı́nua em [0, ∞). De
fato, para cada a ∈ [0, ∞), segue que

√ √
lim x= a.
x→a
154 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Exemplo 4.3.4. Considere a seguinte função f : IR → IR,



 1/x, se x ∈ IR \ {0, 1},
f (x) :=
 0, se x ∈ {0, 1}.

Então, f é contı́nua para todo x ∈ IR \ {0, 1} e descontı́nua em {0, 1}. Para os pontos de
continuidade segue imediato como nos exemplos anteriores, para o ponto 0, temos que

lim f (x) = +∞, lim f (x) = −∞.


x→0+ x→0−

Logo o limite não existe no ponto zero. Para o ponto 1, apesar do limite existir e ser 1,
é diferente do valor da f no ponto, o qual é zero. Conseqüentemente, f é descontı́nua
em {0, 1}.

Exemplo 4.3.5. Considere a seguinte função sgn : IR → IR (função sinal),




 +1, se x > 0,


sgn(x) := 0, se x = 0,



 −1, se x < 0.

Então, sgn(x) não é contı́nua em 0. De fato, temos que

lim sgn(x) = 1, lim sgn(x) = −1.


x→0+ x→0−

Por conseguinte, o limite de sgn(x) no ponto 0 não existe.

Como na seção de limites, o teorema a seguir é de fundamental importância. Ele


relaciona a condição de continuidade ao limite de seqüências numéricas.

Teorema 4.15. Seja f : A ⊂ IR → IR, a ∈ A. Então f é contı́nua em a se, e somente


se, para toda seqüência de pontos xn ∈ A − {a}, tal que

lim xn = a,
n→∞

tenhamos
lim f (xn ) = f (a).
n→∞

Proof. Segue imediato da Observação 4.3 e Terorema 4.11.


4.3. CONTINUIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 155

Corolário 4.3. Se f, g : A ⊂ IR → IR são contı́nuas em a ∈ A, então f ± g, f g, |f | são


contı́nuas em a. Ainda, se f (x) 6= 0 para todo x ∈ A, então 1/f é contı́nua em a.

Teorema 4.16. Se f : A ⊂ IR → IR e g : B ⊂ IR → IR são tais que f (A) ⊂ B, f é


contı́nua em a ∈ A e g é contı́nua em b = f (a), então a composta

g ◦ f : A → IR,

é contı́nua no ponto a ∈ A.

Proof. Como g é contı́nua em b = f (a), então para todo ε > 0, existe η > 0, tal que para
todo y ∈ B
|y − b| < η ⇒ |g(y) − g(b)| < ε.

Agora, como f é contı́nua em a, para η > 0 acima, existe δ > 0 tal que para todo x ∈ A

|x − a| < δ ⇒ |f (x) − f (a)| < η.

Fazendo y = f (x), segue que

|x − a| < δ ⇒ |f (x) − f (a)| = |y − b| < η

e por conseguinte,

|g(f (x)) − g(f (a))| = |g ◦ f (x) − g ◦ f (a)| < ε.

p
Exemplo 4.3.6. Seja h : (0, ∞) → (0, ∞), h(x) = 1/x. É fácil ver que h é contı́nua
em (0, ∞). De fato, como


f : (0, ∞) → (0, ∞), f (x) = x,
g : (0, ∞) → (0, ∞), g(x) = 1/x,

são contı́nuas, segue que h := f ◦ g é continua em (0, ∞).


156 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Teorema 4.17. Se f, g : A ⊂ IR → IR são contı́nuas em a ∈ A e f (a) < g(a), então


existe δ > 0 tal que
f (x) < g(x)

para todo x ∈ A e |x − a| < δ.

Proof. Seja 0 < ε = (g(a) − f (a))/2. Como g é contı́nua em a, para ε > 0 anterior, existe
δ1 > 0 tal que se x ∈ A e |x − a| < δ1 , então
¡ ¢
|g(x) − g(a)| < ε g(a) − ε < g(x) < g(a) + ε .

Analogamente, existe δ2 > 0 tal que se x ∈ A e |x − a| < δ2 , então


¡ ¢
|f (x) − f (a)| < ε f (a) − ε < f (x) < f (a) + ε .

Tomando δ = min{δ1 , δ2 }, segue que se x ∈ A e |x − a| < δ, então


g(a) f (a)
g(x) > g(a) − ε = g(a) − +
2 2
g(a) − f (a)
= + f (a) = ε + f (a) > f (a).
2

Definição 4.18. Sejam A, B ⊂ IR. Quando f : A → B e sua inversa f −1 : B → A


forem ambas funções contı́nuas, dizemos que f é um homeomorfismo. Ainda, A e B
são ditos homeomorfos.

4.3.2 Descontinuidades

Definição 4.19. Seja f : A ⊂ IR → IR e a ∈ A. Quando f não for contı́nua em a,


dizemos que a é um ponto de descontinuidade de f (ou f é descontı́nua em a), isto é,

(∃ε > 0)(∀δ > 0)(∃xδ )(|xδ − a| < δ e |f (xδ ) − f (a)| ≥ ε).

Definição 4.20. Quando a ∈ A0 e f : A ⊂ IR → IR for descontı́nua em a ∈ A, mas os


limites laterais em a existem, i.e.

lim f (x) = l, lim f (x) = m,


x→a+ x→a−
4.3. CONTINUIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 157

dizemos que f tem descontinuidade de primeira espécie. Ainda, quando

l ≡ m,

dizemos que a é um ponto de descontinuidade removı́vel.


Qualquer outro tipo de descontinuidde é chamado de segunda espécie.

Exemplo 4.3.7. Considere a seguinte função f : IR → IR



 x
 x+ se x 6= 0,
f (x) = |x|

 0 se x = 0.

É fácil ver que f é contı́nua para todo x ∈ IR − {0}. De fato, no zero temos que

lim f (x) = 1, lim f (x) = −1.


x→0+ x→0−

Por conseguinte, como os limites laterais no zero existem e são diferentes, zero é um
ponto de descontı́nua de primeira espécie.

Observação 4.4. Seja f uma função monótona limitada. Se f tem pontos de descon-
tinuidade, então estes são de primeira espécie. Segue imediato do Teorema 4.14.

Exemplo 4.3.8. Seja f a função de Dirichlet. Então, como para todo a ∈ IR os limites
laterais em a não existem, temos que f é descontı́nua em todos os pontos de IR, e estes
são de segunda espécie.

Exemplo 4.3.9. Seja f : IR → IR,



 sen 1 se x 6= 0,
f (x) = x
 0 se x = 0.

Como os limites laterais de f em zero não existem, temos que f tem descontinuidade de
segunda espécie em zero. Nos demais pontos, temos que f é contı́nua, basta aplicar as
propriedades e utilizar o fato que a composta de funções contı́nuas é contı́nua.

Exemplo 4.3.10. Seja f : IR → IR,



 x sen 1 se x 6= 0,
f (x) = x
 0 se x = 0.
158 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Como antes é fácil ver que f é contı́nua para todo x 6= 0. Ainda, no zero temos que

lim f (x) = 0 = f (0).


x→0

Logo f é contı́nua em IR.

Exemplo 4.3.11. Seja f : IR → IR,


1
 se x > 1,
f (x) = x−1

0 se x ≤ 1.
Neste caso, devemos investigar o ponto 1, temos que

lim f (x) = +∞, lim f (x) = 0.


x→1+ x→1−

Conseqüentemente, f tem descontinuidade de segunda espécie em 1. Nos demais pontos


é fácil explicar a continuidade de f .

Definição 4.21. Seja f : A ⊂ IR → IR e a ∈ A0 . Se f tem limites laterais no ponto a,


isto é
lim f (x) = l e lim f (x) = m,
x→a+ x→a−

então definimos o salto da f em a, o valor

|l − m|.

Se uma função é contı́nua em um ponto a de seu domı́nio, então o salto neste ponto
é zero. A recı́proca é falsa, conforme mostra o exmplo abaixo.

Exemplo 4.3.12. Seja f : IR → IR, f (x) = 1 para todo x ∈ IR − {2} e f (2) = 2. Logo
f é descontı́nua no ponto 2, porém o salto aı́ é zero.

4.3.3 Funções Contı́nuas Definidas em Conjuntos Compactos

Dada uma função f : D(f ) ⊂ IR → IR limitada superiormente, i.e. existe M > 0, tal que
f (x) ≤ M , para todo x ∈ D(f ), podemos ter o sup f pertencente ou não a f (A). Isto é,
pode existir ou não a ∈ D(f ), tal que

f (a) = sup f.

Analogamente, o ı́nfimo de f pode ou não pertencer a f (A).


4.3. CONTINUIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 159

Exemplo 4.3.13. Seja f : [0, 1) → IR,



 x+1 se 0 < x < 1,
f (x) =
 0 se x = 0.

Logo, sup f = 2 6∈ f ([0, 1)) e inf f = 0 ∈ f ([0, 1)).

Definição 4.22. Dizemos que uma função f : A ⊂ IR → IR assume máximo em A,


quando
sup f ∈ f (A).

Analogamente, dizemos que f assume mı́nimo em A, quando

inf f ∈ f (A).

Teorema 4.18. Seja K ⊂ IR um conjunto compacto e f : K → IR contı́nua. Então


f (K) é um conjunto compacto.

Proof. Seja (yn ) ⊂ f (K), i.e. uma seqüência de pontos de f (K). Como yn ∈ f (K), para
cada n ∈ IN, existe xn ∈ K tal que

f (xn ) = yn .

Agora, (xn ) ⊂ K e como K é compacto, logo seqüêncialmente compacto, segue que existe
uma subseqüência (xnj ) tal que xnj → a ∈ K. Como f é contı́nua f (xnj ) → f (a), isto é

ynj → f (a) ∈ f (K).

Conseqüentemente, f (K) é compacto.

Agora passamos a um importante teorema, o qual garante que uma função contı́nua
definida em um conjunto compacto assume seus valores máximo e mı́nimo neste com-
pacto. Logo é limitada.

Teorema 4.19. (Teorema do Valor Extremo ou de Weierstrass)


Seja K ⊂ IR um conjunto compacto e f : K → IR uma função contı́nua. Então f
assume seus valores máximo e mı́nimo em K, isto é, existem x1 , x2 ∈ K tal que

f (x1 ) = sup f, f (x2 ) = inf f.


160 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Proof. Como K é compacto e f contı́nua, temos que f (K) é compacto, logo fechado, i.e.

f (K) = f (K).

De onde segue que sup f e inf f pertencem a f (K).

4.3.4 Continuidade Uniforme

Conforme visto, uma função f : A ⊂ IR → IR é contı́nua num ponto a ∈ A, quando

(∀ε > 0)(∃δ > 0)(∀x ∈ A)(|x − a| < δ ⇒ |f (x) − f (a)| < ε).

Em geral, dado um ε > 0, não é possı́vel obter um único δ > 0 que sirva para todos os
pontos de A.

Exemplo 4.3.14. Seja f : (0, ∞) → IR, f (x) = 1/x. A função f é contı́nua em (0, ∞).
Contudo, vamos mostrar que dado ε > 0 não se pode escolher δ > 0, tal que,

|x − a| < δ ⇒ |f (x) − f (a)| < ε (∀x, a > 0).

Com efeito, suponhamos verdadeiro, i.e. dado ε > 0 existe δ > 0 que sirva para todo
ponto a > 0. Seja
1
ν = min{δ, },

e tome 0 < a < ν. Para x = a + δ/2, temos que
δ δ
|x − a| = |a + − a| = < δ,
2 2
contudo
2 1 δ δ 1
|f (x) − f (a)| = | − |= > > > ε.
2a + δ a a(2a + δ) a(3δ) 3a

Definição 4.23. Uma função f : A ⊂ IR → IR é dita uniformemente contı́nua em


A, quando para todo ε > 0 dado, existir δ > 0, tal que para todo x, y ∈ A

|x − y| < δ ⇒ |f (x) − f (y)| < ε.

Isto é
(∀ε > 0)(∃δ > 0)(∀x, y ∈ A)(|x − y| < δ ⇒ |f (x) − f (y)| < ε).
4.3. CONTINUIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 161

Nota 4.9. Pela definição, toda função uniformemente contı́nua em um certo dominı́o A
é contı́nua em A, a recı́proca é falsa.

Observação 4.5. Para que f : A → IR não seja uniformemente contı́nua em A é


necessário e suficiente que

(∃ε > 0)(∀δ > 0)(∃xδ , yδ ∈ A)(|xδ − yδ | < δ ∧ |f (xδ ) − f (yδ )| ≥ ε).

Equivalentemente, existe ε > 0 e duas seqüências (xn ), (yn ) ⊂ A, tal que

limn→∞ |xn − yn | = 0 e
|f (xn ) − f (yn )| ≥ ε (∀n ∈ IN).

Teorema 4.20. ( Teorema de Heine )


Seja K ⊂ IR um compacto. Então, toda função contı́nua f : K → IR é uniformemente
contı́nua em K.

Proof. Suponhamos que f não seja uniformemente contı́nua. Logo existe ε > 0, (xn ),
(yn ), xn , yn ∈ K, tal que

1
|xn − yn | < e |f (xn ) − f (yn )| ≥ ε (∀n ∈ IN).
n

Como K é compacto, existe uma subseqüência (xnj ) ⊂ (xn ), tal que

xnj → a ∈ K.

Ainda, temos que


|ynj − a| = |ynj − xnj + xnj − a|
|ynj − xnj | + |xnj − a| → 0.
j→∞

Conseqüentemente, ynj → a ∈ K. Como f é contı́nua, f (xnj ) → f (a) e f (ynj ) → f (a),


o que contradiz
|f (xn ) − f (yn )| ≥ ε (∀n ∈ IN).
162 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Dentro do estudo de funções uniformemente contı́nuas, introduzimos agora uma im-


portante classe de funções denominadas Funções Lipschitz ou ainda Lipschitz contı́nuas.
Aqui preferimos a primeira nomenclatura pois, como veremos, estas são uniformemente
contı́nuas. Porém, o resultado mais importante sobre funções Lipschitz está relacionado
a questão de diferenciabilidade, Teorema de Rademacher, o qual somente será visto num
curso mais avançado.

Definição 4.24. Seja A ⊂ IR. Uma função f : A → IR é denominada Lipschitz,


quando

|f (x) − f (y)| ≤ c |x − y|

para alguma constante c > 0 e todo x, y ∈ A. A menor constante c, tal que a desigualdade
anterior é verdadeira para todo x, y ∈ A é denotada
½ ¾
|f (x) − f (y)|
Lip(f ) := sup ; x, y ∈ A, x 6= y .
|x − y|

Ainda, dizemos que f : A → IR é localmente Lipschitz, quando para cada compacto


K ⊂ A, existe cK tal que

|f (x) − f (y)| ≤ cK |x − y|

para todo x, y ∈ K.

Exemplo 4.3.15. Sejam a, b ∈ IR e f : IR → IR uma função afim ou do primeiro grau,


i.e. o mapeamento

x 7→ ax + b.

Para todo x, y ∈ IR, temos que

|f (x) − f (y)| = |ax + b − ay − b| = |a||x − y|.

Conseqüentemente, a função afim é Lipschitz, em particular a função constante e a iden-


tidade.
4.3. CONTINUIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 163

Exemplo 4.3.16. Sejam a, b ∈ IR e f : [a, b] → IR, f (x) = x2 . Então, f é Lipschitz em


[a, b]. De fato, para todo x, y ∈ [a, b]

|f (x) − f (y)| = |x2 − y 2 | = |x + y| |x − y|.

Seja M = max{|a|, |b|}, segue que

|f (x) − f (y)| ≤ 2M |x − y|.

Agora, vejamos o exemplo de uma função que não seja Lipschitz.



Exemplo 4.3.17. Seja f : [0, 1] → IR, f (x) = x. Então, f não é Lipschitz em
[0, 1]. Com efeito, suponhamos que f seja Lipschitz, então existe c > 0 tal que para todo
x, y ∈ [0, 1]
√ √
| x − y| ≤ c |x − y|.

Em particular, para y = 0 e 0 < x ≤ 1, temos que


1
√ ≤ c.
x

Isto é, 1/ x é limitado em (0, 1], o que contradiz o fato de
1
lim+ √ = +∞.
x→0 x
Segue que f não é uma função Lipschitz em [0, 1].

O exemplo anterior mostra que nem toda função uniformemente contı́nua é Lipschitz.
Contudo, a recı́proca é verdadeira como mostra o teorema a seguir.

Teorema 4.21. Seja A ⊂ IR. Se f : A → IR é uma função Lipschitz em A, então f é


uniformemente contı́nua em A.

Proof. Como f é Lipschitz, segue que para todo x, y ∈ A, existe c > 0 tal que

|f (x) − f (y)| ≤ c |x − y|.

Então, dado ε > 0, tomando δ = ε/c, temos que para todo x, y ∈ A


ε
|x − y| < δ ⇒ |f (x) − f (y)| < c = ε.
c
164 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

O teorema a seguir é bastante utilizadado para mostrar que uma função não é uni-
formemente contı́nua, logo não é Lipschitz.

Teorema 4.22. Seja A ⊂ IR. Se f : A → IR é uma função uniformemente contı́nua,


então para cada seqüência de Cauchy (xn ) ⊂ A,

(f (xn ))∞
n=1

é uma seqüência de Cauchy em IR.

Proof. Seja (xn ) uma seqüência de Cauchy. Como f é uniformemente contı́nua, dado
ε > 0, existe δ > 0, tal que

|xn − xm | < δ ⇒ |f (xn ) − f (xm )| < ε.

Para δ > 0 acima, como (xn ) é de Cauchy, existe N ∈ IN tal que

|xn − xm | < δ para todo n, m ≥ N .

Logo, dado ε > 0, existe N ∈ IN, tal que para todo n, m ≥ N

|f (xn ) − f (xm )| < ε,

de onde segue que (f (xn )) é de Cauchy.

Exemplo 4.3.18. Seja f : (0, 1) → IR, f (x) = 1/x. A função f não é uniformemente
contı́nua em (0, 1). De fato,
¡ 1 ¢∞
⊂ (0, 1)
n + 1 n=1
é convergente, logo de Cauchy. Contudo,
¡ 1 ¢
f( ) = (2, 3, 4, 5, ...)
n+1
não é limitada. Logo não é de Cauchy.

Corolário 4.4. Seja A ⊂ IR e f : A → IR uma função uniformemente contı́nua. Então,


para cada a ∈ A0 , o limite de f quando x → a existe.

Proof. Basta tomar (xn ), xn ∈ A − {a}, tal que xn → a. Segue que (f (xn )) é de Cauchy
em IR, logo convergente. Conseqüentemente, existe o limite de f (x) quando x → a.
4.3. CONTINUIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 165

4.3.5 Funções Contı́nuas Definidas em Intervalos

Teorema 4.23. (Teorema do Valor Intermediário)


Seja f : [a, b] → IR uma função contı́nua. Então, para todo k ∈ I(f (a), f (b)), existe
ξ ∈ (a, b) tal que
f (ξ) = k.

Onde, I(u, v) := (min{u, v}, max{u, v}).

Proof. 1. Sem perda de generalidade, suponhamos f (a) < k < f (b) e, denotamos I =
[a, b]. Agora, definimos
A := {x ∈ I : f (x) < k}.

Temos que A 6= ∅, pois a ∈ A, e limitado superiormente por b. Logo A possui supremo,


digamos
sup A = u.

2. Afirmamos que k = f (u). De fato, como u é o supremo de A, podemos tomar uma


seqüência (xn ), xn ∈ A, tal que xn → u quando n → ∞. Como f é contı́nua

lim f (xn ) = f (u).


n→∞

Ainda, para cada n ∈ IN, f (xn ) < k, segue que

f (u) = lim xn ≤ k.

Agora, tomamos (yn ), yn := u + 1/n para cada n ∈ IN. Então, para cada n, yn é uma
cota superior de A e
lim yn = u.

Por conseguinte, para N suficientemente grande

yn ∈ I, yn ∈
/A (∀n ≥ N ).

Isto é, para todo n ≥ N , f (yn ) ≥ k, segue que

f (u) = lim f (yn ) ≥ k.


166 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Corolário 4.5. Seja f : [a, b] → IR uma função contı́nua. Se k ∈ IR, satisfaz

inf f ≤ k ≤ sup f,

então existe ξ ∈ [a, b] tal que f (ξ) = k.

Teorema 4.24. Se I ⊂ IR é um intervalo e f : I → IR é uma função contı́nua, então


f (I) é um intervalo.

Proof. 1. Claramente, se f é uma função constante, digamos f (x) = c, para cada x ∈ I,


segue que
f (I) = {c} ≡ [c, c].

2. Agora, suponhamos f não constante e, definimos

α := inf f e β := sup f,

onde −∞, +∞ são possı́veis para α, β respectivamente. Vamos mostrar que f (I) é um
intervalo com extremos α, β. Com efeito, seja k ∈ (α, β), então pela definição de ı́nfimo
e supremo, existem a, b ∈ I, tal que

α ≤ f (a) < k < f (b) ≤ β.

Pelo Teorema do Valor Intermediário, existe ξ ∈ (a, b), tal que

k = f (ξ) ∈ f (I).

Conseqüentemente, como k é arbitrário

(α, β) ⊂ f (I).

Ainda, como α ≤ f (x), β ≥ f (x) para todo x ∈ I, segue que f (I) é um intervalo com
extremos α, β.

O Teorema do Valor Intermediário é também utilizado na prova do teorema que


enunciamos a seguir. O qual mostra por exemplo que a função f : [0, ∞) → [0, ∞),

f (x) = n x, n ∈ IN, é uma função contı́nua, visto que sua inversa f −1 (x) = xn é
contı́nua.
4.4. DIFERENCIABILIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 167

Teorema 4.25. Seja f : I → IR uma função contı́nua e injetiva, onde I é um intervalo.


Então f é monótona, J := f (I) é um intervalo e f definida sobre J, i.e. f : I → J, é
um homeomorfismo.

4.4 Diferenciabilidade de uma Função Real

4.4.1 Definição e Propriedades

Definição 4.25. Seja f : A ⊂ IR → IR e a ∈ A ∩ A0 . Quando o

f (x) − f (a)
lim
x→a x−a

existir, diremos que f é derivável (ou diferenciável) no ponto a. Neste caso, deno-
tamos por f 0 (a) este limite, o qual é chamado derivada de f no ponto a. Isto é, f é
derivável no ponto a ∈ A ∩ A0 se, e somente se

¡ ¯ f (x) − f (a) ¯
(∀ε > 0)(∃δ > 0)(∀x ∈ A) 0 < |x − a| < δ ⇒ ¯ − f 0 (a)¯ < ε).
x−a

Nota 4.10. Segue da definição anterior, escrevendo h = x − a e definindo g : U → IR,

f (a + h) − f (a)
g(h) := ,
h

onde
U = {h ∈ IR \ {0} : a + h ∈ A},

que f é diferenciável no ponto a ∈ A ∩ A0 se, e somente se g possui limite na origem.

Exemplo 4.4.1. Seja f : IR → IR, x 7→ c, i.e. função constante. Para todo a ∈ IR,
temos que f 0 (a) = 0. De fato, para cada a ∈ IR, segue que

f (x) − f (a) c−c


lim = lim = 0.
x→a x−a x→a x − a
168 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Exemplo 4.4.2. Seja f : IR → IR, f (x) = xn , n ∈ IN. Então, para cada a ∈ IR temos
que f 0 (a) = n an−1 . Com efeito, para cada a ∈ IR, pelo Teorema Binomial temos que

(a + h)n = Cn,0 an + Cn,1 an−1 h + Cn,2 an−2 h2 + . . . + Cn,n hn .

Logo,
f (a + h) − f (a)
lim = Cn,1 an−1 = n an−1 .
h→0 h

No caso particular de funções definidas em um subconjunto dos reais, faz sentido


definirmos também derivadas laterais, o que é realizado através de limites laterais.

Definição 4.26. (Derivadas Laterais)


Seja f : A ⊂ IR → IR. Quando a ∈ A ∩ A0+ , definimos a derivada à direita de f no
ponto a, como
µ ¶
f (x) − f (a) f (a + h) − f (a)
f+0 (a) = lim+ = lim+ ,
x→a x−a h→0 h

desde que o limite anterior exista. Analogamente, quando b ∈ A ∩ A0− , definimos a


derivada à esquerda de f no ponto b, como
µ ¶
0 f (x) − f (b) f (b + h) − f (b)
f− (b) = lim− = lim− ,
x→b x−b h→0 h

desde que o limite anterior exista.


Exemplo 4.4.3. Seja f : [0, ∞) → IR, f (x) = x. Então, para todo a > 0

1
f 0 (a) = √ .
2 a

Ainda, f não é derivável na origem. Seja A = [0, ∞), segue que para todo a > 0,
a ∈ A ∩ A0 e, √ √
a+h− a 1 1
lim = lim √ √ = √ .
h→0 h h→0 a+h+ a 2 a
Para a = 0, a ∈ A ∩ A0+ , temos que
√ √
a+h− a 1
lim+ = lim+ √ 6 ∃.
h→0 h h→0 h
4.4. DIFERENCIABILIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 169

Exemplo 4.4.4. Seja f : IR → IR, f (x) = |x|. É fácil mostrar que f 0 (a) = 1 para todo
a > 0, f 0 (a) = −1 para todo a < 0 e f 0 (0) não existe. De fato, verificando o último,
temos que

f (x) − f (0) f (x) − f (0)


lim+ = 1 = f+0 (0) 6= f−0 (0) = lim− = −1.
x→0 x x→0 x

Logo, f 0 (0) não existe.

Observe que como a definição de derivada foi realizada através de limite, esta tem
caráter local.

Definição 4.27. Seja A ⊂ IR e f : A → IR. Diremos que f 0 é a função derivada ou


simplesmente derivada da função f, a qual a cada a 7→ f 0 (a), quando existir a derivada
de f em a ∈ A ∩ A0 . Isto é,
f 0 : D(f 0 ) → IR
x 7→ f 0 (x),
onde D(f 0 ) é o conjunto de todos os pontos onde f é derivável.

Exemplo 4.4.5. Seja f : IR → IR, f (x) = x3 . Para todo a ∈ IR, f 0 (a) = 3a2 , segue que
a derivada de f é a função f 0 : IR → IR, x 7→ 3x2 .

Teorema 4.26. Seja f : A ⊂ IR → IR e a ∈ A ∩ A0 . Se f é derivável no ponto a, então


f é contı́nua em a.

Proof. Como a ∈ A ∩ A0 , basta verificar

lim f (x) = f (a) (⇔ lim [f (x) − f (a)] = 0).


x→a x→a

Por hipótese, temos que existe


f (x) − f (a)
lim .
x→a x−a
Logo, para todo x ∈ A \ {a}, segue que
· ¸ · ¸
f (x) − f (a) f (x) − f (a)
lim [f (x) − f (a)] = lim (x − a) = lim lim (x − a) = 0.
x→a x→a (x − a) x→a (x − a) x→a
170 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Nota 4.11. Claramente, a recı́proca do teorema anterior é falsa conforme visto em alguns
exemplos. Em 1872, Wierstrass apresentou um exemplo de uma função contı́nua em todos
os pontos, porém não diferenciável em ponto algum.

Teorema 4.27. Seja A ⊂ IR, f, g : A → IR. Se f, g são deriváveis em a ∈ A ∩ A0 , então


f ± g, f g, f /g (g 6= 0) são deriváveis em a e,

i) (f ± g)0 (a) = f 0 (a) ± g 0 (a);

ii) (f g)0 (a) = f 0 (a) g(a) + f (a) g 0 (a);


µ ¶0
f f 0 (a)g(a) − f (a)g 0 (a)
iii) (a) = .
g [g(a)]2
Proof. O item (i) é imediato, vamos mostrar (ii) e (iii). Fazendo h = x − a, temos que

(f g)(h) − (f g)(a)
= (f g)(h) − f (a)g(h) + f (a)g(h) − (f g)(a)
= (f (h) − f (a))g(h) + f (a)(g(h) − g(a)).
Ainda,
µ ¶ µ ¶
f f
(h) − (a)
g g µ ¶ µ ¶
f f (a)g(a) f (a)g(a) f
= (h) − + − (a)
g g(h)g(a) g(ξ)g(a) g
1
= [(f (h) − f (a))g(a) − f (a)(g(h) − g(a))].
g(h)g(a)
De onde seguem (ii), (iii) respectivamente, após dividirmos por h e passarmos ao limite
quando h → 0.

Teorema 4.28. Seja A ⊂ IR, f : A → IR e a ∈ A ∩ A0 . Então f é difereciável em a se,


e somente se, existe um número real L e uma função α : A → IR contı́nua em a, com
α(a) = 0, tal que
f (x) = f (a) + L(x − a) + α(x)(x − a)

para todo x ∈ A.

Proof. 1. Seja f derivável em a e, definimos α : A → IR,



 f (x) − f (a) − f 0 (a)

se x 6= a,
α(x) := x−a

 0 se x = a.
4.4. DIFERENCIABILIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 171

Segue que α é contı́nua em a. Com efeito,


f (x) − f (a)
lim α(x) = lim − f 0 (a) = 0 = α(a).
x→a x→a x−a
Ainda, fazendo L = f 0 (a), temos que para todo x ∈ A
f (x) − f (a)
α(x) = − L ⇔ f (x) = f (a) + L(x − a) + α(x)(x − a).
x−a
2. Reciprocamente, de f (x) = f (a) + L(x − a) + α(x)(x − a), x 6= a, obtemos
f (x) − f (a)
= L + α(x).
x−a
Passando ao limite quando x → a
f (x) − f (a)
→ L + 0,
x−a
de onde segue que f é derivável em a e f 0 (a) = L.

Nota 4.12. O teorema anterior nos diz que se f é derivável em a, então a aplicação
linear f 0 (a) ∈ L(IR; IR), i.e. f 0 (a) : IR → IR, h 7→ f 0 (a)h, satisfaz a relação
f (a + h) − f (a) − f 0 (a)h
lim = 0.
h→0 h
Em outras palavras f 0 (a) h é a melhor aproximação linear para f (a + h) − f (a).

Teorema 4.29. (Regra da Cadeia)


Sejam A, B ⊂ IR, f : A → IR, g : B → IR, f (A) ⊂ B, a ∈ A ∩ A0 e b = f (a) ∈ B ∩ B 0 .
Se f 0 (a) e g 0 (b) existem, então
g ◦ f : A → IR

é derivável em a e,
(g ◦ f )0 (a) = g 0 (f (a))f 0 (a).

Proof. Como g 0 (b) existe por hipótese, para todo y ∈ B, pelo Teorema 4.28, temos que

g(y) = g(b) + g 0 (b)(y − b) + α(y)(y − b),

onde α(y) → 0 quando y → b. Como f é diferenciável em a, logo contı́nua e b = f (a),


temos que
lim α(f (x)) = α(f (a)) = 0.
x→a
172 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Agora, fazendo y = f (x), para todo x ∈ A \ {a}, segue que


g(f (x)) − g(f (a)) f (x) − f (a)
= g 0 (f (a)) + α(f (x)),
x−a x−a
de onde obtemos o resultado desejado passando ao limite quando x → a.

Observação 4.6. Na prova anterior, fizemos uso do Teorema 4.28, visto que nem sempre
é possı́vel escrever para todo x ∈ A \ {a}
g(f (x)) − g(f (a)) g(f (x)) − g(f (a)) f (x) − f (a)
= .
x−a f (x) − f (a) x−a
Caso possı́vel, i.e. f (x) 6= f (a) para todo aberto contendo a, a prova segue de modo
imediato da expressão anterior passando-se ao limite quando x → a.

Corolário 4.6. (Derivada da Função Inversa)


Sejam A, B ⊂ IR, f : A → B tal que existe f −1 ≡ g : B → A. Se f é derivável no
ponto a ∈ A ∩ A0 e g é contı́nua no ponto b = f (a), então g é derivável no ponto b se, e
somente se f 0 (a) 6= 0. Ainda, para f 0 (a) 6= 0

g 0 (b) = [f 0 (a)]−1 .

Proof. 1. Primeiro, suponhamos que g 0 (b) exista e f 0 (a) = 0. Segue que


g(f (x)) − g(f (a)) x−a
[g(f (a))]0 = lim = lim = 1.
x→a x−a x→a x − a

Por outro lado, utilizando a regra da cadeia

[g(f (a))]0 = g 0 (b)f 0 (a) = 0.

Conseqüentemente, se g 0 (b) existe então f 0 (a) 6= 0. Ainda, temos que

1 = [g(f (a))]0 = g 0 (b)f 0 (a) ⇔ g 0 (b) = [f 0 (a)]−1 .

2. Agora, suponhamos f 0 (a) 6= 0. Como g é contı́nua em b, temos que

lim g(y) = g(b) = a.


y→b

Seja y ∈ B \ {b}, então g(y) 6= a e, por conseguinte


· ¸−1
g(y) − g(b) g(y) − a f (g(y)) − f (a))
lim = lim = lim = [f 0 (a)]−1 .
y→b y−b y→b f (g(y)) − f (a) y→b g(y) − a
4.4. DIFERENCIABILIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 173

4.4.2 Máximos e Mı́nimos Locais

Sem dúvida o processo de maximizar lucros, minimizar custos, ou ainda obter mı́nimos de
algum funcional energia são bem conhecidos e importantes. Nesta seção, vamos estudar
a relação entre a otimização (local) e o valor da derivada de uma função de valor real.

Teorema 4.30. Seja I um intervalo, f : I → IR uma função monótona e derivável no


interior de I. Seja a ∈ intI, segue que:

f crescente em I ⇒ f 0 (a) > 0;


f não decrescente em I ⇒ f 0 (a) ≥ 0;
f decrescente em I ⇒ f 0 (a) < 0;
f não crescente em I ⇒ f 0 (a) ≤ 0.

Proof. Para todo x ∈ I, x 6= a, seja

f (x) − f (a)
g(x) = .
x−a

Logo, temos que


f crescente em I ⇒ g(x) > 0;
f não decrescente em I ⇒ g(x) ≥ 0;
f decrescente em I ⇒ g(x) < 0;
f não crescente em I ⇒ g(x) ≤ 0.
A prova do teorema segue passando-se ao limite em g quando x → a.

Definição 4.28. Seja I um intervalo e f : I → IR. Dizemos que f tem máximo local
em a ∈ I, quando existir δ > 0, tal que para todo x ∈ I e |x − a| < δ

f (a) ≥ f (x).

Analogamente, dizemos que f tem mı́nimo local em a ∈ I, quando existir δ > 0, tal
que para todo x ∈ I e |x − a| < δ
f (a) ≤ f (x).
174 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Teorema 4.31. Seja I um intervalo e f : I → IR uma função derivável no interior de


I. Se existir máximo local (ou mı́nimo local) em um ponto a ∈ intI, então f 0 (a) = 0.

Proof. Seja a ∈ intI um máximo local. Então, existe δ > 0 tal que

f (x) ≤ f (a),

para todo x ∈ I e |x − a| < δ. Então,

f (x) − f (a)
≥ 0,
x−a

para todo x ∈ (a − δ, a) e,
f (x) − f (a)
≤ 0,
x−a
para todo x ∈ (a, a + δ). Segue que,

f 0 (a)− ≥ 0 e f 0 (a)+ ≤ 0.

Como f 0 (a) = f+0 (a) = f−0 (a), temos que

f 0 (a) = 0.

Analogamente, para a ponto de mı́nimo local.

Nota 4.13. Nas condições do Teorema 4.31, se f tem máximo ou mı́nimo nas extremi-
dades do intervalo, então não necessariamente a derivada é nula.

Exemplo 4.4.6. Seja f : [0, 1] → IR, f (x) = x2 . Segue que 0 é ponto de mı́nimo local de
f em [0, 1] e f+0 (0) = 0. Contudo, 1 é ponto de máximo local de f em [0, 1] e f−0 (1) = 2.

4.4.3 Funções Diferenciáveis Definidas em Intervalos

Teorema 4.32. (Teorema de Rolle)


Seja f : [a, b] → IR contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Se f (a) = f (b) = 0, então
existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = 0.
4.4. DIFERENCIABILIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 175

Proof. Se f é constante, então f (x) = 0 para todo x ∈ [a, b] e, por conseguinte, f 0 (x) = 0
para todo x ∈ (a, b). Seja f não constante, então existe x1 ∈ (a, b), tal que f (x1 ) 6= 0 e,
suponhamos sem perda de generalidade que f (x1 ) > 0. Como f é contı́nua em [a, b], i.e.
um compacto, f assume seu máximo e mı́nimo. Seja c, tal que

f (c) = sup f.

Conseqüentemente, f (c) ≥ f (x1 ) > 0, de onde segue que c ∈ (a, b). Pelo Teorema 4.31,
temos que
f 0 (c) = 0.

Caso f (x1 ) < 0, tomamos o mı́nimo.

Observação 4.7. Nas condições do teorema anterior, se f (a) = f (b) 6= 0, definimos

g(x) := f (x) − f (a),

e aplicamos o Teorema de Rolle a função g.

Teorema 4.33. (Teorema do Valor Médio ou Teorema da Média de Lagrange)


Seja f : [a, b] → IR, contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Então, existe c ∈ (a, b) tal
que
f (b) − f (a)
= f 0 (c).
b−a

Proof. Seja
· ¸
f (b) − f (a)
g(x) = f (x) − (x − a) + f (a) .
b−a
Logo, g é contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Como g(a) = g(b) = 0, pelo Teorema
de Rolle existe c ∈ (a, b) tal que g(c) = 0.

Corolário 4.7. Seja f : [a, b] → IR, contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Se f 0 (x) = 0
para todo x ∈ (a, b), então f é constante.
176 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Proof. Para todo x ∈ (a, b], aplicamos o Teorema do Valor Médio ao intervalo [a, x].
Logo, existe c ∈ (a, x) tal que
f (x) − f (a)
= f 0 (c) ≡ 0.
x−a
De onde segue que, f (x) = f (a) para todo x ∈ (a, b].

Corolário 4.8. Sejam f, g : [a, b] → IR contı́nuas em [a, b] e deriváveis em (a, b). Se


para todo x ∈ (a, b)
f 0 (x) = g 0 (x),

então existe k ∈ IR, tal que para todo x ∈ [a, b],

g(x) = f (x) + k.

Proof. Basta tomar h(x) := g(x) − f (x). Pelo corolário anterior existe uma constante k,
tal que h(x) = k para todo x ∈ [a, b].

Corolário 4.9. Seja f : (a, b) → IR uma função derivável, segue que:

f 0 (x) ≥ 0 (∀x ∈ (a, b)) ⇒ f é não decrescente;


f 0 (x) ≤ 0 (∀x ∈ (a, b)) ⇒ f é não crescente;
f 0 (x) > 0 (∀x ∈ (a, b)) ⇒ f é crescente;
f 0 (x) < 0 (∀x ∈ (a, b)) ⇒ f é decrescente.
Proof. Para todo x1 , x2 ∈ (a, b), x1 < x2 , pelo Teorema do Valor Médio existe c ∈ (x1 , x2 ),
tal que
f (x2 ) − f (x1 ) = f 0 (c) (x2 − x1 ).

De onde segue a prova, conforme o sinal de f 0 (c).

Corolário 4.10. Seja f : [a, b] → IR contı́nua em [a, b] e derivável em (a, b). Se

lim f 0 (x) = L,
x→a+

então existe a derivada à direita de f em a e, f+0 (a) = L. Respectivamente, se

lim f 0 (x) = M,
x→b−

então existe a derivada à esquerda de f em b e, f−0 (b) = M .


4.4. DIFERENCIABILIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 177

Proof. Seja (xn ), xn ∈ (a, b], tal que, xn → a, quando n → ∞. Pelo Teorema do Valor
Médio, para cada n ∈ IN, existe cn ∈ (a, xn ), tal que

f (xn ) − f (a) = f 0 (cn )(xn − a),

ou ainda
f (xn ) − f (a)
= f 0 (cn ).
xn − a
Como por hipótese f 0 (xn ) → L quando n → ∞, passando ao limite na expressão anterior,
temos que
f (xn ) − f (a)
f+0 (a) = lim = lim f 0 (cn ) = L.
n→∞ xn − a n→∞

De modo análogo segue a prova para o limite esquerdo em b.

Observação 4.8. A recı́proca do teorema anterior é falsa. De fato, seja f : [0, 1] → IR,

 x2 sin(1/x) se x 6= 0,
f (x) :=
 0 se x = 0.

Então, para todo x ∈ (0, 1], temos que

f 0 (x) = 2x sin(1/x) − cos(1/x).

Logo, f 0 (x) não existe quando x → 0+ . Contudo, f+0 (0) existe e vale zero, isto é,

f (x) − f (0)
f+0 (0) = lim+ = lim+ x sin(1/x) = 0.
x→0 x−0 x→0

A função derivada não é necessariamente uma função contı́nua, como mostra o exem-
plo a seguir.

Exemplo 4.4.7. Seja f : IR → IR, definida por



 x2 sin(1/x) se x 6= 0,
f (x) :=
 0 se x = 0.

Para x = 0, temos que

f (x) − f (0)
f 0 (0) = lim = lim x sin(1/x) = 0.
x→0 x−0 x→0
178 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Para x 6= 0, f 0 (x) = 2x sin(1/x) − cos(1/x). Logo,

lim f 0 (x) 6 ∃.
x→0

O que significa que f é derivável em [−1, 1], porém f 0 não é contı́nua em 0. Ainda, tal
descontinuidade é de segunda espécie.

Contudo, o teorema a seguir mostra que, se uma função é derivável num intervalo,
sua função derivada possui, assim como as funções contı́nuas, a propriedade de não poder
tomar dois valores distintos sem tomar todos os valores intermediários.

Teorema 4.34. (Darboux)


Seja f : [a, b] → IR uma função derivável em [a, b]. Então, para todo k ∈ I(f+0 (a), f−0 (b)),
existe ξ ∈ (a, b) tal que
f 0 (ξ) = k.

Proof. Sem perda de generalidade, suponhamos

f+0 (a) < k < f−0 (b).

Seja g(x) := f (x) − kx. Logo a função g é contı́nua no compacto [a, b] e por conseguinte,
assume seus valores máximo e mı́nimo. Ainda, temos que

0 0
g+ (a) < 0 e g− (b) > 0.

0 0
Como g+ (a) < 0, existe x1 ∈ (a, b) tal que g(x1 ) < g(a). Analogamente, como g− (b) > 0
existe x2 ∈ (a, b) tal que g(x2 ) < g(b). Segue que, g assume seu valor mı́nino num ponto

ξ ∈ (a, b).

Por conseguinte,
g 0 (ξ) = f 0 (ξ) − k = 0.

Nota 4.14. O teorema anterior é também conhecido como ”Teorema do Valor Médio para
Derivada”. De fato, quando f 0 é contı́nua o resultado segue direto do Teorema do Valor
Intermediário para funções contı́nuas. Ainda, para f 0 descontı́nua, descontinuidades de
primeira espécie não são possı́veis de ocorrer.
4.4. DIFERENCIABILIDADE DE UMA FUNÇÃO REAL 179

Exemplo 4.4.8. Seja f : [0, 1] → IR, definida por



 x4/3 sin(1/x) se x 6= 0,
f (x) :=
 0 se x = 0.

É fácil verificar que f 0 não é limitada no compacto [0, 1]. Logo não pode ser contı́nua.

Exemplo 4.4.9. Seja g(x) := sgn(x) restrita ao intervalo [−1, 1]. Então, g não é a
derivada de nenhuma função em [−1, 1]. De fato, suponhamos que exista f : [−1, 1] → IR,
tal que
f 0 (x) = g(x) (∀x ∈ [−1, 1]).

Temos que f 0 (−1) = −1 e f 0 (1) = 1. Logo pelo Teorema de Darboux, para k = 1/2,
existe ξ ∈ (−1, 1), tal que
1
f 0 (ξ) = g(ξ) = .
2
O que é um absurdo, visto que g([−1, 1]) = {−1, 0, 1}.

4.4.4 Regra de L’Hôpital

Teorema 4.35. (Teorema do Valor Médio Generalizado)

Teorema 4.36. (Regra de L’Hôpital 0/0)

4.4.5 Funções de Classe C n

4.4.6 Fórmulas de Taylor

Teorema 4.37. (Teorema de Taylor com Resto de Lagrange)

Teorema 4.38. (Teorema de Taylor com Resto Integral??)


180 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

4.5 Funções Convexas


Agora vamos estudar com mais detalhes o significado da segunda derivada. De modo
formal, temos que se a derivada segunda de uma função f é positiva em toda parte,
então o gráfico de f fica acima de suas tangentes, e a corda unindo quaisquer dois pontos
do gráfico fica acima do gráfico. Esta noção é a que utilizaremos para definir uma função
convexa.

Definição 4.29. (Analı́tica)


Seja I ⊂ IR um intervalo e f : I → IR. Dizemos que f é uma função convexa em I,
quando para todo x, y ∈ I e 0 ≤ λ ≤ 1,

f ((1 − λ)x + λy) ≤ (1 − λ)f (x) + λf (y).

Ainda, quando (x 6= y)

f ((1 − λ)x + λy) < (1 − λ)f (x) + λf (y),

dizemos que f é estritamente convexa em I.

Exemplo 4.5.1. Seja f (x) = ax + b, i.e. função afim. Então f é convexa. De fato, para
todo x, y ∈ IR e 0 ≤ λ ≤ 1, temos que

f ((1 − λ)x + λy) = a((1 − λ)x + λy) + b − λb + λb

= a(1 − λ)x + (1 − λ)b + aλy + λb

= (1 − λ)[ax + b] + λ[ay + b]

= (1 − λ)f (x) + λf (y).

Logo f (x) = ax + b é uma função convexa, porém não estritamente.

Exemplo 4.5.2. A função f (x) = x2 é estritamente convexa. De fato, para todo x, y ∈ IR


e λ ∈ (0, 1), temos que

0 < λ(1 − λ)(x − y)2 = λ(1 − λ)(x2 − 2xy + y 2 )

+ (1 − λ)x2 − (1 − λ)x2 + λy 2 − λy 2

= (1 − λ)x2 + λy 2 − [(1 − λ)x + λy]2 .


4.5. FUNÇÕES CONVEXAS 181

Conseqüentemente,

f ((1 − λ)x + λy) = [(1 − λ)x + λy]2

< (1 − λ)x2 + λy 2

= (1 − λ)f (x) + λf (y).

Agora, seja f : I → IR convexa no intervalo I e x, y, z ∈ I, segue que

¡1 ¢ ¡1 2¡1 1 ¢¢
f (x + y + z) = f x + y+ z
3 3 3 2 2
1 2 ¡1 1 ¢
≤ f (x) + f y + z
3 3 2 2
1 1 1
≤ f (x) + f (y) + f (z).
3 3 3

Procedendo de modo análogo, mais geralmente temos o seguinte resultado.

Teorema 4.39. (Desigualdade de Jensen)


Seja f : I → IR uma função convexa no intervalo I ⊂ IR. Sejam xi ∈ I, λi ∈ [0, 1],
(i = 1, . . . , n), tal que
n
X
λi = 1.
i=1
Pn
Então, i=1 λ i xi ∈ I e
n n
¡X ¢ X
f λ i xi ≤ λi f (xi ).
i=1 i=1

Ainda, se λi > 0, (i = 1, . . . , n) e f é estritamente convexa em I, então


n n
¡X ¢ X
f λi xi = λi f (xi ) ⇔ x1 = x2 = . . . = xn .
i=1 i=1

Aplicando a Desigualdade de Jensen para λ1 = λ2 = . . . = λn = 1/n, temos que


n n
¡1 X ¢ 1X
f xi ≤ f (xi ).
n i=1 n i=1

Em particular, para f (x) = x2

(x1 + x2 + . . . + xn )2 ≤ n[x21 + x22 + . . . + x2n ].


182 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Nota 4.15. Nas condições do Teorema 4.39,


n
X
λi = 1
i=1

é denominada uma combinação convexa.

Funções convexas estão intrinsecamente relacionados a conjuntos convexos, o que


definimos a seguir.

Definição 4.30. Um subconjunto C ⊂ IR2 é dito convexo se, e somente se contêm o


segmento de reta, o qual liga quaisquer de seus pontos.

Definição 4.31. Seja f : A ⊂ IR → IR. Definimos como epı́grafe da f , denotado


Epi(f ), o seguinte conjunto

Epi(f ) := {(x, y) ⊂ A × IR / y ≥ f (x)}.

Definição 4.32. (Geométrica)


Seja I ⊂ IR um intervalo e f : I → IR. Dizemos que f é uma função convexa em I,
quando Epi(f ) for um conjunto convexo.

Teorema 4.40. ( Lema das 3 Cordas)


Sejam Px = (x, y), Pu = (u, v) e Px0 = (x0 , y 0 ) três pontos de do gráfico de uma função
convexa f , com u ∈ (x, x0 ). Então as seguintes propriedades são equivalentes:
(i) Pu fica abaixo do segmento Px Px0 ;
(ii) inclinação(Px Pu ) ≤ inclinação(Px Px0 ) ≤ inclinação(Pu Px0 ).

Proof. De (i), temos que

y0 − x y0 − x 0
v≤y+ (u − x), v ≤ y0 − (x − u).
x0 − x x0 − x

De onde segue respectivamente que

v−y y0 − y y0 − y y0 − v
≤ 0 , ≤ .
u−x x −x x0 − x x0 − u

Agora, utilizando (ii) e a definição analı́tica de função convexa, obtemos (i).


4.5. FUNÇÕES CONVEXAS 183

Teorema 4.41. Se f é uma função convexa num intervalo aberto I, então f é contı́nua
em I.

Proof. Seja x0 ∈ I, logo x0 é um ponto interior, i.e., existe ε > 0, tal que

(x0 − ε, x0 + ε) ⊂ I.

Para todo x ∈ (x0 − ε, x0 + ε), pelo Lema da 3 Cordas, temos que

f (x) − f (x0 )
m≤ ,
x − x0

onde m e M são respectivamente os coeficientes angulares dos segmentos (x0 − ε, x0 ) e


(x0 , x0 + ε). Então,

f (x0 ) + m(x − x0 ) ≤ f (x) ≤ f (x0 ) + M (x − x0 ).

Pelo Teorema do Sanduı́che, segue que

lim f (x) = f (x0 ).


x→x+
0

Analogamente, mostramos que

lim f (x) = f (x0 ),


x→x−
0

de onde segue o resultado.

Teorema 4.42. (Reta Tangente Suporte)


Seja f uma função convexa diferenciável num intervalo aberto I. Então G(f ), logo
também Epi(f ), ficam acima de cada reta tangente.

Proof. Seja x0 ∈ I, logo a reta tangente ao gráfico da f em (x0 , f (x0 )) é

r(x) = f (x0 ) + f 0 (x0 )(x − x0 ) (∀x ∈ I).

É suficiente mostrarmos que f (x) ≥ r(x) para todo x ∈ I. Primeiro, suponhamos x > x0 .
Se x0 < y < x, então pelo Lema das 3 Cordas, temos que

f (y) − f (x0 ) f (x) − f (x0 )


≤ .
y − x0 x − x0
184 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES

Passando ao limite quando y → x0 , segue que

f (x) − f (x0 )
f 0 (x0 ) ≤ .
x − x0

ou ainda, f (x) ≥ r(x). Analogamente, mostramaos para x < x0 .

Nota 4.16. De fato, o resultado anterior é verdadeiro ainda que a função não seja
diferenciável. Neste caso, existe r ∈ I, tal que

f (x) ≥ f (x0 ) + r(x − x0 ),

para todo x ∈ I.

Corolário 4.11. Seja f uma função convexa num intervalo aberto I. Se f é diferenciável
em x1 , x2 ∈ I e x1 < x2 , então f 0 (x1 ) < f 0 (x2 ).

Corolário 4.12. Se f é uma função convexa num intervalo aberto I, então f 00 é não-
negativa em todos os pontos de I, onde a segunda derivada exista.

Conforme visto uma função diferenciável para ser convexa é necessário que sua derivada
seja não-decrescente. Caso a função seja duas vezes diferenciável é necessário que a
derivada segunda seja não-negativa. Agora, veremos que tais condições são também
suficientes. De fato, o importante resultado sobre funções convexas está relacionado a
existência da derivada segunda, Teorema de Aleksandrov, porém somente será estudado
num curso mais avançado.

Teorema 4.43. Seja f uma função diferenciável num intervalo aberto I ⊂ IR. Se f 0 é
não-decrescente (crescente), então f é convexa (estritamente convexa) em I.

Proof. 1. Sejam x1 , x2 ∈ I, com x1 < x2 , λ ∈ (0, 1) e, definimos

y := λx1 + (1 − λ)x2 .

2. Pelo Teorema do Valor Médio, existem ξ1 , ξ2 , tais que

x1 < ξ 1 < y < ξ 2 < x 2


4.5. FUNÇÕES CONVEXAS 185

f (x1 ) − f (y) = f 0 (ξ1 )(x1 − y) = −f 0 (ξ1 )(1 − λ)(x2 − x1 ),

f (x2 ) − f (y) = f 0 (ξ2 )(x2 − y) = λf 0 (ξ2 )(x2 − x1 ).

Agora, observamos que

λf (x1 ) + (1 − λ)f (x2 ) − f (y) = λ[f (x1 ) − f (y)] + (1 − λ)[f (x2 ) − f (y)],

por conseguinte,

λf (x1 ) + (1 − λ)f (x2 ) − f (y) = λ(1 − λ)(x2 − x1 )[f 0 (ξ2 ) − f 0 (ξ1 ].

Como f 0 é não-decrescente, o lado direito da expressão anterior é nã-negativo. Con-


seqüentemente,

f (y) = f (λx1 + (1 − λ)x2 ) ≤ λf (x1 ) + (1 − λ)f (x2 ).

Corolário 4.13. Se f 00 existe e é não-negativa em um intervalo aberto I ⊂ IR, então f


é convexa sobre I. Ainda, a menos que f 00 ≡ 0 sobre algum intervalo aberto de I, f é
estritamente convexa em I.

Corolário 4.14. Se f é uma função derivável num intervalo aberto I e G(f ) fica acima
de cada uma de suas tangentes, então f é convexa.

Definição 4.33. Seja I ⊂ IR um intervalo e f : I → IR. Dizemos que f é uma função


côncava em I, quando −f for convexa em I. Analogamente, estritamente côncava.
186 CAPÍTULO 4. CÁLCULO DE UMA VARIÁVEL REAL WLADIMIR NEVES
Capı́tulo 5

Seqüências - Séries de Funções


Wladimir NEVES

O estudo de seqüências numéricas tem toda uma motivação clara para o aluno prin-
cipalmente pela sua imediata utilização no estudo de limites de funções de valor real.
Contudo, o mesmo não ocorre com relação a seqüência de funções. Parece algo artificial
e mesmo de inı́cio sem sentido o estudo da convergência de uma seqüência de funções.
A verdade é que, quase sempre, não é traduzido para a análise matemática a idéia
simples de tentarmos resolver um problema complicado através de uma seqüência de
problemas mais simples, ou mesmo de solução conhecida. Considere por exemplo o
problema de dado uma função f , obter uma função u, que seja solução de

A[u] = f,

onde A é conhecido e pode ser desde um operador altamente não-linear envolvendo


derivadas parciais de u, ou mesmo um operador linear de dimensão finita. A idéia óbvia
é tentar encontrar uma coleção agradável de problemas aproximados, os quais de fato
sabemos resolver. De modo formal, podemos escrever

An [un ] = fn (n = 1, 2, . . .),

tal que para n suficientemente grande

An [.] u A[.], fn u f.

187
188 CAPÍTULO 5. SEQÜÊNCIAS - SÉRIES DE FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Conhecida a seqüência de soluções (un ), o desejo agora é saber se tal seqüência converge,
e fortuitamente para a solução u do problema original.

5.1 Seqüência de Funções


Começamos relembrando que uma seqüência de funções é uma função que a cada n ∈ IN,
faz corresponder um função
fn : A ⊂ IR → IR.

Neste caso, uma seqüência de funções reais de variável real e, denotamos

(fn )∞
n=1 , (fn ), {fn }∞
n=1 .

Diferentemente do estudo de seqüências numéricas, onde existe apenas uma noção de


limite, para seqüências de funções temos vários. Aqui, veremos os mais comuns.

5.1.1 Convergência Pontual ou Simples

Seja (fn ), fn : A → IR. Para cada x ∈ A, temos a seqüência numérica

(fn (x))∞
n=1 ,

que pode convergir ou não. Por exemplo, seja (fn ), fn : IR → IR, fn (x) = xn . Logo,
temos que
f1 (x) = x1 ,
f2 (x) = x2 ,
..
.
fn (x) = xn .
Conseqüentemente, para x = 1, a seqüência numérica (fn (1)) = (1, 1, . . .) converge para
1. Contudo, para x = 2, a seqüência numérica (fn (2)) não é limitada, logo divergente.

Definição 5.1. Seja (fn ), fn : A → IR uma seqüência de funções reais e

S := {x ∈ A : (fn (x)) é convergente}.


5.1. SEQÜÊNCIA DE FUNÇÕES 189

Definimos f : S → IR, como


f (x) = lim fn (x).
n→∞

Diremos que fn converge pontualmente para f em S e, denotamos

fn → f em S ou f = lim fn em S.

Ainda, f é dito o limite pontual de (fn ). Isto é, fn → f em S pontualmente se, e


somente se

(∀x ∈ S)(∀ε > 0)(∃N ∈ IN)(∀n ∈ IN)(n ≥ N ⇒ |fn (x) − f (x)| < ε).

Exemplo 5.1.1. Seja (fn ), fn : IR → IR, fn (x) = x/n. Temos que


x
f1 (x) = ,
1
x
f2 (x) = ,
2
..
.

Para cada x ∈ IR fixado, temos que

x 1
lim = x lim = 0.
n→∞ n n→∞ n

Por conseguinte, fn converge pontualmente para a função nula de IR em IR, i.e.

f (x) = lim fn (x) = 0 (∀x ∈ IR).


n→∞

Exemplo 5.1.2. Como antes, considere a seqüência (fn ), fn : IR → IR, fn (x) = xn .


Para |x| < 1, fn (x) → 0. Para |x| > 1, fn (x) diverge. Ainda, para x = 1, fn (x) converge
para 1 e para x = −1, fn (x) diverge. Logo, temos que

fn → f pontualmente em S = (−1, 1],

onde f : S → IR, 
 0 se |x| < 1,
f (x) =
 1 se x = 1.
190 CAPÍTULO 5. SEQÜÊNCIAS - SÉRIES DE FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Exemplo 5.1.3. Seja (fn ), fn : IR → IR,

x2 + n x
fn (x) = .
n

Para cada x ∈ IR fixado, temos que

x2 + n x ¡ x2 ¢
lim = lim + x = x.
n→∞ n n→∞ n

Logo, fn → f pontualmente, onde f : IR → IR, f (x) = x.

Exemplo 5.1.4. Seja (fn ), fn : IR → IR,

nx
fn (x) = .
1 + n x2

Para cada x 6= 0, temos que


x 1
lim = .
n→∞ 1/n + x2 x
Para x = 0, fn (0) = 0 para todo n ∈ IN, logo fn (0) → 0. Conseqüentemente, fn → f
pontualmente em IR, onde f : IR → IR,

 1 se x 6= 0,
f (x) = x
 0 se x = 0.

Pelos os exemplos vistos, podemos observar que o limite pontual de uma seqüência
de funções contı́nuas não é necessariamente uma função contı́nua. Contudo, existe uma
noção de convergência de funções mais forte, onde por exemplo continuidade é preservada,
o que veremos a seguir.

5.1.2 Convergência Uniforme

Definição 5.2. Uma seqüência de funções (fn ), fn : A → IR, converge uniformemente


para uma função f : S → IR se, e somente se

(∀ε > 0)(∃N ∈ IN)(∀n ∈ IN)(∀x ∈ S)(n ≥ N ⇒ |fn (x) − f (x)| < ε).
5.1. SEQÜÊNCIA DE FUNÇÕES 191

A diferença entre convergência pontual e uniforme está no fato de que na primeira


N = N (ε, x), enquanto na segunda N = N (ε), isto é dado ε > 0, conseguimos obter
um único N para todo x ∈ S. Claramente convergência uniforme implica convergência
pontual, o converso não é necessariamente verdade. Ainda, o conjunto S é definido como
antes, e no que se segue, ficará implicita tal definição. Compare com as definições de
continuidade e continuidade uniforme.

Observação 5.1. De modo uma seqüência de funções (fn ) não convergir uniformemente
a uma função f em S, temos que

(∃ε0 > 0)(∀N ∈ IN)(∃n0 ∈ IN)(∃x0 ∈ S)(n0 ≥ N ∧ |fn (x0 ) − f (x0 )| ≥ ε).

Equivalentemente, existe ε0 > 0, (fnk ) ⊂ (fn ), (xnk ) ⊂ S, tal que

|fnk (xnk ) − f (xnk )| ≥ ε0 (∀k ∈ IN).

Exemplo 5.1.5. Seja fn : IR → IR, fn (x) = x/n. Temos que fn → 0 pontualmente em


IR, porém não uniformemente. De fato, tome ε = 1 e xn = 2 n. Então,

2n
|fn (xn ) − f (xn )| = | − 0| = 2 ≥ 1.
n

Observando o exemplo anterior, de modo mais geral temos o seguinte. Seja (an ) uma
seqüência numérica convergente, i.e. an → a, quando n → ∞, g : X → IR uma função
dada e, (fn ) uma seqüência de funções definida por

fn := an g.

Se existe N ∈ IN, tal que an ≡ a para todo n ≥ N , então fn → f uniformemente em X,


visto que, para todo n ≥ N ,
fn ≡ f,

onde f = a g. Contudo, se an 6= a para uma infinidade de valores de n, por exemplo


an = 1/n, temos que fn → f uniformemente em X se, e somente se

g for limitada em X.
192 CAPÍTULO 5. SEQÜÊNCIAS - SÉRIES DE FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

De fato, se existe M > 0, tal que |g(x)| ≤ M , para todo x ∈ X, então dado ε > 0, temos
que
|fn (x) − f (x)| = |g(x)| |an − a| ≤ M |an − a|,

para todo x ∈ X. Por conseguinte, tomando n suficientemente grande, tal que

ε
|an − a| < ,
M

temos que fn → f uniformemente em X. Por outro lado, suponha g não limitada e tome
ε = 1. Então, existe existe x0 ∈ X, tal que

1
|g(x)| ≥ ,
|an − a|

para todo n ∈ IN. Conseqüentemente,

|fn (x0 ) − f (x0 )| ≥ 1 (∀n ∈ IN).

Exemplo 5.1.6. Seja fn : [0, 1] → IR, fn (x) = x/n. Então, temos que fn → 0 em [0, 1]
uniformemente.

Exemplo 5.1.7. Seja fn : IR → IR,

sin(nx + n)
fn (x) := .
n

Então, fn → 0 uniformemente em IR.

Teorema 5.1. (Critério de Cauchy para Convergência Uniforme)


Uma seqüência de funções (fn ), definida em X e tomando valores em IR, converge
uniformemente em X se, e somente se, dado ε > 0, existe N (ε) ∈ IN, tal que para todo
m, n ≥ N ,
|fm (x) − fn (x)| < ε

para todo x ∈ X.

Proof. A ida é trivial. Suponhamos que dado ε > 0, existe N ∈ IN, tal que para todo
m, n ≥ N ,
|fm (x) − fn (x)| < ε.
5.2. INTERCAMBIANDO LIMITES 193

Conseqüentemente, para cada x ∈ X, (fn (x)) é uma seqüência de Cauchy de números


reais, logo convergente para um número real, digamos f (x). Então, definimos f : X → IR,

f (x) := lim fn (x).


n→∞

Agora, com x, m fixados na desigualdade anterior, passamos ao limite quando n → ∞,


obtendo para todo m ≥ N (ε)
|fm (x) − f (x)| < ε

para todo x ∈ X.

A seguir enunciamos um teorema, que é conseqüencia imediata da definição de con-


vergência uniforme.

Teorema 5.2. Seja (fn ) uma seqüência de funções, tal que, para cada x ∈ X

lim fn (x) = f (x).


n→∞

Seja (an ) definida por

an := sup |fn (x) − f (x)| (n = 1, 2, . . .).


x∈X

Então, fn → f uniformemente em X se, e somente se an → 0 quando n → ∞.

5.2 Intercambiando Limites


Agora gostarı́amos de saber se dada uma seqüência de funções (fn ), onde cada fn possui
certa propriedade, por exemplo continuidade, diferenciabilidade, ou ainda integrabilidade
a Riemann, quando estas propriedades passam a função f , limite de fn quando este
existir. De modo formal, suponhamos que para cada n ∈ IN, fn seja contı́nua em x0 ∈ X,
logo para cada n,
lim fn (x) = fn (x0 ).
x→x0

E sabendo que
lim fn (x) = f (x),
n→∞
194 CAPÍTULO 5. SEQÜÊNCIAS - SÉRIES DE FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

quando podemos efetuar a seguinte operação

lim lim fn (x) = lim lim fn (x)?


x→x0 n→∞ n→∞ x→x0

5.2.1 Convergência Uniforme e Continuidade

Conforme visto a seqüência de funções (fn ), fn : [0, 1] → IR, fn (x) = xn , converge


pontualmente em [0, 1] para

 0 se x ∈ [0, 1),
f (x) =
 1 se x = 1.

Logo, cada fn é contı́nua em [0, 1], porém f não é contı́nua em [0, 1].

Teorema 5.3. Seja (fn ), fn : X → IR uma seqüência de funções contı́nuas convergindo


uniformemente para f em X. Então f é contı́nua em X.

Proof. Se a ∈ X é um ponto isolado, então o resultado é imediato. Logo, seja a ∈ X ∩ X 0


um ponto qualquer fixado. Como fn → f uniformemente em X, para todo ε > 0, existe
N (ε) ∈ IN, tal que para todo n ≥ N e todo x ∈ X,

ε
|fn (x) − f (x)| < .
3

Como fN é contı́nua em a, para ε acima, existe δ(ε, x) > 0, tal que, se x ∈ X e |x−a| < δ,
então
ε
|fN (x) − fN (a)| < .
3
Logo, se x ∈ X e |x − a| < δ,

|f (x) − f (a)| = |f (x) − fN (x) + fN (x) − fN (a) + fN (a) − f (a)|

≤ |f (x) − fN (x)|

+ |fN (x) − fN (a)|

+ |fN (a) − f (a)| < ε.

Como a ∈ X é arbitrário, f é contı́nua em X.


5.2. INTERCAMBIANDO LIMITES 195

Nota 5.1. 1. O teorema anterior apresenta uma condição suficiente, porém não necessária.
Isto é, pode ocorrer que fn → f pontualmente em X com fn contı́nuas e se tenha f
contı́nua.
2. Contudo, se fn → f com fn contı́nuas e f não for contı́nua, então a convergência não
é uniforme.

5.2.2 Convergência Uniforme e Integrabilidade

De modo análogo a questão de continuidade, temos a de integrabilidade da função limite.


De fato, a questão é um pouco mais delicada. Seja (fn ), fn : [a, b] → IR uma seqüência
de funções integráveis a Riemann em [a, b], tal que fn → f em [a, b]. Pode ocorrer que f
não seja integravel a Riemann em [a, b]. Ainda, mesmo que f seja integrável, não segue
que Z Z
b b
fn → f,
a a

isto é Z Z
b b
lim fn 6= lim fn .
n→∞ a a n→∞

Exemplo 5.2.1. Seja R := [0, 1] ∩ Q


I ≡ {r1 , r2 , . . .}, e definimos fn : [0, 1] → IR, tal que

 0 se x ∈ [0, 1] − {r1 , r2 , . . . , rn },
fn (x) =
 1 se x ∈ {r , r , . . . , r }. 1 2 n

Então, fn é integrável a Riemann em [0, 1], pois é contı́nua em [0, 1] exceto num número
finito de pontos {r1 , r2 , . . . , rn }. Ainda, temos que fn → f pontualmente em [0, 1], onde
f : [0, 1] → IR é dada por

 0 se x ∈ [0, 1] ∩ Q,
I
f (x) =
 1 se x ∈ [0, 1] ∩ (IR − Q).
I

Conseqüentemente, f não é integrável a Riemann em [0, 1].


196 CAPÍTULO 5. SEQÜÊNCIAS - SÉRIES DE FUNÇÕES WLADIMIR NEVES

Exemplo 5.2.2. Para cada n ∈ IN, n ≥ 2, definimos fn : [0, 1] → IR,




 1

 n2 x se 0 ≤ x ≤ ,

 n
 ¡ ¢
2 1 2
fn (x) = −n2 x − se ≤x≤ ,

 n n n



 2
 0 se ≤ x ≤ 1.
n
Para todo n ∈ IN, fn (0) = 0, fn (1) = 0. Ainda, para todo x ∈ (0, 1), fn (x) → 0 quando
n → ∞. Então, fn → 0 pontualmente em [0, 1]. Como para cada n, fn é uma função
contı́nua em [0, 1], logo integrável a Riemann, temos que
Z 1
fn (x) dx = 1 (∀n ≥ 2).
0

Contudo, Z Z
1 1
lim fn (x) dx = 1 6= 0 = f (x) dx.
n→∞ 0 0

A seguir enunciamos o importante resultado sobre integrabilidade a Riemann e con-


vergência uniforme. Na verdade, tal resultado é ainda verdadeiro para um tipo de con-
vergência mais fraca que pontual, Teorema da Convergência Dominada, mas nesse mo-
mento temos que alterar nosso conceito de integrabilidade, o que pode visto num curso
de análise mais avançado.

5.2.3 Convergência Uniforme e Diferenciabilidade

5.3 Busca por Compacidade

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