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Integral de Lebesgue
Segunda Edição
Versão de Agosto de 2015
Marco A. P. Cabral,
Depto. de Matemática Aplicada
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro – RJ – Brasil
ii
Introdução
O objetivo deste texto é fazer uma breve introdução à Teoria da Medida com muitos exercı́cios e
exemplos de aplicações em análise funcional, teoria geométrica da medida, probabilidade e processos
estocásticos. Possui exercı́cios mais concretos do que os usualmente encontrados em livros de medida
e muitos exemplos para ilustrar as definições. Fomos cuidadosos nas motivações de cada capı́tulo,
fazendo considerações de caráter filosófico/histórico da matéria.
Os pré-requisitos são:
(a) Teoria (elementar) dos conjuntos;
(b) Conceitos de Análise Real: enumerabilidade, limite, supremum e noções de topologia da reta.
Quanto ao conteúdo selecionado, apresentamos a Teoria Geral de Medida, sem nos restringir à
Medida de Lebesgue, pela sua importância em Probabilidade. Apresentamos a medida de Lebesgue
utilizando o método de Carathéodory pelo seu uso na construção das medidas de Lebesgue-Stieltjes
e de Hausdorff. Damos destaque a comparação entre as integrais de Riemann e Lebesgue.
Resultados básico da Teoria da Medida como o Teorema da Convergência Monótona e Dominada,
Fubini, derivada de Radon-Nikodým e espaço produto são conectados com aplicações.
Com este material o aluno estará pronto para aplicações em Teoria de Probabilidades, Finanças,
Equações Diferenciais Parciais, Análise Funcional.
iii
iv
Sumário
1 Espaço com Medida 1
1.1 Sigma-Álgebras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.2 Espaços com Medida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3 Medida com Sinal (cargas) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.4 Medida Exterior e Método de Carathéodory . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.5 Medida de Lebesgue em R . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.6 Generalizações: Medida de Lebesgue-Stieltjes e de Hausdorff . . . . . . . . . . . . . 13
1.7 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.7.1 Sigma-Álgebras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.7.2 Espaços com Medida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.7.3 Medida com Sinal (Cargas) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.7.4 Medida Exterior e Método de Carathéodory . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.7.5 Medida de Lebesgue em R . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.7.6 Generalizações: Medida de Lebesgue-Stieltjes e de Hausdorff . . . . . . . . . 21
2 Integração 23
2.1 Funções Mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.2 Definição da Integral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.3 Teoremas de Convergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.4 Integral de Riemann × Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.5 Teorema de Radon-Nikodým e Decomposição de Medidas . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.6 Teorema de Fubini . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.7 Outras Construções da Integral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.8 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.8.1 Funções Mensuráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.8.2 Definição da Integral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.8.3 Teoremas de Convergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
2.8.4 Integral de Riemann × Lebesgue . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.8.5 Teorema de Radon-Nikodým e Fubini . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3 Probabilidade e Medida 43
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.2 Espaço de Probabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.3 Espaço de Lançamentos de Moedas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
3.4 Probabilidade em Espaço de Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
3.5 Decomposição de Medidas e Processos Estocásticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
v
vi SUMÁRIO
3.6 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3.6.1 Lançamento de Moedas: Espaço de Probabilidade . . . . . . . . . . . . . . . 46
3.6.2 Probabilidade em Espaço de Funções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Referências Bibliográficas 49
Capı́tulo 1
Espaço com Medida
Uma medida num conjunto X é uma função que atribui um número real não-negativo para sub-
conjuntos de X. Pode ser interpretada como contagem, área, tamanho, massa, volume, capacidade
térmica ou qualquer propriedade aditiva, i.e., uma propriedade tal que a medida da união de dois
conjuntos disjuntos é igual a soma de suas medidas. Um exemplo importante é a medida de Lebes-
gue no espaço euclidiano, que atribui comprimento, área e volume, respectivamente, a subconjuntos
de Rn com n = 1, 2, 3.
Podemos enxergar a origem do conceito de medida no conceito de contagem. De fato, a ideia
de contagem pode ser generalizada de dois modos:
(a) como cardinalidade, ou (b) como medida.
Existem conjuntos que são pequenos do ponto de vista da medida mas grandes do ponto de
vista da cardinalidade. Um exemplo é Q, que possui medida (de Lebesgue) 0 mas possui infinitos
pontos (cardinalidade infinita).
Gostarı́amos de atribuir uma medida para cada subconjunto de X mas o axioma da escolha
implica, de forma não-trivial, que existem subconjuntos de R (conjuntos de Vitali1 , ver Exercı́cio 67,
p.20) aos quais não podemos atribuir medida quando ela generaliza o comprimento de intervalos de
R. De fato é impossı́vel atribuir comprimento a todos subconjuntos de R preservando a aditividade
e invariância por translação.
Por isso temos que considerar uma coleção especial (usualmente menor) de subconjuntos de X
onde a medida está definida, a chamada σ-álgebra de subconjuntos de X. Elementos da σ-álgebra
são chamados de conjuntos mensuráveis. Uma função é dita mensurável se a imagem inversa de
todo conjunto mensurável é um conjunto mensurável.
Decidimos apresentar a Teoria Geral da Medida, ao invés de medida de Lebesgue somente, pois
a teoria geral é fundamental para a teoria de probabilidade e é mais fácil que a construção da medida
de Lebesgue. De fato, para construir a medida de Lebesgue é necessário antes introduzir medida
exterior e o método de Carathéodory.
Em resumo, nas duas primeiras seções definimos σ-álgebra e espaço de medida e nas duas últimas
seções apresentamos medida exterior (uma forma de construir medidas não-triviais) e a medida de
Lebesgue.
1
Giuseppe Vitali: 1875 Ravenna, Italy – 1932 Bologna, Italy.
1
2 CAPÍTULO 1. ESPAÇO COM MEDIDA
O próximo lema, cuja prova é um exercı́cio fácil deixado para o leitor, define um tipo não-trivial
de σ-álgebra gerado por uma famı́lia de σ-álgebras. A formulação é abstrata mas é uma técnica
muito utilizada em álgebra e análise para se obter a existência de um objeto mı́nimo com certa
propriedade: tome a interseção de todos objetos com esta propriedade.
Do lema decorrerá a definição de σ-álgebra gerada por uma famı́lia de conjuntos, cujo exem-
plo mais importante é da σ-álgebra de Borel, gerada pelos subconjuntos abertos de um espaço
topológico.
LEMA 1.3 Seja S = (Σi )i∈I uma famı́lia (não-vazia) de σ-álgebras de subconjuntos de X. Então
\
Σi = {E ∈ Σi ; para todo i ∈ I},
i∈I
DEFINIÇÃO 1.6 A σ-álgebra gerada pela famı́lia de abertos de R (ou Rn ) é conhecida como
σ-álgebra de Borel. Seus elementos são os conjuntos de Borel2 ou borelianos.
Observação 1.2 Veremos no Exercı́cio 10, p.14 que a σ-álgebra de Borel de R é gerada também
pelos intervalos abertos ou fechados, limitados ou ilimitados.
Esta definição é generalizada para um espaço topológico (conjunto munido de uma topologia,
um subconjunto das partes satisfazendo algumas propriedades, similar a definição de σ-álgebra)
qualquer. Caso não saiba o que é um espaço topológico, não se preocupe, pois esta definição não
será utilizada neste texto.
DEFINIÇÃO 1.7 Seja X um espaço topológico. A σ-álgebra gerada pela famı́lia de conjuntos
abertos de X é conhecida como σ-álgebra de Borel. Seus elementos são os conjuntos de Borel3
ou borelianos de X.
Todas medidas interessantes são definidas em uma classe pequena de conjuntos, como intervalos
ou retângulos por exemplo, e estendidos para uma σ-álgebra gerada por estes conjuntos por “con-
tinuidade“. Assim surgem as medidas de Lebesgue-Stieljes e a medida de Wiener (do movimento
browniano) por exemplo.
Um segundo desafio é dada uma medida X, como fazer para definir uma medida em X × X
(estender) ou dado A ⊂ X como restringir a medida em A. Outro desafio é dada medidas em Xi ,
para cada i, como definir uma medida em X1 × · · · × XN ou no produto cartesiano infinito Πi∈N Xi .
Outra questão é se dada uma função f : X → Y e se f leva uma medida em X para Y ou trás de
Y para X.
2
Émile Borel: 1871 Saint Affrique, France – 1956 Paris, France.
4
Henri Lebesgue: 1875 Beauvais, France–1941 Paris, France.
5
Johann Radon: 1887 Tetschen, Bohemia (now Decin, Czech Republic) – 1956 Vienna, Austria.
6
Maurice Fréchet: 1878 Maligny, France – 1973 Paris, France.
1.2. ESPAÇOS COM MEDIDA 5
DEFINIÇÃO 1.8 Dizemos que T a sequência hEn in∈N é disjunta se nenhum ponto pertence a mais
do que um En , isto é, se Em En = ∅ para todos m, n ∈ N distintos.
De forma análoga, se hEi iTi∈I é uma famı́lia de conjuntos indexada por um conjunto arbitrário
I, então ele é disjunto se Ei Ej = ∅ para todos i, j ∈ I distintos.
Para definir medida precisamos dizer o que significa uma função assumir valores em [0, ∞]. Este
conjunto é a união do elemento ‘∞’ com o intervalo [0, ∞) ⊂ R: um novo significado para o ∞ em
Matemática. Em medida ele significa comprimento, área ou volume infinito. Precisamos definir as
operações aritméticas básicas envolvendo ∞:
(a) adição: ∞ + ∞ = ∞ + a = a + ∞ = ∞ para todo a ∈ R;
(b) subtração: ∞ − a = ∞ para todo a ∈ R; mas ∞ − ∞ não está definido;
(c) multiplicação: ∞ · ∞ = a · ∞ = ∞ · a = ∞ para todo a > 0 e convencionamos (em medida,
confronte com cálculo) 0 · ∞ = ∞ · 0 = 0.
Finalmente podemos estender a relação de ordem usual para incluir ∞: a < ∞ para todo a ∈ R.
Com isto podemos definir o sup e o inf de subconjuntos de R ∪ { ∞ }. A convenção usual é que
inf ∅ = ∞.
∞
X
Outro ponto é: como interpretar xn com xn ∈ [0, ∞]?
n=0
(a) se todos os xn são finitos, trata-se de uma série de termos não-negativos: ou converge para
um número real, ou é ilimitada, quando diremos que converge para ∞ (porque?).
X∞
(b) se um dos xn ’s é igual a ∞, escrevemos que xn = ∞.
n=0
X Ou de forma mais geral dada uma famı́lia (xi )i∈I (I pode ser não enumerável), como interpretar
xi com xi ∈ [0, ∞]?
i∈I
Observação 1.3 Uma medida definida numa σ-álgebra de Borel (ver Definição 1.6, p.4) é co-
nhecida como medida de Borel.
6 CAPÍTULO 1. ESPAÇO COM MEDIDA
Em linguagem informal, uma função é chamada de medida se atribui um número real não-
negativo ou infinito para cada conjunto, é aditiva (medida da soma é igual a soma das medidas de
conjuntos disjuntos) e vale zero no conjunto vazio. Como já dissemos, é necessário se restringir a
uma σ-álgebra pois é impossı́vel, de forma geral, se atribuir uma medida a TODOS os subconjuntos,
a não ser para algumas medidas triviais que apresentamos na sequência (por exemplo a medida
delta de Dirac do Exemplo 1.11, p.6 e a medida de contagem do Exemplo 1.12, p.6), definidas na
σ-álgebra trivial P(X).
Então µh é uma medida em P(X) (porque?). Dizemos que é uma medida pontual.
X
Observação 1.4 Definimos h(x) , 0.
x∈∅
Exemplo 1.11 Um caso particular importante é dado a ∈ X, a medida pontual µIa , gerada pela
função indicadora
( Ia , conhecida como medida delta de Dirac7 , denotada por δa , de modo que
0, se a 6∈ Y,
δa (Y ) =
1, se a ∈ Y.
(f) Se hEn in∈N é uma sequência não-crescente em Σ (isto é, En+1 ⊂ En para todo n ∈ N), e
se algum µ(En ) é finito, então
!
\
µ En = lim µ(En ) = inf µ(En ).
n→∞ n∈N
n∈N
7
Paul Dirac: 1902 Bristol, England – 1984 Tallahassee, Florida, USA.
1.2. ESPAÇOS COM MEDIDA 7
Finalmente, lim µ(En ) = sup µ(En ) porque (por (b)) hµ(En )in∈N é não-decrescente.
n→∞ n∈N [
(f) Suponha que µ(Ek ) < ∞. Defina Fn , Ek \ Ek+n para n ∈ N, F = Fn ; então
n∈N
hFn in∈N é uma sequência não-decrescente em Σ e µ(F ) = lim µ(Fn ), por (e) acima. Temos que
n→∞
µ(Fn )+µ(Ek+n ) = µ(Ek ); como µ(Ek ) < ∞, nós podemos escrever que µ(Fn ) = µ(Ek )−µ(Ek+n ),
e portanto
µ(F ) = lim (µ(Ek ) − µ(Ek+n )) = µ(Ek ) − lim µ(En ).
n→∞ n→∞
Agora, F ⊂ Ek , então µ(F ) + µ(Ek \ F ) = µ(Ek ), e (novamente pois µ(Ek ) é finito) µ(F ) =
µ(Ek ) − µ(Ek \ F ). Portanto nos temos que µ(Ek \ F ) = lim µ(En ). Mas Ek \ F é somente
\ n→∞
En .
n∈N
Finalmente, lim µ(En ) = inf µ(En ) pois hµ(En )in∈N é não-crescente.
n→∞ n∈N
Observação 1.5 Observe que em (f) acima é essencial ter que inf µ(En ) < ∞. De fato, tome
n∈N
X = N e seja µ a medida de contagem em X do Exemplo 1.12, p.6. Defina En , {i ∈ N; i ≥ n}
para cada n. Então En+1 ⊂ En para cada n, mas
!
\
µ En = µ(∅) = 0 < ∞ = lim µ(En ).
n→∞
n∈N
Observação 1.6 Um exercı́cio mostra que uma medida ser σ−aditiva é o mesmo que a medida
ser “contı́nua no conjunto vazio”. Assim TODOS teoremas de convergência, incluindo o Teo-
rema de Convergência Dominada de Lebesgue, são baseados nesta propriedade (na verdade esta
propriedade é essencialmente este Teorema).
Observação 1.7 Um conjunto de medida nula não precisa ser mensurável, embora esteja contida
em um conjunto mensurável de medida nula.
8 CAPÍTULO 1. ESPAÇO COM MEDIDA
DEFINIÇÃO 1.14 Espaços de medida em que todos os conjuntos de medida nula são mensuráveis
é chamado de completo.
LEMA 1.15 (Ideal de Conjuntos de Medida Nula) Seja N a famı́lia de conjuntos de medida
nula de um espaço de medida (X, Σ, µ). Então:
(a) ∅ ∈ N ;
(b) se A ⊂ B ∈ N , então A ∈ N ; [
(c) se hAn in∈N é uma sequência em N , então An ∈ N .
n∈N
LEMA 1.16 Dado um espaço de medida (X, Σ, µ), existe um espaço de medida completo (X, Σ,
e µe)
tal que Σ ⊂ Σ e µ = µ
e e em Σ.
Exemplo 1.14
(a) para a medida de contagem, o único conjunto de medida nula é o ∅.
(b) para a medida δa de Dirac, um conjunto A possui medida nula se, e somente se, a 6∈ A.
DEFINIÇÃO 1.17 Se uma afirmação P (x) pode ser aplicada aos elementos x ∈ X de um espaço
com medida µ, nós dizemos que
significando que o conjunto {x ∈ X; P (x) é falso} possui medida nula com relação a medida µ.
Observação 1.8 As expressões ‘quase todo ponto’ (qtp), ‘quase sempre’, ‘almost
everywhere’ (a.e.), ‘almost surely’ (a.s.), ‘presque partout’ (p.p.) significam a mesma coisa.
Se o conjunto onde está definido a medida é um espaço topológico (conjunto munido de uma
topologia, similar a definição de σ-álgebra), podemos colocar condições de compatibilidade entre
a medida e a topologia. O exemplo importante é uma medida definida na σ-álgebra gerada pelos
abertos, (σ-álgebra de Borel, ver Definição 1.7, p.4), conhecida como medida de Borel.
1.3. MEDIDA COM SINAL (CARGAS) 9
TEOREMA 1.19 (decomposição de Hahn) Se λ é uma medida com sinal então existem P, N ∈
Σ tais que P ∪ N = Σ, P ∩ N = ∅ e λ restrita a P é positiva, isto é, para todo E ⊂ P , λ(E) ≥ 0,
λ restrita a N é negativa (mutatis-mutandis). A decomposição é única a menos de um conjunto de
medida nula e permite escrever λ = λ+ − λ− , com λ+ , λ− medidas (“sem sinal”).
8
Constantin Carathéodory: 1873 Berlin, Germany – 1950 Munich, Germany.
10 CAPÍTULO 1. ESPAÇO COM MEDIDA
Observação 1.9 A ideia de medida exterior (ou pré-medida) de A é que é um limite de todas as
possı́veis medidas de A. É similar, em integração, ao conceito de integral superior. Será a medida
de A caso A seja mensurável, o que ocorrerá caso a fronteira de A seja “bem comportada”.
Nós apresentamos agora o Teorema mais importante da Teoria básica de Medida. Como a
prova é longa e muito técnica, será omitida. Em resumo, dada uma medida exterior θ∗ existe uma
σ-álgebra maximal tal que θ∗ restrita a esta σ-álgebra é uma medida.
Então Σθ∗ é uma σ-álgebra de subconjuntos de X gerado pela medida exterior θ∗ . Defina µ : Σθ∗ →
[0, ∞] por µ(A) , θ∗ (A) para A ∈ Σθ∗ ; então (X, Σθ∗ , µ) é um espaço de medida completo.
θ∗ (E) ≤ θ∗ (E ∩ A) + θ∗ (E \ A).
Se a igualdade ocorrer para todo E, então o conjunto A será mensurável com relação a medida µ.
E1 ∩ A E2 ∩ A
A A
E1
E2
E1 \ A E2 \ A
E3 ∩ A E4 ∩ A
E4
E3
A A
E3 \ A E4 \ A
O roteiro que vamos seguir é definir o comprimento de intervalos e utilizá-los para definir uma
medida exterior. Aplicando o Teorema de Extensão de Carathéodory obtemos uma medida e uma
σ-álgebra, chamadas de medida e σ-álgebra de Lebesgue. Esta será a primeira medida não-trivial que
definiremos. Nos exercı́cios existem diversas outras medidas construı́das de forma semelhante como
por exemplo (Definição 1.28, p.13) a medida de Lebesgue-Stieltjes, muita usada em Probabilidade.
DEFINIÇÃO 1.23 Definimos θ∗ : P(R) → [0, ∞], a medida exterior de Lebesgue por
X∞ [
θ∗ (A) , inf λ(Ij ); hIj ij∈N é uma seq. de intervalos semiabertos t.q. A ⊂ Ij .
j=0 j∈N
O fato que θ∗ é uma medida exterior é justificado pelo item (a) da próxima Proposição. Deixamos
como exercı́cio provar (a) e parte de (b).
PROPOSIÇÃO 1.24 (Medida exterior de Lebesgue) Seja θ∗ dada pela Definição 1.23.
(a) θ∗ é uma medida exterior em R.
(b) θ∗ é uma extensão de λ, isto é, θ∗ (I) = λ(I) para todo intervalo semiaberto I ⊂ R.
Como a medida exterior de Lebesgue é uma medida exterior, podemos usá-la para construir a
medida µ usando o método de Carathéodory.
DEFINIÇÃO 1.25 A medida µ obtida pela aplicação do Teorema 1.21 à medida exterior θ∗ é
chamada de medida de Lebesgue em R. Os conjuntos A ⊂ R tais que
DEFINIÇÃO 1.26 Dizemos que A ⊂ R tem medida (de Lebesgue) nula se para todo ε > 0, existe
uma sequência (In )n∈N de intervalos abertos e limitados tal que
+∞
[ +∞
X
A⊂ In e |In | ≤ ε, (1.1)
n=1 n=1
sendo que |I| representa o comprimento do intervalo I, ou seja, |I| = b − a se I = (a, b).
12 CAPÍTULO 1. ESPAÇO COM MEDIDA
? TEOREMA 1.27 (Conjuntos de Borel são mensuráveis a Lebesgue) Todo conjunto de Borel
de R é mensurável a Lebesgue.
Este resultado implica que todos conjuntos abertos e fechados e todos intervalos são conjuntos men-
suráveis a Lebesgue. Todo conjunto construindo partindo de intervalos, tomando união, interseção,
complemento, será mensurável. Assim, na prática, embora falso, “todo subconjunto conjunto da
reta é um boreliano (mensurável)”, razão pela qual esta sutileza teórica é ignorada com certa segu-
rança nas aplicações. A demonstração que existem borelianos que não são obtidos assim é delicado
(Exercı́cio 23, p.16).
Observação 1.11 Pode-se exibir (exemplo de Lusin – ver Wikipedia: Non-Borel set) um conjunto
que não é Borel mas é Lebesgue mensurável. Por contraste, pode-se provar a existência de um
conjunto não-mensurável a Lebesgue mas este conjunto não pode ser exibido pois a prova é feita
utilizando o axioma da escolha: o conjunto de Vitali do Exercı́cio 67, p.20.
Observação 1.12 Podemos provar que a medida de Lebesgue é a única medida em R que:
(a) é completa (Definição 1.14, p.8);
(b) é invariante por translação (i.e., µ(A) = µ(A + x) para todo x ∈ R);
(c) contém a σ-álgebra dos intervalos de R;
(d) atribui 1 ao intervalo [0, 1].
Isto se generaliza de forma óbvia para o Rn . Note a semelhança com a unicidade do determinante
em Rn como única forma multilinear que atribui o valor 1 a um n-cubo.
A medida de Lebesgue pode ser generalizada em várias direções. Seguem alguns exemplos:
9
Alfréd Haar; Budapest 1885 — 1933
10
Felix Hausdorff: 1868 Breslau, Germany (now Wroclaw, Poland) – 1942 Bonn, Germany.
1.6. GENERALIZAÇÕES: MEDIDA DE LEBESGUE-STIELTJES E DE HAUSDORFF 13
Tomando g(x) = x obtemos a medida de Lebesgue. Pode-se mostrar (exercı́cio) que θg∗ é uma me-
dida exterior em R. A medida µg gerada pelo método de Carathéodory partindo da medida exterior
θg∗ é conhecida como medida de Lebesgue-Stieltjes associada a g. Um exemplo não-trivial é a me-
dida de Lebesgue-Stieltjes (singular) gerada pela função de cantor (Wikipedia: Cantor_function).
Pode-se provar que “toda” (veja exercı́cio) medida definida na σ-álgebra de Borel de R é gerada
desta forma (Exercı́cio 79, p.21).
Se a função g é absolutamente contı́nua (“bem comportada”, por exemplo se g é diferenciável
Rb Rb
tome h = g 0 ), por definição existe h Lebesgue-integrável tal que g(b)−g(a) = a h(s) = a dµg ds =
µg (a, b) onde ds é a medida de Lebesgue. Logo dµg = h ds ou dµh /ds = h (mais sobre isso
no Teorema de Radon-Nykodin). No caso geral podemos decompor qualquer medida numa parte
absolutamente contı́nua mais uma parte singular (essencialmente pontuais tipo delta de Dirac).
Detalhes na Seção 2.5, p.33.
A construção da medida de Lebesgue (e Lebesgue-Stieljes) pode ser feita de forma abstrata pela
definição abaixo. Deixamos para o leitor ver como.
interpretando inf ∅ como ∞, de modo que θ∗ (A) = ∞ se A não é coberto por qualquer sequência
em I
Finalizamos observando que bastou ter uma distância definida em X = Rn para esta construção.
Assim podemos definir a medida (e dimensão) de Hausdorff em um espaço métrico qualquer X.
1.7 Exercı́cios
1.7.1 Sigma-Álgebras
1. Prove que se Σ é uma σ-álgebra então é uma álgebra (tem algo para ser provado).
2. (parte do Lema 1.2, p.3) Uma σ-álgebra é fechada por interseção enumerável e por diferença
entre conjuntos.
3. Prove o Lema 1.3, p.3.
4. Suponha que µ é finitamente aditiva mas não necessariamente σ-álgebra e que µ(Ω) < ∞.
Prove que µ é σ-álgebra se, e somente se, é contı́nua no vazio, isto é, se hEn in∈N é uma sequência
não-crescente em Σ (isto é, En+1 ⊂ En para todo n ∈ N) e ∩n∈N En = ∅, então
lim µ(En ) = 0
n→∞
5. Prove que ser fechado por união de 2 elementos implica em ser fechado por união de n elementos
(mas não é σ-álgebra!).
6. Determine se a σ-álgebra de subconjuntos de
(a) Q gerada por {{ x }; x ∈ Q} é P(Q).
(b) R gerada por {{ x }; x ∈ R} é P(R).
7. Considere Σ = {A ⊂ R; A é enumerável ou A{ é enumerável} e A = {{ x }; x ∈ R}
(subconjuntos de R unitários). Prove que:
(a) Σ é uma σ-álgebra; (b) a σ-álgebra gerada por A é igual a Σ.
8. Considere X = { 1, 2, 3, 4, 5 }. Determine a σ-álgebra gerada por:
(a) A1 = { { 2 } }; (b) A2 = { { 1, 2 } }; (c) A3 = { { 1, 2, 3 } };
(d) A4 = { { 1, 2 }, { 1, 3 } }; (e) A5 = { { 1 }, { 2, 3 } }.
9. Seja X um conjunto. Dado Ω ⊂ X defina Z Ω = {Y ⊂ X; tal que Y ⊂ Ω ou Y { ⊂ Ω}.
(a) Prove que Z Ω é σ-álgebra. Dica: Se A ⊂ Ω e B { ⊂ Ω, então (A ∪ B){ ⊂ Ω.
(b) Z Ω = σ(P(Ω))
10. Considere as seguintes famı́lias de intervalos de R:
A1 = {(−∞, a) ; a ∈ R}, A2 = {[a, ∞) ; a ∈ Q},
A3 = {[a, b); a, b ∈ Q}, A4 = {[a, b]; a, b ∈ R}.
(a) Prove que todo intervalo I ∈ Ai , para algum i, é um conjunto de Borel.
(b) Prove que a σ-álgebra gerada por Ai , para cada i, é a σ-álgebra de Borel.
11. Prove que a σ-álgebra de Borel pode ser gerado por {Ai }i∈N , uma sequência de subconjuntos
de R.
Dica: Considere intervalos com coordenadas racionais.
1.7. EXERCÍCIOS 15
{(E ∩ A) ∪ (F \ A); E, F ∈ Σ}
ý 23. (extra) Definimos Fσ com união enumerável de fechados e Gδ como interseção enumerável de
abertos. Depois Fσδ é a união de conjuntos Fσ , e Gδσδ interseção de Gδ , etc. Assim temos Gδσδσδ .
É claro que todos eles são Borel. Mas existem borelianos que não são formados deste modo. A
prova disso é delicado. Pesquise sobre o assunto.
ý 24. (extra) Seja E ⊂ R2 um conjunto de Borel e P : R2 → R definida por P (x, y) , x (projeção
ortogonal no eixo-x). Pode-se pensar que P (E) é um conjunto de Borel em R mas isto é falso. Será
verdadeiro se trocarmos Borel por Fσ .
Lebesgue believed he had proved that such a projection was also a Borel set. Studying this error
lead Suslin to begin the line of study now called ”descriptive set theory”, 1917 or so. For details,
look at Kechris’s book on Classical Descriptive Set Theory. See: Suslin_set na Wikipedia.
25. Prove que se (An )n∈N é uma sequência de conjuntos de medida nula (veja Definição 1.13,
+∞
[
p.7), então An tem medida nula.
n=1
26. Dado espaço com medida (X, Σ, µ) e A ∈ Σ, defina λ(A) = µ(A∩E). Prove que (X, Σ∩E, λ)
é um espaço com medida, a restrição da medida µ a E. Em exercı́cio anterior provamos que a famı́lia
Σ ∩ E é uma σ-álgebra.
27. Dado (X, Σ, µ) onde Σ é a famı́lia de conjuntos A tais que A é enumerável (ou vazio) ou A{
é enumerável (ou vazio). Defina µ(A) = 0 se A for enumerável, 1 caso contrário. Este é um espaço
de medida?
P espaço com medida (N, P(N ), µ), prove que existe sequência (an )n∈N em R tal que
28. Dado
µ(E) = n∈E an (somatório vazio por convenção vale 0).
29. Verifique se é medida em (R, P(R)):
(a) µ(E) = 0 se E é finito ou vazio, µ(E) = ∞ caso contrário.
(b) µ(E) = 0 se E é enumerável ou vazio, µ(E) = ∞ caso contrário.
(c) µ(E) = 0 se E é vazio, µ(E) = ∞ caso contrário.
30. Prove que para a medida:
(a) de contagem, o único conjunto de medida nula é o ∅;
(b) δa de Dirac, um conjunto A possui medida nula se, e somente se, a 6∈ A.
31. Explique o significado das expressões abaixo para a medida de contagem e para a medida δa
de Dirac:
(a) f = 0 quase todo ponto; (b) f > 0 quase todo ponto.
32. Considere µh a medida pontual do Exemplo 1.11, p.6 com h = | sen |. Então µh (A) = 0 se, e
somente se, A . . . . . . . . . (complete a lacuna).
33. Considere µh a medida pontual do Exemplo 1.11, p.6 com h = I{ x>0 } . Determine se é
Verdadeiro ou Falso:
(a) I{ x<−3 } = 0 µh -qtp; (b) I{ x<1 } = I{ 0≤x<1 } µh -qtp.
34. Considere µh a medida pontual do Exemplo 1.11, p.6. Chamamos de suporte de uma função
f o conjunto dos pontos onde f se anula. Utilize o conceito de suporte para determinar condições
equivalentes a:
1.7. EXERCÍCIOS 17
45. (Lema de Fatou e Teorema da Convergência dominada para conjuntos) O objetivo é mos-
trar, essencialmente, que se En → E (En , E ∈ Σ) no sentido dos exercı́cios anteriores, então
lim µ(En ) = µ(E).
n→∞
(a) Prove que µ(lim inf En ) ≤ lim inf µ(En ) (Lema de Fatou para conjuntos).
(b) Prove que lim sup µ(En ) ≤ µ(lim sup En ) se µ(∪En ) < ∞.
(c) Conclua que Se En → E (En , E ∈ Σ) no sentido dos exercı́cios anteriores (lim sup En =
lim inf En ) e ∪En ⊂ F com µ(F ) < ∞ (F domina a sequência En ), então lim µ(En ) = µ(E)
n→∞
(Teorema da Convergência dominada de Lebesgue para conjuntos).
46. (Lema de Borel-Cantelli)
P Seja (X, Σ, µ) um espaço de medida. Seja E1 , E2 , . . . uma sequência
de elementos de Σ tal que ∞ n=1 µ(En ) < ∞. Mostre que quase todo x ∈ X pertence no máximo
a um número finito de En ’s, i.e., A(x) = {n ∈ N; x ∈ En } é finito para quase todo x, isto é,
µ(lim sup En ) = 0.
ý 47. (extra) Seja Σ uma σ-álgebra de subconjuntos de X. Sejam µ1 e µ2 medidas em X com
domı́nio Σ. Defina, para cada E ∈ Σ,
µmin (E) , inf {µ1 (E ∩ F ) + µ2 (E \ F )}, µmax (E) , sup {µ1 (E ∩ F ) + µ2 (E \ F )}.
F ∈Σ F ∈Σ
( n n
)
X [
µsup (E) , sup νi (Fi ); n ∈ N, ν0 , . . . , νn ∈ N, disjuntos F0 , . . . , Fn ∈ Σ, Fi ⊂ E .
i=0 i=0
Prove que:
(a) µinf e µsup são medidas.
(b) µinf é a maior medida e µsup é a menor medida, com domı́nio Σ, tal que
µinf (E) ≤ inf ν(E) e µsup (E) ≥ sup ν(E) para todo E ∈ Σ.
ν∈N ν∈N
54. Compare a definição de medida (Definição 1.10, p.5) com a definição de medida exterior
(Definição 1.20, p.9). Tente provar a condição (b) da Definição 1.20, p.9 partindo de (c). Contraste
com (c1) da Definição 1.10, p.5.
55. Prove que se θ∗ é uma medida exterior em X, com A, B subconjuntos de X, então θ∗ (A∪B) ≤
θ∗ (A) + θ∗ (B).
Dica: Tem algo para ser provado?
56. Seja θ∗ uma medida exterior em X, µ a medida definida pelo método de Carathéodory. Prove
que se θ∗ (A) = 0, então A é µ-mensurável com medida zero. Conclua que µ é completa no sentido
da Definição 1.14, p.8.
57. Suponha que θ1∗ , θ2∗ são medidas exteriores em X e hθi∗ ii∈I é uma famı́lia não-vazia qualquer
de medidas exteriores em X. Prove que são medidas exteriores:
(a) θ1∗ + θ2∗ , definindo (θ1∗ + θ2∗ )(A) , θ1∗ (A) + θ2∗ (A) para cada A ⊂ X.
∗ , onde θ ∗ (A) , sup θ ∗ (A) para cada A ⊂ X.
(b) θsup sup i
i∈I
(c) θ1∗ ∧ θ2∗ , definindo (θ1∗ ∧ θ2∗ )(A) , inf{θ1∗ (B) + θ2∗ (A \ B); B ⊂ A} para cada A ⊂ X.
ý 58. (extra) (direção contrária ao do texto: uma medida gera uma medida exterior) Seja (X, Σ, µ)
um espaço de medida. Para A ⊂ X defina
Prove que:
(a) existe E ∈ Σ tal que A ⊂ E e µ(E) = µ∗ (A).
(b) µ∗ é uma medida exterior em X.
59. Identifique uma função contı́nua em R que seja igual quase todo ponto com relação a medida
de Lebesgue em R a cada uma das funções abaixo:
(a) IN ; (b) IQ ; (c) IQ{ ; (d) I[0,1] .
60. Considere (a medida exterior de Lebesgue) θ∗ da Definição 1.23, p.11. Prove que:
(a) θ∗ é uma medida exterior;
(b) θ∗ ([a, b)) ≤ b − a. Provar a igualdade é uma questão mais delicada (consulte literatura).
20 CAPÍTULO 1. ESPAÇO COM MEDIDA
73. Mostre que θg∗ da Definição 1.28, p.13 é uma medida exterior em R. Se for mais fácil, comece
assumindo que g é contı́nua.
74. Determine F : R → R tal que a medida de Lebesgue-Stieljes tenha as seguintes propriedades:
µ({1}) = 2, µ([1, 3]) = 4, µ({1}) = 2, µ([3, +∞)) = 0, µ([−x, 0)) = x/π.
75. Se F (x) = dxe (maior parte inteira). Descreva e medida de Lebesgue-Stieljes gerada. Qual a
σ-álgebra associada gerada pelo Teorema de Caratheodory?
76. Com relação à medida de Lebesgue-Stieltjes µg da Definição 1.28, p.13:
(a) Prove que µg ({c}) = g(c+ ) − g(c− ), onde g(c+ ) = lim g(x) e g(c− ) = lim g(x).
x→c+ x→c−
(b) Prove que µg ((a, b]) ≤ g(b+ ) − g(a+ ). Na realidade são iguais mas é mais delicada.
(c) Se g = I[0,∞) , determine µg .
77. Prove que θ∗ da Definição 1.29, p.13 é uma medida exterior em X.
78. Com relação a medida exterior de Hausdorff.
(a) Prove que λs (A) ≤ λr (A) se s ≥ r (λs é monótona decrescente).
(b) Se A ⊂ Rn então 0 ≤ dimH (A) ≤ n.
(c) Se A é um conjunto enumerável então dimH (A) = 0 (recı́proca não é verdadeira).
(d) Prove que A é finito se, e somente se, λ0 (A) < ∞.
79. Seja B a σ-álgebra de conjuntos de Borel de R e ν : B → [0, ∞] uma medida tal que
ν[−n, n] < ∞ para todo n ∈ N. Mostre que existe uma função g : R → R que é não-decrescente
tal que ν(E) = µg (E) para todo E ∈ B, onde µg é definida na Definição 1.28, p.13. A função g é
única?
Dica: g(x) = ν((−∞, x]), chamada em probabilidade de cdf (cumulative distribution function).
22 CAPÍTULO 1. ESPAÇO COM MEDIDA
Capı́tulo 2
Integração
O movimento do século XIX em direção ao rigor em matemática tentou colocar o cálculo em bases
sólidas. A integral de Riemann1 é um exemplo de sucesso destas tentativas pois fornece o resultado
esperado para muitos problemas que eram conhecidos e para outros problemas novos.
No entanto, a integral de Riemann não interage bem com a operação de limite de sequências
de funções. Isto é importante, por exemplo, no estudo da série de Fourier2 . Já com a integral de
Lebesgue é mais fácil saber quando é possı́vel tomar o limite dentro da integral. Estas propriedades
melhores decorrem do fato que a integral de Lebesgue é, num paralelo com séries, “absolutamente
convergente”, enquanto a integral de Riemann é “condicionalmente convergente”. Ver p. 33 para
detalhes.
A integral de Lebesgue estende para uma classe maior de funções a integral de Riemann e
além disso permite definir integrais sobre espaços mais gerais que o Rn . Dedicamos uma Seção a
comparação da integral de Riemann com a de Lebesgue.
A teoria de integração sobre um espaço de medida geral (que inclui a integral de Lebesgue como
um exemplo) que apresentamos neste livro consiste de:
i. uma teoria de conjuntos mensuráveis (a σ-álgebra);
• Teorema de Radon-Nikodým;
• Teorema de Fubini.
1
Bernhard Riemann: 1826 Breselenz, Hanover (now Germany) – 1866 Selasca, Italy.
2
Fourier
23
24 CAPÍTULO 2. INTEGRAÇÃO
Se Σ é a σ-álgebra de:
(a) Borel, então f é dita mensurável a Borel;
(b) Lebesgue, então f é dita mensurável a Lebesgue.
Observação 2.1 Note a semelhança com a definição de função contı́nua em um espaço to-
pológico: f : X → Y é contı́nua se, e somente se,
Observação 2.2 Nem todas funções Borel-mensuráveis são contı́nuas. Mas, pelo Teorema de
Luzin3 (consulte literatura), se f : [a, b] → R é Borel-mensurável, dado ε > 0, existe um compacto
E ⊂ [a, b] tal que f restrita a E é contı́nua e µ(E { ) < ε.
LEMA 2.3 Seja Σ uma σ-álgebra de subconjuntos de X. Então para qualquer função f : X → R
as seguintes afirmações são equivalentes:
(a) {x ∈ X; f (x) < a} ∈ Σ para todo a ∈ R;
(b) {x ∈ X; f (x) ≤ a} ∈ Σ para todo a ∈ R;
(c) {x ∈ X; f (x) > a} ∈ Σ para todo a ∈ R;
(d) {x ∈ X; f (x) ≥ a} ∈ Σ para todo a ∈ R.
Este primeiro resultado mostra que o conjunto das funções mensuráveis forma um espaço vetorial
(combinações lineares) e uma álgebra (produto de funções). Além disso podemos tomar módulo de
uma função mensurável e obter uma função mensurável.
Como claramente [
{x ∈ X; (f + g)(x) < a} = Sr ,
r∈Q
O próximo resultado mostra que as funções mensuráveis são bem comportadas com relação a
convergência pontual de sequências de funções.
TEOREMA 2.5 (Propriedades de Funções Mensuráveis II) Seja hfn in∈N uma sequência de
funções Σ-mensuráveis de X em R. São Σ-mensuráveis:
(a) lim fn ; (b) sup fn ; (c) inf fn ; (d) lim sup fn ; (e) lim inf fn .
n→∞ n∈N n∈N n→∞ n→∞
26 CAPÍTULO 2. INTEGRAÇÃO
Observação 2.3 É verdade também que a composição de uma função contı́nua com uma men-
surável é mensurável, mas a composição de duas funções mensuráveis pode não ser mensurável.
Uma função não ser mensurável implica na existência de um conjunto que não é mensurável.
Como já observamos, quase todo subconjunto de R é mensurável a Lebesgue. Portanto, quase toda
função que você encontrará será mensurável a Lebesgue.
DEFINIÇÃO 2.7 (Função Simples) Seja (X, Σ, µ) um espaço de medida. Dizemos que f : X →
n
X
R é uma função simples se f = ai IEi , onde ai ∈ R e cada Ei é Σ-mensurável, isto é, Ei ∈ Σ.
i=0
Observação 2.4 Alguns autores permitem um conjunto arbitrário Ei . Assim uma função simples
é qualquer função que assume um número finito de valores distintos.
n
X
Observação 2.5 A representação de uma função simples não-nula f com ai IEi é única se
i=0
os a0i s são não-nulos e únicos e se os Ei ’s são disjuntos (exercı́cio).
2.2. DEFINIÇÃO DA INTEGRAL 27
Vamos definir agora a integral de uma função simples. Ela está bem definida pelo Lema 2.9
(técnico) que apresentamos depois da definição sem a demonstração (consulte a literatura). A
dificuldade é que uma função simples f possui mais de uma representante e temos que provar que o
valor da integral independe do representante que nós escolhemos. Vamos explorar casos particulares
nos exercı́cios.
DEFINIÇÃO 2.8 (Integral de uma função simples) Seja (X, Σ, µ) um espaço de medida e
m
X
f : X → R uma função simples, isto é, f = ai IEi . Definimos a integral da função simples f
i=0
com relação a medida µ (pode ser ∞!) por
Z m
X
f dµ , ai µ(Ei ).
i=0
Z
Exemplo 2.3 1 dµ = µ(H).
H
28 CAPÍTULO 2. INTEGRAÇÃO
DEFINIÇÃO 2.12 Definimos a parte positiva f + e a parte negativa f − de uma função f por
Assim, f = f + − f − com f + , f − ≥ 0.
Observação 2.7 Pelo exercı́cio 12, p.38, se f é mensurável, então f + e f − são mensuráveis.
Se H ∈ Σ, definimos Z Z Z
f dµ , f +
dµ − f − dµ.
H H H
Deixamos para o leitor refletir sobre o seguinte. Como pedimos que a parte positiva e negativa
de uma função seja integrável, a integral de Lebesgue é “absolutamente convergente” (no sentido
de séries), pois uma função f é integrável se, e somente se, |f | é integrável.
A integral é um operador linear e monotônico pelo próximo Teorema, apresentado sem demons-
tração.
É claro que esta relação é de equivalência (Exercı́cio 42, p.17). A integral “não enxerga” a diferença
entre as funções f e g equivalentes. Fisicamente, por exemplo, uma força f e g equivalentes vão
realizar o mesmo trabalho. Assim, na definição dos espaços funcionais Lp e L∞ , vamos falar na
função f querendo dizer num representante qualquer da classe de equivalência a que a função
pertence. Assim como números racionais são classes de equivalência e dizemos “considere o número
racional 1/2” ao invés de dizer “considere a classe de equivalência de 1/2”, vamos falar na função
f em Lp ao invés de dizer classe de equivalência a que f pertence.
DEFINIÇÃO 2.16 O conjunto Lp (X) = Lp (X,RΣ, µ), para 1 ≤ p < ∞, é formado pelas funções
f : X → R que são Σ-mensuráveis com integral |f |p dµ finita.
O conjunto L∞ (X) = L∞ (X, Σ, µ) é formado pelas funções f : X → R que são Σ-mensuráveis
e limitadas µ-qtp, isto é, existe M ∈ R tal que µ{x ∈ X; |f (x)| > M } = 0.
Estes espaços são Espaços Vetoriais Normados (EVNs) pelo Teorema 2.14 se introduzimos a
norma: 1/p
(a) em Lp (1 ≤ p < ∞): kf kLp = |f |p dµ
R
;
∞
(b) em L : kf kL = inf {M > 0; µ{x; |f (x)| > M } = 0} (chamado de sup essencial).
∞
Com estas normas (devido ao fato de se tratar da integral de Lebesgue) eles são EVNs completos,
ou seja, são Espaços de Banach. Como já observamos, os elementos são classes de equivalência
de funções iguais a menos de um conjunto de medida nula, tais quais elementos de R são classes de
equivalência de sequências de Cauchy.
Observação 2.9 Se utilizássemos a integral de Riemann este espaço NÃO seria completo. Esta
é uma razão técnica da importância da integral de Lebesgue.
Com isto, L2 será um EVN completo com norma induzido por um produto interno, que chamamos
de Espaço de Hilbert. Este é um espaço importante onde a Teoria da série de Fourier se desen-
volve. Além disso a teoria de equações diferenciais parciais se desenvolve nos chamados Espaços
de Sobolev, espaços que envolvem a existência de derivadas (num sentido mais fraco) limitadas
nestas normas integrais. Deste modo passamos do espaço das funções contı́nuas (C(X)) ou suaves
(C n (X)) para espaços de Banach, Hilbert e Sobolev.
fornecem condições (simples) para que possamos trocar o limite com a integral, isto é, condições
para que
Z Z
lim fn dµ = lim fn dµ.
n→∞ n→∞
Embora a teoria seja mais complicada, as condições para poder se trocar limite com integral são
bem mais simples na integral de Lebesgue do que na de Riemann. De fato (estude os enunciados
dos dois teoremas abaixo), na integral de Lebesgue basta se ter convergência pontual (qtp) e uma
condição extra simples (monotonicidade ou dominância por uma função integrável). Por contraste,
a integral de Riemann pede, por exemplo, convergência uniforme.
Para se entender a essência destes resultados, recomendo estudar o enunciado e resolver o
Exercı́cio 45, p.18.
TEOREMA 2.17 (convergência monótona) Seja (X, Σ, µ) um espaço de medida e hfn in∈N uma
sequência de funções reais não-negativas integráveis em X tais que
n
[
Exemplo 2.5 Seja an uma enumeração de Q e An = { ak }. Seja fn = IAn . Claramente
k=1 R
fn é uma sequência monótona crescente que Rconverge para IQ . Como fn dµ = 0 para todo n
(fn =Z 0 exceto em número finito de pontos) IQ dµ = 0. Contraste com a integral de Riemann,
onde R IQ (x) dx não existe pois o conjunto dos pontos de descontinuidade desta função não possui
medida zero (é R).
|fn (x)| ≤ g(x), µ-qtp. em X, para todo n ∈ N (dominância por função integrável).
Então f é integrável e Z Z
f dµ = lim fn dµ.
n→∞
2.4. INTEGRAL DE RIEMANN × LEBESGUE 31
DEFINIÇÃO 2.19 Dizemos que uma sequência de funções mensuráveis fn converge em medida
para f se lim µ(|fn − f | ≥ a) = 0 para todo a > 0.
n→∞
As funções gk são iguais a zero em todos os pontos exceto num conjunto finito pontos, e
portanto sua integral de Riemann é zero. A sequência gk , claramente não-negativa, converge
monotonamente para a função IQ , que não é integrável a Riemann.
• Definição está muito atrelada ao Rn . Como se generalizar a integral para outros espaços?
Para fazermos uma comparação informal entre as duas integrais, imagine que desejamos saber
o volume de uma montanha (acima do nı́vel do mar) sabendo a função de sua altura h.
• na integral de Riemann dividimos a montanha numa malha de 1 metro quadrado e medimos
a altura h da montanha no centro de cada quadrado. O volume em cada quadrado da malha
é aproximadamente 1 × 1 × h. Portanto o volume total é (aproximadamente) igual a soma
deste volumes. Neste caso estamos particionando o domı́nio.
É fácil ver que cada partição do intervalo [a, b] induz a duas funções escadas: uma que assume
o sup da função em cada intervalo, e outra que assume o inf da função em cada intervalo.
Voltando e comparando a Definição 2.10, p.27 (integral de Lebesgue) com a definição da integral
de Riemann, observamos que a principal diferença consiste no uso de funções escada ao invés de
funções simples. Para comparar funções simples com escada veja Exercı́cio 40, p.41.
Apresentamos agora um resultado clássico (ver algum livro de análise para demonstração) sobre
a integral de Riemann, relacionando-a com a medida de Lebesgue.
Pela monotonicidade da integral de Lebesgue, dada uma função escada s qualquer (que é mensurável
pois é simples) tal que f ≤ s, Z Z
f dµ ≤ s dµ.
Tomando o inf nos dois lados com relação as funções escada s’s tais que f ≤ s,
Z Z b
f dµ ≤ L[a,b] (f ) = R f (x) dx.
a
Dessas desigualdades concluı́mos que
Z b Z Z b
R f (x) dx ≤ f dµ ≤ R f (x) dx.
a a
Z b Z
Portanto, R f (x) dx = f dµ.
a
Este teorema é sobre a integral própria de Riemann, de uma função limitada em um intervalo
limitado. Para funções ilimitadas e intervalos
Z ∞ ilimitados define-se a integral
Z atomando limites. Por
sin x sin x
exemplo a integral imprópria de Riemann dx é definida por lim dx, e a integral
Z 1 Z 1 0 x a→∞ 0 x
ln x dx é definida por lim ln x dx. Dessas, a segunda existe como integral de Lebesgue,
0 Z a→0+ a
∞
sin x dx = ∞.
mas a primeira não pois x
0
Nesse sentido, a integral de Lebesgue é uma integral “absolutamente convergente”, significando
que f é integrável a Lebesgue se, e somente se, |f | também é. Na função f (x) = sinx x , obterı́amos
que tanto a integral de f + quanto a de f − é ∞, obtendo que a integral de Lebesgue seria igual a
∞ − ∞, algo não definido.
Em contraste, a integral de Riemann em intervalos ilimitados é “condicionalmente convergente”
Da teoria de séries sabemos que os termos de uma série condicionalmente convergentes não podem
ser comutados nem associados de forma arbitrária preservando o valor da série. Assim esta restrição
(“convergência absoluta”) da integral de Lebesgue assegura mais robustez nas suas propriedades.
DEFINIÇÃO 2.25 Seja (X, Σ, µ) um espaço de medida. Dizemos que uma medida µ é finita se
ela não assume o valor ∞.
Dizemos que ela é σ-finita se existe uma sequência En em Σ com:
∞
[
En = X e µ(En ) < ∞.
n=1
34 CAPÍTULO 2. INTEGRAÇÃO
DEFINIÇÃO 2.26 Dadas medidas λ e µ em definidas numa σ-álgebra Σ, dizemos que λ é abso-
lutamente contı́nua com relação a µ, denotado por λ µ, se para todo E ∈ Σ com µ(E) = 0
implica que λ(E) = 0.
Para se entender a notação λ µ, observe que se µ(E) = 0, então 0 ≤ λ(E) µ(E) = 0. Logo
λ(E) = 0.
Seja (X, Σ, µ) um espaço de medida e f : X → R uma função mensurável não-negativa. Para
cada E ∈ Σ defina λ(E) ∈ [0, ∞] por:
Z
λ(E) , f dµ.
E
É claro que (exercı́cio) λ é uma medida absolutamente contı́nua com relação a µ. Note que como
λ é uma medida, Z Z
λ(E) = dλ = f dµ para todo E ∈ Σ.
E E
Logo, abusando notação,
Z
(dλ − f dµ) = 0 para todo E ∈ Σ.
E
dλ
Portanto, em algum sentido, dλ = f dµ, ou seja, f = , a chamada derivada de Radon-
dµ
Nikodým. O próximo teorema mostra que toda medida σ-finita absolutamente contı́nua é obtida
desta forma.
Exemplo 2.6 O exemplo mais importante é a medida de Lebesgue e delta de Dirac, que são sin-
gulares entre si. Qualquer combinação linear de delta de Dirac também será singular a medida de
Lebesgue.
Exemplo 2.7 Medida de Lebesgue-Stieljes gerada por função suave (absolutamente contı́nua é
suficiente, basta poder aplicar TFC) é singular com relação a medida delta de Dirac.
Exemplo 2.9 Exemplo bem mais difı́cil é medida de Lebesgue-Stieljes gerada pela função de Cantor,
que é contı́nua mas não é absolutamente contı́nua. Ela está concentrada no conjunto de Cantor,
que é não-enumerável, como se fosse a soma não-enumerável de deltas de Dirac. Ela é singular com
relação a medida de Lebesgue (basta considerar o conjunto de cantor como A e B seu complementar).
Veja na Wikipedia detalhes.
TEOREMA 2.29 (Decomposição de Medidas de Lebesgue) Dadas medidas (ou medidas com
sinal) σ-finitas µ e ν num espaço de medida (X, Σ), existem duas medidas σ-finitas ν0 e ν1 tais
que:
(a) ν = ν0 + ν1 .
(b) ν0 µ (ν0 é absolutamente contı́nua com relação a µ).
(c) ν1 ⊥ µ
Este resultado é aplicável em espaço de medida qualquer, mas particularizando para medidas
definidas nos borelianos do Rn sabemos mais.
Pelo Exercı́cio 79, p.21 podemos representar toda medida de probabilidade nos borelianos da
reta por uma função g, função cumulativa de distribuição (cdf) da medida. Se g for diferenciável,
pelo Teorema de Radon-Nykodin, a medida é f ds, com g 0 = f .
Observação 2.11 Mesmo se g for somente absolutamente contı́nua pode-se representá-la pois g
é absolutamente contı́nua se, e somente 0
R xse,0 g possui derivada g em quase todo ponto, a derivada
é Lebesgue derivável e g(x) = g(a) + a g (t) dt.
TEOREMA 2.30 (decomposição de medidas nos borelianos) Todo medida ν finita definida
nos borelianos do Rn pode ser decomposta por ν = ν1 + ν2 + ν3 com:
(a) ν1 absolutamente contı́nua com relação a Lebesgue;
(b) ν2 parte singular contı́nua (tipo Cantor ou delta no cı́rculo);
(c) ν3 medida discreta (combinação discreta de delta de Dirac).
36 CAPÍTULO 2. INTEGRAÇÃO
DEFINIÇÃO 2.31 Sejam (X, Σ, µ) e (Y, T, τ ) espaços de medida. Existe uma medida canônica
numa σ-álgebra de subconjuntos de X × Y , a chamada medida produto π gerada por µ e τ ,
denotada por π = µ × τ . Esta medida está definida na σ-álgebra gerada por A × B, onde A ∈ Σ e
B ∈ T.
(denso) C c (R) ⊂ L1 (R), pode ser estendida por continuidade, de forma única, para todo o espaço
(analogia com como a definição de 2x para x ∈ R partindo da definição de 2x para x ∈ Q).
Esta integral estendida de C c (R) para todo o L1 (R) é igual a integral de Lebesgue.
2.8 Exercı́cios
2.8.1 Funções Mensuráveis
28. Sejam µ1 , µ2 duas medidas com domı́nio na σ-álgebra Σ. Defina µ(E) , µ1 (E) + µ2 (E) para
E ∈ Σ. Prove que para qualquer função Σ-mensurável f : X → R,
Z Z Z
f dµ = f dµ1 + f dµ2 .
33. (interpolação em espaços funcionais) Se f ∈ Lp1 ∩ Lp2 , então f ∈ Lp para todo p ∈ [p1 , p2 ].
Dica: desigualdade de Hölder.
34.Z (introdução ao dual topológico) Vamos provar que dado p > 1, 1/p + 1/q = 1, kf kLp =
sup f g dµ para kgkLq ≤ 1. Dizemos que o dual topológico do Lq é o Lp . Mais precisamente
g
dada uma função
Z f ∈ Lp , podemos definir o funcional linear (que depende de f ) Tf : Lq → R
por Tf (g) = f g dµ. Pode-se provar que é contı́nuo na norma Lq e por este exercı́cio kf kLp =
kTf kL(Lq ;R) . Pode-se construir portanto uma isometria entre o espaço dos funcionais lineares
L(Lq ; R)Re Lp , ou seja, o dual topológico do Lq é o Lp .
(a) | f g dµ| ≤ kf kLp (Hölder)
(b) Se f 6= p−1 −p/q . Mostre que g ∈ Lq ,
R 0, defina g0 (x) = Cf (x) sinalf (x), onde C = (kf kLp ) 0
kgkLq = 1 e f g0 dµ = kf kLp .
ýZ 35. (extra) Seja dx a medidaZ de Lebesgue. Prove que se f : X → R é integrável, então
f (x + a) dx existe e é igual a f (x) dx para todo a ∈ R.
Dica: Comece com funções simples. Assuma que a medida de Lebesgue é invariante por
translação.
36. (para aprender todos tipos de convergência) Com relação à medida de Lebesgue na reta,
determine, para cada uma das sequências abaixo:
(g) fn = IAn onde A1 = [0, 1], A2 = [0, 1/2], A3 = [1/2, 1], A4 = [0, 1/3], A5 = [1/3, 2/3],
A6 = [2/3, 1], A7 = [0, 1/4], A8 = [1/4, 2/4], A9 = [1/4, 2/4], A10 = [2/4, 3/4], A11 =
[3/4, 1],. . .
|f |
Z
37. Se µ(X) < ∞ e r(f ) = dµ e fn é mensurável, prove que fn → f em medida se, e
1 + |f |
somente se, r(fn − f ) → 0.
∞ Z
X
38. Considere a sequência de funções reais hfn in∈N , todas integráveis e tais que |fn | dµ é
n=0
∞
X Z ∞ Z
X
finito. Prove que f (x) , fn (x) está definida qtp. e f dµ = fn dµ.
n=0 n=0
Dica: Assuma inicialmente que fn ≥ 0.
39. Dada uma função f : R → R qualquer, defina para cada k ∈ R a função Tk f : R → R, o
truncamento de f por
f (x), se |f (x)| ≤ k;
Tk f (x) , k, se f (x) > k;
−k, se f (x) < −k.
40. Prove que toda função escada é uma função simples (em particular mensurável). Prove que
f = IQ é uma função simples que não é uma função escada. Assim o conjunto de funções simples
é (bem) maior que o de funções escada.
41. Fixe uma função f : [a, b] → R. Dada uma partição qualquer do intervalo [a, b], determine a
função escada s associada que seja a menor de todas com f ≤ s. Assim s deve ser constante entre
os pontos da partição.
42. Prove que a relação ser dominada é transitiva. Dê um exemplo que prove que não é simétrica.
43.
(a) Dê um exemplo de medida σ-finita que não é finita.
(b) A medida de contagem (Exemplo 1.12, p.6) é finita? É σ-finita?
(c) A medida δa de Dirac é finita? É σ-finita?
Z ε > 0 existe δ(ε) tal que para todo E ∈ Σ com µ(E) < δ implica que λ(E) < ε.
(a) Para todo
Dica: lim f dµ = 0.
n→∞ |f |>n
R R
(b) Para todo ε > 0 existe Eε tal que E ∈ Σ com µ(Eε ) < ∞ e f dµ ≤ Eε f dµ + ε.
Dica: Eε = {|f | > n} para algum n(ε).
(c) Suponha que fn ∈ Lp e fn → f em p
R L .p Prove que para todo ε > 0 existe δ(ε) tal que para
todo E ∈ Σ com µ(E) < δ implica que E |fn | dµ < ε.
Dica: kfn k ≤ kfn − f k + kf k.
46. Seja (X, Σ, µ) um espaço de medida e A ∈ Σ. Defina λ(E) = µ(A ∩ E) para E ∈ Σ. Prove
que:
dλ
(a) λ é uma medida. (b) λ µ (é absolutamente contı́nua). (c) = IA .
dµ
47. Seja (µn ) uma sequência de medidas em (Σ, X) com µn (X) ≤ 1. Defina λ : Σ → R por
∞
X
λ(E) , 2−n µn (E).
n=1
43
44 CAPÍTULO 3. PROBABILIDADE E MEDIDA
O fato que o espaço de eventos é uma σ-álgebra significa, em linguagem coloquial, que dados
eventos A e B são eventos também:
A necessidade de incluir uniões enumeráveis é mais sutil. Um exemplo desta necessidade aparece
considerando um jogo de dados em que o jogador deve jogar o dado repetidamente até que apareça
o número 6. Dada a possibilidade do jogo nunca acabar e se repetir infinitamente, temos que
considerar uniões infinitas enumeráveis de eventos.
A necessidade de assumir que X é mensurável provém do fato que queremos ser capazes de atri-
buir probabilidades para, por exemplo, que o valor de X esteja entre a e b. Dai aparece naturalmente
a σ-álgebra de Borel em R.
DEFINIÇÃO 3.3 (projeção) Definimos πn : Ω → {0, 1}n por πn (ω) = (ω(1), . . . , ω(n)), a projeção
nas n primeiras coordenadas.
DEFINIÇÃO 3.4 (conjuntos cilı́ndricos) Dado I ⊂ {0, 1}n , definimos o conjunto cilı́ndrico
C(n; I) = πn−1 (I) ⊂ Ω.
Qual o sentido geométrico desta definição? Agora a σ-álgebra de {0, 1} vai gerar uma σ-álgebra em
Ω da seguinte forma.
DEFINIÇÃO 3.5 A σ-álgebra de Ω é gerada pela famı́lia de cilindros C(n; I), a menor σ-álgebra
que torna mensurável πn para todo n.
3.4. PROBABILIDADE EM ESPAÇO DE FUNÇÕES 45
Note que esta σ-álgebra vai conter mais do que somente imagens inversas de πn .
Para definir a probabilidade nesta σ-álgebra utilizamos o Teorema de Extensão de Kolmogorov,
onde uma famı́lia consistente de medidas pode ser estendida para o espaço todo. No caso definimos
a medida de cilindros, e estendemos pelo Teorema de Kolmogorov. Assim µ e(C(n, I)) = µn (I),
sendo que o evento I depende de um número finito n de lançamentos de moedas.
No Exercı́cio 3, p.46 provamos que obtemos uma medida equivalente a de Lebesgue em (0, 1].
Basicamente todo x ∈ (0, 1] possui expansão na base 2 como uma sequência de 0’s e 1’s. Assim
existem eventos que não podem ter probabilidade bem definida (conjuntos de Vitali por exemplo).
DEFINIÇÃO 3.6 (projeção) Seja u ∈ P(T) uma lista finita de elementos de T com |u| = n o
seu número de elementos. Assim se u = (t1 , . . . , tn ), definimos a projeção Πu : RT → R|u| por
Πu (w) = (w(t1 ), . . . , w(tn )).
Observação 3.1 Qual a diferença de lista para conjunto? Por exemplo a base de um espaço
vetorial é chamado de conjunto, mas quando se quer definir coordenadas deve ser uma lista, que
é um conjunto ordenado, definido por n-uplas.
DEFINIÇÃO 3.7 (cilindros) Seja u ∈ P(T) uma lista finita de elementos de T e B boreliano do
R|u| . Definimos por C(u; B) ⊂ RT o subconjunto das funções w ∈ RT tais que Πu (w) ∈ B, ou
ainda, C(u; B) = Π−1u (B).
Observação 3.2 Pode-se pensar nas restrições as n primeiras coordenadas como n “portões”
para passagem dos caminhos.
DEFINIÇÃO 3.8 A σ-álgebra de RT é gerada pela famı́lia de cilindros C(u; B), a menor σ-álgebra
que torna mensurável a famı́lia de projeções (Πu ) para u ∈ P(T) e |u| < ∞.
Quanto a probabilidade, precisamos de uma famı́lia de probabilidades Pu definida em cada R|u| com
consistência no sentido de Kolmogorov.
46 CAPÍTULO 3. PROBABILIDADE E MEDIDA
Pode-se introduzir uma σ-álgebra em C[0, 1] (funções reais definidas em [0, 1] contı́nuas) utili-
zando conjuntos cilindricos, como fizemos agora, ou, partindo da métrica uniforme, como a σ-álgebra
dos borelianos (abertos gerados pela métrica). Pode-se mostrar que são idênticas.
3.6 Exercı́cios
3.6.1 Lançamento de Moedas: Espaço de Probabilidade
1. Prove que cada um dos conjuntos abaixo não é cilı́ndrico mas está na σ-álgebra gerada por
cilindros. Determine a probabilidade de cada evento assumindo que a moeda é honesta.
(a) A é o conjunto unitário formado pela sequência constante igual a 1.
(b) B é o conjunto de todas sequências que eventualmente ficam constante igual a 1, isto é
B = {ω ∈ Ω; ∃N > 0, ω(i) = 1∀i ≥ N }.
2. Seja Pi : Ω → {0, 1} definido por Pi (ω) = ω(i). Seja Ai = Pi−1 (1). Prove que P (Ai ) = 1/2.
3. (adaptado de Billingsley, Probability and measure, p.31) Seja Ω = {0, 1}N e C0 o conjunto vazio
e uniões finitas de cilindros C(n, I) disjuntos.
3.6. EXERCÍCIOS 47
(a) Mostre que C0 é uma álgebra. (b) Mostre que P é finitamente aditiva em C0 . (c) Compare
Ω whith this measure and the Lebegue measure defined on (0, 1]. Definimos, dado I uma sequência
de n lançamentos, P (n; I)) = 2−n e estendemos para C0 por aditividade.
[3] Fremlin, D. H.; Measure Theory. Capı́tulos 11, 12 e 13. Vários exercı́cios
foram retirados deste livro. University of Essex, (2009). Endereço:
http://www.essex.ac.uk/maths/staff/fremlin/mt.htm Acessado em julho/2009.
[4] Halmos P.R.; Measure Theory; Van Nostrand, 1950; Halmos, Paul R. Measure Theory. D. Van
Nostrand Company, Inc., New York, N. Y., (1950), MR0033869.
[6] Royden, H. L.; Real Analysis; Macmillan Publishing Company, New York, (1988). ISBN: 0-02-
404151-3, MR1013117 (90g:00004).
[8] Wikipedia, diversas páginas. Páginas: Measure, Lebesgue Measure e Sigma-Algebra. Endereço:
http://en.wikipedia.org/wiki/Measure (mathematics), etc. Acessado em julho/2015.
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