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TRIBUNAL MARÍTIMO

AR/NCF PROCESSO Nº 30.370/16


ACÓRDÃO

Escuna “CIDADE DE MANGARATIBA”. Acidente pessoal com passageiro.


Ferimento na mão com cabo de amarração. Acusação inverossímil de que o
passageiro teria se colocado em perigo deliberadamente. Causa determinante não
devidamente apurada. Não recebimento da representação. Arquivamento.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.


Tratam os autos de um acidente com um passageiro a bordo de uma escuna,
ocorrido no dia 01 de fevereiro de 2015, que provocou a amputação traumática de duas falanges
da mão direita do passageiro.
Envolveu-se no acidente a escuna “CIDADE DE MANGARATIBA”, com 23,7m
de comprimento, 57,9 AB, usada no transporte de passageiros em navegação interior, inscrita em
Itacuruçá sob a propriedade de Saveiros Tour Turismo e Navegação Ltda.
O acidente chegou ao conhecimento da Delegacia da Capitania dos Portos em
Itacuruçá por meio de uma correspondência escrita pela vítima, Sr. Michel Toledo, na qual ele
relata que estava com sua família a bordo fazendo um passeio pelas ilhas da região e durante a
primeira parada, na Ilha de Jaguanum, o mar estaria agitado e uma criança que estava sentada na
proa quase caiu de bordo. Ele a teria segurado e a tirado da situação de risco apoiando-se no cabo
usado na atracação. Sua mão ficou presa, então, entre o cabo e o casco da escuna e dois de seus
dedos foram esmagados. Colocaram sua mão no gelo e ele teria providenciado uma taxi-boat que
o levou inicialmente a Itacuruçá, onde foi primeiramente socorrido, mas diante da gravidade do
acidente foi levado para Mangaratiba onde fizeram a amputação de duas falanges da sua mão
direita.
Durante o IAFN foi ouvido o Sr. Michel Toledo e também os tripulantes Oziel dos
Santos (MAC) e Paulo de Almeida Matos (MOC), que relataram os fatos como acima narrado,
tendo os tripulantes afirmado que a vítima seria culpada pelo acidente, pois teria tentado
manobrar o cabo depois da embarcação estar atracada.
O encarregado do IAFN afirmou que o Sr. Michel teria se machucado ao tentar
ajudar uma criança a não cair da proa da embarcação e que o acidente teria sido causado por sua
imprudência, por tentar segurar o cabo da embarcação sem ser membro da tripulação.
Ele foi notificado do resultado do inquérito e apresentou defesa prévia, na qual
afirma ter sido vítima de um acidente enquanto passeava a bordo da escuna “CIDADE DE
MANGARATIBA”, pois o mar batia muito e quando uma criança quase ia caindo de bordo ele a
segurou e se apoiou em um cabo, que batia em razão do balanço da embarcação. Ressaltou que o
acidente ocorreu em 01 de fevereiro de 2015, mas somente foi levado ao conhecimento da
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Autoridade Marítima em 12 de março daquele ano, quando ele mesmo fez a comunicação e
ressaltou que não recebeu nenhum auxílio de qualquer pessoa de bordo ou da empresa armadora,
ficando ele entregue à própria sorte. Ressaltou que o acidente não aconteceu em razão de uma
conduta voltada a “se exibir” ou de desafiar o perigo, mas unicamente com o propósito de
salvaguardar a vida de uma criança prestes a cair de bordo. Disse, por fim, que a armadora teria
sido negligente no que tange à segurança de bordo e que teria demonstrado, ademais,
desinteresse pelo acidente ocorrido a bordo de sua embarcação e depois de traçar críticas ao
laudo pericial feito pela Capitania pediu a “improcedência do laudo” e a oitiva de todas as
pessoas que estavam a bordo, cujo rol de passageiros estaria de posse da empresa armadora.
Os autos do IAFN foram enviados ao Tribunal Marítimo, que os encaminhou à
PEM, que ofereceu representação em face do Sr. Michel Toledo Rodrigues, com fulcro no art.
15, alínea “e”, da Lei nº 2.180/54.
Depois de resumir os principais fatos narrados no inquérito a PEM afirmou que a
prova técnica juntada ao inquérito teria apurado que as condições climáticas teriam contribuído
para o acidente, pois embora o tempo estivesse bom o mar estava agitado. No entanto, afirma
que o passageiro representado, mesmo sem ser tripulante, teria tentado segurar um cabo da
embarcação para tentar conter o balanço desta e sua conduta configuraria um ato passível de
reprimenda por esta Corte. Pediu sua condenação, mas que nenhuma pena lhe fosse aplicada,
porém, por força do art. 143, da Lei nº 2.180/54.
Foi publicada nota para arquivamento por ordem desse Juiz Relator no dia 10 de
abril de 2017, tendo o prazo para manifestação de possíveis interessados se expirado no dia 12 de
junho de 2017.
É o relatório.
Decide-se:
A acusação que pesa sobre o representado é a de que teria imprudentemente tentado
conter com as mãos, segurando o cabo de amarração, o balanço de uma escuna de 23,7m de
comprimento e 57,9 AB, que tem capacidade para o transporte de até 125 passageiros, conforme
consta no TIE de fl. 07. Não parece uma história verossímil.
Mais crível seria o relato da vítima, que disse ter se segurado no cabo quando
ajudava uma criança que corria o risco de cair de bordo. Seu relato, o único a chegar ao
conhecimento da representante local da Autoridade Marítima, aliás, não foi devidamente
investigado, de forma que não há nos autos nenhuma confirmação de que ele teria de fato se
apoiado no cabo de amarração quando tentava salvar uma criança que corria o risco de cair pela
proa da embarcação. É possível, mas a única prova é o relato do próprio representado, que não é
suficiente para apontar aos tripulantes a culpa náutica pelo evento.
A Delegacia da Capitania dos Portos limitou-se a ouvir os dois tripulantes e nenhum
passageiro. Dessa forma, não pôde contraditar o relato dos tripulantes com o relato do

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passageiro, todos, ressalte-se, interessados no resultado do processo.
Não há no inquérito um relato sequer isento a descrever o evento e, dessa maneira,
o fato da navegação que aqui se caracterizou pela exposição a risco das vidas de bordo cuja
consequência foram as lesões corporais de natureza gravíssima sofridas por um passageiro não
teve sua causa determinante devidamente apurada, devendo, por este motivo, ser o processo
arquivado em seu nascimento e não se receber a representação.
Por fim, deve a Delegacia da Capitania dos Portos em Itacuruçá ser oficiada para
que aplique ao comandante da escuna “CIDADE DE MANGARATIBA”, Sr. Paulo de Almeida
Matos, as sanções do art. 24, do Decreto nº 2.596/98 (RLESTA) por não ter comunicado o fato
da navegação à Autoridade Marítima, dever imposto pelo art. 8º, inciso V, alínea “b”, da Lei nº
9.537/97 (LESTA).
Assim,
ACORDAM os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à natureza
e extensão do fato da navegação: exposição das vidas de bordo a risco com a amputação
traumática de duas falanges da mão direita de um passageiro a bordo de uma escuna; b) quanto à
causa determinante: não apurada com a devida precisão; c) decisão: não receber a representação
e julgar o fato da navegação constante do art. 15, alínea “e”, da Lei nº 2.180/54, como decorrente
de causas não devidamente apuradas, mandando arquivar o processo; e d) medidas preventivas e
de segurança: oficiar a Delegacia da CPRJ em Itacuruçá para que, na forma do art. 33, parágrafo
único da Lei nº 9.537/97, possa aplicar ao comandante da escuna as sanções previstas no art. 24
da mesma Lei, por ter deixado de comunicar o fato da navegação ocorrido a bordo de sua
embarcação.
Publique-se. Comunique-se. Registre-se.
Rio de Janeiro, RJ, em 23 de novembro de 2017.

NELSON CAVALCANTE E SILVA FILHO


Juiz Relator

Cumpra-se o Acórdão, após o trânsito em julgado.


Rio de Janeiro, RJ, em 05 de abril de 2018.

MARCOS NUNES DE MIRANDA


Vice-Almirante (RM1)
Juiz-Presidente
PEDRO COSTA MENEZES JUNIOR
Primeiro-Tenente (T)
Diretor da Divisão Judiciária
AUTENTICADO DIGITALMENTE
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COMANDO DA MARINHA
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2018.05.10 10:14:37 -03'00'

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