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Sombras QUe Assombram PDF
Sombras QUe Assombram PDF
Departamento Nacional
Direção-Geral
Maron Emile Abi-Abib
CONTEÚDO
Gerência de Cultura
Gerente
Marcia Costa Rodrigues
Assessoria de Cinema
Marco Aurélio Lopes Fialho
Nadia Moreno
Texto
Marco Aurélio Lopes Fialho
PRODUÇÃO EDITORIAL
Assessoria de Comunicação
Diretor
Pedro Hammerschmidt Capeto
Projeto gráfico
Ana Cristina Pereira (Hannah23)
Diagramação
Claudia Duarte
Revisão de texto
Clarisse Cintra
Produção gráfica
Celso Mendonça
Robert Wiene, 22
O gabinete do Dr. Caligari, 26
As mãos de Orlac, 32
Paul Wegener, 36
O golem, 40
Paul Leni, 44
O gabinete das figuras de cera, 48
O homem que ri, 52
F.W. Murnau, 56
Fausto, 60
Nosferatu, 64
A última gargalhada, 68
Fritz Lang, 74
Metropolis, 78
NOTAS, 82
REFERÊNCIAS, 82
Sumário
Instruções para leitura
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Boa leitura.
Impulsos irracionais
de uma época
Roger Cardinal, um dos mais conceituados estudiosos do expressionis-
mo nas artes, descreve sinteticamente o expressionismo como
um encontro da criatividade do artista com seus impulsos emo-
cionais e instintivos mais profundos. A expressão da obra adqui-
re então um caráter subjetivo, pois a forma artística resulta das
angústias humanas do indivíduo criador.1
A segunda metade do século 19 foi marcada por uma forte industrialização dos pa-
íses europeus – sobretudo Inglaterra – e Estados Unidos, no período conhecido
como Segunda Revolução Industrial, sendo também a era do aço, do telégrafo, do
trem e do motor à explosão, transformações que alavancariam a criação de equi-
pamentos utilizados nas artes, como o próprio cinematógrafo. Iniciou-se então
O fantástico nasce na literatura e tem o cultuado escritor Edgar Allan Poe como íco-
ne, mas a sua concepção é muito bem assimilada pelo cinema ainda em seus
primórdios. O ilusionista e cineasta francês Georges Méliès é considerado um
dos precursores do cinema fantástico, com o seu célebre filme Viagem à lua
(1902), momento em que o cinematógrafo ainda era mais uma curiosidade do
que um aparelho apto a criar uma linguagem autônoma.
Mas é no cinema alemão que o fantástico surge com maior vigor, antes mesmo da
eclosão do expressionismo alemão, já nos anos 1910, com a incorporação de
escritores do gênero fantástico como roteiristas de filmes. Somente no final
da década de 1910 e início dos anos 1920 que o fantástico alcança uma força
incontestável no cinema, com o sucesso de O gabinete do Dr. Caligari, filme de
Robert Wiene.
Nesse filme, vem à tona todo o potencial expressionista ao revelar uma Alemanha góti-
ca, demoníaca, com seus pesadelos mais obscuros. O mais incrível na película de
Wiene é a sua capacidade de tornar o gênero fantástico, até então essencialmen-
te literário, totalmente palpável para o gênero cinematográfico. O viés fantásti-
co em Caligari se impõe por meio da criação de uma temática típica dos enredos
de terror, em especial o tema da manipulação de mentes e do sonambulismo.
Nosferatu e Orlac, por exemplo, são quase personagens de outro mundo, cin-
didos e alheios à vida social, imersos no seu mundo, pouco dialogam
com o exterior, vivem as suas tragédias interiores, são seres alienados,
um tanto inumanos. Não à toa os temas mórbidos perpassam os filmes
expressionistas, pois são comumente seres que habitam um terreno
sombrio da existência. Há uma concepção labiríntica dos cenários, que
muito expressam uma vertigem, inerente também aos conflitos emocio-
nais dos personagens.
Nasceu na antiga Breslau (na época, parte da Alemanha, sendo hoje Wroclaw, na Po-
lônia), filho do famoso ator de teatro Carl Wiene. Seu irmão mais novo, Conrad,
também se tornou ator. Robert inicialmente estudou Direito na Universidade de
Berlim, mas desde 1908, já estava envolvido em atividades artísticas como ator
em pequenas participações no teatro. Sua primeira investida no cinema foi em
1912, com seu roteiro para Die Waffen der Jugend. Sua memorável participação no
cinema acontece como diretor de O gabinete do Dr. Caligari (1919), que veio a se
tornar um marco do expressionismo no cinema.
Depois que Hitler tomou o poder na Alemanha, Robert Wiene deixou Berlim, primei-
ramente por Budapeste, onde dirigiu One Night in Venice (1934), posteriormente
para Londres, e finalmente para Paris, onde tentou produzir com Jean Cocteau
uma reprodução sonora de O gabinete... Wiene morreu em Paris dez dias antes do
fim da produção de um filme de espiões, Ultimatum, vítima de câncer. O filme foi
terminado por seu amigo Robert Siodmak.
62 min
P&B
Elenco: Werner Krauss,
Conrad Veidt, Friedrich
Feher, Lil Dagover
Analisado em uma perspectiva histórica, o filme é um dos mais significativos, não só
no campo do cinema como no da cultura. Hoje, sem dúvida, trata-se de uma refe-
rência estética para vários artistas das mais variadas linguagens.
De um ponto de vista mais abrangente, Caligari representa o próprio cinema, seja pelo
uso da hipnose, seja por assumir sua inevitável artificialidade por meio de cená-
rios falsos que denunciam a “mágica” cinematográfica e seus truques ilusionistas.
O enredo de O gabinete do Dr. Caligari fascina por trazer elementos fantásticos. O filme
inicia com a narração de um jovem sobre um estranho acontecimento ocorrido em
sua pequena cidade natal envolvendo um médico (Caligari) que manipula as ações
de um sonâmbulo (Cesare). O jovem conta que Caligari se inspira em uma narrativa
sueca, na qual um homem com este mesmo nome domina a mente de um sonâmbulo.
Ao final, o filme sugere duas perguntas: será que apenas a mente embaçada de um
louco é capaz traduzir nossa existência no mundo terrível em que vivemos? Sere-
mos sistematicamente condenados à manipulação superior, e que pouco seríamos
além de sonâmbulos a vagar, longe de sermos indivíduos autônomos?
Orlac Hände
1924
110 min
P&B
Elenco: Conrad Veidt, Fritz
Kortner, Alexandra Sorina
Ao assistirmos a As mãos de Orlac temos a prova de que Robert Wiene não foi um dire-
tor de apenas uma obra, a icônica O gabinete do Dr. Caligari, como muitos críticos
defendem. O filme carrega uma força e uma beleza que não foram apagadas pelo
tempo. Inseri-lo em uma mostra sobre o expressionismo alemão dos anos 1920
serve para fazer justiça tanto ao autor quanto à obra em si.
do personagem, perdido, enojado com suas mãos. Como tocar no corpo amado de sua
esposa e nos teclados do piano com aquelas mãos maculadas pelo crime?
As mãos de Orlac é um típico filme do terror fantástico, sustentado por uma história impro-
vável e irreal, ainda influenciado por uma estética expressionista, assim como o é no
desenvolvimento de temas e na construção de personagens atormentados psicologica-
mente, sujeitos às visões assombrosas. Antes de tudo, uma obra fluente, bem filmada,
coerente com seu autor e com uma atuação preciosa de Conrad Veidt.
Paul W
egener
O golem
BIOGRAFIA
No todo, sua obra é considerada irregular, marcada por um início triunfante e arre-
batador, de grande promessa artística, mas frustrante, já que não conseguiu
confirmar seu talento promissor tão esperado. Acabou sendo mais reconhecido
como ator que como diretor de cinema, apesar de ter realizado grandes traba-
lhos como diretor.
Sua derrocada aconteceu nos anos 1930, quando realizou trabalhos para os nazistas,
convertendo-se em um dos principais atores oficiais do regime totalitário implan-
tado por Hitler.
Morreu desacreditado em Berlim, três anos após a queda do regime nazista. Na tomada
de Berlim pelo exército soviético, em 1945, foi poupado por ser reconhecido por
um soldado, que pendurou na porta de sua residência uma placa onde se lia:
“Aqui vive Paul Wegener, o grande artista, amado e adorado em todo mundo.”
Der Golem
1920
68 min
P&B
Elenco: Paul Wegener,
Albert Steinrük,
Lyda Salmonova
Antes que qualquer análise é necessária uma breve explicação sobre o título do fil-
me. Golem é um ser mítico, associado à tradição do judaísmo, particularmente à
cabala, que pode ser trazido à vida por meio de um processo mágico. O filme de
Wegener inicia com um imperador de certo reino, que parece ser da Idade Média,
baixando um decreto contra os judeus que perturbavam a ordem pública com seus
rituais místicos, ordenando que eles deixassem o reino urgentemente sob pena de
serem severamente punidos. Enquanto isso, o líder espiritual judaico prevê, ao ler
a cabala e os mapas astrais, que a posição das constelações mostra que se trata de
um momento delicado para o seu povo e vê a necessidade de chamar o golem para
defendê-lo. O líder espiritual, uma espécie de rabino, concebe rapidamente o ser de
barro inanimado, e aguarda o instante favorável do alinhamento das constelações
para poder dar vida ao seu monstro de barro, ao mesmo tempo que as negociações
com o imperador não avançam.
Por meio de um ritual eles conseguem dar vida ao ser monstruoso, um servo do povo
judeu. O rabino controla o sono do golem retirando a estrela de Davi de seu peito.
O monstro passa então a circular pelas ruas, fazer compras e ajudar nas tarefas
domiciliares. Até que o rabino resolve levá-lo a uma audiência com o imperador,
O golem percebe que quando a estrela de Davi é retirada de seu peito ele adormece, e
passa a protegê-la. O problema acontece quando o monstro de barro perde o con-
trole, não aceitando mais apenas seguir ordens alheias. Apesar de toda perseguição
ao monstro de barro, Wegener nos brinda com um final sutil e singelo. O diretor não
constrói seu golem com atributos de caráter, ele não é bom ou ruim, apenas irra-
cional. O golem segue a tradição romântica alemã, herdada pelos artistas dos anos
1920. Reafirma o uso do estilo fantástico no cinema alemão, e como seu contempo-
râneo, O gabinete do Dr. Caligari, ratifica o gosto pela estética expressionista, pela
história de terror fantástica, pela interpretação exagerada e pelo uso de cenários
artificiais e assustadores, além de contar com a exuberante fotografia contrastada,
feita pelo célebre artista expressionista Karl Freund.
• sua apari-
Na literatura, há diversas histórias sobre golens, e
ção pode ser algo bom, mas carregado de pro-
blemas. As mesmas características do golem podem ser encon-
tradas no Frankenstein de Mary Shelley.
Durante a Primeira Guerra Mundial, começou a dirigir filmes como Der Feldarzt – Das
Tagebuch des Dr. Hart (1917), Patience (1920), Die Verschwörung zu Genua (1920-21)
e Backstairs (1921). A partir de 1925 desenhou prólogos curtos para estreias de
festivais de filmes em cinemas de Berlim.
1924
83 min
P&B
Elenco: Conrad Veidt,
Wener Krauss, Wilhelm
Dieterle, Emil Jannings
O gabinete das figuras de cera, conforme o próprio título sugere, foi realizado ainda sob
a égide estética do caligarismo. Seu diretor constrói imensos cenários tridimensio-
nais, tipicamente expressionistas, calcados nos exageros das formas. Tal como em
O gabinete do Dr. Caligari, é em uma feira que o museu está instalado como atração;
tal feira pode ser entendida como uma metáfora do caos e da desorganização polí-
tica presentes na República de Weimar.
No filme, vemos um jovem sendo contratado por um museu de cera para escrever as
histórias de três de seus personagens: o califa Haroun Al-Haschid; Ivan, O Terrível;
e Jack, O Estripador. Nesse filme, mais uma vez o fantástico invade o cinema ale-
mão de maneira surpreendente. Paul Leni consegue reunir os três maiores atores
alemães da época (Werner Krauss, Conrad Veidt e Emil Jannings), cada um repre-
sentando uma das figuras de cera.
No episódio sobre Ivan, O Terrível, Paul Leni faz uso de uma temática recorrente nas obras
expressionistas, e em especial a caligarista: promover uma mistura sinistra de ciência
e misticismo, com estranhos rituais envolvendo tubos de ensaio, ampulhetas e práti-
cas de magia. O clima pesado que Leni imprime nesse episódio é salientado por um
artificialismo que beira o grotesco, com chapéus maiores do que o normal, vestuários
ornamentais, assim como a concepção dos cenários. Tais como o personagem brilhan-
temente encarnado por Veidt, todos os elementos de cena são falsos, o mal-estar se
instaura como inerente a esse episódio sobre Ivan, sua personalidade doentia parece
conferir o tom desejado pelo diretor.
Jack, O Estripador entra na trama mais como um epílogo do que como um personagem a
ter a sua história contada. Talvez Leni tenha se aproveitado de sua reconhecida imagem
assassina para realizar uma grande brincadeira com o universo onírico do cinema. Já
cansado de escrever as outras duas histórias, o personagem escritor imerge no sono e
Leni nos brinda com as imagens mais belas e enigmáticas de todo o filme: as imagens
Paul Leni cria um curioso paralelo entre as histórias narradas até então no filme e o pró-
prio cinema, ambos manipuladores de emoções, e assim como a feira, uma diversão
barata, escapista e ilusória, um sonho que vale a pena ser vivido.
O homem que ri
110 min
P&B
Elenco: Conrad Veidt, Mary
Philbin, Olga Baclanova,
Sam De Grasse
Apesar de O homem que ri ter sido produzido nos Estados Unidos pela Universal Stu-
dios, em 1928, o filme conserva ainda traços característicos do expressionismo
alemão. Seu diretor já havia filmado na Alemanha o clássico O gabinete das figuras
de cera, e morreu um ano depois de realizar essa madura obra de arte.
O filme baseia-se na obra homônima do escritor romântico francês Victor Hugo. A es-
colha de Leni por filmar essa história de traços humanistas profundos muito revela
sobre sua atração pelos personagens marginalizados, transformados brutalmente
em monstros e tratados como se fossem restolhos pelo poder estabelecido.
Bem afeito ao estilo expressionista, o personagem deformado pelo riso, vivido por Veidt,
é acolhido por um filósofo e torna-se um artista mambembe. Veidt sobressai mais
Aqui, o espaço da feira continua a seduzir os cineastas alemães dos anos 1920, e mais
uma vez o terror transformado tanto em espetáculo quanto em um meio de sobre-
vivência. O ambiente de feira novamente evoca o caos e simboliza a desorganização
social. Leni faz uso de câmeras em movimento, cenas com muitos figurantes e cor-
tadas muito rapidamente para evidenciar uma atmosfera confusa, enfim, um grande
circo de horrores.
Como grande cenógrafo, Paul Leni, aluno de Max Reinhardt, abusa na construção dos
cenários artificiais primorosos, que tinham beleza sim, apesar de não abrir mão de
seus aspectos mais sinistros, típicos da concepção expressionista, mas dispensando o
exagero estilístico marcadamente caligarista.
Paul Leni dirige os atores com métodos nitidamente calcados no expressionismo: atuações
gestuais exageradas e movimentos bruscos, rostos comunicativos com olhos esbuga-
lhados cheios de angústia permeiam o filme. Uma das características mais evidentes
em O homem que ri é a do contraste entre a aparência e a essência. O personagem de
Conrad Veidt tem uma essência bondosa, que não coincide com sua aparência mons-
truosa. Outra dicotomia construída por Paul Leni foi estabelecida entre o clima de agi-
tação da rua e a monotonia da corte. Enquanto na feira imperava a desordem, do outro
lado, dentro do palácio da rainha, predominava uma música de câmara sonolenta.
Ao final, como na maioria dos filmes expressionistas, o bem supera o mal, como se a
ficção tivesse a missão redentora de salvar um mundo que está em frangalhos, e
Paul Leni não abre mão desse poderoso recurso dramatúrgico de colocar a plateia
a seu favor.
1931 | Tabu
1930 | O pão nosso de cada dia
1928 | 4 Devils
1927 | Aurora
1926 | Fausto
1925 | Tartufo
1924 | A última gargalhada
1924 | Die Finanzen des Großherzogs
1923 | Die Austreibung (curta)
1922 | Phantom
1922 | Der brennende Acker
1922 | Nosferatu
1922 | Marizza, genannt die Schmuggler-Madonna
1921 | Schloß Vogeloed
1921 | Sehnsucht
1921 | Der Gang in die Nacht
1920 | Abend – Nacht – Morgen
1920 | Der Januskopf
1920 | Der Bucklige und die Tänzerin
1920 | Satanas
1919 | Der Knabe in Blau
Faust
1926
118 min
P&B
Elenco: Emil Jannings,
Camilla Horn, Wilhelm
Dieterle
Se Fausto for comparado a A última gargalhada, Nosferatu e Aurora, três outras obras
de Murnau, sua potência estética pode ficar abalada. Definitivamente, Fausto não
é a obra-prima desse cineasta fantástico, que morreu prematuramente aos 42
anos, mas configura-se como característica do cinema alemão dos anos 1920 e da
sua estética expressionista, e situa-se muito acima de tantas obras realizadas em
sua época.
O tema do endemoninhamento é mais uma vez encarnado nos filmes alemães dos anos
1920. A atmosfera fantástica também domina essas histórias, inclusive com a perso-
nificação humana do diabo salientando seu aspecto mágico. Se pensarmos no filme
O sétimo selo, de Ingmar Bergman, podemos enxergar nítidas marcas da estética de
Fausto, em especial, a construção da imagem do inferno na Terra e a opção em situar a
história na Idade Medieval. Mas, evidentemente, Bergman, produzindo sua obra trin-
ta anos depois, aprofundou o tema da contradição inerente à ideia de Deus e do diabo.
Apesar de não flertar com a estética caligarista, em Fausto observa-se ainda assim uma
preservação do artificialismo da imagem. Surpreendentemente, esse filme se desen-
volve como uma fantasia, um delírio, e se afasta da narrativa realista de A última
gargalhada, mas aproxima-se da tragédia. Essa tragédia, em parte, está explicitada
na narrativa, na mise-en-scène e na interpretação dos atores, mais exagerada do que
em outras obras de Murnau. Os traços medievalistas, tão típicos das obras expressio-
nistas, encontram eco também nesse filme, no decór, nos figurinos e na temática do
diabo influindo na vida humana.
Em Fausto, nota-se a influência do romantismo alemão do século 19, a começar pela es-
colha de Murnau por realizar uma adaptação da obra mais célebre de Goethe, escritor
ícone do romantismo alemão. Essa herança do romantismo no expressionismo se faz
presente não só fisicamente, na produção das imagens, mas também é de ordem espi-
ritual, incrustada e firme, tal como a marca inconteste de um carimbo.
Como um típico filme expressionista, ele explora cenários construídos, artificiais. Até a na-
tureza é concebida de maneira ornamental e reforça o artificialismo de Fausto. Tudo,
incluindo também o inferno, surge, na tela como um ambiente que nos suscita um
estranhamento. A imagem final que fica de Fausto é a de uma experiência sensorial,
mítica, irreal e delirante.
1922
94 min
P&B
Elenco: Max Schreck,
Alexander Granach,
Gustav von Wangenheim,
Greta Schröder
Em 1922, o mundo se renderia ao talento de F.W. Murnau. Nosferatu tornou-se um dos
filmes mais influentes da história do cinema com uma fábula de terror baseada em
uma adaptação não autorizada da famosa obra Drácula, de Bram Stoker.
O filme narra a vida de um corretor de imóveis jovem e ambicioso que vende uma casa
abandonada ao estranho Conde Orlock, um vampiro que tem como objetivo fazer
como presa a esposa do corretor. Orlock sairá da Transilvânia para ser vizinho de-
les e conquistar de vez a mulher pretendida. Mas, no caminho entre a Transilvânia
e a grande casa adquirida, o Conde Orlock deixa um rastro de destruição e morte,
o que faz todos pensarem que se trata de uma nova peste que assola a região.
Murnau é um dos primeiros diretores a se desgarrar dessa obsessão pelos cenários, mas
o apego à faceta sinistra e mórbida dos enredos expressionistas ele ainda mantém
nesse poderoso filme, que o alça entre os grandes criadores do cinema alemão.
Apesar de o elemento mórbido ser muito acentuado, Murnau consegue extrair de sua
mise-en-scéne momentos poéticos e belos. Com uma simples, rápida e singela imagem
de um galo cantando, ele nos revela o nascer do dia e a impossibilidade da fuga de
Orlock, por exemplo. Para Murnau, até as criaturas mais sinistras se perdem por amor.
Inebriado por seu sentimento pela bela moça, Orlock esquece o nascer do dia e ao
olhar para os raios solares evapora como fumaça no ar.
91 min
P&B
Elenco: Emil Jannings
A última gargalhada talvez seja uma das mais sublimes e impecáveis obras de Murnau.
Com esse filme, o diretor alemão afasta-se mais substancialmente da estética cali-
garista e reafirma a tendência do Kammerspiel, com a utilização de mais locações
do que de cenários, enredos mais realistas do que fantásticos, poucos intertítulos e
movimentos de câmera ousados e bem mais rebuscados, aprofundando o estilo já
apontado em Nosferatu, dois anos antes.
Lotte H. Eisner, a maior especialista em filmes alemães dos anos 1920, escreveu com seu
conhecimento apurado que
Mayer e Murnau se empenham nessa tragicomédia que é o destino de um por-
teiro de hotel, orgulhoso de sua libré engalanada, admirado pela família e pelos
vizinhos do pátio interno como se fosse um general. Tendo ficado muito velho
para carregar bagagens pesadas, ele é removido e encarregado dos lavatórios
dos homens; precisa, pois, trocar sua roupa de gala por um simples avental
branco. A família sente-se desonrada, ele se torna motivo de escárnio dos vizi-
nhos, que descontam assim a adulação que prodigalizaram outrora. Trata-se de
uma tragédia alemã por excelência, que não se compreende senão na Alemanha,
onde o uniforme é rei, é Deus. Um espírito latino tem grande dificuldade em
conceber seu alcance trágico.9
A efervescência cultural, política e social da Berlim do pós-guerra se reflete nas suas pri-
meiras obras. Em 1919, estreou na direção com um filme chamado Halbblut, que
hoje se perdeu e acerca do qual se sabe muito pouco. Alcançou o primeiro sucesso
com Os espiões, do mesmo ano.
Em 1921, casou-se com a roteirista Thea Von Harbou, que escreveu os argumentos de
quase todos os filmes da primeira fase de sua carreira. As películas que Lang
dirigiu ainda na fase do cinema mudo ficariam para a história como alguns dos
maiores expoentes do expressionismo alemão.
A crítica, que unanimemente tinha enaltecido os seus filmes alemães, era agora tam-
bém quase unânime a subvalorizar as obras que realizava nos Estados Unidos,
argumentando que Lang teria se subjugado aos produtores norte-americanos,
desperdiçando talento em filmes comerciais. Só na década de 1950 se percebeu
a injustiça, quando uma boa parte dessa crítica começou a reconhecer a grande
qualidade da maioria dos filmes dirigidos pelo cineasta alemão em Hollywood.
Ele foi um dos primeiros cineastas a dirigir Marilyn Monroe no filme Só a mulher
peca, de 1952. Atuou ainda no filme O desprezo (1963), de Jean-Luc Godard. Logo
voltaria para os Estados Unidos, onde morreu.
1927
124 min
P&B
Elenco: Rudolf Klein-Rogge,
Brigitte Helm, Gustav
Fröhlich, Alfred Abel
Metropolis é sempre lembrado como um filme conciliador, uma obra que busca um
mundo harmônico entre empregados e patrões. Apesar dessa crítica ainda ser
coerente, o que mais marcou esse trabalho visionário e ousado de Fritz Lang foi
o seu apuro visual, traço típico da estética expressionista.
A fotografia do mestre Karl Freund colabora na concepção de Lang desse mundo belo
na superfície, mas triste em suas profundezas. Freund lança mão de tomadas de
cenas realizadas em mosaico, com a projeção de vários olhos, rostos e elementos
da modernidade que tão bem espelham a sensação vertiginosa impressa na nar-
ração de Lang, efeito que também utilizou em A última gargalhada, de Murnau.
Em alguns momentos do filme, a alucinação das imagens parece dar a imprecisão
necessária para a sequência continuar.
Em Metropolis há uma opção clara de Lang pelo espetáculo, antes de tudo, um espetáculo
visual, incontestavelmente imagético. O filme não se sustenta propriamente no de-
senvolvimento dos personagens. Mas, o que está realmente em jogo é o desequilíbrio
entre as classes. Lang prefere assumir um discurso social, coletivo. O diretor vê o
mundo como um lugar de extremos inconciliáveis: patrão contra operários; a huma-
nização contrastada à robotização; o patrão humano e o desumano; solo e subsolo; o
pai e o filho; Maria humana e Maria robô.
Apesar desses deslizes ideológicos, Metropolis se afirma ainda hoje como uma obra visual-
mente muito bem-acabada, uma produção ousada e que ratificou o nome de Fritz Lang
como um cineasta importante para os estudiosos do cinema. Poucos anos depois, Lang
viria a realizar M, o vampiro de Dusseldorf, uma obra magnífica, que muitos apontam
como premonitória do nazismo, que já estava batendo à porta da Alemanha.
Notas
80 Sesc | Serviço Social do Comércio VOLTAR
expressionismos
• Metropolis carrega consigo uma marca registrada do expressio-
nismo, em especial do caligarismo, que pode ser visto no arti-
em Metropolis não
ficialismo dos cenários. Apesar disso,
acontece a distorção dos cenários, mas sim o
predomínio das linhas retas e um exagerado ar-
tificialismo modernista. Tudo nele é construído. Há uma
ambiência característica do fantástico, uma preocupação em in-
corporar intervenções e criações científicas no enredo, tais como o
robô construído à imagem e semelhança da líder operária Maria.
• os
A interpretação dos atores é típica da estética expressionista,
gestos bruscos e a encenação, quando o corpo
todo do ator é colocado à disposição do diretor
em busca do sentido almejado. Os movimentos cor-
porais do dono da cidade expressam a dureza e a frieza de sua
inflexibilidade, já os movimentos rápidos de seu filho espelham
sua angústia em direção a uma maior harmonia entre os homens,
assim como o seu urgente senso de justiça.
Referências
BAZIN, Andre. Que é cinema? São Paulo: Brasiliense, 1980.
CANEPA, Laura Loguercio. In: MASCARELLO, Fernando (Org.). História do cinema mundial.
São Paulo: Papirus, 2008.
EISNER, Lotte H. A tela demoníaca. São Paulo: Paz & Terra, 2002.
HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Paulo: Cia. Das
Letras, 1997.
JEANNE, Rene; FORD, Charles. História ilustrada do cinema: o cinema mudo. Portugal:
Enciclopédia de Bolso Bertrand, 1966. v. 1.
LAWSON, John Howard. El processo creador del filme. Havana: Arte y Sociedad, 1986.
MUCHEMBLED, Robert. Uma história do diabo: séculos XII-XX. Rio de Janeiro: Bom Texto,
2001.
VON ECKARDT, Wolf; GILMAN, Sander L. A Berlim de Bertolt Brecht: um álbum dos anos
20. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1996.
Site consultado
IMBD. Disponível em: http://www.imdb.com