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Raça e racismo no Brasil

Guimarães inicia esse texto defendendo o uso do conceito de raça pelas ciências
sociais. Diz que, em alguns países, a questão da raça é bem evidente. Já em outros, como
o Brasil, “raça” não faz parte do nosso vocabulário, apenas em pautas de movimentos
sociais. Tanto a transparência quanto a invisibilidade do conceito de raça se fundamenta
numa concepção realista da ciência - 1) há os que se opõe ao conceito porque se pautam
na biologia, que nega a existência de raças humanas, e 2) aqueles que defendem o termo
pois enfatizam que há um caráter específico de práticas e crenças discriminatórias devido
ao conceito de raça. O autor acredita que seja possível construir o conceito de raça dentro
do campo da sociologia, sem que tenha uma fundamentação natural, biológica ou objetiva.

As diversas definições de raça

Raça é um conceito relativamente recente. Antes de adquirir qualquer conotação


biológica, raça significou por muito tempo um grupo ou categoria de pessoas conectadas
por uma origem comum. Teorias poligenistas do século XIX designam raça enquanto
espécies de seres humanos distintos tanto fisicamente quanto em termos de capacidade
mental. Essas teorias caíram, e Banton vem dizer que raça seria: “subdivisões da espécie
humana, distintas apenas porque seus membros estão isolados dos outros indivíduos
pertencentes à mesma espécie”. Entretanto, no pós-guerra, esse conceito vem a ser
recusado pela biologia.
Depois da tragédia da Segunda Guerra Mundial, a UNESCO reuniu biólogos,
geneticistas e cientistas sociais para fazer uma avaliação no campo dos estudos sobre
raças e relações sociais. Concluíram que diferenças fenotípicas entre indivíduos e grupos
humanos, assim como diferenças intelectuais, morais e culturais, não podem ser atribuídas,
diretamente, a diferenças biológicas, mas devem ser creditadas a construções
socioculturais e a condicionantes ambientais. Essas discussões vieram por despertar a
consciência dos sociólogos para a historicidade do conceito de raça. A fim de haver
coerência com a genética pós-darwiniana, cientistas sociais passaram a considerar raça
enquanto um grupo de pessoas socialmente definidas como diferentes com base em
diferenças fenotípicas, sendo os fenótipos uma espécie de matéria-prima física que
ganharia sentido social apenas por meio de crenças, valores e atitudes. Na ausência de
marcas físicas, esses grupos deveriam ser designados por étnicos.
De acordo com John Rex: grupos raciais são os que se julgam ter uma base
genética ou outra determinante. Os grupos étnicos são os que se supõem ter um
comportamento susceptível de mudar. Porém, essa definição parece ser insuficiente.
Alguns sociólogos consideram o conceito de raça muito carregado de ideologia e preferem
o termo etnia. O que não resta é dúvida de que o conceito de etnia é muito mais amplo que
o de raça. Thomas Eriksen define etnicidade como identidade social, caracterizada por
parentesco metafórico ou fictício, de agentes que se consideram culturalmente distintos dos
membros de outro grupo com o qual eles mantém o mínimo de interação cultural regular.
Até agora, todas essas definições de raça estão respaldadas por uma ontologia
realista, ou seja, por uma teoria segundo o qual os conceitos científicos reproduzem
entidades realmente existentes numa suposta realidade concreta (diferenças entre grupos
devido a diferença de fenótipos, preconceito contra determinado grupo étnico devido a
crenças de inferioridade intelectual, moral e cultural, etc). Porém, cientistas sociais tendem
a enxergar o conceito de raça através de uma ontologia nominalista, que é a doutrina de
que os conceitos têm existência apenas enquanto tais, ainda que se refiram a fenômenos e
fatos reais. Ou seja, o conceito de raça seria um conceito taxonômico muito utilizado por
pessoas no mundo real com propósitos e consequências diversos. Entretanto, essa
denominação encontrou forte reação. A opinião de Guimarães é que torna-se muito difícil
imaginar um modo de lutar contra a imputação e discriminação sem dar realidade social ao
conceito. Os fatos a se combater precisam ser fenomênicos para serem reais.

Para uma definição mais precisa de raça

Rex sistematiza condições gerais que fundamentam toda e qualquer hierarquia


social, sendo elas: 1) uma desigualdade estrutural entre grupo humanos convivendo num
mesmo estado; 2) uma ideologia ou teoria que justificam ou respaldam essas desigualdades
e 3) estas formas de desigualdade são justificadas em termos do pretenso caráter natural
da ordem social.
O estudo das relações sociais avançou, portanto, em direção a uma generalização
que, ao produzir uma síntese, na descoberta do processo de naturalização, ameaçou diluir
sua capacidade analítica. Por isso deve-se fazer um esforço para obter maior precisão dos
tipos particulares de discriminação, ligados a diferentes formas de identidades sociais. É
preciso definir com maior precisão essa questão, partindo-se de teoria e ideologia que
respaldam as desigualdades sociais e as justificam. O autor propõe, então utilizar o termo
“racialismo”, que se refere à doutrina segunda a qual há características hereditárias,
partilhadas por membros da nossa espécie, que nos permitem dividi-las num pequeno
número de raças, de tal modo que todos os membros de uma raça partilhem entre si certos
traços e tendências que não são partilhados por membros de nenhuma outra raça. Esses
traços e características de uma raça constituem, na perspectiva racialista, uma espécie de
essência racial. Tal conceito é plenamente sociológico, não sendo necessário reivindicar
nenhuma realidade biológica das raças para fundamentar a utilização do conceito em
estudos sociológicos.

A noção de racismo e o processo de naturalização

A naturalização está presente em todas as hierarquias sociais, sendo um traço


constitutivo das relações de dominação. Ela é ideologicamente escondida (já que se
esconde sob a “evidência” - dita como biológica, genética, eugênica).

Racismo extrínseco: baseiam a sua discriminação entre os povos na crença de que os


membros de raças diferentes se distinguem em certos aspectos que autorizam um
tratamento diferencial- tais como honestidade, coragem, inteligência. Esse é um tipo de
racismo que os grupos dominados vêem-se forçados a desenvolver para enfrentar a
discriminação a que estão submetidos, como uma reação defensiva.

Racismo intrínseco: é aquele no qual pessoas fazem distinções de natureza moral entre
indivíduos de raças diferentes porque acreditam que cada raça tem um status moral
diferente, independente das características morais implicadas em sua essência racial.

Essa dupla definição de racismo permite considerar todas as possibilidades nas


quais a ideia de raça empresta um sentido subjetivamente visado à ação social, cobrindo,
portanto, aquele campo que podemos definir, de modo estrito, como o campo das relações
raciais.

Reteorizando o racismo

A análise do campo discursivo do racismo, tanto antigo (biologismo) quanto novo


(diferencialismo cultural) introduziu a percepção de que, ao analisarem-se as hierarquias,
lidava-se com um mesmo processo sub-reptício de “naturalização” e um mesmo
essencialismo, escondidos sob diferentes fenômenos empíricos. Chamar racismo de
qualquer tipo de discriminação baseada em construções essencialistas significa transformar
o racismo em uma simples metáfora, numa imagem política.

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