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Raça e Etnia

Nildo Viana

Na atualidade, vem tornando-se comum considerar os termos raça e etnia como


equivalentes. Raça e etnia não revelam, segundo esta perspectiva, realidades distintas.
No entanto, consideramos problemática esta redução de um termo a outro e
apresentaremos, no presente texto, uma discussão sobre as diferenças e semelhanças
entre estes termos.
Esta é uma tarefa difícil, pois ambos os termos são polêmicos e estão envolvidos
em questões políticas e ideológicas, tal como se vê nos fenômenos do racismo e do
preconceito étnico. A situação se complica mais ainda quando recordamos que tanto o
conceito de raça quanto o de etnia são confundidos com outros termos, tais como o de
casta, classe, nação, entre outros.
Iremos, aqui, iniciar nossa discussão com uma análise do conceito de raça e
posteriormente do conceito de etnia e, por último, iremos relacionar ambos. Mas, antes
de mais nada, iremos esclarecer o que entendemos por conceito. O conceito é uma
“expressão da realidade” (Marx, 1989) e, como tal, existem dois momentos que serão
analisados por nós: a realidade e sua expressão conceitual. Porém, tal como colocou
Bakhtin (1990), existe uma polissemia no signo provocada pelos conflitos sociais e
desta forma uma mesma palavra recebe significados distintos. Por isso, ao lado da
realidade e de sua expressão conceitual, teremos também que considerar a expressão
ideológica da realidade, já que esta é que dificulta a compreensão dos fenômenos em
questão e que proporciona visões e usos das expressões raça e etnia de forma
equivocada e socialmente destrutiva.
O Conceito de Raça
O conceito de raça nos apresenta uma dificuldade enorme. Esta dificuldade tem
sua origem no fato de que raça remete às diferenças físicas no interior da espécie
humana. O problema é que tais diferenças são superficiais (relativas à aparência) e que
o processo histórico provocou um encontro de raças e, conseqüentemente, uma intensa
miscigenação.
Essa dificuldade permite que alguns afirmem existir duas raças e outros
postulam a existência de duzentas (Banton, 1979; Garn & Coon, 1978), e não faltam os
que encontram números intermediários de raças (três, quatro, trinta, etc.). Porém, para
se definir o número de raças humanas existentes é necessário, anteriormente, definir o
conceito de raça. Geralmente ele é definido a partir da consideração de que ele trata de
diferenças físicas. John Lewis, por exemplo, coloca que “define-se uma raça como
sendo um grupo que tem, em comum, certo conjunto de caracteres físicos inatos, e uma
origem geográfica dentro de certa área” (1965, p. 106).
Esta definição, no entanto, é insuficiente. Que tipo de diferenças físicas?
Geralmente se fala da cor da pele, dos cabelos e outras características físicas. Mas
existem diferenças internas entre determinados “tipos” de cabelo, cor de pele, por
exemplo. A distinção que alguns biólogos fazem entre genótipo e fenótipo é
extremamente útil:
“O genótipo de um indivíduo é simplesmente a sua dotação
genética, a soma total do material hereditário recebido por um indivíduo de
seus genitores e outros ancestrais. O fenótipo de um indivíduo é o que
vemos, isto é, as estruturas e suas funções. Segundo uma série de regras de
desenvolvimento, o fenótipo é produzido a partir do genótipo pela interação
com o ambiente” (Shorrocks, 1980, p. 21).
Podemos dizer que as diferenças raciais ocorrem na esfera do fenótipo. Estas são
diferenças superficiais (cor da pele, forma e cor dos cabelos, formas faciais, etc.), tal
como colocamos anteriormente. No entanto, isto não resolve a questão que colocamos
acima. A sua única vantagem reside no fato de deixar claro que as diferenças raciais
(fenotípicas) não proporcionam nem superioridade nem inferioridade e que, portanto,
qualquer tese que remeta a algum tipo de pretensão de superioridade racial é destituída
de qualquer valor teórico, sendo apenas uma ideologia racista, da qual trataremos mais
adiante.
Pensar em raças humanas significa pensar em divisões na espécie humana e isto
requer esclarecer que tipo de divisão é esta. Pensar em espécie humana significa
enfatizar o que existe em comum em todos os seres humanos. O ser humano constitui
uma espécie que se diferencia das outras espécies do mundo animal. Os biólogos
admitem que no mundo animal existam “subespécies” no interior de uma espécie. No
caso da espécie humana tal divisão é inexistente (alguns defendem a tese de que em
épocas remotas existiam três subespécies humanas, mas que só uma sobreviveu, a
atual). A idéia de subespécie nos traz a visão da diferença não só fenotípica como
também genotípica. Por isso não devemos confundir subespécie com raça. A espécie
humana, pelo menos a partir de um momento histórico longínquo, não possui
subespécies e a raça só pode ser compreendida como uma divisão no interior de uma
espécie e se houvesse subespécie seria uma divisão no interior desta.
Podemos definir raça como uma população que possui em comum um conjunto
de características físicas (fenotípicas) hereditárias que se transformam através da relação
com o meio ambiente e da miscigenação. Um indivíduo pertence a uma raça se possuir
este conjunto de características diferenciadoras. Este conjunto, por sua vez, é
transmitido hereditariamente e por isso características físicas derivadas de acidentes
físicos ou biológicos não fazem parte deste conjunto. Tal conjunto de características
físicas são fenotípicas e não genotípicas.
Desta definição decorrem algumas conseqüências, tais como as observadas pelo
psicólogo Otto Klineberg:
“Pode-se, pois, definir uma raça como um grande grupo de homens,
que possuem em comum certas características físicas determinadas por
hereditariedade. As outras características, não-físicas, que foram
atribuídas às raças, são neste caso secundárias, uma vez que não entram
em seu conceito ou definição, não sendo usadas, por exemplo, na
classificação racial. Assim, quando um psicólogo (Moss) escreve que ‘uma
raça é um grupo de pessoas que têm a mesma origem remota e,
conseqüentemente, apresentam traços físicos e mentais (o grifo é nosso)
diversos dos de outras raças de origem completamente diferente’, incorpora
em sua definição um juízo que carece de prova e sobre o qual por enquanto
não há acordo. Da mesma forma, quando um antropólogo (Hrdlicka)
afirma que ‘os caracteres que distinguem as raças humanas são
morfológicos, fisiológicos, químicos, psicológicos e ainda, patológicos’,
ultrapassa francamente os limites da doutrina antropológica aceita. Por
definição, os caracteres que distinguem as raças humanas são
morfológicas; o resto está por provar-se” (Klineberg, 1966: 18).

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Este autor é bastante moderado em sua explicação. No entanto, podemos dizer
que não há a possibilidade de ser provada qualquer outra diferença que não seja
fenotípica. Os elementos chamados “psicológicos” ou mentais não possuem nenhuma
relação com diferença racial. A mente é constituída socialmente e não hereditariamente.
Logo, a diferença racial não é e nem poderia ser mental, apenas poderia ser cultural,
dependendo do relativo isolamento que é superado pelo contato racial a partir de
determinado momento do desenvolvimento histórico. A diferença racial é apenas física
e apenas fenotípica, pois no que se refere ao genótipo não há diferença. Desta forma,
resta apenas a aparência física para distinguir raça, o que é tão sem importância que
deveria ser até abandonado tal conceito devido sua irrelevância, se não fosse o processo
histórico e social que transformou uma diferença tão irrelevante em algo muito
diferente, devido às relações de dominação e opressão que se constituíram a partir do
momento em que usaram tais diferenças para legitimar e justificar tais relações.
A compreensão do conceito de raça pressupõe uma discussão sobre o processo
histórico do desenvolvimento das raças. A partir da definição de raça acima, podemos
considerar que existem três raças humanas: a caucasóide, a negróide e a mongolóide
(Lévi-Strauss, 1970; Lewis, 1965). Claro que mesmo partindo da definição acima é
possível se considerar um número diferente de raças existentes, variando de acordo com
as características físicas e suas variações que forem selecionadas. Sem dúvida, como
todo processo classificatório de situações complexas, existe uma grande dose de
convencionalidade, mas, além disso, existem os pressupostos teóricos ou ideológicos
por detrás de toda classificação. Consideramos que a distinção racial se refere apenas a
um conjunto de diferenças físicas hereditárias relativamente grandes, o que significa que
pequenas diferenças físicas não constituem uma raça, pois, se formos considerá-las,
corremos o risco de encontrar uma infinidade de raças. Tais diferenças, de nossa
perspectiva, se expressam nas três raças acima citadas.
No entanto, um novo problema emerge: com o crescente processo de
miscigenação se pode pensar em “raças puras”? Não existe, a nosso ver, sentido em se
pensar em raças puras, pois isto remeteria ao problema da fenotipia pura, o que é um
contra-senso, pois a relação com o meio ambiente pode alterar algumas das
características físicas fenotípicas. Não se trata de pensar em pureza racial e sim de
observar quais são as diferenças que distinguem uma raça de outra, e tal diferença
ocorre no interior de uma semelhança muito mais profunda, tanto ao nível genotípico
quanto fenotípico, além de psíquica e social. O processo histórico que proporcionou um
alto grau de miscigenação traz uma nova dificuldade que deve ser resolvida. As raças
humanas possuem sua origem num mesmo espaço territorial e se reproduziam enquanto
raças mais ou menos sem miscigenação devido ao isolamento espacial que não permitia,
na maioria dos casos, contatos raciais. A raça negra, por exemplo, tem sua origem no
continente africano e seu desenvolvimento ocorreu de forma relativamente isolada das
demais raças até o momento histórico de expansão do capitalismo. A raça amarela, por
sua vez, tem sua origem no continente asiático e regiões próximas.
O desenvolvimento do modo de produção capitalista rompe com todos os
isolamentos espaciais, pois é sua característica o expansionismo, ao contrário dos
modos de produção pré-capitalistas. Os contatos raciais se tornam cada vez mais
freqüentes e inevitáveis. A partir deste momento histórico se pode falar em relações
raciais, e junto com elas a opressão e a miscigenação. A opressão cria os conflitos
raciais e a miscigenação cria uma dificuldade em se definir a qual raça diversos
indivíduos pertencem, pois eles acabam recebendo herança fenotípica de mais de uma
raça. No entanto, esta herança fenotípica é predominante de uma ou outra raça e desta
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forma é possível definir a qual raça o indivíduo pertence. Por exemplo, os chamados
“mulatos” e “pardos” possuem uma herança fenotípica predominantemente negra e por
isso não constituem “raças” e sim fazem parte da raça negra.
As relações raciais entre brancos e negros nasceram sob o signo da expansão
capitalista. A escravidão negra marca o nascimento de relações raciais conflituosas,
marcada pela exploração e opressão dos negros pelos “brancos” (ou melhor, por alguns
brancos, os componentes das classes dominantes – a burguesia e a classe senhorial).
Assim surge o racismo, que iremos discutir mais adiante.
A transferência de grandes contingentes da população negra para o Brasil, os
Estados Unidos, entre outros locais, é um capítulo importante no processo de
miscigenação, que é reforçado pelo processo de migração de todas as raças para regiões
habitadas originalmente por outras raças (brancos na África, negros na América,
amarelos na Europa e América, etc.).
Portanto, o conceito de raça não se refere a nenhuma diferença física importante
entre os seres humanos, sendo que a produção ideológica de diferenças imaginárias
entre as raças é que adquirem importância explicativa de diversos fenômenos, incluindo
o racismo. Por conseguinte, podemos dizer que tanto para as chamadas ciências naturais
quanto para as chamadas ciências sociais, o conceito de raça possui importância
mínima, mas que, com a emergência do racismo, acaba ganhando grande importância
para a compreensão das relações sociais contemporâneas.
Racismo e Ideologia
Podemos definir o racismo como uma prática de discriminação racial (Viana,
1994). O racismo emerge a partir de relações raciais conflituosas, marcadas pela
opressão de uma raça sobre outra. As relações raciais são relações instauradas entre as
raças humanas e podem ser igualitárias ou se fundamentar na opressão. As relações
raciais igualitárias colocam a questão racial como algo destituído de importância.
Porém, no caso de relações raciais conflituosas, o conflito é expressão da discriminação
racial e junto com ela a ideologia racista.
Os pressupostos da ideologia racista são a idéia de superioridade de uma raça
sobre a outra. A superioridade racial inventada pelos ideólogos racistas se encontra na
afirmativa de que as diferenças físicas entre as raças não são apenas fenotípicas, mas
também genotípicas ou na afirmativa de que a diferença não é apenas física, mas
também mental, cultural e/ou moral. Sem dúvida, existe uma infinidade de ideologias
racistas (Banton, 1979), mas elas possuem uma das formas de fundamentação acima
colocadas.
O racismo surge num momento histórico preciso, o da ascensão e
desenvolvimento do capitalismo. A escravidão negra fornecia o elemento necessário
para a emergência da ideologia racista e seu fundamento foi, no início, religioso e,
posteriormente, racionalista com pretensões científicas, tal como na concepção
darwinista da evolução e na concepção geográfica do “espaço vital” (Marco, 1987;
Viana, 2000; Banton, 1979; Lewis, 1965) inspirada no darwinismo e retomada
recentemente pela etologia e sociobiologia (Viana, 2000; Christen, 1981; Lumsden &
Wilson, 1985; Wilson,1992; Ruse, 1982; Wallace, 1985). Estas ideologias, no entanto,
não surgiram gratuitamente. Elas vieram para justificar a escravidão negra, o
expansionismo colonial e imperialista, entre outros fatos históricos.
A ideologia racista também se fortalece e expande em momentos de crise, pois
neste momento torna-se interessante para a classe dominante criar um “inimigo
imaginário” (ou “bode expiatório”, como dizem os psicólogos) para desviar a atenção
das verdadeiras determinações da crise. Isto pode ser feito tanto através da
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culpabilização de raças ou grupos internos (alegando que estes constituem raças...)
como grupos externos (neste último caso, aponta-se para uma guerra que tende a
reconstituir a unidade nacional dilacerada por seus conflitos internos) (Viana, 2007).
Neste momento devemos distinguir a ideologia racista que se fundamenta em
diferenças raciais existentes mas falseadas e a ideologia “racista” que se fundamenta
numa atribuição falsa de diferença racial. Este último caso pode ser exemplificado pelo
nazismo, que pregava a superioridade da raça ariana (que nem sequer constitui uma
raça, pois o laço de ligação entre os “arianos” é de origem lingüística) sobre a “raça dos
judeus” (que também não constitui uma raça, pois o seu laço de ligação, por sua vez, é
religioso). O racismo que tem como fundamento diferenças raciais reais pode ser
exemplificado no preconceito racial de brancos contra amarelos (“asiáticos”) e vice-
versa. Com isto queremos dizer que se trata realmente de preconceito racial, que se
refere a raças realmente existentes, embora sua ideologia da superioridade seja tão falsa
quanto no caso anterior. Este tipo de racismo pode ser exemplificado no caso do
racismo citado pelo antropólogo Clyde Kluckhon (1972) dos norte-americanos contra os
imigrantes japoneses e chineses, que tinham sua fonte na disputa pelo mercado de
trabalho e na disputa imperialista do final da década de 30.
Voltando ao nosso assunto original, outra fonte de geração da ideologia racista e
do preconceito racial se encontra na sociabilidade instaurada na sociedade capitalista,
fundamentada na mercantilização e burocratização das relações sociais e na competição
social desenfreada no sentido da busca de status, poder, riqueza, ascensão social, etc.
Esta competição ocorre em todas as esferas da vida social (no trabalho, para conseguir
“subir de cargo”; no mercado de trabalho, para conseguir emprego; entre empresas
capitalistas, na disputa pelo mercado consumidor; nas escolas, pelo melhor desempenho
ou para ter acesso, etc.). Esta competição generalizada cria uma animosidade e qualquer
diferença existente serve de pretexto para se buscar colocar o concorrente como inferior
e a questão racial aparece muitas vezes como este pretexto almejado.
A diferenciação social e a lumpemproletarização de indivíduos negros, no caso
da relação raciais negros-brancos, também fornecem fundamentos para as ideologias
racistas e para o preconceito racial, pois as condições de vida e a possível criminalidade
derivada da situação social aparece como demonstração da “inferioridade racial” sem
qualquer vínculo com a questão social.
Outro fundamento se encontra no que Lobrot (1977) denominou generalização
afetiva: “Assinalemos imediatamente que não se trata de um fenômeno de natureza
cognitiva, mas sim afetiva” (p. 65). Este autor acrescenta que:
“Tal generalização afetiva é extremamente comum. É ela que está,
por exemplo, na origem do racismo. Dizer ‘todos os negros são sujos e
imorais’, ‘todos os judeus são avaros e ladrões’, etc. e regular seu
comportamento por tais juízos pertencem ao domínio do racismo. Mas
alguém que sistematicamente tem medo de todos os animais, ou do escuro,
ou dos carros, etc., também é vítima dessa generalização” (Lobrot, 1977:
66).
Na base dessa generalização se encontra os sentimentos de medo, raiva, inveja,
etc. No caso do racismo ou de outras formas de preconceito contra outros grupos
sociais, o confronto com um indivíduo com determinadas características físicas
(racismo, sexismo) ou culturais (outras formas de preconceito) provoca a generalização
para todos os outros indivíduos com as mesmas características.
Desta forma podemos dizer que o racismo não tem nenhum fundamento real,
pois sua gênese se encontra nos conflitos sociais, interesses e sentimentos formados
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numa sociedade baseada na divisão de classes sociais antagônicas e marcada pela
opressão e conflitos sociais variados.
Vários pesquisadores, sensíveis ao problema do racismo, buscam substituir ou
simplesmente abandonar o conceito de raça, partindo do pressuposto de que se não
existem raças humanas, então não há o menor sentido no “preconceito racial”. Mas tal
solução é ilusória, pois o mundo das ideologias não só utiliza as diferenças raciais (ou
qualquer outro nome que se lhe dê: etnia, classe, nação) realmente existentes como cria
diferenças inexistentes, inclusive raciais (a “raça ariana” e a “raça judaica”, por
exemplo).
O fundamento do racismo não se encontra nos termos utilizados pelos cientistas
e por isso não possui efeito nenhum o seu abandono (como o conceito de raça).
Também não são as diferenças raciais realmente existentes que geram o racismo, pois
elas são apenas a matéria-prima para que os interesses e sentimentos manifestem o
racismo. Isto é tão verdadeiro que basta citarmos a criação de raças imaginárias para
observarmos que na falta desta matéria-prima se cria outra. Em outras palavras, o
racismo possui uma gênese social que nos remete à mentalidade dos racistas e não à
realidade das diferenças raciais e, por isso, negar esta última não altera a primeira. Por
conseguinte, é uma ilusão querer abolir o racismo abandonando o conceito de raça.
O Conceito de Etnia
O conceito de etnia também é problemático, embora não tanto quanto o de raça.
As várias definições do termo etnia podem ser agrupadas em duas concepções
fundamentais: a primordial e a situacional. O antropólogo Clifford Geertz, coloca o
seguinte:
“Por ligação primordial entende-se aquela que provém dos ‘dados’,
ou mais precisamente – visto que a cultura está inevitavelmente envolvida
nestes assuntos – dos ‘dados’ supostos da existência social: contigüidade
imediata e ligação forte principalmente, mas para além destas a
disponibilidade proveniente do fato de se ter nascido numa determinada
comunidade religiosa, de se falar a mesma língua, ou mesmo um dialeto de
uma língua, e de se seguir determinadas práticas sociais. Considera-se que
esta semelhança de sangue, fala, costumes, etc., possui um poder de coação
indescritível e por vezes esmagador de e em si própria. Está-se ligado aos
parentes, aos vizinhos, aos correligionários, ipso facto não só em resultado
da atração pessoal e da necessidade de convívio, do interesse comum e da
obrigação moral assumida, mas também, pelo menos em grande parte, em
virtude de certo sentido absoluto e inexplicável atribuído ao próprio laço
em si” (apud. Rex, 1988: 48).
A concepção situacional considera a etnia como um “recurso útil”. Ela é
utilizada para se reivindicar junto a uma organização social determinados interesses e
para atingir certos objetivos. Da mesma forma, outros grupos podem utilizar a etnia
como pretexto para negar determinados direitos (Rex, 1988).
Estas duas concepções podem ser consideradas as principais mas não esgotam a
diversidade de abordagens sobre etnia, embora possamos considerar que as demais
concepções são derivadas delas. Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart (1998)
apresentam seis concepções diferentes de “etnicidade”:
1) A etnicidade como dado primordial: baseia-se na similaridade intrínseca
fundamentada na herança cultural transmitida pelos antepassados, sendo a fonte de
ligações primárias e fundamentais (Shils, Geertz, Kallen);

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2) A etnicidade como extensão do parentesco (sociobiologia): a idéia básica
dessa concepção se fundamenta na tese sociobiológica do “egoísmo genético”, segundo
a qual o egoísmo tem sua fonte nos genes e os indivíduos são geneticamente
determinados a buscar o “sucesso reprodutivo” através da reprodução dos genes de um
indivíduo e daqueles com os quais compartilha os genes, os seus parentes (Van der
Berghee);
3) As concepções instrumentalistas e mobilizacionistas: tal concepção considera
a etnicidade como um recurso utilizável na luta pelo poder político ou bens econômicos
(Glazer, Moynihan). Ela pode ser subdividida em três concepções: a) as concepções
fundamentadas no individualismo metodológico da “escolha racional”. Segundo esta
concepção, a formação dos grupos étnicos ocorre quando os indivíduos não conseguem
adquirir riqueza e poder através de estratégias individuais, e por isso formam grupos a
partir de diferenças culturais e/ou raciais para consegui-lo (Banton); b) a concepção do
colonialismo interno. Esta concepção surge para explicar a expansão do “etno-
nacionalismo” na sociedade capitalista e se baseia na tese da “divisão cultural do
trabalho” entre centro e periferia, interpretando a etnicidade como instrumento de lutas
coletivas, como forma de solidariedade que aparece em resposta à discriminação e
desigualdade, constituindo, assim, uma consciência política coletiva (Hechter); c) A
concepção de “grupo de interesse”. Para esta concepção, as etnias são instrumentos que
exercem influência nas políticas públicas de acordo com seus interesses (Vicent,
Geschwender, Gellner);
4) A concepção economicista. Esta concepção – que os autores denominam
“neomarxista”, sem justificar o que há de novo nessa abordagem pretensamente
marxista – centra sua atenção nas funções que as divisões étnicas e raciais preenchem
no capitalismo, enfatizando a busca por uma força de trabalho barata e a disputa pelo
mercado de trabalho, esvaziando de conteúdo o termo etnia;
5) A concepção neoculturalista. Para esta concepção a etnia é um “sistema
cultural” ou “sistema simbólico”, constituindo um “sistema de significações” coercitivas
que realizam a distinção entre o “nós” e os “outros” que serve de base para a ação e
interpretação do outro (Drumond, Aronson, De Vos, Deshen, Epstein, Simon).
6) A concepção interacionista. Tal concepção considera a etnicidade como “um
processo contínuo de dicotomização entre membros e outsiders, requerendo ser
expressa e validada na interação social” (Poutignat e Streiff-Fenart, 1998: 111). Ela se
opõe às concepções primordialistas/essencialistas ao enfatizar os aspectos generativos e
processuais da etnia (Barth, 1998).
Por conseguinte, observamos que a expressão etnia possui inúmeras definições e
é concebida sob diferentes formas. No entanto, consideramos que grande parte destas
definições não é mais que mera estratégia para se construir artificialmente um “objeto
de estudo”, pois o que denominam etnia pode ser considerado como o equivalente de
classe social, movimentos sociais, grupos sociais, etc., e não devemos deixar de
observar que sua construção se realiza, na maioria dos casos, por sociólogos e não por
antropólogos – que tradicionalmente trabalham com o termo etnia – e tomam como
referencial os grupos sociais conflitivos de nossa sociedade capitalista. As concepções
instrumentalistas possuem o equívoco comum de pensar a etnicidade em termos dos
valores da sociedade capitalista moderna – que pulverizou os valores tradicionalistas e
colocou em seu lugar o frio e calculista predomínio do dinheiro (Marx & Engels, 1988).
Segundo estas abordagens, os valores tradicionalistas permanecem apenas como
instrumentos dos valores modernos que tomaram seu lugar como finalidade.

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A abordagem economicista cai no reducionismo e não consegue apresentar uma
visão satisfatória dos conflitos sociais devido a isto e a sua desconsideração com a
questão cultural e sentimental. A abordagem interacionista não ultrapassa a percepção
da produção e reprodução da identidade coletiva de grupos e diferenciação cultural em
geral e confunde isto com a questão da etnicidade. A concepção sociobiológica se
baseia num determinismo genético destituído de fundamentação e sem nenhuma
argumentação sólida por detrás e revela um racismo disfarçado em suas concepções
(Viana, 2000; Montagu, 1978; Fromm, 1975).
Resta-nos, portanto, a concepção primordialista, que nos parece mais próxima da
tradição etnológica. Uma posição próxima é defendida pelo antropólogo português
Carlos Lopes: “Definamos a etnia como uma entidade caracterizada por uma mesma
língua, uma mesma tradição cultural e histórica, pela ocupação de um mesmo território,
por uma mesma religião e sobretudo pela consciência coletiva de pertença a essa
comunidade” (Lopes, 1982: 33).
Porém, consideramos esta definição demasiadamente restrita e a-histórica e por
isso preferimos trabalhar com a idéia de etnia da seguinte forma: uma etnia é uma
coletividade (sociedade ou comunidade) de indivíduos que são (ou se originaram) de um
mesmo território e que possuem, também, uma unidade e homogeneidade cultural
(mesma língua, religião, crenças em geral, valores, etc.) e uma identidade coletiva de
pertencimento a esta etnia.
A nossa definição de etnia é próxima da de Geertz e Lopes, mas possui um
elemento diferenciador: o aspecto histórico. Ao colocar que uma etnia pode ser tanto
uma sociedade quanto uma comunidade, apontamos para a realidade histórica de
transição de uma sociedade para uma comunidade, ou seja, de uma coletividade
autônoma para uma coletividade dependente – esta posição difere da do sociólogo
Tönnies (1977), que vê a comunidade como uma coletividade que possui relações
internas de dependência enquanto que para nós ela se caracteriza por uma relação de
subordinação externa em relação a uma sociedade, uma coletividade mais ampla –
sendo que podemos dizer que uma sociedade é uma coletividade auto-suficiente e uma
comunidade é uma parte dependente da sociedade. As populações indígenas formam
sociedades até o momento em que são integradas na sociedade capitalista, tornando-se
comunidades, ou seja, coletividades dependentes. Quando afirmamos que uma etnia é
uma coletividade que habita um mesmo território ou então é oriunda de um território
compartilhado anteriormente por todos os seus membros, apontamos para a
possibilidade de deslocamento territorial de uma etnia. Esta posição também é próxima
à do antropólogo francês Auzias (1978), que busca recuperar a historicidade da etnia em
contraposição às concepções a-históricas.
Por isso podemos distinguir duas formas de etnia: a etnia fundamentada em
laços fortes e a etnia fundamentada em laços frágeis, sendo que, originalmente, toda
etnia possui laços fortes e é com o processo histórico de desenvolvimento capitalista
que ela se torna etnia de laços frágeis, o que é um passo para a abolição de tal etnia.
Desta forma, observamos que a etnia é uma coletividade típica de algumas sociedades
não-capitalistas e que com o processo de expansão do capitalismo vai sendo
subordinada e/ou superada pelo capitalismo.
Isto também coloca uma outra característica da etnicidade: os indivíduos que
compõem uma etnia compartilham o mesmo passado, a mesma tradição histórica e
cultural e, desta forma, ninguém pode “aderir” a uma etnia, tal como se pode aderir a
uma religião. Esta é uma distinção fundamental entre etnicidade e religiosidade.

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Outro elemento importante a se ressaltar é a diversidade enorme de etnias. Basta
citarmos a diversidade de sociedades indígenas para observarmos isto. Mas não apenas
as sociedades indígenas se constituem etnias, embora elas sejam o seu melhor exemplo,
principalmente quando se fala de etnia de laços fortes.
A nossa definição se insurge contra a banalização do conceito de etnia, que a
partir de determinadas definições passa a ser aplicado às coletividades tão distintas que
fica difícil distinguir etnia de classe social, nação, religião, etc. A partir da definição
acima colocada não se pode confundir etnia e classe, etnia e religião e com diversas
outras coletividades. Sem dúvida, alguns poderão afirmar que, mesmo partindo desta
definição, se pode confundir etnia e nação. Isto só é possível se o conceito de nação for
esvaziado de seu conteúdo histórico (ela surge com o capitalismo e a formação dos
estados-nações) e se deixarmos de lado que na maioria das nações não existe unidade
cultural e sim pluralidade (de religião, línguas, tradições) e não existe homogeneidade e
sim heterogeneidade (de valores, crenças, etc., que se vê, por exemplo, na divisão de
classes). A possibilidade de se confundir etnia e raça será tratada mais adiante.
O Preconceito Étnico
O etnocentrismo, se fossemos basear na etimologia do termo, se fundamenta
numa concepção que distingue entre a nossa etnia e a outra, considerando a nossa como
sendo o “centro”, a “superior” e a outra como “periferia”, como “inferior”. Mas não é
exatamente esta a definição apontada por diversos antropólogos. Tomemos um
exemplo:
“O etnocentrismo é uma visão de mundo onde o nosso próprio
grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e
sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do
que é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade
de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de
estranheza, medo, hostilidade, etc.” (Rocha, 1994: 0 7).
Outro antropólogo expressou isto da seguinte forma:
“A atitude mais antiga e que se assenta em fundamentos
psicológicos sólidos, pois tende a reaparecer em cada um de nós quando se
nos depara numa situação inesperada, consiste em repudiar pura e
simplesmente as formas culturais – morais, religiosas, sociais, estéticas –
mais afastadas daquelas com que nos identificamos. ‘Modos de selvagens’,
‘isso não é de nosso costume’, ‘não se deveria permitir isso’, etc., tantas
reações grosseiras que traduzem essa mesma gastura, essa mesma repulsa,
em presença de maneiras de viver, de crer e de pensar que nos são
estranhas” (Lévi-Strauss, 1970: 236).
Citemos mais uma definição semelhante e que foi a de quem introduziu este
termo nas ciências sociais: o etnocentrismo é a “visão de mundo na qual o centro de
tudo é o próprio grupo que o indivíduo pertence; tomando-o por base, são escalonados e
avaliados todos os outros grupos” (Summer, apud. Hoebel, 1987, p. 437).
Uma leitura atenta destas citações nos permite observar que nenhum dos autores
utilizaram a expressão etnia. Fala-se em grupos ou formas culturais. A omissão do
termo etnia é algo que merece reflexão. Isto se deve ao fato de que, se podemos nos
referir às sociedades indígenas, entre outras coletividades, como etnias, não podemos
nos identificar como uma etnia. Sendo assim, a expressão etnocentrismo é equivocada.
Na verdade, existe uma idéia de superioridade e centralidade da cultura ocidental,
formada e hegemônica a partir do desenvolvimento capitalista, que não ela como um
todo, mas apenas a que possui hegemonia, a cultura burguesa. Mas, além da idéia de
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superioridade e centralidade, existe o ponto de partida desta idéia, constituída pela
mentalidade da cultura burguesa. Porém, todo preconceito parte da mentalidade do
preconceituoso para avaliar as demais culturas e grupos. A idéia de superioridade pode
ou não estar presente, tal como no racismo, no qual o racista considera sua raça
“superior”. Podemos, assim, pensar perfeitamente em preconceito racial e em racismo.
Porém, um indivíduo ou grupo pode avaliar outro grupo ou indivíduo como
inferior, selvagem, defeituoso, sem partir de uma identidade própria de grupo marcada
pela unidade cultural. Em outras palavras, existem casos em que a) o preconceito
produz uma distinção de identidade entre o “nós” e o “outro” e existem casos em que b)
o “nós” é difuso e não tem como referência um grupo específico (pode ter como
referência algo mais amplo, como, por exemplo, a cultura burguesa, originariamente um
“europocentrismo”, seu local de nascimento, mas que se expandiu por todo mundo e por
isso acabou se distinguindo de comunidades, etnias, nações, etc.). No primeiro caso
podemos citar a xenofobia e o racismo, e no segundo, o preconceito étnico. A cultura
burguesa é hegemônica sem ser única, já que existem outras manifestações culturais na
sociedade capitalista, o que é omitido pela expressão “cultura ocidental”, que muitas
vezes serve para um preconceito étnico às avessas, produzido por essa mesma cultura
burguesa.
Desta forma, o termo etnocentrismo é equivocado e por isso deve ser substituído
por preconceito étnico. Alguns podem considerar que o termo tradicionalmente
utilizado deve permanecer justamente devido à tradição, mas tal procedimento é
contrário ao pensamento teórico que deve buscar conquistar cada vez mais uma precisão
e clareza conceitual.
Por conseguinte, o preconceito étnico acaba reproduzindo algumas
características que são comuns ao racismo, tal como a idéia de superioridade-
inferioridade, embora tenha mais diferenças do que semelhanças, pois, para citar apenas
um exemplo, no racismo há uma idéia de luta de raças de caráter maniqueísta, tal como
observou Sartre (1960), o que não ocorre no caso do preconceito étnico.
O preconceito étnico vai se expandir concomitantemente com a expansão
capitalista. A sociedade capitalista com sua cultura burguesa vai, devido ao seu
expansionismo, encontrar diversas etnias (na África, na América, etc.) e irá buscar
subjugá-las. A escravidão negra no Brasil, por exemplo, significou a transferência de
diversos indivíduos de diferentes etnias (bantos – que englobava os angolas, os
benguelas, os congos e os mocanbiques – e os sudaneses – que englobava os iorubas, os
gêges, os minas, os fanti, etc.) para um estado-nação emergente que significou sua
integração nesta sociedade. As sociedades indígenas no Brasil e nos Estados Unidos
foram – e continuam sendo – dizimadas física ou culturalmente, pois isto é uma
exigência da expansão capitalista.
O encontro com estas etnias e a necessidade de subjugá-las irá se tornar o
principal fundamento do preconceito étnico, que irá contestar a moral, os costumes, a
religião das etnias contactadas, para eleger a moral, os costumes e a religião dominantes
na sociedade capitalista como superiores e civilizadas. As etnias contactadas são
qualificadas como “inferiores” “bárbaras”, “atrasadas”. Obviamente que isto, ao
contrário do que pensa Lévi-Strauss, não se trata de “fundamentos psicológicos sólidos”
e “atitude mais antiga” e sim determinados interesses e determinado tipo de cultura que
necessita subjugar as demais e assim legitimar e justificar essa relação de dominação
instaurada. Embora todo grupo e indivíduo tenham a tendência em avaliar e analisar
tudo o que lhe cerca a partir de sua perspectiva, isto só se torna problemático e gera
preconceito quando esta perspectiva é fundada em interesses de dominação e
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exploração, em uma mentalidade competitiva (Viana, 2008), entre outras características
da cultura burguesa (e não da cultura ocidental em geral, ou seja, toda produção cultural
produzida no ocidente).
Como a expansão capitalista é uma expansão também territorial, então a ligação
entre etnia e território passa a ter importância fundamental. Os conflitos sociais
derivados daí estão envolvidos fundamentalmente na luta pela terra e a expansão
capitalista vai, paulatinamente, provocar uma desapropriação territorial e isto provoca,
em muitos casos, a destruição de etnias, cujo processo se inicia de forma mais abrupta e
radical com o extermínio físico ou com a chamada “aculturação”, que, no início, se
caracteriza pela transição de etnia com laços fortes para uma etnia com laços frágeis.
Neste contexto, o preconceito étnico irá justificar e legitimar tal processo e, como nossa
sociedade não é homogênea, grande parte da população que poderia se opor a ele acaba
acatando-o devido a esta legitimação.
Raça e Etnia
A partir da definição de raça e etnia colocadas anteriormente, podemos observar
facilmente que estes conceitos se referem a realidades distintas. A raça é constituída por
semelhanças físicas e etnia pela unidade cultural. Realidades distintas, conceitos
distintos.
No entanto, se recordarmos o processo histórico, veremos que em alguns casos
raça e etnia se confundiram. As diversas etnias “africanas”, “brasileiras”, etc., são
compostas por apenas uma raça e isto não poderia ser diferente, pois as etnias
constituem sociedades auto-suficientes sem relações mercantis e, por conseguinte, sem
grandes necessidades de contatos culturais, o que permite a reprodução da mesma
herança fenotípica. Por conseguinte, toda etnia é composta por apenas uma raça. Porém,
a recíproca não é verdadeira, pois uma raça pode, e historicamente isto ocorreu,
constituir uma diversidade de etnias. O continente africano, por exemplo, era habitado
quase que exclusivamente pela raça negra, que, no entanto, se dividia em numerosas
etnias, com territórios, línguas, costumes, etc., diferentes.
O processo de expansão capitalista tornou mais radical esta separação entre raça
e etnia, pois a sociedade capitalista não permite a existência de etnias no seu interior e
foi integrando as populações do mundo inteiro, o que significa a destruição das etnias. O
capitalismo removeu etnias de seus territórios e destruiu sua unidade cultural (as etnias
negras) e rompeu com o isolamento racial com o processo de escravidão e migração
populacional.
Na sociedade contemporânea, é impossível considerar que uma raça constitui
apenas uma etnia. Um negro brasileiro possui muito mais afinidade cultural com um
branco e um “amarelo” brasileiro do que com um negro africano ou norte-americano,
embora o racismo e a origem territorial comum criem uma certa identidade entre eles,
mas não se trata de identidade étnica e sim racial – produzida pelas relações raciais
conflituosas –, pois falam línguas diferentes, possuem costumes diferentes, etc. Mesmo
entre os negros brasileiros existem diferenças culturais grandes dependendo da região
em que moram.
Neste sentido, se torna importante deixar claro a distinção entre os conceitos de
raça e etnia. Uma raça se constitui através de semelhanças físicas em comparação com
as diferenças físicas em relação a outras raças e uma etnia se constitui através de sua
unidade cultural. Por isso, confundir raça e etnia mais dificulta a superação do racismo e
do preconceito étnico do que contribui para sua erradicação. Por isso, julgamos
necessário abrir espaço para se pensar a superação do racismo e do preconceito étnico a
partir de uma reflexão teórica que demarque suas diferenças.
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