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29/11/2017 O marxismo descolonial de Florestan Fernandes e a esquerda socialista do século XXI | Revista Movimento

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O MARXISMO DESCOLONIAL DE FLORESTAN FERNANDES E A ESQUERDA


SOCIALISTA DO SÉCULO XXI
MAYCON BEZERRA | 28 NOV 2017

Neste artigo cuidadoso, Maycon Bezerra trata sobre a vida e a obra intelectual e política de Florestan Fernandes, grande intelectual da Revolução Brasileira.

FLORESTAN FERNANDES SE DESFAZ DE SUA GRAVATA EM MANIFESTAÇÃO DURANTE A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE - CIA DA MEMÓRIA.

1 – Florestan e aspectos biográficos.

Retomar Florestan Fernandes, um dos nossos mais importantes intelectuais, reivindicando sua sociologia
crítica e militante, articulando-a de modo vivo na teoria e prática revolucionária socialista no Brasil deste
início de século XXI, não é algo como prestar uma simples homenagem, é se apropriar de um referencial
intelectual e político que não temos o direito de permitir que se perca. A retomada do marxismo descolonial
de Florestan não apenas possibilita que se fortaleçam nossos laços concretos com a experiência histórica
passada da esquerda e do movimento dos trabalhadores brasileiros, mas também disponibiliza um amplo
patrimônio de re exões e elaborações sobre problemas e questões com as quais estamos novamente – e
estivemos sempre – confrontados e que nos dispensa de nisso ter de começar do zero. Florestan é um
gigante em cujos ombros podemos e devemos nos erguer para visualizar melhor a situação e nossas tarefas
como marxistas revolucionários.

Florestan nasceu muito pobre. Filho de mãe solteira, portuguesa e empregada doméstica em São Paulo,
começou a trabalhar ainda na infância como engraxate. Viveu a vida dos meninos de sua classe, frequente
nas ruas, distante da escola. Experimentou, como elo fraco da cadeia, toda a rotineira crueldade dos setores
mais privilegiados da nossa sociedade nas suas relações com o povo pobre. Como exemplo, a patroa de sua
mãe negava-lhe o direito ao nome Florestan em sua casa, por ser um nome pomposo demais para um garoto
qualquer, lho de empregada doméstica: chamava-o Vicente. Florestan dizia que teve que conquistar o
direito de tornar-se Florestan. Até isso negam aos nossos quando podem.

Escolarizou-se já adulto e ingressou em um novo universo de oportunidades ao ser aprovado no curso de


ciências sociais da USP. Ao mesmo tempo, através do jornalista e dirigente socialista Herminio Sachetta,
entrava em contato com o Partido Socialista Revolucionário (PSR), uma organização trotskista que lutava na
clandestinidade contra a ditadura do Estado Novo de Vargas. Foi militante e depois ainda se manteve em
contato com o partido por cerca de 10 anos, até o início dos anos 50. Ainda que tenha desengajado da
militância clandestina para seguir a trajetória universitária, a experiência no PSR – tal como relatada por ele
mesmo – foi decisiva para a de nição dos rumos que tomaria sua rota biográ ca, intelectual e política.

Depois de formado, seguiu na USP como professor e ajudou a constituir e institucionalizar a sociologia no
Brasil. Lecionou para nomes como Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, dentre toda uma geração
renomada. Com ousadia se lançou a construir uma matriz sociológica que não reproduzisse mecanicamente
as formulações importadas da Europa ou dos Estados Unidos. A sociologia orestaniana não deve nada em
complexidade, riqueza e criticidade ao que se considera vanguarda nessa área em nível internacional. Nossa

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sociologia acadêmica contemporânea, no entanto, marginaliza seu pensamento e contribuição inestimáveis.


Soa demasiadamente como luta de classes, o que é inequívoco, para a elegância estéril dos corredores
acadêmicos. Tendo sua carreira na USP interrompida pelo AI-5 e pela consequente aposentadoria
compulsória que lhe impuseram em 1969, Florestan se desvencilha das limitações impostas pelo “cânone” e
pela ritualística do pensamento universitário e aprofunda o caráter crítico, marxista e descolonial de sua
produção intelectual, em alguma medida reconectando-se com o jovem Florestan militante do PSR,
enriquecido por toda a trajetória posterior como professor e cientista social.

Ao longo dos anos 70, Florestan seguiu produzindo e intervindo como “intelectual público”, inclusive com
presença na grande imprensa. Acompanhou a retomada do movimento de massa e no início dos anos 80 se
incorporou ao PT. Além de intelectual militante e propagandista ligado à ala esquerda do partido, Florestan
foi eleito duas vezes deputado federal, tendo sido deputado constituinte. Foi central na articulação dos
setores sociais que se organizaram para defender o princípio da educação pública na Constituinte. Também
foi autor de uma proposta de emenda à Constituição dedicada ao tema da problemática racial, que terminou
suprimida pela maioria parlamentar, chamada “Dos Negros”. Foi ativo política e intelectualmente até que em
1995 nos deixou, vítima de um erro médico durante um procedimento hospitalar.

2 – O Marxismo descolonial de Florestan

É possível dizer que Florestan construiu sua obra intelectual e sua trajetória prática sobre a rocha do
materialismo dialético. Ainda quando esteve à frente do projeto de construção de uma sociologia original, na
USP, uma sociologia teórica, interpretativa e aplicada, mas “canônica” e academicamente “enquadrada”, os
fundamentos teóricos do materialismo e da dialética se encontravam presentes, mesmo que nos “bastidores”
da elaboração. O marxismo está no ponto de partida mesmo do processo de formação intelectual de
Florestan, através da militância trotskista no PSR. A perspectiva e a tradição crítica incorporadas no
trotskismo impulsionaram Florestan a ir bem além dos limites do dogmatismo stalinista dirigido de Moscou
ao PCB de seu tempo. Teoricamente, nunca aceitou o marxismo deformado pela ótica positivista da
burocracia stalinista, nunca dissociou materialismo de dialética em sua compreensão do marxismo.
Politicamente, nunca teve acordo com a estratégia de colocar os trabalhadores passivamente a reboque do
desenvolvimentismo da “burguesia nacional”. Ainda quando julgou que a modernização burguesa da
sociedade brasileira tivesse o potencial de levar o processo histórico além dos interesses restritos dos
capitalistas, Florestan foi muito mais avançado e crítico em suas formulações que a direção do PCB em sua
aliança subordinada e desarmada com a “burguesia nacional”.

Este artigo faz parte da 6ª edição da Revista Movimento. Para ler o texto completo compre a
revista aqui!

Maycon Bezerra é mestre em educação pela UFF. É professor de sociologia do Instituto Federal Fluminense e da
Rede Emancipa RJ. É militante do PSOL-RJ.

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JEANNE WILLETTE | 16 AGO 2017

O artista que não reconhece os mecanismos da ideologia é cúmplice de um sistema opressor. A partir de uma perspectiva socialista, qual deve ser o papel de um
artista informado e consciente?

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ENZO TRAVERSO | 1 OUT 2017

No aniversário da morte de Hobsbawm, leia artigo sobre o legado do historiador que viu sua vida se confundir com a do século passado.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O MARXISMO, TEORIZANDO A SEXUALIDADE E AS POLÍTICAS SEXUAIS


PAUL REYNOLDS | 26 SET 2017

Balanço do desenvolvimento dos estudos marxistas sobre a sexualidade expondo as faces con ituosas e produtivas da conjugação de ambos.

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FAZ SENTIDO UM PARTIDO POLÍTICO SOCIALISTA?


ROBERTO ROBAINA | 14 OUT 2017

No momento em que a nova crise do capital faz Marx ser novamente a ser lembrado este artigo resgata análise da consciência de classes na obra marxiana.

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MOVIMENTO - CRÍTICA, TEORIA E AÇÃO


ANO 2. Nº 5. ABR/JUN 2017.

AUTORES

Bernardo Corrêa
Bruno Magalhães
Carlos Carcione
Ella Mahony
Felipe Moreira
Gilvandro Antunes
Luciana Genro
Marea Socialista
Mariana Riscali
Maycon Bezerra
Pedro Micussi
Plínio de Arruda Sampaio Jr.
Thiago Aguiar
Tito Prado
Vladimir Lênin

APRESENTAÇÃO

Na quinta edição da Revista Movimento, trazemos ao público um especial sobre a crise brasileira. Nele, publicamos longa entrevista com o economista Plinio Sampaio Jr., que oferece
instigante diagnóstico do fracasso da política econômica conduzida pelos governos do PT. Fecham a seção dois artigos sobre o poder das corporações no capitalismo global e a teia
corrupta que estabelecem com Estados e governos. Um conjunto de artigos sobre a situação internacional aborda as dificuldades enfrentadas pelo governo Trump, a crise na Venezuela
e o avanço das lutas no Peru.

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