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Dois dos mais importantes revolucionários do século XX viveram em épocas históricas, continentes e
conjunturas diferenciadas, mas apresentaram similaridades nas suas práxis revolucionárias, com
expressivas contribuições políticas para os períodos de sua militância e necessárias ressignificações
para a atualidade.
Para além de estarem na linha de frente dos processos de transformação de seu tempo, ambos
mantiveram a coerência e firmeza nas suas elaborações teóricas em defesa do socialismo
internacionalista. Por esta razão, o seu legado foi , muitas vezes, distorcido ou apagado dos registros
históricos por alguns setores dogmáticos e burocráticos da esquerda internacional. No entanto, as suas
ideias seguem vivas e imprescindíveis para enfrentar os desafios presentes na crise estrutural do capital
no século XXI.
Ambas propostas teóricas têm importantes pontos de convergência e diálogo nas suas contribuições,
que merecem ser retomadas, em especial o Desenvolvimento Desigual e Combinado e a Dependência.
Deve-se destacar que, tanto Trotsky como Marini, enfrentaram o “expurgo” como sujeitos políticos,
em consequência suas ideias.
Pode-se afirmar que esses militantes cumpriram papéis fundamentais em momentos decisivos da
história e ambos viveram situações contrarevolucionárias agudas no século XX, a saber : a ascensão
do Nazifascismo (Trotsky) e os golpes militares no Cone Sul , a partir da década de 60 (Marini), nas
quais assumiram importantes posicionamentos políticos.
Este artigo objetiva retomar algumas bases teóricas e políticas destas duas vertentes, simbolizadas por
estes dois autores e suas obras, que contribuem para a compreensão e o enfrentamento de classe da
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Dentro os inúmeros quadros do pensamento marxista do século XX que enfrentaram diferentes
conjunturas históricas, poucos compreenderam a lógica dialética como Leon Trotsky. Ainda jovem,
liderou o maior organismo de poder dos trabalhadores russos, o Soviet de Petrogrado e passou a
compor, junto com Vladimir Lênin, o núcleo dirigente bolchevique que arquitetou a tomada do poder,
na Revolução de outubro de 1917.
A experiência das “três revoluções russas”: o Ensaio Geral de 1905 (reprimido fortemente pelo
exército tzarista) , a Revolução democrática de Fevereiro de 1917 (que derrubou o tzarismo e colocou
o governo provisório liderado por Kerensky no poder) e, finalmente, a Revolução Socialista de
Outubro de 1917 (que por meio de um processo revolucionário insurreicional inaugurou um estado
genuinamente gerido pela classe traballhadora), permitiram a Trotsky maturar a sua concepção
teórica. Esta, já havia sido desenvolvida anos antes em sua obra “Balanços e Perspectivas” (1906) e
teve a sua sistematização consolidada com os conceitos apresentados, tanto no livro “Revolução
Permante”(1929), quanto em sua em sua célebre obra, escrita já em seu exílio: “A História da
Revolução Russa” (1-A derrubada do tzarismo; 2-A tentativa de Contra-Revolução; 3-O Triunfo dos
soviets).
Deve-se observar que havia, na transição do século XIX para o XX, a ideia de que as revoluções
primeiro chegariam às grandes potências industriais ocidentais, em virtude do desenvolvimento das
forças produtivas nestes países, para depois atingirem os demais regiões. É nesse contexto que o
aporte de Trotsky na lei do DDC adquire uma importância ímpar na interpretação e transformação das
táticas revolucionárias.
Esta Lei dual permite aferir que o chamado “progresso humano” ao dominar as forças produtivas
naturais não é um processo linear , delimitado em etapas, já que diferentes padrões de
desenvolvimento coexistem e se determinam mutuamente. Trotsky detalha em “A História da
Revolução Russa”(1977 p. 30):
“A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral do processo histórico, manifesta-se com o máximo de
vigor e de complexidade nos destinos dos países atrasados. Sob o açoite de necessidades exteriores, a
vida retardatária é constrangida a avançar por saltos. Desta lei universal da desigualdade dos ritmos
decorre uma outra lei que, na falta de uma denominação mais apropriada, chamaremos lei do
desenvolvimento combinado, no sentido da reaproximação de diversas etapas, da combinação de fases
distintas, do amálgama de formas arcaicas com as mais modernas”
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perspectiva genuína, ao romper com o paradigma evolucionista e eurocêntrico da história, herdado do
positivismo, então impregnado no próprio movimento operário.
Justamente devido ao atraso econômico e político na Rússia, criou-se contradições que abriram
espaço para um processo revolucionário. Coexistia o mais moderno maquinário industrial com o mais
os mais primitivos modos de vida ao longo do seu território. Coexistia uma estrutura de poder
monárquica e feudal e, simultaneamente, uma moderna relação de assalariamento capitalista.
Desta coexistência do arcaico e do moderno, Trotsky concluiu que a revolução teria de combinar as
“tarefas democráticas” (derrubar do tzar, partilha da terras, etc) e as medidas socialistas (expropriação
da burguesia), em um processo de revolução permanente. Segundo Lowy (1998) esta concepção
permite teorizar a movimentação revolucionária para todos países periféricos. Pois nestes países não
houve revoluções democrático-burguesas, e a burguesia já não atenderia as mínimas bandeiras
liberais consolidadas nos países centrais, cabendo aos trabalhadores transitarem da revolução
democrática para a revolução socialista.
Portanto, segundo Júnior e Lopes (2016), a estratégia pautada na Lei do Desenvolvimento Desigual e
Combinado, enxergando o funcionamento global do capital de modo dialético, colocou no centro da
ação dos trabalhadores a possibilidade e a necessidade de realizar de imediato, nos países dependentes,
um processo de ruptura com o capitalismo, e o prosseguimento da construção do socialismo
internacionalista, para assim, dinamitar a cadeia imperialista do capital. Ou ainda: a cadeia do capital
se romperia em seu elo mais frágil.
Importa saber, no desenrolar deste processo histórico, que mesmo após a vitória da Revolução
Russa, um país periférico no mercado mundial, a III Internacional, então já degenerada pelo
stalinismo , orientava os partidos comunistas da América Latina e do resto do mundo, e desde a
primeira metade do século XX buscava realizar alianças com setores da burguesia nacional, visando
desenvolver as forças produtivas locais (Júnior e Lopes, 2016).
“Encontraram-se ali duas rotas de evolução social completamente separadas, produtos de dez a vinte
mil anos de desenvolvimento independente nos dois hemisférios. Ambas se viram obrigadas a
comparar suas proporções de crescimento e a medir seus respectivos resultados globais. Esta foi uma
das mais marcantes confrontações de diferentes culturas em toda a história. A caça e a guerra, o arco e
a flecha tiveram que competir com o mosquete e o canhão; na agricultura, a enxada e o bastão, com o
arado e os animais de tração; no transporte aquático, a canoa com o navio; na locomoção terrestre, as
pernas humanas com o cavalo e os pés descalços com a roda. Na organização social, o coletivismo
tribal contra as instituições e costumes feudal-burgueses; a produção para o consumo imediato da
comunidade contra uma economia monetária e o comércio internacional” (NOVACK, 1968 p: 8)
Evidenciou-se neste processo de invasão, pilhagem e escravização dos povos americanos (assim como
os africanos e asiáticos), a esmagadora desigualdade das forças produtivas e, portanto, destrutivas, que
contribuíram para acumulação primitiva de capital. O ouro e as pratas da Latino América financiaram
a industrialização capitalista, tal como conhecemos hoje.
Em uma conjuntura pós-segunda guerra mundial e de crescimento dos projetos nacional-
desenvolvimentistas na América Latina surgiu a “Escola da Dependência”, desenvolvida por autores
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brasileiros e latino americanos ao longo das décadas de 60 e 70 do século passado, em oposição aos
pressupostos desenvolvimentistas defendidos pela CEPAL.
Esta teoria procurou superar uma visão marxista dogmática, portanto não-dialética e etapista, que
classificava países como o Brasil, que vivia um processo de industrialização, em um patamar de país
“semi-feudal”, perspectiva esta corroborada pelo stalinismo e reproduzida à época pelo PCB.
Estes fatores embasam uma corrente interpretativa desenvolvida a partir da década de 60, por Ruy
Mauro Marini, Vânia Bambirra, Theotônio Santos, Gunder Frank, Jaime Osório, entre outros
intelectuais/militantes latino-americanos que , a nosso ver se relacionam diretamente com a lei do
DDC de Trotsky : a Teoria Marxista da Dependência.
Esta teoria, segundo Luce (2018), é um desdobramento da Teoria do Valor em Marx e da teoria do
Imperialismo em Lênin para a compreensão da formação econômico-social dos países dependentes na
dinâmica internacional do capital.
No caso Latino Americano e Brasileiro , uma vez emancipado do caráter formal de colônia, dado o
caráter agro-exportador de suas economias e sua inserção na divisão internacional do trabalho,
converteram-se em “países dependentes” no mercado mundial .
Para Gunder Frank (1973), o subdesenvolvimento dos países da América Latina se dava, justamente
determinado pelo desenvolvimento do capitalismo mundial, e não pela falta ou por uma deformação
deste nos países dependentes, posto que, o subdesenvolvimento e a dependência são funcionais à
própria dinâmica central do capital.
Assim que se constituiu mercado mundial, as grandes potências financeiro- industriais assumiram
papel imperialista sobre os países dependentes, delegando a estes países a tarefa de exportar matérias-
primas, agropecuárias e minerais, e importar os produtos manufaturados das potências centrais. Este
processo gerou uma balança comercial intrinsecamente desigual, com o estabelecimento de uma
significativa transferência de valor (Marini, 2005).
é o valor da força de trabalho que se remunera abaixo de seu valor, o que não ocorre em relação a
outras mercadorias. Isso está relacionado à particularidade dessa mercadoria, que não apenas cria
valor, que gera valorização, mas também permite, por meio de prolongamentos da jornada de trabalho,
da intensificação do trabalho ou por salários abaixo do valor da força de trabalho, elevar a taxa e a
massa de mais-valia, sem alterar a composição orgânica do capital, e tudo isso sem pressionar para
baixo a taxa de lucro. (OSÓRIO, 2018, p. 495).
Essa perspectiva é corroborada no momento em que a mais-valia relativa, nestes parâmetros assume a
preponderância na acumulação capitalista nas economias centrais, a medida que se eleva a oferta
mundial de alimentos produzidos nas economias periféricas, reduzindo o valor médio da força de
trabalho nas economias centrais (MARINI, 2005).
Neste sentido a TMD esclarece o papel nefasto que a dependência assume, não só para a classe
trabalhadora dos países periféricos, mas também para os trabalhadores das economias centrais. Nesta
perspectiva é importante destacar que a superexploração das classes trabalhadoras nos países
periféricos contribui decisivamente para a exploração destas classes nos países centrais.
A garantia de democracia, direitos sociais e soberania nacional em paíeses dependentes só ´pode ser
atingida por meio da luta contra o capital e o imperialismo, em acordo com as teses da Revolução
Permanente, de modo à transitar das bandeiras democráticas para as bandeiras revolucionárias
socialistas.
Dadas as similaridades destas perspectivas teóricas é de se imaginar pontos de convergência e
divergência, bem como influências entre estas escolas do pensamento marxista. Destaca-se:
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Por fim,cabe ainda destacar o histórico de combate às expressões contra- revolucionárias de cada
período histórico, seja o no ascenso do nazifascismo na Europa ou nas ditaduras no Cone Sul ao ser
constatados os erros políticos e a proposição de frentes unitárias, em certos casos sem preservar a
sua independência política,
No entanto, destaca Luce (2018) que estas duas vertentes operam em diferentes “níveis de abstração”,
e que não é possível relacioná-las. Sendo o DDC um nível de abstração mais amplo, sobre a
desigualdade do ritmo dos processos históricos , enquanto a TMD operaria nos desdobramentos da lei
do valor no processo de formação do mercado mundial e na integração dos processos produtivos,
Partindo desta perspectiva, cientes que ambas as teorias tem diferenças de objetos em exame e
contribuições originais ao marxismo, pode-se opor a este argumento com a visão de Osório (2012): “os
níveis de análise, por mais que haja diferentes escopos de abstração e concretude, bem como
categorias próprias, se inter-relacionam no corpus teórico que constituem”.
Sobre as aproximações e diferenças entre ao DDC e a TMD, autores como Mantega (1982), Chilcote
(2012), Guimarães Júnior e Lopes (2016) e Lignani (2019) sinalizam para a relação entre estas duas
escolas .
Guido Mantega (1982), é o primeiro que sugere a similaridade da teoria do desenvolvimento desigual
e combinado de Trotsky, em relação à obra de Marini e Theotônio. Marini afirmou ser evidente a
influência trotskista, ainda que minoritária, na Polop, organização que fez parte, principalmente pela
influência de militantes argentinos, como Silvio Frondizi (Chilcote, 2012).
Neste período, Silvio dirigia (década de 1960) a Práxis, uma organização trotskista argentina da qual
fez parte Nahuel Moreno, que seria uma das grandes lideranças da IV internacional na América Latina.
Por fim, Lignani (2019) reconhece elementos de convergência e diferenças nestas duas escolas, e cada
qual com importantes contribuições. Destaca a preocupação de ambas com o estudo acurado da
realidade do capitalismo periférico e o não-monopólio dos aparelhos comunistas “oficiais”,
principalmente na crítica ao etapismo e ao pensamento dualista.
O autor resgata a contribuição dos trotskistas brasileiros Mário Pedrosa e Lívio Xavier, ainda nas
décadas de 1930 e 1940 por meio de seu jornal “Orientação Socialista” , no qual antecipam análises
e posições políticas que seriam defendidas por Marini, décadas depois como a crítica ao nacional-
desenvolvimentismo. A saber, a ação do imperialismo que impediria um desenvolvimento capitalista
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independente com apoio da burguesia nacional e, portanto a necessária ação independente da classe
trabalhadora para conquistar a democracia e a soberania nacional e lutar pelo sociaismo.
5. Considerações finais
A retomada destas duas importantes vertententes do pensamento marxista é fundamental para uma
elaboração crítica da contingência histórico-concreta que vivemos no Brasil. Independente dos
muitos acordos e talvez alguns desacordos na obra de Trotsky e Marini, podemos concluir a
concretude objetiva e complementar da Dependência e do Desenvolvimento Desigual e Combinado,
podendo ser diferentes expressões de um fenômeno real ao qual estas teorias podem dialogar com
uma perspectiva revolucionária para o Brasil.
Atualmente , o Brasil vive sob um capitalismo dependente e rentista, com um governo autoritário
e genocida, diante da maior crise social econômica e sanitária, em que se aprofunda a superexploração
da força de trabalho em todos os ramos. Uma análise classista desta conjuntura requer um balanço
crítico das experiências reformistas e desenvolvimentistas, pois nem nas economias centrais foi
possível preservar o “Bem-Estar Social” e a superação do capitalismo dependente. A conjuntura de
pandemia dificulta grandes aglomerações mas, vem trazendo a tona importantes lutas pontuais:
feministas, antirracistas, dos trabalhadores de aplicativos, profissionais da saúde , do transporte
público, entre outras. A luta imediata tem o intuíto de frear a agenda neoliberal e a pauperização da
vida dos trabalhadores, com políticas de renda básica e garantia dos empregos no Brasil.
Deve-se observar que classe dominante está unificada na agenda neoliberal, mas dividida no apoio às
ameaças às liberdades democráticas e às instituições republicanas empreendidas pelo Governo
Bolsonaro.
Evidentemente unidades pontuais em defesa das liberdades democráticas serão bem-vindas, mas os
problemas da classe trabalhadora, que por óbvio, não se limitam aos arroubos autoritários do ex-
capitão ou da necessidade de um “gestor competente” não serão solucionados sem uma ruptura radical
diante da crise: em prol “ de los de abajo”. Por isso a perspectiva da revolução permanente é
fundamental, ao unir as lutas dos trabalhadores do campo e da cidade, dos precarizados e
desempregados, dos movimentos feministas, ambiantalistas, LGBTs , antirracistas e antifascistas que
ganham destaque na atualidade.
Para unir as lutas democráticas, identitárias com um programa classista de transição para o socialismo,
é necessário lutar pela derrota de Bolsonaro e seu governo neoliberal, Medidas como a auditoria da
dívida pública, taxação das grandes fortunas e dividendos, revogação da Pec do Teto e das
contrarreformas Trabalhista e da Previdência, garantia do emprego e da renda básica para toda à
população, com maciços investimentos na saúde e nas universidades públicas são urgentes.
Para sanar a pandemia e criar um novo paradigma em que a prioridade seja a Vida e não o lucro. O
paradigma da emancipação socialista.
Referências
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MANTEGA, Guido(1985) A Economia Política Brasileira. 3ª Editora polis/vozes, São Paulo.Brasil
LUCE, Mathias Seibel(2019). Teoria Marxista da Dependência: problemas e categorias – uma visão
histórica. Editora Expressão Popular São Paulo.Brasil
TROTSKY, Leon.(1977) A História da Revolução Russa. Paz e Terra, Rio de Janeiro. Brasl
Ricardo Souza é doutorando em Serviço Social, técnico-administrativo da UFRGS, coordenador jurídico da ASSUFRGS
- Sindicato, militante do MES/TLS e do PSOL-RS.
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