BELO HORIZONTE
2011
ANDERSON MARINHO MAIA
BELO HORIZONTE
2011
Anderson Marinho Maia
______________________________________________________
Dr. Alexandre Antônio Cardoso – UFMG
______________________________________________________
Dr. Amauri Carlos Ferreira – PUC Minas (Orientador)
______________________________________________________
Dr. Mauro Passos – PUC Minas
______________________________________________________
Dr. Rodrigo Coppe Caldeira – PUC Minas (Suplente)
(Urucungo)
LISTA DE SIGLAS
The present work had its the methodological approach to demonstrate an manifestation
of Umbanda in the metropolitan area of Belo Horizonte (mainly regional northwest of
Belo Horizonte and Ressaca and Contagem regions) and its manifestation in public
(Iemanjá and Preto Velho feasts) and in private (yards / tents / centers) reflecting the
syncretism of Umbanda, as well as its rich plastic capacity to adapt and yet remain as a
magical-religious identity. Through field research and the use of oral history, four
temples were considered: an Umbanda yard with ideological features of Candomblé, an
Umbanda tent which considered itself as having ideological characteristics; an
Umbanda center with ideological features of Kardec‟s spiritualism and, finally, a tent
with ideological characteristics of esotericism. From this research it is possible to
emphasize that Umbanda has the ability to assimilate, incorporate and decode symbols
of other religions and other spiritual segments and also it is able somehow to keep up
with its own identifications. The data surveyed stimulate reflection of this characteristic
- from its origins until the present time. Therefore one can affirm that Umbanda, within
this hybridity, owns and maintains its traditional capacitiy: the assimilation and the re-
adaptation of other faiths. This thesis therefore examines the culture, customs and
identity of Umbanda in its traditions/similarities and breaks/differences within a
historical and interdisciplinary analysis. Thus, as theoretic framework for the
development of this work, the historical look under the sociological and anthropological
perspective was sought. In interweaving the past and present cult of Umbanda, it was
used, as a theoretical framework, the overview of the classics of African-Brazilian
studies by Arthur Ramos and Roger Bastide, as well as the latest analysis from scholars
about Umbanda. Overall, this work, contextualized the characteristics of the micro and
macro Umbanda, which, in turn, was capable of reflecting, in terms of belief, the
Brazilian culture and identity.
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 10
2 A FORMAÇAO DA UMBANDA....................................................................... 17
2.1 Permanências e rupturas: o velho legado sobre o novo.................................... 17
2.2 A herança antropológica e sócio-histórica.......................................................... 22
2.3 Origens da Umbanda segundo Arthur Ramos................................................... 29
2.4 Roger Bastide e as ciências sociais e humanas: estudos das religiões afro-
brasileiras.............................................................................................................. 34
2.4.1 O surgimento da Umbanda segundo Roger Bastide............................................ 46
2.4.2 Umbanda: depuração e valorização................................................................................ 50
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 136
APÊNDICE........................................................................................................... 140
10
1 INTRODUÇÃO
1
BRAUDEL, F. Historie et sciences sociales: la longa durée. Annales, n.4. 725-753, out./dez.1958.
11
2
ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro: umbanda e sociedade brasileira. São Paulo:
brasiliense, 1991.
15
religião no espaço versus tempo em que vivemos. Espaço e tempo revisitados pela
memória.
Por isso em um esboço dos capítulos dessa dissertação, temos:
O capítulo 2: “A formação da Umbanda”, pretende explicar a formação da
Umbanda origem, povos e/ou culturas influentes, bem como, „traçar‟ um histórico dessa
religião, re-apresentando alguns clássicos estudiosos do culto afro-brasileiro: Arthur
Ramos e Roger Bastide. Enfatizando principalmente Bastide e sua análise das ciências
sociais para a formação de estudos da religiosidade afro-brasileira até o surgimento da
Umbanda.
O capítulo 3 “A manifestação da Umbanda passado e presente”, propôs analisar
os costumes, a cultura, e a identidade da Umbanda, com isso, apontar a influência afro-
brasileira na formação da Umbanda (germinado no período colonial em Minas Gerais) e
principalmente entender seu reflexo na região metropolitana de Belo Horizonte (BH,
Contagem) como um campo religioso que reflete a própria cultura e identidade
brasileira na atualidade. Além de demonstrar as influências da urbanização sobre os
cultos de umbanda e, também o que e como ocorre às festas públicas da Umbanda em
Belo Horizonte.
O capítulo 4 “Umbanda e seus aspectos híbridos”, visa demonstrar e
relacionar a Umbanda sob a influência de outras religiões, doutrinas ou crenças. Como é
o sincretismo na Umbanda? Como se apresenta esse sincretismo? Quais as influências
do catolicismo na formação da Umbanda? Quais as influências do Candomblé na
formação da Umbanda? Quais as influências do Kardecismo na formação da Umbanda?
Qual relação existente entre Umbanda e Quimbanda?
Além disso, o presente capítulo, apresenta e analisa os aspectos da pesquisa que
foi feita nos (4) quatro templos/terreiros/tendas umbandistas na região metropolitana de
Belo Horizonte (Regional Noroeste de BH e Regional Ressaca e Sede de Contagem).
Através da História Oral (memória e formação dos templos) e pesquisa de campo, as
entrevistas foram realizadas com o intuito de apontar e sistematizar as semelhanças e
diferenças de um templo de Umbanda em relação aos outros e vice-versa.
Nesse capítulo discutiu-se o princípio híbrido da Umbanda na busca de
compreender as indagações: a formação histórica desses quatro terreiros/tendas/centros:
como é esse terreiro de Umbanda com fortes influências do Candomblé? Como é essa
tenda de Umbanda que acredita possuir “bases propriamente” umbandista? Como é esse
16
2 A FORMAÇAO DA UMBANDA
3
Maurice Halbwachs considerado sociólogo e historiador francês que valorizava a memória. Ele afirma
que a consciência coletiva e individual desenvolve diversas formas de memória. Situa-se, em
Halbwachs, uma notável distinção entre a “memória histórica”, de um lado, que supõe a
reconstrução dos dados fornecidos pelo presente da vida social e projetada no passado
reinventado; e a “memória coletiva”, de outro, aquela que recompõe magicamente o passado.
(CARNEIRO, 1990)
20
Eu entendo assim, que a gente está bem perto do que representa o povo porque a nossa religião
ela está de uma certa forma representando os escravos, os índios, e o Brasil é praticamente feito
de escravos e de índios; os outros vieram e misturaram. Embora vieram europeus, os
portugueses, os asiáticos, os japoneses, etc. etc... A origem e a noção dos índios e depois dos
negros formaram a maioria. Então, eu acho que a Umbanda está representando exatamente isso,
4
RANGER, T.O. Memorie personali ed esperienza populare nell‟Africacentro-orientale. In: Quaderni
storici, XII, 35, p. 359-402.
22
nós somos o povo brasileiro sim, a Umbanda representa o povo brasileiro sim. (Anamir -
TUPJA).
[...] ora, as ideologias que estão por detrás desse duplo discurso, mesmo que
não se expressem mais em termos religiosos, permanecem vivas hoje quatro
séculos após a polêmica que opunha Las Casas e Sepulvera. Como são
estereótipos que envenenam essa antropologia espontânea de que temos ainda
hoje tanta dificuldade para nos livrarmos convém nos determos sobre eles.
(LAPLANTINE, 2007, p. 39-40).
5
HEGEL, Friedrich. La raison dans l’histoire. Introduction à la philosophie de l’histoire. Paris, 1979.
25
Ainda segundo Verger (1987) são raros os documentos escritos sobre a África
antes do século XIX. Uma grande parte desses documentos sobre a questão dos escravos
e do tráfico negreiro foram destruídos em 1891, após a abolição da escravatura, em
princípio por mando do então Ministro das Finanças Rui Barbosa. Para uns a nova
República brasileira queria apagar as lembranças da escravidão do país, para outros era
uma forma de evitar o pagamento de indenizações que poderiam ser exigidas por
fazendeiros, antigos proprietários de escravos (VERGER, 1987). Seja por qual motivo
tenha sido essa queima de arquivos, o fato é que esse ato não deixará de ser a negação
da identidade negra brasileira.
objeto e não como alguém que se relaciona com uma criatura humana.
(LOPEZ, 1983, p. 21-22).
que procedemos sobre as religiões negras, que entraram no Brasil, negros dos
dois grandes grupos “sudaneses” e “bantos”. [...].
“Sudaneses” e “bantos” entrados no Brasil aqui se fundiram uns com os
outros, constituindo uma população escrava que progressivamente se foi
amalgamando aos demais contingentes da população brasileira- em
cruzamentos biológicos e interfluições de ordem psico-sociológica.
(RAMOS, 2001, p. 26-27).
Mas e quanto aos estudos dos negros de origem banto? Segundo Carneiro
(1991) não havia método algum no período do tráfico negreiro para seguir na
localização correta das diferentes nações dos negros escravizados, por isso, muitos
negros jejê-nagô passaram por negros bantos. Porém, é inegável a grande contribuição
dos bantos na formação da cultura brasileira e essa contribuição se estendeu também à
religião. (CARNEIRO, 1991).
6
O grupo dos sudaneses “[...] foi introduzido inicialmente por mercadores de escravos da Bahia, de lá
espalhando-se pelas plantações de recôncavo e secundariamente por outros pontos do Brasil. Desses
negros sudaneses, os mais importantes foram os “iorubas”, ou “nagôs” e os “jejes” (“Ewew” ou
“daomenos”) e em segundo lugar, os “minas” (“Tshis” e “Gás”), os “haussás”, os “tapas”, os “bornus” e
os “gruncis” ou “galinhas”... Com esses negros sudanenses entraram dois povos de origem berbere-
etiópica e influência maometana: os “fulás”, e os “mandes”.” (RAMOS, 2001, p.26).
7
Ainda segundo Ramos (2001, p.27): “Os “bantos” foram introduzidos em Pernambuco (estendendo-se a
Alagoas), Rio de Janeiro (estendendo-se ao Estado do Rio, Minas e São Paulo) e Maranhão (estendendo-
se ao litoral paraense), focos primitivos de onde irradiaram posteriormente para vários pontos do território
brasileiro. “Bantos” foram os “angolas”, os “congos” ou “cabindas”, os “benguelas”, os negros de
moçambique (incluindo os “macuas” e “angicos” a que se referiram Spix e Martius). As demais
denominações que tanta confusão originaram nada mais são do que províncias ou regiões do vasto
território afro-austral, habitat dos povos bantos”.”.
29
Segundo Arthur Ramos (2001) a religião banto, no Brasil, é uma página quase
inédita na etnografia religiosa. Primeiro porque os bantos apresentavam certa pobreza
mítica em relação aos sudaneses; segundo, temos poucas informações da origem banto,
porque os estudos iniciados na Bahia por Nina Rodrigues onde o tráfico de escravos em
sua maioria eram sudaneses, influenciou trabalhos posteriores, embora existissem
também algumas influências de bantos principalmente angoleses. (RAMOS, 2001).
8
RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1932.
9
RIALLE, Girard. La mytologie comparée. Paris, 1878.
30
Aqui vemos outro dado curioso, neste canto de origem banto angolesa aparece a
palavra Umbanda e o reconhecimento desse deus supremo zambiupombo; a crença
banto do deus supremo Zambi ou Zambiupombo juntamente com a crença nos orixás de
origem ioruba/ sudanesa, também como uma outra raiz de origem da Umbanda.
A influência maior do banto sobre a Umbanda, contudo é aqui percebida através
da crença na influência das almas dos mortos e dos antepassados:
E continua:
Nos trechos acima podemos perceber que Arthur Ramos (2001) defende cultos
de invocação de ancestrais ou espíritos familiares tradicionalmente encontrados na
religião dos povos bantos, sobretudo em Angola. Portanto, percebe-se a invocação dos
mortos, de herança africana, anterior à influência do kardecismo. Curioso também
nessas citações, o registro da invocação do preto-velho (entidade/ancestral).
O chamado „Candomblé de caboclos‟ na Bahia, ou „linha de caboclos‟ no Rio de
Janeiro também foi outra ramificação que provavelmente deu origem à Umbanda. Essa
modalidade de culto religioso procurou valorizar entidades da mítica ameríndia nas
práticas fetichista dos negros. O „caboclo‟ (mestiço de índio), mescla-se ao sincretismo
dos orixás, diferindo pouco das práticas bantos e acredita-se que esses santos ou
encantados são de origem tupi-guarani. (RAMOS, 2001). Contudo, Rodrigues (2008, p.
203): afirma “Sobre o animismo indígena, noto que nossos supostos candomblés de
32
caboclos ou indígenas são, de fato, candomblés africanos, em todo o caso ainda hoje
aderem à feitiçaria africana dominante na Bahia esparsos fragmentos das crenças tupi-
guaranis.”
A partir das décadas de 20 e 30 do século XX, Arthur Ramos (2001) percebe que
através da imprensa os cultos afro-brasileiros passaram a ser denominados de „baixo
espiritismo‟. (RAMOS, 2001).
Edson Carneiro (1991) seguindo o sincretismo defendido por Arthur Ramos
chama a atenção para a transição constante dos cultos africanos para a formação do
cenário dos cultos afro-brasileiros ao enfatizar que muitos dos „Candomblés de
Cablocos‟ passaram a ser denominados de „sessão de caboclos‟:
Pode-se, já agora, depois do que fica dito, afirmar que, nas sessões de
caboclo, predomina a influência espírita sobre a ameríndia e, só em último
lugar, a africana e a católica. Por isso chamei essas sessões de ponte para
adesão completa do negro banto ao baixo espiritismo, último cadinho porque
passarão as suas concepções míticas antes de se incorporarem ao inconsciente
coletivo da nacionalidade. (CARNEIRO, 1991, p. 238-239).
Hoje, há macumba para todos os efeitos [...] ela está na base dessa magia
popular brasileira, que herdou muita coisa do negro, mas tem também raízes
fortes nesse corpus mágico de origem peninsulares européias [...] onde se
nota a confluência dos santos católicos e dos “encantados” afro-ameríndios.
(RAMOS, 2001, p. 144).
É importante ressaltar também que Arthur Ramos (2001) afirmava não existir
mais no Brasil os cultos africanos puros de origem, mesmo no candomblé as tradições
jeje-nagô são mais ou menos mantidas. “Mas não se pode deter a avalanche do
sincretismo. Os vários cultos africanos se amalgamaram a princípio entre si, e depois
com as religiões brancas: o catolicismo e o espiritismo” (RAMOS, 2001. p. 138). O
autor elaborou uma escala em ordem crescente de sincretismo:
1º jeje-nagô
2º jeje-nagô- muçulmi
3º jeje-nagô - banto
4º jeje-nagô- muçulmi- banto
5º jeje-nagô- muçulmi- banto-caboclo
6º jeje-nagô- muçulmi- banto-caboclo- espírita
7º jeje-nagô- muçulmi- banto-caboclo- espírita- católico.
(RAMOS, 2001, p.138)
34
2.4 Roger Bastide e as Ciências Sociais e Humanas: estudos das religiões afro-
brasileiras
10
RODRIGUES, Nina. O animismo fetichista dos negros da Bahia. Rio de Janeiro: Companhia Editora
Nacional, 1900.
40
negro, moderada pela “incapacidade ou morosidade de progredir por parte dos negros”.”
(BASTIDE, 1971, p. 35).
Em 1902, Oscar Freire, também médico da Bahia, pertencente à escola de Nina
Rodrigues, marca um progresso em relação a Nina Rodrigues que atribuía sua tese à
raça. Este primeiro, direcionou suas pesquisas para a importância de fatores sociais
acima dos fatores raciais ou étnicos defendido pelo último. (BASTIDE, 1971).
O mais notável discípulo de Nina Rodrigues, sem dúvida, foi Arthur Ramos,
igualmente médico legista que dedicou quase toda sua vida aos estudos das civilizações
africanas no Brasil. Sua grande contribuição para os estudos afro-brasileiros foi seu
anti-racismo, seu antietnocentrismo e por ter substituído a velha noção de princípios de
civilizações superiores e inferiores pelo da “relatividade das culturas” (BASTIDE,
1971). “Ninguém fez mais que ele para dar ao brasileiro de cor o orgulho pelas suas
origens étnicas. Os critérios por ele utilizados na pesquisa são os mesmos de Nina
Rodrigues, isto é, o psicologismo e a Etnologia.” (BASTIDE, 1971, p. 35).
No entanto, do ponto de vista psicológico, Arthur Ramos, utilizou a psicanálise
para explicar os fenômenos de origem africana. Para ele o sincretismo dos mitos e os
ritos afro-brasileiros resultavam da analogia entre o inconsciente do negro e do branco.
O mesmo utilizou da Antropologia Cultural norte-americana de Levy-Bruhl sobre a
mentalidade primitiva e estabeleceu que os fenômenos de aculturação fossem descritos,
mas não aplicados pelas conjunturas econômicas e sociais, embora as civilizações
necessitem de bases materiais que condicionem os seus processos e os seus efeitos.
(BASTIDE, 1971). Contudo, segundo Bastide (1971), faltou a Ramos acrescentar em
seus estudos psicanalíticos os aspectos sociais, políticos e econômicos.
Como Arthur Ramos, outros grupos de pesquisadores contribuíram para os
estudos da religião afro-brasileira, tais como: Gonçalves Fernandes com a pesquisa de
Xangôs em Recife; Nunes Pereira com a Casa de Minas no Maranhão; Edson Carneiro
com os Candomblés de Caboclos. (BASTIDE, 1971).
Herskovits iniciou um segundo período de pesquisas sobre os negros brasileiros,
ao estudar as religiões africanas no Haiti, Daomé e na Guiana Holandesa. Ao chegar ao
Brasil, o referido pesquisador, continuou os estudos de aculturação afro-americana e
enviou alguns pesquisadores brasileiros aos E.U.A para estudarem a disciplina
Antropologia Cultural. Dentre eles Octavio da Costa Eduardo e René Ribeiro nos
estudos das seitas africanas no nordeste (Maranhão e Recife). (BASTIDE, 1971).
41
A confusão entre obra cultural e ideologia torna-o cego para certas variações
importantes da religião [...]. Em segundo lugar, sua explicação repousa, em
última análise, mais sobre as formas de produção que sobre as estruturas
sociais [...]. A dialética social é mais rica que a marxista [...]. Se esta
sociologia não pode substituir a Etnologia, deve integrá-la e dar-lhe sentido.
O que faltou a Sepelli foi justamente esta base etnológica. (BASTIDE, 1971,
p. 42).
Roger Bastide (1971, p. 42) reforça esta idéia ao afirmar que: “Por certo nossa
investigação é insuficiente em face da riqueza desses cultos. Pelo menos estamos
conscientes de suas falhas e não tentaremos explicar o que ainda está por descobrir.”
Portanto, sua pesquisa sobre as religiões afro-brasileiras foi uma tese de Sociologia
fundamentada numa observação etnográfica de vários anos. E termina por dizer que:
São essas estruturas que agora vão agir sobre os valores para os
metamorfosear, ou então substituir os velhos pelos novos. Ora, assistimos a
três dessas revoluções da base morfológica da sociedade afro-brasileira: a
primeira fazendo-a passar do regime das linhagens para os das “nações”; a
segunda, do regime da escravatura para o trabalho livre; a terceira,
consecutiva à industrialização e a urbanização do país. (BASTIDE, 1971, p.
518).
[...] não podemos encarar esse papel da mesma forma em que o faz
Durkheim. Halbwachs nos parece ter trazido sobre a questão uma opinião
mais justa, ao mostrar que a Igreja, proporcionando o misticismo cristão seus
quadros conceptuais e seu conteúdo de imagens, as estruturas agem somente
no interior dessa tradição, não deixando passar senão os conceitos ou as
imagens que podem aplicar-se às formas de vida no momento. É uma
dialética análoga dos valores e das estruturas que se pode edificar uma
sociologia objetiva dos outros tipos de misticismo [...]. A permeabilidade
desse transe às pulsões pessoais nos apareceu, em verdade, ligada ao
individualismo adquirido nas metrópoles industrializadas, pelo negro que se
proletariza ao contato dos brancos. (BASTIDE, 1971, p. 522-523).
dialética horizontal e vertical. “Mas nos dois casos, o nível fundamental permanece o do
simbolismo.” (BASTIDE, 1971, p. 533). O autor completa afirmando que:
Bastide (1971, p. 535) completa que por outro lado “essas significações não
perdem os seus valores de humanidade, pois não são mais desligadas dos homens que
lutam, de seus dramas, de seus esforços de ruptura ou de integração: são homens
engajados em diferentes sociedades, que são os agentes da incessante redefinição dos
símbolos”. Trindade (2000) está de acordo com essa redefinição simbólica, na qual
existe a perda material da cultura, porém, sem haver um rompimento estrutural do
pensamento original. Assim os africanos adotaram a aculturação material européia e
reinterpretaram em suas estruturas mentais. Essas reinterpretações foram importantes
para o surgimento da Umbanda.
Os brancos não se deixaram enganar, razão por que designaram esse terceiro
e último estrato do espiritismo brasileiro com a expressão pejorativa de
“baixo espiritismo”. Este era, ao contrário, para o mestiço de índio ou o
descendente de escravos, uma primeira valorização, uma tentativa para se
igualarem ao branco, e fazer o animismo passar para a linha da civilização.
(BASTIDE, 1971, p. 435).
Esse “baixo espiritismo” não ficou restrito à classe negra, pois, muitos homens
brancos dele tornaram-se dirigentes, embora a maioria de seus adeptos fossem negros e
mulatos. “E isso porque, em conjunto, a estratificação das classes sociais corresponde
com pouca diferença a estratificação das cores” (BASTIDE, 1971, p. 435). Por isso, o
espiritismo de Allan Kardec aceitaria muitos mulatos e negros sob a condição de que
esses recebessem os espíritos dos brancos. “É a velha luta racial que passa do mundo
terrestre para o mundo sagrado.” (BASTIDE, 1971, p. 439).
Em contrapartida a esse preconceito e racismo no plano do sagrado, o negro
reagiu e, daí surge o espiritismo de Umbanda como expressão dessa reação (BASTIDE,
1971).
Bastide (1971, p. 439-440) esclarece:
Ora, o sucesso dessa nova seita, a primeira no Rio, em seguida nos outros
Estados do Brasil – Minas, Rio Grande do Sul, São Paulo, Recife - Prova que
48
A Umbanda, em seu ritual e em seus dogmas, será muito mais uma justaposição,
do que fundação do espiritismo ou ocultismo fazendo descer os fluidos astrais pelos
cantos aos deuses africanos e em seguida receber os fluidos dos caboclos e velhos
negros desencarnados, certos de que durante suas existências terrestres, não se serviam
da riqueza dos reinos da natureza senão para o estritamente necessário, o que não é feito
pelo civilizado que arranca e destrói a natureza ambiciosa e implacavelmente
(BASTIDE, 1971). Aliado a isto, a Umbanda visa certa racionalização, pois:
[...]. Mas no que disse respeito à humanidade diversa, pintada de negro pelo
escravo africano e de amarelo pelo indígena, venceu a diferença:
infernalizou-se o mundo dos homens em proporções jamais sonhadas por
toda teratologia européia [...] ante o canibalismo e a lassidão do indígena, a
feitiçaria e a música ruidosa dos negros, a mestiçagem e, por fim, o desejo de
autonomia dos colonos, houve repudio. (SOUZA, 1989, p. 32).
11
ANTONIL, André João. Cultura e opulência no Brasil por suas drogas e minas (1711). São Paulo:
Companhia Editora Nacional, s.d.
12
HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1979.
55
13
FREIRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família brasileira sob regime de economia
patriarcal. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1958.
14
BASTIDE, Roger. Les religions africaines au Brésil: vers une sociologie des interpretations de
civilisations. Paris: PUF, 1960.
56
diferentes da colônia, esse imaginário melancólico, foi capaz de certa forma, de manter
a mesma cultura ibero-portuguesa. (BASTIDE, 1971).
O negro diferentemente do branco foi arrancado à força de sua terra. “E eis que
esta civilização era arrancada de sua base morfológica e institucional para flutuar de
algum modo no vácuo.” (BASTIDE, 1971, p. 64). Na própria região da África, ao serem
capturados, misturavam-se diferentes clãs e diversas etnias, renascendo uma outra forma
de solidariedade que continuou no Brasil: “Os negros chamavam malungo15 aqueles que
tinham viajado no mesmo navio.” (BASTIDE, 1971, p. 64).
A união de negros urbanos, como nas cidades dos portos e das minas, permitiu a
solidariedade de diferentes nações que passou a recriar etnias mais ou menos
organizadas, reforçando a implantação da África no Brasil. Assim, temos em primeiro
lugar que “Os modelos africanos puderam influenciar esta reestruturação, mas também
sofreram influência dos modelos europeus impostos, como as confrarias ou as
associações de danças dos negros em “nações” (BASTIDE, 1971, p. 83). E em segundo
lugar: “os fatores positivos, de ordem demográfica ou institucional, atuaram
principalmente nas zonas urbanas. “Daí, a conseqüência, que constataremos várias
vezes, que as religiões africanas são mais fieis, mais puras e mais ricas nas grandes
cidades que nas regiões rurais.” (BASTIDE, 1971, p. 83). Ademais:
15
Segundo Lima (1997) o termo Malungo, surgiu durante a viagem dos navios negreiros para a América.
Malungo foi sinônimo de companheiro e camarada entre os negros escravizados de diferentes etnias. Foi
também uma espécie de antídoto ao banzo (tristeza profunda). Alguns autores, como Bastide (1971) por
exemplo, também discorreram sobre o termo Malungo em suas obras.
57
Mais uma vez Laura de Mello e Souza (1989) com grande sensibilidade nos
relata e resgata em seu capítulo “Histórias extraordinárias: o destino de cada um”,
através de processo inquisitorial, a memória e a vida de Luzia Pinta que acabou por
reforçar o culto afro-brasileiro em Minas Gerais, cidade de Sabará, já existente em
meados do século XVIII. Luzia Pinta era uma negra vinda de Angola, tinha entre 50 e
60 anos, foi denunciada, interrogada e enviada a Lisboa para ser julgada. “Preta baça,
alta e grossa de corpo, com um sinal mais perto da testa e em cada face outro” (ANTT16,
Inquisição de Lisboa, processo nº 252, mº-26 apud SOUZA, 1989, p. 352).
“A Calundeira Luzia Pinta mandava que os doentes ajoelhassem diante dela
assoprando-os e cheirando-os para conhecer sua queixa e saber de que doenças
padeciam [...]. Era negra natural de Angola” (SOUZA, 1989, p. 169). Uma “perfeita”
mãe-de-santo do período colonial, foi acusada de cerimônia noturna, o Calundu,
vestindo roupa própria e na cabeça com grinaldas ou tocas dançando ao som de
16
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Lisboa (1742-1744).
58
Ora, observando o relato da vida de Luzia Pinta pode-se reforçar o que Bastide
(1971) considerou ao dizer que “o negro não podia se defender materialmente contra um
regime onde todos os direitos pertenciam aos brancos; refugiou-se, pois, nos valores
místicos, os únicos que não lhe podiam arrebatar. Foi ao combate com as únicas armas
que lhe restaram, a magia de seus feiticeiros e o mana de suas divindades guerreiras”.
(BASTIDE, 1971, p. 96).
Em Minas Gerais, devido ao ciclo do ouro, a escravidão se definiu mais como
escravidão urbana do que rural. Se a urbanização inicialmente desestruturou ainda mais
a comunidade dos negros, posteriormente a mesma proporcionará a criação de uma
nova reorganização dos liames sociais através da solidariedade de classe. (BASTIDE,
1971). “A escravidão da plantação desafricanizava o negro, a escravidão urbana o
59
Se os sonhos colhidos por mim entre diversos criados negros parecem não
revelar outros desejos além dos elementares, as histórias da vida dos mulatos,
ao contrário, que igualmente colhi, indicam que todo homem de cor se
chocou, a um dado momento de sua existência, com um preconceito, ou foi
detido por uma timidez patológica em suas relações com o branco. Nasceu-
lhe uma psicologia de ressentimento que pode não só levá-lo à revolta contra
os outros como também contra ele próprio, e é este sentido que vai agora
traduzir-se nas realizações políticas, bem como nas manifestações religiosas
urbanas.
XIX, ocorreu em meio a debates das elites nacionais sobre a urgência de se assegurar
para o país as conquistas da modernidade. Por isso:
Silva (1995) diz que estudiosos do fenômeno urbano a partir do século XIX
definiram o universo urbano composto pela divisão social do trabalho baseado na
estrutura de classes, com intensidade menor das relações interpessoais, transfigurando-
se em relações de poder pautadas pelas organizações partidárias e pela presença do
Estado. O espaço urbano se torna complexo entre sua ação e sua representação,
sobrepondo pluralidades culturais e valorizando atitudes seculares17 diante de valores
sagrados. “A este modelo corresponderiam às sociedades “complexas”, “estratificadas”,
“heterogêneas” ou “avançadas”.” (SILVA, 1995, p. 22).
17
„Atitudes seculares‟ nos remete à secularização. Segundo Cardoso (1999), Guizzard e Stella (1990) com
base em Shiner, “contabilizaram 5 significados distintos que conotam a secularização em sociologia:
secularização como declínio da religião [...]; como conformidade ao mundo [...]; como dessacralização do
mundo [...]; como “desembaraço da sociedade da religião” [...] e como “transposição de crenças e
modelos de comportamento da esfera religiosa à esfera secular”. (CARDOSO, 1999, f. 18). O termo
secularização foi usado originalmente no decorrer das guerras religiosas indicando perda de territórios das
autoridades eclesiásticas, também utilizado no direito canônico como retorno de “um religioso ao mundo”
(BERGUER, 1985). Ainda segundo Berger (1985, p. 119): “Não é difícil esboçar uma definição simples
de secularização [...]. Por secularização entendemos o processo pelo qual setores da sociedade e da
cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos. [...] Ela afeta a totalidade da
vida cultural e da ideação e pode ser observada no declínio dos conteúdos religiosos nas artes, na
filosofia, na literatura, sobretudo, na ascensão da ciência, como uma perspectiva autônoma e inteiramente
secular, no mundo”. No entanto, o mesmo autor completa que a secularização também possui um lado
complexo e subjetivo: “Mais ainda, subentende-se aqui que a secularização também tem um lado
subjetivo. Assim como há uma secularização da sociedade e da cultura, também há uma secularização da
consciência. Isso significa, simplificando, que o Ocidente moderno tem produzido um número crescente
de indivíduos que encaram o mundo e suas próprias vidas sem recurso às interpretações religiosas”.
(BERGER, 1985, p. 119-120). Contudo, no Brasil podemos considerar a secularização muito mais
perceptível no âmbito individual, uma vez que no âmbito coletivo a religião/religiosidade ainda se faz
muito presente na cultura brasileira. O campo religioso brasileiro em seus aspectos antropológicos das
festas populares religiosas que embora apresentem variações religiosas diferenciadas possuem
singularidades próprias no Brasil. Em nosso país temos vários exemplos de festas de caráter coletivo com
fortes presenças de ritos e rituais que extrapolam o religioso e conjugam alegria e tristeza, sagrado e
profano, categorias grupais e individuais se mesclam se misturam e se homogenizam-se, refletindo em
cada festa religiosa brasileira uma maneira singular de viver em sociedade.
62
18
Um dos estudiosos da secularização, Harvey Cox (1971) utiliza o termo “manière d’être” de Merleau-
Ponty e diz que a cidade secular possui a “maneira de outro” em sua forma (social) e em seu estilo
(cultural). A cidade secular urbanizada não é apenas no âmbito quantitativo (espaço), mas principalmente
no âmbito qualitativo (tecnópolis). Por isso, anterior ao surgimento da tecnópolis teremos, na visão de
63
Essa revisão dos estudos urbanos, se fez mais precisamente e mais recentemente
no campo da antropologia, a partir de abordagens alternativas que enfatizam um novo
olhar para as necessidade do fenômeno urbano, valorizando o universo das micro-
relações sociais presentes em tempos/espaços urbanos. Então o autor acaba por concluir
que esse universo de micro-relações sociais acontecem:
[...] nos bairros de periferia, nas famílias dos imigrantes, nas atividades de
lazer [...], nas festas religiosas das paróquias e dos terreiros, percebemos
como são generalizantes e pouco explicativos certos conceitos como o de
Cox (1971), a tribo e a cidade pequena (não necessariamente sucessivas e cronológicas). Exemplo: em
uma cidade tecnópolis como NY poderemos encontrar comportamentos de grupos tribais.
A tribo é o contexto onde o homem se torna homem (extensão de laços de sangue e parentesco), cada
tribo, pode ter características próprias, porém, a religião é um aspecto fortemente de base fundamental
para as tribos. A polis grega é o principal exemplo da tribo para a cidade pequena, valorizando um
ancestral divino comum, desenvolvendo através da escrita e da moeda a abstração necessária para o
surgimento da racionalização do homem (COX, 1971). Portanto, Antígona é a figura trágica que
simboliza a transição dolorosa da tribo para a cidade pequena (lealdade de parentesco para a lealdade
cívica) e Sócrates representa uma transição comparável da polis para a Cosmópolis, pois, a execução do
mesmo marca a escolha da cidade de Atenas em manter se como polis e não se tornar uma metrópole
universal (COX, 1971).
19
Ao se referir ao „surgimento do novo‟ esse „surgimento‟ está em constante elaboração: passado,
presente e devir se misturam. Se me permitem uma analogia esse „surgimento do novo‟ está sendo tecido
como Penélope tecia a mortuária de Odisseu. A espera incansável de seu amado. A espera da
concretização de algo que parecia não mais concretizar-se; que se foi, mas que de alguma forma insiste
em voltar, mesmo que de forma vaga ou fluida, ainda que através da memória: individual, coletiva,
inventada ou re-inventada. Enfim o „novo‟ se alimenta da tradição e dos costumes, mas esta à espera de
algo que ainda não chegou, mas já existia.
64
Mas essa alternativa de integração dos fiéis dos cultos afro-brasileiros no meio
urbano não foi tão tranqüila assim. Segundo Negrão (1996), a partir da década de 3022 o
20
É importante lembrarmos que Havey Cox, ao vir ao Brasil na décadas 60/70 (período em que Lísias
Negrão (1996) considera o apogeu da Umbanda em São Paulo) nos deixa claro que na América Latina,
“existe um diferencial de secularização, pois, a secularização neste continente é ao mesmo tempo e
surpreendentemente mais secular e mais “religiosa” do que na América Norte (Cox, 1971, p. 6) e ainda
diz: “A América do Sul já é, em muitos sentidos uma gigantesca cidade secular. Mas a despeito da sua
secularidade, a América Latina ainda positivamente recende uma atmosfera de cristianismo cultural [...].
O Cristo Redentor ainda se ergue de braços estendidos, abençoando a milhões de cariocas “deste mundo”.
Os movimentos religiosos de muitas e diferentes variedades, da umbanda ao pentecostalismo, continuam
a brotar por toda parte”. (Cox, 1971, p. 6). O campo religioso brasileiro, portanto, possui tradições
diferentes e diferenciadas, como nos lembra Sanchis (1997), ao analisarmos festas religiosas brasileiras,
às mesmas constituem o campo fecundo para pensarmos a sociedade, pois, é através dessas manifestações
públicas é que transitamos por territórios da vida coletiva. Uma vez que a manifestação religiosa
apresenta seu caráter extra-ordinário, extra-lógico e extra-temporal e revela a complexidade do fato
social. Por isso, a tradição se mantém porque ela é capaz de modificar, ou seja, é capaz de preservar, mas
também, de mudar, assim conseguimos diferenciar tradição de costumes.
21
O grifo em itálico do autor, Camargo.
22
Segundo Negrão (1996), o período da Revolução de 30 e do Estado Novo não houve considerações
significativas sobre a Umbanda. Pelo contrário, suas práticas mágico-religiosas foram repreendidas com
mais intensidade do que o Período da República Velha. O Estado, a polícia e a imprensa combatiam o
curandeirismo e o Espiritismo de forma genérica, sendo assim, a Umbanda era caso de polícia e de
constantes notícias negativas de jornais. Negrão (1996) lembra que neste período, o Catolicismo era de
certa forma condescendente aos cultos afros e o Protestantismo ainda não chamava a atenção
(principalmente na dimensão cultural e política). Portanto, nem o Catolicismo e nem o Protestantismo
eram ameaças para a Umbanda nesta época. A partir de 1931 devido ao 1º Código Penal Republicano
65
Eu não sei se você viu, se você estudou isso, a Umbanda foi muito perseguida no passado a gente
tinha que ter o registro; a TUEDLUZ não chegou nesse ponto, quando a TUEDLUZ foi
registrada já era no cartório de pessoas jurídicas, mas pouco antes, poucos anos antes o registro
de terreiros de Umbanda era na delegacia de polícia, na mesma vara, no mesmo setor onde se
registravam casas de prostituição, bares, zonas e boemias, a gente era classificado no mesmo
grupo. A Umbanda passou por uma fase muito difícil, polícia entrava, destruía o terreiro inteiro,
infelizmente a Umbanda passou por isso. (Mãe Andréia – TUEDLUZ).
Lá na casa do Pai Henrique tem umas médiuns mais velhas, não é, elas assim... conversando:
“você lembra quando todo mês pra gente tocar a sessão a gente tinha que ir lá na delegacia pegar
o alvará! Tinha que ir lá na delegacia pegar a autorização!”... Isso elas contam essa história, todo
mês tinham que buscar autorização pra poder tocar a sessão, muitas vezes, tinham que parar os
atabaques e os cantos. [...] Então, se a polícia chegasse fechava o terreiro. Gira de exu, elas
contam, tinha que ser no escuro, com luz apagada, lá no alto da madrugada, não era aberto ao
público e era uma coisa muito restrita, justamente por causa desse preconceito que era muito
grande. (Pai Gil – TUEDLUZ).
[...] a gente também precisa de um ambiente natural, mas a gente não acha mais! Caçar um lugar
apropriado, mais distante obviamente. Aí, você tem que deslocar com mais tempo, você sair
daqui. Chegar do serviço, sair daqui, deslocar pra lá, depois voltar e tudo mais, dia de semana
pra gente que trabalha é difícil! [...] riacho a gente já desistiu, quando a gente procura assim, é
mata. Então, isso [...] é uma coisa que choca muito a gente, porque hoje infelizmente a gente tá
sem espaço mesmo pra praticar na natureza. (Mãe Andréia - TUEDLUZ).
23
A partir de 1929 os primeiros centros de Umbanda de SP são registrados em cartórios e até a década de
40 os terreiros de Umbanda eram camuflados como Centro Espíritas com o intuito de diminuir
perseguições. O Kardecismo prevaleceu em unidades religiosas, mais do que a Umbanda, até o início da
década de 50. Porém, a partir dos anos iniciais dessa mesma década até os anos 60, a Umbanda superou o
Kardecismo em unidades religiosas até a década de 60. Sendo está década considerada pelo autor como o
ponto clímax da Umbanda. Entretanto, no final dessa década e na década de 70, a Umbanda passou a
sofrer um lento e constante declínio, isto se deu, devido ao aumento timidamente do Candomblé a partir
do início da década de 70. (NEGRÃO, 1996).
24
Negrão (1996) esclarece que o RJ foi o estado pioneiro no surgimento das Federações Umbandistas ao
instituir a União Espírita de Umbanda do Brasil (UEUB). Essa Federação visou filiar Tendas de Umbanda
e protegê-las contra a violência do Estado. A UEUB realizou em 1941 o 1º Congresso Nacional de
Umbanda (surgindo jornais, programas em rádios. Então, a Umbanda paulista, gravitou em torno do
movimento carioca nas décadas de 30 e 40; Pai Jaú e Sebastião Costa fundaram a Liga de São Jerônimo
clandestina em SP, mas vinculada a UEUB.(NEGRÃO, 1996).
67
25
SILVA, Vagner Gonçalves da. Orixás da metrópole. Petrópolis: Vozes, 1995.
69
Os próprios médiuns que estão na Umbanda têm vergonha de dizer há que ele veio, há que ele
está aqui, não é. Nós passamos um final de ano no Rio, então assim, é anos luz de diferença da
Umbanda ou do Candomblé daqui de Minas. Porque você vai no Rio, de manhã cedo o pessoal já
tá indo para a praia pegando ônibus comum, tudo vestido de santo, batendo o atabaque, com as
flores na mão, andando na rua normal, sabe, normal! [...]. Agora aqui não! Se você encontrar
alguém na rua e te perguntar se você tá indo para festa de Iemanjá, você fala que vai para
qualquer lugar: “estou indo na lagoa, não estou indo para festa de Iemanjá, não. Estou indo para
a lagoa!” E os próprios médiuns não assumem [...]. Então é preciso abraçar a Umbanda. Eu não
estou dizendo que você precisa afrontar ninguém, mas Assumir! Não preciso afrontar ninguém,
mas também não preciso sentir menor do que ninguém, eu tenho uma religião como outra
qualquer, um credo como outro qualquer! (Míriam – TUPJA).
Todavia, convém lembrar que muitas dessas “sínteses” ainda são percebidas
por certos setores das nossas elites dominantes, apesar das reelaborações que
sofreram em face das continuidades e rupturas históricas da constituição da
sociedade brasileira em relação àqueles países considerados “desenvolvidos”,
enfim como obstáculos à modernidade desejada para o Brasil.
E complementa:
diferentes visões de mundo e das diferentes formas de sociabilidade que são partes de
nosso meio social, herança de nosso passado, nos alertam para a existência de
discriminação racial e de exclusão social. (KOGURUMA, 2001).
As posições inferiores no sistema das hierarquias econômicas, sociais, políticas e
culturais que se construíram no fazer e refazer de nossa história, são reelaborados e
reinterpretados no cotidiano da religião de Umbanda que procura valorizar os
marginalizados, os excluídos, os desclassificados de nossa sociedade que no campo real
e simbólico, foram esses marginalizados os grandes “heróis” que formaram o povo
brasileiro, então:
A gente fala muito, muito, muito, são dos pretos-velhos que quase como se fossem psicólogos,
são aqueles que as pessoas procuram para orientar; médicos também, dão receitinhas, são mais
para esse lado. Os meninos de angola que nós chamamos de menino de angola, na Umbanda,
Cosme e Damião que é um de seus representantes: a alegria, o discernimento, a tranqüilidade, o
não preocupar, dá um pouco de refresco; os caboclos que são representantes da natureza, a
relação nossa com a natureza, de proteção as matas e tudo. No caso do caboclo, pode ser
considerado aquele pai que está ali para aconselhar: “mas... opa!” De falar mais duro. E junto a
eles todas as linhas todas as falanges umas ajudando as outras. (Anamir - TUPJA).
[...] porque o exu não te adula como um preto-velho, ou não te ensina a ter força e coragem como
um caboclo, ou não leva de uma forma alegre como uma criança; ele fala na sua cara o que você
precisa de ouvir. [...] (Pai Gil- TUEDLUZ).
A tradição ainda que reinterpretada não pode ser desconsiderada, visto que a
mesma pode ser nosso único elo com o passado. Passado este, capaz de ser instrumento
de compreensão da sociedade brasileira e da formação de nossas cidadanias, por isso, a
presença das culturas de origem africana e suas manifestações cotidianas nas ruas,
esquinas, lagoas e praças de uma cidade como Belo Horizonte, nos faz lembrar o que
nos diz: Koguruma (2001, p. 78-79):
28
A inovação, tão obviamente útil e socialmente neutra que é aceita quase automaticamente por pessoas
de algum modo familiarizadas com a mudança [...]. Por outro lado, certas inovações requerem
legitimação, e em períodos em que o passado deixa de fornecer precedentes às mesmas, surgem
dificuldades muito sérias. [...]. Paradoxalmente, o passado continua a ser a ferramenta analítica mais útil
para lidar com a mudança constante, mas em uma nova forma. Ele se converte na descoberta da história
como um processo de mudança direcional, de desenvolvimento ou evolução. A mudança se torna,
portanto, sua própria legitimação, mas com isso ela ancora em um sentido do passado transformado.
(Hobsbawn, 1998, p.29-30)
29
Em relação ao termo „novo‟ ver notas de rodapé nº 19, nº 27 e nº 28.
30
HOBSBAWN, Eric J; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1989.
73
Ora, em Belo Horizonte não houve escravidão, mas, a memória coletiva reabilita
um espaço imaginário: espaço esse que entrecruza o tempo presente e o tempo passado,
gerando o limiar da cultura. A memória revive através do fenômeno religioso a
plasticidade do espaço e do tempo que no ritual condensa-se no sagrado que após o
término desse ritual, se torna fluído no espaço e tempo profano.
Ao analisar o cotidiano do brasileiro, pertencente a uma cidade como Belo
Horizonte e seu entorno, desde o passado até os dias de hoje, percebe-se uma síntese de
comportamento frente à sua sobrevivência. Essa síntese de sobrevivência é um misto de
termos mágicos e vida secular, como nos diz Silva (1995, p. 31):
Completando a noção de “pedaço” que nada mais são do que aqueles espaços
deixados vazios pelo sistema, seja por não fazer parte do domínio público, seja por falta
de controle total ou por situações críticas que impedem a ocupação total do território por
parte deste domínio público. (BRUMANA e MARTÍNEZ, 1991).
No plano metonímico (a parte pelo todo), os terreiros/tendas/centros são partes
do “pedaço”, as práticas umbandistas ocupam frestas deixadas livres pelos aparelhos
31
MAGNANI, J. Festa do pedaço. São Paulo: Brasiliense, 1984.
75
[...] ela (a Tenda) virou Porto Seguro, não só para as pessoas que já estão acostumadas a
freqüentar o terreiro, mas também para as pessoas que vem de fora, sentem uma certa segurança,
uma certa paz, um refúgio, às vezes, para fugir um pouco dos problemas. E também com relação
a gente mesmo que freqüenta assiduamente, porque a vida é tão turbulenta, que há momentos em
que eu quero fugir, vou pro terreiro! Então, virou assim um Porto Seguro, um ponto de apoio
espiritual, casa espiritual, [...]. (Anamir –TUPJA).
Deste modo:
Em primeiro lugar, você começa a valorizar tudo que você vê aqui dentro e depois você começa
a valorizar a força e a coragem que a Umbanda prega, [...] a luta, o sacrifício. A gente começa a
aprender a amar mesmo a casa; você começa defender a casa, porque você começa a se sentir
parte dela; então, cada chão que você vai ajudar a limpar, cada parede que você vai ajudar a
pintar, cada janela que você tem o cuidado de fechar na hora de ir embora; a luz que você não
deixa acessa, a despesa que você ajuda a manter, tudo isso, são questões que a gente vai
aprendendo: a ter o zelo, a ter o amor pela casa. (Pai Gil – TUEDLUZ).
32
MACHADO DA SILVA, M. O significado do botequim. In: Cidade usos e abusos. São Paulo:
Brasiliense, 1978. p. 77-114
76
praticadas nos espaços comuns de moradia. Essa afirmação é percebida nos quatro
centros pesquisados dessa dissertação conforme relatos abaixo:
Aí, também eu trabalhei dentro de casa, depois é que eu construí esse centro, com a ajuda do
povo, o povo que me ajudou a construir eu não tinha nada; foram... muitos anos de trabalho! (D.
Leonor- TUPJA).
Era um quartinho dentro de casa, um espaço para ser centro. Mas assim, vivia lotado!!!! Porque
eu atendia no sábado, o dia todo e não tinha tempo de almoçar para atender, só tinha o sábado
para atender. (Míriam - TUPJA).
Eu registrei a Associação de Pai Caetano em noventa e cinco, mas eu já tocava aqui, a gente tem
até hoje, lá dentro, lá. Hoje a gente guarda as coisas lá, é um comodozinho pequenininho onde
era meu altar e tal e a gente fazia a sessão no terreiro, debaixo da área do meu irmão, e ai eu
tinha uma freqüência de gente, o povo vinha, vinha muita gente pra tomar passe [...]. (Mãe
Teresa - CBPC)
Então, em 1981 nós fundamos a TUEDLUZ. Quer dizer, antes disso, nós já fazíamos reuniões
na casa de um, na nossa residência, na residência de amigos e fomos começando um grupo. Até
que a gente falou assim: “não, então agora já é hora de termos a nossa casa!”. (Mãe Andréia -
TUEDLUZ).
Nós tínhamos um centro na nossa casa, [...] era pequenininho lá no fundo da nossa casa, nós
tínhamos três, quatro médiuns, só, lá assim. Então, quando nós, tivemos que vender a casa, e a
gente não arranjava lugar para alugar, para fazermos o nosso centro. [...] Aí o meu padrinho caiu
e fraturou o crânio. Como nós estávamos com o centro fechado, ele pediu o Bira pra tomar conta
do centro. (D. Iara – CEACDL).
Pode-se observar que essa relativa facilidade de espaço, para a efetivação dos
rituais de Umbanda, se torna um elemento positivo, uma vez que em qualquer espaço
considerado profano, pode-se manifestar o sagrado umbandista. Por isso, a Umbanda se
adaptou aos meios urbanos com certa facilidade.
Quanto ao aspecto negativo temos que:
Essa proximidade dos espaços sagrados aos profanos cria várias interdições ou
rituais que devem ser praticados nos cultos umbandistas para expulsar algo que ameaça
invadir ou prejudicar a ordem do sagrado. “A Umbanda dedica, portanto, grande parte
de seus esforços ao erguimento de barreiras contra “o exterior”. (BRUMANA e
MARTÍNEZ, 1991, p. 125):
A Umbanda exige muito, acender umas velinhas para eles na segunda-feira que é dos pretos-
velhos, fazer essas coisas, buscar a obrigação. Eu primeiro venho aqui [...] já rezo, faço as
obrigações; daqui vou para dentro fazer as outras coisas, aí quando dá meio-dia eu estou aqui de
novo, acendo as velas dos escoras para eu poder trabalhar, porque também não pode, você
trabalhar sem tá acesso na porta. (D. Leonor – TUPJA).
A gente não pode ter relação sexual no dia anterior e no dia do trabalho de forma nenhuma. Se
acontecer no dia anterior é até aceitável, mas no dia do trabalho não pode, tem que evitar. (Pai
Gil – TUEDLUZ).
Sodré (2002) também nos diz sobre a noção africana de um espaço plástico, dos
cultos afro-brasileiros, que se refazem simbolicamente, podendo estabelecer rituais em
qualquer espaço que se sacraliza pela presença de representações mítico-religiosas e
complementa que:
Deste modo, embora o terreiro possa ser em conjunto apreendido por critérios
geotopográficos (lugar físico delimitado para o culto), não deve, entretanto,
ser entendido como um espaço técnico, suscetível de demarcações
euclidianas. Isto porque ele não se confina no espaço visível, funcionando na
prática como um “entrelugar” – uma zona de interseção entre o invisível
(orum) e o visível (ayé) – habitado por princípios cósmicos (orixás) e
79
Vemos, pois, que as lembranças coletivas estão ligadas a grupos e que sua
maior ou menor resistência depende da natureza desses grupos. Mas também
vemos que se o presente age sobre o passado, é sempre no sentido por ele
determinado; não se trata de verdadeira criação, mas apenas de uma seleção
de lembranças. [...]. O presente está agindo como uma comporta que apenas
deixa passar o que pode às novas circunstâncias, o que em todo caso não as
contradiz, mas obstrui as representações mais contrastantes. (BASTIDE,
1971, p. 350).
Já foi dito antes que o tráfico de africanos para o Brasil significou, em primeiro
lugar uma grande ruptura com as tradições, incluindo as religiosas. Isto, contudo, não
significa necessariamente que essas tradições tenham sido esquecidas no país. Neste
processo houve tanto uma continuidade de tradições religiosas africanas, quanto perdas
de elementos religiosos e adaptações e surgimento de novos elementos religiosos. Por
isso o termo “acomodação” resume estes três processos (perda, adaptação e criação de
novos elementos) que não acontecem separadamente e são processos simultâneos.
(BERKENBROCK, 2007).
No processo de perda, as várias etnias escravizadas no Brasil, perderam suas
organizações religiosas da forma em que elas se davam na África, simplificando assim,
o sistema africano de comunidades que se dedicavam ao culto de um único orixá que
desapareceu completamente, deixando enormes lagunas aos primeiros africanos
aportados no Brasil. Em seu lugar, na tentativa de suprir essas lacunas, surgiram
comunidades onde passavam a ser cultuados diversos orixás. (BERKENBROCK,
2007).
No processo de adaptação religiosa se deu principalmente através das gerações
africanas nascidas no Brasil que não haviam experimentado esta totalidade africana.
Para tanto, as lacunas até então existentes formavam agora uma totalidade: iniciou-se
um processo de interpretação própria, ritos africanos foram reinterpretados de forma
diferente, mitos foram apresentados de outra maneira desencadeando assim o processo
de adaptações transformando-se em religiões afro-brasileiras. (BERKENBROCK,
2007).
No processo de criação de novos elementos podem ser encontradas várias
vertentes do culto afro-brasileiro: desde comunidades em que se mantém uma grande
fidelidade às tradições africanas até grupos religiosos onde os elementos africanos não
são mais preponderantes. “Pelo fato de as diversas tradições religiosas afro-brasileiras
serem totalmente autônomas, não há nenhuma instância de controle, de modo que
cismas dentro de uma tradição fazem surgir não apenas novos grupos, mas também
novas interpretações”. (BERKENBROCK, 2007, p. 116).
82
Pode-se dizer que a Umbanda é uma religião híbrida que conjuga elementos
doutrinários de várias religiões. O sincretismo na Umbanda é caracterizado por este
hibridismo que proporciona aos seus cultos características de integração e
diversificação, embora essa aceitação de integração e diversificação, não interfira
completamente nos ritos de Umbanda, nem por isso deixaram de ser duas características
marcantes de Umbanda. “Por isso é comum numa tenda ou terreiro de umbanda a
existência de um altar onde se misturam várias imagens de santos católicos ao lado de
imagens que representam caboclos, êres, pretos-velhos, exus e pomba-giras, mais
representações de elementais (sereias, ondinas e outros)”. (OLIVEIRA, 2007, p. 61).
33
KOCH-WESNWR, M. R. M. Die yoruba–religion in brasilien. Bonn, 1976.
84
34
THOMAS, Keith. Religião e o declínio da magia. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
86
continuou, o que levou Nina Rodrigues a afirmar, no fim do período escravista, „a ilusão
da catequese‟.” (BASTIDE, 1971, p. 181).
A Igreja vinculada a interesses diversos que se refletiam na política ambígua na
catequese dos negros e, por vezes, faziam „vistas grossas‟ às suas danças, cânticos e
rezas. Preferindo acreditar na justificativa dos negros que explicavam ser os “batuques”
homenagem aos santos católicos. Portanto, esses “batuques” não passavam de um
inofensivo “folclore”. (SILVA, 2005).
Outra característica que fazia com que a Igreja permitisse esses “batuques”
estava ligado ao poder político da aristocracia e do governo, pois, julgavam que se os
negros mantivessem suas tradições africanas aguçariam a rivalidade entre grupos de
escravos provenientes de etnias e nações inimigas da África ancestral, evitando assim
laços de solidariedade. “Contudo, se danças e músicas foram toleradas, o aspecto
mágico da religiosidade africana foi duramente combatido.” (SILVA, 2005, p. 35).
A partir dos fins do século XVII, o catolicismo brasileiro que era a expressão de
uma religião doméstica centrada nas capelas das fazendas, passou a ser uma religião das
cidades que aumentava em decorrência da multiplicação de atividades econômicas:
açúcar, mineração do ouro, café, entre outros produtos menos importantes. A partir do
século XVIII a vida urbana passou a apresentar uma multiplicidade e uma proximidade
entre as classes que ameaçaram as fronteiras entre senhores e escravos, ricos e pobres.
(SILVA, 2005). Mas era preciso manter o poder dos dominantes, por isso:
a Igreja ofertou, não obstante ela própria, aos negros, para aí conservar, não como
relíquias, mas como realidades vivas, certos valores mais altos de suas religiões
nativas.” (BASTIDE, 1971, p. 178), como podemos perceber no relato abaixo:
O meu pai-de-santo, em abril ele toca pra Oxossi, a maioria dos candomblés tocam pra Oxossi
em abril. Abril é considerado o mês de Ogum na Umbanda. O dia vinte e três é o dia de São
Jorge; no Candomblé São Jorge também é uma qualidade de Oxossi. Então, a procissão que ele
faz, ele faz com a imagem de São Jorge, mas canta pra Oxossi. Eu sempre gostei e participo de
rezas, ele também gosta de rezas, de terços, ele sempre fala assim: “vamos nós dois na festa.”
Então, eu ia sempre com ele rezando. Ele falava, reza três ave-marias e fala assim: “Salve São
Jorge, salve Oxossi!” Eu falava: “Viva São Jorge guerreiro, salve senhor Ogum!” Ele falava
assim: “Pára de ser marmoteira!”.
(Mãe Teresa - CBPC).
No entanto, se a fé dos negros nos orixás estava disfarçada nas danças e nos
cantos que eram feitos em louvor a santos católicos, num segundo momento sua fé se
dirigiu tanto a uns quanto a outros (SILVA, 2005). E se no Candomblé houve certo
“disfarce” em cultuar santos católicos similares aos orixás, na maioria dos cultos de
Umbanda esses orixás e santos católicos equivalem realmente a uma mesma identidade.
Daí, por exemplo: Iansã e Iemanjá possuírem características iconográficas de santos
católicos na Umbanda, possuem cabelos longos, peles claras e postura angelical. Por
isso:
[...] Os médiuns do candomblé eles são totalmente comprometidos, com a casa, com a mãe-de-
santo, com os outros irmãos de santo, eles são uma elite fechada, uma irmandade e uma
comunidade, é tanto que um terreiro, quando você vai na Bahia no terreiro do candomblé: a casa
branca, a casa da mãe, vem a casa de não sei quem, é um bairro, e ai vão todos daquela
comunidade, sabe, estão ali, cada um tem a sua responsabilidade, cada um sabe da sua
responsabilidade. Então, eles tem os pontos positivos que a Umbanda não tem; o
comprometimento com a religiosidade que a Umbanda não tem! (Míriam –TUPJA)
Em relação aos terreiros de candomblé, Silva (2005, p. 61) também nos diz que:
Essa nação, embora seja a mais popular e a mais praticada pelo povo-de-
santo, é vista por membros de outras nações como deturpada, pois possui um
panteão bem mais abrangente. [...] O candomblé de angola, pelo grande
afluxo e dispersão dos bantos no Brasil, difundiu-se por quase todo o país.
Em alguns estados, em fins do século passado, o candomblé de angola,
sempre aberto às influências católicas e ameríndias, recebeu nomes próprios
como cabula, no Espírito Santo, macumba, no Rio de Janeiro, e candomblé
de caboclo, na Bahia. É claro que esses cultos também foram permeáveis à
influência jeje-nagô e muitas vezes não sabemos ao certo qual deles
predominou.
35
AMARAL, Rita de Cássia; SILVA, Vagner Gonçalves da. Cantar para subir: um estudo
antropológico da música ritual no candomblé paulista. Rio de Janeiro: ISER, 1992.
90
A Umbanda por ser uma religião mais nova, nascida no Brasil, genuinamente brasileira, traz uma
abertura maior para o entendimento das máximas cristãs, [...] e a Umbanda apesar de ter uma
herança africana inegável, é uma religião brasileira, ela se entende brasileira, se aceita dessa
forma e tem essa consciência. Essa herança africana é uma raiz muito importante, é uma pilar
muito importante da Umbanda e esse pilar jamais vai ser tirado, mas, a Umbanda não tem, por
exemplo, a necessidade do dialeto africano como o Candomblé traz, embora existam palavras no
vocabulário umbandista que são de origem africana, mais diretamente do dialeto ioruba, porém
não necessariamente uma conversação como tem no Candomblé. (Pai Gil – TUEDLUZ).
que dotadas de livre-arbítrio poderiam evoluir através da ação do bem ou regredir pela
ação dos vícios do mundo material. (SILVA, 2005).
A terra seria um planeta de provas e expiações cujo objetivo é proporcionar
através dos sofrimentos a depuração da ignorância da alma. Jesus Cristo, e seu
evangelho são reinterpretados à luz dessa doutrina, é tido como o maior espírito superior
e governador do planeta, além de exemplo de sacrifício e abdicação necessários ao
aprimoramento espiritual dos homens.
A mediunidade (capacidade de entrar em contato com o mundo espiritual) é uma
qualidade e necessidade inata e fundamental ao ser humano em seu processo de
evolução espiritual. O médium é considerado um intermediário capaz de decodificar
em maior ou menor grau, dependendo do tipo de mediunidade e de sua maturidade
moral, os anseios e esclarecimentos vindos do “mundo dos espíritos” para auxílio e
consolo aos homens.
O Kardecismo é uma doutrina que se denomina religiosa, filosófica e científica,
por isso, denomina-se capaz de explicar fenômenos tidos como sobrenaturais, como por
exemplo: a possessão e a vida após a morte, as explicações de leis de causa e efeito ou
ação e reação, pretendendo-se portador de um discurso racional e religioso.
Um dos lemas do Kardecismo é “fora da caridade não há salvação”. Devido a
este e outros lemas as organizações espíritas sustentam toda uma rede de assistência
social: creches, hospitais, escolas, asilos, entre outras, por isso passam a cumprir o que
Roger Bastide (1985) chamava de tríplice função na sociedade do Brasil: combater
doenças, diminuir a miséria e utilizar da prática de uma moral da caridade.
(BERKENBROCK, 2007).
Berkenbrock (2007) sobre o sincretismo do espiritismo na Umbanda, esclarece
que:
Esta forma de espiritismo, como religião dos pobres e sem ajuda, é que
entrou em contato no Brasil com as religiões afro-brasileiras. Neste meio, o
espiritismo foi reinterpretado e recebeu claramente uma conotação afro-
brasileira. Este espiritismo reinterpretado é chamado também, muitas vezes,
de “baixo espiritismo”. Os espíritos desencarnados são aqui interpretados e
classificados dentro da lógica das religiões afro-brasileiras.
(BERKENBROCK, 2007, p. 146).
Segundo Camargo (1961) tanto a doutrina como sua prática espírita ganharam
no Brasil novo alento, desenvolvendo aspectos especiais e conotativos que procuraram
adaptar-se à realidade brasileira. Camargo (1961) elaborou sua teoria do continuum
tendo como fundamentação a racionalização weberiana por isso esclarece que:
36
Kardecismo, Umbanda e Candomblé se interligam em suas práticas denominadas mediúnicas. Na visão
de Camargo em sua obra: “Kardecismo e Umbanda: uma interpretação sociológica”, existe certa
afinidade da Umbanda que é capaz de transitar entre o Kardecismo e o Candomblé em suas práticas
mágico-religiosas. Esse elo entre o kardecismo e o Candomblé foi denominado por Camargo de
Continuum mediúnico. Apesar de não ser objetivo dessa dissertação pesquisar Centros Espíritas
kardecistas, porém, à título de explicação, sabe-se que existem alguns Centros Kardecistas em Belo
Horizonte/Contagem que possuem esse Continuum mediúnico afinado com entidades provenientes da
Umbanda; como por exemplo: Fraternidade Espírita Everilda Batista, Fraternidade Espírita Unidos para o
Bem, Fraternidade Espírita Irmão Luiz, Fraternidade Espírita Amor e Caridade entre outros. Fato esse,
visto com restrições por muitos Centros Kardecistas tradicionais.
93
Nós temos vários irmãozinhos no plano espiritual, que eles chegam na casa espírita precisando
de ajuda, precisando de instrução, precisando de conhecimento. E quando eu chego numa casa e eles me
ensinam que eu posso beber, fumar, matar um animal, pra reconhecer um trabalho, pra fazer um trabalho,
é a mesma coisa d‟eu tá ensinando esse funcionário que começou a trabalhar num caixa, que não precisa
guardar o centavos, que os centavos ele pode tirar por fora. Por isso, que a responsabilidade nossa de
dividir uma casa, estarmos presentes no lado da vida espiritual, é também trazer o esclarecimento pra
esses mesmos irmãozinhos menos esclarecidos. Um irmãozinho de luz, ele tá num plano muito mais
elevado do que o nosso, ele não tem necessidade de coisas materiais, não é. (Ubirajara – CEACDL).
Mesmo hoje o espiritismo sendo mais popular, sendo mais acessível, ele ainda conserva um
preconceito muito grande com relação à Umbanda, principalmente nas questões ritualísticas. A
gente usa velas, defumadores, essências, elementos, muitas vezes, mais densos e a maioria dos
espíritas, hoje isso já é uma coisa mais trabalhada dentro das casas espíritas, mas ainda não
aceitam pretos-velhos, caboclos, meninos de angola, exus, como espíritos trabalhadores; eles
entendem que essas entidades são espíritos atrasados, tanto que dentro das casas espíritas não é
permitida a manifestação dos mesmos. (Pai Gil – TUEDLUZ).
Olha, a Quimbanda, eu acho que é uma, uma magia diferente. Um diferencial bem grande do que
eu conheço, não sei se é isso, é uma magia, vamos dizer que é uma magia negra que eles falam.
Então, assim, eu não tenho nenhum conhecimento do fundamento da Quimbanda, mas sei que
ela tem festas, feituras, sei que é tudo muito escuro, com muito fogo, com muita pólvora e,
muitas vezes, a figura de exu é associada ao diabo, sabe. (Mãe Teresa – CBPC).
demônio. Isto se dá, provavelmente por ser o exu o mais humano dos orixás, o
mensageiro do mundo sobrenatural (orum-divino) e material (ayé-humano) e por isso,
antigos escravos ofereciam-lhe seus ebós nas encruzilhadas próximas às casas grandes.
(EDITORA TRÊS, 1985).
Assim a figura de exu sofreu o processo de assimilação com o cristianismo e sua
releitura dentro da civilização brasileira. O exu, no Brasil, foi associado ao mal, ao
demônio, à rua e à marginalidade, revelando-se um dos aspectos mitológicos do
imaginário nacional, desta forma, parte da estrutura social do país37.
Segundo Arthur Ramos (2001), as práticas mágicas de origem africana tendem a
ser diluídas e fusionadas pelo paganismo de outras religiões, tão fragmentados, muitas
vezes, fica difícil retirar os elementos originais e se tornam folclore, contribuindo, no
entanto, em estratos do inconsciente coletivo que esquecidos de sua origem e
significação se tornam inconsciente folclórico.
Esses estratos inconscientes singularizaram quimbanda e macumba. A
propagação da macumba „despedaçou a memória coletiva estruturada‟ e expandiu
rituais individualizados, “cada um possui individualidade própria como se guardasse
restos de uma memória coletiva dilacerada pela distância”. (BASTIDE, 1971, p. 398).
A Quimbanda, eu acho que ela veio antes da Umbanda, e misturou um pouco de feitiços e
magias. A Quimbanda mantém essas magias, esses feitiços sem estar no Candomblé. Seria para
mim, uma religião de transição entre o Candomblé e a Umbanda. É tanto que ela está
praticamente extinta, você não vê mais quimbanda, não é, os quimbandeiros, não tem! [...] a
37
Caso haja interesse em aprofundar sobre estudos da representação social, psicológica e antropológica
de Exu, bem como a visão paradoxal de Exu no Brasil, poderá se inteirar melhor sobre o assunto através
das seguintes obras:
TRINDADE, Liana. Exu: poder e perigo. São Paulo: Icone editora, 1985.
TRINDADE, Liana; COELHO, Lucia. Exu: o homem e o mito - estudo de antropologia psicológica.
São Paulo: Terceira Margem, 2006.
96
Quimbanda é confundida com magia negra, porque ela usa esses feitiços que a Umbanda não
usa. Quimbanda faz entrega, faz despachos, trabalham mais com os exus, por isso, essa
confusão. Como ela faz esses rituais que a Umbanda não faz, é confundida com magia negra,
mas ela não é magia negra, ela não tem a finalidade de mexer com o mal. [...]. (Míriam –
TUPJA).
Camargo (1961) pontua três conceitos considerados mais comuns para designar
o que vem a ser a Quimbanda: 1º conceito: magia praticada individualmente, seja para
fazer o mal, ou seja, para a busca de eficácia especial; 2º conceito: terreiros destinados a
trabalhos de magia negra e 3º conceito: técnica especial que visa obter efeitos mágicos
utilizando de entidades quimbandeiras. Porém, em relação ao 1º conceito: àqueles que
se denominam especialistas em quimbanda está vinculado ao puro campo da magia sem
nenhum resquício de religião. Em relação ao 2º conceito: nenhum ou quase nenhum
terreiro se denomina como sendo terreiro de quimbanda. Por fim, em relação ao 3º
conceito: a Umbanda precisa desfazer os trabalhos de Quimbanda, para isso, apela à
ajuda dos espíritos quimbandeiros, os exus, dispostos a ajudar.
Hoje, a quimbanda é reinterpretada e redefinida em algumas ramificações da
Umbanda de influência esotérica e kardecista. Essa idéia se corrobora na afirmação
abaixo:
[...] Então a Quimbanda é na verdade a faixa vibratória onde atuam os exus, eles são os espíritos
que atuam nessa faixa e vêm na linha da Umbanda prestar o seu trabalho. Toda a energia que os
exus movimentam é conduzida ao reino da quimbanda, ao plano da quimbanda, para ser
trabalhada, é a força de atuação, é o campo onde eles atuam, onde eles permanecem quando não
estão atuando dentro dos terreiros. Existe uma confusão entre Quimbanda e kiumbanda. A
kiumbanda é um plano de trabalho, é uma força de vibração, é uma energia habitada e trabalhada
por kiumbas, aí sim, os kiumbas são espíritos que atuam na sub-crostas, são espíritos inferiores.
[...]. (Pai Gil - TUEDLUZ).
97
38
Interesse em aprofundar sobre a Quimbanda, sugere-se a obra: “A morte branca do feiticeiro negro”
faz um estudo minucioso sobre a Quimbanda, magia versus aspectos moralizadores ( mais ocidentalizado
e menos ocidentalizado).
98
39
Segundo Negrão (1996, p. 30): “Partindo ainda de Roger Bastide, Ortiz entende a Umbanda como
síntese, no sentido positivista do conceito, de influências culturais diferenciadas quanto à procedência –
católicos, afro-brasileiros e kardecistas – que se fundiram de forma a gerar um produto novo, sem o
predomínio de qualquer um dos seus elementos constitutivos. O candomblé ao contrário, mediante a
manutenção privilegiada da matriz africana, consistiria, este sim e por essa razão um caso de
sincretismo”. Ainda segundo Negrão (1996) embora Ortiz interprete a Umbanda como um produto
cultural sintético, isto é algo novo produzido pela fusão de matrizes diferenciadas, acabou por privilegiar
“os elementos brancos e ocidentais sobre os negros e mágicos: não é por acaso que o feiticeiro negro tem
morte branca. Neste caso teríamos então, nos próprios termos definidos pelo autor, não uma forma de
síntese, mas sim um novo sincretismo, com a predominância dos valores culturais brancos e cristãos.”
(NEGRÃO, 1996, p. 30).
100
A Umbanda no Brasil, de acordo com a informação literária que nós temos, ela surgiu através de
Zélio Fernandino de Morais. Ele era um médium, ou seja, ele tinha a condição, a capacidade
mediúnica. Na sua adolescência era uma pessoa muito doente, [...]. Um belo dia, ele levantou da
cama, manifestado de um espírito/entidade que falou que iria se apresentar no dia seguinte às
vinte horas e que dali nasceria um culto, um novo caminho. No dia seguinte às vinte horas essa
entidade se manifestou, falou que era um caboclo e que abriria os caminhos para essa nova
religião que se chamaria umbanda: uma religião que daria aos pobres e oprimidos a oportunidade
e acesso ao crescimento das coisas espirituais. A entidade determinou que essas reuniões
manifestariam os pretos-velhos, os caboclos, ou seja, entidades que não tinham oportunidades
nas mesas espíritas para atender aos necessitados que também não eram recebidos nas casas que
até então eram muito elitizadas e assim iniciou-se e essas casas foram fundadas. [...]. (Pai Gil -
TUEDLUZ).
Foi em Niterói, no Rio de Janeiro, quem trouxe a Umbanda foi o Caboclo Sete (7)
Encruzilhadas, a data eu não vou te precisar agora não, mas eu posso informar-lhe depois. [...].
Essa entidade se apresentou e as pessoas que estavam naquele meio, não deram permissão pra
ela falar, porque achavam que aquilo era ridículo. Então, o menino saiu dali, foi e colocou uma
rosa em cima da mesa. Entendeu; daí pra frente, aqui no Brasil que começou a Umbanda, foi
lançada pelo Caboclo Sete (7) Encruzilhadas. Isso ai, você pode pegar na internet,
tranquilamente. (Marcos - CEACDL)
101
Porque a Umbanda chegou no século XIX, né, que chegou aqui no Brasil. (D. Leonor – TUPJA).
Chegou antes, no período do descobrimento do Brasil, Século XVI por aí.... A formação da
Umbanda, você quer ver, eu tive uma lição sobre isso há pouco tempo atrás eu não sabia quando
ela surgiu, ela foi fundada aqui no Brasil, acho que pelo caboclo Sete (7) Encruzilhadas. Porém,
na história do negro que era segregado, de querer manter a religião africana e ser obrigado a
seguir o catolicismo e fazer aquele misticismo para poder conseguir manter a religião deles,
então, a história perdeu um pouco nisso daí, em questão de data, em questão de tempo, você
conseguir identificar exatamente datas se perde muito nesse período da escravidão do Brasil!
[...]. (Míriam - TUPJA).
Talvez, como uma religiosa, eu até tivesse que saber isso, mas não tenho nenhum registro. (Mãe Teresa –
CBPC).
Quando alguém diz que vai a um terreiro de Umbanda muitos imaginam que vai
ser um local cheio de imagens, velas, pessoas vestidas a caráter: estilo baiana, muitos
colares, tambores. Porém, nem sempre esse terreiro de Umbanda vai ser assim e o
interessante é que esse terreiro também poderá aproximar-se do que a pessoa pensou.
Esse imaginário dos cultos afros ligados ao „primitivo‟, ao „exótico‟, não poucas vezes,
influencia até os pesquisadores sobre o assunto.
Fato interessante foi observado nessa pesquisa ao fazer a entrevista em um dos
templos de Umbanda pesquisado, quando foi perguntado: “Você vê semelhança entre
um terreiro de umbanda e outro? Quais são essas semelhanças? Logo em seguida vem
diferenças, também, se você quiser falar as duas coisas juntas!?”
A resposta, apresentada a seguir foi imediata. Acredito que a resposta tenha sido
tão inesperada quanto a pergunta:
Eu acho o seguinte, eu acho que o nome terreiro, ele não seria muito apropriado não, tem casas,
muitas casas aí que falam terreiros porque realmente os trabalhos são feitos no terreiro, não é, do
lado de fora, o nome apropriado pra isso seria mesmo casa espírita, não é. Uma casa espírita,
casa dos espíritos, o nome apropriado seria esse, terreiro não, mas como nós já falamos
anteriormente, são denominações das pessoas que estão ali, não é, aqueles trabalhos são
denominações. Isso. (Marcos – CEACDL).
O Centro Beneficente Pai Caetano está situado à rua Presbítero João Rosa da
Silva, 265 - Santa Helena- regional Sede de Contagem/MG. A mãe-de-santo, Mãe
Teresa de Oxum, é também mãe-de-santo no Candomblé keto. Segundo ela, sua
sensibilidade mediúnica foi uma espécie de herança ou transferência de missão por parte
do pai:
A mediunidade era uma coisa do meu pai, é uma coisa que ele teria de ter assumido e eu acabei
herdando isso dele. [...] Quando eu estava com doze pra treze anos eu comecei a ter visões, eu
41
Essas entrevistas têm sua transcrição parcial no Apêndice D.
105
incorporava, mas não entendia o que era, eu desmaiava, às vezes, eu falava que queria ir num
lugar que batesse palma; eu comecei a ter perturbação, como diziam eles. Me levaram no
hospital pra eu fazer tratamento, cheguei a ir no psiquiatra, no neurologista, aquela coisa toda!
Até que um dia, um psiquiatra falou com ele: “Leva num terreiro e dá uma saravada boa nessa
menina! Depois vocês trazem ela de volta!” E ele, não aceitava muito a idéia de me levar pra um
terreiro. (Mãe Teresa- CBPC).
O pai biológico de mãe Teresa que não aceitava participar de cultos afro-
brasileiros, no entanto, passou a levá-la no centro kardecista:
Chama Casa de Caridade Irmão Luiz, esse centro é de sessenta e nove (1969), quando nós
viemos do Barreiro. A gente ia, meu pai gostava de lá porque não batia tambor, ele tinha horror
desse trem de tambor. Eu ia com ele, eu ia acompanhando, ia lá e acompanhava, eles tinham os
trabalhos: de cirurgia, de tratamento, a gente participava das sessões, fazia as desobssessão e tal.
[...] Ajudava. Mas eu via um atabaque, quando eu escutava eu ficava assim doidinha. (Mãe
Teresa- CBPC).
Quando foi mais ou menos setenta e cinco (1975), setenta e seis (1976), tinha um centro aqui que
chamava „Caminheiros do bem‟. [...]. Era Umbanda e depois [...] passaram a tocar pra
candomblé também [...], era nação de angola, angola mujicongo. Quando eles tocavam
candomblé era mais fechado e pro público era Umbanda. [...]. Um dia, eu vinha do centro Irmão
Luiz, quando eu cheguei na frente do centro de umbanda Caminheiros do Bem, não sei se eu caí,
se eu desmaiei, sei lá... o pessoal desse centro de Umbanda falou que eu tinha que desenvolver
lá. Eu me afastei do centro kardecista e ia escondido porque meu pai, ele, não gostava [...]. E aí
foi desenvolvendo a minha história, eu comecei, incorporava com preto-velho. (Mãe Teresa -
CBPC).
Em oitenta (1980) eu conheci o meu pai de santo, que é o centro onde eu raspei e me iniciei no
Candomblé keto. Em oitenta e seis (1986) eu sai do centro Caminheiros do Bem. Em oitenta e
oito (1988), dois anos depois, eu raspei no Candomblé. Eu não tinha uma noção de que eles não
aceitavam a incorporação de entidades de Umbanda, pelo menos assim na nação de keto, em
algumas nações de angola, por exemplo, já aceitam melhor essas incorporações, estão mais
106
próximas da Umbanda [...]. No Candomblé, na iniciação você faz obrigação de um ano, de cinco
e de sete; nos sete anos, o seu pai te dá todos os seus direitos, que fala entrega de direitos, de
Dêca, no keto não tem entrega de Dêca igual é no angola. [...]. Eu tenho vinte e dois anos de
keto [...]. Uns quarenta anos de Umbanda (Mãe Teresa - CBPC).
O centro ele ficou completamente abandonado! Você precisava ver! O centro todo arrumado! A
mesa com os santos, tudo no lugar [...]. Ficou fechado muitos anos. A história do centro, era um
centro assim, maravilhoso, que hoje, se eles tivessem aí hoje, seria um dos terreiros mais bem
direcionado, tinha um grande número de pessoas. O povo vinha de longe, tinham entidades
muito boas e tudo, sabe. (Mãe Teresa- CBPC).
Às vezes, eu era criticada na nação que eu fui raspada porque eu tinha preto-velho, eu tenho
caboclo. Eu tenho um irmão de santo que um dia teve na minha casa, ficou rindo, falou assim:
“Oh você trabalha com as linhas todas?!” Falei: “nós trabalhamos com as sete linhas!” Brinquei
com ele. Aí ele falou assim: “Drima, Corrente.” Eu falei com ele: “Drima, Corrente, Pingüim”.
Ele falou: “Pingüim não é linha não, é lã!!!” Eu falei com ele: “mas não tem problema serve pra
fazer!” (leve sorriso). Porque eles não acreditam muito nessa questão da Umbanda, de preto-
velho. Eles falam que é egun, mas se formos olhar em Minas Gerais não existe quem não tem um
caboclinho, um preto-velho, um exu, mesmo assim no escondido, lá no fundo, no fundo, que
trabalha só mesmo com orixá, não existe não. (Mãe Teresa - CBPC).
Quando eu fiz o santo e depois meu pai de santo jogou os búzios: vamos ver o quê que o santo
quer? E eu perguntei: “Como que vai ser minha casa? O que quê Oxum quer?” Ele falou assim:
“Oxum não te proíbe nada! A única coisa que Oxum quer é que uma vez no ano, você toque a
nação, você toque o candomblé, mas você pode continuar com suas festas, fazer suas sessão,
seus pretos-velhos; você continua com seus exus, seus caboclos e tal. [...] O candomblé, na
107
minha casa, eu toco uma vez por ano, meu pai de santo vai e eu toco pra Oxum, aí não tem nada
de Umbanda, eles tocam Candomblé, entendeu. (Mãe Teresa - CBPC).
É essa vivência assim, acho que tá na questão da caridade, de apoio, de acolhimento, eu acho
que ser umbandista é isso, não só umbandista, acho que ser, qualquer religião, mas eu acho que a
Umbanda ela é mais caridade, ela é mais humana, ela é mais aconchego mesmo! Então, eu acho
que é isso, é caridade. (Mãe Teresa - CBPC).
De repente eu me vi aqui atendendo dentro da cozinha, depois ali atrás da casa, nos fundos e o
Pai Caetano dando consulta. Eu trabalhava no hospital e eu atendia o pessoal de lá: médico, a
minha chefe, ai elas vinham e a gente punha ali atrás, o Pai Caetano vinha e atendia; um dia um
dos médicos falou assim: “Ô Teresa”, ele me chamava de crioula, “Ô crioula vamos fazer um
cantinho!” Passou a chamar „Cantinho de Pai Caetano‟. [...]. O „Cantinho de Pai Caetano‟ foi
crescendo, o povo foi vindo, foi vindo, foi vindo quando eu mudei eu tinha uma turma boa, eu
tinha uns vinte médiuns [...]. (Mãe Teresa - CBPC).
Hoje, o Centro Beneficente Pai Caetano possui sede própria anexado à casa de
Mãe Teresa:
108
E aí... fui me vendo, quando eu me vi, já tinha um tanto de gente, e a gente comprou um lote. Eu
acho que foi uma necessidade mesmo, eu atendia ali atrás, era no corredor, era dentro de casa, e
de repente, vi uma necessidade de ter um espaço próprio, porque quando eu vou numa casa, que
vejo que a pessoa atende dentro da casa dela, incorpora e tudo, eu acho que tem que ter um
espaço, o sagrado eu acho que ele tem que ter o espaço dele. [...]. E de repente fizemos nosso
templo, então acho que foi uma necessidade mesmo. De ter nosso templo, nosso canto. [...]. Em
noventa e sete (1997) eu construí quatro cômodos e mudei pra lá assim mesmo. Normalmente
nós fazemos reuniões a cada quinze dias. (Mãe Teresa – CBPC).
Eu estava buscando, e nessa busca, eu acho que dentro da espiritualidade, agora como religiões
de matriz africana eu me encontrei [...]. Houve o lançamento da campanha: „Quem é de axé diz
que é!‟ pra saber o quanto somos, nós estamos com muita esperança que as pessoas falem: “sou
de religião de matriz africana!”, que digam: „participo mesmo!‟. Que expressem: „eu não sou
católico, eu não sou espírita!‟, porque, às vezes, falam: „não, eu sou espírita!‟ Então, a função da
campanha é essa: que as pessoas declarem seu amor pelo seu orixá, pelo seu inkice, ou seja,
conscientizar às pessoas. (Mãe Teresa - CBPC).
A tenda de Umbanda Pai Joaquim de Angola está situada à rua CC, 90-
Arvoredo - regional Ressaca de Contagem/MG. Uma das principais características dessa
tenda é a união familiar, visto que mãe e duas de suas filhas, Míriam e Anamir,
juntamente com outros quatro a cinco médiuns participam diretamente dos trabalhos da
casa.
Ao fazer as entrevistas e a pesquisa de campo, percebeu-se que é uma família
que trabalhou muito para melhorar a condição de vida e que lutaram para conseguir um
espaço físico de moradia e de culto à fé.
109
A mãe biológica e chefe de terreiro, Dona Leonor, hoje com setenta e dois anos
é a matrona responsável pelo surgimento da tenda:
Comecei com 25 anos, eu adoeci, e fui curada no espiritismo, por causa disto... E aí, tive que
trabalhar, eu não gostava muito não, eu sou franca mesmo! Meus avós eram kardecistas, mas eu
não gostava (risos). Então, depois através da doença eu passei a trabalhar na Umbanda e nunca
mais saí! Já tem esses anos todos, até agora eu trabalho, é isso aí! Eu dedico isto aqui mesmo
com muito amor! Trabalho muito, o que eu conheço da Umbanda foi os orixás e todos os guias
nossos da Umbanda, [...]. Eu continuei na Umbanda, desenvolvi na Umbanda e estou na
Umbanda, é Umbanda mesmo! Não têm nada. É linha branca mesmo, minha linha não é cruzada,
e é isso aí!!! (D. Leonor- TUPJA).
Os avós de Dona Leonor eram kardecistas tão tradicionais que não admitiam
nem o batismo:
Sabe o que eu fiz quando eu tinha 10 pra 12 anos; eu fui pra Ubá e batizei escondido dos meus
avós porque o Kardecismo num deixava batizar. Não tinha batismo, não deixavam, nem ver
batizado. Eu não falei nada, olha a idéia de criança!!!! Não falei nada com minha mãe e com
meu pai; arrumei meus padrinhos e batizei, se eu falasse eles não iam deixar. Depois eu falei,
depois eu fiz questão de ir lá, conversei com eles; eles não podiam fazer mais nada! (risos). (D.
Leonor – TUPJA).
Eu fui no Kardecismo com 18 anos, centro Bezerra de Menezes, lá em Carajás sabe; aí cheguei
lá... eu não era desenvolvida, eu era solteira; me levaram, minha mãe me levou! Aí chegando lá,
eles me puseram na mesa. Eu comecei a pensar: “uai gente eu tô na mesa? Por que quê estou na
mesa? Eu não sou médium, não sou nada!?” Falei assim, sabe! Aí menino, o preto-velho, Pai
Joaquim de Angola, chegou lá! Chegou lá na mesa e falou no meio deles assim: “Oh, vocês não
aceitam preto velho, por isso, eu não vou deixar meu aparelho voltar aqui mais não!” É! Ele
falando, diz que ele falou... o pessoal me contou depois, a gente nunca sabe bem ao certo! E ele
falou assim com eles: “por que vocês não aceita preto-velho? Preto-velho é da mesma linha de
vocês, nós fazemos só caridade e eu vou desenvolver meu cavalo pra fazer caridade!” (D. Leonor
– TUPJA).
110
Antes de dedicar a vida espiritual, Dona Leonor, foi acometida por problemas de
saúde que, segundo ela, estavam diretamente relacionados com a mediunidade:
Eu tive internada aqui em Belo Horizonte várias vezes, um enfermeiro chegou a falar com meu
marido que eu só sarava se tratasse num centro, que esse problema era mediunidade. Depois, eu
mudei pra aqui, a minha irmã freqüentava esse centro da dona Antônia Aparecida [...]. Me
levaram lá, foi onde eu fui curada. Foi de nervo, eu nunca mais tomei um remédio pros nervos.
[...]. Então eu costuro, lavo, passo, cozinho, eu cuido de marido que dá trabalho também, que é
minha cruz, tem cinqüenta anos, que nós fizemos agora dia nove, de casados. Pois é, então a
gente vive assim... graças à Deus! tô bem mesmo!!! O que eu faço aqui hoje dá pra todo mundo
vê! Você já pensou, abrir esse terreiro não é brincadeira não! (D. Leonor – TUPJA).
Dona Leonor iniciou-se na Umbanda com Dona Antônia no Centro Pai Antônio
do Paraíso no bairro São Geraldo-BH, hoje esse terreiro não existe mais:
Na verdade acabou, não tem nada mais, ela passou para Dona Laura e a Dona Laura abandonou
tudo, não trabalhou mais. Eu tava na casa dela quando o centro dela pegou fogo. Nós éramos
três chefes: eu, a Dona Laura e a Dona Antônia Aparecida, trabalhávamos juntas e aí... a Dona
Laura desanimou, ela é mais velha do que eu. Ela desistiu. No terreiro era assim, a gente tinha
que chegar, o terreiro era grande e tinha um banquinho para cada médium, não podia conversar,
você chegava sentava no banquinho, sentava e concentrava e não podia conversar com ninguém
não, só podia conversar assim: ou na hora de ir embora ou só na hora de chegar e só
cumprimentar e pronto! Mas o resto não podia não e funcionava assim. E eu aprendi foi assim
mesmo, hoje em dia tá tudo diferente, as cabeças mudaram. (D. Leonor – TUPJA).
Depois que sua filha caçula, Mônica, nasceu, trabalhar no terreiro de Dona
Antônia ficou complicado:
Quando eu ganhei a menina, que eu comecei a te contar, eles foram me buscar em casa umas
duas vezes, mas eu não podia, pois, elas duas trabalhavam e estudavam (referindo-se a Míriam e
a Anamir) e então eu não tinha como deixar a menina. [...]. (D. Leonor – TUPJA).
Dona Leonor, então, passou a fazer sessões de Umbanda dentro de sua casa,
nesta época, ela morava de aluguel no bairro Padre Eustáquio-BH:
111
Não ganhava nada, trabalhava de graça, então, minha casa vivia cheia de gente, eu trabalhava
dentro de casa, às vezes, chegavam, almoçavam, deitavam na minha cama e iam embora de noite
depois da sessão. Durante dezesseis anos, trabalhei em casa, não tinha lugar de trabalhar,
trabalhava de graça, não cobrava um centavo. (D. Leonor – TUPJA).
Juntamente com suas filhas, Dona Leonor, fez da Umbanda o alicerce familiar:
Por isso eu chamei as duas porque isso aqui pretende ficar nas mãos delas. Se elas quiserem
tocar, porque elas são desenvolvidas comigo desde que eu comecei a trabalhar, então, já tem
muitos anos de casa, já tão mais do que sábias no terreiro, né. (D. Leonor – TUPJA).
Na época aqui só tinha uma placa: “libero lote e tal”. A Míriam estava acabando de sair de um
emprego, papai também ia receber, coincidiu tudo e eles conseguiram, aí ela comprou aqui e
dividiu com a mamãe. A mamãe veio pra cá e aí começaram a criar o centro. Primeiramente nós
construímos a casa, aí minha mãe tinha um quarto lá. O rapaz, meu compadre já havia feito a
programação da casa para que ficasse no local, um cantinho pro terreiro, não como na outra casa.
Na outra casa nos tínhamos um quarto que era local do terreiro, aqui nos tínhamos a intenção de
construir um quarto e ser o local dos trabalhos. (Anamir- TUPJA).
Muita gente me ajudou, não construí aqui sozinha, cada um me deu um pouquinho, [...] eu tenho
tudo escrito e guardado, e eu não teria condições sozinha, mas eu fui muito ajudada, muita gente
me ajudou, eu não tinha condições sozinha, não tinha não! Não sou uma pessoa que falo assim
“isso aqui é meu”, não! Isso aqui é nosso, é de todo mundo, eu não tenho nada, isso aqui é de
todo mundo, é uma casa de oração [...]. Eu chorei todos os dias quando eu mudei pra aqui [...].
Sempre tem uns que a ajudam porque você sozinho você não faz nada![...]. Meu marido ajudou
muito também, sabe, mesmo com dinheiro ele ajudou, ele andou pagando uma parte. (D. Leonor
– TUPJA).
112
[...] elas não chegam aqui sem isso, quer dizer: o centro é um apoio muito grande que eu tenho
espiritualmente, Graças à Deus, né! Meu lar tem muita paz, não tem briga mais; de primeiro
tinha briga, antes de eu desenvolver, meu marido bebia e chegava xingando eu era nervosa,
achava ruim, brigava, agora não, graças à Deus! Pode chegar em qualquer horário é igual como
se você tivesse aqui: Tranqüilo! (D. Leonor – TUPJA).
Antigamente nossas reuniões tinham uma certa seqüência vinha Ogum, depois Iemanjá, Xangô;
a gente trabalhava com praticamente com todos as linhas. Aí com o passar do tempo, foi ficando
difícil tanto para mim como para a Míriam e pros outros médiuns que estavam trabalhando; a
mamãe começou a revezar na segunda feira: só preto velho e na sexta feira: chamava Ogum e
uma outra linha, das sete linhas. Depois foi diminuindo mais ainda, o pessoal foi sumindo e ficou
mais difícil ainda, aí ficou só com a sexta feira; era segunda, quarta e sexta. [...]. (Anamir -
TUPJA).
Umbanda é responsabilidade. Umbanda é pé no chão, pobreza sim, mas é uma religião que
cobra muito de você. Você tem que estar muito capacitado para dar conta. A Umbanda aqui é
séria, muito séria, respeitada, muito respeitada mesmo, aqui não tem esse negócio de desrespeito,
as pessoas chegar aqui e fazer despacho, ficar bebendo, aqui não tem nada disso. Aqui tem
horário! Até na praça que eu vou na lagoa tem horário, onze e pouca a gente já tá parando, eu
nunca cheguei até meia-noite. (D. Leonor – TUPJA).
Podia parar; mas eu não paro não, eu adoro os pretos-velhos, eu adoro isso aqui! Isso aqui é
minha vida! Enquanto eu agüentar e tiver aqui, mesmo se eu não puder trabalhar com os outros
guias, eu trabalho com preto-velho (risadas de satisfação). Eu gosto, isso é coisa que eu gosto de
fazer e que eu sinto bem também, e que eu fui feliz foi aqui. (D. Leonor - TUPJA).
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O Centro Espírita A Caminho da Luz está situado à rua Vereador Sócrates Alves
Pereira 753 - Carlos Prates - regional Noroeste de Belo Horizonte/MG. Esse centro é o
mais antigo de todos os outros pesquisados, atualmente com sessenta e um anos de
fundação. Ao longo do tempo, houve uma transição do Centro Espírita A Caminho da
Luz que passou de uma formação da Umbanda próxima do candomblé para uma
Umbanda próxima do Kardecismo:
Em mil novecentos e quarenta e nove (1949) foi a fundação do A Caminho da Luz, nessa época a
tendência da casa era muito voltada para o lado do Candomblé, havia realmente uma tendência
muito forte com os trabalhos do Candomblé, inclusive aqui se tocava atabaque, inclusive aqui se
usava aquelas roupas estilo baiana, muita cantiga, cachimbo, cigarro, havia a passagem de linhas
para o atendimento do público aonde havia bebida. [...]. Então, havia uma diferença muito
grande do trabalho com a forma de agora. (Ubirajara – CEACDL).
Esse centro foi fundado pelo Senhor Justino seguido pelo Senhor Jair, ambos
falecidos. Atualmente Ubirajara, neto do senhor Justino, e Marcos juntamente com
Dona Iara, filha do Senhor Justino e mãe de Ubirajara, dirigem a casa:
O papai foi fundador do centro, ele foi presidente da casa durante muitos anos. Depois ele saiu, o
meu padrinho tomou conta, só que meu padrinho começou a usar o centro pra ganhar dinheiro
[...]. Papai não obrigava a gente não, então eu fui conhecer a doutrina através do Bira. Depois
que nós nos casamos é que eu conheci a doutrina espírita e fiquei nela [...]. Nós não
freqüentávamos lá não. Quando eu casei, eu morava no fundo da casa de mamãe, depois nós
mudamos ali do Carlos Prates lá pro bairro Santa Branca, então, nós tínhamos um centro
pequenininho lá na nossa casa. Era Umbanda também. (D. Iara – CEACDL).
Senhor Jair, padrinho de Dona Iara sofreu um acidente dentro do centro. Ele caiu
de uma escada que existia dentro do templo e fraturou o crânio. Impossibilitado de
continuar seus trabalhos espirituais, pediu a Ubiratan Teixeira (que faleceu aos 59 anos
de idade), mais conhecido como Bira, para tomar conta do centro:
[...] Quando ele assumiu, uma das primeiras coisas que ele fez e foi imediato, porque a nossa
máxima do espiritismo é: “fora da caridade não há salvação!” A primeira coisa que ele fez: ele
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chegou aqui e avisou pros médiuns: “quem tem que fazer o acerto, faz o acerto, a partir da
semana que vem, aqui dentro não se cobra mais nada de ninguém!” E ele trouxe os médiuns que
já trabalhavam com ele pela caridade, pelo amor verdadeiro e não pelo lado financeiro.
(Ubirajara CEACDL).
[...] O Bira, ele conhecia, o Ubiratan conhecia o evangelho, ele conhecia o estudo, então ele fez
uma modificação geral na casa, ou seja, a cada passo que ele dava, é igual você subir uma
escada, ele subiu uma escada e dava uma coisa que ele achava que era necessário, logicamente
que ele sempre consultou o mentor da casa e conjugado com isso, ele sempre fazia as coisas; aí
ele subia outra escada, „bom, isso aqui é preciso pra quê?‟ „Espírito precisa fumar?‟ Não!,
„Espírito precisa de pinga?‟ Não! „Espírito precisa disso?‟ Não! Espírito...? Não! Ele foi tirando,
gradativamente e colocando o quê? O que na época estava faltando aqui, era o quê? O estudo
doutrinário, conhecer a parte espiritual que ele já conhecia, já dominava isso, porque a mãe dele
foi espírita também, Dona Sebastiana, e muito boa! [...]. Sabedoria! O Bira tinha uma sabedoria
fabulosa! (Marcos – CEACDL).
O Marcos foi preparado para seguir todo aquele traço que ele trabalhou e a gente continua com
ele até hoje, sempre na veemência desses fatores, foi ele (Bira) que chegou a cortar as guias, foi
ele que chegou a cortar a bebida, a cortar o cigarro. [...]. Nós não estamos aqui dizendo que o
nosso trabalho é o único correto, e que as outras casas que usam guias, que outras casas, que
fumam, que usam cigarros, que usam charuto ou que bebem, que elas estejam fazendo coisas
erradas: de forma nenhuma! Cada uma com sua forma de trabalho Não é, então, esse é o início
da história do A Caminho da Luz que durante a passagem do Ubiratan foi substituído pelo
Marcos durante nove anos, não é, e agora, devido a pedido do Marcos, tem três anos que nós
assumimos. (Ubirajara – CEACDL).
Inclusive a gente costumava brincar que o nosso centro não é de Umbanda é de kardebanda,
porque a gente estuda o espiritismo, porque tem centro que não estuda o espiritismo de forma
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nenhuma. Mas o esclarecimento da parte do médium ajuda as entidades a trabalhar, então, por
isso mesmo ele (Bira) sempre fez questão de que tivesse aquela palestra antes de começar a
reunião, da parte de terça-feira, que a gente faz um estudo rápido ali do Evangelho, uma coisa, e,
por quê? Porque o médium esclarecido ele dá uma condição de trabalho pros guias. (D. Iara –
CEACDL).
O passe magnético foi uma luz que o Bira teve ao implantá-lo aqui. Você pode correr em
qualquer centro de Umbanda que não existe o passe magnético paralelo ao atendimento com um
preto-velho, não existe! Agora uma coisa eu tenho que falar que ele foi glorioso! Ter colocado o
passe magnético e ter deixado a incorporação. Isso ele foi glorioso! Como está sendo até hoje
gloriosa essa parte da incorporação. [...]. Você vai num centro, por exemplo, vamos colocar
kardecista pra entender melhor, você não vê incorporação! Não vê, não vê, não vê! Só vê em
reunião deles, assim fechada. [...]. (Marcos - CEACDL).
O Templo passou por grandes dificuldades de estrutura física, uma vez que se
encontra na baixada da rua e na beirada do alto de um morro ou depressão, por isso
corria o risco de desabar, principalmente em períodos de chuva. Uma parte de trás do
centro chegou a desabar:
Na época do seu Jair, aqui atrás dessa nossa parte, a gente tinha uma casa, aí atrás. Morava uma
médium, sinceridade, eu não me lembro o nome dela. Ela morava na casa, e tomava conta do
centro, ela morava aqui no centro. Na época quando o Bira veio pra cá, acendiam velas, lá atrás.
E ela desceu, essa casa, ela caiu. (Ubirajara- CEACDL).
O Bira fez uma campanha na época. Então o quê que aconteceu? fez os tubulões, até tinha um
rapaz que era do corpo de bombeiros que trabalhou aqui também, um escuro, Danilo, e tinham
mais dois que ajudou ele, sabe, a furar buraco, aquele negócio todo, e aquela lança que joga
concreto. Deu uma chuva fabulosa. O que segurou o centro? Os tubulões que foram feitos aqui e
depois o muro, que os outros desceram lá pra Viação Presidente... O que segurou! Quer dizer, ele
teve uma luz,[...]. (Marcos – CEACDL).
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[...] Ele desencarnou e eu por... sei lá por que!? Eu assumi o lugar dele. Aí o mesmo rapaz,
Danilo, que ajudou ele a fazer os tubulões, ele falou comigo: “Oh Marcos! Oh, esse telhado aqui
tem que tirar!” Aí nós começamos a mexer, mais derrubou foi tudo! Foram dois anos e meio sem
reunião na casa! E foi uma batalha violenta! (Marcos – CEACDL).
E aí o processo de inverter foi justamente de levar o peso maior pra área mais tranqüila, porque
lá é o lado do público, onde tem o mezanino, onde tem aquela área. Então o peso, ficou mais na
área, aonde agora é, é mais é, é ao ar né, ficou pro lado de cá, né ficou mais leve. Porque os
banheiros eram do lado de cá passou tudo pro lado de lá. Justamente pra poder aliviar o peso que
tinha do lado de cá. Agora as imagens, que tem aqui não dão peso não, muito pelo contrário,
essas seguram. (Risos). (Marcos – CEACDL).
[...] A gente abre as portas da casa para uma reunião de segunda-feira, aonde exige-se iniciação
de um estudo doutrinário. Pra quê? Pra que as pessoas comecem a entender o que quê é
realmente o espiritismo e não aquilo que eles ouviram falar, não é. [...] na terça-feira é o
desenvolvimento mediúnico, do corpo mediúnico, dos médiuns da casa [...]. A quinta-feira que é
atendimento de público somente é feito pelos pretos-velhos. [...]. (Ubirajara – CEACDL).
Nossa casa tem o trabalho de visita ao asilo, nossa casa tem um trabalho de visita à sanatórios e a
hospital, nossa casa tem um trabalho de café que a gente leva pra favela, não é, a gente tem o
trabalho, também com campanha: campanha de cobertor, a gente tem campanha do quilo onde a
gente atende muita gente. A visita do asilo a gente vai todo terceiro domingo do mês, a
campanha do quilo é feita no segundo e no quarto domingo do mês, a ida ao hospital é que a
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gente marca, e o café é feito toda segunda quarta-feira do mês à noite. Os outros eventos a gente
vai marcando: a campanha de Natal é feita no final do ano, a campanha do cobertor é
juntamente, logo depois do meio do ano, logo quando começa agosto, a época de frio. [...].
(Ubirajara – CEACDL).
[...] chegando lá, a gente não esquece nunca disso; na hora que nós chegamos uma enfermeira
falou assim: “Aqui, faz o seguinte, vem primeiro nesse quarto aqui, porque esse menino nem
dormiu, porque nós avisamos que Papai Noel vinha, ele tá numa euforia, numa alegria, tão doido
querendo o Papai Noel, “Cadê o Papai Noel?”Ele tinha nove (9) anos. Então, a gente falou:”
então vamos lá!”Ai nós chegamos, nós levamos a bola, nós levamos o saquinho, mas na hora que
ele viu o Papai Noel, a alegria dele foi tão grande que ele largou a bola e largou o saquinho, ele
queria o Papai Noel, a alegria dele era o Papai Noel, todo mundo ficou encantado com aquela
alegria, desse menino, com o Papai Noel. [...] fomos visitar outra ala, na hora que a gente acabou
a visita e que a gente tava indo embora, a enfermeira chamou a gente, ela me chamou e falou
assim: “fala com o pessoal que ele estava só esperando o Papai Noel chegar.” Ele faleceu. [...].
(Ubirajara – CEACDL).
Para contar o surgimento da TUEDLUZ, a gente tem que voltar um pouco mais no tempo. A
mamãe, a Mãe Tina, que foi a fundadora da TUEDLUZ ela sempre foi uma pessoa religiosa,
viemos de berço católico, ela casou-se e meu pai veio a falecer com três meses de casada, aí ela
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ficou um pouco perdida e conheceu a doutrina espírita mais ou menos no começo da década de
setenta (1970) e veio a conhecer a Umbanda um pouco mais tarde, por volta de setenta e dois
(1972), setenta e três (1973) por aí, quando nós conhecemos a União da Mocidade Espírita
Antônio Loreto Flores que era um terreiro de Umbanda que existia ali na, perto da Antônio
Carlos; ai nós ingressamos nesse terreiro, ela inicialmente, depois em seguida eu. (Mãe Andréia
– TUEDLUZ).
Até que viemos conhecer a Umbanda esotérica, através da Mãe Marilene, ainda na década de
setenta (1970), mas, já no finalzinho dessa década. Então, nós iniciamos na Umbanda Esotérica e
quando a Mãe Marilene fechou o Terreiro (Tenda de Umbanda Esotérica Pai Joaquim) por
motivo de mudanças para os Estados Unidos, não é, ela passou a ordem pra Mãe Tina de
constituir a casa dela. (Mãe Andréia – TUEDLUZ).
Em 1981 nós fundamos a TUEDLUZ. Quer dizer, antes disso, nós já fazíamos reuniões na casa
de um, na nossa residência, na residência de amigos e fomos começando um grupo. [...] Assim a
gente montou um grupo na rua Guarani onde residíamos. Depois nós alugamos um barracão que
estava ainda em término de construção. A senhora lá cedeu pra gente, a gente ia acabar de
construir o imóvel e ela cedeu. Inicialmente quando a TUEDLUZ foi fundada era de aluguel e
foi feito um contrato. Esse contrato de comodato que a proprietária fez conosco durou cinco anos
e assim que terminou o contrato ela pediu o imóvel. [...] Atendemos algumas vezes aqui em casa,
nessa garagem, aqui, onde nós estamos; até que a gente recebeu o convite pra ficar no galpão, era
no fundo de uma residência, na rua de cima da TUEDLUZ [...] e a gente acabou ficando quase
dois anos. Eles também pediram o imóvel, eles tinham as necessidades deles. Nós quase
fechamos a TUEDLUZ, a TUEDLUZ quase acabou. Um dia de muito desespero, de muito
pranto a gente recebeu a visita do tio dos proprietários do atual local onde hoje é a TUEDLUZ.
[...] a gente pagava aos poucos, construía, depois a gente ia arrecadando fundos. E assim nós
fizemos. (Mãe Andréia – TUEDLUZ).
Olha, lá era só lote mesmo. Era virgem, era só lote, aí nós cavamos, levantamos algumas
paredes, nós mesmos levantamos; eu e minha mãe nunca mexemos com alvenaria (leve riso),
mas na hora lá, “vão que vão, vão fazer!”, tem algumas paredes lá que eram tortas agora já nem
existem mais essas paredes, graças à Deus! [...] Hoje nós já temos um prédio de dois pavimentos,
vários departamentos funcionando. Antes era basicamente a área do templo mesmo, era apenas a
área de atendimento, agora temos a área de assistência, os vestiários, uma cozinha e os banheiros
e a tronqueira que é fundamental a toda casa. Então, hoje nós temos esse espaço maior e mais as
salas de tratamento, e também o salão de festa. (Mãe Andréia - TUEDLUZ).
[...] A Mãe Tina sempre teve uma vocação filantrópica muito grande, ela sempre pensava na
TUEDLUZ como a Umbanda, mas também pensava na TUEDLUZ como uma instituição
filantrópica, tanto que desde o começo ela fez questão de ser tudo registrado nos órgãos públicos
direitinho, [...] E... aí do ambulatório, nós construímos, o segundo andar pra fazer o salão, não é,
de festa que a gente já fazia uma série de eventos, que tudo isso aqui foi construído assim: com
feijoada, com bingo, com festa junina, tudo assim. Algumas doações, em dinheiro e em produtos
eram: caminhões de areia, caminhões de brita, caminhões de cimento que chegava, mão-de-obra;
você pode vê que os próprios médiuns participavam, nós também, como eu disse, mamãe, eu, a
gente calejou a mão aí! Então, assim que surgiu a TUEDLUZ. (Mãe Andréia – TUEDLUZ)
Em dois mil e cinco (2005) a Mãe faleceu, Mãe Tina subitamente faleceu e a gente assumiu a
casa, os membros na época... tivemos uma reunião, porque eu além de não ter a mãe de santo, eu
não tinha a mãe também, então eu fiquei bastante abalada, sou filha única e a gente era muito
unida, muito ligada, mamãe e eu; mas aí... passado a fase do susto do momento, nós tivemos uma
reunião de diretoria com os médiuns e eles pediram se eu podia dar prosseguimento e a gente
entrou numa concordância que sim e, aí, nós fomos caminhando, graças à Deus! Hoje a casa
permanece de pé, muito cheia, tem dia que a gente, faz atendimento até mais tarde. (Mãe
Andréia – TUEDLUZ)
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O retorno do atabaque, foi o Pai Roque que é o mentor da casa quem pediu, nós já usávamos o
atabaque, usamos o atabaque numa ocasião na TUEDLUZ. [...], a gente voltou alguma coisa de
africanismo a gente trouxe de volta, não é, desde que não venha ferir os princípios que norteiam
o nosso princípio que é a Umbanda Esotérica, que ela não tem esses ritos africanos, então, ela
não tem as vestimentas, os paramentos africanos, não é, a Umbanda Esotérica não tem os rituais
de matança que se realiza no Candomblé [...]. ele resgatou o quarto pilar da Umbanda que é o
pilar da arte. [...] Os outros três pilares seria a ciência, a filosofia e a religião todos esses pilares
são citados nas obras do W.W da Matta e Silva e do Rivas Neto, [...]. E hoje mesmo, algumas
pessoas quando a gente colocou o atabaque [...] e a dança [...] muitas pessoas falaram assim:
“Então você vai transformar a casa num candomblé!” Como também quando a gente trouxe o
passe magnético, o estudo do evangelho sistematizado muita gente falou que a gente ia
transformar a TUEDLUZ em kardecismo. Então, não é esse o objetivo [...]. (Mãe Andréia –
TUEDLUZ).
Na sexta-feira que a reunião é fechada é onde acontecem esses trabalhos: dos cristais, do
trabalho de passe e, alguns trabalhos com entidades que são direcionados para esse dia também.
Nesse dia a casa funciona, o corpo mediúnico no todo, então, pode acontecer trabalho que a
entidade agendou, como trabalho de passe magnético, como trabalho de cromoterapia, dos
cristais e também acontece o desenvolvimento mediúnico, também nessa sexta-feira que é
fechada. (Pai Gil- TUEDLUZ).
A Umbanda Esotérica é um segmento que guarda, que cultua a influência ameríndia e africana,
como os outros seguimentos de Umbanda, mas que junto com isso, preserva essa raiz, esse
conhecimento milenar, que é o conhecimento egípcio, que é o conhecimento dessa parte asiática.
A Umbanda Esotérica é mais ligada à cultura asiática, porque a gente preserva essa questão da
astrologia, essa questão da influência numérica, astrológica do sol em relação aos signos, então
isso, pra gente é uma coisa muito importante, e uma ferramenta desprezadas pelos outros
segmentos de Umbanda. É o conhecimento que ficou perdido e que tem uma influência porque
nós vivemos, hoje, o nosso calendário é romano, a nossa influência lunar, a gente segue tudo,
através desse princípio e é uma cultura muito rica, porque é a cultura mais antiga: a milenar. (Pai
Gil- TUEDLUZ).
A camarinha não é necessariamente aquele modelo de camarinha que a gente tem nas casas de
nação, mais é... uma sala onde um médium para ser iniciado, pra passar pelos rituais de
iniciação, ele tem que fazer um recolhimento de no mínimo setenta e duas horas, então aqui são
feitas oferendas e tal; então tem as pessoas que podem entrar para cuidar, na ocasião certa, isso
tudo é forrado com as cores específicas pra fazer a mesa do orixá, todos os móveis são retirados,
fica apenas uma esteira. (Pai Gil – TUEDLUZ).
Para o iniciado realmente escutar o interior dele, e escutar as energias que vão tá presente ali.
Então assim, não tem a mesma característica da camarinha que tem no candomblé que ali mata
bicho, corta aqui, vira o sangue do bicho na cabeça da pessoa e amarra o pano, não tem nada
disso. Ali ele tá preparando uma das obrigações, é essa que ele tá fazendo, não é, preparando o
banho que ele mesmo vai tomar, então ele mesmo prepara, dorme no chão, dorme na esteira, pra
quê? Pra demonstrar o sacrifício pra ele vê que o negócio não é fácil não. [...] Umbanda é
sacrifício, é trabalho, é dedicação. (Mãe Andréia - TUEDL).
Como pai de santo eu tenho tudo que tem lá no Peji, então aqui é um peji, eu já tenho o
fundamento de uma casa, então com essa cruz que é igual a do peji, com essa tábua que é minhas
ordens de trabalho, então, é fundamento de terreiro, aí eu tendo um espaço eu posso montar o
meu terreiro, montar o meu peji, e as imagens pela questão sincrética é... opção, se eu quiser eu
não preciso ter, mas as grafias eu tenho que ter. [...] A gente joga com nove búzios e dentro
daquela tábua com as grafias. No candomblé o jogo de búzios são dezesseis búzios, às vezes,
jogam numa toalha cercada de guias. (Pai Gil – TUEDLUZ).
A Umbanda Esotérica vem do Rio, do Pai da Matta, de Itacurussá. Então na década de sessenta
(1960) começo da década de setenta (1970), ele recebeu os ensinamentos do Pai Guiné que
tornou esse segmento da Umbanda um pouco diferente dos demais ritos justamente por causa
dessa diferenciação do africanismo, não é [...]. (Mãe Andréia – TUEDLUZ).
Depois esse comando passou pra São Paulo porque passou pro Rivas Neto que era um iniciado
mais velho do Pai da Matta; porque na hierarquia da Umbanda Esotérica como na do
Candomblé, o filho mais velho no santo, na iniciação, recebe o comando. Então, o Pai da Matta
passou pra ele o comando, por isso, expandiu-se em São Paulo [...]. Rivas Neto fundou a „Escola
Iniciática do Cruzeiro Divino‟ que é presidida por ele, o filho mais velho do Pai da Matta. (Pai
Gil – TUEDLUZ).
A mãe Marilene ela foi consagrada pelo Pai da Matta, no caso ela é irmã de santo, santé que a
gente fala, Pai da Matta falava santé. Então Mãe Marilene é irmã de santé de Rivas Neto. E... a
Mãe Marilene era filha do pai da Matta, Mãe Tina filha de Mãe Marilene. Mãe Marilene é... avó
da Mãe Andréia. É nossa avó de santé. Mãe Marilene foi embora do Brasil, passou o comando
pra Mãe Tina e o Pai da Matta veio fazer a consagração e confirmar a passagem desse comando
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que foi aquela cruz, as obras de trabalhos, entendeu, como eu recebi das mãos da Mãe Andréia;
Mãe Tina veio me preparando, mas não deu tempo, aí a Andréia completou o ciclo, né. Me
entregou. Um dia eu vou tá entregando isso pra mais alguém. Um dia eu vou tá entregando
também uma cruz e uma tábua dessa pra um filho meu, pra ele dar continuidade. (Pai Gil –
TUEDLUZ).
Inicialmente, ela abraçou a Umbanda pela dor, não é, foi onde ela foi buscar alento pra dor da
perda do marido, mas depois ela abraçou a Umbanda esotérica por amor e em cima desse amor
ela construiu toda a nossa história [...]. Graças à Deus é herança da Mãe Tina! Foi herança dela
pra nós! (Mãe Andréia - TUEDLUZ).
[...] eu acho que a entidade é o psicólogo mesmo, sabe, de ouvir, de acolher, quando você chega,
você pode tá com um problema, quando você chega perto de uma entidade, de um preto-velho,
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um caboclo, uma Jurema, ou então, uma entidade das águas, você sai melhor. [...]. (Mãe Teresa -
CBPC)
[...] Nós somos uma religião do povo, então, a nossa vivência quem freqüenta as nossas religiões,
quem procura ajuda junto aos nossos centros é o povo, então por isso, nós trazemos uma
representatividade muito grande que é o preto-velho, para dentro da Umbanda, o preto-velho tem
um papel muito importante dentro da Umbanda; a Umbanda diferente do Candomblé de outras
religiosidades; a Umbanda que toca junto ao preto-velho não tem ninguém mais próximo do povo,
psicólogo do povo, médico do povo. (Míriam – TUPJA).
Também:
O preto-velho, vai ser aquele que vai receber, que vai saber distribuir para que linha é o trabalho.
[...]. Eu falo que o preto-velho é o clínico geral, ele recebe em primeira mão, como o clínico e
depois distribui: „você precisa de um cardiologista, você precisa de um pediatra, você
precisa....!”Não é. E aqui o preto-velho vai fazer esse trabalho, porém, com a perfeição que ele
também ajuda também na ação do trabalho. [...]. (Ubirajara – CEADCL).
[...] em todos eles a gente percebe aquela figura doce e materna, profunda do preto-velho
abraçando todo mundo que chega, abrindo as portas; muitas vezes é uma casa que não tem o
125
dinheiro pra pagar uma conta de luz, mas, é incapaz de pedir ao consulente uma quantia pela
consulta, se você, se o consulente entender que ele deve fazer uma doação de uma moeda, ou de
duas moedas, ou de algum material pra casa ele faz, se ele não entendeu, ele é recebido e
trabalhado da mesma forma porque a boa vontade, a vontade de prestar a caridade mesmo, isso
aí é igual em todos os terreiros; têm as suas formas de prática, os elementos, o culto é diferente,
mas o intuito do trabalho é um só: „abraçar aquele necessitado que chega e trabalhar a questão
espiritual da humanidade mesmo‟. (Pai Gil – TUEDLUZ).
São os orixás, assim os nomes dos orixás, não é o trabalho dos orixás, mas a referência aos
orixás, uma coisa que é muito constante e semelhante entre os terreiros coincidentes são os
pontos, você freqüentou muitos, você deve ter notado isso, muda somente a música, a
musicalidade um pouco, mais a letra quase sempre é a mesma coisa. [...]. Nós chegamos no Rio
de Janeiro uma vez, quando nos fomos no Rio de Janeiro e na praia, naquele ritual que eles
fazem na passagem do ano novo, tinha uma pessoa tirando um ponto de Iemanjá que a gente
cantava no terreiro, lá no Rio de Janeiro. Então é uma coincidência, mas é uma coincidência que
é uma semelhança! Quer dizer a Umbanda lá se referia a alguma coisa conhecida. (Anamir –
TUPJA).
Eu acho que hoje em dia as semelhanças estão assim poucas, eu não tenho ido tanto em outros
como antigamente, então, eu posso tirar por base antigamente que eu freqüentava mais os outros,
fazia mais visita e tudo e as semelhanças são poucas, é alguma oração, igual, os orixás:
principalmente Iemanjá, Os pretos-velhos e os caboclos; agora às vezes não são, como é que eu
vou dizer, não seria uma palavra ideal mas, utilizados como a gente utiliza, em cada lugar tem
uma maneira diferente: é o mesmo orixá, mas a maneira, é o trabalho, o ritual é diferente, apesar
dos orixás serem os mesmos; as maneiras de expor as imagens também normalmente fica oxalá
em cima e vem descendo gradativamente também sempre o orixá que comanda o terreiro fica em
evidência é claro, então se é Omulu será maior, se é Iemanjá será maior, aqui é preto-velho,
então você vai ver mais quadros de pretos-velhos, então, mais assim, são esses pontos de
semelhanças, mas o restante acho que está bem diferente! (Anamir - TUPJA).
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Isso, as guias; isso foi sendo tirado, porque começava a ter a vaidade de médium. Comprando
guia cara. Tinha um médium nosso lá, que tinha guia de cristal. Que necessidade que tem aquilo.
Hoje inclusive, uma das coisas que nós estamos tirando também é o cordão de São Francisco por
quê? Porque não acha mais pra comprar! (D. Iara – CEACDL).
As nossas guias elas se resumem em cinco, então a medida em que vai graduando [...] essa é a
primeira guia que a pessoa recebe, a guia de aceitação, então são cinqüenta e sete conta de
lágrimas com uma cruz de madeira; aqui já é a guia de confirmação, ele recebe com o cristal do
orixá e já uma cruz de metal, e depois ele tem a guia das sete linhas, a guia de exu e a guia
triangulada que ali eu vou te mostrar mais a frente. (Pai Gil – TUEDLUZ).
Para nós seria assim, uma forma, seria todo um estudo, na religião africana, a maioria delas, a
sexta-feira é o dia de Oxalá. Porque parte da forma da identificação deles com a questão dos
orixás, porque eles (os outros segmentos de Umbanda) cultuam os orixás tanto na paralela ativa
quanto na passiva. Então, por isso que eles tem um panteão de dezesseis orixás. Pra nós é
diferente justamente por causa disto porque conta ai a influência do planeta, o sol no signo
regente, é influência também o dia do seu nascimento [...]. (Pai Gil- TUEDLUZ).
Ah, eu vejo diferenças nos rituais, tem muita gente que começa os trabalhos já é perfume, as
roupas também. A gente sempre preservou o branco, até mesmo porque o branco além de
simbolizar a paz, o branco não te dá sentido nenhum, é imparcialidade, então o branco. Mas aí,
não é, o pessoal trabalha com vermelho e preto, com azul com amarelo, coiserada, não sei o que,
aquela confusão toda, e ao mesmo tempo. É mistura cigarro, [...], com charuto, e faz uma
misturada danada. Coisa que não tem em nosso terreiro. (Anamir – TUPJA).
Também abaixo:
Cada um reza sua Umbanda, você pode ir em vários terreiros de Umbanda que a cantiga pode ser
igual, mas o ritual é diferente, por exemplo: “Vou abrir minha Jurema, vou abrir meu Juremá”
(cantou o ponto). O ritmo é diferente, às vezes a cantiga, a zuela, as letras são iguais, mas é
diferenciado. A roupa, sempre que você vai no terreiro de Umbanda você nunca vê
completamente igual. Por exemplo, se eu for no Candomblé, da nação, por exemplo, se eu for na
casa de keto, a minha roupa é igual a de todas com roquete, vestido tudo igual, entendeu. Agora
Umbanda é sempre diferente, tem sempre uma diferença, mesmo assim de rituais. (Mãe Teresa –
CBPC).
42
Victoriano (2005) reconhece no carisma de base weberiana e que advém de uma relação assimétrica
entre um guia inspirado e uma coorte de seguidores que reconhece uma mensagem, promessa e realização
de uma nova ordem de convicções mais ou menos intensa. “O prestígio do terreiro percebido e espalhado
dentro e fora do terreiro dá a ele um reconhecimento pessoal e (sic) pelos projetos realizados.”.
(VICTORIANO, 2005, p.14).
129
43
Segundo Hervieu- Leger (2008, p.64): “Os indivíduos constroem sua própria identidade sócio-religiosa
a partir dos diversos recursos simbólicos colocados à sua disposição e/ou aos quais eles podem ter acesso
em função das diferentes experiências em que estão implicados. A identidade é analisada como resultado
sempre precário e susceptível de ser questionado de uma trajetória de identificação que se realiza ao
longo do tempo. Essas trajetórias de identificação não são apenas percursos de crença. Envolvem,
também, tudo aquilo que constitui a substância do crer: práticas, pertenças anteriores, maneiras de
conceber o mundo e de inserir-se ativamente nas diferentes esferas de ação que compõem o mundo [...]”.
130
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
44
Referente ao termo „novo‟ rever notas de rodapé de números: 19, 27 e 28.
131
utilizam de usos ritualísticos como atabaques, danças, guias e nem de álcool, fumo ou
comidas para nenhum tipo de entidade ou ritual. Da prática kardecista, herdam
fortemente, o passe magnético e a assistência social em hospitais, asilos e creches.
Mesmo em São Paulo, onde já há uma Faculdade de Teologia de Umbanda
(FTU), o segmento da Umbanda Esotérica ainda não é o segmento mais expressivo da
Umbanda, quanto ao número de seguidores. Negrão (1996), inspirado nos estudos de
Bastide (1985), afirma que esse segmento está vinculado a um pequeno grupo de
letrados que, a partir de 1941, num esforço de racionalização, remeteram a origem da
Umbanda à lendária Lemúria, bem como às civilizações egípcia e hindu.
A Umbanda Esotérica pesquisada nessa dissertação (TUEDLUZ) é uma das
pouquíssimas existente em Belo Horizonte. De certa forma desvinculados do núcleo de
São Paulo, provavelmente seus adeptos se sintam „órfãos‟. Apesar disso eles,
conseguem re-significar o que vêem de importância da herança do candomblé e da
herança kardecista, talvez elaborando um „carisma‟ único, desde que vá de encontro
com os princípios da Umbanda Esotérica, a partir dos ensinamentos do Pai da Matta e
do carisma de Mãe Tina (ambos falecidos).
Observando concepções dos quatro segmentos da Umbanda pesquisados, pode-
se concordar com Negrão (1996) quando o mesmo esclarece que o campo religioso
umbandista e suas tensas relações vão além da dinâmica moralizadora e racionalizadora
apoiadas em Weber, como Ortiz (2005) e outros quiseram apresentar.
As obras de Renato Ortiz (2005) e Lísias Negrão (1996) tiveram uma
preocupação em pesquisar a Umbanda vinculada às classes sociais. Embora em vários
momentos dessa dissertação tenha sido discorrido sobre a Umbanda relacionada aos
aspectos de classe social, principalmente com fontes relacionadas as teorias de Roger
Bastide (1985), falar sobre classe social e Umbanda não foi o objetivo principal e
prático desse trabalho.
Outro ponto que não foi objetivo ou preocupação dessa pesquisa foi o estudo
relacionado à Federação, mesmo que a maioria das obras sobre a Umbanda perpassam
pelos registros das Federações. Alguns estudiosos como Negrão (1996), Liana Trindade
(2000), Yvonne Maggie (1975) e Brumana; Martinez (1991) inovaram, ao deixar „os
adeptos de Umbanda falarem‟, utilizando métodos de entrevista para além de jornais de
época e dos registros das Federações.
134
Outro aspecto que aqui não foi trabalhado diz respeito à percepção de
umbandistas versus pentecostalistas e neopentecostalistas, foram feitas perguntas
direcionadas sobre o assunto, mas, entendeu-se que acrescentar essa vertente aqui nessa
pesquisa e nesse momento poderia dispersar da problematização proposta; contudo, foi
um material colhido para pesquisas futuras.
O estudo simbólico e psicossocial das „entidades e guias‟ de Umbanda, também
não era objetivo de aprofundamento nessa pesquisa. No entanto, a percepção de
importância dessas „entidades e guias‟ não foram negligenciados, uma vez que, a crença
nessas entidades é o principal sustentáculo dos vários segmentos da Umbanda e
elemento de semelhança entre eles. Principalmente e especificamente, as entidades
denominadas pretos (as)-velhos (as) são as principais identidades simbólicas que
mantêm a unidade da Umbanda e sustentam a vitalidade da mesma. Negrão (1996)
chamou a atenção para a qualidade da pesquisa de Brumana e Martinez (1991), contudo
chamou também a atenção ao fato de que os mesmos não deram a relativa importância
para a entidade denominada preto-velho em suas pesquisas.
A importância simbólica dos pretos-velhos é fundamental para a identidade e
identificação estrutura dos segmentos umbandistas. De fato quando buscou-se perceber
elementos predominantes da Umbanda, através do uso da história oral nos templos
pesquisados nessa dissertação, o arquétipo do preto-velho nos saltou aos olhos.
Outra grande semelhança vinculada à história dos quatro segmentos da
Umbanda é a informalidade inicial de seus templos. Há sempre a passagem das sessões
ou cultos que se iniciaram em espaços não oficializados para em seguida se
institucionalizarem como templos. Nessa perspectiva, deve-se reconhecer a contribuição
de Brumana e Martinez (1991), cuja obra foi de grande importância para o
desenvolvimento e entendimento da formação institucional na constituição do espaço
desses terreiros/tendas/centros: do espaço interno projetado no espaço externo, à
margem do poder centralizador. É fundamental reconhecer também a contribuição de
Koguruma (1991). Seu trabalho ajudou a entender a importância das festas públicas da
Umbanda no espaço da metrópole: do espaço externo projetando-se no espaço interno.
Ao terminar essa dissertação fica a alegria talhada com a seriedade, com a
responsabilidade da tentativa do dever cumprido, lembrando que a Umbanda é ainda um
tema pouco pesquisado, em Minas Gerais/Belo Horizonte. Pretende-se continuar
135
REFERÊNCIAS
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São Paulo: Paulinas, 1985.
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CONCONE, Maria Helena Vilas Boas. Umbanda: uma religião brasileira. São Paulo:
FFLCH/USP, 1987.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. 2 ed. São Paulo:
Martins Fontes. 2008.
FREITAS, Sônia Maria de. História oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo:
Humanitas, 2002.
FREIRE, Gilberto. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime
da economia patriarcal. Rio de Janeiro: Editora Global, 2006.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo:
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós- modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro:
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1998.
LIMA, Bento de. Malungo: decodificação da umbanda. Rio de Janeiro: Bertand Brasil,
1997.
138
LINTON, Ralph. O homem: uma introdução à antropologia. 12 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
LOPEZ, Luiz Roberto. História do Brasil Colonial. 2. ed. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1983. Série 4ª Revisão.
MAGGI, Yvonne Alves Velho. Guerra de orixá: um estudo de ritual e conflito. Rio de
Janeiro: Zahar Editora, 1975.
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de história Oral. 5. ed. São Paulo: Loyola,
2005.
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pensar. São Paulo: Contexto, 2007.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
RAMOS, Arthur. O negro brasileiro. 5 ed. Rio de Janeiro: Graphia, 2001. Série
Memória brasileira.
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo na terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989.
01- Nome:______________________________________________________
02-Sexo:_______________________________________________________
03 Idade: ______________________________________________________
03A- Grau de escolaridade:________________________________________
03 B- Profissão:_________________________________________________
04- Onde você nasceu? Se não se importa, fale-me um pouco sobre você?
(Valores, gostos, o que pensa ser a vida, o que pensa ser a morte, importância de ser
religioso, entre outros assuntos...)
07- Além de você existem outros parentes vinculados à Umbanda? Quais? (pedir
explicações).
14- Para você o que é a Quimbanda? O que você pensa sobre ela?
15- Você se sente agredido (a) por alguma religião? Qual (is)? O que pensa sobre isso?
19- Você acha que a Umbanda representa a identidade, costumes e cultura do povo
brasileiro? Você poderia me explicar sua afirmação? (aprofundar no assunto)
20- Você consegue perceber elementos de diferentes culturas na Umbanda, como por
exemplo: a cultura indígena, a cultura africana, a cultura européia e até mesmo asiática?
Por favor, fale-me um pouco sobre isto? Ou seja, fale-me sobre a cultura umbandista?
(aprofundar no assunto)
21-Qual a importância das entidades na Umbanda? Fale-me mais sobre elas? (procurar
saber sobre a importância de todas as entidades umbandistas: pretos-velhos, caboclos,
crianças, exus, etc...)
142
24- Qual a importância dos ritos, rituais e objetos na Umbanda? (pedir explicações)
25- Você vê semelhança entre um terreiro de Umbanda e outro? Quais são essas
semelhanças? (observar, pedir explicações e aprofundar na entrevista)
26- Você vê diferenças entre um terreiro de Umbanda e outro? Quais são essas
diferenças?
(observar, pedir explicações e aprofundar na entrevista)
28- Quantos médiuns fazem parte desse terreiro? Fale-me um pouco sobre o
funcionamento do terreiro?
29- Quantas pessoas fazem parte da assistência (público que procuram o terreiro)?
30- Quais são os motivos/ problemas mais comuns das pessoas que procuram a
Umbanda? (aprofundar no assunto).
31- Você consegue perceber alguma relação entre essa casa e a cidade? De que forma?
(pedir explicações?)
Ao finalizar a (s) entrevista (s): agradecer sempre e novamente pela atenção, carinho e
disposição.
143
Belo Horizonte
Cabana Espírita Umbandista Caboclo Rua General Pedro Paulo Penido, 174/408
19. Pena Azul – Cidade Nova – BH/MG
CEP 31170-350
Centro Espírita Canto da Vovó Rita Rua Seretinga, 119 – Ypiranga – BH/MG
20.
CEP 31170-620
NORDESTE
Rua do Campinho – Jardim Vitória -
4
21. Centro Espírita Umbanda Omuluaruaru BH/MG
CEP: 31975-240
Rua Geraldo Coelho Junior, 49-A –
Choupana de Ogum
22. Cidade Nova – BH/MG
CEP 31670-160
Rua Marieta Machado, 132 –
Cabana de Caridade São Francisco de
Cachoeirinha – BH –MG
23. Assis
CEP 31130-280 Fone 3442.88.81
Contagem
Chama Casa de Caridade Irmão Luiz, esse centro é de sessenta e nove (1969), quando nós
viemos do Barreiro. A gente ia, meu pai gostava de lá porque não batia tambor, ele tinha horror
desse trem de tambor. Eu ia com ele, eu ia acompanhando, ia lá e acompanhava, eles tinham os
trabalhos: de cirurgia, de tratamento, a gente participava das sessões, fazia as desobssessão e tal.
[...] Ajudava. Mas eu via um atabaque, quando eu escutava eu ficava assim doidinha. (Mãe
Teresa- CBPC).
Quando foi mais ou menos setenta e cinco (1975), setenta e seis (1976), tinha um centro aqui que
chamava „Caminheiros do bem‟. [...]. Era um centro enorme, que era a entrada pela Abílio
Machado, era um galpão enorme! E aqui não tinha casa, não tinha nada, a gente ficava vendo o
povo dançar e tudo. [...]. Era Umbanda e depois [...] passaram a tocar pra candomblé também
[...], era nação de angola, angola mujicongo. Quando eles tocavam candomblé era mais fechado
e pro público era Umbanda. [...]. Um dia, eu vinha do centro Irmão Luiz, quando eu cheguei na
frente do centro de Umbanda Caminheiros do Bem, não sei se eu caí, se eu desmaiei, sei lá... o
pessoal desse centro de Umbanda falou que eu tinha que desenvolver lá. Eu me afastei do centro
kardecista e ia escondido porque meu pai, ele, não gostava [...]. Depois teve uma época que
aconteceu uns lances que ele não proibiu mais. Mas meu pai já chegou a queimar minhas roupas
de santo, de não aceitar, de falar que ia lá de purrete pra me bater, pra tirar eu lá do centro e tal.
E aí foi desenvolvendo a minha história, eu comecei, incorporava com preto-velho.
Engraçado que anterior a tudo isso, na época em que eu tinha esse problema, nós fomos numa
senhora que o médico nos indicou, lá no bairro Itapõa. Dona Ana, essa senhora parecia uma
cigana. Ela detalhou a história do meu pai toda [...], mas ela só jogava, ela não fazia trabalho,
nem era mãe de santo [...]. Ela falou com meu pai que ele tinha que deixar seguir o meu
150
caminho, que eu tinha herdado isso dele e que no futuro eu ia até ser mãe-de-santo, que eu teria
casa. Na época, nem imaginava e nem passava pela minha cabeça ser mãe-de-santo ou de
assumir esse compromisso, com as pessoas.
Daí o tempo foi passando, eu fiz curso técnico de enfermagem, fui trabalhar e tal e de vez em
quando, vai aqui, vai ali, mas o único centro de Umbanda, assim, que eu freqüentei, que eu fiquei
mesmo firme foi nesse „Caminheiros do bem‟, fui pra fazer obrigação do candomblé angola, me
preparei duas vezes, mas nessa época não aconteceu. Eles não me rasparam porque eles falaram
que eu estava com problema de santo: era Oxum, mas Iansã também estava respondendo e
também meu pai biológico não aceitava muito. Falaram que não iriam me recolher com esse
problema de família, que não iria dar certo. (Mãe Teresa - CBPC).
Em oitenta (1980) eu conheci o meu pai de santo, que é o centro onde eu raspei e me iniciei no
Candomblé keto. Em oitenta e seis (1986) eu sai do centro Caminheiros do Bem. Em oitenta e
oito (1988), dois anos depois, eu raspei no Candomblé. Eu não tinha uma noção de que eles não
aceitavam a incorporação de entidades de Umbanda, pelo menos assim na nação de keto, em
algumas nações de angola, por exemplo, já aceitam melhor essas incorporações, estão mais
próximas da Umbanda, tanto é que eles tem caboclos, pretos-velhos, eles fazem sessão, mas a
nação em que eu fui raspada não, eles só cultuam mesmo Orixá e o erê que trás o nome do orixá,
lá na casa de meu pai, por exemplo, não tem sessões de passes, não existem sessões, só as festas,
só as comemorações [...].
No Candomblé, na iniciação você faz obrigação de um ano, de cinco e de sete; nos sete anos, o
seu pai te dá todos os seus direitos, que fala entrega de direitos, de Dêca, no keto não tem entrega
de Dêca igual é no angola. Eles entregam contas, a pemba, para cada objeto eles falam alguma
coisa. Se você conhece, você chegando numa casa de keto, ou de Candomblé angola, pelas
contas e pela postura, pela roupa, você sabe quem tem sete anos, quem é iaô, quem é quem,
entendeu [...]. Eu tenho vinte e dois anos de keto [...]. Uns quarenta anos de Umbanda (Mãe
Teresa - CBPC).
Do dia em que eu saí, eu não tive mais aquele vínculo tão grande com eles. Eles foram perdendo
a essência, foram perdendo... Daí, um dia eu passei, eu vi escrito lá: “fechado por motivo de
luto!” Eu morava aqui, mas não tinha contato, não via ninguém. O centro ele ficou
completamente abandonado! Você precisava ver! O centro todo arrumado! A mesa com os
santos, tudo no lugar [...]. Ficou fechado muitos anos. A história do centro, era um centro assim,
maravilhoso, que hoje, se eles tivessem aí hoje, seria um dos terreiros mais bem direcionado,
tinha um grande número de pessoas. O povo vinha de longe, tinham entidades muito boas e
tudo, sabe. (Mãe Teresa- CBPC).
Às vezes, eu era criticada na nação que eu fui raspada porque eu tinha preto-velho, eu tenho
caboclo. Eu tenho um irmão de santo que um dia teve na minha casa, ficou rindo, falou assim:
151
“Oh você trabalha com as linhas todas?!” Falei: “nós trabalhamos com as sete linhas!” Brinquei
com ele. Aí ele falou assim: “Drima, Corrente.” Eu falei com ele: “Drima, Corrente, Pingüim”.
Ele falou: “Pingüim não é linha não, é lá!!!” Eu falei com ele: “mas não tem problema serve pra
fazer!” (leve sorriso). Porque eles não acreditam muito nessa questão da Umbanda, de preto-
velho. Eles falam que é egun, mas se formos olhar em Minas Gerais não existe quem não tem um
caboclinho, um preto-velho, um exu, mesmo assim no escondido, lá no fundo, no fundo, que
trabalha só mesmo com orixá, não existe não. (Mãe Teresa - CBPC).
Quando eu fiz o santo e depois meu pai de santo jogou os búzios: vamos ver o quê que o santo
quer? E eu perguntei: “Como que vai ser minha casa? O que quê Oxum quer?” Ele falou assim:
“Oxum não te proíbe nada! A única coisa que Oxum quer é que uma vez no ano, você toque a
nação, você toque o candomblé, mas você pode continuar com suas festas, fazer suas sessão,
seus pretos-velhos; você continua com seus exus, seus caboclos e tal ; Oxum não te proíbe
nada!” E eu não plantei a pilastra na minha casa, porque o keto, o axé do keto é uma pilastra,
então na minha casa eu não plantei essa pilastra, justamente porque se eu plantar a pilastra, eu
não posso rodar pra perto-velho, pra Umbanda. O candomblé, na minha casa, eu toco uma vez
por ano, meu pai de santo vai e eu toco pra Oxum, aí não tem nada de Umbanda, eles tocam
candomblé, entendeu. (Mãe Teresa - CBPC).
É essa vivência assim, acho que tá na questão da caridade, de apoio, de acolhimento, eu acho
que ser umbandista é isso, não só umbandista, acho que ser, qualquer religião, mas eu acho que a
Umbanda ela é mais caridade, ela é mais humana, ela é mais aconchego mesmo! Então, eu acho
que é isso, é caridade. (Mãe Teresa - CBPC).
De repente eu me vi aqui atendendo dentro da cozinha, depois ali atrás da casa, nos fundos e o
Pai Caetano dando consulta. Eu trabalhava no hospital e eu atendia o pessoal de lá: médico, a
minha chefe, ai elas vinham e a gente punha ali atrás, o Pai Caetano vinha e atendia; um dia um
152
dos médicos falou assim: “Ô Teresa”, ele me chamava de crioula, “Ô crioula vamos fazer um
cantinho!” Passou a chamar „Cantinho de Pai Caetano‟. Eu tinha uma freqüência de gente, o
povo vinha, vinha muita gente pra tomar passe, mas, assim... aquilo eu fazia uma sessão rápida e
já incorporava porque era eu sozinha, depois eu tinha uma médium, uma cumadre que vinha,
incorporava, pra me ajudar, a gente ficava até onze, dez, onze horas, meia-noite dando passe. Eu
tenho até hoje meus cadernos que o pessoal chegava assinava o nome, pegava a fichinha; eu
tinha uma assistência boa. [...]. O „Cantinho de Pai Caetano‟ foi crescendo, o povo foi vindo, foi
vindo, foi vindo quando eu mudei eu tinha uma turma boa, eu tinha uns vinte médiuns [...]. (Mãe
Teresa - CBPC).
E aí... fui me vendo, quando eu me vi, já tinha um tanto de gente, e a gente comprou um lote. Eu
acho que foi uma necessidade mesmo, eu atendia ali atrás, era no corredor, era dentro de casa, e
de repente, vi uma necessidade de ter um espaço próprio, porque quando eu vou numa casa, que
vejo que a pessoa atende dentro da casa dela, incorpora e tudo, eu acho que tem que ter um
espaço, o sagrado eu acho que ele tem que ter o espaço dele. Como tem o espaço da igreja, como
tem a praça, tem a rua e tal, então eu acho que tem que ter o espaço. E a necessidade surgiu
disso, o grupo foi ficando grande, aí nós tivemos o nosso espaço, quando eu percebi eu já tava
com um lote, a gente ia lá àquele sol de rachar, fazia umas cabaninhas e fazia bingo, fizemos
especial ai vão! E de repente fizemos nosso templo, então acho que foi uma necessidade mesmo.
De ter nosso templo, nosso canto. Eu mudei pra lá em noventa e sete (1997), dois anos depois de
termos iniciados aqui. Eu comprei o lote em noventa e quatro nós fizemos a nossa primeira festa
de Cosme e Damião. Em noventa e sete (1997) eu construí quatro cômodos e mudei pra lá assim
mesmo. Normalmente nós fazemos reuniões a cada quinze dias. Em janeiro, eu toco pra caboclo,
eu faço dia vinte de janeiro, que eu reabro a casa. Em abril eu faço a feijoada pra Ogum, faço a
festa do exu Lajeiro. (Mãe Teresa – CBPC).
Eu estava buscando, e nessa busca, eu acho que dentro da espiritualidade, agora como religiões
de matriz africana eu me encontrei [...]. Houve o lançamento da campanha: „Quem é de axé diz
que é!‟ pra saber o quanto somos, nós estamos com muita esperança que as pessoas falem: “sou
de religião de matriz africana!”, que digam: „participo mesmo!‟. Que expressem: „eu não sou
católico, eu não sou espírita!‟, porque, às vezes, falam: „não, eu sou espírita!‟ Então, a função da
campanha é essa: que as pessoas declarem seu amor pelo seu orixá, pelo seu inkice, ou seja,
conscientizar às pessoas. Em Salvador, acho que apenas 3% (três por cento) declararam o seu
amor pelo orixá. Mesmo em Salvador, você acredita! Uma senhora, ela tava até questionando
assim, numa fala, falando o seguinte: “olha, as pessoas acham que eles tem cargos só dentro da
casa, tipo assim, eu sou ialorixá aqui, mas a hora em que eu saio pra rua, não sou mais”. Então
assim, às vezes, tem vergonha de usar uma roupa, tem vergonha de, às vezes, usar um tosso, de
sair, eu não estou nem aí não! Eu saio, vou! Vou, fui pra assembléia e participei do Fórum
Técnico da Segurança Pública. Fui pra Betim, eu estava no trio-elétrico junto com a Prefeita
153
apoiando o pessoal do GLBTs. O CEN é o único movimento negro que apóia o movimento gay
[...]. Acho que a gente tem que mostrar a cara mesmo [...]. (Mãe Teresa - CBPC).
Sabe o que eu fiz quando eu tinha 10 pra 12 anos; eu fui pra Ubá e batizei escondido dos meus
avós porque o Kardecismo num deixava batizar. Não tinha batismo, não deixavam, nem ver
batizado. Eu não falei nada, olha a idéia de criança!!!! Não falei nada com minha mãe e com
meu pai; arrumei meus padrinhos e batizei, se eu falasse eles não iam deixar. Depois eu falei,
depois eu fiz questão de ir lá, conversei com eles; eles não podiam fazer mais nada! (risos). (D.
Leonor – TUPJA).
Eu fui no Kardecismo com 18 anos, centro Bezerra de Menezes, lá em Carajás sabe; aí cheguei
lá... eu não era desenvolvida, eu era solteira; me levaram, minha mãe me levou! Aí chegando lá,
eles me puseram na mesa. Eu comecei a pensar: “uai gente eu tô na mesa? Por que quê estou na
mesa? Eu não sou médium, não sou nada!?” Falei assim, sabe! Aí menino, o preto-velho, Pai
Joaquim de Angola, chegou lá! (D. Leonor – TUPJA).
154
Chegou lá na mesa e falou no meio deles assim: “Oh, vocês não aceitam preto velho, por isso, eu
não vou deixar meu aparelho voltar aqui mais não!” É! Ele falando, diz que ele falou... o pessoal
me contou depois, a gente nunca sabe bem ao certo! E ele falou assim com eles: “por que vocês
não aceita preto-velho? Preto-velho é da mesma linha de vocês, nós fazemos só caridade e eu
vou desenvolver meu cavalo pra fazer caridade!” (D. Leonor – TUPJA).
Eu tive internada aqui em Belo Horizonte várias vezes, um enfermeiro chegou a falar com meu
marido que eu só sarava se tratasse num centro, que esse problema era mediunidade. Depois, eu
mudei pra aqui, a minha irmã freqüentava esse centro da dona Antônia Aparecida [...]. Me
levaram lá, foi onde eu fui curada. Foi de nervo, eu nunca mais tomei um remédio pros nervos.
No hospital Santa Maria teve um médico, ele descobriu também e ele teria que fazer uma
operação; médico muito bom! Só que na época a gente muito pobrezinho, não tivemos
condição; mas depois o espiritismo falou que não, que minha cabeça curava
normalmente.(referindo-se nessa fala que o problema era mediúnico e não neurofisiológico).
Então eu costuro, lavo, passo, cozinho, eu cuido de marido que dá trabalho também, que é minha
cruz, tem cinqüenta anos, que nós fizemos agora dia nove, de casados. Pois é, então a gente vive
assim... graças à Deus! tô bem mesmo!!! O que eu faço aqui hoje dá pra todo mundo vê! Você já
pensou, abrir esse terreiro não é brincadeira não! (D. Leonor – TUPJA).
Na verdade acabou, não tem nada mais, ela passou para Dona Laura e a Dona Laura abandonou
tudo, não trabalhou mais. Eu tava na casa dela quando o centro dela pegou fogo. Nós éramos
três chefes: eu, a Dona Laura e a Dona Antônia Aparecida, trabalhávamos juntas e aí... a Dona
Laura desanimou, ela é mais velha do que eu. Ela desistiu. No terreiro era assim, a gente tinha
que chegar, o terreiro era grande e tinha um banquinho para cada médium, não podia conversar,
você chegava sentava no banquinho, sentava e concentrava e não podia conversar com ninguém
não, só podia conversar assim: ou na hora de ir embora ou só na hora de chegar e só
cumprimentar e pronto! Mas o resto não podia não e funcionava assim. E eu aprendi foi assim
mesmo, hoje em dia tá tudo diferente, as cabeças mudaram. (D. Leonor – TUPJA).
Quando eu ganhei a menina, que eu comecei a te contar, eles foram me buscar em casa umas
duas vezes, mas eu não podia, pois, elas duas trabalhavam e estudavam (referindo-se a Míriam e
a Anamir) e então eu não tinha como deixar a menina.
Era assim, ela (Míriam) trabalhava fora e estudava à noite e, nós trocávamos, quando ela
chegava eu dormia porque a menina chorava noite e dia, então, aí o velho ficava nervoso
(referindo-se ao marido), aí a gente trocava, eu dormia, ela (Míriam) ficava acordada; outra
hora, ela dormia eu ficava acordada. Era assim, dia e noite. (D. Leonor – TUPJA).
Não ganhava nada, trabalhava de graça, então, minha casa vivia cheia de gente, eu trabalhava
dentro de casa, às vezes, chegavam, almoçavam, deitavam na minha cama e iam embora de noite
155
depois da sessão. Durante dezesseis anos, trabalhei em casa, não tinha lugar de trabalhar,
trabalhava de graça, não cobrava um centavo. (D. Leonor – TUPJA).
Eu ia no centro com ela como companhia de noite, eu tinha 12 anos e ia de companhia com ela,
para ela não ir sozinha, aí ela me levava, eu cantava, adorava ir! Depois, quando a Mônica
nasceu é que eu virei cambone, mamãe começou a trabalhar em casa e eu virei cambone dela. Aí
eu comecei a trabalhar fora e cambonava ela de noite. Depois, minha Tia tinha um centro em
Codisburgo, sempre vinha passear, num desses passeios eu fui tomar passe com ela e, aí eu
recebi Janaína. Daí, então que eu desenvolvi, comecei.... aí eu já tava cantando. (Risadas).
(Míriam –TUPJA).
Aqui no terreiro eu recebi a vó (preta- velha) com 17 anos, mas eu só desenvolvi mesmo depois
dos 18. Então, desde os 18 anos assim que eu já sou médium. Ela chegou, cantando o ponto
dela, eu tava tomando passe com o Pai Joaquim de dia e... por um acaso fui sentindo fluído e ela
chegou; falou, deu o nome dela, falou quem era e cantou o ponto dela. O Pai Joaquim falou com
ela que ainda não era o tempo, que eu estava muito nova, que ela aguardasse mais um pouco, que
eu iria desenvolver. Então... foi aí que começou. (Anamir - TUPJA).
A caçula, ela é uma católica assim... inclusive ela tem muita fé no espiritismo também; ela bate
tambor muito bem. Ela vinha pra cá quando não tinha neném, agora ela tem neném tá muito
difícil para ela! [...]. Graças à Deus, eu criei elas três muito juntas, sabe, muito juntas mesmo!
Obedecendo ao outro, respeitando ao outro, que é o direito, graças à Deus! E elas são unidas,
assim, quando pode... vai na casa de uma, vai na casa de outra, não é sempre porque ninguém
sempre pode. (D. Leonor – TUPJA).
Na época aqui só tinha uma placa: “libero lote e tal”. A Míriam estava acabando de sair de um
emprego, papai também ia receber, coincidiu tudo e eles conseguiram, aí ela comprou aqui e
dividiu com a mamãe. A mamãe veio pra cá e aí começaram a criar o centro. Primeiramente nós
construímos a casa, aí minha mãe tinha um quarto lá. O rapaz, meu compadre já havia feito a
programação da casa para que ficasse no local, um cantinho pro terreiro, não como na outra casa.
Na outra casa nos tínhamos um quarto que era local do terreiro, aqui nos tínhamos a intenção de
construir um quarto e ser o local dos trabalhos. (Anamir- TUPJA).
Muita gente me ajudou, não construí aqui sozinha, cada um me deu um pouquinho, [...] eu tenho
tudo escrito e guardado, e eu não teria condições sozinha, mas eu fui muito ajudada, muita gente
me ajudou, eu não tinha condições sozinha, não tinha não! Não sou uma pessoa que falo assim
“isso aqui é meu”, não! Isso aqui é nosso, é de todo mundo, eu não tenho nada, isso aqui é de
todo mundo, é uma casa de oração [...]. Eu chorei todos os dias quando eu mudei pra aqui [...].
Sempre tem uns que a ajudam porque você sozinho você não faz nada![...]. Meu marido ajudou
156
muito também, sabe, mesmo com dinheiro ele ajudou, ele andou pagando uma parte. (D. Leonor
– TUPJA).
[...] elas não chegam aqui sem isso, quer dizer: o centro é um apoio muito grande que eu tenho
espiritualmente, Graças à Deus, né! Meu lar tem muita paz, não tem briga mais; de primeiro
tinha briga, antes de eu desenvolver, meu marido bebia e chegava xingando eu era nervosa,
achava ruim, brigava, agora não, graças à Deus! Pode chegar em qualquer horário é igual como
se você tivesse aqui: Tranqüilo! (D. Leonor – TUPJA).
Antigamente nossas reuniões tinham uma certa seqüência vinha Ogum, depois Iemanjá, Xangô;
a gente trabalhava com praticamente com todos as linhas. Aí com o passar do tempo, foi ficando
difícil tanto para mim como para a Míriam e pros outros médiuns que estavam trabalhando; a
mamãe começou a revezar na segunda feira: só preto velho e na sexta feira: chamava Ogum e
uma outra linha, das sete linhas. Depois foi diminuindo mais ainda, o pessoal foi sumindo e ficou
mais difícil ainda, aí ficou só com a sexta feira; era segunda, quarta e sexta. Depois passou para
segunda e sexta. Depois só para a sexta; aí na sexta feira era de acordo com o número de
médiuns, então sempre tinha Ogum e preto-velho, para poder segurar o terreiro; mas os outros
orixás ela só chamava se tivesse mais médiuns; então hoje em dia continua assim, a não ser dia
de festa, porque aí o dia de caboclo, é caboclo e tal e Cosme Damião que chega no dia de Santo
Antônio e chega no dia de Cosme Damião, chega duas vezes, mas o restante não! A gente chama
mais no dia de festa e quando tem mais médiuns. (Anamir - TUPJA).
Umbanda é responsabilidade. Umbanda é pé no chão, pobreza sim, mas é uma religião que
cobra muito de você. Você tem que estar muito capacitado para dar conta. A umbanda aqui é
séria, muito séria, respeitada, muito respeitada mesmo, aqui não tem esse negócio de desrespeito,
as pessoas chegar aqui e fazer despacho, ficar bebendo, aqui não tem nada disso. Aqui tem
horário! Até na praça que eu vou na lagoa tem horário, onze e pouca a gente já tá parando, eu
nunca cheguei até meia-noite. Já tenho esses anos todos que eu trabalho e, graças à Deus, nunca
fui levada pra delegacia, nunca tive problema nenhum: nem com a Federação, nem com
ninguém, graças à Deus! Seriedade, né, a pessoa ter responsabilidade é muito bom! (D. Leonor –
TUPJA).
Podia parar; mas eu não paro não, eu adoro os pretos-velhos, eu adoro isso aqui! Isso aqui é
minha vida! Enquanto eu agüentar e tiver aqui, mesmo se eu não puder trabalhar com os outros
guias, eu trabalho com preto-velho (risadas de satisfação). Eu gosto, isso é coisa que eu gosto de
fazer e que eu sinto bem também, e que eu fui feliz foi aqui. (D. Leonor - TUPJA).
157
O papai foi fundador do centro, ele foi presidente da casa durante muitos anos. Depois ele saiu, o
meu padrinho tomou conta, só que meu padrinho começou a usar o centro pra ganhar dinheiro
[...]. Papai não obrigava a gente não, então eu fui conhecer a doutrina através do Bira. Depois
que nós nos casamos é que eu conheci a doutrina espírita e fiquei nela [...]. Nós não
freqüentávamos lá não. Quando eu casei, eu morava no fundo da casa de mamãe, depois nós
mudamos ali do Carlos Prates lá pro bairro Santa Branca, então, nós tínhamos um centro
pequenininho lá na nossa casa. Era Umbanda também. (D. Iara – CEACDL).
[...] essa mudança houve com um acidente do Jair, aqui, anteriormente. Ele caiu, bateu a cabeça
e machucou a cabeça, uma escada que tinha aqui antigamente, e ele não teve mais condição de
trabalhar, foi aí que o meu pai, o Bira, assumiu. Quando ele assumiu, uma das primeiras coisas
que ele fez e foi imediato, porque a nossa máxima do espiritismo é: “fora da caridade não há
salvação!” A primeira coisa que ele fez: ele chegou aqui e avisou pros médiuns: “quem tem que
fazer o acerto, faz o acerto, a partir da semana que vem, aqui dentro não se cobra mais nada de
ninguém!” E ele trouxe os médiuns que já trabalhavam com ele pela caridade, pelo amor
verdadeiro e não pelo lado financeiro. Então foi aí que deu início, ele fez essa seqüência toda de
vir modificando gradativamente as coisas, tirando, porque as pessoas chegavam aqui em busca
de trabalhos pagos, de trabalhos com fins próprios, independente de serem agraciados pelo bem
ou não, mais vinham. (Ubirajara CEACDL).
[...] O pai dele, que eu considero meu pai também, ele (Ubirajara) sabe muito bem disso. Ele
(Bira) assumiu o centro, o propósito dele, ele conhecia, o Bira, ele conhecia, o Ubiratan conhecia
o evangelho, ele conhecia o estudo, então ele fez uma modificação geral na casa, ou seja, a cada
passo que ele dava, é igual você subir uma escada, ele subiu uma escada e dava uma coisa que
ele achava que era necessário, logicamente que ele sempre consultou o mentor da casa e
conjugado com isso, ele sempre fazia as coisas; aí ele subia outra escada, „bom, isso aqui é
preciso pra quê?‟ „Espírito precisa fumar?‟ Não!, „Espírito precisa de pinga?‟ Não! „Espírito
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precisa disso?‟ Não! Espírito...? Não! Ele foi tirando, gradativamente e colocando o quê? O que
na época estava faltando aqui, era o quê? O estudo doutrinário, conhecer a parte espiritual que
ele já conhecia, já dominava isso, porque a mãe dele foi espírita também, Dona Sebastiana, e
muito boa! E era assim com a minha vó, elas fundaram o Centro Espírita Caridade e Pobreza, tá
na rua Jaguaré e que tem até hoje tem noventa e seis anos, entendeu, e ele já tava ciente disso, ele
começou a arrumar a casa, no bom sentido, igual eu estou te falando, tirar coisas que só
chamavam a atenção. Sabedoria! O Bira tinha uma sabedoria fabulosa! (Marcos – CEACDL).
Então, foi um trabalho, que realmente, como o Marcos tá falando e como eu estou endossando, a
mudança do A Caminho da Luz, a ascendência do A Caminho da Luz num trabalho correto do
lado da espiritualidade, ela realmente foi tomada através do Ubiratan, não é, ele foi determinante
na condução dos trabalhos, e sendo assim, após a passagem dele, o Marcos foi preparado para
seguir todo aquele traço que ele trabalhou e a gente continua com ele até hoje, sempre na
veemência desses fatores, foi ele (Bira) que chegou a cortar as guias, foi ele que chegou a cortar
a bebida, a cortar o cigarro; vamos deixar bem claro, ainda mais que essas informações vão ser
passadas para outras pessoas! Nós não estamos aqui dizendo que o nosso trabalho é o único
correto, e que as outras casas que usam guias, que outras casas, que fumam, que usam cigarros,
que usam charuto ou que bebem, que elas estejam fazendo coisas erradas: de forma nenhuma!
Cada uma com sua forma de trabalho; só que nós, a partir daí, a partir do estudo, a partir da
conscientização, a gente vai entendendo que quanto mais coisas materiais forem precisas para os
guias descarregarem, pra trabalhar, pouca freqüência, menos condição de evolução eles terão,
porque aonde, vamos colocar a linha dos escoras, a gente tá falando dos escoras, a gente
conversa com eles, é o nosso mais terra a terra, o que a gente conversa está mais próximo da
gente, porém, apesar deles serem mais próximos eles ainda estão acima da gente, então, como
todos os espíritos estão em busca de evolução, o que nós, ainda encarnados, temos condição de
mostrar pra eles que eles não tem condição e nem necessidade daquilo a gente vai mostrando, e
pra eles, eles vão ver que realmente eles não tem necessidade desses apegos da terra. Não é,
então, esse é o início da história do A Caminho da Luz que durante a passagem do Ubiratan foi
substituído pelo Marcos durante nove anos, não é, e agora, devido a pedido do Marcos, tem três
anos que nós assumimos. (Ubirajara – CEACDL).
Inclusive a gente costumava brincar que o nosso centro não é de Umbanda é de kardebanda,
porque a gente estuda o espiritismo, porque tem centro que não estuda o espiritismo de forma
nenhuma. Mas o esclarecimento da parte do médium ajuda as entidades a trabalhar, então, por
isso mesmo ele (Bira) sempre fez questão de que tivesse aquela palestra antes de começar a
reunião, da parte de terça-feira, que a gente faz um estudo rápido ali do Evangelho, uma coisa, e,
por quê? Porque o médium esclarecido ele dá uma condição de trabalho pros guias. (D. Iara –
CEACDL).
159
O Bira, eu já comentei isso, ele tinha muito conhecimento da vida espiritual; então o passe
magnético foi colocado, isso há muitos anos, ele foi colocado por quê? Porque, o preto-velho dá
o passe na pessoa, tem questões que não há necessidade do preto-velho agir, a pessoa é
encaminhada para o passe magnético, entendeu, então é energia que ele não precisa colocar na
pessoa que tá recebendo aquilo, o próprio passista magnético pode colocar a energia nele, tanto é
que no passe magnético a pessoa não pode passar de três (3) minutos, não há necessidade,
porque já passou pelo preto-velho no andar de cima, e o resto é feito aqui embaixo, entendeu. O
passe magnético foi uma luz que o Bira teve ao implantá-lo aqui. Você pode correr em qualquer
centro de umbanda que não existe o passe magnético paralelo ao atendimento com um preto-
velho, não existe! Agora uma coisa eu tenho que falar que ele foi glorioso! Ter colocado o passe
magnético e ter deixado a incorporação. Isso ele foi glorioso! Como está sendo até hoje gloriosa
essa parte da incorporação. Porque a entidade precisa do médium pra trabalhar e o médium
precisa dela pra trabalhar, não é. Você vai num centro , por exemplo, vamos colocar kardecista
pra entender melhor, você não vê incorporação! Não vê, não vê, não vê! Só vê em reunião deles,
assim fechada. [...] o estudo prevalece sobre as entidades eles não tem incorporação, só no
desenvolvimento mediúnico deles, você tá entendendo. Você sabe que é! É reunião fechada,
você entendeu!? Então, lá prevalece o que: o passe magnético. (Marcos - CEACDL).
Na época do seu Jair, aqui atrás dessa nossa parte, a gente tinha uma casa, aí atrás. Morava uma
médium, sinceridade, eu não me lembro o nome dela. Ela morava na casa, e tomava conta do
centro, ela morava aqui no centro. Na época quando o Bira veio pra cá, acendiam velas, lá atrás.
E ela desceu, essa casa, ela caiu. (Ubirajara- CEACDL).
O Bira fez uma campanha na época. Então o quê que aconteceu? fez os tubulões, até tinha um
rapaz que era do corpo de bombeiros que trabalhou aqui também, um escuro, Danilo, e tinham
mais dois que ajudou ele, sabe, a furar buraco, aquele negócio todo, e aquela lança que joga
concreto, ela fica no caminhão e vai levando concreto, ela amassava aqui no corredor e jogava.
Então fez um, dois, três, quatro, cinco aqui, encheu com ferragem, aqui. Aqui em baixo, depois
desse muro que tem aqui, oh, embaixo, que aquilo ali era tudo do centro, até três metros e meio
depois do muro era do centro. Então, tum, tum, tum, tum, mais um, mais um, mais um, ai deu
aquela chuvaiada toda, vocês lembram da chuva! Deu uma chuva fabulosa. O que segurou o
centro? Os tubulões que foram feitos aqui e depois o muro, que os outros desceram lá pra Viação
Presidente... O que segurou! Quer dizer, ele teve uma luz, entendeu, porque o que ele queria
fazer, era colocar os tubulões, pegar a parte que era do centro, não sei se era três metros, não sei
quantos metros que era; e fazer uma plataforma.(Marcos – CEACDL).
Só que não teve jeito, porque choveu, e choveu muito, choveu muito, muito! [...] mas choveu foi
demais da conta! O que quê aconteceu? Até por causa dos tubulões terem segurado, o centro
rachou e aqui era telhado de madeira. Aí, então o que quê aconteceu? Depois disso tudo! Ele
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desencarnou e eu por... sei lá por que!? Eu assumi o lugar dele. Aí o mesmo rapaz, Danilo, que
ajudou ele a fazer os tubulões, ele falou comigo: “Oh Marcos ! Oh, esse telhado aqui tem que
tirar!” Porque a gente só via de baixo pra cima, não via de cima pra baixo, “tá tudo corroído pelo
tempo”, aquelas madeiras apesar de ser forte, mas tava correndo o risco, entendeu. Eu falei com
a Dona Iara: “Oh Dona Iara, oh, a gente vai ter que dar um jeito nesse negócio aqui!” Ela falou:”
Eu estou com você!” Que a Dona Iara é outra pessoa espetacular! Aí nós começamos a mexer,
mais derrubou foi tudo! Foram dois anos e meio sem reunião na casa! E foi uma batalha
violenta! (Marcos – CEACDL).
E aí o processo de inverter foi justamente de levar o peso maior pra área mais tranqüila,
porque lá é o lado do público, onde tem o mezanino, onde tem aquela área. Então o peso, ficou
mais na área, aonde agora é, é mais é, é ao ar né, ficou pro lado de cá, né ficou mais leve. Foi o
Danilo, ele queria assim: “vamos fazer o seguinte, vamos fazer uma borda assim, outra borda
assim, colocar o cruzeiro no meio e vamos passar isso pro lado de cá”. Aí a tia dele (do
Ubirajara), a Ilza, ela é engenheira hidráulica, falou: “Ô Marcos, é mesmo! você faz isso, porque
eu vou drenar aqui atrás, ou seja, lá do lado da rua, porque a água descia e pegava ali e passava
ali. Ela drenou, ela fez um dreno tudo dentro de um projeto, bonitinho, sabe. Aí mudamos,
passamos pra cá o altar. [...] Então, foi mudado o altar, aí colocou a sala da biblioteca, a sala
onde faz o café. [...]. Tem os banheiros e tal. Porque os banheiros eram do lado de cá passou tudo
pro lado de lá. Justamente pra poder aliviar o peso que tinha do lado de cá. Agora as imagens,
que tem aqui não dão peso não, muito pelo contrário, essas seguram. (Risos). (Marcos –
CEACDL).
[...] A gente abre as portas da casa para uma reunião de segunda-feira, aonde exige-se iniciação
de um estudo doutrinário. Pra quê? Pra que as pessoas comecem a entender o que quê é
realmente o espiritismo e não aquilo que eles ouviram falar, não é. [...] na terça-feira é o
desenvolvimento mediúnico, do corpo mediúnico, dos médiuns da casa [...]. A quinta-feira que é
atendimento de público somente é feito pelos pretos-velhos, antigamente é que havia também a
conversa do público com os soldados, com a linha dos escoras, porém, devido ao entendimento,
inclusive foi na época do Ubiratan, do Bira, que conseguiu perceber que muitas pessoas do
público, por não estarem preparadas e por não possuírem um estudo doutrinário, elas
interpretavam erroneamente o que as entidades falavam, porque como o linguajar deles (escoras)
é muito parecido, gosta muito de falar bobagem, gosta muito de brincar como a gente tem no
cotidiano da gente, elas por várias vezes, achavam que aquilo era destorcido, o entendimento
delas eram destorcidos.(Ubirajara – CEACDL).
Nossa casa tem o trabalho de visita ao asilo, nossa casa tem um trabalho de visita à sanatórios e
a hospital, nossa casa tem um trabalho de café que a gente leva pra favela, não é, a gente tem o
trabalho, também com campanha: campanha de cobertor, a gente tem campanha do quilo onde a
161
gente atende muita gente. A visita do asilo a gente vai todo terceiro domingo do mês, a
campanha do quilo é feita no segundo e no quarto domingo do mês, a ida ao hospital é que a
gente marca, e o café é feito toda segunda quarta-feira do mês à noite. Os outros eventos a gente
vai marcando: a campanha de Natal é feita no final do ano, a campanha do cobertor é
juntamente, logo depois do meio do ano, logo quando começa agosto, a época de frio, a gente
começa a fazer a campanha, não é, que pra cobrir, arrecadar, pra gente poder comprar cobertor,
pra gente poder conseguir as coisas, a gente faz peça, a gente faz bingo, a gente faz as coisas pra
poder arrecadar, lembrando que, nós nunca pedimos dinheiro a ninguém, qualquer pessoa que
queira nos ajudar, às vezes, com a quantia em dinheiro, a gente pede que ela reverta no material
que a gente precisa, mas a gente não pega o dinheiro. Porque, infelizmente, o dinheiro é uma
coisa muito complicada; se uma pessoa te dá um saco de arroz, qual vai ser o fim do saco de
arroz? Alimentação! Agora se uma pessoa te dá dez reais!? Ele pode virar um monte de coisas. E
depois a pessoa chega pra você e fala assim: „O que quê você fez com os dez reais?‟ Então, pra
evitar esse tipo de transtorno, esse tipo de dúvida, a gente prefere que a pessoa transforme
naquilo, no que ela quiser doar. E...tirando esse ano, ficamos adultos com a campanha do Natal,
dezoito anos, conseguimos finalizar a campanha com oito mil (8.000) quilos de alimentos,
conseguimos finalizar a campanha com mil bolas, e conseguimos fazer mil saquinhos de bala,
pipoca, pirulito que foi entregue. (Ubirajara – CEACDL).
Na hora que eu liguei, que a gente vai com o Papai Noel, a gente vai com bola, saquinho de bala,
pipoca, pirulito, aquelas coisas todas e o alimento a gente leva pra instituição, e, chegando lá, a
gente não esquece nunca disso; na hora que nós chegamos uma enfermeira falou assim: “Aqui,
faz o seguinte, vem primeiro nesse quarto aqui, porque esse menino nem dormiu, porque nós
avisamos que Papai Noel vinha, ele tá numa euforia, numa alegria, tão doido querendo o Papai
Noel, “Cadê o Papai Noel?”Ele tinha nove (9) anos. Então, a gente falou:” então vamos lá!”Ai
nós chegamos, nós levamos a bola, nós levamos o saquinho, mas na hora que ele viu o Papai
Noel, a alegria dele foi tão grande que ele largou a bola e largou o saquinho, ele queria o Papai
Noel, a alegria dele era o Papai Noel, todo mundo ficou encantado com aquela alegria, desse
menino, com o Papai Noel. E assim, fizemos a visita, saímos e fomos visitar as outras alas; ele
tava numa ala, ele tava todo entubadinho, cheio de soro, com a mangueirinha enfiada e tal, e
assim foi, fomos visitar outra ala, na hora que a gente acabou a visita e que a gente tava indo
embora, a enfermeira chamou a gente, ela me chamou e falou assim: “fala com o pessoal que ele
estava só esperando o Papai Noel chegar.” Ele faleceu. E naquele instante, houve aquele aperto,
não é, o coração da gente aperta, dá uma tristeza, mas ao mesmo tempo, vem aquela coisa,
aquele esclarecimento, que eu falei com todo mundo, a gente foi para a capela, fizemos uma
oração pra ele; eu falei com eles: “vamos agradecer à Deus, pela oportunidade que ele está nós
dando; sabe por quê? Porque nesse momento final da vida dele de sofrimento, entubado,
sofrendo do jeito que ele tava, esse menino foi um exemplo pra nós.” (Ubirajara – CEACDL).
162
Até que viemos conhecer a Umbanda esotérica, através da Mãe Marilene, ainda na década de
setenta (1970), mas, já no finalzinho dessa década. Então, nós iniciamos na Umbanda esotérica e
quando a Mãe Marilene fechou o Terreiro por motivo de mudanças para os Estados Unidos, não
é, ela passou a ordem pra Mãe Tina de constituir a casa dela. (Mãe Andréia – TUEDLUZ).
Em 1981 nós fundamos a TUEDLUZ. Quer dizer, antes disso, nós já fazíamos reuniões na casa
de um, na nossa residência, na residência de amigos e fomos começando um grupo. [...] Assim a
gente montou um grupo na rua Guarani onde residíamos. Depois nós alugamos um barracão que
estava ainda em término de construção. A senhora lá cedeu pra gente, a gente ia acabar de
construir o imóvel e ela cedeu. Inicialmente quando a TUEDLUZ foi fundada era de aluguel e
foi feito um contrato. Esse contrato de comodato que a proprietária fez conosco durou cinco anos
e assim que terminou o contrato ela pediu o imóvel. A partir daí foi um sufoco porque pegou a
gente de surpresa e o centro já tinha toda uma estrutura pra realizar os nossos trabalhos, os
nossos atendimentos, a TUEDLUZ já era conhecida na região. No entanto, nós fomos obrigados
a sair porque ela tinha esse direito. Atendemos algumas vezes aqui em casa, nessa garagem,
aqui, onde nós estamos; até que a gente recebeu o convite pra ficar no galpão, era no fundo de
uma residência, na rua de cima da TUEDLUZ na época era rua São Francisco, agora não sei se é
Euvídio Prisco. Aquela de cima, ou é Gustavo Capanema. Nós ficamos mais ou menos um ano e
oito meses, um ano e dez meses, mais ou menos. Mas, a gente já sabia que era um prazo
pequeno, que era de no máximo de assim... ele tinha falado em torno de um ano e a gente
acabou ficando quase dois anos. Eles também pediram o imóvel, eles tinham as necessidades
deles. Nós quase fechamos a TUEDLUZ, a TUEDLUZ quase acabou. Um dia de muito
desespero, de muito pranto a gente recebeu a visita do tio dos proprietários do atual local onde
hoje é a TUEDLUZ. Então, ele falou que os sobrinhos dele estavam querendo vender o lote e
que ele havia conversado e feito uma proposta pra eles: a gente ir pagava aos poucos, construía,
depois a gente ia arrecadando fundos. E assim nós fizemos. (Mãe Andréia – TUEDLUZ).
163
Muita coisa interessante a gente passou, não é, é... tem aqui as fotos da gente construindo o
ambiente. Oh, pegando mesmo na enxada. Isso aí foi quando começou a construir a sede. Olha,
lá era só lote mesmo. Era virgem, era só lote, aí nós cavamos, levantamos algumas paredes, nós
mesmos levantamos; eu e minha mãe nunca mexemos com alvenaria (leve riso), mas na hora lá,
“vão que vão, vão fazer!”, tem algumas paredes lá que eram tortas agora já nem existem mais
essas paredes, graças à Deus! Muita doação de tijolo refugado, que é tijolo com pequeno defeito,
às vezes é meio tijolo, então, a gente ganhava caminhões e caminhões e, assim, a gente foi
construindo, isso aqui tudo é a gente fazendo essa, essa segunda parte. Então, a casa passou a
reerguer, passou por uma série de reformas, já ampliou. Hoje nós já temos um prédio de dois
pavimentos, vários departamentos funcionando. Antes era basicamente a área do templo mesmo,
era apenas a área de atendimento, agora temos a área de assistência, os vestiários uma cozinha e
os banheiros e a tronqueira que é fundamental a toda casa. Então, hoje nós temos esse espaço
maior e mais as salas de tratamento, e também o salão de festa. (Mãe Andréia - TUEDLUZ).
Depois nós construímos esse ambulatório médico na frente. E a gente trabalhou um ano e pouco
com atendimento médico gratuito, com distribuição de remédios, então nós tínhamos lá é: clínico
geral, pediatra, tinha até alergista tinha, né, que vacinava as pessoas contra alergia e tudo, mas
infelizmente a gente contar com isso é difícil, porque a carreira de médico é complicada, e aí por
fim os médicos foram, uns foram viajando para o exterior, outros foram arrumado plantões mais
difíceis, foram abandonando e a gente teve, então, que abrir mão desse desejo da mãe Tina. A
Mãe Tina sempre teve uma vocação filantrópica muito grande, ela sempre pensava na
TUEDLUZ como a Umbanda, mas também pensava na TUEDLUZ como uma instituição
filantrópica, tanto que desde o começo ela fez questão de ser tudo registrado nos órgãos públicos
direitinho, tem CNPJ próprio, tem Estatuto, o Estatuto versa inclusive sobre o imóvel, que não
me pertence, não pertencia a Mãe Tina, pertence à Casa, não é, tem a destinação do imóvel caso
a diretoria venha a decidir pelo fim da instituição, como que o imóvel toda a propriedade da
TUEDLUZ será destinada, ou seja, não fica nada pra gente graças à Deus! E... aí do
ambulatório, nós construímos, o segundo andar pra fazer o salão, não é, de festa que a gente já
fazia uma série de eventos, que tudo isso aqui foi construído assim: com feijoada, com bingo,
com festa junina, tudo assim. Algumas doações, em dinheiro e em produtos eram: caminhões de
areia, caminhões de brita, caminhões de cimento que chegava, mão-de-obra; você pode vê que os
próprios médiuns participavam, nós também, como eu disse, mamãe, eu, a gente calejou a mão
aí! Então, assim que surgiu a TUEDLUZ. (Mãe Andréia – TUEDLUZ)
Em dois mil e cinco (2005) a Mãe faleceu, Mãe Tina subitamente faleceu e a gente assumiu a
casa, os membros na época... tivemos uma reunião, porque eu além de não ter a mãe de santo, eu
não tinha a mãe também, então eu fiquei bastante abalada, sou filha única e a gente era muito
unida, muito ligada, mamãe e eu; mas aí... passado a fase do susto do momento, nós tivemos uma
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reunião de diretoria com os médiuns e eles pediram se eu podia dar prosseguimento e a gente
entrou numa concordância que sim e, aí, nós fomos caminhando, graças à Deus! Hoje a casa
permanece de pé, muito cheia, tem dia que a gente, faz atendimento até mais tarde. (Mãe
Andréia – TUEDLUZ)
Depois da partida da Mãe Tina muita coisa nova a gente veio trabalhando. É como as entidades
falaram: “agora é uma nova etapa!” Então houve um tempo que a gente manteve como era,
depois disso as entidades começaram a fazer pequenas mudanças, mudanças sutis, não é, como
por exemplo: o retorno do atabaque, foi o Pai Roque que é o mentor da casa quem pediu, nós já
usávamos o atabaque, usamos o atabaque numa ocasião na TUEDLUZ. [...], a gente voltou
alguma coisa de africanismo a gente trouxe de volta, não é, desde que não venha ferir os
princípios que norteiam o nosso princípio que é a Umbanda esotérica, que ela não tem esses ritos
africanos, então ela não tem as vestimentas, os paramentos africanos, não é, a Umbanda esotérica
não tem os rituais de matança que se realiza no candomblé [...] a única coisa que se trouxe foi
essa parte musical que é o atabaque, com o atabaque veio a dança. Tanto a dança, quanto o
atabaque são usados apenas nos rituais festivos. O Pai Roque não permitiu que se introduzisse
nos trabalhos de atendimento porque nosso trabalho não é dessa forma, então, só mesmo quando
a gente faz uma homenagem a um orixá ou algum ritual de iniciação é que a gente usa, na
verdade além dele resgatar um pouco do africanismo, ele resgatou o quarto pilar da Umbanda
que é o pilar da arte que não só engloba a música como outras partes que a gente pode dar uma
conotação artística, como a própria grafia não deixa de ser uma parte da arte. Os outros três
pilares seria a ciência, a filosofia e a religião todos esses pilares são citados nas obras do W.W da
Matta e Silva e do Rivas Neto, [...]. E hoje mesmo, algumas pessoas quando a gente colocou o
atabaque [...] e a dança [...] muitas pessoas falaram assim: “Então você vai transformar a casa
num candomblé!” Como também quando a gente trouxe o passe magnético, o estudo do
evangelho sistematizado muita gente falou que a gente ia transformar a TUEDLUZ em
kardecismo. Então, não é esse o objetivo, tanto é que os trabalhos permanecem iguais, a gente
aprende coisas com outras pessoas, com outros segmentos e outros chefes de religiões e aquilo
que é interessante pra gente colocar na casa, que a gente acha que vai favorecer, não só a parte
religiosa mas a parte moral também, não só do grupo como da assistência, a gente insere no
trabalho, mas sempre permanecendo, sempre preocupando em não desvirtuar o que a gente
aprendeu ou o que é básico nosso. (Mãe Andréia – TUEDLUZ).
como trabalho de passe magnético, como trabalho de cromoterapia, dos cristais e também
acontece o desenvolvimento mediúnico, também nessa sexta-feira que é fechada. (Pai Gil-
TUEDLUZ).
A Umbanda esotérica é um segmento que guarda, que cultua a influência ameríndia e africana,
como os outros seguimentos de Umbanda, mas que junto com isso, preserva essa raiz, esse
conhecimento milenar, que é o conhecimento egípcio, que é o conhecimento dessa parte asiática.
A Umbanda esotérica é mais ligada à cultura asiática, porque a gente preserva essa questão da
astrologia, essa questão da influência numérica, astrológica do sol em relação aos signos, então
isso, pra gente é uma coisa muito importante, e uma ferramenta desprezadas pelos outros
segmentos de Umbanda. É o conhecimento que ficou perdido e que tem uma influência porque
nós vivemos, hoje, o nosso calendário é romano, a nossa influência lunar, a gente segue tudo,
através desse princípio e é uma cultura muito rica, porque é a cultura mais antiga: a milenar.
Então, a Umbanda esotérica, ela traz essa raiz, ela não dispensou porque houve um tempo que
esses povos eram unidos, então todos esses conhecimentos eram. Eram unificados numa só
religião, quando houve essa fusão, essa separação, então cada um levou um desses troncos, não
é, e permaneceu fechado dentro desse conhecimento. Então esse fio esotérico, essa raiz que é a
Umbanda esotérica, ela procura resgatar dentro do possível a parte dessa cultura que foi separada
numa determinada época, numa determinada transformação do tempo da formação da
humanidade, então o esoterismo da Umbanda ele se apóia trazendo essa cultura, essa influência
pra nós, ela é muito importante; por isso, nossos pontos riscados são diferentes, a nossa forma de
trabalho, as nossas cores de identificação, todas são diferenciadas porque elas são apoiadas nessa
questão esotérica da Umbanda. Nós temos um trabalho aqui na casa que nós falamos que é um
trabalho de genoterapia que é feito através de uma ferramenta que é própria e única da Umbanda
esotérica, que nós conhecemos como neumas, então é um aparelho tá, ele é construído em
madeira e ali através daquele aparelho nós trabalhamos com a força dos cristais também, esse
trabalho ele é específico para saúde, energias de saúde, tanto física, quanto mental e espiritual. A
gente trabalha os três corpos porque o corpo físico manifesta o que o mental somatiza e o que o
espiritual atraí; então a gente tem que fazer o processo pra um refletir no outro. [...] Aqui tem a
sala do passe onde é feito todo o trabalho de passe magnético, terapia, cromoterapia que é feito
com as luzes. (Pai Gil- TUEDLUZ).
A camarinha não é necessariamente aquele modelo de camarinha que a gente tem nas casas de
nação, mais é...uma sala onde um médium para ser iniciado, pra passar pelos rituais de iniciação,
ele tem que fazer um recolhimento de no mínimo setenta e duas horas, então aqui são feitas
oferendas e tal; então tem as pessoas que podem entrar para cuidar, na ocasião certa, isso tudo é
forrado com as cores específicas pra fazer a mesa do orixá, todos os móveis são retirados, fica
apenas uma esteira. (Pai Gil – TUEDLUZ).
166
Para o iniciado realmente escutar o interior dele, e escutar as energias que vão tá presente ali.
Então assim, não tem a mesma característica da camarinha que tem no candomblé que ali mata
bicho, corta aqui, vira o sangue do bicho na cabeça da pessoa e amarra o pano, não tem nada
disso. Ali ele tá preparando uma das obrigações, é essa que ele tá fazendo, não é, preparando o
banho que ele mesmo vai tomar, então ele mesmo prepara, dorme no chão, dorme na esteira, pra
quê? Pra demonstrar o sacrifício pra ele vê que o negócio não é fácil não. Que o povo acha, a
gente fala muito, que ser umbandista é você por a roupa branca e trabalhar. É igual eu mencionei
pra você, quando a gente constituiu a escola de médiuns, muita gente caiu fora, falou: “eu não,
eu vou ter que estudar, não, eu não tô aqui pra isso não!” Então, é pra gente mostrar que a
Umbanda não é só eu por a roupinha branca, não é só ser chamado de médium, não é só ser
chamado de Pai-de-santo. Umbanda é sacrifício, é trabalho, é dedicação. (Mãe Andréia -
TUEDLUZ).
Como pai de santo eu tenho tudo que tem lá no Peji, então aqui é um peji, eu já tenho o
fundamento de uma casa, então com essa cruz que é igual a do peji, com essa tábua que é minhas
ordens de trabalho, então, é fundamento de terreiro, aí eu tendo um espaço eu posso montar o
meu terreiro, montar o meu peji, e as imagens pela questão sincrética é... opção, se eu quiser eu
não preciso ter, mas as grafias eu tenho que ter. [...] Ah!! O meu jogo de búzios fica na minha
casa, porque eu já tenho autorização pra poder jogar, a mãe mantém o dela aqui no terreiro. Aí as
guias são assim oh! Essa é a guia de sete linhas, então ela vem uma pedra, uma pedra de cada
orixá e na ponta grafada, as grafias cabalísticas aqui. Essa é a guia de orixá de confirmação,
então, quando o médium ainda, ainda é menor, ele tem o crucifixo de metal, depois que passa a
ser pai-de-santo, ai ele vem com a cruz que a gente fala triangulada, então vem as grafias aqui e
o triângulo com a cruz centrada e essa é a guia máxima, é a guia de chefe de terreiro e é a guia de
água marinha, então, essa guia a gente usa em dia de ritual, então quem tem essa guia aqui é só
eu e a mãe Andréia, é a guia do chefe de terreiro mesmo, do pai-de-santo. A gente joga com
nove búzios e dentro daquela tábua com as grafias. No candomblé o jogo de búzios são dezesseis
búzios, às vezes, jogam numa toalha cercada de guias. (Pai Gil – TUEDLUZ).
A Umbanda esotérica vem do Rio, do Pai da Matta, de Itacurussá. Itacurussá é uma cidadezinha
praiana do Rio de Janeiro. Então, ele foi recebendo os ensinamentos do Pai Guiné que era o
mentor dele. Ele, Pai da Matta, iniciou na umbanda popular, nós também iniciamos na umbanda
popular, até que conhecemos a umbanda esotérica. Então na década de sessenta (1960) começo
da década de setenta (1970), ele recebeu os ensinamentos do Pai Guiné que tornou esse
segmento da Umbanda um pouco diferente dos demais ritos justamente por causa dessa
diferenciação do africanismo, não é [...]. Então, nasceu com o Pai da Matta e na década de
setenta (1970) nós tivemos contato com essa doutrina que a gente abraçou e vem trazendo, né,
até hoje graças à Deus! (Mãe Andréia – TUEDLUZ).
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Depois esse comando passou pra São Paulo porque passou pro Rivas Neto que era um iniciado
mais velho do Pai da Matta; porque na hierarquia da Umbanda esotérica como na do candomblé,
o filho mais velho no santo, na iniciação, recebe o comando. Então, o Pai da Matta passou pra
ele o comando, por isso, expandiu-se em São Paulo [...]. Rivas Neto fundou a „Escola Iniciática
do Cruzeiro Divino‟ que é presidida por ele, o filho mais velho do Pai da Matta. (Pai Gil –
TUEDLUZ).
A mãe Marilene ela foi consagrada pelo Pai da Matta, no caso ela é irmã de santo, santé que a
gente fala, Pai da Matta falava santé. Então Mãe Marilene é irmã de santé de Rivas Neto. E... a
Mãe Marilene era filha do pai da Matta, Mãe Tina filha de Mãe Marilene. Mãe Marilene é... avó
da Mãe Andréia. É nossa avó de santé. Mãe Marilene foi embora do Brasil, passou o comando
pra Mãe Tina e o Pai da Matta veio fazer a consagração e confirmar a passagem desse comando
que foi aquela cruz, as obras de trabalhos, entendeu, como eu recebi das mãos da Mãe Andréia;
Mãe Tina veio me preparando, mas não deu tempo, aí a Andréia completou o ciclo, né. Me
entregou. Um dia eu vou tá entregando isso pra mais alguém. Um dia eu vou tá entregando
também uma cruz e uma tábua dessa pra um filho meu, pra ele dá continuidade. (Pai Gil –
TUEDLUZ).
Inicialmente, ela abraçou a Umbanda pela dor, não é, foi onde ela foi buscar alento pra dor da
perda do marido, mas depois ela abraçou a Umbanda esotérica por amor e em cima desse amor
ela construiu toda a nossa história [...]. Graças à Deus é herança da Mãe Tina! Foi herança dela
pra nós! (Mãe Andréia - TUEDLUZ).
A gente fala muito, muito, muito, são dos pretos-velhos que quase como se fossem psicólogos,
são aqueles que as pessoas procuram para orientar; médicos também, dão receitinhas, são mais
para esse lado. Os meninos de angola que nós chamamos de menino de angola, na Umbanda,
Cosme e Damião que é um de seus representantes: a alegria, o discernimento, a tranqüilidade, o
não preocupar, dá um pouco de refresco; os caboclos que são representantes da natureza, a
relação nossa com a natureza, de proteção as matas e tudo. No caso do caboclo, pode ser
considerado aquele pai que está ali para aconselhar: “mas... opa!” De falar mais duro. E junto a
eles todas as linhas todas as falanges umas ajudando as outras. (Anamir - TUPJA).
Eu entendo assim, que a gente está bem perto do que representa o povo porque a nossa religião
ela está de uma certa forma representando os escravos, os índios, e o Brasil é praticamente feito
de escravos e de índios; os outros vieram e misturaram. Embora vieram europeus, os
portugueses, os asiáticos, os japoneses, etc. etc... A origem e a noção dos índios e depois dos
negros formaram a maioria. Então, eu acho que a Umbanda está representando exatamente isso,
nós somos o povo brasileiro sim, a Umbanda representa o povo brasileiro sim. (Anamir -
TUPJA).
Transe/Primeiro relato:
Eu acredito que você esteja perguntando do momento em que a gente está lúcido até o momento
que você deixou-se incorporar por uma entidade. Esse trabalho é um trabalho de concentração, a
partir da evolução mental e de estudo que a gente tem e busca, há a entrega completa de seu
corpo e da sua mente, mas com a reserva de que você é dono daquele corpo, daquela matéria,
então você entrega mas consciente. Você vai sentir os fluidos e a entrega é proporcional ao seu
desenvolvimento mental. Agora, eu não viro um outro ser, sou eu mesma, mas a gente
desenvolve a mediunidade auditiva a mediunidade visual, que você acaba ouvindo o que eles
querem que você diga, vendo, muitas vezes, você consegue ver também o que está
acompanhando aquela pessoa qual espírito a aura daquela pessoa como esta! E o sentir também,
a sensação, porque a pessoa chega para você um pouco carregada e você desenvolve a sensação.
Então, para você desenvolver isso tudo não é: “opa hoje eu já sei o que tá acontecendo! Não”.
Existe todo um processo de estudo, de freqüentar, de ouvir, de entender, de aprender, de se
entregar: aí tem que haver a entrega, sem a entrega você não consegue o transe. Então tem que
haver a entrega: “eu estou entregue o que vier eu estou aceitando” e quem está de fora é que vai
saber, o que você aceitou se pode ficar aqui nesse terreiro ou não porque em cada lugar existe a
passagem de um espírito. (Anamir - TUPJA).
Transe/Segundo relato:
O transe é uma questão muito complicada e origina uma curiosidade muito grande. As entidades
tem uma forma de aproximar: primeiro ela emite fluidos, depois ela se aproxima, depois ela se
irradia, depois ela envolve o médium, até que ela tenha condição de se manifestar. Esse é um
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processo que nós chamamos de cinco fases, e é justamente esse processo que é a parte prática do
desenvolvimento mediúnico; a pessoa tem que desenvolver essa condição para que a
manifestação se dê. A incorporação ela se faz da seguinte forma: através desses envolvimentos e
a entidade ela atua diretamente no psíquico do médium, nós ficamos num estado de consciência
alterado: a sua visão, a sua fala, a sua audição, a sua coordenação motora, elas estão em plena
atividade, mas a sua consciência do seu eu, naquele momento, você não tá operante, você tá fora
de área e o espírito atuante é que está ali usando essa ferramenta, esse material humano para se
comunicar e fazer o trabalho dele. Então, na verdade, o que as pessoas entendem, muitas vezes,
acham que se não for inconsciência a incorporação não aconteceu; é o estado de consciência que
se altera. Então, você não é dono das suas palavras, naquele momento porque muitas vezes, na
maioria delas, você não tem conhecimento do que vai ser dito durante o tempo da incorporação a
gente permanece no estado de consciência totalmente alterado. (Pai Gil - TUEDLUZ).
Transe/Terceiro relato:
Varia de pessoa para pessoa, tem pessoas que não tem transe quase nenhum e algumas pessoas já
tem o transe total; eu às vezes, até falo que você não tem que ficar totalmente inconsciente,
porque você vai dar oportunidade a outras energias. Eu me entrego e a minha entidade é que vai
agir e o que ela achar o que eu devo ou que eu possa saber que fique pra mim, você entendeu!
Mas eu não vou me preocupar. Não é por aí não; não que você não vai ficar em transe completo;
você fica! Mas assim, eu posso até lembrar de você: “Ah, eu conversei com o seu exu”,
principalmente quando são muitas pessoas, posso até me lembrar e tal, mas fica aquela coisa
vaga na minha cabeça, será que...? É até muito perigoso o médium assim, totalmente
inconsciente, principalmente médiuns que fazem transporte, médiuns que fazem a desobsessão,
então, isso é muito importante, que você não deixe que qualquer energia tome totalmente a sua
mente para que você possa ter um certo domínio. (Mãe Teresa - CBPC).
Transe/Quarto relato:
O entendimento da incorporação, é muito mal divulgada, pois, a maioria das vezes, as pessoas
entendem o seguinte: „vai sair o espírito de um corpo vai entrar outro‟. Não é assim que
acontece. Até aquela parte: „dois corpos não ocupam o mesmo espaço‟, então, por isso, o
trabalho do desenvolvimento mediúnico, exige uma conciliação do mentor espiritual, junto ao
corpo, a matéria e junto ao espírito do médium, para que ele dê aquela autorização para a
manifestação. Essa idéia do Ghost, que é a idéia de incorporação que as pessoas tem é a seguinte:
„saiu minha alma entrou outra‟; não é assim que funciona! Nunca o espírito do médium vai
abandonar completamente a sua matéria, vai! Apenas na hora em que terminar a sua missão.
(Ubirajara - CEACDL).
Para mim, ser umbandista é ter o contato ou não perder o contato com aqueles que iniciaram essa
religião no Brasil, que foram os nossos ancestrais que os brancos trouxeram para cá, apesar de
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que a Umbanda mesmo é brasileira, é uma religião brasileira, mas ela tem um elo com a África
que é um elo muito maravilhoso! Então ser umbandista é como dizer para você assim: “eu sou
africana, eu sou descendente de africano!” Isso é muito bom! É como se eu tivesse uma ligação
ainda com a África através da minha religião, eu tenho uma ligação com a África. (Míriam –
TUPJA).
Eu não sei se você viu, se você estudou isso, a Umbanda foi muito perseguida no passado a gente
tinha que ter o registro; a TUEDLUZ não chegou nesse ponto, quando a TUEDLUZ foi
registrada já era no cartório de pessoas jurídicas, mas pouco antes, poucos anos antes o registro
de terreiros de Umbanda era na delegacia de polícia, na mesma vara, no mesmo setor onde se
registravam casas de prostituição, bares, zonas e boemias, a gente era classificado no mesmo
grupo. A Umbanda passou por uma fase muito difícil, polícia entrava, destruía o terreiro inteiro,
infelizmente a Umbanda passou por isso. (Mãe Andréia – TUEDLUZ).
Lá na casa do Pai Henrique tem umas médiuns mais velhas, não é, elas assim... conversando:
“você lembra quando todo mês pra gente tocar a sessão a gente tinha que ir lá na delegacia pegar
o alvará! Tinha que ir lá na delegacia pegar a autorização!”... Isso elas contam essa história, todo
mês tinham que buscar autorização pra poder tocar a sessão, muitas vezes, tinham que parar os
atabaques e os cantos. A cultura popular traz muitas coisas que não tem uma raiz, não tem uma
composição, por exemplo: as curimbas; não existe um autor, elas são de todos. No meio dessas
curimbas que é de todos, aparecem muitas coisas que a gente não sabe de onde é que veio
também, por isso, têm cantos da linha de exu que os consideram malandros, viciados, cafetinas,
prostitutas. Então, se a polícia chegasse fechava o terreiro. Gira de exu, elas contam, tinha que
ser no escuro, com luz apagada, lá no alto da madrugada, não era aberto ao público e era uma
coisa muito restrita, justamente por causa desse preconceito que era muito grande. (Pai Gil –
TUEDLUZ).
[...] a gente também precisa de um ambiente natural, mas a gente não acha mais! Caçar um lugar
apropriado, mais distante obviamente. Aí, você tem que deslocar com mais tempo, você sair
daqui. Chegar do serviço, sair daqui, deslocar pra lá, depois voltar e tudo mais, dia de semana
pra gente que trabalha é difícil! [...] riacho a gente já desistiu, quando a gente procura assim, é
mata. Então, isso [...] é uma coisa que choca muito a gente, porque hoje infelizmente a gente tá
sem espaço mesmo pra praticar na natureza. (Mãe Andréia - TUEDLUZ).
Os próprios médiuns que estão na Umbanda tem vergonha de dizer há que ele veio, há que ele
está aqui, não é. Nós passamos um final de ano no Rio, então assim, é anos luz de diferença da
Umbanda ou do Candomblé daqui de Minas. Porque você vai no Rio, de manhã cedo o pessoal
já tá indo para a praia pegando ônibus comum, tudo vestido de santo, batendo o atabaque, com as
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flores na mão, andando na rua normal, sabe, normal! [...]. Agora aqui não! Se você encontrar
alguém na rua e te perguntar se você tá indo para festa de Iemanjá, você fala que vai para
qualquer lugar: “estou indo na lagoa, não estou indo para festa de Iemanjá, não. Estou indo para
a lagoa!” E os próprios médiuns não assumem [...]. Então é preciso abraçar a Umbanda. Eu não
estou dizendo que você precisa afrontar ninguém, mas Assumir! Não preciso afrontar ninguém,
mas também não preciso sentir menor do que ninguém, eu tenho uma religião como outra
qualquer, um credo como outro qualquer! (Míriam – TUPJA).
leva de uma forma alegre como uma criança; ele fala na sua cara o que você precisa de ouvir:
“Olha você tá assim, porque você tá contribuindo pra isso, então, muda isso que você vai vê o
resultado aqui, eu posso te ajudar até aqui, mas daqui pra frente é você que tem que fazer a sua
parte!”[...]. Então, na síntese, todos eles vem trazendo essa questão: precisamos da humildade, da
força, da coragem e precisamos entender que o caminho tem que ser caminhado passo a passo
pra gente poder crescer. (Pai Gil – TUEDLUZ).
[...] ela (a Tenda) virou Porto Seguro, não só para as pessoas que já estão acostumadas a
freqüentar o terreiro, mas também para as pessoas que vem de fora, sentem uma certa segurança,
uma certa paz, um refúgio, às vezes, para fugir um pouco dos problemas. E também com relação
a gente mesmo que freqüenta assiduamente, porque a vida é tão turbulenta, que há momentos em
que eu quero fugir, vou pro terreiro! Então, virou assim um Porto Seguro, um ponto de apoio
espiritual, casa espiritual, [...]. (Anamir –TUPJA).
Em primeiro lugar, você começa a valorizar tudo que você vê aqui dentro e depois você começa
a valorizar a força e a coragem que a Umbanda prega, [...] a luta, o sacrifício. A gente começa a
aprender a amar mesmo a casa; você começa defender a casa, porque você começa a se sentir
parte dela; então, cada chão que você vai ajudar a limpar, cada parede que você vai ajudar a
pintar, cada janela que você tem o cuidado de fechar na hora de ir embora; a luz que você não
deixa acessa, a despesa que você ajuda a manter, tudo isso, são questões que a gente vai
aprendendo: a ter o zelo, a ter o amor pela casa. (Pai Gil – TUEDLUZ).
Aí, também eu trabalhei dentro de casa, depois é que eu construí esse centro, com a ajuda do
povo, o povo que me ajudou a construir eu não tinha nada; foram... muitos anos de trabalho! (D.
Leonor- TUPJA).
Era um quartinho dentro de casa, um espaço para ser centro. Mas assim, vivia lotado!!!! Porque
eu atendia no sábado, o dia todo e não tinha tempo de almoçar para atender, só tinha o sábado
para atender. (Míriam - TUPJA).
Eu registrei a Associação de Pai Caetano em noventa e cinco, mas eu já tocava aqui, a gente tem
até hoje, lá dentro, lá. Hoje a gente guarda as coisas lá, é um comodozinho pequenininho onde
era meu altar e tal e a gente fazia a sessão no terreiro, debaixo da área do meu irmão, e ai eu
tinha uma freqüência de gente, o povo vinha, vinha muita gente pra tomar passe [...]. (Mãe
Teresa - CBPC)
Então, em 1981 nós fundamos a TUEDLUZ. Quer dizer, antes disso, nós já fazíamos reuniões
na casa de um, na nossa residência, na residência de amigos e fomos começando um grupo. Até
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que a gente falou assim: “não, então agora já é hora de termos a nossa casa!”. (Mãe Andréia -
TUEDLUZ).
Nós tínhamos um centro na nossa casa, [...] era pequenininho lá no fundo da nossa casa, nós
tínhamos três, quatro médiuns, só, lá assim. Então, quando nós, tivemos que vender a casa, e a
gente não arranjava lugar para alugar, para fazermos o nosso centro. [...] Aí o meu padrinho caiu
e fraturou o crânio. Como nós estávamos com o centro fechado, ele pediu o Bira pra tomar conta
do centro. (D. Iara – CEACDL).
A Umbanda exige muito, acender umas velinhas para eles na segunda feira que é dos pretos-
velhos, fazer essas coisas, buscar a obrigação. Eu primeiro venho aqui [...] já rezo, faço as
obrigações; daqui vou para dentro fazer as outras coisas, aí quando dá meio-dia eu estou aqui de
novo, acendo as velas dos escoras para eu poder trabalhar, porque também não pode, você
trabalhar sem tá acesso na porta. (D. Leonor – TUPJA).
A gente não pode ter relação sexual no dia anterior e no dia do trabalho de forma nenhuma. Se
acontecer no dia anterior é até aceitável, mas no dia do trabalho não pode, tem que evitar. (Pai
Gil – TUEDLUZ).
A Umbanda no Brasil, de acordo com a informação literária que nós temos, ela surgiu através de
Zélio Fernandino de Morais. Ele era um médium, ou seja, ele tinha a condição, a capacidade
mediúnica. Na sua adolescência era uma pessoa muito doente, teve uma época que ele ficou
acamado e foi até desenganado, os médicos não conseguiam detectar o problema físico dele. Um
belo dia, ele levantou da cama, manifestado de um espírito/entidade que falou que iria se
apresentar no dia seguinte às vinte horas e que dali nasceria um culto, um novo caminho. No dia
seguinte às vinte horas essa entidade se manifestou, falou que era um caboclo e que abriria os
caminhos para essa nova religião que se chamaria umbanda: uma religião que daria aos pobres e
oprimidos a oportunidade e acesso ao crescimento das coisas espirituais. A entidade determinou
que essas reuniões manifestariam os pretos-velhos, os caboclos, ou seja, entidades que não
tinham oportunidades nas mesas espíritas para atender aos necessitados que também não eram
recebidos nas casas que até então eram muito elitizadas e assim iniciou-se e essas casas foram
fundadas. Foi dado a cada um dos presentes a responsabilidade do fundamento de uma tenda e
essas tendas foram fundadas a partir desse dia, muitas delas existem ainda hoje no Rio de Janeiro
e de lá pra cá, outros terreiros surgiram e a religião foi se expandindo. (Pai Gil - TUEDLUZ).
Foi em Niterói, no Rio de Janeiro, quem trouxe a Umbanda foi o Caboclo Sete (7)
Encruzilhadas, a data eu não vou te precisar agora não, mas eu posso informar-lhe depois. A
incorporação dessa entidade foi feita por um menino novo que estava com um problema de
doença e parentes levaram ele no centro, que eles chamam de centro de mesa, aquela coisa toda.
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Essa entidade se apresentou e as pessoas que estavam naquele meio, não deram permissão pra
ela falar, porque achavam que aquilo era ridículo. Então, o menino saiu dali, foi e colocou uma
rosa em cima da mesa. Entendeu; daí pra frente, aqui no Brasil que começou a Umbanda, foi
lançada pelo Caboclo Sete (7) Encruzilhadas. Isso ai, você pode pegar na internet,
tranquilamente. (Marcos - CEACDL)
Porque a Umbanda chegou no século XIX, né, que chegou aqui no Brasil. (D. Leonor – TUPJA).
Chegou antes, no período do descobrimento do Brasil, Século XVI por aí.... A formação da
Umbanda, você quer ver, eu tive uma lição sobre isso há pouco tempo atrás eu não sabia quando
ela surgiu, ela foi fundada aqui no Brasil pelo caboclo Sete (7) Encruzilhadas. Porém, na história
do negro que era segregado, de querer manter a religião africana e ser obrigado a seguir o
catolicismo e fazer aquele misticismo para poder conseguir manter a religião deles, então, a
história perdeu um pouco nisso daí, em questão de data, em questão de tempo, você conseguir
identificar exatamente datas se perde muito nesse período da escravidão do Brasil! Porque apesar
do negro estar dando continuidade da religião, ele teve que fazer esse longo sincretismo com os
santos católicos no altar, atrás do santo eles tinham as imagens dos orixás daquele bloco o orixá
não podia aparecer. A Umbanda continua esse misticismo, você acha santo católico e acha orixás
africanos dentro do próprio centro da Umbanda, no candomblé você não acha esse misticismo.
Então hoje, você vê uma Iansã do jeito que ela era, um Oxossi do jeito que ele é. Mas a maioria
você vê ainda um caboclo simbolizando Oxossi, você vê um soldado romano simbolizando
Ogum. (Míriam - TUPJA).
Talvez, como uma religiosa, eu até tivesse que saber isso, mas não tenho nenhum registro. (Mãe
Teresa – CBPC).
O meu pai-de-santo, em abril ele toca pra Oxossi, a maioria dos candomblés tocam pra Oxossi
em abril. Abril é considerado o mês de Ogum na Umbanda. O dia vinte e três é o dia de São
Jorge; no Candomblé São Jorge também é uma qualidade de Oxossi. Então, a procissão que ele
faz, ele faz com a imagem de São Jorge, mas canta pra Oxossi. Eu sempre gostei e participo de
rezas, ele também gosta de rezas, de terços, ele sempre fala assim: “vamos nós dois na festa.”
Então, eu ia sempre com ele rezando. Ele falava, reza três ave-marias e fala assim: “Salve São
Jorge, salve Oxossi!” Eu falava: “Viva São Jorge guerreiro, salve senhor Ogum!” Ele falava
assim: “Pára de ser marmoteira!”.
A gente tem essas referências, por exemplo, dia vinte de janeiro, pra nós é dia de Oxossi que é
dia de São Sebastião, que dentro da Umbanda se comemora o dia de Oxossi; e eu guardo essas
datas e toco na minha casa, faço festa de Oxossi. Eu faço em janeiro, dia vinte e em abril eu toco
pra Ogum que eu faço a feijoada de Ogum. (Mãe Teresa - CBPC).
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O candomblé ele tem uma rigidez maior que a Umbanda; a Umbanda é diferente ela é mais ligth.
Existe todo um ritual, uma preparação no candomblé para a pessoa ingressar, eles ficam
fechados, fazem sacrifícios de animais. A Umbanda não tem isso não! Só que tem uma coisa,
temos que ver os pontos positivos e negativos de cada segmento, tem uma coisa no candomblé
que na Umbanda não tem: é o comprometimento dos médiuns! Os médiuns do candomblé eles
são totalmente comprometidos, com a casa, com a mãe-de-santo, com os outros irmãos de santo,
eles são uma elite fechada, uma irmandade e uma comunidade, é tanto que um terreiro, quando
você vai na Bahia no terreiro do candomblé: a casa branca, a casa da mãe, vem a casa de não sei
quem, é um bairro, e ai vão todos daquela comunidade, sabe, estão ali, cada um tem a sua
responsabilidade, cada um sabe da sua responsabilidade. Então, eles tem os pontos positivos que
a Umbanda não tem; o comprometimento com a religiosidade que a Umbanda não tem! (Míriam
–TUPJA)
O candomblé ele é muito profundo nas questões ritualísticas, ele traz uma raiz mais antiga do
conhecimento africano, é uma religião que cultua a virtude humana, o crescimento espiritual
exercita muito o outro lado. É muito responsável, muito sério em tudo que faz, mas é muito
preso a princípios que hoje já não fazem parte das nossas necessidades de manutenção da fé. A
Umbanda por ser uma religião mais nova, nascida no Brasil, genuinamente brasileira, traz uma
abertura maior para o entendimento das máximas cristãs, a gente não estuda, não esmiúça o
evangelho como a igreja faz, mas a gente se apóia nas máximas, nos mandamentos cristãos para
que a religião se fortaleça e a Umbanda apesar de ter uma herança africana inegável, é uma
religião brasileira, ela se entende brasileira, se aceita dessa forma e tem essa consciência. Essa
herança africana é uma raiz muito importante, é uma pilar muito importante da Umbanda e esse
pilar jamais vai ser tirado, mas, a Umbanda não tem, por exemplo, a necessidade do dialeto
africano como o Candomblé traz, embora existam palavras no vocabulário umbandista que são
de origem africana, mais diretamente do dialeto ioruba, porém não necessariamente uma
conversação como tem no Candomblé. (Pai Gil – TUEDLUZ).
Nós inclusive temos uma parcela de responsabilidade muito grande também na condução e na
ajuda a esses irmãozinhos do plano espiritual, porque, eu vou dar um exemplozinho assim, eu
gosto desses exemplos básicos que fica fácil de discernir: eu entro hoje numa empresa, estou
trabalhando como caixa nessa empresa, o gerente da empresa fala comigo que eu posso só dar
entrada no caixa às coisas que são de maior valor, as de menor valor eu posso até pegar eles pra
mim, ou seja, os centavos eu não preciso contabilizar. É meu primeiro emprego, a primeira vez
que eu chego, e me ensinam a trabalhar daquele jeito, então, eu estou aprendendo, eu não estou
ali de má fé, eu estou aprendendo me ensinaram a trabalhar daquela forma. Aí, o quê que eu
faço? Daqui um tempo, eu saio dessa empresa, ou melhor, nessa mesma empresa entra um outro
gerente, um outro administrador, é a mesma empresa, só que aí, eu já estou habituado há o quê!?
A pegar o dinheiro maior e entrar no caixa, os centavos eu não contabilizo, na hora esse gerente
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vai chegar e vai falar assim: „mas isso aí que você tá fazendo é roubo!‟ Porque você não tá dando
entrada no dinheiro que precisa, „mas eu aprendi dessa forma!‟ Então, olha a responsabilidade!
Nós temos vários irmãozinhos no plano espiritual, que eles chegam na casa espírita precisando
de ajuda, precisando de instrução, precisando de conhecimento. E quando eu chego numa casa e
eles me ensinam que eu posso beber, fumar, matar um animal, pra reconhecer um trabalho, pra
fazer um trabalho, é a mesma coisa d‟eu tá ensinando esse funcionário que começou, que não
precisa guardar o centavos, que os centavos eles podem tirar por fora. Por isso, que a
responsabilidade nossa de dividir uma casa, estarmos presentes no lado da vida espiritual, é
também trazer o esclarecimento pra esses mesmos irmãozinhos menos esclarecidos, um
irmãozinho de luz, ele tá num plano muito mais elevado do que o nosso, ele não tem necessidade
de coisas materiais, não é, e a interpretação é muito falha, porque as pessoas levam as coisas até
dentro dos ditos populares, àquelas pessoas que chegam num boteco, aí pedem uma cerveja,
terminam de beber e joga no chão e falam assim: “essa aqui é pro santo”. Eu que não sou santo
não vou beber no chão. Um santo nem beber vai! Quem que vai buscar esse tipo de bebida!? É
quem precisa de ajuda, seria a mesma coisa deu jogar uma moeda no chão e falar assim:„pega aí
mendigo!‟ Então, isso não é caridade. (Ubirajara – CEACDL).
O kardecismo, ele tem uma cultura, uma visão, vamos dizer assim, muito elitizada da fé, não é. É
uma influência européia muito grande e desde o surgimento do espiritismo, ele sempre foi
conduzido por um caminho muito elitizado, o espiritismo ele passou a ser mais popularizado
depois desse processo que ele veio para o Brasil. A vinda dessa matriz religiosa pro Brasil é que
começou a popularizar a coisa, mas no seu início, a gente percebe através dos estudos, da leitura,
o Kardecismo era uma coisa muito restrita a doutores e pessoas influentes da sociedade, ele
acontecia de uma forma muito secreta pela própria restrição da época. As manifestações eram
muito reservadas, elas foram muito conduzidas através de doutores espirituais. Mesmo hoje o
espiritismo sendo mais popular, sendo mais acessível, ele ainda conserva um preconceito muito
grande com relação à Umbanda, principalmente nas questões ritualísticas. A gente usa velas,
defumadores, essências, elementos, muitas vezes, mais densos e a maioria dos espíritas, hoje isso
já é uma coisa mais trabalhada dentro das casas espíritas, mas ainda não aceitam pretos-velhos,
caboclos, meninos de angola, exus, como espíritos trabalhadores; eles entendem que essas
entidades são espíritos atrasados, tanto que dentro das casas espíritas não é permitida a
manifestação dos mesmos. Nós já ouvimos relatos de médiuns conceituados na doutrina espírita
que recebem doutores, lordes ingleses que vem fazer trabalhos, palestras e que hoje já falam que
a roupagem fluídica de determinadas entidades assumem dentro de determinada casa são de
doutores e lordes, porque o médium não aceita essa entidade numa figura de um preto-velho. Na
verdade, eu entendo isso particularmente como uma forma de “fazer a política da boa
vizinhança”, porque ele mesmo, como médium, ele não se aceita, abrindo essa passagem para
essa mina, porque se ele tiver realmente uma entidade que se manifesta na roupagem de um
preto-velho, a entidade não vai se moldar à vontade do médium, vai ser preto-velho onde ela
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estiver, assim, ele vai pedir licença mas não vai atuar ali com aquele irmão. Então, isso a meu
ver, é uma forma da pessoa dizer, como diz aquele ditado: “eu sou um branco de alma negra”,
mas na verdade ele não é, na verdade é uma forma dele ser simpático, digamos assim, como a
gente vê em muitas manifestações. Tem casas kardecistas que hoje, já fazem esse trabalho de
forma mais aberta e tem uma forma de receber a Umbanda, muito fraternal, muito amiga. Mas o
trabalho deles ainda é assim bem dentro: “nós não somos umbandistas, nós somos espíritas e
vamos continuar sendo espíritas”, a união sem acusar. (Pai Gil – TUEDLUZ).
Olha, a Quimbanda, eu acho que é uma, uma magia diferente. Um diferencial bem grande do que
eu conheço, não sei se é isso, é uma magia, vamos dizer que é uma magia negra que eles falam.
Então, assim, eu não tenho nenhum conhecimento do fundamento da quimbanda, mas sei que ela
tem festas, feituras, sei que é tudo muito escuro, com muito fogo, com muita pólvora e, muitas
vezes, a figura de exu é associada ao diabo, sabe. (Mãe Teresa – CBPC).
A Quimbanda, eu acho que ela veio antes da Umbanda, e misturou um pouco de feitiços e
magias. A quimbanda mantém essas magias, esses feitiços sem estar no Candomblé. Seria para
mim, uma religião de transição entre o Candomblé e a Umbanda. É tanto que ela está
praticamente extinta, você não vê mais quimbanda, não é, os quimbandeiros, não tem! Ela foi
realmente essa transição, essa ponte entre Candomblé e Umbanda, quer dizer meio termo e ela
foi extinta com o tempo e as pessoas foram fazendo as escolhas. As pessoas, muitas vezes,
confundem a quimbanda com magia negra, mas isso não procede, tá, quimbanda é quimbanda e
magia negra é magia negra. O que acontece é o seguinte: a quimbanda usa magias, usa feitiços.
Então, a Quimbanda é confundida com magia negra, porque ela usa esses feitiços que a
Umbanda não usa. Quimbanda faz entrega, faz despachos, trabalham mais com os exus, por isso,
essa confusão. Mas a Quimbanda também é para o bem. O quimbandeiro mesmo, ele não faz
despacho para fazer mal para os outros, me refiro à quimbanda verdadeira! Como ela faz esses
rituais que a Umbanda não faz, é confundida com magia negra, mas ela não é magia negra, ela
não tem a finalidade de mexer com o mal. Apesar dela mexer com essas entidades, ela usa essas
entidades para o bem não para o mal. (Míriam – TUPJA).
A Quimbanda é um plano. Muita gente tem preconceito quando se diz quimbanda: “aquilo ali é
um terreiro de quimbanda!”, “Então aquilo ali é uma coisa ruim”. A Quimbanda na verdade, ela
é um plano onde habitam os exus, então a gente tem assim: os pretos-velhos habitam o plano de
Aruanda, os caboclos habitam o plano ou reino de Humaitá, de Juremá e os exus habitam o plano
da Quimbanda. Então a quimbanda é na verdade a faixa vibratória onde atuam os exus, eles são
os espíritos que atuam nessa faixa e vêm na linha da Umbanda prestar o seu trabalho. Toda a
energia que os exus movimentam é conduzida ao reino da quimbanda, ao plano da quimbanda,
para ser trabalhada, é a força de atuação, é o campo onde eles atuam, onde eles permanecem
quando não estão atuando dentro dos terreiros. Existe uma confusão entre Quimbanda e
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Eu acho o seguinte, eu acho que o nome terreiro, ele não seria muito apropriado não, tem casas,
muitas casas aí que falam terreiros porque realmente os trabalhos são feitos no terreiro, não é, do
lado de fora, o nome apropriado pra isso seria mesmo casa espírita, não é. Uma casa espírita,
casa dos espíritos, o nome apropriado seria esse, terreiro não, mas como nós já falamos
anteriormente, são denominações das pessoas que estão ali, não é, aqueles trabalhos são
denominações. Isso. (Marcos – CEACDL)
Igual eu já falei, eu acho que a entidade é o psicólogo mesmo, sabe, de ouvir, de acolher, quando
você chega, você pode tá com um problema, quando você chega perto de uma entidade, de um
preto-velho, um caboclo, uma Jurema, ou então, uma entidade das águas, você sai melhor. Tem
pessoas que falam assim: “Nossa eu cheguei aqui tão angustiado, e eu tomei um passe, e eu sai
aliviado! [...] Então, eu acho que a referência da entidade é isso, é o acolhimento que nós, seres
humanos precisamos. (Mãe Teresa - CBPC)
As outras entidades trabalham e estão em constante trabalho com a gente, porém, a única que
conversa com o público, não é, são os pretos-velhos. Mas a gente entende que na Umbanda há
uma parceria; preto-velho precisa do escora, precisa do caboclo, precisa do baiano, precisa do
povo d‟água, precisa do boiadeiro, menino de angola e aí vai. Todas as linhas trabalham no
centro e muito, como trabalham! Então a gente não pode hora nenhuma desmerecer, porque por
várias vezes, a pessoa quando chega até preto-velho, ela conversa com o preto-velho, o preto-
velho, vai ser aquele que vai receber, que vai saber distribuir para que linha é o trabalho. Eu fiz
um estudo de incorporação outro dia, eu falo que o preto-velho é o clínico geral, ele recebe em
primeira mão, como o clínico e depois distribui: „você precisa de um cardiologista, você precisa
de um pediatra, você precisa....!”Não é. E aqui o preto-velho vai fazer esse trabalho, porém, com
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a perfeição que ele também ajuda também na ação do trabalho, ele não é aquele médico que
passou pro outro e deixou pro outro resolver, ele vai passar pra outras linhas que acha necessário
a situação e vai continuar na supervisão daquele trabalho, não é, então, essa é nossa idéia da
casa, essa é nossa forma de trabalho. (Ubirajara – CEADCL).
Como foram judiados esses pretos, meu Deus do Céu! Não tem nem lógica, não ganhavam nada,
trabalhava de graça, apanhavam, levantavam de madrugada, apanhavam todo dia, ficavam
varrendo...tadinho trabalhando lá, Pela madrugada!!! Só..., tá doido! Essa memória não pode ser
esquecida! Não, não pode, eu acho que não pode !!! Na minha opinião, não, Deus me livre! Tem
muitos... Pai Joaquim mesmo é aleijado, olha a perna dele (mostrando a imagem). A maior parte
deles foram prejudicados com isso aí né..., tem a Tia Anastácia (referindo-se a escrava
Anastácia) que morreu amordaçada com o corpo todo cheio de coisa, são muitas histórias do
nosso país que deveriam ser contada mas... não teve condições, né. [...]. Nossa! Vou te contar
viu! O Pai Joaquim se você quiser fazer um livro dele, „conto dele só mesmo‟, ele tem. São
muitos contos. (D. Leonor – TUPJA).
Mesmo que não seja um terreiro de Umbanda Esotérica mas é... eu vejo, eu consigo vê uma
semelhança em todas as giras, em todas as casas de umbanda, as entidades; o intuito das
entidades de fazerem a caridade aonde as pessoas não estão interessadas em receber quantias pra
isso, todos são terreiros que lutam com uma dificuldade financeira muito grande pra se manterem
e todos, em todos, você percebe no corpo mediúnico, a vontade e a coragem de fazer, tá, e em
todos eles a gente percebe aquela figura doce e materna, profunda do preto-velho abraçando todo
mundo que chega, abrindo as portas; muitas vezes é uma casa que não tem o dinheiro pra pagar
uma conta de luz, mas, é incapaz de pedir ao consulente uma quantia pela consulta, se você, se o
consulente entender que ele deve fazer uma doação de uma moeda, ou de duas moedas, ou de
algum material pra casa ele faz, se ele não entendeu, ele é recebido e trabalhado da mesma forma
porque ali impera, principalmente, a boa vontade, a vontade de prestar a caridade mesmo, isso aí
é igual em todos os terreiros; têm as suas formas de prática, os elementos, o culto é diferente,
mas o intuito do trabalho é um só: „abraçar aquele necessitado que chega e trabalhar a questão
espiritual da humanidade mesmo‟. (Pai Gil – TUEDLUZ).
Eu acho que do jeito que a gente trabalha, a gente ajuda muito, porque você dá a condição da
pessoa conversar, sobre o problema dela, que às vezes, você tá com um problema que você
precisa só desabafar, só por pra fora. Aí, que a pessoa de fora vê o problema pra você. Muitas
vezes, você tá vendo o problema, mas você não vê a soluça! A pessoa de fora vê! Então quer
dizer, você tá ali bate um papo, o preto-velho conversa, ele tem aquela orientação do que fazer,
não é [...]. Então, você precisa, às vezes, de por pra fora o problema seu, porque se você puser
com a família pra te encher; se contar pra um amigo... você conta ali pra ele vai ficar entre vocês
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dois, ninguém fica sabendo, então, com isso as pessoas chegam lá e saem aliviadas e acham isso
muito bom e acabam todo mundo voltando. (D. Iara – CEACDL).
São os orixás, assim os nomes dos orixás, não é o trabalho dos orixás, mas a referência aos
orixás, uma coisa que é muito constante e semelhante entre os terreiros coincidentes são os
pontos, você freqüentou muito, você deve ter notado isso, muda somente a música, a
musicalidade um pouco, mais a letra quase sempre é a mesma coisa. Isso é uma semelhança até
espiritual para provar que realmente ninguém tá brincando com a coisa. Como que você nunca
veio aqui chega aqui e escuta um ponto de outro lugar e as pessoas daqui não tem contato
nenhum, não é. Nós chegamos no Rio de Janeiro uma vez, quando nos fomos no Rio de Janeiro e
na praia, naquele ritual que eles fazem na passagem do ano novo, tinha uma pessoa tirando um
ponto de Iemanjá que a gente cantava no terreiro, lá no Rio de Janeiro. Então é uma
coincidência, mas é uma coincidência que é uma semelhança! Quer dizer a Umbanda lá se
referia a alguma coisa conhecida. (Anamir – TUPJA).
Eu acho que hoje em dia as semelhanças estão assim poucas, eu não tenho ido tanto em outros
como antigamente, então, eu posso tirar por base antigamente que eu freqüentava mais os outros,
fazia mais visita e tudo e as semelhanças são poucas, é alguma oração, igual, os orixás:
principalmente Iemanjá, Os pretos-velhos e os caboclos; agora às vezes não são, como é que eu
vou dizer, não seria uma palavra ideal mas, utilizados como a gente utiliza, em cada lugar tem
uma maneira diferente: é o mesmo orixá, mas a maneira, é o trabalho, o ritual é diferente , apesar
dos orixás serem os mesmos; as maneiras de expor as imagens também normalmente fica oxalá
em cima e vem descendo gradativamente também sempre o orixá que comanda o terreiro fica em
evidência é claro, então se é Omulu será maior, se é Iemanjá será maior, aqui é preto-velho,
então você vai ver mais quadros de pretos-velhos, então ,mais assim, são esses pontos de
semelhanças, mas o restante acho que está bem diferente! (Anamir - TUPJA).
Isso, as guias; isso foi sendo tirado, porque começava a ter a vaidade de médium. Comprando
guia cara. Tinha um médium nosso lá, que tinha guia de cristal. Que necessidade que tem aquilo.
Hoje inclusive, uma das coisas que nós estamos tirando também é o cordão de São Francisco por
quê? Porque não acha mais pra comprar! (D. Iara – CEACDL).
Ali é a questão da marafo que eu te falei, da cachaça! (Pai Gil havia me informado que eles
utilizam da cachaça para fazer os trabalhos da tronqueira e não para ser tomado fisicamente).
Então, o exu ele recebe o elemento no ponto, não é, e ali ele vai trabalhar a energia através do
elemento, ali é agregado à vela, a quartinha com as coisas dele.Tem um cheiro bem particular!
[...] As nossas guias elas se resumem em cinco, então a medida em que vai graduando [...] essa é
a primeira guia que a pessoa recebe, a guia de aceitação, então são cinqüenta e sete conta de
lágrimas com uma cruz de madeira; aqui já é a guia de confirmação, ele recebe com o cristal do
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orixá e já uma cruz de metal, e depois ele tem a guia das sete linhas, a guia de exu e a guia
triangulada que ali eu vou te mostrar mais a frente. (Pai Gil – TUEDLUZ).
Para nós seria assim, uma forma, seria todo um estudo, na religião africana, a maioria delas, a
sexta-feira é o dia de Oxalá. Porque parte da forma da identificação deles com a questão dos
orixás, porque eles (os outros segmentos de Umbanda) cultuam os orixás tanto na paralela ativa
quanto na passiva. Então, por isso que eles tem um panteão de dezesseis orixás. Pra nós é
diferente justamente por causa disto porque conta ai a influência do planeta, o sol no signo
regente, é influência também o dia do seu nascimento que aí tem uma outra força que rege, não
é, mas, a sua o seu orixá principal, o que rege a sua cabeça, o responsável vamos dizer assim,
pelo seu caminho na terra, aí no caso você é de Áries. Aí é Ogum, apesar de você ter nascido no
dia de Oxossi (sexta-feira), mas com certeza, você tem a sua hora, porque no momento do seu
nascimento o sol tava alinhado em Áries que trouxe pra você essa vibração, então, essa é a
questão esotérica, da nossa, do nosso segmento, da nossa raiz, entendeu, porque a gente leva em
consideração todos esses, esse momento que é muito importante.
Ah, eu vejo diferenças nos rituais, tem muita gente que começa os trabalhos já é perfume, as
roupas também. A gente sempre preservou o branco, até mesmo porque o branco além de
simbolizar a paz, o branco não te dá sentido nenhum, é imparcialidade, então o branco. Mas aí,
não é, o pessoal trabalha com vermelho e preto, com azul com amarelo, coiserada, não sei o que,
aquela confusão toda, e ao mesmo tempo. É mistura cigarro, [...], com charuto, e faz uma
misturada danada. Coisa que não tem em nosso terreiro. (Anamir – TUPJA).
Cada um reza sua Umbanda, você pode ir em vários terreiros de Umbanda que a cantiga pode ser
igual, mas o ritual é diferente, por exemplo: “Vou abrir minha Jurema, vou abrir meu Juremá”
(cantou o ponto). O ritmo é diferente, às vezes a cantiga, a zuela, as letras são iguais, mas é
diferenciado. A roupa, sempre que você vai no terreiro de Umbanda você nunca vê
completamente igual. Por exemplo, se eu for no candomblé, da nação, por exemplo, se eu for na
casa de keto, a minha roupa é igual a de todas com roquete, vestido tudo igual, entendeu. Agora
Umbanda é sempre diferente, tem sempre uma diferença, mesmo assim de rituais. (Mãe Teresa –
CBPC).