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A COERENCIA DO ORDENAMENTO Cap3 PDF
A COERENCIA DO ORDENAMENTO Cap3 PDF
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2. Três significados de sistema:
3. As antinomias:
- Definimos a antinomia como aquela situação na qual são colocadas em existência duas
normas, das quais uma obriga e a outra proíbe; ou uma obriga e a outra permite; ou uma
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proíbe e a outra permite o mesmo comportamento. Mas que além disto, para que ocorra a
antinomia são necessárias duas condições:
a) duas normas devem pertencer ao mesmo ordenamento;
b) as duas normas devem ter o mesmo âmbito de validade: distinguem-se quatro
âmbitos de validade de uma norma: temporal, espacial, pessoal e material.
- Porem não constitui antinomia, duas normas que não coincidem com respeito a:
a) validade temporal: “é proibido fumar das cinco às sete”, não é incompatível com:
“ é permitido fumar das sete às nove”;
b) validade espacial: “é proibido fumar na sala de cinema”, não é incompatível com:
“é permitido fumar na sala de espera”;
c) validade pessoal: “é proibido, aos menores de 18 anos, fumar” não é incompatível
com “é permitido aos adultos fumar”;
d) validade material: “é proibido fumar charutos” não é incompatível com “é
permitido fumar cigarros”;
- Podemos definir a antinomia jurídica como aquela situação que se verifica entre duas
normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito de
validade. Pode as antinomias, assim definidas, ser distintas em três tipos diferentes:
a) total-total: se duas normas incompatíveis têm igual âmbito de validade: neste caso
nenhuma das normas pode ser aplicada sem entrar em conflito com a outra.
Exemplo: “é proibido, aos adultos, fumar das cinco às sete na sala de cinema” e “é
permitido, aos adultos, fumar das cinco às sete na sala de cinema”;
b) parcial-parcial: se as duas normas incompatíveis têm âmbito de validade em parte
igual e em parte diferente, a antinomia subsiste somente para a parte comum: neste
caso as normas têm um campo de aplicação em conflito com a outra, e um campo
de aplicação no qual o conflito não existe.
Exemplo: “é proibido, aos adultos, fumar cachimbo e charuto das cinco às sete na sala
de cinema” e “é permitido, aos adultos, fumar charuto e cigarro das cinco às sete na sala
de cinema”;
c) total-parcial: se duas normas incompatíveis uma tem um âmbito de validade igual
ao da outra, porem mais restrito: neste caso a primeira norma não pode ser em
nenhum caso aplicada sem entrar em conflito com a segunda; a segunda tem uma
esfera de aplicação em que não entre em conflito com a primeira.
Exemplo: “é proibido, aos adultos, fumar das cinco às sete na sala de cinema” e “é
permitido, aos adultos, fumar, das cinco às sete, na sala de cinema, somente cigarros”;
- Existem alguns critérios que são utilizadas para a solução da antinomia, porém não
servem para resolver todos os casos possíveis. Assim temos as antinomias solúveis,
denominadas de aparentes, e insolúveis, denominadas de reais;
São três as regras para a solução das antinomias:
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a) critério cronológico (lex posterior): neste caso quando houver duas normas
incompatíveis, permanece a norma posterior;
b) critério hierárquico (lex superior): é aquele pelo qual, entre duas normas
incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior;
c) critério da especialidade (lex specialis): é aquele pelo qual, de duas normas
incompatíveis, uma geral e uma especial, prevalece a norma especial;
-Deve-se reconhecer que estas regras não têm a mesma legitimidade do critério
cronológico, hierárquico e o da especialidade, e isto equivale afirmar que em havendo
conflito e não podendo aplicar estes critérios, a solução do mesmo é confiada à liberdade do
interprete, num autentico poder discricionário deste, ao qual cabe resolver o conflito,
valendo-se das técnicas de hermenêutica, não se limitando a aplicar uma só regra, tendo a
sua frente as seguintes possibilidades:
a) eliminar uma: neste caso a operação feita pelo juiz ou jurista chama-se
interpretação ab-rogante, em sentido impróprio, pois o jurista, por não ser legislador
não tem o poder ab-rogativo, e se feita pelo juiz este de modo geral tem o poder de
não aplicar a norma que considera incompatível no caso concreto, mas não de retirá-
la do sistema;
b) eliminar as duas: neste caso verifica-se quando a oposição entre duas normas seja
de contrariedade, onde o interprete poderia ser induzido a considerar que as duas
normas contrárias se excluem uma à outra. Também haveria neste caso a ab-rogação
imprópria;
c) conservar as duas: a mais utilizada pelo interprete é o de conservar as duas normas
incompatíveis, demonstrando que não são incompatíveis, que a incompatibilidade é
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puramente aparente, derivando de uma interpretação ruim, unilateral, incompleta ou
errada de uma das normas ou de ambas, eliminando-se, assim, a incompatibilidade;
- Das duas antinomias insolúveis, ou seja, a inaplicabilidade dos critérios, já foi esclarecida
no item precedente, a outra onde se afigura a aplicabilidade de dois ou mais critérios
conflitantes, nos ocuparemos adiante;
- Entretanto pode acontecer em que duas normas sejam aplicadas dois critérios, mas que a
aplicação de um critério dê uma solução oposta à aplicação do outro. Assim neste caso
somente poder-se-ia aplicar um só critério. A questão que se coloca é qual seria o critério a
ser aplicado?
Exemplo: a incompatibilidade existente entre uma norma constitucional anterior e outra
ordinária posterior. Neste caso aplica-se o critério hierárquico e o cronológico. Desta forma
se aplicado o primeiro prevalece a norma constitucional, se aplicado o segundo dá-se
prevalência à norma ordinária. Assim não podem ser aplicados os dois critérios, porque
ambos são incompatíveis. Há uma incompatibilidade de critérios válidos para a solução de
incompatibilidade entre normas. A solução que se apresenta seria o a da aplicação do
critério estável, para a solução dos conflitos entre critérios, e o de saber se existe o critério
estável. Não existe uma regra geral, deve ser examinado caso a caso;
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Caberá ao interprete aplicar ora um ora outro critério, segundo as circunstâncias.
Teoricamente deveria prevalecer o da hierarquia;
7. O dever de coerência:
- A incompatibilidade entre duas normas deve ser um mal a ser eliminada, o que pressupõe
uma regra de coerência que poderia assim ser formulada: “Num ordenamento jurídico não
devem existir antinomias”. A coerência não é condição de validade, mas é sempre condição
para a justiça do ordenamento, pois é evidente que quando duas normas contraditórias são
válidas e que pode haver indiferentemente a aplicação de uma ou de outra, conforme o
livre-arbítrio daqueles que são chamados a aplicá-las, são violadas duas exigências que
inspiram o ordenamento jurídico: a exigência da certeza, que corresponde ao valor da paz
ou da ordem, e a exigência da justiça, que corresponde ao valor da igualdade. Onde existem
duas normas antinômicas, ambas válidas, e, portanto, aplicáveis, o ordenamento jurídico
não consegue garantir nem a certeza, nem a justiça.
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BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, 10. Ed. Brasília: Universidade de
Brasília, 1999, p. 71-110