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Escrúpulo de Consciência Colunistas
Dauto J. da Silveira
20/06/2017
 Ambiente e

Cidadania
Amyra El Khalili

Cassiano Terra

Rodrigues

Consciência Negra

A nossa parte nisso tudo é trazer o velho mundo inteiramente à luz do dia e dar uma conformação positiva ao novo
mundo. Quanto mais os eventos derem tempo à humanidade pensante para se concentrar e à humanidade sofredora Dicionário da
para juntar forças, tanto mais bem-formado chegará ao mundo o produto que o presente carrega no seu ventre (Karl
Marx, 1843). Cidadania

Estamos diante de uma complexa situação política para as esquerdas brasileiras: a antecipação das eleições presi‐
Eduardo Gudynas
denciais tornou-se o busílis da questão. Nessa onda, embarcaram não somente grupos mais ou menos institucionali‐
zados, setores artísticos, partidos de esquerda, mas também organizações populares, movimentos sociais e sindicatos
Frei Betto
de dimensões políticas consideráveis. Os atos ocorridos no Rio de Janeiro, no dia 28 de maio, e em São Paulo, no dia
4 de junho, ambos com mais de 100 mil participantes, foram as duas fortes expressões dessa luta. O primeiro foi orga‐
nizado pelas Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular e contou com a participação efetiva de artistas e músicos. Já o Fernando Silva
ato de São Paulo foi organizado pelos artistas, ativistas, produtores e blocos de carnaval e contou com a união de ar‐
tistas globais que durante o processo de impeachment estiveram em lados opostos.
Gabriel Brito
No evento paulista, na cidade dos “homens de meio dia” (como dizia Oliveira Viana) algo curioso se deu: os organiza‐
dores anunciaram a desnecessidade de sindicatos e partidos. Esse desprendimento revela um elemento oculto nesse
ato, qual seja, o seu caráter puramente coreográfico. No exato momento em que os trabalhadores e as massas popu‐ Gabriel Perissé
lares, em meio a uma forte repressão e supressão de direitos sociais, promovidos pelo governo Dilma-Temer, acu‐
mulam forças para lutar, se desenlaçam dois movimentos com o mote das Diretas Já a abandonar temas decisivos da
Guilherme Delgado
conjuntura econômica e social.

Ainda que no primeiro ato a organização também preconizasse a luta contra as Reformas Previdenciária e Trabalhista, Joana Salém
a bandeira pelas Diretas Já foi marca indelével. A fala do artista Wagner Moura apresentou a natureza do grito dos
globais: “isso não é um movimento de esquerda nem de direita. Isso é pela democracia. Vamos pressionar para tirar Vasconcelos
esse Temer de onde ele nunca deveria ter chegado. Temos o direito de escolher o próximo presidente”. (El país, 3 de
junho de 2017). Léo Lince

Nada mais ingênuo do que considerar a luta pela antecipação das eleições presidenciais, em meio à putrefação gene‐
ralizada dos órgãos vitais do sistema democrático, uma luta com alma democrática. Para nós trabalhadores o signifi‐ Luiz Eça
cado da democracia é algo que perpassa o direito de votar em um presidente, ainda que por ele passe. Democracia
para nós significa emancipação política efetiva.
Marcelo Castañeda
Recentemente foi lançada a Frente Ampla por Diretas Já, e alguns dias depois veio o Plano Popular de Emergência,
uma espécie de Manifesto de luta eleitoral, os dois juntos pretendem ser as armas mais potentes das esquerdas brasi‐
Paulo Metri
leiras (1). Além disso, foi criada a Frente Parlamentar Suprapartidária por Eleições Diretas (FPSED) constituída pelos
partidos: PT, PCdoB, PSB, PSOL e PDT.
Paulo Passarinho
Enormemente festejada pelos partidos de esquerda a FPSED, curiosamente, contou com a participação ativa de de‐
putados federais que compõem a base governista, tais como Zenaide Maia (PR-RN), Herculano Passos (PSD-SP),

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além de outros políticos e entidades. Sintonizada com a vontade geral das ruas, conforme mostra a pesquisa CUT/Vox
Populi, as Diretas Já alcançam alguns parlamentares com juízo e lançam o velho e surrado sangue rumo ao coração Ramez Philippe
burguês do congresso.
Maalouf
A possível aderência de parlamentares promíscuos, sem correspondência com as massas populares, a conformar o
que se entende por tendência nacional em torno das eleições diretas, demonstra o perigo desse instrumento político.
Telma Monteiro
Nesse exato momento as Eleições Indiretas ainda é a opção mais segura para o governo e a sua ampla base no Con‐
gresso, a mídia dominante e setores estratégicos do judiciário. No entanto, nada impede que essas mesmas figuras
Virgílio Arraes
migrem para o outro lado, a repetir a velha cantilena democrática de sempre.

Outro aspecto não menos relevante é a natureza suprapartidária da FPSED com seus partidos que não romperam Wladimir Pomar
com os velhos mandos e ainda encontram-se jungidos ao horizonte imediato das eleições. Em última instância flertam
com a ordem dominante e usam da atual conjuntura para se colocar como opção para as massas pobres e esma‐ Ex colunistas
gadas. Está claro, portanto, que esta frente tentará reanimar o sistema político com o lulismo à frente; o objetivo é re‐
viver os tempos áureos de um governo que embalou a massa brasileira com a música repetitiva da conciliação de Fábio Luís

classes.

Henrique Júdice
No terreno institucional a aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na quarta-feira, dia 31/05, da PEC
67, por 1/3 dos senadores, acirrou ainda mais o cenário. No entanto, não serão as Diretas Já um instrumento de ocul‐
tação da miséria da nossa baixa participação política e capacidade de organização de um projeto efetivamente revolu‐
Jorge Almeida
cionário? Ou a conquista desse direito será o sinal, o ponto de partida, para uma nova forma de luta mais consciente?
As conquistas políticas, por mais perigosas que sejam, podem fortalecer o processos de lutas sociais?

Luiz Antonio Magalhães


É compreensível que a luta pelo direito de antecipar as eleições presidenciais, diante do atual desastre do governo
Dilma-Temer, seja sedutor, posto que, no horizonte, expressaria a união de homens em luta e a vitória diante de um
cenário desastroso. No entanto, será mesmo assim? Podemos atribuir a esse direito o momento de entusiasmo da Mateus Alves
massa popular em seu reencontro com as lutas intestinais? Ou a conquista desse direito tornar-se-á algo como o es‐
crúpulo de consciência, diante de um momento histórico importante?
Osiris Lopes Filho
Essa não foi a percepção que teve Florestan Fernandes ao analisar os dois grandes comícios a favor das Diretas Já,
em 1984, no Rio de Janeiro e São Paulo. No primeiro artigo, publicado no dia 24 de abril de 1984, um dia antes da vo‐
tação final na Câmara, ele analisou substancialmente o comício de São Paulo (do dia 16) no Largo da Batata. Flo‐ Waldemar Rossi

restan (2) não hesita e diz que o comício colocou em cena um personagem central, qual seja, “a massa mais ativa e
decidida, politicamente falando, da população” (2007, p. 228, et. seq.).
Achille Lollo

Amplamente distinto do quadro social de lutas atuais, precisamente porque a massa ativa e decidida apresentava-se
de forma radical, as Diretas Já não era um fim em sim mesmo. Para além dela, a pressão popular manifestava-se “pri‐
mariamente – e de forma impaciente – em favor de uma ordem legal nova, verdadeiramente democrática, o que marca
o elemento diferencial revolucionário e constitutivo dessa pressão espontânea.” (Grifo Nosso).

O bafejo que exalou das massas populares não se dissipou diante da derrota da votação da emenda Dante de Oli‐
veira. Em boa verdade, não houve derrota. Foi a partir dela que as lutas tornaram-se mais sólidas com um exército
pronto para o combate. Esse foi o entendimento que teve Fernandes (2007, p. 223): “...pela primeira vez em vinte
anos, a ditadura não só foi virada pelo avesso, posta no pelourinho e desafiada por milhões de cidadãos conscientes e
dispostas a tudo – foi batida dentro do campo da ordem ilegal que ela forjou”.

Essa parece ser a linha que segue Arcary (Esquerda Online, 2017 (3)) quando diz que as Diretas Já seriam uma vi‐
tória frente à burguesia que já negocia nos bastidores as eleições indiretas. É verdade que Arcary não comete a inge‐
nuidade de atribuir às Diretas Já um peso que ela não tem, contudo destaca que elas são relevantes para o fortaleci‐
mento das lutas sociais. Não é demais lembrar que, ainda que legítimo, um novo presidente não será tão potente,
como se espera, posto que os órgãos vitais do nosso corpo republicano se expressam cada vez mais exauridos. E
que o mesmo, sagazmente, ganhará fôlego renovado com a legitimidade alheia. O presidente eleito, portanto, repre‐
sentaria uma transição democrática, contudo sem democracia emancipadora.

Não menos importante é o fato de os atos atuais (4) não traduzirem a força das lutas que renasce das organizações
populares e do povo-massa miserável. O que estava posto nos dois grandes atos é a supremacia das Diretas Já

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frente ao real motivo das lutas que movem a classe trabalhadora. Na atual conjuntura organizativa dos movimentos
sociais e centrais sindicais, o apelo às Diretas Já se torna uma forma evidente de amortecimento das lutas. Não me
parece, pois, que, em caso de sucesso, elas tornar-se-iam o dinamite social que tanto desespero provoca nos donos
do sistema politico. Esse é o cuidado que devemos ter.

Nesse momento a força motriz da luta de classes são as contrarreformas em andamento no Congresso Nacional e a
revogação da PEC-55 e todas as outras decisões tomadas pelo governo orgânico da classe capitalista. Não é sem
razão que diante da crise da sociedade capitalista as primeiras ações dos possuidores da riqueza foram de reordenar
todo o aparato político e constitucional, a abrir fogo contra os trabalhadores e povos vulneráveis. Esse é um bom
exemplo de como a luta de classes processa-se no terreno institucional.

David Harvey não teve dúvidas quando fala das contradições entre produção e realização e chama de acumulação por
espoliação as formas políticas efetivadas no interior do Estado burguês. Se assim o é, a nossa luta tem de ser, não so‐
mente contra os interesses burgueses, mas de esmagá-los. Não me parece que isso, ainda que possível, dar-se-á
pela substituição de um presidente. Ainda mais que as possibilidades de se eleger um presidente, na atual conjuntura,
que assuma a defesa da classe trabalhadora, não é uma questão imediata. A atual força motriz, como dito acima, pa‐
rece que explica a Lei da Marcha da História.

Uma das questões marcantes da atual conjuntura política é a possibilidade que se abre ao protagonismo dos trabalha‐
dores e do povo-massa miserável. Os angustiantes 13 anos e oito meses dos governos petistas, cujo horizonte foi a
redução da política à lógica eleitoral, permitiu que a classe trabalhadora chegasse a um entendimento e acumulasse
forças políticas para a guerra de classes anunciada pelo governo Dilma-Temer. O governo de duas faces, uma explí‐
cita e outra oculta; que nasce com as forças das massas e se transforma na expressão dos interesses orgânicos da
classe dominante, criou um exército de homens fortes e dispostos a lutar a favor da maioria.

No entanto, essa abertura não poderá ser preenchida com medidas acanhadas. É urgente uma revolução política de
grandes proporções que coloque o interesse dos trabalhadores no centro do palco. É por meio da qual que criaremos
condições sociais de evidenciar os pontos fundamentais que transformem o dinamismo da sociedade brasileira. Sem a
criação de um novo estatuto da sociedade, cujo ordenamento político sirva de dinamite social, pouco efeito terão as
nossas lutas no presente. É verdade que a revolução brasileira pode ser uma loucura desesperada, mas não é menos
verdade que a melhor forma de viver é aceitar tal loucura e não sucumbir sem lutar.

Notas:

1) Composta pelos principais movimentos sociais, pela maioria dos partidos de esquerda, centrais sindicais e organi‐
zações populares, juristas, União Nacional dos Estudantes e entidades religiosas.

2) FERNANDES, Florestan. Que tipo de República? São Paulo. Ed. Globo, 2007.

3) ARCARY, Valerio. Por que defendemos Diretas Já. São Paulo, 2017. Disponível em: www.esquerdaonline.com.br

4) Devemos dizer que, dialeticamente, as lutas atuais, no interior das suas diversas organizações políticas, expressam
o novo grau de consciência social que vem se processando na personalidade brasileira. Em verdade, o grau de
avanço conquistado por eles impõe formas renovadas de atuação. Os últimos protestos ocorridos no Brasil foram im‐
portantes, pois estão a marcar uma nova agenda de lutas emancipatórias, ainda que pelo avesso. A luta do tempo
presente deve transcender o horizonte burguês e se alinhar aos fios invisíveis que nos concatenam ao futuro humano.

De toda sorte, o que podemos observar de alvissareiro nestes movimentos são as novas solidariedades contundentes
e os novos caminhos que se abrem sobre a defesa da existência humana. Tornam-se, pois, utopias concretas, mas
que ainda dependem de uma poderosa capacidade organizativa, atravessada de consciência crítica e de engajamento
sistemático sobre o real.

Leia também:
“Diretas Já são muito pouco diante das nossas necessidades”

“Ao aprofundar seu programa, classes dominantes aprofundam a própria ingovernabilidade do Brasil”

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“É preciso anular todos os atos do governo Temer”


Dauto Silveira é doutor em Sociologia.
Contato: dautojs@gmail.com
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