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| 32 | ZERO HORA > DOMINGO | 29 | JULHO | 2007

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Deserções no Pan revelam
os problemas de Cuba
Páginas 34 e 35
Editor: Luciano Peres > 3218-4345. Editor Assistente: Rodrigo Lopes > 3218-4347

A cesta

Uma viagem ao mundo de O que Nancy


comprou
com 50 mil

Chávez
bolívares
(R$ 44,30):

> Presunto
> Atum
> Pão de sanduíche
1 > Manteiga
> Malta (bebida feita de malte, sem
álcool)
> Leite
> Extrato de tomate
> Maionese
Enviado Especial/Caracas > Refresco em pó
LEONARDO OLIVEIRA > Arroz
> Farinha de trigo
Durante 24 dias, entre junho e julho, Zero Hora acompanhou na Venezuela a Copa América e pôde testemunhar o dia-a-dia na terra do > Feijão
polêmico Hugo Chávez. Neste domingo e na segunda-feira, conheça os meandros da política e da vida na nação mais dividida das Américas: > Condimentos
> Suco natural

Fabrício Briceño, 25 anos, re-


sume bem a situação política
po suscitar paixão e ódio no calor do
verão venezuelano. A “Revolução So-
tamos contentes com o que Chávez
faz – explicou um torcedor. Misiones,
da Venezuela. Estudante de Eco- cialista do Século 21” rachou o país. Em Maracaibo, as manifestações
nomia, membro do Conselho Até no Interior, onde está a maior foram repetidas. Na semifinal, em a vitrine
Universitário da Universidade fatia de simpatizantes, há divisão. meio ao jogo, ouviu-se o cântico
Central da Venezuela (UCV), é Nem todos querem seguir o lema “se vá, se vá, se vá”. Imediatamente, do governo
um dos líderes do movimento “Revolução, Socialismo ou Morte”, uma bateria de fogos explodiu.
estudantil que toma as ruas em estampado em muros de todos os As reações são compreensíveis. Só
protesto contra o presidente cantos da Venezuela. venezuelanos mais abastados paga- Na Venezuela, favela é barrio.
Hugo Chávez. Os jogos da Copa América foram ram 200 mil bolívares (R$ 177, um Bairro é zona. Com Hugo Chávez,
um exemplo. Chávez bancou os cus- terço do salário mínimo do país) pa- alguns serviços restritos às zonas

A oposição de Briceño está den-


tro da própria família. Os pais,
o irmão mais velho e o avô são
tos de US$ 1 bilhão, construiu está-
dios, reformou outros e armou um
espetáculo para mostrar ao mundo
ra ir aos jogos. É nesta classe que está
a maior rejeição a Chávez.
O governo estatizou serviços. Co-
chegaram ao barrio. Como em
Paraíso, na costeira Puerto la
Cruz. Paraíso jamais será o pa-
“chavistas”, estão com o presidente seu país. Houve manifestações es- meça agora a encampar hospitais. raíso. Suas casas baixas, com
até dentro do Mar do Caribe. Nada pontâneas em alguns estádios. Em Empresas estrangeiras de petróleo telhado de zinco e quase amon-
que abale a convivência familiar, Maturín, importante centro petrolí- fecham as portas e saem, enquanto toadas, em meio ao calor cari-
diz Briceño, mas trata-se de uma fero no Estado de Monagas, a torcida Chávez fortalece a estatal PDVSA. benho, limitam qualquer pos-
situação incômoda. A mesma que lotou o suntuoso Estádio Cachamay Apesar dessas medidas controver- sibilidade de boa vida.
serve de prenúncio para um futuro para ver a Seleção Brasileira derrotar sas, nas camadas mais baixas da so- Talvez por isso os mo-
nervoso. o Chile por 3 a 0. Mais do que a atua- ciedade sua popularidade é enorme. radores festejem o que
– Em boa parte do país, há divi- ção de Robinho, chamou a atenção o Os pobres idolatram o presidente. conseguem do governo.
são de famílias, irmãos e até de ca- grito espontâneo, rápido e vigoroso É para eles que o governo destina A favela conta com as “mi-
sais – explica Briceño. de “libertad, libertad”. ações sociais inéditas no país. A po- siones” (missões) de Chávez, as
Chávez consegue ao mesmo tem- – É para o mundo ver que não es- larização efervesce a Venezuela. obras sociais que são uma de suas
grandes bandeiras. Na parte central
de Paraíso, há consultório médico,
FOTOS LEONARDO OLIVEIRA

Em um abrigo, odontológico, centro de reabilitação e


o supermercado popular – o chama-
do Mercal. Os exames são bancados
televisão 29” pelo governo em clínicas da cidade.
Em governos anteriores, muitas
para idosos vezes o atendimento médico na rente, preocupada com a visita, per-
Venezuela se restringia às clínicas mitiu acesso apenas a sua sala.
privadas e aos hospitais, nos quais O local é pequeno, quase um arma-
Até quem reprova a Revolução o acesso da população também era zém. Pela porta, é possível ver prate-
Bolivariana de Hugo Chávez reco- restrito. A carência na área de saú- leiras vazias e perceber a escassez de
menda uma visita à Missão Negra de é a razão para a festa em torno alguns produtos, como frango. Nada
Hypólita, em Puerto la Cruz. Trata- dos médicos trazidos de Cuba. Eles que abale a satisfação de Nancy Boid
se de uma casa para idosos localiza- moram nos barrios, em instalações (foto acima), que trabalha na central
da no alto de um morro e com vista acima das clínicas. Transitam pela de abastecimento da rede Mercal e
privilegiada da baía. Em Puerto la Cruz,os idosos são atendidos pela Missão Negra Hypólita comunidade, atendem e ensinam. defende Chávez até a morte. Nancy,
A casa pertencia a um falecido Só não concedem entrevistas. Para 53 anos, mora com dois filhos e uma
dono de uma mina de diamantes. falar com um deles, é preciso licença neta na entrada de Paraíso. Sua casa
O governo comprou a residência todos os ambientes. A visita termina está sempre ao lado da de Chávez. do governo. tem três quartos. Recebe salário mí-
da viúva e fez ali o abrigo para 43 na farmácia, onde três armários es- – Você foi lá? Viu que coisa linda? Em Paraíso, onde a missão é nimo, 650 mil bolívares, mas 300 mil
idosos – entre eles um cubano, um tão lotados com medicamentos. Temos outra missão como aquela, completa, há ainda a escola para em tíquetes do Mercal. Garante que,
argentino e um espanhol. Há enfer- – Esse aqui, por exemplo, é caríssi- para drogados – conta Saab. alfabetização de jovens e adultos e agora, vive bem:
meiros, nutricionista, psicólogo e mo, para mal de Alzheimer – aponta. Em todo o país, estão espalhadas o supermercado. Na manhã de 7 de – Tenho ar-condicionado, TV, ge-
recreacionista. Os quartos coletivos A casa funciona há pouco mais de casas de recuperação de jovens. O re- julho, um sábado, uma pequena fila ladeira, consigo comprar com 50
são equipados com TV 29 polegadas um ano. É também orgulho do go- flexo, garante a chavista Nancy Boid, se formava no lado de fora do pré- mil comida para uma semana. Em
e ar-condicionado. O administrador, vernador de Anzoátegui, Tarek Saab, faz-se sentir: dio. Depois de alguma negociação, um outro supermercado, daria para
Luis Salazar, faz questão de mostrar cuja foto em outdoors pela cidade – Eles (os drogados) se foram. foi possível entrar no Mercal. A ge- dois dias.

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