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A ARMADILHA DE GELO
Autor
WILLIAM VOLTZ
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
SKIRO
Os terranos sempre lutaram pela aliança entre as raças desconhecidas...
mas, sacrificando suas próprias vidas?...
Um homem malvado poderia deixar qualquer cientista desesperado. Bastaria que lhe
pedisse uma prova da existência de uma nave espacial durante o vôo linear. O cientista
estaria diante de um problema insolúvel, a não ser que se encontrasse a bordo da nave.
Realmente, uma nave espacial que se encontrava no interior da zona de libração
deixava de existir, ao menos para o observador situado no universo einsteiniano e para
todos aqueles que se encontrassem em qualquer um dos planos n-dimensionais
conhecidos.
Durante o vôo linear a nave praticamente permanece em um meio por ela mesma
criado, num espaço que não pode ser influenciado a partir de nosso universo ou de
qualquer uma das dimensões de ordem superior. Na criação da chamada zona semi-
espacial, a enorme força de propulsão do conversor kalup aproveita a instabilidade entre
o espaço normal e um suposto hiperespaço (admite-se com segurança que existem
inúmeros hiperespaços, criando suas próprias leis físicas no espaço intermediário.
O nosso conjunto integrado espaço-temporal nem de longe possui a estabilidade que
supomos. O perigo de provocar alterações através das influências por nós exercidas
sempre está presente. O incidente com o universo dos druufs é a melhor prova disso.
Mas para a astronáutica essa debilidade existente entre o espaço normal e os
hiperespaços oferece uma vantagem enorme: permite percorrer uma distância quase
infinita num tempo incrivelmente reduzido.
A descoberta prematura da Tristan só foi evitada graças ao fato de ela se ter
aproximado do sistema dos blues em vôo linear.
***
O Tenente Don Kilmacthomas estava prestes a infligir ao imediato da Tristan, o
Tenente Zang, uma derrota arrasadora no xadrez, quando os alto-falantes do sistema de
intercomunicação emitiram um estalo e a voz do Coronel Mos Hakru se fez ouvir.
— Atenção, todos os oficiais! — ordenou Hakru. — Compareçam imediatamente à
sala de comando. Sairemos em pouco tempo do espaço linear.
Zang deu um ligeiro empurrão no seu rei, derrubando-o e fazendo que rolasse para o
lado oposto do tabuleiro.
— Sou o campeão de xadrez a bordo desta nave — disse, contrariado — mas perto
do senhor pareço um simples principiante.
Kilmacthomas levantou-se e colocou as figuras numa caixa.
— O senhor tem um ótimo talento — disse em tom benevolente. — Se treinar
bastante, talvez possa conseguir sua revanche dentro de alguns anos.
Zang sorriu e abotoou o uniforme. Kilmacthomas guardou o tabuleiro num armário,
sem demonstrar muita pressa.
— Vamos andando — disse.
Os dois tenentes saíram para o corredor. A Tristan tinha 500 metros de diâmetro, e
tal qual na ESS-1 o maior espaço era ocupado pelo transmissor. O armamento da Tristan
era superior ao da ESS-1, mas a bordo da nave ninguém chegaria ao ponto de acreditar
que a nave pudesse resistir a um ataque maciço.
Os tripulantes sabiam perfeitamente que, ao penetrarem na área do inimigo, eles se
expunham a um perigo mortal. Perry Rhodan tivera o cuidado de evitar que algum pai de
família fosse destacado para servir na Tristan.
Quando Zang e Kilmacthomas entraram na sala de comando, os outros oficiais já
estavam reunidos. O Coronel Hakru desocupara a poltrona de comando, para que a
mesma fosse usada pelo primeiro piloto Nortruk.
Sua figura delicada estava encostada à mesa com os mapas.
— Só retornaremos por alguns instantes ao universo einsteiniano, porque o perigo
de sermos descobertos é grande. Nessa oportunidade transmitiremos um impulso
instantâneo para a Eric Manoli. Diante disso Perry Rhodan dará início ao ataque simulado
contra o sistema vizinho. — Hakru tossiu. — Não sabemos por quanto tempo o chefe
conseguirá sustentar os ataques, mas para evitar muitas perdas deveremos andar depressa
depois da emissão do impulso, para atingir o décimo quarto planeta do sol Verth e
camuflar nossa presença no mesmo.
— Uma pergunta, senhor — disse o Major Lasalle, primeiro oficial da nave. — Não
poderemos prosseguir ininterruptamente em vôo linear, até atingirmos aquele mundo de
gelo e pousarmos no mesmo. Durante a manobra de aproximação teremos de sair da zona
protegida do semi-espaço.
— É verdade — disse Hakru. — Voltaremos ao universo normal a intervalos
regulares. Só podemos fazer votos para que o ataque do grupo de naves de nossa frota
deixe os blues tão perturbados que os mesmos não tenham tempo de cuidar do planeta
exterior de seu sistema.
— Nave retornando ao espaço normal, senhor — exclamou Nortruk em sua
poltrona.
Num homem baixo como Hakru, a calma inabalável quase chegava a ser apavorante.
— Façam a localização espacial — disse sua voz, interrompendo o silêncio.
Telas acenderam-se e aparelhos de localização foram ligados. Os “olhos” eletrônicos
e positrônicos da Tristan atravessaram o espaço. Instrumentos ultra-sensíveis captavam
qualquer impulso energético emitido por outras naves.
— Localização espacial em funcionamento, senhor — anunciou Brunner, o
controlador-chefe.
— A nave acaba de retornar ao universo normal — disse Nortruk.
Os olhos dos homens reunidos na sala de comando dirigiram-se para as telas.
Haviam dito a eles que se encontrariam com outras naves, e também que seriam muitas
naves.
Mas ninguém lhes dissera que o número de localizações diretas seria tão elevado
que nenhum ser humano seria capaz de contá-las. Só mesmo o dispositivo positrônico
poderia desempenhar essa tarefa.
O reflexo das luzes de controle iluminou o rosto de Hakru, que se manteve
impassível que nem uma máscara.
— Impulso instantâneo para a nave-capitânia! — ordenou.
— Impulso emitido! — gritou o radioperador junto ao hipercomunicador.
Hakru virou a cabeça. Levantou os braços como se quisesse dizer alguma coisa. O
movimento quase chegava a parecer desajeitado.
— Nortruk, retorne ao vôo linear — limitou-se a dizer.
As telas apagaram-se e os indicadores dos painéis voltaram à posição zero.
Acelerando fortemente, a Tristan penetrou na zona de libração.
O Major Lasalle foi o primeiro a falar.
— E muito pior do que esperávamos, senhor.
— E, sim — confirmou Hakru. — O tráfego espacial entre os diversos sistemas é
muito intenso. Até parece que a fertilidade dos blues foi transmitida às suas espaçonaves.
Ninguém riu. Uma única pergunta ocupava o pensamento daqueles homens: como
poderia a Tristan passar entre as incontáveis naves sem que sua presença fosse notada?
As primeiras interpretações realizadas pelo computador positrônico de bordo não
contribuíram para levantar o ânimo da tripulação. Segundo essas interpretações, havia na
área estações espaciais de tamanho descomunal. Sem dúvida serviam para encobrir e
proteger as outras naves. E nessas estações certamente havia equipamentos de
localização, que perscrutavam o espaço e identificavam prontamente qualquer intruso.
— Temos de voltar — disse Zang. Evidentemente só estava dizendo o que quase
todos pensavam.
— E isso mesmo, senhor — confirmou o Major Lasalle. — Nunca conseguiremos
pousar.
— Todos são da mesma opinião? — indagou Hakru.
— Não! — disse uma voz resoluta.
Os oficiais viraram abruptamente a cabeça e seus olhares cruzaram com o do
Tenente Kilmacthomas, que acabara de pronunciar o “não” decisivo.
— Qual é mesmo sua opinião, tenente? — perguntou o coronel.
Kilmacthomas sorriu como se sua tarefa consistisse exclusivamente em pronunciar
uma conferência num seminário. Até parecia que a vida daqueles homens não estava em
jogo.
— Mesmo que se queira admitir que os blues possuem muitas naves — principiou
— seu número não pode ser tão elevado como acreditamos neste momento. Suponho que
entre os diversos sistemas existem rotas espaciais regulares, pelas quais trafegam frotas
inteiras para sustentar o comércio. Tivemos o azar de vir à tona justamente num lugar
destes, onde no momento havia uma grande concentração de naves. Podemos ter certeza
de que nem em todos os lugares será a mesma coisa.
— De onde tira essa certeza, tenente? — perguntou o Major Lasalle. — Como
sabemos, o senhor não tem experiência prática na astronáutica.
Kilmacthomas parecia não ter notado a ironia que havia nessa observação. Seu rosto
continuou amável.
— Há numerosos precedentes na História, que provam que até mesmo um homem
experiente comete seus erros — disse sem abalar-se. — Convém lembrar ainda que
dentro de pouco tempo essas naves voarão confusamente de um lado para outro, que nem
um bando de vespas espantadas. Isso acontecerá no momento em que o Administrador
Geral lançar seu ataque simulado.
Lasalle tinha uma resposta áspera na ponta da língua, mas Hakru interrompeu a
discussão com um gesto ligeiro.
— Basta, senhores — disse em tom penetrante. — O destino da Tristan não pode ser
outro senão o gigantesco sol azul denominado Verth.
6
As três mil naves terranas pareciam ter sido trazidas por uma mão de fantasma.
Saíram do semi-espaço e penetraram em alta velocidade no pequeno sistema solar. Na
ponta da formação ia uma esfera de 1.500 metros de diâmetro. Era a Eric Manoli.
O sol ao qual se dirigiam só possuía três planetas. Eram três mundos imobilizados,
que gravitavam a grande distância em torno de seu sol. Os blues só haviam instalado
pequenas estações por ali.
Duas minúsculas naves-disco sem blindagem de molkex fizeram a tentativa
temerária de deter a formação. Rhodan não gostava de investir contra duas naves com
tamanha superioridade de forças, mas era necessário que os blues acreditassem que tudo
estava em jogo. Sem dúvida um aviso de alerta já havia chegado ao sistema de Verth.
— Procurem não destruir essas naves completamente — ordenou aos homens que
ocupavam a central de comando de fogo. — Dêem-lhes uma oportunidade de escapar.
Dentro de alguns segundos as naves-disco estavam reduzidas a destroços. Conforme
previra Rhodan, procuraram salvar-se pela fuga.
Rhodan mandou que as naves lançassem o primeiro ataque contra uma estação
situada em terra firme. Termobombas, suficientes para destruir uma povoação bem maior,
caíram na superfície, abrindo crateras na neve de metano e amoníaco.
Torpedos de neutrinos cortaram o espaço. Os homens que ocupavam os postos de
controle levaram-nos a explodir em pontos não muito perigosos, para que os blues,
quando aparecessem com sua frota de guerra, tivessem um bonito fogo de artifício.
O pequeno sistema transformou-se num inferno. As naves disparavam todas as
armas contra alvos que praticamente não tinham a menor importância. A atenção
daqueles homens estava dirigida principalmente para os instrumentos de localização.
Rhodan, Bell e Dantur fitavam as telas numa expectativa tensa. Será que os blues se
deixariam enganar pelo estratagema? A fúria destrutiva que sentiam diante de qualquer
ser que não pertencesse à sua raça faria com que aparecessem por ali.
Regat Waynt foi o único que parecia impassível diante dos acontecimentos. Retirou-
se para a mesa dos mapas, sem demonstrar o menor interesse.
Pouco menos de trinta minutos se tinham passado, quando uma das naves de
Rhodan estacionadas fora do sistema deu o primeiro alarme.
Rhodan endireitou o corpo. Seu rosto magro parecia indiferente.
— Estão chegando — limitou-se a dizer.
7
O Coronel Mos Hakru notou que alguém se aproximara pela retaguarda. Olhou para
trás e viu o rosto juvenil do Tenente Kilmacthomas. Sua primeira reação foi de
contrariedade.
— O senhor sempre fica rindo, tenente? — perguntou.
— Quase sempre, senhor — confessou Kilmacthomas. Um dos seus braços
compridos passou junto ao corpo do Coronel Hakru e apontou para a tela.
— Quase poderíamos dizer que é um milagre — disse. — Receei o tempo todo que
não conseguiríamos.
A raiva de Hakru desvaneceu-se. Kilmacthomas tinha razão. Realmente era um
milagre terem chegado a esse planeta. O décimo quarto mundo do sol Verth, um bloco de
gelo de diâmetro superior a 6 000 quilômetros, que não era maior que Plutão, apareceu na
tela da Tristan, que já se preparava para pousar.
Nortruk, o primeiro piloto, manipulava o mecanismo de direção da nave. No caso da
Tristan a dificuldade não era o pouso propriamente dito, mas a operação planejada, para
fazer a nave penetrar profundamente no gelo.
Os canhões térmicos de alta potência derreteriam a camada de gelo, para que a
Tristan pudesse afundar na mesma. A água proveniente da fusão voltaria a cobrir a nave e
congelaria de novo.
Era assim que se imaginava a operação de pouso. Mas apesar de tudo surgiria uma
abertura afunilada, já que grande parte do líquido se evaporaria sob a ação dos raios
térmicos.
Kilmacthomas não se sentiu nada à vontade enquanto contemplava o quadro que se
oferecia a seus olhos. Tinha um grande volume de conhecimentos teóricos sobre os
mundos de gelo e seria capaz de encher volumes inteiros com descrições sobre o
comportamento do gelo nas mais diversas composições químicas. Mas havia uma
diferença entre estar sentado atrás de uma escrivaninha ou encontrar-se a bordo de uma
espaçonave que pretendia penetrar quinhentos metros abaixo da superfície de gelo de um
planeta desconhecido.
Provavelmente os outros tripulantes também não se sentiam muito felizes.
Kilmacthomas sentiu-se satisfeito porque Hakru era um comandante que não
admitia rodeios em seus diálogos. Sabia conduzir seus homens. E Kilmacthomas
constatara que o Major Lasalle não deixava que as considerações egoísticas
comandassem seus pensamentos. O primeiro-oficial queria evitar maiores riscos, e não se
poderia dizer que isso representasse uma qualidade negativa.
A Tristan desceu bem em cima da linha do equador. Os instrumentos de localização
não indicaram a presença de qualquer nave inimiga numa proximidade que pudesse
tornar-se perigosa. Revelaram que várias espaçonaves dos blues tinham mudado de rumo.
Na opinião de Mos Hakru, isso era devido ao ataque simulado de Rhodan, já em
andamento. A confusão instalara-se entre os gatasenses. Teriam de aproveitar o tempo de
que dispunham, pois os chefes gatasenses acabariam descobrindo que tinham caído num
truque.
A Tristan fora reformada para o fim especial de suportar temperaturas extremas,
bem como pressões muito elevadas. Os campos antigravitacionais garantiriam uma
segurança total embaixo do gelo, mas sempre havia a possibilidade de que os geradores
falhassem. Nesse caso tudo dependeria da estabilidade do casco da nave.
A voz calma de Nortruk foi anunciando as altitudes cada vez menores.
Kilmacthomas lançava os olhos constantemente para as telas dos instrumentos de
localização espacial. Esperava que fossem atacados a qualquer momento, mas por
enquanto tudo correra bem.
Agindo com a tranqüilidade de um piloto experimentado, Nortruk e seus auxiliares
colocaram a nave sobre o gelo.
— Acabamos de pousar, senhor — limitou-se a anunciar.
Hakru despertou de sua imobilidade. Depois de um ligeiro exame, constatou-se que
a nave descera numa depressão pouco profunda. Em torno da Tristan tudo era gelo. Verth,
o gigantesco sol azul, ficava tão distante que sua luz mal bastava para que se distinguisse
qualquer coisa do lado de fora. Kilmacthomas teve a impressão de que a superfície era
entrecortada por montanhas íngremes. As substâncias congeladas formavam figuras
grotescas.
Os canhões térmicos estavam dispostos de forma anelada em torno da nave. Uma
vez postos a funcionar, poderiam atingir praticamente todos os pontos situados num raio
de 600 metros de diâmetro. Abririam um caminho por onde a Tristan desceria para as
profundidades.
Kilmacthomas manteve-se numa expectativa tensa. Talvez estivessem cavando um
gigantesco túmulo gelado, de onde jamais conseguiriam voltar.
— Disparar canhões térmicos! — ordenou Hakru depois de certificar-se de que não
havia nenhuma nave estranha nas proximidades do planeta.
Os homens que se encontravam no interior da nave não viram quase nada do fogo de
artifício desencadeado do lado de fora. Os estabilizadores da Tristan inquietaram-se
quando Nortruk mandou recolher as pernas de aterrissagem, que se haviam tornado
inúteis. A Tristan ficou num ângulo de dez graus em relação ao plano de pouso, mas os
canhões térmicos não demoraram a sanar a irregularidade, de tal forma que o poço que se
ia formando levasse diretamente para baixo.
Kilmacthomas notou que Hakru evitava olhar para um dos oficiais. O major não
tirava os olhos dos controles de estabilização. Kilmacthomas sabia que qualquer desvio
acentuado em relação à vertical significaria o fracasso da missão. Nesse caso teriam de
dar-se por satisfeitos se conseguissem pôr-se a salvo numa decolagem rápida.
— Nave descendo, sir — disse Nortruk, que parecia não ter nervos enquanto estava
sentado junto aos controles direcionais da nave.
Kilmacthomas lançou um olhar para o piloto musculoso, de cabelos negros. Nortruk
parecia ser um homem comum, mas isso ele não era.
“Nortruk, que nome estranho!”, pensou Kilmacthomas. “Quem serão os
antepassados desse homem?”
— Cem metros, senhor! — gritou Nortruk.
A Tristan continuava a descer. Kilmacthomas procurou imaginar o que estava
acontecendo fora da nave. Os canhões térmicos estavam formando uma abertura
gigantesca no gelo. O tenente não acreditava que a camada de gelo tivesse mais que
alguns quilômetros de espessura. Quanto à configuração da superfície propriamente dita
do planeta, só se podia adivinhar.
— Inclinação de quinze graus! — gritou Lasalle com a voz rouca, numa advertência
dirigida a Nortruk.
Kilmacthomas não compreendia como numa situação destas, que representava uma
tarefa jamais enfrentada, um piloto pudesse reagir com tamanha calma, acionando os
propulsores regulados para a potência mínima de forma a colocar a nave numa posição
que se aproximava do normal.
Mas Nortruk conseguiu.
— Oito graus — disse Lasalle em tom de alívio. Kilmacthomas ouviu seu próprio
suspiro de alívio.
— Duzentos metros — anunciou Nortruk. As indicações de profundidade
correspondiam ao centro da nave. Portanto, ainda havia uma parte da nave fora do gelo.
O movimento descendente tornava-se cada vez mais lento. Kilmacthomas imaginou
que o gelo derretido e milhões de pequenos blocos se acumulavam no fundo da
escavação. Como a quantidade de calor que podia escapar para cima era cada vez menor,
os canhões térmicos levavam mais tempo para abrir caminho à nave.
— Trezentos metros, senhor — disse Nortruk.
Kilmacthomas teve de reprimir um desejo cada vez mais intenso de fazer alguma
coisa contra o afundamento no gelo. Não era que tivesse medo, mas havia um sentimento
desagradável que se tornava cada vez mais intenso. As mãos ficaram úmidas de
nervosismo. Certamente os outros, inclusive o Coronel Hakru, experimentavam
sensações semelhantes. Justamente para Hakru, devia ser muito difícil fazer a razão
triunfar sobre a vontade cega de interromper a missão.
— Há uma forte elevação da temperatura no setor sete — anunciou Lasalle, que não
tirava os olhos dos controles.
Hakru e os oficiais estavam nervosos.
— Estamos cozinhando em nossa própria calda, senhor — observou Nortruk em
tom seco.
— A temperatura continua a subir rapidamente, senhor — gritou Lasalle com a voz
estridente.
— Quatrocentos metros, senhor! — anunciou Nortruk.
Hakru esforçou-se para tomar uma decisão rápida. Para ficarem em segurança
absoluta, teriam que descer pelo menos mais cem metros. Acontece que naquele
momento a nave estava exposta a um grande perigo. Deveria assumir o risco de fazê-la
baixar ainda mais?
— Pelo amor de Deus, senhor, temos de parar — gemeu Lasalle, desesperado.
Hakru pediu que lhe fossem fornecidos os dados que estavam sendo registrados.
Num certo ponto do casco o calor quase havia chegado ao limite de tolerância, embora
todos os equipamentos fossem capazes de fazê-lo baixar.
— Desligar os canhões térmicos do setor sete — ordenou Hakru.
Nortruk virou-se abruptamente.
— Isso nos derrubará, senhor — ponderou.
— Qual é a profundidade? — indagou Hakru.
— Quatrocentos e cinqüenta metros, senhor.
Kilmacthomas notou que suas mãos se crispavam em torno da mesa com os mapas.
A respiração dos homens era apressada. Até parecia que acabavam de enfrentar uma
corrida.
— Temperatura baixando, senhor. A inclinação já chega a dezesseis graus.
— Voltem a acionar os canhões térmicos — ordenou Hakru.
— Quinhentos metros, senhor — anunciou Nortruk.
A Tristan atingiu a profundidade de 570 metros com uma inclinação pouco inferior a
vinte graus. Hakru mandou que os canhões térmicos fossem desligados. A temperatura no
setor sete era pouco superior ao limite máximo e baixava constantemente.
Nortruk levantou-se. Estava exausto. Sem demonstrar nenhuma pressa, Hakru fez
seu corpo delicado passar junto ao Major Lasalle e tomar a direção de Nortruk. Bateu no
ombro do piloto.
— Conseguimos — disse com um suspiro de alívio.
Havia um tom agressivo na voz de Nortruk, quando este respondeu:
— Ouça bem, senhor. Eu não voltaria a fazer isso. Nunca!
— Compreendo o que está sentindo, Tenente Nortruk — disse Hakru.
O piloto fez meia-volta e foi saindo com as pernas duras. Kilmacthomas pensara que
se sentiria aliviado assim que chegassem lá embaixo.
Mas não era nada disso.
Haviam realizado uma façanha ao fazer a nave penetrar meio quilômetro no gelo.
Mas Don Kilmacthomas imaginava que isso seria apenas o começo.
8
Seria inútil tentar contar as naves dos gatasenses que penetravam no sistema que
Rhodan escolhera para sua manobra de camuflagem, vindas de todas as direções. Dentro
de pouco tempo o grupo de naves do Império Unido viu-se diante de uma enorme
superioridade de forças.
A maior parte das naves dos blues dispunha de blindagens de molkex, que as
tornavam praticamente indestrutíveis. A única vantagem das naves terranas era a
mobilidade. A capacidade de aceleração dos veículos espaciais esféricos era muito
superior ao das naves-disco.
O Coronel Kors Dantur fez a Eric Manoli atravessar o campo de batalha em
manobras temerárias. Rhodan acompanhou a luta pela tela de imagem. Os oficiais que
operavam as centrais de comando de fogo não tiveram outra alternativa senão dedicar sua
atenção às naves inimigas que não dispusessem de blindagem de molkex. Só assim
conseguiriam impactos eficazes.
Rhodan dirigiu-se a Waynt, o acônida.
— Agora o senhor tem uma oportunidade de ver estas naves — disse. — Não
acredito que consiga novos dados sobre o molkex, mas não custa tentar.
— Naturalmente — respondeu Regat Waynt, que não parecia abalar-se nem um
pouco com o conflito cósmico.
As formações de naves terranas experimentaram as primeiras perdas. As naves
aproximaram-se velozmente, apesar dos ataques furiosos dos blues, e conseguiram salvar
parte dos náufragos espaciais. Pequenos barcos espaciais saíam das naves destruídas,
pondo-se a salvo nos hangares de outros veículos espaciais esféricos.
Se não fosse a velocidade superior, as coisas teriam ficado bem ruins para os
couraçados do Império. Rhodan percebeu que sua posição piorava a olhos vistos.
Mas a mensagem de rádio da Tristan, que anunciasse logo o pouso bem-sucedido.
Rhodan olhou para o relógio. Só lhe restava fazer votos de que no sistema de Verth tudo
tivesse corrido segundo o plano.
A Eric Manoli atravessou em alta velocidade um grupo de naves inimigas,
espalhando a destruição entre as naves-disco não protegidas. Mesmo quando os raios
mortíferos atingiam camadas de molkex, a força dos mesmos bastava para espalhar a
confusão.
Um cruzador terrano da classe “cidade” explodiu nas imediações da nave-capitânia.
Rhodan cerrou os dentes. Valeria a pena esperar mais? Por que a Tristan não dava sinal de
vida?
— As coisas começam a ficar pretas para nós — observou Bell, que se encontrava
ao lado de Rhodan. — Acho que logo devemos bater em retirada.
Perry Rhodan olhou para o relógio de bordo. Devia dar mais uma chance ao Coronel
Mos Hakru e aos tripulantes da Tristan.
— Podemos agüentar mais dez minutos sem grandes perdas — respondeu. — Nunca
pensei que nosso ataque desencadeasse uma reação como esta entre os blues.
Esperávamos sua intervenção, mas não acreditávamos que mobilizassem uma frota
inteira.
— Hakru deve ficar satisfeito com isso — disse Bell laconicamente e passou a mão
pelo cabelo curto.
Kors Dantur levou a nave-capitânia para perto de alguns cruzadores que estavam
sendo acossados pelas naves inimigas. Os campos defensivos do supercouraçado de 1
500 metros de diâmetro estremeceram quando quatro inimigos atacaram a Eric Manoli de
vez.
Com grande habilidade Dantur levou a nave esférica para fora da área de perigo.
Rhodan, que mantinha contato pelo rádio com todas as naves, deu ordem para que
se retirassem aos poucos.
— Não vamos fugir logo para o espaço linear — ordenou. — Devem ter a
impressão de que relutamos em sair daqui.
Quando os atacantes foram saindo do sistema, as naves-disco seguiram-nos
prontamente. Rhodan imaginava que a bordo das naves de molkex já se previa uma
vitória fulminante.
Depois de oito minutos a Tristan emitiu o impulso instantâneo que fora combinado.
Bell soltou um suspiro de alívio. Rhodan, que não acreditara mais no sucesso da
operação, transmitiu em tom de alívio a ordem para a fuga geral.
As naves da frota aceleraram e penetraram no semi-espaço, onde estavam a salvo.
Os blues golpearam o nada. As naves-discos atravessavam furiosamente o sistema, para
ver se agarravam um ou outro inimigo que ainda se encontrasse por lá.
As naves esféricas desapareceram com a mesma rapidez com que tinham aparecido.
A bordo da Eric Manoli Rhodan formulou uma restrição à observação triunfante de
Dantur:
— Sem dúvida a Tristan chegou ao lugar previsto, mas a maior dificuldade será
manter a posição.
Ninguém imaginava que essas palavras eram muito verdadeiras.
9
Do ponto de vista estético aquele ser poderia ser considerado belo. Tinha um corpo
esbelto, pernas curtas e pés com sete dedos. O ser tinha certa semelhança com um urso
que se pusesse sobre as patas traseiras, mas seu corpo era muito mais gracioso e os
movimentos mais refinados. Não tinham nada de desajeitado. Aliás, não parecia haver
nada de pesado nele. Nem mesmo a cabeça em forma de disco, presa a um pescoço em
forma de mangueira com vinte centímetros de comprimento, poderia ser chamada de feia.
Apesar de tudo a visão dessa criatura não poderia deixar de provocar sentimentos
hostis num ser humano.
Era por causa dos olhos.
Aquele ser possuía quatro, dois na frente e dois atrás, dispostos na borda da cabeça
em forma de disco. Não eram redondos, mas elipsóides, e as pupilas eram alongadas que
nem as de um gato.
Era um ser incapaz de rir ou demonstrar qualquer espécie de sentimento.
Era este o motivo por que provocava repugnância em qualquer criatura humana.
O ser era um blue.
Comandava uma grande nave de guerra em forma de disco protegida por uma
blindagem de molkex.
O nome do comandante daquela nave dos blues era difícil de reproduzir. Um ser
humano talvez o pronunciasse como Leclerc.
O comandante Leclerc participara do ataque ao grupo de naves inimigas que acabara
de ser expulso do sistema solar vizinho.
Leclerc era incapaz de entreter qualquer sentimento que correspondesse ao ódio de
uma criatura humana. O que sentia naquele momento talvez pudesse ser designado como
uma raiva surda.
Leclerc começou a desconfiar que os seres estranhos não estavam interessados na
conquista de alguns planetas desolados. Sem dúvida tinham percebido que por ali só
havia algumas bases sem importância, e que não poderiam conseguir muita coisa com
ataque.
O motivo do aparecimento do inimigo deveria ser outro.
Leclerc tinha 1,92 metros, o que representava um tamanho extraordinário até mesmo
para um gatasense. Isso lhe permitia abranger com a vista toda a sala de comando da
nave-disco, sem levantar da poltrona especial.
Leclerc observou os outros tripulantes. Estavam nervosos, o que constituía um
indício seguro de que também estavam refletindo sobre alguma coisa. Leclerc usava um
uniforme, e por isso a penugem azul que cobria seu corpo não era visível.
Pelos cálculos do comandante, o inimigo lançara pelo menos três mil naves no
ataque. Nenhuma raça capaz de atravessar o espaço com naves que desenvolviam
velocidades superiores à da luz seria estúpida a ponto de concentrar um potencial militar
dessa ordem em pontos que não tinham a menor importância estratégica.
“A não ser”, pensou Leclerc, “que a finalidade do ataque consista em desviar sua
atenção de outra missão.”
Que missão seria esta?
Por mais que refletisse, Leclerc não teve a menor idéia do que os desconhecidos
pretendiam conseguir com aquele ataque. Talvez fosse apenas uma operação destinada a
testar o potencial da frota gatasense.
Nesse caso teriam descoberto que uma nave gatasense revestida com uma
blindagem de molkex dificilmente podia ser destruída.
Mas isso eles já sabiam.
Era outro império, continuava pensando o comandante. Devia ter pelo menos o
tamanho do seu. Mais dia menos dia ocorreria o conflito, pois a expansão do império
gatasense era cada vez mais rápida e acentuada. A raça precisava de espaço.
Provavelmente a distância entre as áreas periféricas dos dois impérios já era
perigosamente pequena.
Para a estranha mentalidade de Leclerc a paz era apenas um conceito abstrato, uma
situação que na melhor das hipóteses pode ser aproveitada, mas que não pode ser mantida
por muito tempo.
Dessa forma qualquer raça estranha despertava nele idéias de guerra e destruição.
Nem por um instante chegou a pensar que os inimigos pudessem ter idéias diferentes, que
talvez nem desejassem o conflito.
O povo gatasense reproduzia-se muito depressa e precisava de cada vez mais espaço
vital.
“Com aqueles desconhecidos as coisas não podem ser diferentes”, concluiu Leclerc.
Por isso só havia uma alternativa: a guerra.
Do ponto de vista humano essa teoria seria má e condenável. Era sinal de uma
personalidade ávida de poder, de falta de tolerância e de visão. Mas seria uma injustiça
aplicar essa interpretação a Leclerc.
Do ponto de vista gatasense o comandante não era mau. Pelo contrário. Fora
escolhido para um cargo tão elevado por ser honesto, corajoso e leal, porque se
empenhava com todas as forças pelos interesses de seu povo.
Os gatasenses encaravam a guerra com uma raça estranha de forma muito diferente
que os humanos.
Naquele momento a nave de Leclerc ainda não iniciara o vôo linear. Como não
recebera outras ordens, ficou cruzando pelas regiões exteriores do sistema de Verth.
Aqueles desconhecidos os haviam enganado, voltou a pensar Leclerc. Quanto mais
refletia, maior era sua certeza. Aquele ataque absurdo tinha por fim esconder alguma
coisa.
E haviam conseguido.
O comandante era incapaz de sentir o medo propriamente dito. A melhor palavra
para designar seus sentimentos seria pavor. Leclerc sentiu-se apavorado ao pensar no que
poderia ter acontecido.
Leclerc levantou-se e atravessou a sala de comando. A disposição de seus olhos
permitia-lhe ver todos os pontos ao mesmo tempo. Não achava isso extraordinário, pois
não estava acostumado a outra coisa. Provavelmente uma criatura que virasse a cabeça
lhe causaria compaixão, se fosse capaz de experimentar um sentimento dessa espécie.
Um gatasense não tinha necessidade de virar a cabeça para verificar o que estava
acontecendo atrás da mesma.
A disposição dos aparelhos de localização e das telas de imagem no recinto obedecia
a esse princípio. Para um terrano seria pouco prática, mas para um blue era a disposição
ideal.
Foi assim que todos os olhos de Leclerc transmitiram ao cérebro o sinal de alerta
que se acendeu de repente.
Todos os aparelhos de localização reagiram ao mesmo tempo.
Leclerc só ficou estupefato por alguns segundos. Logo compreendeu que uma coisa
extraordinária estava acontecendo. A reação dos aparelhos foi tão intensa que se poderia
acreditar na presença de uma frota inteira.
Mas os olhos treinados de Leclerc viram mais que isso.
Viram que não havia uma única nave por perto.
Nenhuma nave de seu povo ou de outra raça.
E viram mais uma coisa, que fez crescer o medo que sentira de início,
transformando-o em pânico: as blindagens de molkex que envolviam a nave-disco
ficaram abauladas de repente, como se estivessem prestes a dissolver-se!...
13
Leclerc apenas teve uma sensação de alívio ao notar que o movimento da blindagem
de molkex não passava do inexplicável abaulamento. A camada protetora não foi
destruída, nem se desprendeu da nave. Apesar de tudo os acontecimentos eram
preocupantes.
Os ensaios goniométricos realizados às pressas revelaram que a emissão energética
que provocara a alteração no molkex vinha do planeta exterior do sol Verth.
De repente Leclerc compreendeu por que os desconhecidos haviam lançado aquele
ataque simulado. Enquanto os gatasenses saíram voando sem pensar em mais nada, o
inimigo desembarcara um comando secreto naquele inóspito mundo de gelo. Concluiu
que coisas interessantes e perigosas deviam estar acontecendo naquele planeta.
Leclerc transmitiu suas ordens à tripulação.
O grupo de intrusos não podia ser muito numeroso — o que significava que era
fraco. O comandante gatasense reconheceu a oportunidade que se oferecia. Talvez
conseguisse capturar alguns prisioneiros que lhe revelassem alguma coisa sobre aquela
estranha raça.
Leclerc transmitiu as informações sobre o incidente para Gatas. Conforme esperara,
a permissão para o ataque foi dada imediatamente. Outras naves-disco foram enviadas ao
local para apoiá-lo.
Leclerc não conseguiu desenvolver qualquer sentimento de triunfo. A única coisa de
que foi capaz foi a versão gatasense de uma profunda satisfação.
Deixou que este sentimento o envolvesse até que descobriu o lugar em que a nave
estranha pousara. Cuidadosas operações de localização revelaram que o intruso se
escondera sob o gelo. As primeiras fotografias mostraram um funil mais baixo que o resto
da paisagem, que não poderia ser de origem natural.
Era ali que estava o inimigo.
Leclerc dirigiu seus olhos de gato para as telas. Sua mão segurou o microfone, que o
ligava aos gatasenses que controlavam os canhões.
Leclerc disse uma única palavra.
Em intercosmo significava o seguinte:
— Fogo!
16
A facilidade com que o inimigo foi dominado deixou Leclerc surpreso. Esperara que
fossem sofrer pesadas perdas, mas os trajes de molkex haviam resistido aos ataques do
inimigo. Viu que o receio de que os desconhecidos pudessem ter inventado uma arma
capaz de romper a blindagem de molkex não tinha base.
Dividiu os grupos de combatentes pelos corredores abertos no gelo. Dessa forma
aprisionariam e levariam para bordo da nave-disco qualquer inimigo que ainda se
encontrasse por ali.
Uma vez cumprida esta tarefa, teria que dedicar sua atenção à espaçonave dos
desconhecidos, que certamente fora transformada propositalmente em sucata.
Leclerc transmitiu suas ordens com a voz calma. Era apenas uma questão de tempo
que a nave sob seu comando pudesse decolar do mundo gelado e viajar em direção a
Gatas.
O comandante Leclerc era o primeiro gatasense que conseguira capturar
prisioneiros.
A idéia deixou-o orgulhoso. Sentiu-se satisfeito ao ver mais três inimigos postos
fora de ação com os vibradores, que estavam sendo carregados para fora do corredor e
colocados sobre um dos discos antigravitacionais.
O gatasense transmitiu uma mensagem para a nave, a fim de que se preparassem
para receber os prisioneiros. Além disso tranqüilizou os astronautas que haviam ficado lá
e esperavam ansiosamente sua volta.
Leclerc dirigiu-se ao lado oposto da caverna. Depois dos disparos feitos no
momento em que penetraram na caverna, não usara mais a arma. Mas estava preparado
para repelir um eventual ataque de surpresa. Graças aos quatro olhos podia observar
praticamente todos os pontos da caverna situados desse lado da nave.
— Pegamos mais quatro, comandante — anunciou alguém. Muito satisfeito, Leclerc
esperou que os prisioneiros fossem carregados para fora do corredor.
Um dos suboficiais aproximou-se dele.
— Não pode haver mais inimigos por aqui — disse. — Acho que já pegamos todos.
Leclerc sentiu a raiva tomar conta dele.
— Eu darei a ordem, quando achar que a ação deve ser suspensa — disse em tom
penetrante.
Mandou que saíssem novamente à procura dos inimigos.
Não podia cometer o erro de subestimar o inimigo, somente porque o mesmo não
possuía armas capazes de destruir o molkex. Isso não significava absolutamente nada. No
momento em que estivessem festejando a vitória, um grupo de inimigos poderia reunir-se
e tentar escapar à força.
Leclerc resolveu que continuaria a agir com muita cautela.
Nem desconfiava de que um par de olhos azuis acompanhavam seus movimentos.
***
O sargento Wallaby olhou para cima, através da carlinga, para ver se ainda estava só
naquela caverna. O caça espacial em que se abrigara não era um esconderijo muito bom,
mas a oferta de lugares protegidos era tão reduzida que não teve outra possibilidade senão
retirar-se naquela minúscula nave espacial.
Desde o momento em que se apresentara como voluntário, o sargento Wallaby
passara por uma transformação. Reconheceu que cometera muitos erros durante a vida. O
pior deles fora enganar a si mesmo. Admitiu que não era uma grande inteligência. E seu
grau de instrução não lhe permitia dispensar aos subordinados um tratamento que pudesse
ser considerado objetivamente correto.
Sentia-se muito velho, e ainda era sargento. Dali já deveria ter concluído que havia
algo de errado com ele. Mas sempre que alguma coisa não dava certo, culpava os outros.
Acenou com a cabeça. Estava aflito. Se conseguisse sair dali, teria de reparar muitos
erros. Imaginou como seriam as coisas se num dia quente ficasse sentado na varanda de
sua casa, com os olhos semicerrados, observando as moças que passavam pela rua.
Sorriu. Por que se lembrava disso justamente agora? Era uma coisa de louco.
Acontece que não estava sentado numa varanda. As moscas não zumbiam em torno
dele e não havia nenhum cachorro acorrentado nas vizinhanças, que latisse seus
aborrecimentos para o ar tépido do meio-dia. A senhora Moreno não estava pendurando
roupa no varal, do outro lado da rua, e nenhuma espaçonave traçava uma raia prateada no
céu. O velho Tesko Patton não subia a rua, arrastando os pés, embriagado como
costumava estar a essa hora do dia.
Estes quadros só existiam na imaginação de Wallaby. Eram uma lembrança da
cidadezinha do planeta Terra em que vivera. Antigamente essas coisas lhe pareciam
secundárias e ridículas.
Wallaby costumava fechar-se diante disso, até chegara a desprezar esses quadros e
zombar deles. Mas agora achava que um ébrio como Tesko Patton compreendia muito
mais dessas coisas do que ele, que era o sargento Wallaby.
A cidadezinha desmanchou-se em seu pensamento que nem uma bolha de sabão.
Viu à sua frente o metal duro do caça espacial, a arma térmica que segurava nas mãos e a
caverna escura que envolvia tudo — escura, porque desligara seu farol portátil.
A luz passou tão repentinamente pelo teto da caverna que o sargento estremeceu.
Levantou-se, enquanto a luminosidade se tornava cada vez mais intensa, e olhou para
fora da carlinga.
Vinham num grupo de dez.
Suas figuras magras lançavam sombras bruxuleantes sobre as paredes da caverna.
Distribuíram-se de maneira uniforme pelo recinto, com as armas apontadas para a frente.
Dois deles vieram em direção ao caça espacial.
Wallaby levantou a carlinga da minúscula nave e girou-a para trás, como se isto
fosse a coisa mais natural do mundo. Levantou-se e apontou a arma térmica na direção
dos blues que se aproximavam.
Não conseguiu fazer um único disparo. Os blues, que tinham quatro olhos, viram-no
imediatamente. Suas armas vibratórias entraram em ação.
Wallaby teve a impressão de que o sangue estava congelando em suas veias. De
repente o frio do gelo parecia atravessar seu traje protetor e penetrar em seu corpo.
Teve um pensamento sarcástico: “Meus olhos devem estar iguais aos de Tesko
Patton”, enquanto tombava lentamente para a frente, caindo para fora da carlinga. Antes
que pudesse bater com toda força no chão, os blues chegaram e o arrancaram de lá.
Wallaby perdera os sentidos.
Era o prisioneiro número quarenta e oito.
Porém somente um dos seus companheiros continuava em liberdade: o Tenente Don
Kilmacthomas!
22
O estranho que estava sendo carregado para fora de uma das cavernas era de estatura
descomunal. Leclerc não resistiu à tentação de examinar detidamente esse homem, que
diante de seus companheiros era um verdadeiro gigante.
Leclerc não poderia imaginar que se tratasse de Melbar Kasom, especialista da
USO. Controlou pessoalmente a colocação do gigante sobre um dos discos
antigravitacionais. “Deve ser o comandante da nave”, conjeturou Leclerc.
Mais um disco antigravitacional estava totalmente carregado. Leclerc mandou que
subisse à superfície. Depois chamou um dos suboficiais.
— Todos os corredores e cavernas foram cuidadosamente revistados? — perguntou.
— Foram — respondeu o blue. — Não há mais nenhum inimigo por aqui.
Leclerc percebeu que o blue queria dizer mais alguma coisa, mas não tinha coragem
de manifestar-se perante seu superior.
— Quer mais alguma coisa? — perguntou.
— Há muitos equipamentos nas cavernas — disse o suboficial. — Sugiro que os
examinemos.
— Naturalmente — disse Leclerc. — Cuidaremos disso. Pode retirar-se. A nave
inimiga também será submetida a um exame cuidadoso.
O blue retirou-se tranqüilamente. Leclerc subiu num dos discos antigravitacionais.
Deixou dez blues para montar guarda. Voltaria assim que os prisioneiros tivessem sido
colocados na nave.
Os aparelhos voadores levantaram-se do chão da caverna e foram desaparecendo no
canal. A claridade diminuiu bastante, pois o ambiente era iluminado apenas pelos faróis
dos blues que tinham ficado para trás.
Nada indicava que dali a vinte minutos o tumulto voltaria a reinar sob o gelo.
***
As observações realizadas por Kilmacthomas não deixaram de produzir seus
resultados.
Já tinha certeza de que os trajes protetores dos blues tinham um revestimento de
molkex. Era por isso que não haviam sofrido perdas. Não podiam ser atingidos pelas
armas térmicas.
Deveria lembrar-se disso quando conseguisse penetrar na caverna em que estava o
hipercomunicador.
Sentiu-se aliviado ao ver os discos voadores desaparecerem um após o outro. Mas se
esperava que todos os blues se retirassem, estava enganado.
Dez gatasenses ficaram para trás e patrulhavam a área. Ao que parecia, estavam
muito nervosos. Kilmacthomas podia compreender que para estes seres não seria nada
agradável montar guarda num lugar destes.
Por algum tempo acompanhou todos os movimentos dos guardas. O pior era que as
rondas eram feitas ao acaso. Não seguiam um esquema preestabelecido, que
possibilitasse a Kilmacthomas abandonar seu posto de observação. Resolveu aguardar
uma oportunidade favorável. Não havia outra alternativa.
Diante da presença dos guardas concluiu que os outros blues voltariam. Isso queria
dizer que seu tempo era limitado.
Seus companheiros tinham sido aprisionados. Quarenta e oito cidadãos do Império
Unido encontravam-se em poder dos blues.
Se não agisse com muito cuidado, seria o número quarenta e nove.
Seis dos dez gatasenses desapareceram do outro lado da Tristan. O tenente espiou
para fora da eclusa destruída. Não deveria esquecer que os blues tinham quatro olhos.
Seriam capazes de vê-lo, mesmo que estivessem de costas para ele.
A penumbra da caverna iluminada somente por uns poucos faróis estendia-se à
frente de Kilmacthomas. Mais um gatasense desapareceu atrás da Tristan.
Uma oportunidade como esta não voltaria tão depressa. Teria de percorrer mais de
duzentos metros para chegar à caverna em que estava guardado o hipercomunicador.
O tenente olhou para fora da eclusa, à procura de alguns lugares em que pudesse
abrigar-se, pois não poderia percorrer o trecho de uma vez. O gerador do sistema de
irradiação de água poderia protegê-lo por um instante dos olhos vigilantes do inimigo.
Além disso, havia alguns blocos de gelo de grandes dimensões pelo caminho. Se
necessário, poderia esconder-se atrás dos mesmos.
Kilmacthomas entesou o corpo. Saltou da eclusa e dobrou os joelhos quando seus
pés tocaram o gelo. Havia dois blues atrás dele, mas por enquanto estaria protegido pelos
destroços da Tristan. O terceiro blue que se encontrava do mesmo lado da nave estava
parado junto à entrada de uma das cavernas.
Kilmacthomas correu abaixado. O calor gerado durante o processo de fusão abrira
uma vala profunda em torno da Tristan. O tenente saltou para dentro da mesma e
continuou rastejando. Sabia que este caminho não o levaria ao destino. Mas conseguiria
avançar um bom pedaço.
Ofegante, chegou ao lugar em que teria de sair da vala se não quisesse afastar-se da
caverna em que se encontrava o hipercomunicador.
Olhou por cima da borda da vala. Mais ao longe viu quatro blues que estavam
voltando da ronda. Seus faróis descreviam movimentos bruscos. A luz corria pelo chão e
lançava reflexos fantasmagóricos no teto.
Kilmacthomas saiu da vala e rastejou pelo gelo, com o corpo colado contra o chão.
A qualquer momento poderia soar um tiro. Não teve coragem de olhar para trás. Os dois
blues que estavam à sua frente já bastavam. Permanecendo sempre grudado ao chão,
atingiu um bloco de gelo. Soltou um suspiro de alívio e encostou-se ao mesmo.
O coração batia fortemente, porque não estava acostumado a tamanho esforço físico.
Obrigou-se a rastejar em torno do bloco de gelo, tendo sempre o cuidado de não entrar no
feixe de luz de um dos faróis.
A unidade geradora ficava apenas a uns sessenta ou setenta metros do lugar em que
estava, e dali deveria ser relativamente fácil chegar à caverna.
Mas entre seu abrigo atual e o sistema de irradiação de água havia somente o gelo
liso. Não viu a menor irregularidade no solo que pudesse servir-lhe de proteção.
Não poderia rastejar nesse trecho. Teria de percorrê-lo numa corrida rápida.
Procurou determinar a posição dos dez gatasenses. Encontravam-se nos lugares
menos favoráveis em que poderiam estar, mas Kilmacthomas sabia perfeitamente que não
poderia continuar ali.
Desprendeu-se do bloco de gelo que nem uma sombra e saiu correndo.
***
Assim que recuperou a consciência, vieram as dores. O Coronel Mos Hakru quis
cerrar os dentes, mas teve de constatar que a mandíbula não obedecia ao comando do
cérebro. Não podia fazer o menor movimento. Estava completamente paralisado.
Sentiu uma pressão surda no peito. Era como se alguém tivesse colocado uma carga
sobre o mesmo.
Aos poucos a lembrança dos acontecimentos voltou à sua mente — e com ela o
sentimento de pavor.
Era prisioneiro. Estava em poder dos blues.
Um formigamento espalhou-se, partindo do couro cabeludo. Conseguiu abrir os
olhos.
Olhou diretamente para um teto de plástico marrom. Não pôde ver o recinto em que
se encontrava, pois não conseguia mover a cabeça, por pouco que fosse.
De qualquer maneira já não estava embaixo do gelo. Os blues haviam-no levado a
outro lugar.
Idéias confusas o martirizavam. Já estaria em Gatas? Ou estaria preso numa nave-
disco? Os ruídos que atingiam seu ouvido indicavam esta última possibilidade.
Hakru sentiu-se miseravelmente mal. Não eram tanto as dores físicas, mas
principalmente a decepção e a amargura.
O avanço para o sistema de Verth fracassara. Mais que isso, transformara-se num
triunfo do inimigo. Como era um dos comandantes do projeto, sentia-se responsável pelo
malogro.
E agora jazia no chão, desamparado e incapaz de mover um dedo.
Os olhos doloridos de Hakru fitavam o teto. Quanto tempo demoraria até que a
rigidez abandonasse seu corpo? Será que os blues o deixariam paralisado até que
chegassem ao destino?
Outra pergunta passou a ocupar os pensamentos do coronel. Onde estavam os outros
homens, que foram presos juntamente com ele? Talvez estivessem deitados a seu lado e
ele não conseguia vê-los porque era incapaz de mover a cabeça.
De repente uma sombra caiu sobre ele.
Os olhos de Hakru estremeceram. Era a única reação de que era capaz.
O rosto indiferente de um gatasense baixou sobre ele. Um par de olhos de gato
fitaram-no. Hakru sentiu pavor, medo e ódio. Mas não conseguiu desviar-se daqueles
olhos, que pareciam enfeitiçá-lo.
Por algum tempo os dois se fitaram — o humano e o blue. Provavelmente cada um
procurava descobrir os pensamentos do outro, sem a menor possibilidade de sucesso.
Talvez o ser que se interessava por ele fosse um dos chefes dos gatasenses, refletia
Hakru. Talvez se divertisse em observar a criatura indefesa. A única coisa que Hakru
pôde fazer foi retribuir o olhar com todo o ódio de que era capaz.
Uma estranha tensão espalhou-se por sua nuca. Até parecia que alguém queria
arrancar-lhe a medula. Hakru soltou um gemido. O desconhecido continuava a fitá-lo,
imóvel. A tensão ficou mais forte. De repente Hakru conseguiu mover a cabeça.
O que viu deixou-o profundamente abalado. „
À sua esquerda jazia uma fileira de homens que vestiam trajes protetores. Pareciam
mortos.
O coronel fez um esforço tremendo e conseguiu levantar a cabeça. Compreendeu
imediatamente que as pessoas que estava vendo eram os voluntários. Nenhum deles
escapara à prisão. Deixou cair a cabeça e fechou os olhos.
Não podia saber que um dos homens continuava em liberdade. Mesmo que
soubesse, seu desespero não seria menor. O blue que estava a seu lado retirou-se.
Hakru estremeceu. Não sabia o que o futuro lhe reservava. Mas sabia que não havia
a menor esperança. O caminho que se estendia à sua frente era o da prisão gatasense.
Pelo que sabiam a respeito dos blues, isso era pior que a morte.
23
Kilmacthomas nunca pensara seriamente que pudesse chegar à caverna sem ser
descoberto. Correu abaixado em direção à unidade geradora.
Quando se encontrava a uns dez metros da mesma, foi descoberto.
De repente viu-se envolvido pela luz de vários faróis. Instintivamente soltou um
grito. Deu um salto desesperado em direção à unidade geradora. O lugar em que se
encontrara há um instante foi literalmente inundado pelos raios dos vibradores. O braço
esquerdo de Kilmacthomas entrou na linha de fogo de uma das armas. Teve a impressão
de que sua mão estava congelando.
Atirou-se ao chão. Por um instante saiu da área iluminada pelos faróis e rolou em
direção à unidade geradora. Sentiu a resistência do metal e segurou-se com a mão intacta.
No lugar em que se encontrava o gelo era tão liso que conseguiu chegar facilmente
ao lado oposto da máquina. Deu uma olhada para o lado oposto do mecanismo e viu sete
gatasenses que se aproximavam.
Kilmacthomas nem tentou atirar contra eles, pois sabia que seria inútil.
Uma idéia arrojada atravessou seu cérebro. Levantou a arma térmica e fez pontaria
para o teto da caverna, bem em cima dos blues. Deu um disparo contínuo. O gelo
derreteu e uma torrente de água e de blocos de gelo caiu sobre os gatasenses,
estabelecendo a confusão em suas fileiras.
O tenente logo se pôs de pé e saiu correndo em direção à entrada da caverna.
Quando os blues compreenderam que suas vidas não estavam em perigo, Kilmacthomas
já se encontrava fora do alcance de suas armas.
Correu ofegante pelo corredor que o levaria à outra caverna. Quando chegou lá, fez
circular a luz do farol.
Ficou aliviado ao notar que o hipercomunicador continuava no mesmo lugar em que
fora deixado pelos especialistas. Seu revestimento estava coberto por uma camada de
gelo. Era uma conseqüência da onda de pressão. Acontece que o aparelho fora
especialmente construído para funcionar num mundo de gelo. Bastaria derreter o gelo
para colocá-lo em funcionamento.
Esperava que a vantagem que levava sobre seus perseguidores fosse suficiente.
Ligou a arma térmica para o campo mais estreito e pôs-se a derreter o gelo.
De repente viu luzes no corredor.
Os blues estavam chegando. Kilmacthomas virou-se e praguejou. O
hipercomunicador ainda não estava em condições de entrar em funcionamento, e seus
perseguidores já tinham chegado bem perto.
Mas estava decidido a expedir a mensagem, houvesse o que houvesse. Encontraria
um meio de deter os gatasenses.
Um plano desesperado começou a delinear-se em seu cérebro, um plano que só
poderia ser concebido por uma pessoa que não tinha mais nada a perder.
***
O alarme atingiu Leclerc como um choque. Quando o sinal foi transmitido, estava
vistoriando os prisioneiros. O comandante retirou-se às pressas. Um suboficial veio
apressadamente pelo corredor.
— Alarme na caverna, comandante — anunciou. — Os homens comunicam que há
mais um inimigo em liberdade. Ficou escondido o tempo todo nos destroços da nave.
— Só um? — perguntou Leclerc em tom de desprezo.
— Só — confirmou o astronauta. — Mas está criando dificuldades. Parece ter um
plano bem definido. Os nossos que estão lá de vigia informam que ele assumiu um risco
enorme para chegar a determinada caverna.
Leclerc amaldiçoou a leviandade que o levara a cometer tamanho erro. Imaginava
perfeitamente o que levava aquele desconhecido a dirigir-se a uma certa caverna. Lá
devia existir um radiotransmissor, com o qual poderia solicitar reforços ou ao menos
transmitir a notícia dos acontecimentos.
— Quero meu traje espacial — ordenou Leclerc. — Mande preparar imediatamente
uma nave-disco. Assumirei pessoalmente o comando da operação. Temos de pegar esse
homem de qualquer maneira, antes que possa executar seu plano. A caverna deve ser
tomada de assalto. — Colocou o traje de molkex e transmitiu novas ordens. — Prestem
atenção a eventuais impulsos que indiquem que um radiotransmissor foi posto em
atividade. Em hipótese alguma o inimigo deve ter conhecimento de que aprisionamos
seus homens. Quero que no império deles todo mundo acredite que nenhum dos homens
sobreviveu ao nosso ataque.
Enquanto proferia as últimas palavras, Leclerc já se dirigia à eclusa da nave. Uma
plataforma antigravitacional com seis homens a bordo já estava à sua espera. Saiu da
nave o mais depressa que pôde.
— Vamos! — resmungou assim que subiu no disco. O piloto imprimiu uma
aceleração tremenda ao aparelho. Logo chegaram ao canal de entrada e foram descendo.
Na caverna, outra surpresa esperava Leclerc. Os dez blues que deixara para vigiar o
local estavam à frente de uma caverna, bastante confusos.
Leclerc saltou da nave-disco assim que o mesmo tocou o chão.
— O que houve? — perguntou. — Onde está o inimigo? Vocês o mataram?
Os blues ficaram calados. Estavam embaraçados. Sabiam perfeitamente que haviam
cometido um erro que atrairia a ira do comandante sobre eles.
— Vamos! Falem logo! — ordenou Leclerc.
— Ainda está lá dentro — disse um dos astronautas, apontando para o corredor.
Leclerc cochichou algumas palavras compreensíveis e disse:
— Tirem-no de lá.
— Ele deve estar louco, comandante — disse o porta-voz dos guardas. — Não
conseguimos chegar lá. É um verdadeiro demônio.
— Está sozinho — disse Leclerc em tom irônico.
Mas logo soube o que fizera o estranho.
***
Kilmacthomas virou-se resolutamente para a entrada da caverna, onde os blues
apareceriam dentro de alguns instantes. Devia retê-los de qualquer maneira.
Levantou a arma térmica e regulou-a para a potência máxima. Fez pontaria para as
camadas de gelo situadas acima da entrada. O teto cedeu dentro de alguns segundos.
Kilmacthomas soltou uma expressão de triunfo.
Viu uma avalanche obstruir a entrada. A água penetrou na caverna e pedaços de gelo
vieram rolando em sua direção. Se tivesse azar, toda a caverna desabaria. Kilmacthomas
só parou de atirar quando a entrada ficou totalmente obstruída. Isso deteria os atacantes
por algum tempo. Fazia votos de que as massas de gelo tivessem atingido alguns deles.
Eles acabariam abrindo caminho, mas até lá teria tempo de expedir sua mensagem.
Com os dedos trêmulos, voltou a dedicar-se ao hipercomunicador. A água, que lhe
chegava aos tornozelos, congelava muito depressa. Kilmacthomas contornou o aparelho
para remover a última camada de gelo.
Logo pôs à vista todos os comandos. Verificou se estava tudo em ordem. Não notou
qualquer avaria. As baterias forneciam energia suficiente.
Moveu a chave mestra e esperou que o controle liberasse o aparelho para a
transmissão da mensagem.
De repente percebeu que a água estava subindo no interior da caverna e não
congelava mais.
Logo soube o motivo: os blues tinham começado a derreter um caminho no gelo.
Voltou-se novamente para o aparelho e fez votos de sair vitorioso na luta contra o
tempo.
***
— Sem dúvida está morto — disse um dos blues, dirigindo-se a Leclerc. — Está
enterrado embaixo do gelo.
O comandante gatasense não tinha tanta certeza assim. Acreditava que o
desconhecido sabia perfeitamente o que estava fazendo.
— Vamos verificar se ainda está vivo — ordenou Leclerc.
Mandou então que trouxessem projetores térmicos e penetrou no corredor
juntamente com quatro gatasenses. Era exatamente como lhe haviam contado. Em certo
trecho o corredor desabara, impedindo a passagem.
— Fundiremos um caminho no gelo — disse Leclerc, e começou a acionar os
projetores.
Tiveram de trabalhar com cuidado, pois a remoção do obstáculo não deixava de
oferecer certo perigo. A qualquer momento novas massas de gelo poderiam cair sobre
eles. Aquele inimigo solitário lhes causava muitos problemas.
Leclerc exigiu pressa de seus companheiros, embora soubesse que aqueles homens
amedrontados estavam fazendo o possível.
Aos poucos foram derretendo o gelo e abrindo uma passagem de tamanho suficiente
para permitir a entrada de um homem. Na opinião de Leclerc, a camada de gelo não era
muito espessa.
Viu confirmada sua suposição.
De repente surgiu um buraco no gelo, que foi aumentando rapidamente.
— Suspendam o fogo — disse Leclerc em tom satisfeito. — Se ainda estiver vivo, é
muito perigoso. Vamos ver o que está fazendo.
Leclerc aproximou-se do buraco para lançar um olhar no interior da caverna. No
mesmo instante as fúrias do inferno pareceram desabar sobre eles.
***
No início o buraco tinha o aspecto de um olho incandescente, mas logo foi
crescendo. A água pingava das bordas. Kilmacthomas lançou um olhar para o
hipercomunicador e certificou-se de que teria de esperar mais alguns segundos para
colocá-lo em funcionamento.
O buraco já era do tamanho de uma bola de futebol. O tenente constatou que do lado
oposto os blues tinham suspendido o bombardeio.
De repente a abertura obscureceu-se. Kilmacthomas viu um olho de gato que o
fitava. Não podia ver o resto da cabeça, porque esta era muito maior que o buraco.
O olho era protegido por um capacete que cobria toda a cabeça. Kilmacthomas
levantou a arma térmica. O gatasense desapareceu imediatamente.
Já sabiam que ainda estava vivo. O cano de uma arma foi entrando pela abertura.
Um sorriso feroz surgiu no rosto de Kilmacthomas, que deu um salto para o lado e
disparou a arma térmica. O cano da arma foi retirado da abertura, mas o disparo do
tenente aumentara o tamanho da abertura. Kilmacthomas viu os contornos vagos do
inimigo. Abriram fogo contra ele e atingiram-no na perna direita, que dentro de alguns
segundos ficou paralisada.
Não teve outra alternativa senão atirar para o teto da caverna, junto à entrada. Mais
uma vez blocos de gelo e torrentes de água foram descendo. No momento nenhum perigo
o ameaçava, pelo menos da parte dos blues. Em compensação o risco representado pelo
gelo era muito mais grave. Novas fendas surgiram no teto. Com base em sua experiência,
Kilmacthomas deduziu que o teto iria desabar. Seria apenas uma questão de tempo. A
entrada estava completamente obstruída. Os blues levariam alguns minutos para fundir o
gelo e abrir outro buraco, se é que estavam dispostos a assumir o risco de serem
esmagados.
Kilmacthomas saiu mancando em direção ao hipercomunicador.
A perna paralisada ardia que nem fogo. No entanto, Kilmacthomas ficou aliviado ao
notar que o aparelho estava em condições de ser usado.
Agachou-se à frente do mesmo e apertou a tecla principal. Nenhum gatasense
poderia impedi-lo.
De repente o teto cedeu bem em cima de Kilmacthomas. Grandes pedaços de gelo
choveram sobre sua cabeça. O tenente foi atirado para trás e bateu violentamente com a
cabeça no chão. O capacete amorteceu o impacto. Kilmacthomas fez um esforço
desesperado e conseguiu libertar-se. Olhou para o teto e pôde avaliar toda a extensão da
tragédia: a caverna ia desabar, era só uma questão de tempo. E a entrada da mesma estava
bloqueada. Ele mesmo cortara seu caminho de fuga.
Esse caminho de fuga só poderia conduzi-lo aos blues.
Kilmacthomas voltou para junto do hipercomunicador, passando por cima dos
blocos de gelo. O aparelho continuava intacto.
Parecia estar com o corpo dormente. Não sentiu nem um pouco de dor. Concentrou-
se exclusivamente na mensagem que pretendia transmitir. Se ainda era capaz de entreter
um sentimento, este sentimento seria o da satisfação pela tarefa cumprida.
***
— Para trás! — gritou Leclerc. Esbarrou em um dos companheiros e foi bater na
parede do corredor. O gelo escorregou à sua frente. Fendas com inúmeras ramificações
apareceram no teto.
— A caverna está desabando! — gritou um dos gatasenses.
Correram para salvar a vida. Leclerc nem olhou para trás enquanto saía do corredor,
seguido pelos outros astronautas. O inimigo estava perdido. Seria esmagado pelo gelo.
Leclerc admirou a coragem daquele homem solitário, que preferia destruir-se a cair
prisioneiro.
— Devemos voltar imediatamente à superfície — ordenou Leclerc. — O
desabamento da caverna pode provocar alterações em toda a estrutura da estação
subterrânea. Se isso acontecer, ficaremos presos numa armadilha.
Os blues ficaram satisfeitos quando puderam subir num de seus discos voadores.
Leclerc não perdeu tempo. Mandou que partissem imediatamente. O piloto levou o
aparelho para fora do canal. Dali a pouco chegaram à nave-disco.
Leclerc desvencilhou-se do traje protetor e dirigiu-se à sala de comando, onde uma
surpresa o aguardava. Os dois homens que estavam sentados junto aos aparelhos de
localização informaram-no de que alguém transmitira um hiperimpulso. Alguém que só
poderia estar sob o gelo do planeta.
Não aconteceu o que todos esperavam: Leclerc não ficou zangado.
Parecia pensativo. Foi para perto da tela. Provavelmente a esta hora a frota inimiga
já estava informada sobre os acontecimentos que se haviam desenrolado naquele mundo
de gelo. Não havia mais nada que ele pudesse fazer. Não acreditava que o inimigo
assumisse o risco de um ataque temerário. Mas no futuro o império dos gatasenses, o
Segundo Império, teria de estar muito bem protegido contra um ataque vindo de fora.
Aquelas criaturas eram perigosas. Eram muito corajosos e não podiam ser
subestimados num conflito de maiores proporções.
Leclerc tranqüilizou-se quando se lembrou dos prisioneiros. Eles forneceriam
muitas informações sobre o inimigo. O seu império poderia planejar suas operações
militares futuramente de acordo com essas informações.
A raça dos blues precisava de um espaço vital mais amplo.
Não podia dar-se o luxo de permitir que alguém a detivesse na busca desse espaço.
Leclerc mandou que as eclusas de ar fossem fechadas. Os instrumentos de bordo,
que eram muito sensíveis, registraram uma movimentação do gelo, sob a superfície do
mesmo.
“Foi a caverna que desabou”, pensou Leclerc, impassível.
O gelo estava cobrindo o que restava da base subterrânea. Com o tempo ninguém
encontraria o menor vestígio da mesma, por mais intensas que fossem as buscas.
A ferida que o inimigo abrira no império dos blues estava fechada.
Com a voz firme Leclerc deu ordem para decolar. Gatas estava à espera dos
prisioneiros.
24
Perry Rhodan inclinou-se sobre a fita em que estava gravada a mensagem que a
ESS-1 retransmitira para a Eric Manoli.
Bell leu por cima do ombro do amigo. Segundo a mensagem, os blues haviam
conseguido aprisionar quarenta e oito homens no décimo quarto planeta de seu sistema
solar. Entre os prisioneiros estava o Coronel Mos Hakru e Melbar Kasom, especialista da
USO. O Tenente Don Kilmacthomas, autor da mensagem, supunha que os homens seriam
levados para Gatas, mundo central do Segundo Império.
O próprio Kilmacthomas estava preso numa caverna, onde aguardava a morte.
— Não podemos fazer nada por Kilmacthomas — disse Rhodan, amassando a fita
com a mensagem.
Contrariando seus hábitos, Bell permaneceu em silêncio. Refletia intensamente.
— Os blues conseguiram prisioneiros — disse Rhodan. — Isso lhes confere uma
grande vantagem. A tentativa de penetrar no sistema de Verth foi um fracasso lamentável.
Kors Dantur pigarreou fortemente.
— Temos de tirar os homens de lá — disse.
O rosto magro de Rhodan não demonstrava o menor sentimento. Naturalmente
deviam fazer tudo para libertar os prisioneiros, mas no momento não via a menor
possibilidade de fazerem isso.
Os blues deviam estar muito desconfiados. Redobrariam a vigilância. Era pouco
provável que uma única nave terrana conseguisse aproximar-se do sistema de Verth sem
ser localizada e atacada imediatamente.
O Império Unido acabara de sofrer um grave revés.
Bell, que parecia adivinhar os pensamentos de Rhodan, disse em voz baixa:
— Vamos descobrir um meio, meu chapa.
Mas não havia muita convicção em suas palavras.
***
Se procurarmos o nome Kilmacthomas nos inúmeros volumes da Enciclopédia da
Humanidade, não o encontraremos, por mais que nos esforcemos.
O Tenente Don Kilmacthomas está sepultado sob uma camada de gelo de seiscentos
metros de espessura. Há uma ligeira expressão de espanto em seus olhos azul-escuros.
Até parece que não conseguia compreender o que estava acontecendo em torno dele.
A missão em que Kilmacthomas encontrou a morte foi a primeira de que participou.
Esta foi sua história...
***
**
*
Em missões anteriores, os terranos conseguiram
capturar e interrogar alguns blues. Mas agora estes
acabam de registrar um êxito notável. Perto de
cinqüenta terranos caíram em suas mãos. Entre eles
encontra-se Melbar Kasom, o célebre agente especial
da USO! É claro que Lemy Danger não poderia
abandonar seu gigantesco amigo. Lemy entra
diretamente na toca do leão, à frente dos
Homúnculos de Siga, título do próximo volume desta
série.