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Tropicália

Tropicália - Caetano Veloso Autenticando eterna primavera


Sobre a cabeça os aviões E nos jardins os urubus passeiam a tarde inteira
Sob os meus pés os caminhões Entre os girassóis
Aponta contra os chapadões Viva Maria-ia-ia
Meu nariz Viva a Bahia-ia-ia-ia-ia
Eu organizo o movimento Viva Maria-ia-ia
Eu oriento o carnaval Viva a Bahia-ia-ia-ia-ia
Eu inauguro o monumento no planalto central
Do país No pulso esquerdo bang-bang
Em suas veias corre muito pouco sangue
Viva a bossa-sa-sa Mas seu coração balança a um samba de tamborim
Viva a palhoça-ça-ça-ça-ça Emite acordes dissonantes
Viva a bossa-sa-sa Pelos cinco mil alto-falantes
Viva a palhoça-ça-ça-ça-ça Senhora e senhores ele põe os olhos grandes
Sobre mim
O monumento é de papel crepom e prata
Os olhos verdes da mulata Viva Iracema-ma-ma
A cabeleira esconde atrás da verde mata Viva Ipanema-ma-ma-ma-ma
O luar do sertão Viva Iracema-ma-ma
O monumento não tem porta Viva Ipanema-ma-ma-ma-ma
A entrada é uma rua antiga, estreita e torta
E no joelho uma criança sorridente, feia e morta Domingo é o Fino da Bossa
Estende a mão Segunda-feira está na fossa
Terça-feira vai à roça
Viva a mata-ta-ta Porém
Viva a mulata-ta-ta-ta-ta O monumento é bem moderno
Viva a mata-ta-ta Não disse nada do modelo do meu terno
Viva a mulata-ta-ta-ta-ta Que tudo mais vá pro inferno, meu bem

No pátio interno há uma piscina Viva a banda-da-da
Com água azul de Amaralina Carmem Miranda-da-da-da-da
Coqueiro, brisa e fala nordestina e faróis Viva a banda-da-da
Na mão direita tem uma roseira Carmem Miranda-da-da-da-da

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Tropicália

Já vem pronto e tabelado,


Parque Industrial - Tom Zé É somente folhear e usar,
É somente folhear e usar.
Retocai o céu de anil
Bandeirolas no cordão
Grande festa em toda a nação. Bat macumba - Caetano Veloso - Gilberto Gil
Despertai com orações
O avanço industrial Batmakumbayêyê batmakumbaobá
Vem trazer nossa redenção. Batmakumbayêyê batmakumbao
Batmakumbayêyê batmakumba
Tem garota-propaganda Batmakumbayêyê batmakum
Aeromoça e ternura no cartaz, Batmakumbayêyê batman
Basta olhar na parede, Batmakumbayêyê bat
Minha alegria Batmakumbayêyê ba
Num instante se refaz Batmakumbayêyê
Batmakumbayê
Pois temos o sorriso engarrafadão Batmakumba
Já vem pronto e tabelado Batmakum
É somente requentar Batman
E usar, Bat
É somente requentar Ba
E usar, Bat
Porque é made, made, made, made in Brazil. Batman
Porque é made, made, made, made in Brazil. Batmakum
Batmakumba
Retocai o céu de anil, ... ... ... etc. Batmakumbayê
Batmakumbayêyê
A revista moralista Batmakumbayêyê ba
Traz uma lista dos pecados da vedete Batmakumbayêyê bat
E tem jornal popular que Batmakumbayêyê batman
Nunca se espreme Batmakumbayêyê batmakum
Porque pode derramar. Batmakumbayêyê batmakumbao
Batmakumbayêyê batmakumbaobá
É um banco de sangue encadernado

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Tropicália

Geléia Geral Voz do morro, pilão de concreto tropicália, bananas ao vento


Gilberto Gil e Torquato Neto Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia
Resplandente, cadente, fagueira num calor girassol com alegria
Na geléia geral brasileira que o Jornal do Brasil anuncia Domingo no parque
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi Gilberto Gil
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi
O rei da brincadeira - ê, José
A alegria é a prova dos nove e a tristeza é teu porto seguro O rei da confusão - ê, João
Minha terra é onde o sol é mais limpo e Mangueira é onde o samba é mais puro Um trabalhava na feira - ê, José
Tumbadora na selva-selvagem, Pindorama, país do futuro Outro na construção - ê, João
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi A semana passada, no fim da semana
João resolveu não brigar
É a mesma dança na sala, no Canecão, na TV No domingo de tarde saiu apressado
E quem não dança não fala, assiste a tudo e se cala E não foi pra Ribeira jogar
Não vê no meio da sala as relíquias do Brasil: Capoeira
Doce mulata malvada, um LP de Sinatra, maracujá, mês de abril Não foi pra lá pra Ribeira
Santo barroco baiano, superpoder de paisano, formiplac e céu de anil Foi namorar
Três destaques da Portela, carne-seca na janela, alguém que chora por mim
Um carnaval de verdade, hospitaleira amizade, brutalidade jardim O José como sempre no fim da semana
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi Guardou a barraca e sumiu
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi Foi fazer no domingo um passeio no parque
Lá perto da Boca do Rio
Plurialva, contente e brejeira miss linda Brasil diz “bom dia” Foi no parque que ele avistou
E outra moça também, Carolina, da janela examina a folia Juliana
Salve o lindo pendão dos seus olhos e a saúde que o olhar irradia Foi que ele viu
Ê, bumba-yê-yê-boi ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-yê-yê-yê é a mesma dança, meu boi Juliana na roda com João
Uma rosa e um sorvete na mão
Juliana, seu sonho, uma ilusão
Um poeta desfolha a bandeira e eu me sinto melhor colorido Juliana e o amigo João
Pego um jato, viajo, arrebento com o roteiro do sexto sentido O espinho da rosa feriu Zé

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Tropicália

E o sorvete gelou seu coração A rua


Gilberto Gil e Torquato Neto
O sorvete e a rosa - ô, José
A rosa e o sorvete - ô, José Toda rua tem seu curso
Oi, dançando no peito - ô, José Tem seu leito de água clara
Do José brincalhão - ô, José Por onde passa a memória
Lembrando histórias de um tempo
O sorvete e a rosa - ô, José Que não acaba
A rosa e o sorvete - ô, José
Oi, girando na mente - ô, José De uma rua, de uma rua
Do José brincalhão - ô, José Eu lembro agora
Que o tempo, ninguém mais
Juliana girando - oi, girando Ninguém mais canta
Oi, na roda gigante - oi, girando Muito embora de cirandas
Oi, na roda gigante - oi, girando (Oi, de cirandas)
O amigo João - João E de meninos correndo
Atrás de bandas
O sorvete é morango - é vermelho
Oi, girando, e a rosa - é vermelha Atrás de bandas que passavam
Oi, girando, girando - é vermelha Como o rio Parnaíba
Oi, girando, girando - olha a faca! Rio manso
Passava no fim da rua
Olha o sangue na mão - ê, José E molhava seus lajedos
Juliana no chão - ê, José Onde a noite refletia
Outro corpo caído - ê, José O brilho manso
Seu amigo, João - ê, José O tempo claro da lua

Amanhã não tem feira - ê, José Ê, São João, ê, Pacatuba
Não tem mais construção - ê, João Ê, rua do Barrocão
Não tem mais brincadeira - ê, José Ê, Parnaíba passando
Não tem mais confusão - ê, João Separando a minha rua
Das outras, do Maranhão

De longe pensando nela

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Tropicália

Meu coração de menino sem grandes segredos dantes


Bate forte como um sino sem novos secretos dentes
Que anuncia procissão nesta hora

Ê, minha rua, meu povo eu sou como eu sou
Ê, gente que mal nasceu presente
Das Dores, que morreu cedo desferrolhado indecente
Luzia, que se perdeu feito um pedaço de mim
Macapreto, Zé Velhinho
Esse menino crescido eu sou como eu sou
Que tem o peito ferido vidente
Anda vivo, não morreu e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.
Ê, Pacatuba
Meu tempo de brincar já foi-se embora Torquato Neto
Ê, Parnaíba
Passando pela rua até agora
Agora por aqui estou com vontade O Poeta é a Mãe das Armas
E eu volto pra matar esta saudade
O Poeta é a mãe das armas
Ê, São João, ê, Pacatuba & das Artes em geral —
Ê, rua do Barrocão alô, poetas: poesia
no país do carnaval;
Alô, malucos: poesia
Cogito não tem nada a ver com os versos
dessa estação muito fria.
eu sou como eu sou
pronome O Poeta é a mãe das Artes
pessoal intransferível & das armas em geral:
do homem que iniciei quem não inventa as maneiras
na medida do impossível do corte no carnaval
(alô, malucos), é traidor
eu sou como eu sou da poesia: não vale nada, lodal.
agora

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Tropicália

A poesia é o pai da ar- Sorriso solto, perdido


timanha de sempre: quent Horizonte, madrugada
ura no forno quente O riso, o arco da madrugada
do lado de cá, no lar O porto, nada
das coisas malditíssimas;
alô poetas: poesia! Navegar é preciso
poesia poesia poesia poesia! Viver não é preciso
O poeta não se cuida ao ponto
de não se cuidar: quem for cortar meu cabelo O barco, o automóvel brilhante
já sabe: não está cortando nada O trilho solto, o barulho
além da MINHA bandeira ////////// = Do meu dente em tua veia
sem aura nem baúra, sem nada mais pra contar. O sangue, o charco, barulho lento
Isso: ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. a O porto, silêncio
r: em primeiríssimo, o lugar.
Navegar é preciso
Viver não é preciso
poetemos pois

torquato neto /8/11/71 & sempre.

Os argonautas
Caetano Veloso


O barco, meu coração não agüenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não

Navegar é preciso
Viver não é preciso

O barco, noite no céu tão bonito

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