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DESENHO PARA QUADRINHOS: TRAÇO, ESTILO, MENSAGEM

Autor: Me. Cristiana de Almeida Fernandes


Co-autor 1: Me. Jader Mattos de Aguiar
Co-autor 2: Thales Araujo do Nascimento
Co-autor 3: Julia Rodrigues Lhano

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
Centro Universitário de Volta Redonda, Volta Redonda, Brasil
Centro Universitário de Volta Redonda, Volta Redonda, Brasil

RESUMO

Desenhar para quadrinhos é um exercício de pensamento projetual. Sob essa premissa, o presente
artigo objetiva descrever os procedimentos adotados no desenvolvimento de desenhos para um
quadrinho autoral, produto final de um projeto de iniciação científica com alunos de Design. O
percurso projetual começou com a definição do método. Este fora estruturado a partir de uma
sistematização dos fundamentos de quadrinhos expostos por Will Eisner (1989) e Scott McCloud
(1995), os quais constituem embasamento teórico largamente utilizado no campo do Design para
pesquisas sobre quadrinhos. Na definição dos procedimentos metodológicos, incluíram-se
treinamentos dos alunos em linguagem e técnicas de desenho, foco deste artigo. Por meio da análise
de quadrinhos contemporâneos, discutem-se as questões de linguagem não verbal. Utilizam-se como
ferramenta de análise as funções dos produtos de design: forma, significado, função (LÖBACH,
2001). Essa tripla função, colocada sob a ótica do desenhista de quadrinhos, pode ser atribuída ao
traço, ao estilo e à mensagem. A possibilidade desse paralelo baseia-se nos estudos de Braida e
Nojima (2014) que, a partir da tríade fenomenológica da semiótica peirceana (primeiridade,
secundidade, terceiridade), desenvolvem um quadro conceitual das tríades do design. Portanto,
assume-se a análise dos quadrinhos como uma análise triádica. Por fim, apresentam-se os resultados
preliminares, relacionando os desenhos de cada designer com as diretrizes do projeto. Expõe-se, por
meio de relato de experiências, em que medida o traço particular traduz o estilo de quadrinhos e
como estes podem influenciar na mensagem. Igualmente, em que medida o "designer-desenhista"
deve seguir as delimitações previstas no projeto ou dar lugar ao seu modo de ver e de fazer desenho.

PALAVRAS-CHAVE: desenho, projeto, linguagem.

ABSTRACT

Drawing for comics is an exercise of projectual thought. Under this premisse, this article aims to
describe the procedures used in the development of drawing, for authoral comics, a final product of
a scientific initiation project in Design. The projectual course begin with the definiton of the
method. That was structured from a systematization of the foundations of comics brought by Will
Eisner (1989) and Scott McCloud (1995), that are the theoretical base largely used on Design field
in researchs about comics. In the outline of the methodological procedures were included student's
training in language and drawing technics, focus of this article. Throught analisys of contemporary
comic, the questions of nonverbal language are discussed. We used as a tool for analisys the
functions of the design product: form, meaning, function (LÖBACH, 2001). This triple function, put
under the point of view of a comic book designer, could be atributed to outline, to the style and the
message. The possibility of this paralel, is base on studies of Braida and Nojima (2014) from the
phenomenological triad of Peircean semiotics (firstness, secondness, thirdness), developing a
conceptual framework fo the Design triad. Therefore, we assume the comics analisys as a triadic
analisys. Lastly, the preliminar results are presented, relating the drawings of each designer to the
project guidelines. We expose, throught a experience report, in what extent a particular outline
translates the comics style and how can influence the message. Equally, in what extent the
"drawing-designer" should follow the delimitations of the project or give place to its own way of
seeing and drawing.

KEYWORDS: drawing, project, language.

INTRODUÇÃO. DEFINIÇÃO DO MÉTODO

O objetivo do presente ensaio é tentar contribuir para o campo com a demonstração de uma
prática projetual concebida, ao longo de um ano, para criação de quadrinhos voltados aos
docentes que lecionam para o ensino médio. Os estudos que aqui são descritos definem-se
como relato de experiências a partir de um problema encontrado por uma equipe na
graduação em Design e reflexões à própria atividade projetual, tratando-a como o "fazer
quadrinhos".
Mais do que a elaboração de um objeto comunicacional que servirá de interface de
aprendizado pelo próprio professor, vale ressaltar que os benefícios de um projeto dessa
natureza são inúmeros, impossíveis de abordar em sua totalidade. Trata-se de uma prática
que presume a busca por um dos pressupostos da educação, que é "aprender fazendo" e a
descoberta dos estudos da linguagem, sempre lembrando que o ambiente ensino-
aprendizagem só se estabelece pela troca.
Muito se escreve a respeito dos benefícios encontrados com o uso de quadrinhos em
salas de aula e sobre a necessidade de se instrumentalizar os professores para o alcance de
resultados mais satisfatórios. Além disso, encontram-se um sem número de artigos que
sugerem práticas ao discorrerem acerca da problemática existente.
Percebe-se no material disponível uma ampla variedade de recursos textuais para
que o leitor interessado se baseie para colocar em prática. Contudo, cabe ao designer
pesquisador questionar a forma de abordagem e oferecer uma maneira que utilize também
outras linguagens. Em outras palavras, uma tradução de conteúdos e um oferecimento de
maneiras diferentes de se ler podem ajudar na interpretação desses estudos.
Ao pesquisar mais atentamente sobre as causas que levam ao despreparo dos
docentes na utilização do recurso quadrinístico como instrumento paradidático, é comum
deparar-se com motivos que não são propriamente o desconhecimento sobre a linguagem, a
narrativa, entre outros aspectos. Talvez a falta de tempo em buscar um conhecimento mais
aprofundado no assunto frente às tantas atribuições do professor, seja uma causa a ser
levada em consideração.
Ainda assim, longe de elucubrações, antes mesmo que se possa utilizar um recurso
para dele conquistar resultados com um grupo, em específico, os alunos de ensino médio, é
preciso ter envolvimento. Isto é, também pelos quadrinhos, é preciso que o professor se
apaixone pelo conteúdo utilizado, seja um audiovisual ou, simplesmente, um texto.
Foi possível identificar - a partir das pesquisas realizadas em iniciação científica,
com um grupo formado por estudantes de Design, designers e estudantes de ensino médio -
que o professor deveria ser, inicialmente, um leitor de quadrinhos. Essa constatação se deu
pela análise de entrevistas realizadas com docentes que lecionam em escolas públicas e são
também professores de graduação em cursos de licenciatura.
Nessa pesquisa ficou evidente que muitos professores até utilizam filmes e vídeos
de entrevistas em suas aulas, contudo, dos que fazem uso dos quadrinhos, no máximo,
recorrem às tiras existentes nos livros didáticos ou em provas e nos simulados. Talvez pelo
grande volume de conteúdo a ser praticado ao longo dos anos na educação básica, alunos e
mestres não se atentam para os quadrinhos ou outras formas de entretenimento como
benefício para o conhecimento. Leem quadrinhos até uma determinada época na infância,
depois se distanciam deles pelo aumento das responsabilidades ou por mero desinteresse.
Outro ponto a ser observado foi o fato de que a grande maioria dos entrevistados
não aponta muitos títulos de quadrinhos em sua leitura pessoal. Alguns já leram quando
eram crianças a da Turma da Mônica ou os super-heróis. Outros arriscam uma breve
apreciação pelas tiras nos jornais ou um conhecimento da existência dos mangás pelos seus
alunos, mas não ressaltam em sua fala um aprofundamento sobre outros gêneros.
Decidiu-se, então, por criar um quadrinho autoral, ficcional, que despertasse no
professor a vontade de conhecer melhor os títulos de quadrinhos existentes, com o foco em
seu uso em classes do ensino médio.
Com base nas questões apresentadas, a equipe formada para a pesquisa partiu de
uma pergunta-problema para dar início às atividades, caminhando, a posteriori, para um
método de execução projetual calcado no Design, mesclando com os estudos oferecidos
para a construção de quadrinhos: "Como desenvolver quadrinhos para que o professor
desperte os alunos para os gêneros existentes de maneira divertida (assim como os
quadrinhos devem ser)?".
Para tanto, baseados nas premissas de McCloud (2005), Eisner (1989) e Eisner
(2013) para a construção de quadrinhos, elencaram-se parâmetros que deveriam fazer parte
do material a ser desenvolvido, como elementos de construção de sentido, requadro,
linguagens específicas para cada gênero, movimentação de personagens etc. Dali extraíram-
se etapas de realização de construção de quadrinhos, mescladas com a metodologia e
fundamentos de Lobäch (2001):

(...) Design é uma ideia, um projeto ou um plano para a solução de um


problema determinado. Design consistiria então na corporificação desta
ideia para, com a ajuda dos meios correspondentes, permitir a sua
transmissão aos outros. Já que nossa linguagem não é suficiente para tal, a
confecção de croquis, projetos, amostras, modelos, constitui o meio de
tornar visualmente perceptível a solução de um problema.

O método traçado para a criação de quadrinhos partiu de um olhar sobre as


capacidades encontradas na equipe para a divisão de tarefas. Entre outras especificidades
que não serão consideradas no presente momento, estabeleceram-se etapas de equiparação
projetual (híbrida)1, tratando as histórias em quadrinhos como um produto:

1- Análise do problema - Entrevistas preliminares com professores da rede pública;


levantamento dos recursos disponíveis; pontos observados nas referências bibliográficas
sobre quadrinhos e ensino; reconhecimento das capacidades e linguagens apresentadas
pelos pesquisadores-projetistas; reflexões acerca do próprio traço e estudos comparativos;
estudos sobre traço, linha e plano. 2- Geração e avaliação de alternativas - A partir de um
personagem definido e estilos identificados entre os projetistas, foram criadas diversas
versões, voltadas para gêneros diferentes, bem como: Roteiro escrito; Roteiro desenhado;
Desenho de personagens. 3- Realização da solução do problema - Consistindo em: Desenho
em finalização; Arte-finalização; Letras.

1
Termo apontado por Frederico Braida Rodrigues de Paula (2012), que, aplicado às várias áreas do
conhecimento, refere-se a uma noção de uma "mistura e da criação de algo novo".
FORMAÇÃO DE UMA EQUIPE DE DESIGNERS

Para a realização de um projeto de quadrinhos, são necessárias expertises diversas, pois


muitas são as necessidades para se desenvolver uma história. É necessário saber desenhar,
roteirizar e ter conhecimento da linguagem específica presente em cada gênero. De certa
maneira, o quadrinista é solitário em sua atividade. Por ser um exímio leitor a priori,
domina essas capacidades e realiza seus projetos, muitas vezes, sozinho. Quando o autor
transforma sua atividade em uma empresa, conta com a ajuda de uma equipe. Porém, é
fundamental a definição de um padrão e processos a seguir. Essa tarefa depende de muitos
fatores.
O primeiro deles é a discussão sobre onde se quer chegar. Fernandes (2006, p.145),
em um estudo sobre o mito na obra de Mauricio de Sousa, afirma que a imagem nos
quadrinhos sempre é idealizada, assim como em quaisquer manifestações artísticas. Em
suas palavras, "se há uma idealização da imagem para passar os conceitos e as referências,
isso vale não só para os quadrinhos, mas também para a mídia de uma forma geral" (idem,
p.143). Com essa crença, a obra a ser criada deveria ser de cunho ficcional, com uma parte
narrada, como uma apresentação.
Ao entender acerca do emprego dos signos, o criador dos quadrinhos equaciona, de
maneira exemplar, os elementos que constituirão uma página ou tira sequencial, fazendo
uso de cores, formas, balões, tipografias, enquadramento, entre outros, a partir da
elaboração de um roteiro, que prevê o enredo a ser dado. Além disso, há a utilização de
personagens, seus diálogos e suas formas, dando vida a uma abordagem ideológica.
Um dos objetivos era o envolvimento de estudantes de Design no processo
interagindo com egressos. Essa proposta, antes de tudo, tem um caráter pedagógico em si.
Além da responsabilidade em realizar um projeto voltado a um público específico e a
resolução de um problema reconhecidamente necessário, o caráter acadêmico nunca foi
desconsiderado ou deixado em segundo plano. Contudo, foi necessária uma pré-seleção de
alunos interessados.
Após uma entrevista e um teste de representação imagética, em que o objetivo era
detectar interesse na proposta e envolvimento com o objeto de pesquisa, foi possível
identificar alguns caminhos a serem tomados. Para tanto, foram agendados treinamentos de
desenho, linguagens e processos de Design, criado um cronograma e levantada uma
bibliografia, a qual ainda era desconhecida pelos estudantes. Autores utilizados como
método McCloud, Eisner e Löbach, somaram-se a Cyrne, Vergueiro, Fernandes, entre
outros. A equipe consistiu em três alunos da graduação, e três egressos, sob a orientação de
uma professora.
Dos múltiplos gêneros existentes, optou-se por trabalhar com os que mais se
relacionavam com o estilo de cada ator envolvido no processo. Contudo, tais gêneros
partiram da relação de Mike Benton (1989) e, após isso, selecionados. Entre eles, foram
desenvolvidas histórias com: action comics (action figure), policial, mangá e infantil. Essa
relação se define como função estética.
Assim como se propõe a atividade de Design, encarando-a como linguagem e como
processo, é necessário refletir sobre o campo de atuação, muito mais do que no caráter
estético, mas também, simbólico e prático. Löbach (1989, p.157) atribui à estética do objeto
a palavra comunicação: "comunicação estética". Ele define que o designer é um transmissor
da mensagem em forma de produto.

LINGUAGEM DO DESIGN: MODELO DE ANÁLISE E CRIAÇÃO

Necessário é admitir que o desenvolvimento de quadrinhos, encarado como uma atividade


projetual, é um processo de design. E este, como ferramenta de comunicação social, é um
fenômeno de linguagem. De acordo com Villas-Boas (2007, p. 30 - 46), para que uma
produção seja considerada como objeto do design gráfico, é necessário considerar três
aspectos: estético-formal, metodológico e simbólico. Este terceiro confirma o design como
uma prática comunicativa e, como tal, requer uma "compreensão e controle do
comportamento sintático, semântico e pragmático".
Nojima (2014, p. 202, 203) também aborda de maneira triádica o processo de
percepção da mensagem não verbal: input sensorial, quando a leitura se inicia; insight
representacional, quando se lê a imagem e suas correlações; output comunicacional, quando
a leitura é percebida simbolicamente.
Santaella (2005, p. 29 - 49) propõe que a análise semiótica seja uma investigação
progressiva. Inicia-se com a percepção dos aspectos qualitativos (quali-signo); passa para a
compreensão do signo de maneira singular (sin-signo); por fim, abstrai-se o geral do
particular, dando ao signo seu aspecto de lei (legi-signo). A exemplo de sua análise do
design de embalagem, a semiótica possibilita a compreensão das mensagens por meio de
outras relações triádicas:
(I) As mensagens em si mesmas: (1) nas suas qualidades (cor, forma, textura etc.); (2) no
seu aspecto singular como mensagem específica e contextualizada; (3) na sua capacidade de
generalização.
(II) A referencialidade das mensagens, ou seja, o que elas representam fora de si mesmas:
(1) em seus aspectos qualitativos (icônico); (2) na referência direta àquilo que a mensagem
indica (indicial); (3) como representação de convenções gerais e ideias abstratas
(simbólico).
(III) os efeitos interpretativos das mensagens podendo ser: (1) puramente emocionais; (2) de
efeito reativo; (3) uma interpretação lógica.
Partindo da compreensão de que a semiótica peirceana é baseada em tríades, Perez
(2011, p. 65 - 72), propõe um modelo de análise triádica para mascotes:

Quadro 2: Esquema de análise triádica. Fonte: PERES, 2011, p. 66.

Segundo a autora, o quadro acima serve ao mesmo tempo como método analítico e
criativo. O mascote é mais icônico quando estabelece uma relação de semelhança com o
que representa, ou seja, o produto de determinada marca, criando uma conexão afetiva; é
mais indicial quando há uma sugestão daquilo que representa, criando uma conexão
racional; é simbólico quando constrói um sentido mesmo sem qualquer semelhança com a
marca ou seu produto, criando uma conexão cognitiva.
Também por meio de um viés semiótico, Braida e Nojima (2014) fazem as seguintes
correlações triádicas:

Quadro 3: Correlações das tríades. Fonte: BRAIDA e NOJIMA, 2014, p. 78. Adaptação dos autores.

Sob extenso referencial teórico, o estudo das tríades do design se baseia nas
correlações que os autores fazem das categorias fenomenológicas de Peirce com as
dimensões semióticas da linguagem de Charles William Morris (sintática, semântica e
pragmática), os fundamentos do design (forma, o significado e a função) e as funções dos
produtos (estética, simbólica e prática). Assim como no caso de Perez (2011), esse modelo
de análise é, também, um modelo voltado para a criatividade e é o que assumimos como
ferramenta principal. A seguir apresentamos três análises de três designers envolvidos no
projeto sobre suas principais referências para desenvolvimento do quadrinho:

Quadro 4: Análise do desenhista para gênero action comics. Fonte: dos autores.

Como referência de quadrinhos action comics foram utilizados os dois principais


expoentes desse gênero: Marvel e DC Comics. Duas das publicações foram da Liga da
Justiça2, escolhidas por serem de períodos diferentes e de equipes de desenhistas e arte-
finalistas diferentes, embora usem os mesmos personagens e tratem dos mesmos temas.
Outra publicação, dos X-Men3, foi escolhida por possuir um "clima" de suspense
semelhante ao que foi roteirizado em nosso projeto. A última referência foi a publicação
dos Novos Titãs4, pois parte dela possui quadros que enfatizam o ambiente das cenas.
Como a construção de cenários foi um dos assuntos abordados em nossos encontros
semanais, resolvemos que essa seria a principal referência nesse gênero.

FORMA: Os quadros têm divisões diferentes em cada página e há muita variação de


ângulos (como tomadas de câmeras). Possui diversos quadros de close e muitas cenas que
ocupam toda a página, às vezes com quadros menores sobrepostos. Os cenários ganham
destaque muitas vezes, sendo trabalhados com riqueza de detalhes, em diversos ângulos,
com uso de perspectiva. Os personagens, assim como os cenários, possuem muitos detalhes.
As onomatopeias são usadas poucas vezes e de forma discreta.

SIGNIFICADO: As divisões diferentes de quadros, bem como os ângulos variados visam


representar o dinamismo das cenas. É possível observar que as páginas com mais ações
rápidas (uma luta, por exemplo) possuem uma diagramação de quadros que reforçam essa
ideia. Os traços também se baseiam nessa premissa e o preciosismo em relação ao cenário e
à anatomia dos personagens constituem elementos fundamentais para o reconhecimento
desse gênero dos quadrinhos.

FUNÇÃO: Os action comics apresentam-se como uma forma de arte e entretenimento. A


maneira como os quadrinhos de ação são construídos, os coloca sob uma perspectiva
contemplativa. Além da história, visa atrair o leitor pela beleza e pela complexidade
estética, aumentando o tempo de leitura e ampliando a percepção e o envolvimento com
cada elemento em cena.

2
Liga da Justiça: vícios e virtudes. São Paulo: Panini Editora, julho de 2003; Liga da Justiça nº 65. São Paulo:
Panini Editora, abril de 2008.
3
X-Men nº 34. São Paulo: Panini Editora, outubro de 2004.
4
Novos Titãs nº 1. São Paulo: Panini Editora, julho de 2004.
Quadro 5: Análise do desenhista para gênero político. Fonte: dos autores.

Sabemos que, ao longo dos anos, os quadrinhos ampliaram seu simples propósito de
entreter seu público. Criando vários segmentos da arte sequencial, cada um visando
expressar algo diferente para seus leitores. Os quadrinhos políticos são um exemplo desses
segmentos. Neles há manifestações de críticas sociais e políticas, envolvendo com humor
um assunto em alta no período que foi publicado.
A seguir, será apresentada uma breve análise da linguagem dos quadrinhos políticos,
levando em consideração aspectos aplicados em projetos de design, indicando as funções
estéticas, simbólicas e práticas e como os usos destas foram desenvolvidos no processo
criativo, utilizando como referencial Bernd Löbach e suas pesquisas que abordam o tema.¹
Foram utilizados como referência principal os quadrinhos da Graúna do cartunista
Henfil. Esses quadrinhos eram publicados no semanário O Pasquim entre as décadas de 60
e 70. As tirinhas retratavam os problemas políticos e sociais no Nordeste do Brasil de forma
ironizada, além de criticar a Ditadura Militar que ocorria no Brasil nessa mesma época.
Caracterizados pelos traços simples e tirinhas rápidas, traziam a tona questionamentos
políticos para os leitores.

Função Estética: Por tratar-se de uma obra que, em geral, foi produzida para jornais, tendo
um período para produção curto, traços, muitas vezes, são simplificados e rápidos de serem
feitos, o que tornou-se característico dos quadrinhos desse gênero. No caso da Graúna,
mesmo não possuindo os quadrinhos em si, o conteúdo é transmitido ao leitor sem grande
complexidade formal, já que os espaçamentos deixados entre uma ilustração e outra servem
como transição dos quadrinhos. No entanto, na nossa produção do quadrinho, foi levada em
consideração a possibilidade do leitor não possuir um conhecimento anterior em HQ. Então,
para que o raciocínio fosse demonstrado com clareza para o leitor, optou-se por utilizar um
requadro mais convencional dos HQs.
Função Simbólica: Apesar da aparência do quadrinho político ser simples por conta
de seus traços, os assuntos abordados possuem uma carga importante, não sendo abordados
assuntos banais ou simples. Ao apresentar questões políticas desse modo visual, ele oferece
ao leitor a sensação de que a importância do quadrinho político é o conteúdo a se pensar e
os problemas conjunturais do cotidiano, e não a estética ou beleza. Pretende-se que o leitor
já comece a formar uma opinião sobre a temática debatida, ou a pensar sobre a mesma,
tendo um forte potencial evocativo.
Função Prática: Esse tipo de quadrinho tem o objetivo de transmitir uma ideia ou
crítica, sobre algum assunto, ao seu leitor, trazendo de forma humorada um problema social
e ou político, deixando sempre em seu final uma forma que leve ao leitor reflexionar sobre
o conteúdo que foi transmitido. Para isso, muitas vezes se faz o aproveitamento da “quebra
da quarta parede” do quadrinho, fazendo com que o personagem dirija sua fala para o leitor,
tendo-se uma conexão direta entre o personagem e o público, aproximando-o mais para a
situação apresentada e o instigando a pensar sobre o assunto exposto.

Quadro 6: Análise do desenhista para gênero infantil. Fonte: dos autores.

Como principal inspiração para a elaboração do quadrinho infantil foi o cinema


animado dos anos 20 e 30, no qual se encontravam personagens como o Gato Félix (1927),
Oswald The Rabbit (1927), Mickey Mouse (1928), entre outros. Avaliou-se também o
episódio “Estripulias de um peixinho dourado”, da animação Clarêncio o Otimista em sua
versão brasileira. O episódio faz uma homenagem divertida aos curtas animados das
décadas anteriores. Como características destacadas e assim referenciadas no quadrinho
infantil, foram a hipérbole das expressões corporais e faciais, comuns nessas animações;
como os olhos com um corte em formato de “pizza”, tendo a pretensão em representar o
brilho do olho; o uso das luvas brancas com quatro dedos e a ausência de falas. Mesmo que
fossem destinados a um público infantil no qual foi apresentado a um contexto histórico-
social, de certa forma destoante do atual, viu-se que referenciar essas décadas seria muito
conveniente ao roteiro anteriormente elaborado, além do seu traço e estilo não está tão
distante do repertório de personagens atuais.
Na elaboração do quadrinho, houve a necessidade de encontrar referências que
auxiliassem no uso de técnicas, tais quadrinhos visualizados foram: Asterix e Obelix, Scott
Pilgrim5 e Astro Boy6. A principal referência a ser analisada nos quadrinhos, ou aquele que
teve como maior influência foram os quadrinhos do Astro boy. Mais especificamente,
foram analisadas as séries de quadrinhos publicados em um compilado de histórias pela
editora Dark Horse em 2002, traduzido por Frederick. L. Schodt. com letras e retoque por
Digital Chameleon.

Dimensão Sintática
Tem como grande característica a monocromia, usando somente cor preta em um
fundo branco, mas, muitas vezes, opta-se pelo uso do cinza como uma segunda cor7. Nos
traços, há o uso de técnicas de hachuras, linhas de sombreamento, manchas densas e
pontilhado. Há também o uso de balões, quadros, tipos sem serifa, linhas de movimentos,
sarjetas e onomatopeias.

5
Scott Pilgrim não tem como público alvo o infantil. A referência aqui está ligada às suas técnicas com uso
das grandes áreas em preto e estilo cartoon.
6
Astro boy, Tetsuwan Atom ou Mighty Atom é um quadrinho de gênero infantil e ficção científica japonês,
que teve como início através das publicações na revista Shonen em abril de 1951. Têm como criador o
quadrinista e animador Osamu Tezuka, intitulado como “Deus do Mangá”. O mangá se trata da história de
Astro, um menino robô. Possuindo vários poderes robóticos, sua grande missão é estabelecer a paz e a justiça
no mundo, tentando criar então uma harmonia entre humanos e robôs.
7
“Como segunda cor”, porém, ainda monocromático, pois em processos de impressão offset, o cinza é a cor
preta em menor porcentagem.
Dimensão Semântica
Os personagens protagonistas são identificados com os olhos cheios de brilho, um
rosto com traços leves e delicados, ligados a uma sobriedade em sua personalidade. Outros
personagens secundários estabelecem traços expressivos e proporções anatômicas
exageradas, evocando um humor. Além do humor, os aspectos observados na dimensão
sintática dão a esse quadrinho um sentido lúdico e reconhecidamente um estilo infantil.

Dimensão Pragmática
Astro boy é extremamente importante para o mundo dos mangás por ser o primeiro e
mais famoso personagem de Osamu Tezuka. Sua fama nos quadrinhos o fez tornar-se o
primeiro seriado animado no Japão. O estilo desenvolvido por Osamu Tezuka é fortemente
influenciado pelas animações ocidentais anteriores ao quadrinho, como o uso de técnicas da
animação que foram passadas para as narrativas gráficas de Astro Boy. Isso é citado pelo
próprio autor no Quadrinho Astro boy. (Dark Horse, 2002. Vol. 2 Pág. 103- 105)

LINGUAGEM DOS DESENHOS PARA QUADRINHOS: TRAÇO, ESTILO,


MENSAGEM

Como vimos, um dos parâmetros para a formação da equipe de designers foi a


contribuição que cada um daria, com base no tipo de traço e estilo de ilustração. Deve-se
levar em consideração que o estilo estará diretamente relacionado ao gênero de quadrinhos
a ser desenhado. O traço do ilustrador e o seu estilo de desenho estarão atrelados à
mensagem que o quadrinho irá transmitir. Sendo assim, traço, estilo e mensagem formam
uma tríade que se alinha com nossa análise semiótica. A investigação semiótica dos gêneros
quadrinísticos possibilitou a cada desenhista um pensamento crítico sobre o seu próprio
trabalho como forma de autoconhecimento, autoavaliação e autoanálise.
À guisa da conclusão do presente artigo, serão descritos aqui os resultados
preliminares do projeto, uma vez que não está em fase de finalização.
A título de contribuição, o trabalho explicita uma maneira de desenvolver quadrinhos
em equipe, uma vez que se trata de uma realização de cunho acadêmico. O aprendizado
aconteceu para todos, inclusive para a coordenação do projeto, pois foi uma maneira
inovadora de se realizar um trabalho voltado ao professor com o uso de quadrinhos em sala
de aula.
Primeiramente, foi realizado um processo seletivo de alunos de graduação, engajados
no propósito e que, aos poucos, tiveram a preocupação científica em refletir sobre a sua
própria atividade e a documentação dos processos para a contribuição a campos do Design,
da Comunicação e à área dos quadrinhos em si. Logo após, partiu-se para o
desenvolvimento do projeto, com base em uma estrutura metodológica mesclando Design e
quadrinhos.
Foram desenvolvidos seis roteiros, que, após uma seleção de gêneros a serem
abordados, foram distribuídos para os desenhistas. Os critérios de seleção foram: a
identificação com o tema e a relação do estilo de cada participante, que, ao receber sua
proposta, analisou semioticamente a linguagem inerente ao seu gênero. Daí partiu-se para o
processo de produção, desde a criação de seu estilo de personagem até a fase de arte-final.
É de fundamental importância para a formação do designer, emergir no universo do
público para o qual se direciona, para que consiga problematizar em conjunto. Durante os
encontros, foi possível esmiuçar as entrevistas e ler relatos sobre a dificuldade dos
professores no uso dos quadrinhos em sala de aula. Além disso, toda equipe esteve presente
em escolas, a fim de fazer um trabalho em conjunto.
Dessas idas às classes, houve uma atração de alunos que já desenvolvem quadrinhos,
enxergando no projeto e na relação do ensino superior com o ensino médio, uma resposta e
uma esperança em se desenvolver quadrinhos. Alguns deles foram incorporados à equipe,
podendo realizar as mesmas atividades, projetando quadrinhos e contribuindo para a
melhoria do trabalho.
Como desdobramentos, pretende-se com esse projeto tornar conhecido o trabalho e
fazer com que mais e mais professores se interessem pela leitura dos quadrinhos, pois, o
objetivo principal é o de entreter o docente, ao mesmo tempo em que o instrui.
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