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Abuso Sexual Criança PDF
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ARTIGO ARTICLE
intrafamiliar em menores
Álvaro E. Morales 1
Fermin R. Schramm 1
Abstract This article analyses the moral char- Resumo Este artigo analisa a moralidade do
acter of sexual abuse against minors taking in- abuso sexual em menores, tendo em conta as
to consideration the characteristics of the vic- características da vítima e seu meio familiar e
tim and its family environment, as well as the do processo, desde a ocorrência do fato até a
process itself, from when the fact occurred un- denúncia por parte dos familiares e conheci-
til it was reported to the authorities by rela- dos, a atenção prestada pelas instituições es-
tives and acquaintances, the care provided by tatais à vitima e à família, bem como os meios
the State institucional organs to both the vic- probatórios usados pelos órgãos judiciais no
tim and its family members. Also, the proba- julgamento do provável agressor. Os autores
tory means used by the judging authorities dur- discutem as questões éticas da dinâmica do
ing the trial of the probable aggressor. The au- abuso sexual intrafamiliar, baseados em al-
thors discuss the ethical aspects involved in the guns princípios: autodeterminação, justiça,
dynamics of child sexual abuse within the fam- igualdade, eqüidade, consentimento livre e es-
ily based on some principles, such as self-de- clarecido, não maleficência/beneficência, en-
termination, justice, equality, equity, free and tre outros.
clear consent, no harmfulness/kindness, among Palavras-chave Abuso sexual de crianças, Éti-
others. ca, Violência intrafamiliar
Key words Sexual abuse, Ethical, Violence
within the family
1 Departamento de
Ciências Sociais, Escola
Nacional de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz.
Av. Brasil 4036, sala 702,
Manguinhos, 21041-210,
Rio de Janeiro RJ.
alvaroem@terra.com.br
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Morales, A. E. & Schramm, F. R.
b) O menor, por causa da pouca idade e da processo judicial depois de algum tempo do o-
sua condição de vulnerabilidade, não com- corrido, o que implica a perda de indícios e pro-
preende plenamente o que está acontecendo vas, logo a eventual incriminação do agressor.
com ele, e nem sabe como externar o seu pro- • Quando neste tipo de delito a infra-estrutu-
blema para os adultos, e, em particular, para os ra não é adequada para realizar exames e inter-
adultos estranhos. Além disso, muitas vezes, os rogatórios com menores.
próprios adultos não conseguem entender a • Quando as investigações são deficientes, em
maneira de os menores se expressarem. Faz-se função de informações pouco relevantes, e indí-
então necessária a interferência externa de es- cios pouco significativos ou mal-interpretados.
pecialistas. Mas isso requer determinados cui- • Quando não existe qualquer apoio à famí-
dados. Segundo Soares, é importante que essa lia investigada.
intervenção “bem-intencionada” não crie uma Isso faz com que a captura de suspeitos se-
nova forma de “vitimização”. Em geral, o abuso ja, via de regra, excepcional.
termina após alguma intervenção, mas existe Quando se realiza uma análise imparcial
sempre a possibilidade da desintegração fami- desses procedimentos, considerados falhos, no-
liar ou da institucionalização do menor, o que ta-se que o princípio da justiça – um dos prin-
pode representar uma nova agressão psíquica e cípios morais mais importantes da ética aplica-
social contra o menor. Neste caso, é imprescin- da para dirimir conflitos de interesses e valores
dível ponderar as prováveis conseqüências do e para regrar o bom andamento da convivência
ato da intervenção, fato que pode levar a verda- social – exerce de fato um papel menor nesses
deiros dilemas morais. casos. Na verdade, a igual consideração dos in-
c) As eventuais tragédias familiares, provo- teresses (princípio de igualdade) e as possibili-
cadas a partir das revelações do menor, trazem dades reais de compensação dos danos (princí-
muitas vezes a conseqüência de o menor pas- pio de eqüidade) constituem, dialeticamente, a
sar do papel de vítima ao de culpado, sem qual- estrutura moral da justiça. Se, por um lado, es-
quer apoio externo para ele e para o próprio ses princípios estão no espírito da lei que pro-
meio familiar. Isso gera uma típica situação de tege os direitos do menor, por outro, parecem
duplo efeito do ato. Geralmente o menor é iso- estar longe de serem aplicados efetivamente,
lado de seu meio, passando a viver isso como haja vista o aumento de abusos sexuais contra
uma agressão suplementar. Por essa razão, o menores. Se considerarmos, ainda, as dificul-
apoio externo ao ambiente familiar deve consi- dades estruturais enfrentadas pelos assim cha-
derar, da mesma forma, o interesse do menor mados “países periféricos”, inclusive as dificul-
em não ser mais abusado sexualmente e o dese- dades em fazer respeitar as convenções inter-
jo (quando existir) de permanecer em sua pró- nacionais assinadas pelos seus Governos, pode-
pria família. Retirar o menor de seu ambiente se afirmar que o problema do abuso sexual con-
familiar pode significar eliminar a possibilida- tra menores constitui um dos principais pro-
de de apoio, de reabilitação e de uma nova for- blemas de saúde pública, que ameaça os futu-
ma de integração familiar, com conseqüências ros adultos de nossas sociedades.
imponderáveis.
A baixa efetividade dos meios probatórios
A baixa efetividade dos procedimentos de
atenção ao menor, vítima de abuso sexual Entre os meios probatórios que permitem
demonstrar o abuso sexual em menores estão
Os procedimentos a seguir relacionados os a seguir relacionados.
podem ser pouco efetivos. a) Prova testemunhal – trata-se da prova
• Quando o menor decide contar para al- dada por testemunhas, ou por relatos de pes-
guém os fatos do abuso sexual, depois de mui- soas, que permitem comprovar um fato deli-
to tempo do ocorrido (meses e até anos). tuoso e/ou identificar o autor do delito. No que
• Quando se realiza a denúncia a autoridades se refere ao abuso sexual intrafamiliar em me-
(polícia, assistentes familiares, defensores da nores, acontece que poucas vezes se comprova
família e curadores etc.) e estas tão somente re- o fato na frente de testemunhas, razão da escas-
cebem a denúncia e remetem a vítima aos cui- sez de resultados e da dificuldade crônica deste
dados de um médico legista. meio.
• Quando o médico envia o resultado de seu b) Prova documental – trata-se de registro,
exame à autoridade solicitante, e esta inicia um verificável, do fato delituoso, com fotografias,
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ticamente universal, em todas as culturas atuais, tomar medidas concretas em prol do menor, a
do tabu do incesto que, reconhecidamente, tem família e o agressor, geralmente, não recebem
o papel de controlar as formas de violência so- qualquer tipo de formação específica sobre co-
cial pelo incentivo aos sistemas de aliança exogâ- mo lidar com o abuso sexual contra menores, o
mica. De fato, esse tabu parece estar presente na que faz com que seus juízos sejam baseados,
negação (ou denegação) da família, da sociedade predominantemente, em suas experiências de
e do próprio profissional, sobre a ocorrência do vida de classe “média” ou “alta”, impedindo a
abuso sexual intrafamiliar, talvez como forma de tomada de decisão adequada ao caso e até ne-
negar também uma forma de violência que po- gando a existência do próprio delito, por ser
de pôr em questão a legitimidade do grupo e da supostamente improvável (Pennington, 1995).
própria sociedade se estas aceitarem a violência Estudos sobre acusações verdadeiras e fal-
como estruturante. A questão é muito comple- sas de incesto revelam (Finkelhor, 1983) que as
xa e, praticamente, sem solução fora de recursos acusações falsas são raras, o que a princípio sig-
ao “sagrado” ou a alguma outra forma de trans- nifica que os investigadores judiciais deveriam
cendência, de difícil implementação e aceitação concluir pela improcedência das acusações.
consensual em nossas sociedades seculares. Entretanto, os juízes, em sua grande maioria,
Seja como for, pode-se argumentar que os se vêem obrigados a absolver os acusados por
profissionais que interagem com menores, a falta de provas. Isso tem, com certeza, um fun-
fim de protegê-los contra os abusos de pessoas damento moralmente legítimo no princípio se-
de seu entorno imediato, deveriam ter cons- gundo o qual, até prova em contrário, todo sus-
ciência de todos esses complicadores estrutu- peito é inocente. Mas há também a conseqüên-
rais, sabendo que o abuso sexual e o incesto, cia negativa da impunidade de eventuais sus-
mesmo que negados (ou talvez exatamente por- peitos favorecidos pela baixa eficácia da com-
que denegados) existem, mas dissimulados pe- provação dos indícios. Em suma, a defesa de um
los próprios envolvidos, devido ao fato de se- direito legítimo pode ter a conseqüência nega-
rem altamente problemáticos. Em particular, tiva da impunidade do eventual agressor. Até
tais profissionais deveriam saber que seu papel hoje isso constitui um dos principais proble-
“semiológico” consiste em encontrar o sentido mas morais (por enquanto, sem solução) le-
das possíveis causas de desordens na conduta vantados pelo Direito.
dos menores, de suas enfermidades psicosso- De fato, parece existir uma resistência orga-
máticas recorrentes, depressões e até suicídios, nizada, e com bastantes recursos, para evitar
que podem muito bem ser originados por esse que o abuso sexual contra menores cesse. Por
tipo de abuso, o qual por não poder ser confes- exemplo, o fenômeno social conhecido de for-
sado não é menos patógeno e arrasador, como ma genérica pelo apelido de “crime organiza-
bem mostra toda a história da psicopatologia do” protege a pornografia e a prostituição in-
humana, desde os mitos gregos até os divãs e os fantil, supostamente em nome dos direitos
hospitais psiquiátricos da modernidade. fundamentais do indivíduo e de uma extensão
Por isso, é moralmente correto afirmar que dos espaços de liberdade contra o Estado pa-
os profissionais que se ocupam de abusos se- ternalista e opressor. Dessa forma, movimentos
xuais contra menores devem proteger o menor aparentemente libertários, como o Backlash,
e, na medida do possível, seu entorno familiar, cujo principal objetivo é desacreditar os adul-
visto que se trata de um ser em construção, tos vítimas de incesto na infância e seus tera-
aparentemente frágil e vulnerável, sujeito de peutas, assim como as mães que tentam prote-
um processo de socialização que, aos poucos, o ger as vítimas atuais de abusos sexuais, podem
tornará (caso não haja traumas sérios) um in- a princípio assumir uma respeitabilidade mo-
divíduo autônomo, capaz de consentir às pres- ral e política em nome da defesa das liberdades
sões dos outros adultos exercendo, ao mesmo individuais. Da mesma forma, estratégias co-
tempo, seus direitos de cidadão. Isso implica mo aquelas da revista Paidika: The Journal of
também, para o profissional, notificar às auto- Pedhofilia ou movimentos como a Fundação
ridades competentes os casos de abuso, como Falsa Memória poderiam aproveitar de even-
forma de preservar o direito do menor ao seu tuais debilidades da justiça para evitar um jul-
desenvolvimento, até ele poder decidir, livre- gamento adequado e fazer justiça às vítimas.
mente, qual tipo de sexualidade assumir. Agora, numa análise imparcial de fatos de
Juízes, fiscais e autoridades, que devem dar sociedade, deve-se mencionar que a sexualida-
o veredicto sobre os eventuais abusos sexuais e de tem sido reconhecida como objeto legítimo
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Nova York. Artigo apresentado em 5/12/2001
Versão final em 28/1/2002
Aprovado em 7/2/2002