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Unidade 2

Os sofistas e Sócrates

Objetivos:

1. Justificar a importância dos sofistas no “século de Péricles” (V a.


C.).
2. Distinguir os elementos que constituem a tomada de consciência sofística da
diferença entre as coisas da vida humana na cidade (pólis) e as coisas da
natureza.
3. Justificar a posição filosófica de Sócrates como expoente deste período
“antropológico”

2.1. Os sofistas como pré-socráticos

Podemos tentar definir a sofística como a “posição filosófica oriunda da tomada de


consciência de que: o discurso (lógos) sobre o ser, ao mesmo tempo, [i] transmite o ser
(isto é, o discurso é entendido como um meio apenas receptivo do que estaria fora e
independente dele, existente em si mesmo, antes do discurso); [ii] dispõe de antemão
o ser mesmo (p. 84): ou seja, o logos é produtor (do ser) e não simplesmente
instrumento (para descrever e transmitir um ser pré-discursivo)” (p. 89, com alterações).

2.1.1. Protágoras de Abdera teria sido o autor de pelo


menos duas célebres teses

[i] “O homem é a medida de todas as coisas, das que são


enquanto (como) são, e das que não são enquanto (como)
não são” (p.84). Portanto, o ente (a coisa que existe ao seu
modo próprio e não ao modo de outra coisa existente) é o
próprio aparente (phainómenon). Neste sentido, todos os fenômenos são verdadeiros,
já que são o momento primeiro de toda percepção e que, por isto, é uma evidência
também primeira e que, por isso mesmo, só tem a si própria para se (auto) referir.

Isto nos faz voltar ao mobilismo heracliteano: nada nunca é, (mas sim) sempre vem a
ser (p.85). A ideia essencial deste devir está no seguinte: não há ser (existir, ao modo de
uma coisa) antes do aparecer. Mas note-se que o aparecer se dá numa relação de agir e
padecer (p. 86). Em nosso exemplo, é como “o branco que não está nem na coisa vista,
nem no olho que vê, mas no encontro de ambos, encontro que resulta do movimento
(prosbolé) de um para outro” (p. 85 c/a).

[ii] “Acerca de cada coisa há dois discursos opostos um ao outro” (p. 86). Ora, isto se
encaixa na concepção do “homem medida” e do devir dos fenômenos os quais a cada
qual se mostram, como se mostram. Ora, se se trata das coisas públicas (aquelas que
dizem respeito ao uso e aquelas, ao domínio da ação), o debate e confronto de opiniões
é coisa da vida pública em comunidade. Mas, levado ao seu limite, este debate termina
por delimitar-se em dois pontos de vista que se opõem.

[iii] O discurso forte é aquele que tem a maior adesão dos indivíduos. De fato, qual é o
destino do confronto de dois discursos? Pode ser a unanimidade ou a opinião da
maioria. O indivíduo isolado é um idiótes, isto é, alguém que se ocupa apenas de sua
vida particular, que se distancia das coisas que são do interesse comum e público, seja
numa ou noutra posição do debate. O discurso isolado deverá ir a público para, no
debate, ganhar ou não maior ou menor adesão. O confronto, alterando-o em alguma
medida, poderá constituir-se em discurso forte.

[iv] E, finalmente, podemos reconhecer que a sofística de Protágoras poderá lidar,


agora, e decidir-se no debate quanto ao ser e à verdade (veja R.-Dherbey, 1986, p. 30 a
33: Capítulo I, seção V, em especial).
2.1.2. Górgias de Leontini

Górgias de Leontini teria se dirigido a Atenas como


embaixador e, lá, teria proferido um discurso acerca de Helena
de Esparta argumentando o que a tradição já cristalizara: a
opinião de que era culpada pelo adultério com o troiano Páris
e, por extensão, da guerra de Tróia que tantos levou à morte.
Após o que, disse aos ouvintes para retornarem no dia seguinte, porque ele faria outro
discurso. Este último foi conservado, o Elogio de Helena. Exemplo típico de antilogia.

Neste [discurso], Górgias argumenta para sustentar a tese de que Helena não tinha
culpa. A ideia básica, aqui, é a de reunir razões contundentes que inocentem Helena. A
principal, relacionada à concepção e lugar da linguagem, diz que Helena foi seduzida
pelas palavras do raptor. Pois “o discurso é um grande senhor, através do menor dos
corpos e do mais inaparente, leva a cabo as obras mais divinas: é capaz de fazer cessar
o medo, diminuir a dor, realizar a alegria, despertar a piedade”.

Deixamos aqui, para você, o link de artigo de título muito sugestivo. Vale conferir!

http://revistaviso.com.br/visArtigo.asp?sArti=29

Outro texto de Górgias, no qual se antepõe à ontologia de Parmênides, Acerca do não


ser, materializa a ideia de que o lógos é produtor do ser e não simples instrumento para
descrever e transmitir um ser pré-discursivo.
Volte agora ao Caderno e confira como Górgias desenvolve os argumentos de modo a
sustentar as seguintes teses: 1. Coisa alguma é (nem o ser, nem o não-ser); 2) mesmo
que algo fosse, não poderia ser pensado; 3) mesmo que algo fosse e pudesse ser
pensado, não poderia ser comunicado a outrem.

2.2. Sócrates como sofista

Sócrates morreu e viveu, para grande parte de


seus contemporâneos, como sofista: refutador,
mestre de virtude, a entreter a juventude de elite;
acusado, julgado e condenado à morte como
corruptor da juventude, e adulterador da teologia
vigente. Desinteressado por questões físicas,
voltava-se às questões relativas à virtude cívica, a
excelência – areté – na vida pública.

Semelhante a um sofista, fazia o desmonte dos


pontos de vista do interlocutor sobre esse tema e
outros a ele associados – a coragem, o dever, a
justiça, a educação, a piedade, o conhecimento–
conduzindo suas afirmações e justificativas a se revelarem, mediante perguntas postas
ao interlocutor, à negação daquilo afirmado no início, isto é, à autocontradição. Esse
trabalho justifica a habitual recusa em ele mesmo, Sócrates, propor uma resposta para
o que ainda permanecia ignorado e procurado. Por outro lado, teve muitos discípulos,
vários dos quais fundadores de escolas pós-socráticas a defenderem “pontos de vista
díspares, cada qual pretendendo ter a compreensão boa do mestre: a escola cínica,
estoica, cirenaica, epicurista, megárica, eretríaca, acadêmicos, peripatéticos, céticos.”

“Sócrates não se apresentava como um ‘reservatório’ de múltiplas doutrinas (...). Ao


contrário, dizia não trazer nada em seu interior, sequer uma doutrinazinha: a única coisa
que sabia era que nada sabia. Mas talvez nessa negatividade esteja toda fecundidade
da filosofia.” Sócrates explica esse paradoxo, que o que menos sabe, desde que o saiba,
seja o mais sábio, em sua defesa no tribunal: ‘fui ter com um dos que passam por sábios.
Submeti a exame essa pessoa. Achei que ele passava por sábio aos olhos de muita gente,
principalmente aos seus próprios, mas não era. (...) Ao retirar-me, ia concluindo de mim
para comigo: ‘Mais sábio do que esse homem eu sou; é bem provável que nenhum de
nós saiba nada de bom, mas ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se
não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um nadinha mais sábio que ele
exatamente em não supor que saiba o que não sei’’ (p. 99)

Esse trabalho no “campo do negativo” talvez seja o ponto que melhor caracterize
positivamente a lida socrática. E provavelmente era essa competência para desfazer as
verdades prontas, e consequentemente abrandar toda a arrogância dos que pretendem
ter a verdade, que cativava tantos discípulos. Exatamente o fato de cada um ter tomado
um rumo diferente é a prova de que a lição do mestre fora devidamente aprendida.
Autonomia é o seu nome. A remoção de toda heteronomia, sua condição. Heteronomia
significa: superstição, preconceito, modismo, adesismo, irreflexão. A parte do professor
é a remoção, porque a outra, obviamente, por definição é do discípulo (se alguém
pudesse ensinar autonomia a outrem, isso não seria autonomia).

O sentimento experimentado pelo interlocutor, e que é parte de tal método purgativo,


é descrito como vergonha (cf. o que se diz no diálogo de Platão intitulado Sofista). O fato
lógico da contradição relaciona-se ao fato moral da vergonha. Trasímaco acaba
sucumbindo a ela, na República, após reclamar-se de Sócrates: “cá está a célebre e
costumeira ironia de Sócrates! Eu bem o sabia, e tinha prevenido os que aqui estão de
que havias de te esquivar a responder, que te fingirias ignorante, e que farias tudo
quanto há para não responder, se alguém te interrogasse” (apud Ribeiro, p. 103). Após
o que, levado pelas perguntas e argumentos de Sócrates, acaba por descobrir-se em
plena contradição. Outro sentimento tem Mênon, no diálogo de mesmo nome: “nada
fazes senão caíres em aporia, e levares também outros a cair em aporia (...). Tu me
pareces, inteiramente, ser semelhante(...) à raia elétrica (...) Pois tanto ela entorpece
quem dela se aproxima e a toca, quanto tu parece ter-me (...) entorpecido, na alma e na
boca, e não sei o que te responder” (id, p. 104). Alcibíades, o general ateniense e
discípulo (no Banquete), compara-o, “’flautista’ que é de discursos, a uma estátua do
sátiro Márcias”: este “com o poder de sua boca, encantava os homens como ainda agora
o que toca as suas melodias (...) Tu, porém, sem instrumentos, com simples palavras,
fazes o mesmo. (...) Nem a quem é belo (Sócrates) tem a mínima consideração, nem
tampouco a quem é rico, nem a quem tenha qualquer outro título de honra; todos esses
bens ele julga que nada valem...” (id, p. 106).

As experiências relatadas desses interlocutores traduzem, de Sócrates, seu poder de


contenção, domínio-de-si e firmeza. “O domínio-de-si ‘é a condição para a autonomia,
pois é ele que garante a autárcheia, a autossuficiência, o depender o mínimo, na medida
da condição humana, de qualquer coisa que não de si mesmo” (id. p. 106-7).

E, finalmente, tem-se no Teeteto um autorretrato do próprio Sócrates como parteiro de


almas. “Não trazendo nenhuma sabedoria consigo, ele conseguia arrancar do seu
interlocutor a sabedoria que o próprio eventualmente encerrasse em si” (p. 107). “Não
sou sábio, não havendo um só pensamento que eu possa apresentar como tendo sido
invenção de minha alma e por ela dado à luz (...). O que é fora de dúvida é que nunca
aprenderam nada comigo; neles mesmos é que descobrem as coisas belas que põem no
mundo”. Mas a avaliação do aceite ou não do retorno arrependido de um interlocutor
extraviado pode depender de seu “demônio familar”.

Ora, essa consciência moral do parteiro corresponde à sua típica tese positiva de que ‘a
justiça é virtude, e a injustiça maldade e ignorância’ (id, 103) (República), e, como
adverte e pede a Teeteto, “entrega-te, pois, a mim, como a filho de uma parteira que é
também parteiro, e quando eu te formular alguma questão, procura responder a ela do
melhor modo possível. E se no exame de alguma coisa que disseres, depois de eu
verificar que não se trata de um produto legítimo, mas de algum fantasma sem
consistência, que logo arrancarei e jogarei fora, não te aborreças. (...) Alguns se
zangaram comigo (...). Não compreendiam que eu só fazia aquilo por bondade. Estão
longe de admitir que de jeito nenhum os deuses podem querer mal aos homens e que
eu, do meu lado, nada faço por malquerença, pois não me é permitido em absoluto
pactuar com a mentira nem pactuar coma a mentira nem ocultara a verdade” (apud id,
p. 110).
“A consciência moral é a grande questão para Sócrates. Não se trata de um feito restrito
ao ‘campo da ética’. Trata-se de um feito metafísico. O homem arcaico não era ainda
um “si” distinto da trama em que estava enredado”, como em Homero e na tragédia. As
almas dos homens estão voltadas ‘para fora’, para o mundo da natureza e da história, e
mesmo os pensamentos íntimos são ‘objetivos’ como os fatos, pois pensam a mesma
história que vivem. Mas esse ‘si’, o autós dos gregos, é a palavra-chave de Sócrates.
Presente em autonomia, em autarquia, mas, sobretudo, no preceito do oráculo de
Delfos de que Sócrates faz principal preceito seu: ‘conhece-te a ti mesmo’
(gnôthis’autón). Sua constante reclamação por que os indivíduos prestem contas de
suas palavras e obras, introduz uma velada primazia da razão discursiva sobre a
grandeza às vezes irracional, do feito épico ou do feito trágico. Desembaraçar um sujeito
da ação e responsabilizá-lo por ela, eia a operação que mata a tragédia por moralização,
por petição de causa final, mas que, em troca, faz nascer a metafísica, [que] não é senão
tratar as coisas como sujeitos, subjacentes, substratos, e elevar a identidade do autós e
o interdito à contradição à condição de princípios supremos.

Terminando o estudo das unidades 1 e 2, acesse o fórum temático 1 e responda ao que


é proposto.

Fórum Temático 1

Faça um estudo acompanhando a proposta sugerida e escreva um texto de acordo com


as orientações.

Bom estudo!

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