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IDEOLOGIA E UTOPIA – KARL MANNHEIM

Na sua obra “Ideologia e Utopia”, Mannheim afirma que todo o pensamento (ou
conhecimento) é socialmente determinado e que a missão da sociologia do conhecimento
consiste em estabelecer as ligações entre os diferentes tipos de pensamento e a estrutura
social. Para Mannheim, a mediação entre o conhecimento e a sociedade (o problema da
mediação, magnificamente formulado por Jean-Paul Sartre em “Questões de Método” e
aplicado com mestria nas suas análises das obras de Baudelaire, Jean Genet e Flaubert) não é o
indivíduo ou o homem em geral, mas o grupo de homens empenhados em actividades sociais
colectivas. Isto significa que os “estilos de pensamento”, as “constelações” (um conceito de
Walter Benjamin retomado por Adorno) de conhecimentos ligados por uma unidade e
coerência internas, são criações do “sujeito colectivo”, o “Das Man” de Heidegger: a obra de
um sujeito individual mais não é do que a expressão colectiva das tendências sociais externas,
de resto um conceito marxista retomado por Lucien Goldmann na sua sociologia do romance,
na peugada do jovem Lukács.

Apesar de reconhecer o contributo original de Marx, especialmente o seu conceito de


ideologia como “conhecimento socialmente distorcido”, Mannheim opõe-lhe a distinção entre
“ideologias particulares” e “ideologias totais”, isto é, entre a mera teoria da ideologia (a de
Marx) e a sua formulação geral da sociologia do conhecimento.

1) As ideologias particulares são definidas como falsificações, disfarces ou ilusões individuais,


racionalizações de situações que ameaçam os interesses do indivíduo e que operam num nível
psicológico.

2) A ideologia total refere-se ao pensamento de uma classe social ou de uma época, portanto,
a um “estilo de pensamento”, uma Weltanschauung, na qual o indivíduo participa com certos
fragmentos, mas cuja totalidade noológica transcende claramente a mera soma de
experiências individuais. Ambas as concepções de ideologia consideram as “ideias” como uma
função de quem as defende e da sua posição no meio social, mas divergem em três aspectos
fundamentais: a concepção particular de ideologia designa como ideologias uma parte dos
enunciados do opositor (1), realiza as suas análises ao nível puramente psicológico (2) e opera
principalmente com uma psicologia dos interesses (3), enquanto a concepção total de
ideologia põe em questão a visão total do mundo do opositor, tentando compreender os
conceitos derivados da vida colectiva partilhada pelo opositor (1), realiza as suas análises ao
nível “noológico” de modos de experiência e de interpretação amplamente diferentes e de
sistemas de pensamento fundamentalmente divergentes (2), e opera com uma análise mais
formal, sem quaisquer referências a motivações, limitando-se a descrever objectivamente as
diferenças estruturais das mentes que operam em contextos sociais diferentes (3).

Mannheim acusa Marx de ter fundido estes dois significados da ideologia, para a converter
numa “arma política”, capaz de ser usada pelos pensadores marxistas para desacreditar o
pensamento burguês pela recondução aos seus fundamentos ideológicos. Ora, segundo
Mannheim, a sociologia do conhecimento tem por função expurgar a ideologia das suas
conotações políticas, concentrando-se no conhecimento, no grupo e no estilo de pensamento.
Contudo, quando define um estilo de pensamento como a expressão intelectual de um
determinado grupo, fica irremediavelmente prisioneira do relativismo. Mannheim tenta
escapar ao cepticismo fazendo uma distinção entre “relacionismo” (a relação do pensador, a
sua posição social e o conhecimento apresentado) e “relativismo” (a crença de que a verdade
objectiva é impossível), a partir da qual afirma que nem todos os conhecimentos ou
“perspectivas” são igualmente válidos.

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