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O MANEJO DA CONTRATRANSFERÊNCIA NO CONTEXTO CLÍNICO1

Vanessa Coelho da Silva2

Vanessa Beckenkamp Lopez3

Para Person27, a transferência erótica é utilizada pelas mulheres com mais


freqüência como uma forma de resistência, enquanto que os homens
apresentariam uma resistência à consciência de qualquer forma de
transferência erótica. Os pacientes homens mais comumente deslocariam
sentimentos eróticos em relação à terapeuta para uma mulher fora da
terapia, pois reconhecer esses desejos ameaçaria seu sentido de
autonomia. Person também descreveu que a transferência erótica em
mulheres é mais freqüentemente um desejo de amor, enquanto que, nos
homens, os sentimentos são com mais freqüência de desejo sexual.

ester25, por exemplo, assinalou que a ansiedade do paciente homem em


relação à terapeuta mulher como uma mãe fálica pré-edípica poderosa e
castradora pode ofuscar e inibir muito a expressão de sentimentos sexuais
em relação à terapeuta como uma mãe edípica, o que seria responsável
pela quase não ocorrência desse tipo de situação na dupla terapeuta
mulher-paciente homem. A autora também observou que a passividade
regressiva na terapia analítica vai contra a natureza do papel sexual ativo
masculino tradicional. Tal ponto de vista não foi corroborado por Gornick26,
que achava que, para determinados pacientes homens, seria muito mais
inaceitável ser passivo e dependente frente a uma mulher do que expressar
sentimentos sexuais diretamente, o que levaria esses homens a se defender
desses sentimentos, desenvolvendo sentimentos eróticos em relação à
terapeuta na tentativa de restaurar um sentido de domínio masculino.

TRANSFERÊNCIA

O termo "transferência" foi utilizado pela primeira vez por Freud em 1895 1, no
sentido de ser uma forma de resistência, isto é, um obstáculo à análise, a fim de
evitar o acesso ao resíduo da sexualidade infantil que ainda persistia ligada às
"zonas erógenas", as quais, na evolução normal, já deveriam estar desligadas.

Em um trabalho publicado alguns anos mais tarde (o clássico relato do caso Dora 2),
Freud postula que o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu e
reprimiu, mas expressa-o pela atuação, ou seja, ele reproduz o reprimido não como
uma lembrança, mas como uma ação repetitiva e inconsciente. No pós-escrito
desse mesmo trabalho, Freud3 conceitualiza a transferência ao afirmar que
"transferências são reedições, reduções das reações e fantasias que, durante o
avanço da análise, costumam despertar-se e tornar-se conscientes, mas com a
característica de substituir uma pessoa anterior pela pessoa do médico. Dito de
outra maneira: toda uma série de experiências psíquicas prévias é revivida, não
como algo do passado, mas como um vínculo atual com a pessoa do médico.
Algumas são simples reimpressões, reedições inalteradas. Outras se fazem com
mais arte: passam por uma moderação do seu conteúdo, uma sublimação. São,
portanto, edições revistas, e não mais reimpressões". Até esse momento, a
transferência tinha sido vista como um fenômeno clínico que podia atuar como um
obstáculo ao tratamento, porém, posteriormente, Freud4 fez a primeira referência à
transferência como agente terapêutico e observou que nem sempre a transferência
era um obstáculo ao tratamento, podendo desempenhar um papel importante na
compreensão do paciente.

As qualidades específicas da transferência receberam um significado adicional


quando o conceito de "neurose de transferência" foi introduzido5. Esse conceito
enfatizava a maneira como os relacionamentos prévios, que eram componentes da
própria neurose, influenciavam os sentimentos do paciente em relação ao
terapeuta. Esse conceito foi ampliado posteriormente, quando Freud 6 comentou que
"o paciente é obrigado a repetir o material reprimido como uma vivência
contemporânea, ao invés de, conforme o médico preferia ver, recordá-lo como algo
pertencente ao passado". Essas reproduções, que emergem com tamanha e
indesejável exatidão, têm como tema alguma parte da vida sexual infantil e
invariavelmente encontram expressão no âmbito da transferência, no âmbito da
relação do paciente com seu médico. Quando se atinge essa fase, pode-se dizer
que a neurose anterior agora foi substituída por uma nova neurose, a "neurose de
transferência". A repetição do passado, sob a forma de transferência, é
conseqüência da "compulsão à repetição". A transferência é, ela própria, apenas
um fragmento da repetição, a qual é uma transferência do passado esquecido não
apenas para o terapeuta, mas também para todos os outros aspectos da situação
atual.

A visão de transferência como fonte de comunicação inconsciente foi bastante


desenvolvida por Melanie Klein7. Segundo essa autora, ao se estabelecer a relação
terapêutica, o paciente revive os sentimentos, conflitos e defesas que experimentou
na situação original. Klein entendia a transferência como uma reprodução, na figura
do terapeuta, de todos os objetos primitivos e relações objetais internalizadas no
psiquismo do paciente, acompanhadas das respectivas pulsões, fantasias
inconscientes e ansiedades.

Segundo Dewald8, a transferência é definida como um deslocamento, para um


objeto da atualidade, de todos os impulsos, defesas, atitudes, sentimentos e
respostas experimentados nas relações com os primeiros objetos da vida. A
transferência seria uma repetição de situações cujas origens se encontram no
passado. Greenson9 define a transferência como sendo sempre inconsciente,
repetições de um relacionamento objetal do passado, em geral com pessoas
importantes dos primeiros anos de vida de uma criança, que são deslocadas
inconscientemente para figuras atuais.

Portanto, analisando as concepções dos diferentes autores revisados em relação à


transferência, esta pode ser definida como o conjunto de expectativas, crenças e
respostas emocionais inconscientes que um paciente traz para a relação
terapêutica. Essas respostas não estão baseadas necessariamente em quem é o
médico ou em como ele age realmente, mas nas experiências persistentes que o
paciente teve durante sua vida com outras figuras importantes do passado.

TRANSFERÊNCIA ERÓTICA

Em 1915, Freud10 se referiu ao "amor de transferência" como uma complicação do


processo psicanalítico, que acontece com freqüência e no qual o paciente se diz
"apaixonado" pelo seu terapeuta. Uma recomendação desse trabalho é que o
analista deve reconhecer que o apaixonamento do paciente não deve ser atribuído
aos encantos de sua própria pessoa. Freud tem o intuito de demonstrar o quanto as
forças da natureza estão presentes através da transferência e que também o
analista deve estar atento para saber exatamente com o que está lidando,
utilizando a transferência erótica para uma maior compreensão do paciente. Nesse
mesmo trabalho, o autor classificou a transferência em positiva e negativa. A
transferência positiva se refere, então, a todas as pulsões e derivados relativos à
libido, especialmente os sentimentos de afeto e carinho, incluindo os desejos
eróticos, desde que tenham sido sublimados sob a forma de amor não-sexual e não
persistam como um vínculo erotizado. Por outro lado, a transferência negativa se
refere à existência de pulsões agressivas com seus inúmeros derivados, como
inveja, ciúmes, voracidade, destrutividade e sentimentos eróticos intensos.

Sandler11, falando sobre tipos especiais de transferência, descreve que há


determinados pacientes que desenvolvem transferências eróticas e que podem se
recusar a executar o trabalho usual de tratamento, podem rejeitar interpretações
que relacionam os sentimentos atuais ao passado e não procuram mais nenhuma
elucidação acerca do significado e da causa dos sintomas de que anteriormente
haviam se queixado. As sessões são usadas para expressar o amor, a gratificação
mediante a presença do amado, e esses pacientes imploram que o terapeuta
corresponda ao seu "amor". Embora reconhecesse o caráter defensivo dessa forma
transferencial, Freud10 alertava os terapeutas para que não confundissem essa
reação com um amor verdadeiro, ao mesmo tempo em que os advertia contra as
tentativas de eles reprimirem o amor de tais pacientes. Ele disse que "instigar a
paciente a suprimir, renunciar ou sublimar seus instintos, no momento em que ela
admitiu sua transferência erótica, seria, não uma maneira analítica de lidar com
eles, mas uma maneira insensata. Seria exatamente como se, após invocar um
espírito dos infernos, mediante astutos encantamentos, devêssemos mandá-lo de
volta para baixo, sem lhe haver feito uma única pergunta". Ou seja, seria tão
desastroso para a paciente que o seu anseio por amor fosse satisfeito quanto que
fosse suprimido.

As transferências eróticas podem se manifestar de diferentes maneiras,


obedecendo tanto a padrões neuróticos como a padrões psicóticos. Diversos
autores diferenciam várias formas de transferência erótica. Bolognini 12descreveu
quatro tipos de transferência erótica, com suas respectivas origens dinâmicas e
repercussões na relação analítica. A transferência erotizada seria
predominantemente baseada em uma modalidade psicótica. A fantasia subjacente
responsável pela erotização, que teria uma função defensiva, seria a fantasia de
separação e abandono, a qual seria uma tentativa de restauração de um estado de
fusão narcísica com a mãe. A transferência erótica seria baseada em uma
modalidade neurótica, e a transferência amorosa e a afeiçoada seriam
manifestações clínicas que corresponderiam a um desenvolvimento emocional mais
saudável e maduro. Para vários autores, a transferência erotizada é característica
de pacientes fronteiriços, muito perturbados, havendo nela uma angústia excessiva
de ser amado pelo analista, com demandas manifestas e conscientes, diretas e
exageradas, por gratificação sexual e sempre persistentes13,14. Ela expressa um
nível muito primitivo de funcionamento mental, no qual o objeto é altamente
idealizado e muito persecutório. Segundo Teixeira da Silva 15, de acordo com
Blitzen, a transferência erotizada é reflexo de conflitos pré-genitais nos quais
predominam intensa violência, fragilidade do ego e perda da noção "como se", ou
seja, nelas o analista não é como se fosse o pai ou a mãe, ele é o pai ou a mãe. Há
perda da capacidade de simbolização, cuja intensidade pode representar o nível de
regressão do paciente. Já nas transferências eróticas, a capacidade de fantasiar não
é perdida, e as demandas eróticas se mantêm ao nível da fantasia, ou seja, o
analista é um objeto da fantasia do paciente, ao contrário das transferências
erotizadas, onde ele é vivido como um objeto concreto. Saul 16 assinala o papel da
agressividade latente nas situações de transferência erótica. Segundo esse autor,
esse tipo de transferência está associado a frustrações reais nos relacionamentos
no início da vida, sugerindo que a hostilidade e a raiva desencadeadas por essas
frustrações poderiam se repetir em relação à pessoa do terapeuta. O amor
transferencial seria uma forma de proteger o médico de sentimentos hostis.

Zimerman17 aponta para o fato de que dois sérios riscos podem acompanhar a
instalação da transferência erotizada no campo analítico: uma é que, diante da
não-gratificação, por parte do terapeuta, dessas demandas sexuais do paciente,
este recorra a atuações fora da situação analítica, que, às vezes, podem adquirir
características de grave malignidade. A segunda possibilidade, igualmente maligna,
é que a terapia, a partir dessa transferência perversa, possa descambar para uma
perversão da transferência, inclusive com a possível eventualidade de o terapeuta
ficar nela envolvido.

No manejo da transferência erótica, deve-se levar em conta que as reedições de


conflitos infantis decorrem de desejos que ficaram insatisfeitos e que buscam
realização no contexto do tratamento psicanalítico. Cabe ao terapeuta mostrar a
realidade do que está sendo pedido, o que poderá ser feito pela análise detalhada
dos sentimentos transferenciais/contratransferenciais da dupla analítica. Quando o
terapeuta interpreta, colocando em palavras essa troca de emoções inconscientes,
ele possibilita a passagem para o simbólico. A interpretação, ao tornar consciente o
que é inconsciente, possibilita à libido ficar à disposição do ego para investimentos
mais saudáveis. Com a interpretação, tem-se o contato com a realidade, e não com
a realização do desejo, como está sendo pedido pelo paciente. E, se a interpretação
é corretamente utilizada, freqüentemente reduz o desejo e a resistência inerentes à
transferência erótica18. A elaboração do amor transferencial implicaria elaborar a
renúncia e o luto que normalmente acompanham a resolução da situação edípica.
Ao mesmo tempo, o paciente precisa aprender que a busca do objeto edípico será
um aspecto permanente de todos os seus relacionamentos amorosos. Isso não
significa compreender todas as futuras relações amorosas como derivadas
unicamente da situação edípica, mas que a estrutura edípica está presente e
influencia a moldura das experiências amorosas.

Porém, Freud10 já apontava que há "determinada classe de mulheres com quem


esta tentativa de preservar a transferência erótica para fins de trabalho analítico,
sem satisfazê-la, não logrará êxito. Trata-se de mulheres de paixões poderosas,
que não toleram substitutos". O autor segue dizendo que, "com tais pessoas, tem-
se de escolher entre retribuir seu amor ou então acarretar para si toda a inimizade
de uma mulher desprezada. Em nenhum dos casos se podem salvaguardar os
interesses do tratamento. Tem-se de bater em retirada, sem sucesso, e tudo o que
se pode fazer é resolver na própria mente o problema de como é que uma
capacidade de neurose se liga a tão obstinada necessidade de amor".

Para Kernberg19, as questões técnicas mais importantes no manejo da transferência


erótica são: primeiro, a tolerância do terapeuta ao desenvolvimento de sentimentos
sexuais em relação ao paciente, quer homossexuais, quer heterossexuais, o que
exige liberdade interna do terapeuta para utilizar a sua bissexualidade psicológica;
depois, também, a importância de analisar sistematicamente as defesas do
paciente contra a completa expressão da transferência sexual, e o risco de tornar-
se sedutoramente invasivo; finalmente, a capacidade do terapeuta de analisar a
expressão do amor transferencial do paciente e as reações do mesmo à frustração,
que inevitavelmente acontecerá. A tarefa do terapeuta consistiria também em
abster-se de comunicar seus sentimentos contratransferenciais e integrar o
entendimento obtido com sua contratransferência em interpretações transferenciais
em termos dos conflitos inconscientes do paciente.
O USO DA CONTRATRANSFERÊNCIA

A contratransferência inicialmente passou pelas mesmas vicissitudes da


transferência, sendo vista como uma manifestação indesejável no tratamento. O
conceito de contratransferência foi introduzindo por Freud 20 que o definiu como
sendo aquilo que "surge no médico como resultado da influência que exerce o
paciente sobre os seus sentimentos inconscientes". Como na transferência, sua
primeira atitude foi senti-la como algo inadequado e perturbador, a ser evitado. Diz
ele que "nos sentimos quase inclinados a insistir em que ele deve reconhecer esta
contratransferência existente em si mesmo e superá-la". Posteriormente, Freud21 já
percebia o potencial valor da contratransferência e recomendava: "o analista deve
voltar seu próprio inconsciente como um órgão receptor para o inconsciente
transmissor do paciente, de modo que o inconsciente do médico possa, a partir dos
derivados do inconsciente que se comunicam, reconstruir o inconsciente do
paciente".

Porém, foi principalmente a partir dos estudos de Racker22 e Heimann23 que a


contratransferência passou a se tornar um fator a mais de compreensão ao
trabalho do terapeuta. Para Racker22, a contratransferência consiste em um
conjunto de imagens, sentimentos e impulsos do terapeuta durante a sessão e
poderia ocorrer de três formas: a) como um obstáculo; b) como instrumento
terapêutico; e c) como um "campo" em que o paciente pode realmente adquirir
uma experiência viva e diferente da que teve originalmente. Ele também descreveu
dois tipos de reações contratransferenciais: a contratransferência complementar,
que seria quando o ego do terapeuta fica identificado com os objetos internos do
paciente; e a contratransferência concordante, que é quando a identificação se faz
entre aspectos da personalidade (ego, id e superego) do terapeuta com os
respectivos aspectos da personalidade do paciente. Heimann 23 descreve a
contratransferência como a totalidade dos sentimentos do terapeuta em relação ao
paciente. Ressalta que a resposta emocional do terapeuta às projeções do paciente
é um instrumento de compreensão para o terapeuta e que, para ser utilizada nesse
sentido, o terapeuta deve ser capaz de conter em si os sentimentos nele
despertados, ao invés de, como faz o paciente, descarregá-los.

A transferência erótica costuma suscitar determinadas reações


contratransferenciais no terapeuta, e os exames de tais reações são importantes na
compreensão do paciente. Kernberg19 considera útil que o analista possa tolerar
suas fantasias sexuais sobre o paciente e inclusive deixar que se desenvolva na
narrativa um relacionamento sexual imaginário, acompanhando, em sua mente, a
transferência erótica do paciente. Isso lhe permitirá aperceber-se progressivamente
dos aspectos antilibidinais, autodestrutivos e rejeitadores que podem estar ocultos
da manifestação erótica explícita do paciente. Segundo esse mesmo autor, o
analista que se sente livre para explorar, em sua mente, seus sentimentos sexuais
em relação ao paciente, será capaz de avaliar a natureza dos desenvolvimentos da
transferência e, assim, evitar uma negação defensiva de sua própria resposta
erótica ao paciente. O analista deve, ao mesmo tempo, ser capaz de examinar o
amor transferencial sem atuar sua contratransferência no que possa se configurar
como uma abordagem sedutora.

Teixeira da Silva15 salienta o aspecto da necessidade do tratamento pessoal do


terapeuta. Ele diz que "a análise didática ideal do analista seria aquela na qual ele
pudesse analisar, minuciosamente, todos os seus aspectos pré-edípicos e edípicos,
ultrapassando-os para desenvolver uma relação natural e verdadeira consigo
mesmo, conquistando uma identidade sexual harmoniosa e a aceitação de sua
bissexualidade, podendo lidar com espontaneidade e liberdade com seus aspectos
masculinos e femininos. Tudo isso complementado por uma excelente preparação
teórica e prática". Esse mesmo autor refere que tal análise ideal não existe e que
devemos lidar com nosso trabalho e experiência clínica como fonte inesgotável de
conhecimentos e evolução.

GÊNERO E TRANSFERÊNCIA ERÓTICA

Acompanhando uma tendência crescente na literatura, observa-se que a


transferência e a contratransferência são influenciadas pelo gênero e pelo momento
do ciclo vital dos dois constituintes da dupla analítica. A identidade sexual do
analista e do paciente não apenas estimulam, mas podem criar resistências e
dificuldades transferenciais e contratransferenciais específicas24. Em relação às
transferências eróticas, isso não é diferente. Observa-se, por exemplo, que a
grande maioria dos relatos de caso da literatura psicanalítica envolvendo
transferências eróticas e erotizadas é de pacientes mulheres com terapeutas
homens.

Teixeira da Silva15 aponta para o fato de que os terapeutas de ambos os sexos têm
maiores dificuldades em perceber as transferências nas quais são colocados no
lugar do sexo oposto. Esse mesmo autor diferenciou as características específicas
que podem ocorrer nas duplas terapêuticas de acordo com o gênero de cada
constituinte que compõe a dupla. Na dupla terapeuta homem-paciente homem,
costuma predominar, na transferência edípica, a situação de uma competição
agressiva com o pai, e, de modo geral, os impulsos heterossexuais não são
percebidos porque são deslocados para objetos externos. Os impulsos
homossexuais passivos, quando surgem, são fonte de grandes resistências
transferenciais e contratransferenciais. Já na dupla terapeuta mulher-paciente
mulher, o aparecimento de uma erotização intensa é mais freqüente, pois a mulher
regride mais facilmente a uma situação de fusão com a mãe fálica, visto que essa
situação corresponde à situação original da menina com a mãe em seu
desenvolvimento, na qual tem que resolver, primeiro, o seu envolvimento erótico e
homossexual com a mãe, para depois entrar na fase edípica positiva, elaborar o
complexo de Édipo e estabelecer sua identidade sexual. Na dupla terapeuta
homem-paciente mulher é que ocorrem as transferências eróticas mais intensas,
ou, segundo alguns autores, a transferência erotizada. Nessa situação, poderá ser
difícil para o terapeuta diferenciar quando o paciente projeta nele a rivalidade e a
hostilidade com a mãe edípica da situação de uma regressão anal contra o objeto
frustrador, ou seja, contra a mãe pré-edípica. Nessa dupla, quando há um desejo
homossexual para a mãe, será também difícil para o analista identificá-lo e separá-
lo dos desejos heterossexuais em relação ao pai. Na dupla terapeuta mulher-
paciente homem, haveria uma ausência de transferências erotizadas devido ao
medo da mãe pré-edípica todo-poderosa, que gera angústias de castração que
interferem no desenvolvimento de fortes desejos eróticos para a mãe edípica.

Diversos outros autores também fizeram contribuições importantes para a melhor


compreensão desse assunto. Lester25, por exemplo, assinalou que a ansiedade do
paciente homem em relação à terapeuta mulher como uma mãe fálica pré-edípica
poderosa e castradora pode ofuscar e inibir muito a expressão de sentimentos
sexuais em relação à terapeuta como uma mãe edípica, o que seria responsável
pela quase não ocorrência desse tipo de situação na dupla terapeuta mulher-
paciente homem. A autora também observou que a passividade regressiva na
terapia analítica vai contra a natureza do papel sexual ativo masculino tradicional.
Tal ponto de vista não foi corroborado por Gornick26, que achava que, para
determinados pacientes homens, seria muito mais inaceitável ser passivo e
dependente frente a uma mulher do que expressar sentimentos sexuais
diretamente, o que levaria esses homens a se defender desses sentimentos,
desenvolvendo sentimentos eróticos em relação à terapeuta na tentativa de
restaurar um sentido de domínio masculino.

Para Person27, a transferência erótica é utilizada pelas mulheres com mais


freqüência como uma forma de resistência, enquanto que os homens apresentariam
uma resistência à consciência de qualquer forma de transferência erótica. Os
pacientes homens mais comumente deslocariam sentimentos eróticos em relação à
terapeuta para uma mulher fora da terapia, pois reconhecer esses desejos
ameaçaria seu sentido de autonomia. Person também descreveu que a
transferência erótica em mulheres é mais freqüentemente um desejo de amor,
enquanto que, nos homens, os sentimentos são com mais freqüência de desejo
sexual.

CONCLUSÃO

O manejo da transferência erótica pode trazer grandes dificuldades, às vezes


comparáveis às das transferências hostis e paranóides, à medida que podem
obstruir a capacidade analítica do terapeuta, pelo menos temporariamente.

Segundo Meurer28, tais situações põem à prova a capacidade do terapeuta,


exigindo deste um bom grau de integração do ego, atenção livremente flutuante e
sensibilidade livremente perceptiva para poder detectar, reconhecer e interpretar o
que ocorre na transferência e na contratransferência. É de se esperar que o
paciente procure, na transferência erótica, externar mais uma vez o seu intenso
desejo infantil de ser amado e amar, o seu permanente anseio neurótico de se
ressarcir de suas frustrações amorosas edípicas, de obter amor irrestrito e
exclusivo do terapeuta-mãe-pai. Uma questão delicada é a possibilidade, e mesmo
a necessidade, de se utilizar a contratransferência de modo isento e criterioso para
identificar a natureza dos sentimentos e fantasias vigentes na transferência. Assim,
a contratransferência não precisa surgir como um obstáculo ao entendimento, mas
há de ser utilizada como fator de compreensão. Em conseqüência, a transferência
do paciente não será apenas resistência e entrave, mas passará a ser também uma
valiosa forma de comunicação, contribuindo para o avanço do tratamento.

Wallerstein29, analisando a obra "Observações sobre o amor transferencial" 10,


ressalta que Freud: 1) identificou a alta prevalência de sentimentos eróticos
evocados no tratamento psicanalítico e os "perigos" que esses sentimentos
poderiam ocasionar; 2) observou que uma pequena parcela de pacientes
desenvolveriam uma forma de amor transferencial que serviria como resistências
muito intensas e que não seriam analisáveis; e 3) estabeleceu os principais
fundamentos técnicos para lidar com essas transferências, como a regra da
abstinência e a neutralidade.

Dessa forma, sempre se destacou o fato de que a transferência erótica é um


processo comum, que pode suscitar dificuldades técnicas no seu manejo. A
manutenção dos princípios básicos da psicanálise legados por Freud, o
reconhecimento resistencial dessa forma de transferência e a adequada utilização
da contratransferência são condições necessárias para o entendimento e adequada
resolução desse fenômeno, trazendo benefícios imensuráveis ao tratamento do
paciente.

O tratamento pessoal do terapeuta continua sendo um instrumento fundamental,


que pode capacitá-lo a compreender melhor o seu próprio funcionamento
psicológico e os processos em ação na mente do paciente, bem como os
mecanismos que influem na transferência e na contratransferência eróticas. Outros
recursos necessários são os ensinamentos e as informações obtidas em seminários
teóricos e clínicos, leituras selecionadas e supervisões individuais.

De acordo com Zimmerman17, embora o paciente mantenha uma absoluta


convicção e determinação no seu obstinado jogo de sedução, mais profundamente
o que ele mais receia é que o analista cometa algumas falhas, tais como: manter-
se frio, indiferente e distante aos seus apelos e fantasias eróticas; ficar perturbado
e defensivamente substituir as interpretações compreensivas que levam
ao insight por dissimuladas críticas, acusações, lições de moral e a apologia ao bom
comportamento, quando não por uma ação repressora que pode incluir a ameaça
de interrupção do tratamento, uso de medicação ou encaminhamento para outro
colega; a possibilidade real de o terapeuta ficar envolvido em uma intimidade
sexual, o que caracterizaria uma total perversão da transferência e do processo
psicanalítico.

As dificuldades teóricas e técnicas na identificação e no manejo da transferência


erótica também podem se agravar, deixando de ser um problema somente clínico e
vindo a constituir problemas éticos e legais. As más condutas sexuais no
relacionamento paciente-terapeuta são potencialmente nocivas ao paciente e ao
próprio terapeuta, destrutivas em relação ao trabalho terapêutico e danosas à
profissão em si.

Agradecimentos

Meu interesse nesta área de transferência sexual surgiu há muitos anos


atrás através de uma série de conversas com minha colega, Vívian Guze .
Nós começamos discutindo muitos incidentes de processos mal conduzidos
acerca de temas sexuais - em vários exemplos de treinandos **, bem como
em um caso de um terapeuta experiente. Ficamos imaginando o quanto o
treinamento bioenergético ajuda na preparação de terapeutas para que
lidem com situações difíceis de natureza sexual. E depois de considerarmos
todos os programas dentro de noss a área, em que estivemos envolvidas,
concluímos que para a maior parte, enquanto ensinamos como abrir bem
a pélvis e lidar com a resposta imediata que ocorre, negligenciamos a
manutenção do foco no processo de trabalho através de temas sexuais .
Além disso , temos sido descuidados com relação à abordagem direta dos
problemas que surgem em torno da contra -transferência e da atuação dos
terapeutas. Pelo fato destes temas serem tão difíceis e complexos e
evocarem uma enorme profundidade de sentimento, desde an siedade até
raiva, culpa e vergonha, não há dúvida de que haja uma evitação
considerável acerca do assunto. Mas, por omitir a atenção específica para
esta área, nos nossos programas de treinamento e no nosso aprendizado
contínuo, nós estamos perpetuando mu ita falta de clareza e inconsciência
- o que muito freqüentemente resulta em algum grau de abuso dos
pacientes e, algumas vezes, dos treinandos. Além disso, isto significa que
os terapeutas ficam se sentindo isolados quando confrontados com
problemas e questões nesta área. Isto é tratado como um incesto na
família; o sentimento poderá ser: não há ninguém para se conversar
quando se está diante de tal dilema.
Então minha meta em apresentar este material é fornecer um começo e
uma direção para exploração e esclarecimentos posteriores. Além disso,
eu quero fazer um forte apelo para uma atenção mais meticulosa e
sistemática para esses temas nos nossos programas de treinamento.

A questão da fase edípica

Quando um paciente entra no consultório do terapeuta, ele ou ela está


vindo como alguém com necessidades ou problemas, para uma autoridade,
para receber ajuda, e está sujeito a estabelecer um relacionamento
intenso e íntimo. A natureza da situação ajusta o contexto para uma
transferência parental. Num certo ponto, se não imediatamente,
sentimentos edípicos e temas edípicos farão parte desta transferência.

Ao trabalhar com a sexualidade e os sentimentos sexuais do paciente -


quer seja do mesmo sexo ou do sexo oposto - parece-me necessário que
desde o começo, qualquer que seja o nível de desenvolvimento inicial, o
terapeuta precisa estar esclarecido sobre a fase edípica e a questão
edípica. Então eu quero começar revendo o que todos nós sabemos muito
bem.

A criança, desde a idade conturbada de 3 até 5 ou 6 anos, quando uma


maior parte da sua energia está focalizada nos genitais, mais do que na
fase precedente, ela experiencia uma intensificação de sentimentos em
relação ao pai do sexo oposto. Também estão intensos os desejos de ser
especial, de ser a única, e todos os outros são vistos como rivais. Ela é
jogada no conflito pelos seus sentimentos de rivalidade em direção ao pai
do mesmo sexo, o qual ela também ama e de quem, ao mesmo tempo,
teme represália. Inevitavelmente ela experiencia rejeição pelo objeto de
seus desejos. Durante esta época difícil, as sementes são plantadas para
o seu funcionamento enquanto um adulto sexual; e quando o conflito
ressurge na adolescência, o padrão torna -se presente. Para o
funcionamento sexual normal e satisfatór io, a tarefa a ser realizada nesta
fase de desenvolvimento é a seguinte: uma pessoa precisa ter tido sua
sexualidade e sentimentos sexuais reconhecidos e afirmados, libertados
do objeto edípico, e reivindicados como seus. Então a pessoa pode mover -
se em direção à expressão apropriada e preenchimento dos desejos.

A maioria de nós pode prontamente testemunhar o fato de que esta tarefa


raramente é totalmente realizada. O que nós experienciamos enquanto
crianças e adolescentes foi negação ao invés de reconhe cimento, e punição
ao invés de afirmação; ou fomos vitimados pelas necessidades sexuais
inadequadas de nossos pais. São tantas as possibilidades que ainda nos
envolvem em um padrão para recriar a situação original, tentando obter o
que não foi dado nesse t empo, tentando desfazer o dano que foi feito e,
finalmente, fazendo tudo isto corretamente.

Se nós tivéssemos tido a situação ideal para realizar a tarefa, teria sido
assim:

O pai do sexo oposto é seguro na sua sexualidade; suas necessidades são


satisfeitas e desta forma ele não faz nenhuma exigência da criança. A
mensagem é clara e não ambivalente: "Eu afirmo, aceito e tenho prazer
na sua sexualidade. Eu não tenho medo dos seus sentimentos, e eu não
faço nenhuma exigência com relação a você a fim de preencher minhas
necessidades. E eu sou enfaticamente e inequivocamente indisponível. Por
isso você está completamente seguro para ter e experienciar seus
sentimentos. Eu posso sinceramente dar suporte ao seu movimento no
mundo para achar o objeto certo pa ra a sua paixão e seu amor."

O pai do mesmo sexo, na situação ideal, entende a projeção da ameaça.


Seguro de si mesmo, ele manda esta mensagem: "Eu tenho prazer na
nossa semelhança e similaridade, e satisfação no poder da sua
sexualidade. Eu fico atrás de você e lhe dou suporte enquanto você
confronta o objeto do seu desejo, pronto com entendimento e empatia
para a rejeição e perda que você vai experienciar, e com alegria e
satisfação à medida que você vai em busca de felicidade e realização".

Eu não preciso insistir no fato de que não são muitos os seres humanos
que experienciam algo próximo àquele ideal com seus pais. Quando
pacientes vêm aos nossos consultórios, se eles estão conscientes disso ou
não, isto é o que eles querem experienciar. Como pode mos nós, que não
resolvemos nossos próprios conflitos, oferecermos para aqueles que vêm
a nós um relacionamento ideal para trabalhar através de seus problemas
edípicos/sexuais? Nós não podemos. Esperamos ao menos que possamos
estar suficientemente conscien tes de nossos próprios temas e como eles
podem influenciar o relacionamento, bem como mantê -los fora do
caminho, e ter clareza suficiente sobre a natureza da tarefa, de forma a
não reeditar simplesmente o trauma inicial. Nós podemos reconhecer
nossas limitações, e buscar ajuda para nós mesmos através da terapia e
supervisão, aceitando o fato de que nós nunca perdemos a necessidade de
tal ajuda.

Eu gostaria de falar a respeito de algumas coisas que nos colocam em


apuros. Primeiro de tudo, eu sinto que mui tos dos erros - resultando em
tudo, desde o abuso até simplesmente uma grande bagunça em que nada
se realiza - são devidos à falta de entendimento da natureza e do poder
da transferência.

A natureza e o poder da transferência

A natureza do relacionam ento paciente-terapeuta é que esta é uma díade


intensa, íntima, na qual o terapeuta é percebido como estando no controle
e tendo o poder. O paciente está numa posição dependente. Não há
reciprocidade na qual o terapeuta revela comparativamente um pouco de
si mesmo, deixando enormes espaços vazios que propiciam projeção. A
díade é removida do contexto social de cada uma das pessoas, e cada um
é visto primariamente sobre o pano de fundo das emoções poderosas que
são evocadas. Não há nenhuma comparação externa prontamente
disponível, nenhum impedimento ou avaliação externa. O fato de o
paciente poder projetar sobre o terapeuta os aspectos do objeto de desejo
significa que este é o instrumento mais poderoso que nós temos para curar
e corrigir o erro. Isto também pode ser a origem da grande destruição. É
humanamente difícil não abusar desse poder numa tentativa de reparar o
seu próprio dano edípico. O terapeuta tem a possibilidade de tanto seduzir
como rejeitar, o que ele experienciou enquanto criança.
Quando o terapeuta tem que lidar com seu ego inflado, id -excitado pela
adoração e paixão, ele precisa lembrar o que o paciente pode não saber
conscientemente: que quando o paciente se apaixona pelo terapeuta ele
ou ela pode sentir que certamente achou no terapeuta o par ideal, e se
seu amor pudesse ser retornado, tudo estaria magicamente O.K. Mas, no
nível mais profundo, o que ele quer é reparar o dano; e se ele vencer, ele
perde - de novo.

A situação edípica é uma proposta de perda. Aqui estão as palavras de


uma mulher num estágio consciente de desenvolvimento:

Eu vim a entender que, a fim de trabalhar através de meus problemas


sexuais, o que eu precisava era achar um terapeuta homem em cuja
presença eu poderia "ficar ligada no máximo" e estar absolutamente certa
de que ele não viria para cima de mim. Ele apenas estaria lá e iria curtir
meus sentimentos e não permaneceria lá para ele mesmo. Isto era o que
eu não obtive do meu pai. Eu tive experiências ruins com dois terapeutas
homens. Pelo primeiro eu meu apa ixonei, e pelo segundo eu simplesmente
me senti descontroladamente atraída. Ambos me corresponderam de uma
maneira ou de outra. Eu odeio eles por isso, por não entenderem o que eu
realmente necessitava.

Acredite nisso ou não, algumas vezes a resposta pa ra a narrativa acima


tem sido. "Bem, o que ela esperava? Se ela é sedutora, ela obteve o que
ela tinha pedido". Transferência é apropriada. Atuação na contra -
tranferência não é. Tudo o que o paciente traz é apropriado, e ele ou ela
nunca é culpado por ativar os temas do terapeuta. Manter o terapeuta
seguro não é o trabalho do paciente.

Quando há uma atuação em qualquer nível, se há ou não qualquer culpa


secreta do paciente, o paciente quase sempre assume a culpa. E
exatamente como a criança assume a culp a a propósito de proteger o pai
abusador, o paciente também protege o terapeuta. E o paciente, como a
criança, assume que o terapeuta precisa saber o que é certo: "Ele deve
estar fazendo isto para meu próprio bem".

Há poucos anos atrás, eu tive uma paci ente do sexo feminino a qual,
depois de mais de um ano, começou a falar sobre sua terapia anterior. Ela
trabalhou com um homem por um curto período quando eles reconheceram
uma forte atração mútua e acabaram indo para a cama. Depois disso eles
tiveram sexo durante todas as sessões durante um ano. Ela estava
excitada e inundada no princípio. Finalmente ela começou a perceber que
ela estava pagando seu terapeuta para fazer sexo com ela, e muito pouco
além disso estava acontecendo. Ela começou a ficar brava, m as ela tinha
uma grande dificuldade de confrontá -lo. Ela racionalizava e sentia -se
desamparada e gostava da gratificação do ego. Finalmente ela conseguiu
deixar o relacionamento. Quando ela se abriu na sua terapia comigo, eram
seis ou sete anos mais tarde. Ela percebeu que ela tinha guardado esta
história de um lado para proteger o terapeuta e, de outro lado, devido a
seu profundo senso de culpa e vergonha. Ela se sentia responsável pelo
que tinha acontecido. Depois que ela contou sua história ela foi capaz de
experienciar sua raiva e a sensação de traição e de ter sido usada. A força
destes sentimentos não diminuíram nem um pouquinho durante estes anos
intermediários.
Eu quero reiterar: o paciente nunca é culpado pelo que acontece, não mais
do que a criança é culpada. Mas precisamos lembrar que a sexualidade e
os sentimentos do paciente estão no nível de 3 a 5 a 13 anos, mesmo
quando expressos num corpo adulto.

Duração

A transferência sexual não tem que ser atuada para ser forte e profunda
e de longa duração. E, ao menos que se trabalhe através dela, ela dura a
vida inteira. Este é um ponto que eu sinto que freqüentemente não é
visto.

Ao pensar sobre a duração da transferência eu lembrei de uma ocorrência


na minha própria vida. Quando eu era vete rana no curso superior eu estava
muito enamorada por um professor de inglês que era deslumbrante no seu
brilho e cativante no seu carisma (uma combinação pela qual eu sempre
tive uma fraqueza!). Eu não sabia nada sobre sua pessoa, exceto que ele
era casado, e que ele tinha muitos filhos. Ele estava, provavelmente, na
casa dos trinta anos. Depois da graduação eu não o vi novamente, e nem
fantasiei sobre ele. Eu tive muitos anos de psicanálise poucos anos mais
tarde, mas eu não me lembro de ele sempre entrar nos meus sonhos e na
minha terapia. Então, mais ou menos doze anos mais tarde, quando meu
marido era professor numa instituição vizinha, ele tinha uma colega que
era uma mulher solteira, atraente, mais ou menos da minha idade. Um dia
nós recebemos uma part icipação do casamento dela e do meu velho
professor de inglês. Você não pode imaginar o tumulto interior de
sentimentos que aquela carta provocou. Eu não sabia dos detalhes, mas
eu estava lívida só de pensar que esta mulher - da minha idade - tinha-o
levado para longe de sua mulher e filhos. Eu permaneci num estado de
raiva, tristeza e indignação por dias. Agora, claramente, esta colegial (eu)
estava ligada a um homem com o qual não tivera nenhum contato próximo
e com quem havia uma transferência muito fort e. E doze anos mais tarde
eu experienciei exatamente o quanto era forte. Isto não tinha desaparecido
e ainda não tinha diminuído.

Eu me lembro de um terapeuta dizendo uma vez, comentando sobre o


comportamento de outro terapeuta, que tinha seduzido sua p aciente, "Se
ele quisesse foder com ela ele deveria ter terminado a terapia dela!". Tal
afirmação mostra a falta de entendimento fundamental da natureza da
transferência: a transferência termina quando e se trabalhar através dela.
Parar a terapia por si só não muda nada. Isto apenas satisfaz a carta da
lei.

Relacionamento professor-estudante

Eu usei uma ilustração de transferência que ocorre no relacionamento de


professor-estudante. Sabemos que este é um fenômeno muito freqüente.
Por causa da nossa modalidade de ensino incluir tanta terapia, e pelo fato
que a transferência está propensa a ser um fator tão saliente na terapia,
eu acho que devemos levar igualmente a sério a responsabilidade do
treinador com relação ao treinando. As normas para o relacion amento
professor-estudante não são as mesmas. Mas as dinâmicas
freqüentemente são as mesmas. As emoções podem ser fortes, e as
conseqüências da atuação ou inabilidade de manejo tão grandes quanto
na terapia. Além disso quando um treinador escolhe um treina ndo
enquanto uma escolha sexual, mesmo que alguma atuação aconteça ou
não, todo o inferno explode. Todos os sentimentos de uma família são
evocados: inveja, raiva, traição, desapontamento, amargura. Algumas
vezes o "pai" é protegido e a "criança" é culpada e excluída. Todo material
primário é evocado, e talvez até a história infantil se repita, no contexto
transferencial. Quando treinadores/professores tornam -se envolvidos com
treinandos, é necessário que os treinadores e o grupo tenham a coragem
e utilizem todo o tempo necessário para, cuidadosa e meticulosamente,
trabalharem através de tudo isto que é despertado. Se não, a destruição
para o processo do grupo e o impedimento do processo de aprendizagem
é imenso. E isto soma-se ao dano feito aos indivíduos.

Nossa responsabilidade como terapeutas e treinadores é primeiramente e


principalmente entender nossos próprios temas não resolvidos e como
estes podem se manifestar na contra -tranferência.

Entendendo nossos temas de caráter

Claro que a maneira mai s importante que temos de nos conectarmos com
nossos próprios temas é através da nossa terapia pessoal. Mas o terapeuta
freqüentemente não tem acesso direto à maneira que interagimos no
contexto social.

Durante os últimos anos, trabalhando com grupos de treinamento acerca


da transferência sexual, eu descobri que há uma grande inconsciência a
respeito de como a pessoa de fato responde à energia sexual de outra
pessoa. E também há uma ausência de auto -percepção sobre os sinais e
as mensagens enviadas atrav és da linguagem corporal e pistas verbais.
Por exemplo, eu recentemente trabalhei com uma treinanda que tinha um
corpo muito sensual, mas não estava totalmente identificada com ele. Ela
estava completamente focalizada nos temas narcísicos primários em sua
terapia e os temas de sexualidade raramente vinham à tona. Quando ela
trouxe seu cliente homem para supervisão ela estava totalmente
inconsciente dos gestos que ela fazia ou do efeito que ela teve sobre o
cliente quando ela sentou na cama e esticou -se para trás como um gato
sensual. A sessão foi gravada e então ela foi capaz de ver e ficou muito
chocada.

Eu tenho usado um exercício simples par ajudar os treinandos a entrar em


contato com esses temas. Numa díade paciente -terapeuta, eu dou ao
terapeuta a tarefa de carregar a pélvis sem fazer qualquer contato direto.
Ele tem apenas 10 minutos para trabalhar. A única outra instrução é que
o terapeuta deve prestar bastante atenção no que está acontecendo no
seu próprio corpo enquanto ele trabalha. Quando passa dos (***) os 10
minutos, mais freqüentemente do que nunca, ele descobre que seus temas
de caráter entraram em cena. É espantoso ver quão rapidamente as
respostas caracterológicas são ativadas: bloquear, tensionar, cortar, ir
para a cabeça, tornar-se super-ativo, tornar-se sedutor. Elas podem ser
sutis, mas elas estão lá.

Outra técnica que eu uso é aquela do "role -playing". Este exercício também
ajuda a apontar com precisão como os temas caracterológicos influenciam
o processo na forma de contra -tranferência. E isto dá ao terapeuta uma
chance de obter um feedback direto e muito valioso do paciente sobre o
efeito de suas intervenções!

Além de tudo, o que se aprende ao trabalhar com os temas sexuais é: é


repleto de ansiedade, não é fácil, e expõe todo nos so conteúdo interno.

Colocando limites claros

No feedback dos pacientes nas situações de role -playing um tema que


surgiu inúmeras vezes foi a necessidade de clarear os limites do contexto
por parte do terapeuta. Para obter uma idéia firme de justamen te o quão
importante isto é na terapia, nós precisamos apenas considerar os efeitos
sobre a criança dos limites pouco claros dos pais com relação à
sexualidade. Na terapia o progresso inevitavelmente se dá de forma
enviesada quando os limites não são claro s e nem definidos sem
ambivalência. O que segue é a narrativa da experiência de uma mulher:

Na primeira sessão, eu achei o terapeuta atraente. Quando eu contei a ele


sobre a minha infância ele deixou claro certas coisas que tínhamos em
comum. Eu senti como um vínculo. Na terceira sessão, num exercício de
busca, depois de lutar, eu fui capaz de superar minha dificuldade de ir
buscar. Eu peguei a mão dele e então experienciei as sensações mais
incríveis de fluir através de meu corpo inteiro. Eu me senti a berta e
expandida como nunca antes em toda minha vida. Ele comentou que a sala
inteira estava repleta de energia. Na quarta sessão eu comecei dizendo
que pela primeira vez permiti que alguns sentimentos negativos de raiva
pelo meu marido viessem à tona. En tão ele disse que queria colocar as
cartas na mesa: ele estava atraído por mim. E eu era o tipo de mulher que
ele estava procurando. Ele disse que não ia atuar seus sentimentos,
porque isto iria destruir a terapia. Eu estava aterrorizada! Na próxima
sessão senti-me esperançosa de amor. Depois disso ele nunca mais fez
nenhum avanço que pode realmente ser chamado de sexual. Mas nunca
tinha um paciente programado depois de mim, e freqüentemente depois
das sessão ele me convidava para conversar sobre astrologia ou ouvir
música. Uma vez nos deitamos lado a lado no carpete ouvindo o Bolero,
de Ravel.

Um conflito enorme estava se alastrando dentro de mim. Eu estava


experienciando sentimentos de paixão intensa pelo meu terapeuta, os
quais eu não tive no casamento . Eu estava psicologicamente consciente,
o suficiente para saber que meu relacionamento com meu pai estava todo
misturado com isto. Eu sabia que eu não podia tolerar a culpa de ter um
romance com meu terapeuta. Então eu me debati por muitos meses,
lutando com minha paixão, querendo livrar-me dela. Finalmente eu vim
para a sessão pronta para declarar o amor que eu sentia. Neste ponto o
terapeuta disse para mim que não estava disponível. Durante o fim -de-
semana ele tinha recomeçado um relacionamento que tinha cessado antes
de me conhecer. Eu fiquei pasma, senti -me machucada e traída. Daí em
diante houve uma mudança marcante no seu comportamento com relação
a mim. Havia sempre um cliente no horário seguinte ao meu. Tentei ser
compreensiva e racional. Mas a dor tornou-se raiva. Eu não podia liberar
isso. Finalmente o terapeuta e eu encontramos com um supervisor que me
deu suporte suficiente para que pudesse desabafar meus sentimentos. Na
discussão que se seguiu, meu terapeuta pôde perceber que, enquanto ele
decidiu não me seduzir, inconscientemente ele sentiu que se eu o
seduzisse, estaria O.K.! Eu percebi que repeti minha experiência da
infância. Eu era a responsável pela manutenção dos limites.

Aqui estava uma situação em que o terapeuta coloca limites indefi nidos.
"Eu não vou dormir com você". Justamente porque, inconscientemente, ele
decidiu que seria seduzido, ele estava constantemente deixando as portas
abertas, por assim dizer, e estava realmente seduzindo -a a seduzi-lo.
Quando de repente se comporta prof issionalmente, depois de voltar com
sua namorada, está claro que os "limites" foram definidos em função de
suas necessidades e não das da paciente. O de que esta mulher precisava,
assim como todos os pacientes, era segurança. O paciente não pode
trabalhar através do conflito primário se não há segurança completa. E
segurança significa que o terapeuta inequívoca e enfaticamente não está
disponível como o objeto de amor sexual, assim como certamente o pai
deveria ter sido inequivocamente indisponível.

Eu quero seguir com este ponto um pouco adiante com outra ilustração de
minha própria prática. (A ilustração também aponta o aspecto
problemático dos relacionamentos duplos.)

A importância de prestar atenção de perto e de forma constante na


colocação de limites durante todo processo - não apenas inicialmente -
surgiu para mim num trabalho com um cliente homem.

Nós estávamos trabalhando muito profundamente os temas edípicos e uma


transferência muito forte se desenvolveu. No meio disto, algumas
mudanças externas ocorreram: eu me tornei sua treinadora assim como
sua terapeuta. Na nossa sessão de terapia seguinte ao primeiro fim -de-
semana de treinamento nós discutimos suas reações. Ele tinha tido
sentimentos de rivalidade de irmãos, os quais eu esperava. Mas haviam
outros sentimentos que eu realmente não esperava. Devido a certas
circunstâncias, o grupo de treinamento teve que se encontrar por uma
semana no meu consultório, em minha casa. Eu tinha chá e café prontos
na minha cozinha, o que nunca tinha tido ant es com meus clientes. Meu
paciente-treinando de repente teve acesso a outros cômodos além da
minha sala. Na hora do almoço o grupo foi para um restaurante nas
proximidades e nós começamos a andar juntos pelo caminho. Estes dois
acontecimentos deram a ele u ma sensação aumentada de intimidade
comigo. Ele também sentiu que como uma treinadora eu me relacionei com
ele no mesmo nível. Tudo isto levou -o a fantasiar que quando ele estivesse
certificado e nós fôssemos colegas, então talvez ao longo de nossa
jornada, nós nos encontraríamos em uma conferência e teríamos um caso
de amor: as circunstâncias mudaram e os limite não pareciam tão firmes
como antes. Eles precisavam ser restabelecidos. Eu aproveitei esta
oportunidade para dizer a ele o que eu acreditava ser a verdade sobre a
aliança terapêutica: Porque eu sou o terapeuta e ele é o paciente, nós não
podemos ter um relacionamento sexual - nem agora, nem nunca -, não
importa se as circunstâncias mudem. Eu acredito que se o caminho fosse
deixado aberto para qualqu er esperança ou ilusão sobre o futuro, então
não haveria nenhuma possibilidade dele trabalhar através de seus temas
edípicos no presente comigo.
Quando eu afirmei isto, o paciente entrou num choro muito profundo. E
depois do período que o levou a lament ar-se, ele percebeu que estava
desistindo da ilusão de algum dia vencer e ter sua mãe.

Agora, quando consideramos os efeitos das nossas palavras e ações mais


insignificantes sobre nossos pacientes e estudantes, podemos nos sentir
muito oprimidos pela responsabilidade.

O outro lado é: o medo dos nossos próprios sentimentos pelas pessoas


pode causar em nós, como terapeutas, um corte, um recuo, e nos
tornarmos completamente artificiais e estancados em nossas interações.

Muitos de nós tivemos pais que lidaram com seus sentimentos de atração
desta maneira.

Esta não é a resposta.

Reconhecendo e afirmando a sexualidade do paciente

A parte mais crucial e importante do trabalho através dos temas sexuais


é reconhecer e afirmar a sexualidade do paci ente. A criança precisava ter
ouvido dos pais:

Você é uma pessoa sexual.

Você é atraente.

Seus sentimentos sexuais são bons.

Esta afirmação é necessária mesmo antes que isto possa ser assim. Mas o
feedback que foi dado muitas e muitas vezes no role-playing - o qual o
paciente não queria ouvir do terapeuta era: eu estou atraído por você.
Isto era desconfortável, inquietante e confundia as coisas.

A criança precisa que o pai veja e reconheça sua sexualidade sem ficar
envolvido com isso. O que i sso requer de nós como terapeutas é que
permaneçamos conectados com nossa própria sexualidade. Nós não
podemos realmente reconhecer e afirmar se estivermos cindidos. O
paciente sente isso.

Quando paciente está sobre o stool ou num exercício em que se ab riu e


conectou-se com a energia na sua pélvis e está experienciando sua energia
sexual com bastante alegria, um sentimento expansivo que acompanha
isso, nós precisamos ter a coragem de estarmos totalmente conectados
com nossa energia sexual, para ficarmos totalmente presentes e
completamente separados, não querendo e nem precisando nada do
paciente. Esta é a afirmação! E esta é a abordagem bioenergética para o
trabalho com transferência sexual.

Este artigo foi originalmente apresentado na Oitava Conferên cia


Internacional do Instituto Internacional de Análise Bioenergética,
Ysermonde, Bélgica, maio de 1986, e também foi publicado na ata dessa
Conferência. The Clinical Journal of I.I.B.A. - Vol. 3/Nº. 1/ Summer/1987
** trainees, no original.

*** processado, no original

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