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CAPÍTULO I: INTRODUÇÃO

1.0 Introdução
No presente trabalho discutimos as implicações sintácticas da co-ocorrência das extensões
causativa e aplicativa à luz do Mirror Principle ou Princípio de Espelho (doravante PE), um
programa de pesquisa de muito sucesso iniciado por Baker (1988) no seu livro Incorporation
(Incorporação).
A sua proposta teórica é tomada mais a sério na teoria de Morfologia Distribucional, de
acordo com a qual, na estrutura verbal, os morfemas são montados por operações sintáticas e não por
operações lexicais.
Deve ser por isso que Borba (1979) já defendia que os distribucionalista operam
directamente com morfemas e analisam a sequência nos sintagmas. Por isso não distinguem entre
Morfologia e Sintaxe. Destarte, não há divisão entre a construção de palavras e construção de frases.
No entanto, segundo o autor, se se admite que há uma entidade mínima relacionável no enunciado,
esta é a palavra, qualquer que seja sua complexidade mórfica. A palavra será então o constituinte
último do enunciado. Essa posição leva a dizer que o enunciado consta de palavras e não de
morfemas, da mesma forma que um trem consiste em vagões e não em rodas, bancos, portas e
janelas. Critica-se, nessa orientação, a prioridade absoluta dada ao eixo sintagmático em detrimento
do eixo paradigmático.
Para Harley (s/d), o argumento forte da Morfologia Distribucional vem de fenómenos
relacionados com o Princípio de Espelho visto que, nele, se defende que a ordem dos morfemas
dentro de uma palavra complexa reflecte a hierarquia sintática.
Um estudo sobre as implicações sintácticas da co-ocorrência das extensões causativa e
aplicativa em Nyungwe é um estudo de interface Morfologia e Sintaxe, pois estes morfemas fazem
parte do grupo de morfemas derivacionais, geralmente chamados de extensões verbais justamente
por causa do efeito que têm sobre a morfologia, a sintaxe e a semântica dos verbos em que ocorrem,
(NGUNGA 2004).
Nas línguas bantu, estes morfemas derivacionais desempenham um papel importante na
marcação de relações de transitividade que em outras línguas, as isolantes e mesmo as

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flexivas/flexionais, seriam marcadas sintaticamente. Parece ser por isso que Guthrie (1967)
considera a presença das extensões verbais entre os principais critérios para se estabelecer se uma
língua pertence ou não à família bantu. Porém, Coochi (2008) diz que o número e as formas das
extensões verbais variam de língua para língua, e por isso não há necessidade de estudar as
extensões verbais em todas as línguas para estabelecer o seu alcance.
Por ser uma língua bantu, Nyungwe é um exemplo de uma língua aglutinante, isto é,
pertence ao grupo de línguas em que numa palavra podemos encontrar vários morfemas que marcam
aspectos tanto flexionais quanto dervacionais. Este conceito é colocado em oposição ao de línguas
isolantes: que têm os seus morfemas ocorrendo como palavras de forma isolada e ao de línguas
flexionais aquelas com uma tendência acentuada a recorrer à flexão, isto é, tendem a expressar
relações gramaticais por meio de afixos, mas a correspondência entre os morfemas e os traços
semânticos ou funções gramaticais não é tão clara quanto nas línguas aglutinantes. Elas associam
vários significados a um afixo. A morfologia das línguas isolantes não é tão rica quanto a de línguas
aglutinantes.
Os verbos causativos e aplicativos são resultado de um processo de formação de palavras
muito produtivo que faz a combinação de um verbo não-causativizado ou não-aplicado e um sufixo
causativo ou aplicativo. Interessa-nos, neste trabalho, olhar para a valência dos verbos
causativizados e aplicados em Nyungwe. Portanto, em termos sintácticos o nosso foco principal
incidirá sobre o papel das extensões verbais na mudança das funções gramaticais da estrutura
argumental do verbo em que ocorre. Defendemos que a aplicativização altera a estrutura argumental
do verbo não-aplicado, adicionando um novo argumento, que desempenha a função gramatical de
objecto ocorrendo adjacente ao verbo aplicado. A causativização adiciona um novo argumento, que
assume a nova função gramatical de causador e, consequentemente torna-se sujeito dessa frase.
Portanto, o agente-sujeito original é movido para a posição de objeto e de oblíquo.
As extensões verbais em bantu têm sido destaque no estudo da sintaxe nos últimos anos
(BAKER 1988a; BLISS 2009; COCCHI 2008; CHABATA 2007; DAMONTE s/d; ELWELL 2006;
FERNANDO 2008; HARLEY s/d; KATUPHA 1991; KATUSHEMERERWE 2013; LAM 2007;
LANGA 2007; LODHI 2002; MCHOMBO 1993; MATSINHE 1994; NGONYANI 1996;
NGONYANI 1998; NGUNGA 2000, 2004; RIEDEL 2009; SIMANGO 1998; SITOE 2009;
STEGEN 2002; WAWERU 2011; só para citar alguns). As razões para esse destaque são duas: em
primeiro lugar, os seus efeitos sobre a estrutura argumental do verbo em que ocorrem e, em segundo

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lugar, devido ao seu estatuto e lugar no estudo da Sintaxe e da gramática como um todo. Este
pensamento é reafirmado por Hoffman (1991) e Mogara (2013), para quem as línguas bantu, através
do seu rico sistema de ampliação de valência verbal oferecem várias perspectivas de análise sobre a
variação da estrutura de objectos múltiplos e o número de sintagmas nominais (SNs) que o verbo
pode selecionar. É dentro desta linha de pensamento que, nesta dissertação, descrevemos e
analisamos as implicações sintáticas da co-ocorrência da extensão causativa e aplicativa em
Nyungwe à luz do Princípio de Espelho visto que, tal como acontece noutras línguas, estas extensões
alteram a valência do verbo em que ocorrem.
Nyungwe é uma língua bantu que Greenberg (1963), escrevendo sobre a classificação das
línguas bantu, afirma que pertence a família Congo-Kordofaniana. Ele estabelece uma classificação
genética das línguas africanas que, apesar de algumas alterações sofridas ao longo dos tempo,
continua sendo a mais citada actualmenente. Para Greenberg (http://en.Wikipedia.org/org/wiki/The-
Languages_of_Africa#Classification), as línguas africanas classificam-se em quatro grandes famílias
e em cada uma delas identifica as sub-famílias:

Afro-asiática (sub-famílias: Semítica, Egípcia, Cushítica, Berber, Chádica);


Nilo-sahariana (sub-famílias: Songhai, Sahariana, Maban, Fur, Chari-Nilo, Koman);
Congo-Kordofaniana (sub-famílias: Níger-Congo e Kordofaniana);
Khoi e San (sub-famílias: Khoi, San, Sandawe, Iraqw, Hatsa ou Hadza).

A subfamília Niger-Congo, por ocupar a maior área geográfica, por ter o maior número de
falantes e o maior número de diferentes línguas, embora a diferença de línguas seja uma questão
complicada pela ambiguidade sobre o que distingue uma língua da outra, constitui um das principais
conjuntos de línguas do mundo e de África. As línguas mais faladas tendo em conta o número de
falantes nativos são: Yoruba, Igbo, Fula, Shona e Zulu. A língua mais falada tendo em conta o
número total de falantes é Swahili.
Na classificação das línguas bantu, Doke (1945), citado por Cole (1961) a língua nyungwe
pertence ao grupo linguístico Nyanja (52/3/1). A este grupo linguístico, o autor inclui as línguas:
Nsenga (52/3/2), Sena (52/3/3) e Nyungwe (52/3/3a). Por conseguinte, olhando-se para a
classificação de Doke (1945), Nyungwe é variante de Sena.

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Todavia, para Guthrie (1967-71), Nyungwe é uma língua do grupo linguístico Nsenga-Sena
(N40) ao qual pertencem outras línguas mutuamente inteligíveis, nomeadamente: Cinsenga (N41),
Cikunda (N42) Cisena (N44), Ciruwe (N45) e Cipodzo (N46). Nesta classificação, de Guthrie (1967-
71), Nyungwe apresenta duas variantes: Citonga e Cidema.
Tendo em conta a reconstituição de Schadeberg (2003), esta língua pertence ao grupo bantu da
família Niger-Kordofaniana, e ao subgrupo bantu, línguas que fazem parte da maior família de
línguas Africanas: Niger-Congo.
No entanto, os trabalhos recentes sobre a padronização da ortografia das línguas bantu
faladas em Moçambique, Ngunga e Sitoe (2000) e, mais recentemente, Ngunga e Faquir (2011),
afirmam que esta língua, não é variante de Sena como afirmara Doke (1945), mas também não tem
uma variação dialectal de relevo por isso, a variante de referência deve ser a falada na cidade de Tete
e nos distritos de Moatize, Changara e Cahora Bassa, por sinal, zonas onde a língua é falada na
província. Para o presente trabalho, considerando-se as propostas de Ngunga e Sitoe (2000) e mais
recentemente as de Ngunga e Faguir (2011), será usada a variante falada na Cidade de Tete.
Portanto, variante também considerada de referência.
Igualmente, tendo em conta estes estudos e o de Ngunga e Faquir (2011), Nyungwe, é uma
língua bantu falada na província de Tete, concretamente, nos distritos de Moatize, Changara, Cahora
Bassa e partes de Marávia por 457.292 pessoas de cinco ou mais anos de idade (INE, 2010).

1.1 Apresentação do Problema de pesquisa


No Princípio de Espelho defende-se que há uma relação muito estreita entre a Morfologia e a
Sintaxe, dado que a derivação morfológica reflecte a derivação sintática (e vice-versa). É por isso
que, a estrutura morfológica de uma palavra complexa é derivada através do movimento do núcleo
da raiz lexical para os núcleos onde os morfemas são gerados, então a ordem dos morfemas irá
reflectir a incorporação sintática dos núcleos que correspondem a esses morfemas, Baker (1988).
Assim, a quantidade de movimento dos itens lexicais na estrutura sintáctica dependerá de quão rica
ou fraca é a Morfologia dessa língua. As línguas com Morfologia rica vão licenciar mais
movimentos e aquelas com uma Morfologia fraca permitirão menos movimento, o que sugere que
esta teoria, mesmo tendo sido discutida por vários autores e se ter proposto inovações, é flexível e
ainda pode responder à descrição de todas as línguas cuja estrutura morfológica estabelece uma
relação entre a Morfologia e a Sintaxe.

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Nestas línguas, o PE estabelece uma estreita relação entre a Morfologia e a Sintaxe, em
virtude de esta defender que, nas línguas, o mapeamento sintáctico deve reflectir a derivação
morfológica. Assim, no presente estudo, pretendemos contribuir para o debate sobre a interface
Morfologia/Sintaxe através da descrição e análise das operações sintáticas espelhadas pela ordem de
co-ocorrência dos morfemas causativo e aplicativo em Nyungwe.
Esta língua faz parte do grupo de línguas que carecem de estudos teóricos descritivos, uma
lacuna que nos propomos preencher ao discutir este tema à luz de uma das teorias usadas no estudo
de fenómenos morfossintáticos como as extensões verbais.

1.2 Questões de Pesquisa


A presente pesquisa é orientada pelas seguintes questões:

1. Quais são as propriedades morfológicas dos verbos em que as extensões causativa e aplicativa
podem ocorrer?
2. Quais são as operações sintáticas espelhadas pela ordem dos morfemas causativo e aplicativo?
3. Até que ponto o PE responde à descrição das implicações sintácticas da co-ocorrência da extensão
causativa e aplicativa nesta língua?

1.3 Hipóteses
Esta pesquisa é orientada pelas seguintes hipóteses:

1. As extensões causativas e aplicativas podem ocorrer em todos os verbos transitivos e intransitivos;


2. O PE estabelece que, com a derivação morfológica, há um lugar previsto para os morfemas
causativo e aplicativo e, em consequência, o agente causador passa a desempenhar a função de tema
e o verbo aplicado selecciona um objecto aplicado que ocorre adjacente ao verbo e os argumentos
seleccionados não podem co-ocorrer;
3. O PE satisfaz às exigências descritivas das implicações sintácticas da co-ocorrência das extensões
causativa e aplicativa em Nyungwe.

1.4 Objectivos da pesquisa


O presente estudo tem os seguintes objetivos:

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1. Descrever as operações sintáticas espelhadas pela ocorrência dos morfemas causativo e
apliactivo nos verbos transitivos e intransitivos em Nyungwe.
2. Descrever as mudanças sintáticas decorrentes da co-ocorrência dos morfemas causativo e
aplicativo em Nyungwe à luz do PE.
3. Analisar as mudanças sintáticas espelhadas pela co-ocorrência dos morfemas causativo e
aplicativo em Nyungwe à luz do PE.

1.5 Justificação do estudo


O objetivo deste estudo é fazer uma descrição e análise das implicações morfossintáticas da
co-ocorrência das extensões causativa e aplicativa em Nyungwe. Esperamos que os resultados da
pesquisa contribuam, ainda que de forma singela, para preencher as lacunas decorrentes da falta de
estudos descritivos desta língua e respondendo, assim a constatação de Stegen (2002) para quem
Nyungwe carece de estudos descritivos. Igualmente, a relevância deste estudo reside no facto de,
segundo Diercks (2010), apesar de representarem uma grande percentagem de diversidade
linguística do mundo, as línguas Bantu ainda serem pouco pesquisadas se comparadas às línguas
faladas em regiões do mundo economicamente desenvolvidas.
O estudo espera reforçar uma adequação explicativa do PE em que apesar de ter sido
construído com base em dados de várias línguas entre elas o Inglês e o Chichewa, o, achamos
importante testá-lo em outras línguas bantu com uma estrutura verbal complexa (NGUNGA 2004).

1.6 Metodologia de investigação


Para a realização deste trabalho combinamos três métodos a saber: (a) Introspectivo,
baseando-se no conhecimento da autora como falante da língua; (b) Filológico, com recurso ao
material escrito, pois alguns verbos analisados foram retirados de Martins (1991) e Ngunga e Faquir
(2011) para a ortografia; e (c) Entrevista, usado na recolha de dados com recurso a falantes nativos
desta língua para a confirmação dos verbos em que podem ocorrer as extensões causativa e
aplicativa e as características do objecto selecionado pelo verbo aplicado. As entrevistas foram feitas
de duas formas: individual e colectiva (grupos focais), da seguinte maneira:
Escolhemos 20 informantes, falantes nativos de Nyungwe dos quais 17 são residentes na cidade de
Maputo. Dos 17 falantes 10 são militares e ex-militares residentes na zona militar, 3 líderes de

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igrejas e 4 estudantes universitários de Ensino de Línguas Bantu. Os outros 3 falantes são
professores de Nyungwe residentes na província de Tete.
Na entrevista dos 10 militares começámos por trabalhar individualmente com cada um deles
e, em seguida, os dados recolhidos foram discutidos em grupo com os 10 falantes. Esta estratégia
ajudou a maior variedade de dados em relação à ordem de co-ocorrência dos argumentos
selecionados pelo verbo derivado. A mesma estratégia foi usada com os outros informantes 3 líderes
de igrejas e 4 estudantes universitários de Ensino de Línguas Bantu. A entrevista com os professores
de Nyungwe, por serem residentes da província de Tete, foi individual. Para não viciar os dados as
entrevistas foram conduzidas sem despertar a atenção dos informantes sobre o assunto pretendido.
As entrevistas foram conduzidas de tal forma que os informantes produziram e discutiram a
ocorrência e a co-ocorrência das extensões causativa e aplicativa em verbos de todas as estruturas (-
C-, -CVC- e -CVCVC-), transitivos e intransitivos.
A faixa etária dos informantes variou de 16 a 70 anos de ambos os sexos. Com a escolha
desta faixa etária pretendíamos contemplar maiores variações entre os falantes. No entanto, tal como
se pode ver, no grupo de informantes não constam crianças. Esta exclusão foi intencional, pois
achamos que elas, sendo residentes da cidade de Maputo, ainda estão na fase de aquisição, no seu
ambiente familiar e nas comunidades em que vivem, das línguas (Nyungwe / Rhonga / Changana/
Português) e em alguns casos estão em maior contacto com a Língua Portuguesa.

1.7 Organização do Estudo


O presente estudo está organizado em seis capítulos, a saber: Capítulo I, Introdução, na qual
apresentamos o Problema de pesquisa, as Questões de Pesquisa, as hipóteses, apresentamos os
objectivos da pesquisa, a Justificação do estudo e a Metodologia de investigação usada; Capítulo II,
Revisão de Literatura onde, primeiro, falamos sobre o lugar da Morfologia na Linguística, em
seguida sobre a Morfologia Verbal das línguas bantu, apresentamos estudos anteriores sobre a língua
Nyungwe e, no fim, falamos da estrutura do verbo nas línguas bantu; Capítulo III, apresentamos o
Quadro Teórico, nele, descrevemos dois referenciais teóricos usados na discussão de dados. Assim,
no primeiro ponto, o 2.1, apresentamos o Princípio de Espelho e no último, o 2.2, apresentamos a
proposta de SV complexo de Larson (1988) e de Hale e Keyser (1993). No Capítulo IV,
descrevemos as extensões causativa e aplicativa em Nyungwe. No entanto, para uma melhor
descrição dividimos o capítulo em subcapítulos. Assim, no subcapítulo sobre as construções

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causativas em 3.1 falamos sobre as construções causativas nas línguas bantu. Em 3.1.1 descrevemos
as causativas em Nyungwe, onde em 3.1.1.1 falamos sobre as causativas lexicais em Nyungwe, em
3.1.1.2 sobre as causativas morfológicas e em 3.1.1.3 das causativas analíticas. No subcapítulo
3.1.1.4 falamos sobre a causativização a partir de verbos inacusativos e, para terminar, em 3.1.1.5
descrevemos a causativização a partir de verbos inergativos.
A extensão aplicativa é discutida no subcapítulo 3.2. Neste subcapítulo falamos, em primeiro
lugar, sobre a origem do termo na literatura linguística, em seguida no ponto 3.2.1 falamos sobre a
extensão aplicativa em Nyungwe onde descrevemos as construções aplicativas na língua. Em 3.2.1.1
descrevemos a extensão aplicativa em verbos transitivos e intransitivos em Nyungwe, e em 3.2.1.2
descrevemos os papéis temáticos licenciados pelo objecto aplicado em Nyungwe; Capítulo V, A co-
ocorrência das extensões causativa e aplicativa em Nyungwe, no qual descrevemos os contextos de
co-ocorrência destas extensões e em seguida mapeamos as derivações sintácticas espelhadas por essa
co-ocorrência; Para terminar apresentamos no Capítulo VI, a Conclusão, nele, consta as nossas
constatações e as áreas para futuras pesquisas.

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CAPÍTULO II: REVISÃO DE LITERATURA

2.0 Introdução
Como foi dito na secção introdutória, neste capítulo, apresentamos a discussão já existente
sobre a co-ocorrência das extensões verbais em Nyungwe.
Com vista a alcançar os nossos objectivos, dividimos a revisão da literatura em três partes. Na
primeira, identificamos o lugar da morfologia na linguística, pois o nosso tema é interface
Morfologia-Sintaxe. Na segunda, apresentamos os estudos existentes sobre a Morfologia
derivacional nas línguas bantu. Na terceira e última parte, apresentamos estudos anteriores de
Nyungwe.

2.1 O lugar da Morfologia na Linguística


Na literatura recente, a Morfologia é definida como sendo o estudo da estrutura interna das
palavras e da sua formação, Lyons (1968). Igualmente, para Lieber (2010) e Dubois et al (2006) o
termo Morfologia tem dois significados. Para além de estudar a formação das palavras, ele dedica-se
à análise da forma como as novas palavras são intoduzidas numa determinada língua e descreve as
regras de combinação dos sintagmas em frases. Portanto, o estudo morfológico de uma língua tem
por objectivo mostrar a sua estrutura e os processos de formação e combinação de palavras, isto é,
mostrar a função e a combinação dos morfemas derivacionais e flexionais (MBANGALE s/d).
Segundo Katamba (1993), a Morfologia só surgiu como um dos sub-ramos da Linguística no
século XIX quando esta desempenhou um papel fundamental na reconstrução do indo-europeu.
Segundo o autor, em 1816, Franz Bopp publicou os resultados de um estudo que sustentavam o que
Sir William Jones afirmara em 1786 dizendo que Sânscrito, Latim, Persa e as línguas germânicas
eram descendentes de uma língua ancestral comum. Este estudo foi baseado na comparação entre as
terminações gramaticais das palavras nestas línguas.
Em Fiorin (2012), podemos encontrar este pensamento reforçado pois, segundo este autor, o
conceito de Morfologia, na Linguística, começou a ser utilizado no século XIX, sob influência do
seu uso no modelo evolucionista de Darwin. Nessa época, acreditava-se que o estudo da evolução
das quatrocentas ou quinhentas raízes básicas do indo-europeu podia levar à solução do problema da
época: a origem da linguagem.

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O estudo comparativo das línguas daquele século permitiu que August Von Schegel (1818)
formulasse uma tipologia morfológica, reorganizada por August Schleicher (1821-1868), segundo a
qual todas as línguas organizam-se morfologicamente em três tipos: isolantes, aglutinantes e
flexionais.
As línguas isolantes: em que as palavras não podem ser segmentadas em elementos menores,
portadores de informação gramatical e/ou significado lexical. A língua que, citando Crystal (1987), o
autor traz para servir de exemplo é o Chinês.
As aglutinantes: em que as palavras combinam raízes e afixos distintos para expressar as diferentes
relações gramaticais. A língua usada para exemplificação é o Turco.
As línguas flexionais seriam aquelas em que as raízes se combinam a elementos gramaticais
indicando a função das palavras e não podem ser segmentados na base de um som/ significado ou
afixo para cada significado gramatical, como nas línguas aglutinantes. O exemplo de uma língua
flexional, segundo o autor, é o Latim, pois a desinênsias casuais trazem informações de: caso,
número e género.
A esta classificação das línguas tendo em conta as suas organizações morfológicas, junta-se a
de Humbolt (1836), para quem existiam também línguas polissintéticas (igualmente chamadas de
incorporantes): de morfologia complexa, capazes de colocar numa única palavra muitos morfemas
que seriam palavras independentes em línguas analíticas. Ainda sobre este assunto, Fiorin (2012) diz
que apesar das críticas a esta classificação, no início do século XX, Whitney, Franz Boas e Sapir
realizaram estudos sobre estas línguas, a maioria delas concentradas na América do Norte, nas
famílias Esquimó-Aleúte, Algonquina, Iroquesa e Na-Dene.
Carstairs (1992) diz que o renascimento da Morfologia como objecto de estudo por
linguistas teóricos foi anunciado mais de uma vez, enquanto isso, a Fonologia e a Sintaxe
continuavam como os dois módulos indispensáveis da gramática.
Segundo Waweru (2011), o termo morfologia começou a entrar na gramática entre 1920 e
1945. Isso aconteceu porque os estruturalistas americanos desenvolveram e refinaram a teoria do
fonema que mais tarde, com os trabalhos de (BLOOMFIELD 1933, HARRIS 1942, HOCKETT
1952 e 1954), resultou na mudança de foco e gradualmente transferido para a Morfologia e assim,
muitos estruturalistas começaram a investigar questões relacionadas com a teoria da estrutura da
palavra. Portanto, como se pode ver, uma das principais contribuições dos estruturalistas foi o
reconhecimento de que as palavras podem ter uma estrutura interna complexa. Pois, na gramática

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tradicional, a análise linguística tinha tratado a palavra como a unidade básica da estrutura da língua,
mas os estruturalistas mostraram que as palavras são analisáveis em morfemas, introduzindo desta
forma a Morfologia como um ramo separado da Linguística.
No entanto, apesar deste avanço, se é que assim se pode considerar, a teoria gerativa
transformacional, que seguiu ao estruturalismo, veio tirar da gramática a componente morfológica
enquanto entidade autónima assemelhando-se, assim, aos modelos clássicos de análise gramatical.
Esta retirada deveu-se ao facto de, segundo Katamba (1993), na gramática gerativa
considerar-se que a formação das palavras poderia ser adequadamente discutida na Fonologia e na
Sintaxe, achando-se desnecessário um nível morfológico, na gramática. Perante esta situação,
encontraram-se formas para descrever a estrutura das palavras num modelo de gramática que tinha
como componentes os níveis fonológicos, sintáticos e semânticos.
Hoje, esta situação não persiste e já há bastante tempo que o léxico vem sendo estudado
dentro da teoria gerativa transformacional. Um exemplo disto é o estudo de Baker (1988) o qual
relaciona a Morfologia à Sintaxe e analisa os processos morfológicos em termos de funções
sintáticas. Para ele, os processos de incorporação são mudanças de funções gramaticais tratadas
como movimentos de núcleos lexicais para o verbo. Baker diz que é a Morfologia que determina se o
resultado da incorporação numa língua é gramaticalmente aceitável ou não e avança com o Princípio
do Espelho (Mirror Principle) que afirma que a ordem dos afixos tem implicações na ordem das
operações sintáticas.
Pensamento semelhante pode ser encontrado em Good (2005) para quem a existência das
extensões verbais e as suas formas de ocorrência sempre foi considerado como muito significativo
para a discussão da natureza de interacção entre a Morfologia e Sintaxe. Segundo o autor, o
comportamento das extensões verbais tem sido usado para argumentar a favor de uma arquitetura
gramatical na qual a Morfologia e a Sintaxe estão intrinsecamente relacionadas.
Antes de Baker (1988), em Chomsky (1970) já se traçava uma dicotomia entre as abordagens
lexicalistas e transformacionistas, dando assim destaque à Morfologia dentro da Gramática Gerativa
Transformacional.
A Teoria de Regência e de Ligação (TRL) de Chomsky surgiu como uma teoria derivacional.
É por isso que Marantz (1984), citado por Waweru (2011), argumenta que a Morfologia deve ser
considerada como sendo uma sub-teoria da TRL e acrescenta que os morfemas influenciam
directamente na estrutura semântica de uma frase. Neste modelo, o léxico tem raízes, afixos e

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informações sobre estruturas de argumento, transitividade e papéis semânticos. Os afixos como os
causativos, aplicativos entre outros fundem-se com a raiz do verbo principal e constroem um novo
radical verbal com novas relações sintáticas e lógico-semânticas.
O estudo de Pollock (1989), citado por Waweru (2011), mostrou igualmente que a presença
ou ausência de condições morfológicas pode trazer diferenças na estrutura das frases das línguas. Ele
investigou a Morfologia do verbo em francês e mostrou evidências de que o movimento do verbo
requer uma flexão da frase que cause ou force esse movimento. A concordância verbal é um
complemento de tempo e negação. Estes conceitos foram incorporados no PM.

Com a Morfologia readmitida na gramática interessa-nos, a seguir, falar sobre o seu objecto
de estudo.
Segundo Fiorin (2012), considerar o morfema ou a palavra como objecto de estudo da
Morfologia reflecte os modos diferentes de abordar a Morfologia. A noção de morfema está
relacionada com o estruturalismo, que tinha como problema central a identificação dos morfemas
nas diferentes línguas do mundo. A de palavra está relacionada com a gramática tradicional, a que se
dedicava aos estudos sobre a estrutura das palavras e a relação destas com outras palavras em
construções maiores: sentenças, e com o vocabulário das línguas. A Linguística do século XX retirou
a noção de palavra a favor da noção de morfema. O morfema tornou-se, assim, a unidade básica da
gramática e da Morfologia, Rosa (2013). Ainda segundo a autora, a primeira definição de morfema
foi feita por Bloomfield (1926). Para ele, o morfema era a forma recorrente (com significado) que
não pode ser analisada em formas recorrentes (significativas) menores. Bloomfield (1933), voltou a
definir o morfema como sendo uma forma linguística que não mantém semelhança fonético-
semântica com qualquer outra forma. Portanto, o morfema é visto sob duas perspectivas. A primeira,
a de segmentação, na qual serão isoladas sequências fónicas mínimas que apresentam significados e
a segunda, a de classificação onde serão considerados membros do mesmo morfema os morfes que
apresentam distintividade fonético-semântica comum.
Seguindo o pensamento estruturalista, em estudos recentes, e por extensão neste estudo, o
morfema é tido como base de análise da Morfologia. Segundo Cunha e Cintra (1999) e Ngunga
(2004), os morfemas são unidades mínimas significativas. Eles podem ser livres e presos, conforme
possam constituir sozinhos uma palavra ou precisem de juntar-se a outro morfema. Portanto, os
morfemas presos são “aqueles que não podem ocorrer se não na condição de estarem ligados a
outros”, Ngunga (2004:99-100), isto é, são aqueles sem autonomia de ocorrência e os livres são

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aqueles aos quais os presos são afixados. O autor afirma igualmente que por vezes, os morfemas
livres são chamados de lexicais dado que reside neles a informação lexical da palavra e os presos
gramaticais uma vez que são usados para marcar tempo, aspecto, sujeito, objecto, número, classe,
etc.

2.2 Morfologia Verbal das línguas bantu


Com o lugar e objecto de estudo da Morfologia discutidos, em seguida, passaremos a
apresentar alguns estudos existentes sobre a derivação verbal nas línguas bantu.
Nas línguas bantu, o estudo das extensões verbais enquadra-se no campo da morfologia do
verbo que, segundo Mateus et al (2007) e Faria (1999), é defiinido como palavra de forma variável
que exprime o que se passa, isto é, exprime um acontecimento representado no tempo e pode fazer a
indicação de pessoa, número, tempo, modo e voz.
Neste trabalho, interessa-nos uma análise teórico-descritiva das implicações sintácticas da
co-ocorrência dos morfemas usados para derivar palavras que possam exprimir o que se passa, ou
seja, palavras usadas para formar, em alguns casos, novos verbos.
As extensões causativa e aplicativa, nosso objecto de análise neste trabalho, fazem parte da
categoria de morfemas que podem derivar novos verbos.
Segundo Cocchi (2008), as extensões verbais são sufixos colocados entre o radical e a parte
final da flexão do verbo, por forma a “estender” o radical e formar verbos derivados. Para Sitoe
(2009), as extensões verbais são elementos obtidos pela subtracção do radical simples ao extenso
com ele relacionado. Estas duas definições complementam-se na medida em que, para estes autores,
extensão verbal é material linguístico que se junta a um radical simples para formar um radical
extenso, relacionado com o primeiro. Como se pode ver, para estes autores, a definição de extensões
verbais é feita através do lugar que elas ocupam no processo de derivação. No entanto, apesar do
consenso entre estes dois autores, a definição de Sitoe (2009) parece estar mais próxima da definição
de Matsinhe (1994), segundo a qual as extensões verbais, para ele afixos verbais, são morfemas
presos que se hospedam no radical verbal. Elas dividem-se em derivacionais (as que podem alterar a
estrutura argumental do verbo em que ocorrem) e flexionais (não alteram a estrutura argumental do
verbo em que ocorrem).
Posição similar é defendida por Jefferies (2000), Ngunga (2004) e Sitoe (2009), pois para
estes autores, as extensões verbais criam diferentes tipos de verbos a partir de palavras que já são

13
verbos, afectando desta maneira o significado de um verbo de radical simples. Elas originam novos
verbos e, em alguns casos, podem originar a mudança de relações de transitividade.
Este tema, tal como nos referimos anteriormente, já mereceu atenção por parte de linguistas
que trabalham na área da Morfologia das línguas bantu. No entanto, segundo Fernando (2008),
citando Voeltz (1977), Meinhof foi um dos primeiros estudiosos a analisar os afixos verbais nas
línguas bantu. De entre os afixos reconstituídos por Meinhof constam: o causativo e o passivo. A
este estudo, seguiu-se o de Meeussen (1967), considerado como um dos precursores da reconstrução
do Proto-Bantu (PB). Ele distinguiu dois tipos de afixos: os expansionais e os deverbativos. Os
expansionais são aqueles com a estrutura [V (N) C], onde V pode ser qualquer vogal e derivacionais
os que têm a estrutura [-VC-]. O mérito deste trabalho é ter fornecido diretrizes sólidas do PB que
são amplamente utilizadas até hoje (ver NGUNGA 2000, MITI 2006, entre outros).Outro estudioso
que contribuiu para o estudo das extensões verbais nas línguas bantu foi Guthrie (1967-71). Guthrie
analisou um maior número de línguas bantu, baseando-se em exemplos nas línguas que analisou.
Schadeberg (2003), baseando-se em estudos realizados em várias línguas bantu, reconstituiu
onze extensões verbais do PB que, na sua óptica, ocorrem em todas as línguas e tem a mesma
estrutura canónica -VC-. As extensões reconstituídas são: causativa *-i-/-ici-; dativa ou aplicativa *-
il-; impositiva *-ik-; neutra -ik-; extensão posicional ou estativa *-am-; extensão associativa ou
recíproca *-an-; extensão repetitiva * -ag-; -ang-; extensão extensiva *-al-; extensão contactiva *-
at-; extensões separativas ou reversivas *-ul-; -uk- e a extensão passiva *-u/-ibu-. Estas extensões
têm um sistema vocálico reduzido a cinco vogais, diferem na produtividade e algumas podem co-
ocorrer no mesmo radical. As vogais médias (*e, *o) ocorrem apenas como resultado da harmonia
vocálica com extensões possuindo uma vogal de segundo grau (*i *Ʋ), a ausência de *u pode ser
uma coincidência, uma vez que ocorre nas expansões. A harmonia afecta igualmente, as consoantes
*l e *k. As extensões verbais com a estrutura -VC- tem uma tonalidade neutra (ou alternativamente
baixa) e há uma leve evidência de que o tom das duas extensões com a estrutura -V- *-i- e -*u- pode
ter sido alta.
Nesta reconstituição, acerca da extensão aplicativa, o autor diz que ela é também conhecida
como sendo dativa *-il-. Segundo ele, os verbos dativos são transitivos e o seu objecto preenche os
papéis semânticos de (i) beneficiário, (ii) lugar e, por extensão, tempo, causa e razão e (iii)
instrumento. No entanto, o papel de beneficiário é o mais produtivo. Estes verbos podem ser

14
derivados de qualquer outro verbo. Contudo, quando o verbo básico é transitivo, o objeto deste
normalmente perder suas propriedades de objecto na construção dativa.
Igualmente, sobre as extensões causativas *-i-/-ici-, o autor citando Bastin (1986) diz que
estas foram reconstituídas através de uma distribuição complementar, sendo que *-i- ocorre depois
de uma consoante (C) e *-icil- depois de uma vogal (V). Elas podem ser usadas nos verbos
transitivos e intransitivos de estrutura -CV- ou -CVC- para introduzir um novo argumento que tem
como função sintática indicar o sujeito e semanticamente indicar o agente causador.
A par de estudos reconstrutivos, realizaram-se igualmente estudos meramente descritivos
sobre as propriedades morfossintácticas das extensões verbais. Em seguida apresentamos uma parte
destes estudos.
Mchombo (1993) estudou as extensões reflexiva e recíproca em Chichewa. Segundo ele, a
distribuição assimétrica destes morfemas nos verbos deve ser explicada dentro de uma teoria
adequada que não os vai tratar como anáforas presas. Para ele, as versões recentes da TRL não
poderiam explicar essas assimetrias. Este estudo ajuda-nos a destacar as insuficiências da TRL na
análise da extensão recíproca.
Elwell (2006) também discute as extensões verbais em Chichewa. Ele usa o tema para
discutir vários pontos importantes da teoria de Princípio da Integridade Lexical relacionando-os com
a análise sintáctica. O autor afirma que esta teoria é desvantajosa. No entanto, para ele, o tratamento
de extensões verbais na sintaxe permite a selecção de argumento adequado e mostrar a relação de
dependência.
Ngonyani (1996), no seu artigo sobre a tipologia do aplicativo em bantu afirma que há três
tipos de aplicativos: benefactivo, instrumental e locativo. Para o autor, em construções aplicadas há
dois SVs envolvidos: um em que ocorre o tema/paciente que é fundido num outro SV que contém o
objecto aplicado. O autor conclui igualmente que o morfema aplicativo é um núcleo predicado que
selecciona um SV menor e um objecto aplicado. Para ele, as diferenças de mapeamento dos
argumentos na frase tem a ver com a diferença de significado dos vários tipos de aplicativos.
O estudo de Simango (1998) mostra que em construções em que o afixo aplicativo aparece, o
verbo passa a expressar afetação e por isso pertence à classe geral de construções benefactivas. Este
estudo irá ajudar-nos a perceber a natureza dos argumentos selecionados pelo verbo aplicado.
Um outro estudo foi realizado por Ngonyani (1998), nele, ele analisa os objetos que são
selecionados pelo afixo aplicativo em Kindendeule e Kiswahili. Segundo o autor, os dados mostram

15
que o morfema aplicativo pode ocorrer em todos os verbos derivando verbos transitivos de verbos
intransitivos, verbos bitransitivas de verbos transitivos. Os objectos aplicados podem ser
interpretados como beneficiário, maleficiário, objectivo (goal), instrumento, razão (reason), motivo
(motive), ingrediente (ingrediente), localização (location) ou tema. Portanto, apenas o agente não
pode ser selecionado por este sufixo. Além disso, o autor, baseando-se na ordem e marcação de
objecto, na passivização, reciprocidade e reflexividade, diz que os objectos são classificados em três
tipos: os do tipo benefactivo, instrumental e locativo.
Segundo Good (2005), nas línguas bantu, o morfema aplicativo torna os verbos intransitivos
em transitivos e se transitivos supertransitivos, isto é, com dois objetos directos. Por outro lado, para
o autor, o morfema causativo em bantu é semanticamente semelhante ao de outras línguas. O
processo de causativização dá a semântica de causador ao verbo e pode incluir, entre outras coisas
um argumento sujeito causador da acção descrita pelo verbo. Quando este for o caso, o tema do
verbo não causativizado realiza-se como objecto.
Chabata (2007), na sua investigação sobre a causativização em Nambya, uma língua bantu
falada no Noroeste do Zimbabwe, afirma que o morfema causativo altera a estrutura argumental do
verbo não-causal. Ele adiciona um novo argumento, que assume a nova função gramatical de
causador e, consequentemente, torna-se sujeito dessa frase. O autor afirma igualmente que no
processo, o agente-sujeito original é movido para a posição de objeto e de oblíquo. Este estudo é
importante porque mostra a natureza e características das extensões verbais.
Segundo Lam (2007), a aplicativização é um processo morfológico altamente produtivo em
Chichewa, dado que o afixo aplicativo aumenta um argumento à estrutura verbal trazendo,
consequentemente, um outro papel temático, frequentemente um benefactivo, instrumento ou
locativo. No artigo, a autora mostra que a estrutura da palavra pode ser representada numa árvore, ou
seja, interface Morfologia – Sintaxe, pois torna possível referir-se não só as partes da palavra, mas
também aos níveis de representação que estão associados a cada morfema. Esta conclusão
assemelha-se a de Riedel (2009) para quem o morfema aplicativo pode, em verbos transitivos,
adicionar um objeto benefactivo ou introduzir outros tipos de argumentos: locativos e, de forma
muito limitada, instrumentais.
O estudo de Bliss (2009) mostra que a extensão aplicativa em Shona aumenta a valência do
verbo por introduzir um objecto aplicado. Segundo o autor, há diferenças no tipo de objectos
aplicados introduzidos por esta extensão. Os objectos aplicados recebem o caso acusativo em v (no

16
núcleo verbal), mas os objetos aplicados locativos são ilegíveis para a verificação caso por lhes ser
atribuídos o caso locativo lexical pelos prefixos locativos da classe do nome.
Jeong (2006) diz que aplicativização é geralmente entendido como uma construção em que
um verbo tem um morfema específico que licencia um argumento oblíquo que não seria argumento
do verbo não derivado.
Lodhi (2002) faz uma descrição introdutória sobre as extensões verbais em Swahili e
Nyamwezi. Ele identifica dezasseis extensões verbais entre elas a causativa, a aplicativa, a passiva, a
recíproca e a reversiva. Segundo ele, as extensões verbais são um fenômeno mais complexo do que o
que parece ser, pois no sistema aparentemente regular de harmonia vocálica e assimilação, existem
algumas modificações complexas.
Igualmente, Cocchi (2008), falando das extensões verbais em Tshiluba, defende que elas,
tendo em conta a influência que exercem no verbo, podem ser divididas em dois grupos: as
sintácticas e lexicais. As sintácticas não só mudam a semântica do verbo, mas também acrescentam
ou reduzem o argumento do verbo em que ocorrem. Neste grupo constam: causativa, aplicativa,
passiva, reciproca e estativa. Estas extensões alteram as funções gramaticais. Por outro lado, as
extensões lexicais são sufixos simples que apenas acrescentam um significado extra ao radical
verbal. Pertencem a este grupo as seguintes extensões: contactiva, extensiva, reversiva e repetitiva.
Stegen (2002) escreveu sobre os processos derivacionais em Rangi, uma língua bantu falada
na zona Central de Tanzânia. Ele confirma que, apesar de muitos trabalhos linguísticos sobre as
línguas bantu, ainda existem lacunas descritivas na morfologia destas línguas. O estudo descreve as
extensões que ocorrem em Rangi. Para o autor, a derivação do verbo em Rangi é restrita para o
compartimento/posição da extensão verbal na estrutura do verbo.
Damonte (2007) analisa a ordem das extensões verbais em Pular à luz do Princípio de
Espelho, para responder a seguinte questão: como é que a Sintaxe e a Morfologia interagem?
Segundo ele, esta pergunta pode ser respondida em parte por se olhar para as características visíveis
nos afixos e nas frases, pois mesmo em abordagens lexicalistas fortes como as de Di Sciullo e
Williams (1987) admite-se que algumas características lexicais se tornam visíveis à Sintaxe. Para o
autor, a Sintaxe tem acesso a informação lexical porque o léxico tem projecções funcionais próprias
e todos os itens lexicais que transportam essa característica devem ser incorporados nessa projecção.
Segundo o autor, esta hipótese já foi aplicada com êxito para as modificações de tempo,
modo e aspecto (TMA) por Cinque (1999, 2006) e Schweikert (2005) e, para ele, uma análise similar

17
pode ser feita em relação aos afixos de mudança da estrutura argumental. Assim, os afixos de
mudança da estrutura argumental em Pular são fundidos numa hierarquia fixa de núcleos funcionais
theta relacionados e os complementos por eles introduzidos são fundidos nos especificadores dessas
projecções funcionais.
O estudo de Fernando (2008), à luz da GLF, explora a função e a ordem de seis afixos
verbais em Kikongo. O estudo mostra que os afixos aplicativos e causativos aumentam a valência do
verbo em Kikongo e os passivos, recíprocos, reflexivos e estativos decrescem a valência e, por isso,
reduzem a valência do verbo por um objeto.
Segundo o autor, a ordem e a co-ocorrência de afixos verbais podem ser explicadas sob três
perspectivas amplas, a saber: sintática Baker (1985), semântica Bybee (1985) e Rice (2000) e
morfológica Hyman (2002). O ponto de vista sintático é atribuído a Baker (1985), pois para ele a
ordem dos afixos derivacionais reflecte a ordem correspondente das derivações sintácticas. A
perspectiva semântica defende que a ordem dos afixos é determinada pela abrangência e função
semântica de cada afixo, Bybee (1985) e Rice (2000). Segundo eles, os afixos com maior relevância
para a acção da raiz do verbo aparecerão mais perto dele. No entanto, mesmo que sob mesma
perspectiva, Bybee referia-se a afixos flexionais e Rice (op. cit.) afirma que, tendo em conta que o
âmbito semântico é amplo, procura explicar os casos em que os afixos não são rigidamente
ordenados.
Para terminar, a perspectiva morfológica, Hyman (2002), defende que a ordenação dos afixos
na estrutura verbal não tem motivações sintáticas nem semânticas. Portanto, para Hyman, a
ordenação dos morfemas é determinada pela Morfologia e são as línguas que impõem restrições
morfotácticas específicas para as quais não há uma explicação extra-morfológica sincrônica. As
restrições morfotácticas podem representar uma relação entre pares de morfemas específicos ou
podem definir um modelo através do qual vários afixos são automaticamente ordenados. Este estudo,
apesar de usar uma perspectiva teórica diferente, irá ajudar-nos a melhor discutir a alteração da
estrutura argumental dos verbos em que ocorrem as extensões causativas e aplicativas, nosso objecto
de análise.
Para além dos estudos acima apresentados, achamos necessário trazer ao debate o estudo de
Mogara (2013) sobre a morfologia verbal das línguas do grupo Khoesan. Esta acção justifica-se pelo
facto de, o autor, chamar de extensões verbais morfemas livres que ao ocorrem adjacentes ao verbo
alteram a estrutura argumental deste. Segundo o autor, tal como o estudo da morfologia verbal das

18
línguas bantu, é importante por afetar o número de SNs na configuração sintática, o mesmo pode ser
dito em relação à morfologia verbal das línguas Khoesan. Assim, para o autor, os sufixos podem ser
divididos em dois grupos, aqueles que aumentam em um o número de SNs que podem aparecer na
estrutura sintáctica e aqueles que podem reduzir em um a quantidade correspondente ao número de
SNs que o verbo derivado pode suportar. Para o autor, a única diferença entre as línguas bantu e as
línguas Khoesan é que naquelas as extensões são sufixos enquanto nestas línguas eles ocorrem como
morfemas livres.
À luz da teoria da Gramática Léxico-Funcional (GLF) Matsinhe (1994) analisou a valência
dos verbos em que os afixos derivacionais ocorrem em Tsonga. No mesmo estudo, falou igualmente
da concatenação de afixos verbais, bem como das restrições aplicáveis à sua co-ocorrência. Segundo
ele, a língua Tsonga, também falada em Moçambique, tem os seguintes afixos derivacionais:
aplicativa -el-, causativa -is-, passiva -iw-, reflexiva -ti-, reciproca -an- e a estativa -ek-. O afixo
aplicativo aumenta a valência do radical verbal transitivo ou intransitivo por um argumento, por
exemplo, kusweka ‘cozinhar’ kuswekela ‘cozinhar por’, aqui temos (sujeito) <agente> (OBJ2)
<beneficiente> OBJ1 <tema>. Quando ocorre num verbo transitivo, o resultado do causativo é um
outro verbo que pede um segundo objecto. Para exemplificar, o autor traz o seguinte exemplo
kurima tem (SUJ) <agente> (OBJ) <tema>; kurimisa (SUJ) <agente> (OBJ2) <exp> (OBJ1)
<tema>. Sobre o afixo neutro-estativo e passivo o autor diz que quando adicionado à raiz verbal,
introduz dois argumentos, o agente e o tema. Os afixos -ek- e -iw- têm um resultado idêntico na
estrutura argumental do verbo. Todos afectam o sujeito (agente). Acerca dos afixos recíprocos e
reflexivos o autor diz que o recíproco muda a estrutura argumental do predicado em que ocorre por
ligar o objecto (tema), ao sujeito (agente) criando coreferência, o que faz com que produza um verbo
formado por mais de um sujeito (agente). O afixo reflexo -ti- faz com que o verbo não tenha mais de
um agente. O verbo recíproco pode ser representado assim, kubanana 'bater-se um ao outro' (SUJ)
<agente/tema> (OBJ) <ø>; Verbo reflexivo kutiluma 'morder-se' (SUJ) <agente/tema> (OBJ) <ø>.
Para o autor, o termo extensão é usado, em estudos das línguas bantu, para se referir aos afixos como
causativos e aplicativos que estendem ou incrementam a valência do verbo.
Além deste estudo, Ngunga (2004), Sitoe (2009) e Langa (2007), apesar de não adiantarem
nenhuma teoria para a descrição que fazem das extensões verbais, apresentam a seguinte lista de
extensões verbais existentes nas línguas bantu faladas em Moçambique e em Changana,
respectivamente: aplicativa/benefativa -el-, causativa -is-, recíproca -an-, passiva -iw-, intensiva -

19
isis-, estativa/ pseudo-passiva -ek-, frequentativa -etel-, reversiva -ul- e impositiva -ik-. Destas,
segundo os autores, as +O são: aplicativa, causativa e impositiva. As =O, isto é, as que mantém o
número de argumentos são: frequentativa, perfectiva, intensiva e reversiva. As extensões que
reduzem o número de argumentos são: estativa, passiva e recíproca.
Sitoe (2009), na sua descrição apresenta mais duas extensões a classificação de Ngunga (2004): a
perfectiva -elel- e a diminutiva -nyana.
Por outro lado, Katupha (1991) discute as extensões verbais e suas implicações à luz do
quadro teórico da Morfologia Lexical. Para o autor, as extensões verbais operam em níveis
diferentes, por isso é que algumas não se ajuntam logo às raízes verbais porque não estão no mesmo
nível. O autor apoia-se igualmente nos argumentos de Mchombo (1978) e Bresnan (1977, 78, 82),
segundo os quais a derivação morfológica é uma derivação sintáctica, isto é, quando se afixa uma
extensão verbal na estrutura verbal, o verbo derivado pode ter mais argumentos, pode ter menos
argumentos, ou então manter os seus argumentos sintácticos. Segundo o autor, em Emakhuwa
encontram-se duas subdivisões de extensões: “temáticas e modais”. As extensões temáticas são: -ana
(reciproca); -ela (aplic.); -eya (estat.); -iha (caus.); -iya (passiv.). Estas interferem na estrutura
temática da matriz do verbo e as extensões modais são aquelas que não afectam a estrutura
argumental do verbo. Tais extensões são: -aca (interativa/dual); -akaca (interativa /frequentativa); -
esa (intensiva /frequentativa).

2.3 Estudos anteriores sobre a língua Nyungwe

“Não obstante o facto de todos os séculos serem importantes na vida do ser humano porque
cada um deles constitui uma base sobre a qual o século seguinte se desenvolveu, o século XIX ocupa
um lugar muito particular na história da humanidade devido aos progressos alcançados no campo das
ciências naturais” (NGUNGA 2004:19).
Segundo o autor, foi, igualmente, neste século em que se assistiu ao nascimento da
Linguística como sendo o estudo da ciência da linguagem. Este ganho contribuiu para que cientistas
europeus, através do método histórico-comparativo, identificassem algumas semelhanças, entre as
línguas clássicas europeias e o Sânscrito. A partir deste estudo conclui-se que estas três línguas
surgiram da mesma língua que provavelmente não exista mais.
O estudo desta língua e de outras línguas bantu começou na segunda metade do século XIX
quando estudiosos europeus aplicaram às línguas africanas o método histórico-comparativo, usando

20
para as línguas indo-europeias, no estudo das línguas da África sub-sahariana (NGUNGA 2004;
NGUNGA e SIMBINE 2012).
Os primeiros materiais escritos de Nyungwe começaram a surgir a partir do seu uso na igreja.
No grupo dos primeiros textos escritos constam: Nthawe za kupemba. Todavia, esta produção de
literatura religiosa não correspondeu a produção científica de materiais sobre esta língua, daí que ao
longo de muitos anos, os trabalhos na língua resumem-se a quatro (COURTOIS 1900; DUPEYRON
1900; JOHNSTON 1919; MARTINS 1991) de descrição da gramática baseada em latim ou na
língua portuguesa e outras. Contudo, esta situação mudou em 1978 quando foram introduzidos nos
cursos de Formação de Professores de Português da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e da
Universidade Pedagógica os estudos de Linguística Bantu. Além disso, a partir de 1989 esta
disciplina passou a fazer parte do curso de Licenciatura em Linguística da UEM (NGUNGA 2004).
Igualmente, segundo o autor, apesar das revisões curriculares que se seguiram a introdução desta
disciplina, a Linguística Bantu sempre se manteve como umas das disciplinas curriculares, numa
clara demonstração da importância que a disciplina tinha num país como Moçambique.
Outro facto acrescido aos acontecimentos acima descritos é citado por Ngunga e Simbine
(2012). Para estes autores, a realização do I Seminário sobre a Padronização da Ortografia de
Línguas Moçambicanas, cujo relatório foi publicado pelo NELIMO (1989), veio dar um novo
impulso aos estudos das línguas moçambicanas em geral e de Nyungwe em particular. O referido
seminário recomendava, entre outra coisas, que Universidade Eduardo Mondlane desenvolvesse
estudos das línguas moçambicanas visando a sua introdução no ensino. Assim, foi em resposta a este
comando que ao longo de quinze anos se intensificaram estudos destas línguas. O curso de
licenciatura em Linguística aberto em 1989, que começou a trazer ao mercado quadros formados
nesta área a partir de 1994, teve um grande impacto na mudança de opinião que a sociedade
moçambicana tinha em relação as línguas moçambicanas. Muitos destes graduados escreveram
monografias sobre vários aspectos da estrutura das línguas moçambicanas.
Para o caso de Nyungwe, podem citar-se como exemplos os trabalhos de Macajo (1996),
Domingos (1999), Xavier (2004), Adalima (2005) e mais recentemente Rego (s/d) e Rego (2012)
que vieram diminuir a escassez de material que se verificava na língua. O presente trabalho, à luz do
que tem acontecido, vem juntar-se a este esforço de valorização das línguas moçambicanas enquanto
veículos fiéis da cultura e do acesso ao saber, pois como se pode ver, a língua carece de estudos
teórico-descritivos. Por isso, colocamo-nos o desafio de, com o presente trabalho, juntarmo-nos ao

21
movimento africano de valorização das línguas bantu que, apesar do seu número de falantes,
continuam pouco descritas.
Depois de termos, nesta secção, falado sobre estudos anteriores existentes sobre a língua
Nyungwe, em seguida passaremos a falar sobre a estrutura do verbo nas línguas bantu.

2.4 Estrutura do verbo nas línguas bantu


Os verbos segundo Ngunga (2004) são palavras que em todas as línguas humanas servem
para relatar factos, acções, descrever estados e situações. Além disso, segundo o autor, o verbo
conjugado traz consigo as marcas do sujeito sobre o qual se faz a afirmação, o tempo em que o
fenómeno ocorreu e por isso são considerados palavras mais variáveis entre as palavras variáveis.
Porém, segundo o autor, a complexidade da estrutura verbal varia.
Segundo Meeussen (1967), citado por Hyman (2007), a actual estrutura verbal das línguas
bantu (doravante LB) poderá ter resultado da evolução de uma estrutura verbal hipotética do PB.
Nurse (2007), discutindo sobre a estrutura do verbo do Proto-Bantu (doravante PB) afirma
que é improvável que a forma final do PB que deu origem às línguas bantu contemporâneas tivesse
tido uma estrutura completamente analítica, mas que com contacto com vários línguas relacionadas
tivesse sofrido influência destas e durante os séculos seguintes, tivesse havido uma cliticização dos
diversos componentes e tenha mudado para uma estrutura sintética. No entanto, ele adverte que,
porque na sua pesquisa partiu de bases que considera incompletas, não se pode afirmar que o Proto-
Bantu tenha tido uma estrutura totalmente sintética, ou se essa estrutura totalmente sintética só se
desenvolveu mais tarde, depois que a tal protolíngua se expandiu, mas prefere considerá-la sintética,
por esta ser a solução mais económica.
Schadeberg (2003), na sua reconstrução do PB afirma que a base verbal é o domínio da
derivação a partir do qual vários temas verbais são formados com adição do sufixo flexional final. A
reconstituição de morfemas flexionais particulares continua incompleta. Kamba Muzenga (1981),
citado pelo autor, reconstruiu as seguintes marcas de negação e de tempo: *nkà- (pré-inicial) e *ti-
/*-i- (pós-iniciais, opcionais) e *-à-, *-á, *-ka- respectivamente. Fonologicamente, os clíticos são
morfemas presos fixos a todas as palavras *na- (associativo) e *nga- (normalmente acoplado às
formas nominais); os enclíticos * -ini presos às formas verbais e os locativos *-po, *-ko e *-mo
presos aos verbos. Sobre a reconstituição sintáctica o autor diz que a morfologia derivacional joga

22
um papel importante no estabelecimento da relação entre as palavras que em outras línguas seria
feita por meios sintácticos.
Em estudos actuais a estrutura do verbo compreende uma pré-raíz e uma raíz, onde a pré-raiz
é constituída por: sujeito- negativo- T(A)- o formativo e o objecto, seguido da raiz-Extensão- VF,
Meeussen (op. cit), Ngunga (2000) e Sitoe (2009). Portanto, a estrutura do verbo nas línguas bantu
compreende muitos prefixos e sufixos, Katushemererwe (2013).
Nesta estrutura, os prefixos, todos os elementos a esquerda do radical e os sufixos, a direita
deste envolvem flexão verbal. Esta é a estrutura que usaremos para o nosso trabalho, por reflectir a
estrutura do verbo na língua nyungwe.
Em seguida apresentamos a estrutura do verbo em bantu proposta por Ngunga (2000, 2004) e
que será usada no presente trabalho:

Verbo

Pré-Tema Macro-Tema

Tema F

Tema D

Prefs [PI-MS-PS] MO Raiz Sufs [Exts] VF

“Onde: Tema F: Tema flexionado; Tema D: Tema derivado; MS: Marca de Sujeito; PS: pós-Sujeito;
PI: pré-inicial; MO: Marca de Objecto; Exts: Extensões (Verbais); VF: Vogal final”, Ngunga
(2004:148).
Neste estudo, esta estrutura será usada como base para a discussão da ocorrência e co-
ocorrência das extensões causativa e aplicativa em Nyungwe.

2.6 Sumário do capítulo


O presente capítulo centrou-se na revisão da literatura que discute sobre a morfossintaxe das
línguas bantu. No entanto, embora pareça haver muitos estudos feitos sobre o tema nestas línguas,

23
nenhum discute o mesmo usando dados de Nyungwe. Daí a necessidade de estudos que se
concentrem em línguas particulares.
Depois de neste capítulo termos feito a revisão da literatura, no capítulo que se segue
apresentaremos o quadro teórico a ser usado na análise de dados.

24
CAPÍTULO III: QUADRO TEÓRICO

3.0 Introdução
No presente estudo, adotaremos o referencial teórico do Princípio de Espelho (‘Mirror
Principle’) proposto por Baker (1988), um programa de pesquisa linguística por ele iniciado. No
entanto, durante o trabalho poderemos, por necessidades descritivas, também adoptar a proposta
teórica de SV complexo de Hale e Keyser (1993; 2002).

3.1 O Princípio de Espelho


“Em Sintaxe, há posturas que, se não estão erradas, são, pelo menos, enganosas. Uma delas é
a que responde a perguntas como esta:

Justifica-se a Sintaxe como disciplina autónoma ou as relações entre unidades na cadeia


falada podem ser descritas em termos puramente sintagmáticos? A resposta prende-se à separação
entre Morfologia e Sintaxe e ao abandono do conceito de palavra”, Borba (1979:240).

É assim que na visão tradicional da Morfologia a formação das palavras tem lugar no léxico e
as regras morfológicas operam em elementos primitivos diferentes das regras sintáticas. Portanto, a
Morfologia opera em temas e em morfemas para produzir palavras, enquanto a Sintaxe opera em
palavras para produzir frases. Esta visão foi formalizada como o Princípio de Integridade Lexical
(LI), para o qual as regras sintáticas não podem operar em partes de palavras, de modo que, por
exemplo, os afixos não podem ser separados de uma palavra por regras sintáticas, Damonte (s/d). No
entanto, através de Baker (1988) surge uma abordagem alternativa segundo a qual a sintaxe opera
tanto em palavras como em morfemas e uma palavra complexa pode ser formada por regras de
Sintaxe, e mais especificamente pelo movimento X°, através da incorporação de uma raiz lexical no
morfema. Esta abordagem pode dar conta de generalizações que cobrem elementos morfológicos e
sintáticos, o ‘Mirror Principle’ ou Princípio de Espelho (doravante PE). Nesta teoria Baker defende
que a derivação morfológica reflete a derivação sintática (e vice-versa). Se a estrutura morfológica
de uma palavra complexa é derivada através do movimento do núcleo (head-moviment) da raiz
lexical aos núcleos onde esses morfemas são geradas, então para o PE “a ordem dos morfemas numa
palavra complexa reflete a incorporação sintáctica natural dos núcleos que correspondem a esses
morfemas” Baker (2002: 326).

25
Para Baker é o PE que relaciona a Sintaxe com a Morfologia e aponta para a conexão entre
os fenómenos de mudança de função gramatical e a incorporação. Daí que, para ele, quadros
estruturais que dissociam a Morfologia da Sintaxe (a Gramática Relacional e algumas versões da
teoria de Regência e de Ligação) são inadequados para a análise da mudança das funções
gramaticais.
Assim, Baker declara que todos os processos de mudança de função gramatical são, na
verdade, um processo de movimento de uma categoria lexical, chamado de movimento X°. Este
processo leva o morfema a mover para uma posição na árvore que é ocupada por esse morfema. Por
exemplo, uma derivação causal envolve o movimento da raiz do verbo para a posição que é ocupada
pelo morfema causador, que então se liga à raiz do verbo para criar a forma verbal V-CAUS. Uma
única operação de movimento dará origem a uma derivação morfológica e a uma derivação sintática.
A incorporação, segundo Baker, tem dois tipos de consequências na estrutura linguística: em
ambos cria uma categoria complexa de nível X° e cria uma ligação (link) sintáctica entre duas
posições no marcador sintáctico. O primeiro dos dois tipos de consequências é uma mudança
morfológica e o segundo é mudança sintáctica. Esse movimento irá então, automaticamente mudar
as relações de regência na estrutura.
Isso coloca o modelo de incorporação como base correcta para responder à questão de como
e porque os processos de Mudança de Função Gramatical conectam a Morfologia e a Sintaxe.
O autor afirma igualmente que, o PE é uma teoria que dá às relações gramaticais explicações
sintáticas em vez de morfológicos.
Para Baker (1988), os afixos (aplicativos, causativos, passivos, etc.) estão associados a
operações sintáticas e a sua ordenação em relação a outros afixos é assumida como forma de
espelhar a ordem em que se aplicam as operações sintáticas correspondentes. Além disso, Baker
afirma que a existência de sufixos CAUS-APPL e a forma de combinação pode explicar a interação
entre a Morfologia e a Sintaxe.
No entanto, o autor defende que as classes de possíveis incorporações serão limitadas por
restrições nas incorporações, notadamente a restrição de movimento de núcleo segundo a qual:

Um X° pode apenas se mover para um Y° o qual ele adequadamente rege. A rege B se e


somente se A c-comanda B e não exista nenhuma categoria C tal que C seja uma barreira
entre A e B. Uma barreira entre A e B é uma projecção máxima e se A é um núcleo lexical
(N, V, A, P) ou núcleo flexional (Inflection).

26
Contudo, segundo Fernando (2008), Alsina (1999), em reacção à proposta, Baker defende
que na teoria linguística houve dois tipos de abordagens para a construção do PE: em primeiro lugar,
a abordagem lexicalista de Grimshaw (1986), e DiSciullo e Williams (1987), para a qual todas as
operações morfológicas ocorrem no léxico e que o PE é apenas uma consequência da suposição de
que as palavras são formadas através da combinação de um morfema com o outro, o que contribui
para informação semântica, morfossintática e fonológica. Portanto, para Alsina, esta abordagem dá
uma explicação sobre o carácter lexical das formas morfologicamente complexas, mas não dá conta
de muitos efeitos sintáticos da combinação de morfemas.
Em segundo lugar, a abordagem sintacticista representada por Baker (1988) defende que as
palavras são formadas na sintaxe, e assim, muitos fenómenos que revelam uma estreita inter-relação
entre a Sintaxe e a estrutura morfemática são explicados por a Sintaxe ter executado as operações
morfológicas envolvidas. De acordo com Alsina (1999) nenhuma abordagem explica as propriedades
lexicais de formas hipoteticamente derivadas na Sintaxe. Por isso, propõe uma teoria que representa
tanto as propriedades lexicais como sintáticas das combinações de morfema e postula um sistema de
princípios de restrição sintáctica interagindo com a composição argumental das estruturas envolvidas
na formação de palavras morfológicas no léxico, a abordagem morfocéntrica.
Ao analisar a ordenação dos afixos, é importante observar a reação de Hyman (2002) a Baker
(1985a), Alsina (1999) e Bybee (1985), para quem a ordenação de afixos tem em conta a relevância
do afixo na acção descrita pelo verbo. Assim, os afixos com maior “relevância” para a acção do
Radical Verbal aparecem próximo a ele.
Para Hyman (op. cit.), nenhuma das explicações dadas ao que se refere à ordenação de afixos
forneceu uma explicação sobre os factos nas línguas bantu. O autor propõe uma abordagem
morfológica em que uma explicação é dada tendo em conta a razão pela qual os afixos estão na
ordem em que ocorrem.
Segundo McPherson e Paster (2009), tem sido dito que a ordem dos afixos deve, muitas
vezes, seguir princípios externos à morfologia, por exemplo, o semântico (Rice 2000) ou a ordem
das operações sintácticas (Baker 1985).
Para Alsina (1999) o Princípio de Espelho é um princípio sintático sobre a ordenação de
afixos de generalização sem excepções. No entanto, já se mostrou que algumas das extensões verbais
(sufixos derivacionais) nas línguas bantu tem uma ordem fixa, que não seguem a esses princípios
externos e em alguns casos viola-os (HYMAN 2003; GOOD 2005). Esta contradição tem vindo a ser

27
apontada por vários autores (HYMAN 1994, 2003, 2006; HYMAN e INKELAS 1997; ALSINA
1999; GOOD 2003, 2005, 2007) e as línguas bantu têm desempenhado um papel central no esforço
para identificar princípios trans-linguísticos de ordenação dos afixos.
Contudo, surpreendentemente, tal como acontece em algumas línguas bantu, apesar desta
preocupação linguística, nenhum estudo abrangente sobre as extensões verbais e a ordem de sua co-
ocorrência foi realizado em Nyungwe. É esta lacuna que procuramos preencher com o presente
estudo, mesmo que de forma singela, descrevendo e analisando a co-ocorrência das extensões
causativa e aplicativa em Nyungwe.
Este quadro teórico irá ajudar-nos a explicar a (a)gramaticalidade de estruturas como:

1.a) mwana w-a-gul-a bajhu.


Criança 3SG-IPASS-comprar-VF casaco
‘a criança comprou casaco’
b) mwana w-a-gul-ir-a mayi bajhu.
Criança 3SG-IPASS-comprar-Appl-VF mãe casaco
‘a criança comprou um casaco em benefício da mãe’
c) *mwana w-a-gul-ir-a baju mayi.
Criança 3SG-IPASS-comprou-Appl-VF casaco mãe
2.a) mayi w-a-dy-a madosi.
mãe 3SG-IPASS-comeu-VF doces
‘a mãe comeu doces’
b) mayi w-a-dy-es-a mwana madosi.
mãe 3SG-IPASS-comeu-Caus-VF criança doces
‘a mãe fez a criança comer doces’
c) mayi w-a-dy-er-a mwana madosi.
mãe 3SG-IPASS-comeu-Appl-VF criança doces
‘a mãe comeu doces em detrimento da criança’
d) *mayi w-a-dy-er-a madosi mwana.
mãe 3SG-IPASS-comeu-Appl-VF doces criança
e) *mayi w-a-dy-er-es-a madosi mwana.
mãe 3SG-IPASS-comeu-Appl-CausVF doces criança

3.a) Lula w-a-gw-es-a bzakudya na mpsiyelo.


Lula 3SG-IPASS-caiu-Caus-VF comida com vassoura
‘Lula fez a comida cair com uma vassoura’
b) *Lula w-a-gw-es-a na mpsiyelo bzakudya.
Lula 3SG-IPASS-caiu-Caus-VF com vassoura comida
c) *Lula w-a-gw-es-er-a bzakudya na mpsiyelo.
Lula 3SG-IPASS-caiu-Caus-Appl-VF comida com vassoura

Na descrição dos dados acima, estaremos a responder a duas das três questões que norteiam a
nossa pesquisa: primeira, quais são as propriedades morfológicas, sintácticas e, talvez, semânticas

28
dos verbos em que as extensões causativa e aplicativa podem ocorrer? A segunda, quais são as
operações sintáticas espelhadas pela ordem dos morfemas causativo e apliactivo em Nyungwe?

3.2 A Proposta de Larson (1988) e de Hale e Keyser (1993)


Larson (1988) propõe os primeiros argumentos a favor de uma estrutura verbal bipartida.
Esta proposta, segundo o autor, surge porque há a necessidade de se propor uma estrutura
argumental complexa, bipartida para o sintagma verbal, pois o modelo estrutural do SV simples não
suporta coerentemente as configurações de verbos bitransitivos (constituídos por um argumento
externo e dois argumentos internos). Esta proposta, segundo Camargos (2013), deve-se ao facto de
na estrutura do SV simples existirem apenas dois lugares para estruturas argumentais nucleares.
Assim sendo, os verbos bitransitivos teriam um terceiro argumento nuclear que não estaria alocado
na estrutura argumental.
Um estudo semelhante foi realizado por Hale e Keyser (1993). Para estes autores, a Sintaxe é
projetada a partir do léxico e a representação apropriada da estrutura argumental de predicados é em
si a própria Sintaxe. Eles assumem as categorias lexicais tradicionais: V, N, A e P e afirmam que
estas categorias esgotam as grandes categorias lexicais. Assim, as projeções categoriais de N são N’
e SN; de P são P’ e PP; e assim por diante. Para os autores, a projeção categorial máxima é um nó
que não projeta outro nó acima. Sintagma Determinativo (SD), isto é, Determiner Phrase (DP) não é
uma projeção da categoria N, nem o ST é uma projeção máxima da categoria SV, e assim por diante,
Hale & Keyser (2002).
Hale e Keyser (1993, 2002) propõem que os verbos, através da hipótese de SV cindido, têm
uma estrutura argumental complexa, pois cada núcleo lexical projecta sua categoria para um nível
sintagmático acima e cada núcleo lexical tem uma projecção máxima e nela se determina relações
estruturais entre o núcleo, suas projeções categoriais e seus argumentos (especificador e
complementos). Portanto, as categorias V, P, N e A projetam níveis de projeções máximas XPs.
Veja-se os casos do núcleo V° abaixo:

29
Hale e Keyser (1993) afirmam, igualmente, que estas estruturas são complexas, visto que têm
dois SVs, um mais baixo que tem como núcleo um verbo lexical V° e o outro superior cujo núcleo é
um verbo leve v°, de natureza causativa ou aplicativa.

5.

Para Hale e Keyser (1993), o verbo leve, em suas diversas manifestações, é o núcleo do
verbo complexo. Os predicados são, na verdade, constituídos por projecções maiores: uma projecção
mais baixa tendo como núcleo um verbo lexical e outra tendo como núcleo um verbo leve de
natureza causativa ou aplicativa.
Para os autores, outra complexidade destas estruturas está relacionada com o facto de um
núcleo poder se incorporar a outro formando um composto que se pode incorporar noutro núcleo, e
assim sucessivamente. Esta operação sintática chama-se conflação (conflation) realização fonológica
de verbos leves em construções com verbos denominais. Para Hale e Keyser (2002), conflação
desempenha um papel central na derivação lexical dos itens. O termo conflação é usado para se

30
referir à fusão de núcleos sintáticos na qual a matriz fonológica do núcleo de um complemento (um
N, por exemplo) é inserido na posição de núcleo, vazio ou afixal, que o governa, dando origem a
uma única palavra (um verbo denominal, quando o núcleo que entrou no processo de conflação é um
N; um verbo deadjetival, quando o núcleo é um A; e assim por diante).
Segundo Silva (2009), o verbo leve pode realizar-se de várias maneiras: fonologicamente na
morfologia (Chichewa e o Ka’apor) ou pode não vir realizado fonologicamente, como é o caso das
causativas sintéticas do PB. Igualmente, segundo Lopes (2007), citado pela autora, o núcleo v° pode
realizar-se de várias maneiras, a saber:

(i) sem realização fonológica;


(ii) por meio de afixos;
(iii) sintaticamente, por meio de um verbo auxiliar, o qual pode constituir uma unidade ou não com o
verbo lexical.
Esta proposta teórica irá ajudar-nos a projectar as operações sintáticas espelhadas pela co-
ocorrência dos morfemas causativo e apliactivo e, consequentemente, explicar (a)gramaticalidade de
estruturas como as seguintes:

6.*mayi w-a-dy-er-es-a madosi mwana.


Mãe 3SG-IPASS-comeu-Appl-CausVF doces criança
7.*Lula w-a-gw-es-er-a bzakudya na mpsiyelo.
Lula 3SG-IPASS-caiu-Caus-Appl-VF comida com vassoura
8. *Lula w-a-gw-es-er-a mpsiyelo bzakudya
Lula 3SG-IPASS-caiu-Caus-Appl-VF comida com vassoura

A descrição e a análise destes dados irá ajudar-nos a responder a seguinte pergunta: até que
ponto o PE responde à descrição das implicações sintácticas da co-ocorrência da extensão causativa
e aplicativa nesta língua?

31
3.3 Sumário do capítulo
Este capítulo centrou-se na apresentação do quadro teórico que será usado para a análise de
dados. Começámos, primeiro, por apresentar o Princípio de Espelho tal como foi proposto por Baker
(1988) e, em seguida, a proposta de SV complexo de Larson (1988) e reafirmada por Hale e Keyser
(1993).

No capítulo que se segue descreveremos e analisaremos de forma separada as extensões


causativa e aplicativa em Nyungwe.

32
CAPÍTULO IV: AS EXTENSÕES CAUSATIVA E APLICATIVA EM NYUNGWE

4.0 Introdução
Nas línguas bantu, as extensões verbais têm sido estudadas há mais de cem anos (BAKER
1988a; GUTHRIE 1967-71; HARLEY s/d; HOFFMAN 1991; KATUPHA 1991;
KATUSHEMERERWE 2013; LAM 2007; LANGA 2007; LODHI 2002; MEEUSSEN 1967;
MEINHOF 1899; MCHOMBO 1993; MATSINHE 1994; NGONYANI 1995, 1998; NGUNGA
2000, 2004; RIEDEL 2009; SIMANGO 1998; SITOE 2009; STEGEN 2002; WA WERU 2011; só
para citar alguns). Tal como se pode ver, o primeiro estudo sobre as extensões verbais surge em
Meinhof (1899). Daí que, muitos estudos teórico-descritivos já foram escritos sobre cada uma das
extensões ou sobre a sua co-ocorrência em diferentes línguas bantu. Alguns desses estudos referem-
se a línguas particulares, e outros são de carácter tipológico-comparativos (MATAMBIROFA 2003;
CHABATA 2007).
No presente capítulo pretendemos mostrar as diferentes estratégias de causativização e
aplicativização em Nyungwe e as suas implicações sintácticas. No capítulo seguinte, mostraremos o
mapeamento sintáctico espelhado pela co-ocorrência destas duas extensões. Portanto, não nos
interessaremos, neste capítulo, em analisar exaustivamente as diferenças entre as diferentes
estratégias de causativização ou os diferentes papéis temáticos do objecto aplicado. Acreditamos que
a descrição que faremos neste capítulo ajudará a conhecer os estudos que já vêm sendo realizados ao
longo dos anos e a explicar a abordagem que escolhemos. E, a responder as seguintes questões: quais
são as propriedades morfológicas dos verbos em que as extensões causativa e aplicativa podem
ocorrer?
Depois desta breve introdução, abrimos um subcapítulo para descrevermos as causativas e as
aplicativas em Nyungwe. Assim, começaremos por, em relação à causativa, definir a causativazação
e em seguida apresentaremos as estratégias de causativização na língua Nyungwe. A mesma
estratégia será igualmente usada em relação a aplicativa.

33
4.1 Construções Causativas nas línguas bantu
Schadeberg (2003), baseando-se em estudos realizados em várias línguas bantu, reconstituiu
onze extensões verbais do Proto-Bantu (PB) que, na sua óptica ocorrem em todas as línguas e têm a
mesma estrutura canónica -VC-. Entre as extensões reconstituídas, consta a causativa *-i-/-ici-. O
autor, citando Bastin (1986), afirma que as extensões causativas *-i-/-il- foram reconstituídas através
de uma distribuição complementar, sendo que *-i- ocorre depois de uma consoante (C) e *-icil-
depois de uma vogal (V). Elas podem ser usadas nos verbos transitivos e intransitivos de estrutura -
CV- ou -CVC- para introduzir um novo argumento que tem como função sintática indicar o sujeito e
semanticamente indicar o agente causador.
Nesta mesma linha de investigação, Bybee (1985), baseando-se na amostra de 50 línguas e
Waweru (2011) afirmam que o morfema causativo pertence a uma categoria de morfemas
derivacionais de mudança de valência muito comum nas línguas bantu. Parece ser por isso que Good
(2005) afirma que a causativização, nas línguas bantu, é semanticamente semelhante, pois ela
transmite o significado de causalidade e acrescenta um novo argumento (agente causador).
Vários estudiosos que se interessam no estudo das extensões verbais nas línguas bantu convergem na
definição sobre o que são as construções causativas ou morfemas causativos.
Assim, para Payne (1997), as construções causativas são instâncias linguísticas de noção
conceptual de causalidade, enquanto Lodhi (2002) define a extensão causativa como sendo a que dá
a ideia de causar fazer ou causar estar. Portanto, o morfema causativo é uma expressão linguística
que contém na sua estrutura semântica ou lógica um predicado de causa, um argumento de um
predicado que expressa um efeito. Esta definição é partilhada por Pylkkanen (2002) para quem as
construções causativas são bi-eventivas, isto é, aquelas em que o verbo causativo introduz um
argumento do evento causador implícito no SV que descreve o evento causado. Provavelmente, é
igualmente este pensamento que está subjacente à afirmação de Payne (1997), para quem os
argumentos centrais das construções causativas são: o causado (causee) e o causador, onde o
causado é o agente do evento e o causador agente do predicado de causa.
Waweru (2011) afirma que o morfema causativo transmite o significado de causalidade e acrescenta
um novo argumento (agente causador) para o padrão de valência.
Good (2005) defende que este processo tipicamente dá aos verbos a semântica causadora. O
morfema causativo pode incluir, entre outras coisas, a adição de um argumento sujeito causador à
estrutura argumental do verbo.

34
Tendo em conta as definições acima, nota-se uma convergência nas ideias dos autores sobre
as causativas. Mais precisamente, nota-se que, todos os autores reconhecem que as construções
causativas têm a semântica de causativização e alteram o padrão de valência do verbo.
Ademais, Good (2005), a partir de exemplos em Nkore e Nyoro, afirma que algumas línguas
bantu distinguem formalmente a causativazação direta da indireta. Na causativização directa o
causador da acção também é o agente dessa mesma acção (e, portanto, nenhum novo argumento
causador é introduzido). Em contrapartida, a causativização indirecta é marcada através do sufixo
causal que transmite a semântica de construções causativas em que o causador da acção não é
necessariamente o agente dessa acção.
Após desta breve abordagem sobre as definições existentes de construções causativas, na
próxima secção, temos por objectivo apresentar como se realizam as extensões causativas em
Nyungwe.

4.1.1 Causativas em Nyungwe


Segundo Cò (2012), nas construções causativas, há duas fases: a fase causadora e a fase
causada. Na literatura, considera-se igualmente que há, pelo menos, três tipos de causativas: a
morfológica, a sintética e a analítica. Segundo a autora, a construção causativa morfológica é aquela
em que o evento de causação é obtido por meio de um processo morfológico, ou seja, por meio de
um morfema causativo.
A construção causativa sintética é aquela em que a noção de causativização, nas orações, está
codificada no verbo, indicando as fases causadora e causada.
Finalmente, a autora afirma que, nas construções causativas analíticas há um verbo causativo que
codifica o evento de causação e um verbo lexical que codifica o evento causado.
Esta distinção entre as construções causativas pode igualmente ser encontrada em Payne
(1997), para quem as causativas podem ser: lexical, morfológica e perifrástica.
Nas construções causativas lexicais, a noção de “causa” está contida no significado lexical do
próprio verbo. Portanto, ela não é expressa por um afixo adicional. A morfológica é aquela em que o
evento de causação é obtido por meio de um morfema causativo e as causativas perifrásticas são
aquelas em que a causativização é expressa por meio de um verbo causal separado.
Nesta secção, o nosso objectivo é mostrar as construções causativas em Nyungwe tendo em
conta a distinção acima apresentada. A descrição a ser feita obedecerá a seguinte sequência: primeiro

35
apresentaremos as construções causativas lexicais, em seguida as morfológicas e no fim as
perifrásticas ou analíticas.

4.1.1.1 Causativas Lexicais em Nyungwe


As causativas lexicais assemelham-se às outras causativas nos seguintes termos: (i)
apresentam duas fases ou eventos, sendo uma a causada (efeito) e outra (causa) a fase causadora; (ii)
a fase causada depende da fase causadora (causa); e (iii) não trazem um verbo causativo mandar,
fazer e provocar realizado na sintaxe, mas, ao contrário, esta acepção vem realizada abstratamente
sem realização do sufixo causativo (-is-). Nelas, a noção de ‘causa’ está inserida no significado
lexical do próprio verbo, portanto, a expressão de causa não é realizada por meios morfológicos
(afixos), mas sim por propriedades lexicais, (WAWERU 2011; SILVA 2009), como ilustram os
seguintes exemplos de Nyungwe, adaptados de construções similares em Inglês e em Gĩkũyũ,
Waweru (2011:74):

9.a) poto la-booka


panela 5p-furou
‘a panela furou’
b) Siriza w-a-bool-a poto (Siriza w-a-cit-a kuti poto li-booke)
Siriza 3SG-IPAS-furar-VF Siriza 3SG-IPAS-fez-VF que panela 5p-furou
‘Siriza furou a panela’ ‘(Siriza fez com que a panela se furasse)’
10.a) mwana w-a-pwetek-a
criança 1P-IPAS-aleijar-VF
‘a criança está aleijada’
b) Amojhi w-a-pwetek-a mwana. (Amojhi w-a-cit-a kuti mwana a-pwetekeke)
Amojhi 2P-IPAS-aleijar-VF criança Amojhi 3SG -IPAS-fez-VF que criança 3SG-aleijar
‘Amós aleijou a criança’. ‘(Amós fez com que a criança se aleijasse)’
11.a) nguwo y-a-ng’ambek-a.
capulana 9SG-IPAS-rasgar-VF
‘a capulana está rasgada’
b) n’kazi w-a-ng’amb-a nguwo (mwana w-a-cita kuti nguwo yi-ng’ambeke)
mulher 1P-IPAS-rasgar-VF capulana criança 3SG-IPAS-fez-VF que capulana 9SG-rasgar
‘a mulher rasgou a capulana’ ‘(a crianca fez com que a capulana se rasgasse)’

Como se pode ver a partir dos exemplos acima, a noção da causativização está codificada no
léxico, ou seja, nos verbos. Assim, na semântica dos verbos das frases (9b) -boola, (10b) -pweteka e
(11b) -ng’amba, mesmo sem o morfema causativo, é possível recuperar a semântica de causativização.
Nas frases acima, a fase causada (efeito) está em (9a), (10a) e (11a) e esta fase está dependente da
fase causadora (causa) codificada em (9b), (10b) e (11b).

36
Depois de termos apresentado as causativas lexicais em Nyungwe, na próxima secção temos
por objectivo apresentar as propriedades morfossintáticas das causativas morfológicas.

4.1.1.2 Causativas Morfológicas em Nyungwe


A construção causativa morfológica é aquela em que o evento de causação é obtido por meio de
um processo morfológico, ou seja, por meio do sufixo causativo (-is-). Logo, existe, na língua, um
morfema causativo que é afixado à raíz verbal, produzindo desta forma, uma construção causal
derivada Waweru (2011). Vejamos os exemplos abaixo:

12.a) baba w-a- gon-es-a mwana. mwana w-a-gon-a


Pai 3SG-PAS-dormir-CAUS-VF criança criança 3SG-PAS-dormir-VF
‘o pai fez dormir a criança’ ‘a criança dormiu’
b) yavu w-a-gwat-is-a maluva. maluwa y-a-gwat-iw-a
avô 3SG-PAS-cortar-CAUS-VF flores flores 6P-IPAS-cortar-PAS-VF
‘avô fez cortar as flores’ ‘as flores foram cortadas’
c) mpfundzisi w-a-thamang-is-a apfundzi. apfundzi a-thamang-a
Professor 3SG-PAS-dormir-CAUS-VF alunos alunos 2P-correr-VF
‘o professor fez correr os estudantes’ ‘os alunos correram’
d) baba a-li-ku-manik-is-a mayi bzakubvala. mayi w-a-manik-a bzakubvala
pai 3SG-IPRES-estender-CAUS-VF mãe roupa mãe 3SG-IPAS- estender-VF roupa
‘a pai está a fazer a mãe estender as roupas’ ‘a mãe estendeu as roupas’
e) ine nd-a-dy-es-a mwana. mwana w-a-dy-a
eu 1SG-PAS-comer-CAUS-VF criança criança 3SG-PAS-comer-VF
‘eu fiz a criança comer ’ ‘a criança comeu’
f) mbwaya y-a-ph-es-a mbudu. mbudu y-a-ph-iw-a
cão 9P-IPAS- matar-CAUS-VF mosquito mosquito 9P-IPAS- matar-PASS-VF
‘o cão fez matar o mosquito’ ‘o mosquito foi morto’

Como se pode ver nos exemplos acima, em termos de significado, a adição da extensão
causativa a um verbo sugere a ideia de causar ou fazer alguém fazer alguma coisa.
Partindo igualmente dos exemplos acima, três conclusões podem ser tiradas. A primeira é de que
o morfema causativo pode ocorrer tanto em verbos transitivos como em intransitivos. A segunda é
de que estes morfemas podem ocorrer em radicais de todo tipo (-C-; -CVC- e -CVCVC-) e a terceira,
a última, é de que em casos de exemplos como c) e d) o argumento apfundzisi e mayi é revestido de
agentividade, coparticipando na acção empreendida pelo causador.
Sintacticamente, a adição do morfema causativo ao radical muda a estrutura argumental do
verbo, acrescentando o número de participantes necessários na frase, ou seja, a estrutura argumental
do verbo não-causal altera através da adição de um novo argumento, que assume a função gramatical

37
de causador e também de sujeito da frase. Logo, o agente da frase não-causativizada, isto é, o sujeito,
torna-se objecto na estrutura causativizada.
Feita a descrição das causativas morfológicas, na próxima secção o objetivo é descrever as
causativas analíticas ou perifrásticas.

4.1.1.3 Causativas Analíticas em Nyungwe


As causativas analíticas ou perifrásticas são aquelas em que a causativização é expressa por
meio de um verbo causal separado. Nelas, há predicados separados expressando a noção de causa e de
efeito. Por conseguinte, em construções deste tipo, a causalidade é expressa pelo uso de dois
predicados, em que um é um verbo causativo que codifica o evento da causação e outro é um verbo
lexical que codifica o evento causado (CÒ 2012; SILVA 2009). Vejam-se os exemplos que se
seguem:

evento efeito do evento


13.a) baba w-a-cit-a kuti mwana agone
pai 3SG-PAS-fazer- VF que criança dormisse
‘o pai fez com que a criança dormisse’
evento efeito do evento
b) yavu w-a-cit-a kuti maluva magwatiwe
avô 3SG-PAS-fazer- VF que flores fossem cortadas
‘o avô fez com que as flores fossem cortadas’
evento efeito do evento
c) mpfundzisi w-a-cit-a kuti apfundzisi athamange
Professor 3SG-IPAS-fazer- VF que alunos corressem
‘o professor fez com que os alunos correrem’
evento efeito do evento
d) baba a-li-ku-cit-a kuti mayi ayanike bzakubvala
o pai 3SG-IPRES-MD-fazer- VF que a mãe estenda a roupa
‘a pai está a fazer com que a mãe estenda as roupas’
evento efeito do evento
e) ine nd-a-cit-a kuti mwana adye
eu 1SG-IPAS-fazer- VF que criança comesse
‘eu fiz com que a criança comesse’
evento efeito do evento
f) mbwaya y-a-cit-a kuti mbundu yife
cão 9C-PAS- matar- VF que mosquito morresse
‘o cão fez com que o mosquito fosse morto’

38
Tal como se pode ver nos exemplos acima, as estruturas causativas envolvem duas fases: a
fase causadora, que é expressa sintaticamente por meio do verbo fazer (-cit-), e a fase causada,
codificada por meio dos verbos lexicais: dormir (-gon-), cortar (-gwat-), correr (-thamang-), comer (-
dy-) e morrer (-f-). Note que, neste tipo de causativa, não é necessária a ocorrência do morfema
causativo (-es-). Assim sendo, verifica-se que, de (13a até f), os dois verbos vêm realizados
separadamente, de modo a expressar a causa e o efeito. Nestes exemplos, o predicado -cit- corresponde à
fase causadora, isto é, a causa, enquanto -gon-, -gwat-, correr -thamang-, comer -dy- e -f- corresponde
ao efeito. Portanto, o evento da causação está contido no primeiro predicado enquanto o evento
causado vem codificado pelo segundo predicado.
Em suma, tendo em conta a descrição apresentada até aqui pode-se afirmar que Nyungwe usa
três estratégias de causativização. Todavia, nota-se que as causativas morfológica e a perifrástica são
as mais produtivas nesta língua. Na morfológica, o morfema causativo é -is-, mas também pode ser
realizado como -es-, dependendo da qualidade da última vogal do radical. Esta variação é
determinada pelo princípio de harmonia vocálica. Sobre este princípio Ngunga (2004:179) diz que
“em muitas línguas, os morfemas de extensão cujas vogais não são centrais realizam-se através de
dois alomorfes um dos quais com a vogal alta e o outro com a vogal média correspondente.”
Por sua vez, a causativização perifrástica é expressa por meio de um verbo causal separado.
Nela, há predicados separados expressando a noção de causa e de efeito.

4.1.1.4 Causativização a partir de Verbos Inacusativos


Depois de termos visto, na secção anterior, a análise das causativas de transitivos em
Nyungwe, nesta secção, discutiremos na secção que se segue passamos a falar da causativização a
partir de verbos inacusativos e inergativos.
Acompanhando o essencial da proposta de Perlmutter (1978), citado por Silva (2009),
assumiremos que há distinção entre verbos intransitivos inacusativos e inergativos. Esta análise se
ancora teoricamente no facto de cada uma destas classes de verbos estarem associados a
propriedades semânticas e sintácticas específicas. Segundo Chierici (2008), estes verbos requererem
apenas um argumento que, sintaticamente, ocupa a posição superficial de sujeito da oração. Em
conformidade com a hierarquia temática, os argumentos com papel theta de agente são gerados na
posição de argumento externo de SV, enquanto os argumentos com papel theta de afetado/paciente

39
ocupam a posição de argumento interno de SV. Silva (2009) afirma igualmente que os verbos
inacusativos apresentam outra propriedade sintáctica: não atribuem caso abstrato acusativo ao seu
argumento interno. Por esta razão, eles são denominados de inacusativos, justamente porque não são
capazes de atribuir caso acusativo ao argumento interno que seleccionam. Por conseguinte, o seu o
argumento interno que é gerado na posição de objeto deve ser movido para a posição de sujeito da
oração, mais precisamente para Spec de IP, a fim de receber caso estrutural. Portanto, os verbos
inacusativos são aqueles que não possuem sujeito e seleccionam um argumento com a propriedade
semântica de afectado (AMARAL 2009; CÒ 2012). Os exemplos desse tipo de verbo em Nyungwe
são:

14. kugaka ‘arder’


kuwawa ‘doer’
kufa ‘morrer’
kugwa ‘cair’
kubonera ‘sofrer’
kutsogola ‘adiantar’
kuyetima ‘brilhar’
kucoka ‘sair’

Destes exemplos, escolhemos o verbo kufika e kugwa para mostrar que verbos deste tipo, em
Nyungwe, só podem ocorrer em dois tipos de construções causativas: morfológicas e analíticas.
Como vimos, na construção de causativas morfológicas a língua usa o morfema -is-, conforme os
exemplos abaixo:

Causativização morfológica
Verbo kufika
15.a) Ceza w-a-boner-es-a mwana.
Ceza 3SG-IPAS-sofrer-CAUS-VF mwana
‘Ceza fez a criança chegar’
Verbo kugwa
b) mphaka y-a-gw-is-a poto.
gato 9P-IPAS-cair-CAUS-VF panela
‘o gato fez a panela cair’

40
Ao contrário das causativas morfológicas, arroladas acima, nota-se que nas causativas
analíticas não precisam ocorrer nenhum morfema causativo. Nelas, a causativização é expressa por
meio de um verbo causal que figura separado do verbo intransitivo. Vejamos os exemplos abaixo:

Causativização analítica
16.a) Ceza w-a-cit-a kuti mwana a-boner-e.
Ceza 3SG-IPAS-fazer-VF que criança 1P-IPAS-sofrer-VF
‘Ceza fez com que a criança chegasse’
b) mphaka y-a-cit-a kuti poto li-gw-e.
gato 9P-IPAS-fazer-VF que panela 5P-caiu-VF
‘o gato fez com que a panela caísse’

Propomos a seguinte representação da estrutura argumental de causativas deste tipo:

41
4.1.1.5 Causativização a partir de Verbos Inergativos
Acompanhando o essencial do que se propõe na literatura gerativa, assumiremos que os
verbos inergativos diferem dos inacusativos por seleccionarem um argumento com papel temático de
agente. “Diferentemente dos verbos inacusativos, os verbos inergativos são aqueles ditos
intransitivos que selecionam um argumento com papel temático de [Desencadeador]” Silva
(2009:87). Assim, estes verbos denotam atividades que dependem da vontade do agente Chierici
(2008) e possuem um só argumento com papel temático típico de sujeito, Ciríaco e Cançado (2004).
São exemplos de verbos deste tipo em Nyungwe os seguintes:

17. kumoga ‘saltar’


kubzina ‘dançar’
kubomba ‘mugir’
kumedza ‘pescar’

De maneira semelhante aos inacusativos, a causativização a partir de inergativos pode ser


morfológica ou analítica, e a semelhança do que aconteceu na causativização com os verbos
inacusativos, nesta secção, voltamos a escolher, para efeitos de exemplificação dois verbos (kumoga
e kubzina) conforme mostram os exemplos a seguir:

Causativização morfológica
Verbo kumoga
18.a) baba w-a-mog-es-a culo.
pai 3SG-IPAS-saltar-CAUS-VF sapo
‘o pai fez o sapo saltar’
Verbo kubzina
b) ntsikana w-a-bzin-is-a mwana.
menina 3SG-IPAS-dançar-CAUS-VF criança
‘a menina fez a criança nadar’

Vejamos a seguir os exemplos de causativas analíticas:

Verbo kumoga
19.a) baba w-a-cit-a kuti bzulo bzi-mog-e.
pai 3SG-IPAS-fazer-VF que sapos 8P-satarem-CAUS-VF
‘o pai fez com que o sapo saltasse’

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Verbo kubzina
b) ntsikana w-a-cit-a kuti mwana a-bzin-e.
menina 3SG-IPAS-fez-VF que criança 2P-caiu-VF
‘a menina fez com que a panela caisse’

Para a representação da estrutura argumental de construções causativas como esta apresentamos a


seguinte estrutura:

Depois de, nesta secção, termos feito a descrição das construções causativas em Nyungwe, a
próxima secção tem por objetivo apresentar uma descrição da distribuição morfossintática da
extensão aplicativa em verbos intransitivos e transitivos.

43
4.2 A Extensão Aplicativa
O termo “aplicativo” surgiu no século XVII, quando missionários que descreviam a
gramática das línguas Uto-Asteca (Uto-Aztecan) designaram como “verbos aplicados” as formas
verbais que indicavam que a acção do verbo realiza-se em benefício de outra pessoa, Waweru
(2011), citando Carochi (1983). Em estudos posteriores, os termos “aplicativo” ou “aplicado” foram
utilizados no estudo de línguas bantu para se referir a uma flexão verbal especial que acrescenta um
objeto extra, consequentemente alterando a estrutura argumental de um determinado verbo Marantz
(1993).
Em suma, no âmbito da literatura bantu, o termo aplicativo refere-se a construções em que
um objeto aplicado é acrescentado à grade temática de um predicado, ou seja, é um termo que
geralmente é usado para designar construções frásicas em que a presença de um morfema aplicado
no verbo está directamente correlacionada com a presença de um argumento extra na frase, Hoffman
(1991). A esse novo argumento, Payne (1997) chama de objeto aplicado. Assim, Shibatani (1996),
definindo os morfemas aplicativos afirma que estes são afixos verbais que aumentam a valência do
verbo e Chabata (2007) define o sufixo aplicativo como sendo aquele que indica que a acção descrita
pelo verbo aplicado é para o benefício de uma outra pessoa. Igualmente, Dembetembe (1987), citado
pelo autor, diz que o aplicativo também significa que a acção do verbo é dirigida ou aplicada, em
nome de, por, em detrimento de ou com relação a pessoa, coisa ou lugar, ou ainda que a ação é
definitiva ou é executada aos poucos.
Como se pode depreender a partir da frase introdutória, os estudos sobre aplicativização em
bantu começaram depois o século XVII. Deste período até hoje vários estudos foram realizados.
Destes estudos consta: Baker (1988); Good (2005); Hoffman (1991); Ngonyani (1995); Ngonyani
(1998); Simango (1998).
Contudo, dos vários estudos realizados até hoje, trazemos o de Schadeberg (2003) que,
baseando-se em estudos realizados em várias línguas bantu, reconstituiu onze extensões verbais. Das
extensões reconstituídas consta a dativa ou aplicativa *-il, mas que Good (2005) refere que a forma
aplicativa reconstruída é *-id- que normalmente assume a forma -il- ou -ir-.
Hoffman (1991) diz que há diferentes tipos de aplicativos: beneficiário, locativos e
instrumento, sendo este último, para o autor, mais comum. Este pensamento é partilhado por
Schadeberg (2003), para quem os verbos dativos são transitivos e o seu objecto preenche os papéis
semânticos de (i) beneficiário, (ii) lugar e, por extensão, tempo, causa e razão e (iii) instrumento.

44
Para o autor, ao contrário do referido por Hoffman (1991), neste tipo de construção, o papel temático
de beneficiário é o mais produtivo.
Nós, partilhando a ideia de Good (2005), acreditamos que as propriedades sintáticas dos
objetos aplicados podem variar muito de língua para língua ou de papel semântico para papel
semântico, mas mesmo havendo esta variação, uma das características mais comuns das construções
aplicadas em bantu é o número de papéis semânticos que os objetos aplicados podem ter.
Provavelmente é partindo deste pressuposto que Waweru (2011) diferindo-se de Damonte
(s/d), Ngonyani (1998) e de Schadeberg (2003), afirma que há dez papéis temáticos: agente,
paciente, tema, experienciador, benefactivo ou beneficiário, objectivo, origem (source), locativo,
instrumento e motivo. Mais quatro na lista de Schadeberg (2003) e mais dois na lista de Ngonyani
(1998). Outra diferença reside no facto de Ngonyani (1998) referir que só a função de agente não
pode ser licenciada pelo sufixo aplicativo.
Para Ngonyani (1998), o papel temático de beneficiário indica que a entidade expressa pelo
verbo aplicado beneficia-se da acção expressa por ele. Todavia, quando a entidade não se beneficia
dessa acção passa a ser chamada de maleficiário. Já o papel temático de instrumento refere-se ao
objeto com a qual uma ação é executada. Objetivo refere-se à entidade para a qual a atividade
expressa pelo predicado é dirigida. Por fim, o locativo refere-se ao lugar onde a acção descrita
ocorre. Por último, o motivo dá a razão para a acção descrita decorrer.
Em muitas línguas bantu o morfema usado para a construção de frases aplicadas é -i/-ir ou -
il-, a sua realização morfofonológica dependerá dos contextos fonéticos em que figuram, (JEONG
2006; WAWERU 2011). Os verbos aplicados podem ser derivados de qualquer outro verbo. Porém,
quando o verbo não aplicado é transitivo, o objeto deste normalmente perde suas propriedades de
objecto na construção dativa, pois quando o morfema aplicativo ocorre nestes radicais este pode
supertransitivizá-lo e produzir construções de duplo objecto, mas se o radical verbal for intransitivo,
o morfema aplicativo torna-o transitivo, Ngonyani (1998).
Na próxima secção, apresentamos os dados relevantes, de modo a fornecer uma descrição
dos tipos de construções aplicativas que são possíveis em Nyungwe.

45
4.2.1 A extensão aplicativa em Nyungwe
Após termos definido e caracterizado a extensão aplicativa, interessa-nos a seguir descrever
os tipos de construções aplicativas em Nyungwe. Esta descrição terá em conta a tipologia de verbos
em que a extensão aplicativa pode ocorrer e os papéis temáticos licenciados pelo objecto aplicado.

4.2.1.1 A extensão aplicativa em verbos transitivos e intransitivos em Nyungwe


Como vimos, a aplicativização em bantu é geralmente marcada pelo sufixo aplicativo
reconstruído como *-id- (Good 2005) ou *-il- (SCHADEBERG 2003) e realiza-se como -il- ou -ir-.
Nos exemplos que se seguem, mostramos a ocorrência do morfema aplicativo em verbos
intransitivos e transitivos da língua Nyungwe:

20.a) kudya kudyera


-dy-a -dy-er-a
comer-VF comer-Apl-VF
rad- VF rad- ext-VF
‘comer’ ‘comer em detrimento de alguém’
b) kuba kubera
-b-a -b-er-a
roubar-VF -roubar-Apl-VF
rad-VF rad-ext-VF
‘roubar’ ‘roubar por alguém, fez algo as escondidas por alguém’
c) kutenga kutengera
-teng- a -teng-er-a
levar-VF levar-Apl-VF
rad-VF radical-ext-VF
‘levar’ ‘levar por alguém algo’
d) kuphika kuphikira
-phik-a -phik-er-a
cozinhar-VF cozinhar-Apl-VF
rad-VF radical-ext-VF
‘cozinhar’ ‘cozinhar por alguém’
e) kusanganiza kusanganizira
-sanganiz-a -sanganiz-ir-a
misturar-VF misturar-Apl-VF
rad-VF rad-ext-VF
‘misturar’ ‘misturar por alguém’

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f) kupingiza kupingizira
-pingiz-a -pingiz-ir-a
embaraçar-VF embaraçar-Apl-VF
rad-VF rad-ext-VF
‘embaraçar’ ‘embaraçar por alguém’

Os exemplos acima mostram que a extensão aplicativa em Nyungwe é realizada através do


morfema -ir-. No entanto, à luz do que acontece com a extensão causativa, o morfema aplicativo
também pode ser realizado como -ir-, dependendo da qualidade da vogal imediatamente anterior a
ela. Portanto, o princípio de harmonia vocálica também é aplicável nas construções aplicativas.
Os exemplos mostram portanto que o morfema aplicativo, tal como se tem feito menção na
literatura sobre as extensões verbais, em geral, e sobre a extensão aplicativa, em particular, o
morfema aplicativo altera a valência do verbo e indica que a acção descrita por este é realizada em
nome de alguém (20f), em benefício de alguém (20b-e), em detrimento de alguém (20a). Partindo
dos exemplos acima, pode-se depreender, por um lado, que o morfema aplicativo pode ocorrer em
radicais do tipo -C-, (20a, b); do tipo -CVC- (19c-f) e do tipo -CVCVCVC- (19e) e, por outro lado,
que estes morfemas podem ocorrer em radicais transitivos (-b-, -teng- e -sanganiz-) tornando-os bi-
transitivos, e os radicais intransitivos (-dy-, -phik- e -pingiz-) transformando-os em transitivos.
Perante esta constatação, pode-se afirmar que o morfema aplicativo em Nyungwe é muito produtivo,
pois pode ocorrer em quase todos os radicais, independentemente das suas características.

4.2.1.2 Papéis temáticos do objecto aplicado em Nyungwe


Na literatura sobre as extensões verbais, afirma-se que objecto aplicado pode ocorrer com
uma variedade de papéis temáticos (DAMONTE s/d; GOOD 2005; NGONYANI 1998 e
SCHADEBERG 2003). Por esta razão, nesta secção, o objetivo é mostrar os papéis temáticos
licenciados pelo objecto aplicativo em Nyungwe. Seguindo Damonte (s/d), Ngonyani (1998),
Schadeberg (2003) e Waweru (2011) descreveremos os seguintes papéis temáticos que ocorrem em
Nyungwe: agente, paciente, tema, experienciador, benefactivo ou beneficiário, maleficiário,
objectivo, locativo e instrumento.

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21.a) mayi w-a-phik-a.
mãe 2-PAS-cozinhar-VF
‘mãe cozinhou’
b) mayi a-da-phik-ir-a. tentse ntsima (beneficiário)
mãe 1-PAS-cozinhar-APL-VF todos xima
‘mãe cozinhou xima para todos’
22.a) n’kazi w-a-thamang-a.
mulher 2-PAS-correr-VF
‘a mulher correu’
b) n’kazi w-a-thamang-ir-a. wana wace. (objectivo)
mulher 3SG-PAS-correr-APL-VF 2-filhos 2-dela
‘a mulher correu para os seu filhos ’
23.a) Iye w-a-dy-a masawu.
ele 2-PAS-comer-VF massanica
‘ele comeu massanica’
b) Iye w-a-dy-er-a wana ma-sawu. (malefactivo)
ele 1-PAS-comer-APL crianças 6-massanica
‘ele comeu massanica das crianças.’
24.a) Iye w-a-sanganiz-a mahewu
ele 1-PAS -misturar-VF maheu
‘ele/a misturou com colher de pau o maheu’
b) Iye w-a-sanganiz-ir-a na ntikho mahewu. (instrumental)
ele 1-PAS -misturar-APL-VF com colher de pão mahewu
‘ele/a misturou com colher de pau o maheu’
25.a) Cinayi w-a-b-a
Cinayi 1-PAS -roubar-VF
‘Cinayi roubou’
b) Cinayi w-a-b-er-a Tayikwana ma-livu. (paciente)
Cinayi 1-PAS -roubar-APL-VF Tayikwana 6-livros
‘Cinayi roubou da Tayikwana livros’//‘Cinayi roubou livros da Tayikwana’
26.a) mamuna w-a-pingiz-a.
homem 1-PAS -embaraçar-VF
‘o homem embaraçou’
b) mamuna w-a-pingiz-ir-a Maria. (experenciador)
homem 1-PAS -embaraçar-APL-VF Maria
‘o homem embaraçou a Maria’
27.a) mayi w-a-phik-a.
mãe I-PAS-cozinhar-VF
‘a mãe cozinhou’
b) mayi w-a-phik-ir-a n’nyumba. (locativo)
mãe I-PAS-cozinhar-APL 18-casa
‘a mãe cozinhou dentro de casa’
28.a) banja l-a-lewalew-a.
família 5-PAS-discutir-VF
‘a família discutiu os problemas’’
b) banja l-a-lewalew-er-a mi-landu. (tema)
família 5-PAS-discutir-APL-VF 3-problemas
‘a família discutiu os problemas’

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Em (21a), no verbo -phik- ‘cozinhar’, embora não ocorra o morfema aplicativo, o predicado é
transitivo. Em contraste, no exemplo (21b), quando o morfema aplicativo é afixado o verbo -phikir-,
torna-se bitransitivo licenciando um SD (tentse) com o papel temático de beneficiário. O SD
selecionado pelo verbo beneficia-se da acção descrita por este.
Também em (22a), o verbo -thamang- ‘correr’ é intransitivo, mas a afixação do morfema aplicativo
(22b) -thamanger- torna-o transitivo e acrescenta à estrutura argumental do verbo um argumento
com o papel temático objectivo.
Em (23a), -dy- ‘comer’ é um verbo transitivo que selecciona um SN, mas em (23b) o verbo -
dyer- ‘comer em detrimento de’ selecciona mais um argumento com o papel semântico de
maleficiário porque sofre a acção descrita pelo verbo. Neste caso, o morfema aplicativo tornou um
verbo transitivo em bitransitivo.
O verbo -sanganiz- ‘misturar’ (24a), sem morfema aplicativo, selecciona um argumento com
o papel temático de tema, mas, quando se lhe afixa o morfema aplicativo, ocorre um novo
argumento com o papel temático de instrumento que é introduzido na estrutura argumental deste
verbo. Em (25a, b), estamos perante uma situação em que o primeiro verbo -b-, intransitivo, depois
de aplicativizado -ber- ‘roubar a’ passou a seleccionar um argumento extra com o papel temático de
paciente, isto é, o novo argumento sofre a acção descrita pelo verbo.
O verbo -pingiz- ‘embaraçar’ em (26a), sendo intransitivo, transitiviza-se com a afixação do
morfema aplicativo. Destarte, passa a seleccionar um SP com o papel temático de experenciador.
Este papel temático indica que o evento descrito pelo verbo é vivido pelo argumento selecionado por
este.
Em (27a) o verbo -phik- ‘cozinhar’ é intransitivo. Torna-se transitivo quando o morfema
aplicativo -er- é afixado e selecciona um SN que, diferentemente do que vimos em (21b),
desempenha o papel temático de locativo, indicando onde é que a acção descrita pelo verbo aplicado
acontece.
Para terminar, no exemplo (28a), quando aplicado, o verbo -lewalew- selecciona um novo
argumento com o papel temático de tema, relacionado com o que se diz sobre o verbo.
Assim, tendo em conta os exemplos que acabamos de apresentar podemos afirmar que o objecto
aplicado em Nyungwe licenceia diferentes papéis temático com a função de: beneficiário, objectivo,
maleficiário, instrumental, paciente, experienciador, locativo e tema portanto, oito (8) papéis

49
temáticos. Vimos igualmente que o morfema aplicativo pode ocorrer em todo tipo de radicais:
transitivos e intransitivos.

4.3 Sumário do capítulo


Neste capítulo, descrevemos as extensões causativa e aplicativa em Nyungwe. No entanto,
para uma melhor descrição dividimos o capítulo em secções. Assim, em 3.1 falamos sobre as
construções causativas nas línguas bantu. Em 3.1.1 descrevemos as causativas em Nyungwe, onde
em 3.1.1.1 falamos sobre as causativas lexicais; em 3.1.1.2, as causativas morfológicas e em 3.1.1.3
as causativas analíticas.
Vimos, neste subcapítulo, que a língua Nyungwe usa três estratégias de causativização
descritas acima, sendo a morfológica e a perifrástica as mais produtivas.
Relativamente à extensão aplicativa, começamos por discutir a origem do termo na literatura
linguística; em seguida, em 3.2.1, falamos sobre à extensão aplicativa em Nyungwe onde
descrevemos as construções aplicativas na língua. A descrição considerou a tipologia de verbos em
que esta extensão pode ocorrer e as propriedades do objecto aplicado. Assim, no ponto 3.2.1.1
descrevemos a extensão aplicativa em verbos transitivos e intransitivos, e em 3.2.1.2 descrevemos os
papéis temáticos licenciados pelo objecto aplicado em Nyungwe. Também, aqui, vimos que o
morfema aplicativo pode ocorrer em todo o tipo de radicais: transitivos e intransitivos de estrutura -
C-, -CVC-, -CVCVCVC. Finalmente fizemos notar que o objecto aplicado em Nyungwe licenceia
diferentes papéis temáticos com a função de: beneficiário, objectivo, maleficiário, instrumental,
paciente, experienciador, locativo e tema.
No capítulo que se segue descreveremos o mapeamento sintáctico espelhado pela ordem de
co-ocorrência dos morfemas das extensões causativa e aplicativa em Nyungwe à luz do PE.

50
CAPÍTULO V: CO-OCORRÊNCIA DAS EXTENSÕES CAUSATIVA E APLICATIVA EM
NYUNGWE À LUZ DO PE

5.0 Introdução
No capítulo anterior mostramos que os sufixos causativos, cuja semântica segundo Cocchi
(2008) é de “cooperação”, isto é: “fazer/ ajudar/ obrigar alguém a fazer algo” e aplicativo, cuja
semântica dita que a acção descrita pelo verbo é realizada por alguém ou por algo, aumentam a
valência do verbo através da introdução de um novo argumento à estrutura argumental do verbo.
Seguindo a proposta de Pylkannen (2008), neste trabalho, assume-se que o sufixo causativo codifica
o evento da causação, enquanto o morfema aplicativo introduz o argumento aplicado que, em geral,
equivale ao beneficiário ou alvo denotado pelo evento verbal. Em construções causativas, o
argumento externo que é introduzido pelo morfema causativo desempenha semanticamente a função
de agente, o causador, e é o sujeito do verbo complexo enquanto o sujeito do verbo não derivado
desempenha, sintacticamente, a função de objecto (COCCHI 2008; PYLKANNEN 2008).
Por outro lado, nas construções aplicativas, o argumento introduzido pelo morfema aplicativo
pode desempenhar várias funções semânticas de acordo com o seu papel na frase (beneficiário,
objectivo, maleficiário, instrumental, paciente, experienciador, locativo e tema).
Nele vimos igualmente que as extensões causativa e aplicativa podem ocorrer em verbos
transitivos e intransitivos, de estrutura -C-, -CVC-, -CVCVC- e -CVCVCVC-. Por conseguinte, a
partir deste capítulo respondemos duas das três questões por nós colocadas no presente trabalho:
quais são as propriedades morfológicas dos verbos em que as extensões causativa e aplicativa podem
ocorrer? E quais são as operações sintáticas espelhadas pela afixação dos morfemas causativo e
aplicativo?
No presente capítulo pretendemos mostrar as implicações sintácticas da co-ocorrência destas
extensões e a interface Morfologia/Sintaxe através da descrição e análise das operações sintáticas
espelhadas pela co-ocorrência dos morfemas causativo e aplicativo em Nyungwe.
A partir desta descrição estaremos a responder à seguinte questão do nosso trabalho: até que
ponto o PE, tal como proposto por Baker (1988) responde à descrição das implicações sintácticas da
co-ocorrência da extensão causativa e aplicativa nesta língua?
No PE, “a ordem dos morfemas numa palavra complexa reflete a incorporação sintáctica natural dos
núcleos que correspondem a esses morfemas” Baker (1988: 326). Esta análise teórica propõe que há

51
uma forte conexão entre os fenômenos de mudança de função gramatical e a maneira como as
categorias funcionais são ordenadas no curso da derivação sintática. Para Baker (1988) é o PE que
relaciona a Sintaxe com a Morfologia e aponta para a conexão entre os fenómenos de mudança de
função gramatical e a incorporação. Daí que, segundo o autor, quadros estruturais que dissociam a
Morfologia da Sintaxe (a Gramática Relacional e algumas versões da teoria de Regência e de
Ligação) são inadequados para a análise da mudança das funções gramaticais.
Assim, Baker declara que todos os processos de mudança de função gramatical são, na
verdade, um processo sintático que envolve movimento de um núcleo a lexical a um núcleo
funcional que o c-comande, chamado de movimento X°. Este processo sintático pressupõe que o
núcleo lexical move-se para uma posição mais alta na estrutura sintática. Por exemplo, uma
derivação causal envolve o movimento da raiz do verbo para a posição que é ocupada pelo morfema
causador que então se liga à raiz do verbo para criar a forma verbal (V-CAUS). Uma única operação
de movimento dará origem a uma derivação morfológica e a uma derivação sintática.
A incorporação, segundo Baker, tem dois tipos de consequências na estrutura linguística: em
ambos cria-se uma categoria complexa de nível X° e cria uma ligação (link) sintáctica entre duas
posições no marcador sintáctico. A consequência imediata que esta análise traz para a estrutura
argumental do verbal é que há uma mudança morfológica e uma mudança sintáctica. Esse
movimento irá então, automaticamente, mudar as relações de regência na estrutura argumental do
novo verbo.
Isso coloca o modelo de incorporação como base correcta para responder à questão de como os
processos de Mudança de Função Gramatical conectam a Morfologia à Sintaxe.
Para Baker (1988), os afixos (aplicativos, causativos, passivos, etc.) estão associados a
operações sintáticas e a sua ordenação em relação a outros afixos é assumida como forma de
espelhar a ordem em que se aplicam as operações sintáticas correspondentes. Além disso, Baker
afirma que a existência de sufixos CAUS-APPL e a forma de combinação pode explicar a interação
entre a Morfologia e a Sintaxe. É nesta linha de investigação que adoptaremos, no decorrer deste
capítulo o pressuposto teórico de que a morfologia irá refletir como se darão as derivações no
componente sintático. Pois, os morfemas (causativo e aplicativo) estão directamente associados a
operações sintáticas, de tal sorte que sua ordenação precisa necessariamente espelhar a ordem em
que se aplicam as operações no curso das derivações sintáticas.

52
Portanto, neste capítulo, o nosso principal objectivo é apenas apresentar uma descrição e
análise que nos permita avaliar se a co-ocorrência das extensões causativa e aplicativa em Nyungwe
confirma esta hipótese teórica de Baker.
Assim sendo, o capítulo depois de apresentar o pressuposto teórico a ser seguido, passa a
apresentar, em 4.1, diferentes abordagens para a discussão da co-ocorrência das extensões verbais
nas línguas bantu e em seguida, a partir de exemplos, descreve a ordem de co-ocorrência destas
extensões e as operações sintácticas espelhadas por esta ordem à luz do PE.

5.1 A co-ocorrência das extensões causativa e aplicativa em Nyungwe


Nos últimos anos tem havido um interesse considerável no debate sobre a afixação múltipla
nas línguas bantu, particularmente na explicação do facto de os prefixos e sufixos ocorrerem na
ordem em que o fazem. Dos estudos já realizados constam os de: (BAKER 1988; HYMAN 2002;
ALSINA 1999; MATHANGWANE 2001; NGUNGA 1999, 2004).
Segundo Ngunga (1999), em línguas como Ciyao, existem três factores que determinam a
combinação e ordem de qualquer número de morfemas de extensões verbais e seus alomorfes. Esses
factores são: fonotáctico, morfotáctico e morfossintáctico
O autor, usando exemplos mostra que, em Ciyao, o factor fonotáctico é determinante na
ordem de extensões verbais, porque determina que sufixo X deve ocorrer ou não ocorrer num
contexto fonológico Y. O autor afirma, por exemplo que para os casos de alomorfes de extensões
verbais qualquer sufixo que termine em /y/ precedido de uma consoante não pode ser seguido de
sufixos que não iniciem com /a/.
Por outro lado o factor morfotáctico determina que a co-ocorrência de certos sufixos derivacionais é
restringida a determinadas posições no tema verbal. Para exemplificação o autor mostra que numa
situação em que se quer combinar a extensão impositiva -ik- com outras, esta deve ocorrer
imediatamente a seguir ao radical verbal e as outras extensões a seguir a ela. Portanto, este factor
determina que sufixo X deve preceder ou seguir um sufixo Y.
O último factor é o morfossintáctico, segundo o autor, a co-ocorrência das extensões verbais é
condicionada pela maneira como a afixação dos sufixos derivacionais afecta a estrutura argumental
inerente do radical. Assim, não será permitida a sequência de sufixos do tipo -O, por serem sufixos
que reduzem a valência do verbo, provocando uma situação de destransitivização de bases já
destransitivizadas. Nestes casos, segundo o autor, a afixação de um sufixo bloqueia qualquer

53
afixação imediatamente subsequente de outro sufixo. Logo, este factor determina que cada sufixo
altera a base à qual ocorre.
Por outro lado, Fernando (2008), falando sobre os factores que condicionam a co-ocorrência
das extensões verbais, afirma que, ao discutir-se este tema, um dos problemas que sempre se colocou
é se a abordagem devia ser baseada na semântica (BYBEE 1985; RICE 2000), na sintaxe (BAKER
1985) ou na morfologia (HYMAN & MCHOMBO 1992; BRESNAN & MOSHI 1993; ALSINA &
MCHOMBO 1993 e HYMAN 2002).
A perspectiva semântica Bybee (1985), citado por Waweru (2011) e Rice (2000) defende que
a ordem dos afixos derivacionais é determinada pela função semântica e pela abrangência de cada
afixo. Por conseguinte, os afixos que têm maior relevância para a acção da raiz do verbo ocorrerão
imediatamente a seguir a este. (Esta perspectiva estava assente nos afixos flexionais e a perspectiva
de Rice assente na tentativa de explicar os casos em que os afixos não são rigidamente ordenados e
na possibilidade de alternância de sequência.
Na perspectiva sintática, Baker (1985) defende que cada um dos afixos derivacionais
afixados ao radical está relacionado com uma operação sintática. Assim sendo, a ordem dos afixos
derivacionais reflecte a ordem das etapas de derivações sintácticas que devem ocorrer. Para ele, a
ordem dos afixos derivacionais não é rigorosamente fixa. Deve ser por isso que Alsina (1999),
falando da ordem dos afixos em bantu, defende que a relação morfologia-sintaxe é um universal
inviolável.
A terceira e última é a perspectiva morfológica de (Hyman & Mchombo 1992; Bresnan &
Moshi 1993; Alsina & Mchombo 1993) que defende que a ordem dos afixos no radical não está
directamente relacionada com motivações sintáticas nem semânticas.
Para Hyman (2002) a ordenação dos afixos é determinada pela morfologia. Segundo o autor, as
línguas impõem restrições morfotácticas específicas para as quais não há uma explicação extra-
morfológica. Estas restrições podem representar uma relação entre pares de morfemas específicos ou
podem definir um modelo pelo qual vários afixos são automaticamente ordenados.
Hyman (2002) propõe, para as línguas bantu, um modelo padrão de ordenação dos sufixos
derivacionais, o CARP (causador, aplicativo, recíproco e passiva). Para o autor, a ordem dos
morfemas CAUS-APPL era parte do modelo de ordenação dos afixos verbais no Proto-Bantu
(doravante PB) e, por isso, este continua sendo o modelo padrão de ordenação destes morfemas na
maioria das línguas Bantu. Assim, segundo Waweru (2011), para Hyman (2002) é possível que a

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ordenação dos afixos esteja directamente determinada pela morfologia apropriada dessa língua, ou
seja, as línguas podem impor restrições morfotácticas específicas para as quais não há uma
explicação sincrônica extra morfológica. Para o autor, se esta posição estiver correcta seria de
esperar casos em que os afixos equivalentes aparecessem arbitrariamente como AB em uma língua e
BA em outra.
Hyman (2002) afirma igualmente que as três perspectivas de análise da ordenação dos
sufixos derivacionais pode ser uma fonte potencial de conflito na explicação da ordenação dos afixos
derivacionais em bantu.
Uma perspectiva de análise diferente sobre a co-ocorrência das extensões verbais pode
igualmente ser encontrada em Ngunga (2004).
O autor, citando Guthrie (1962) afirma, partindo de exemplos, que há restrições na co-
ocorrência das extensões verbais, cujas relações de transitividade Guthrie (1962) resumiu da
seguinte forma: +O, as que aumentam o número de argumentos seleccionados pelo verbo (aplicativa,
causativa e impositiva); =O, as que mantém o número de argumentos (frequentativa, perfectiva,
intensiva e reversiva); -O, que são as que reduzem o número de argumentos (estativa, passiva,
recíproca).
Para Guthrie (1962), não é permitida a co-ocorrência das extensões do tipo: negativa-negativa
independentemente da natureza transitiva do que vem antes ou depois. Esta restrição de co-
ocorrência, segundo o autor, é resolvida com a combinação correcta das extensões numa perspectiva
que permita alternar a adição e a eliminação de argumentos numa sequência do tipo: positiva-
negativa-positiva, isto é, (aplicativa, causativa e impositiva); (estativa, passiva, recíproca); negativa-
positiva-negativa; positiva-positiva-negativa e negativa-positiva-positiva. Assim sendo, a proposta
CARP de Hyman (2002) é em Ngunga (2004) parcialmente refutada por propor uma sequência de
extensões verbais do tipo negativa-negativa, isto é, recíproca-passiva, e parcialmente aceite por
propor a sequência do tipo: positiva-positiva, ou seja, causativa-aplicativa. Logo, partindo de Guthrie
(1962), citado por Ngunga (2004), pode-se inferir que a ordem padrão das extensões verbais deveria
ser CA e não CARP.
Uma outra crítica parcial aos trabalhos de Hyman (2002; 2003), pode ser encontrada em
Good (2005). O autor começa a sua análise reforçando a ideia de que a ordenação actual dos afixos
pode estar, tal como Hyman (2002) propôs , relacionada com a sua ordenação destes no PB. Porém,
segundo o autor, a oposição entre os trabalhos sincrónicos de Baker (1988) e de Hyman (2003)

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levanta a questão sobre como é que era a ordenação de sufixos verbais no PB. Segundo o autor,
talvez, por exemplo, os efeitos morfológicos observados por Hyman representem uma inovação no
sentido de congelamento (freezing) da ordem de morfemas encontrada em apenas algumas línguas
bantu, o que não seria necessariamente problemático para o PE, uma vez que se sabe que
frequentemente, a morfologia torna-se fixa ao longo do tempo, mas com isso não se sugere que o
Princípio do Espelho deve ser excluído dos efeitos da mudança histórica normal.
Como alternativa, no entanto, poderia ser o caso de a ordenação dos sufixos no PB ter sido
muito semelhante à análise sincrônica de Hyman (2003), isto é, ter sido morfologicamente
(templatically) determinada. A ser isso, em bantu, não é necessariamente preciso argumentar contra
a existência do PE, mas argumentar-se a favor do facto de as línguas bantu não fornecerem um apoio
óbvio para a análise de Hyman (2002, 2003).
Para Good (2005), há boas evidências de que havia uma ordem fixa desses sufixos no PB e,
assim, a perspectiva morfológica de Hyman (2003a) foi herdada e não constitui nenhuma inovação.
Igualmente, segundo Good (2005), o PE tem sido considerado uma teoria restritiva no debate
sobre como é que os morfemas de mudança de valência dos verbos devem ser ordenadas nos verbos.
Segundo o autor, o PE apenas sugere que os morfemas cuja semântica tem um escopo mais restrito
para o significado da raiz deve ocorrer mais próximo da raiz do que os morfemas de escopo
semântico mais amplo.
Por outro lado, Buell e Sy (2005), na explicação da ordenação dos afixos derivacionais,
defendem uma estreita correspondência entre a morfologia e a sintaxe. Para os autores, as palavras
são construídas na sintaxe, usando-se para tal mecanismos sintáticos habituais. Além disso, com
relação ao movimento do núcleo, a ordem dos morfemas na estrutura de superfície do núcleo
complexo é tida como reflexo da ordem das operações de adjunção do núcleo, conforme exigido
pelo PE.
Portanto, a ordem e co-ocorrência de afixos podem ser explicados sob três perspectivas
amplas, a saber: sintática, semântica e morfológica.
Porém, para Waweru (2011), as três abordagens dão algumas explicações embora não de
forma conclusiva sobre a distribuição dos sufixos derivacionais nas línguas bantu. As três
perspectivas apenas lidam com alguns afixos selecionados; por exemplo, o modelo proposto de
Hyman (2002) é baseado na análise de quatro afixos (causativo, aplicativo, recíproco e passivo) e
Baker em três (aplicativo, causativo e passivo).

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No entanto, mesmo conhecendo as diferentes perspectivas de análise para a discussão deste
fenómeno, acreditamos que o PE pode descrever de forma adequada a ordem de co-ocorrência dos
morfemas causativo e aplicativo em Nyungwe e relacionar a Sintaxe com a Morfologia através da
conexão entre os fenómenos de mudança de função gramatical e a incorporação. Daí, a nossa
escolha.
Depois de termos apresentado as abordagens usadas no estudo da co-ocorrência das
extensões verbais nas línguas bantu, passamos, em seguida, partindo de exemplos, a apresentar a
estrutura argumental destes verbos (derivados) em Nyungwe à luz do PE.
Os exemplos que aqui apresentamos estão organizados de acordo com a estrutura do radical.
Assim, primeiro apresentamos e explicamos os exemplos de verbos intransitivos cuja estrutura do
radical é -C-; em seguida, exemplos de verbos com transitivos e intransitivos de estrutura -CVC-,
seguidos de verbos de estrutura -CVCVCVC- e para terminar verbos de estrutura -CVCVC-.

29a) mwana w-a-dy-a madosi.


criança 3SG-IPAS-comer-VF doces
‘a criança comeu doces’
b) *n’kazi w-a-dy-er-es-a madosi mwana.
mulher 3SG-IPAS-comer-Apl-Caus-VF doces criança
c) *n’kazi w-a-dy-es -er -a madosi mwana.
mulher 3SG-IPAS-comer-Caus-Apl-VF doces criança
d) *n’kazi w-a-dy-es -er -a mwana madosi Siriza.
mulher 3SG-IPAS-comer-Caus-Apl-VF criança doces Siriza
e) n’kazi w-a-dy-es-er-a Siriza mwana madosi.
mulher 3SG-IPAS-comeu-Apl-Caus-VF Siriza criança doces
‘a mulher ajudou a Siriza a fazer comer doces a criança’

Nos exemplos acima, em (29a) apresentamos o evento resultado da co-ocorrência das


extensões causativa e aplicativa em Nyungwe e os exemplos em (29b -e) mostram que se afixou os
morfemas causativo e aplicativo ao verbo intransitivo de estrutura -C-, -dy- ‘comer’. Como se sabe,
cada um destes dois morfemas acrescenta um novo objecto à estrutura argumental do verbo em que
ocorrem. Assim, o resultado dessa ocorrência é uma nova estrutura argumental com duplo objecto.
A agramaticalidade de (29b) resulta da ordem de ocorrência das extensões em análise, o que
prova que a ordem padrão, que se presume seja do PB, (HYMAN 2002; GOOD 2005) é CAUS-APL
e não o contrário. Pois, segundo Baker (1988) no PE os morfemas cuja semântica tem um escopo
mais restrito para o significado da raiz deve ocorrer mais próximo da raiz do que os morfemas de
escopo semântico mais amplo. Assim sendo, o morfema causativo tem um escopo mais restrito para

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o significado do verbo por isso ocorre imediatamente a seguir ao radical e introduz um argumento
com o papel de agente da acção descrita pelo verbo derivado enquanto o morfema aplicativo que tem
o escopo mais amplo ocorre depois do verbo derivado e introduz um objecto aplicado que estabelece
uma relação directa com este. Portanto, tal como Baker afirmara a existência de sufixos CAUS-
APPL e a forma de combinação pode explicar a interação entre a Morfologia e a Sintaxe.
Em (29c) mostramos que, em Nyungwe, não só se deve ter em conta a ordem de ocorrência
das extensões verbais, mas também os argumentos selecionados pelo verbo causativo-aplicado.
Assim sendo, o tema não deve ocorrer imediatamente a seguir ao verbo derivado sob risco de
resultar em construções agramaticais, tal como acontece em (29c). Igualmente, a agramaticalidade
de (29d), mais uma vez, resulta da não obediência da sequência dos argumentos selecionados pelo
verbo derivado. Nesta alínea mostramos que se mwana ‘criança’ ocorrer imediatamente a seguir ao
verbo, ele desempenhará o papel temático de beneficiário da acção descrita pelo verbo, o que não é
verdade.
No PE, a agramaticalidade de (29c, d) pode ser explicada na medida em que para Baker
(1988), os morfemas em análise, aplicativo e causativo, estão associados a operações sintáticas e a
sua ordenação é assumida como forma de espelhar a ordem em que se aplicam as operações
sintáticas correspondentes. Portanto, ao acrescentar-se no verbo -dy- ‘comer’ o morfema causativo e
aplicativo ocorre uma mudança das funções gramaticais. A partir desta operação morfológica, ocorre
um processo de movimento das categorias lexicais. Este movimento tem implicações sintácticas na
medida em que, primeiro move a raiz do verbo simples para uma posição na árvore que é ocupada
pelo morfema causativo e, em seguida, move o verbo causativo para o lugar, na árvore, ocupado pelo
morfema aplicativo, formando o verbo w-a-dy-es -er -a ‘fazer comer por alguém’ de (29c-e).
A incorporação destes morfemas, tal como Baker (1988) tinha feito menção, tem dois tipos
de consequências: a primeiro é a mudança morfológica -dy- > dy-es-er- e a segundo é mudança
sintáctica, ou seja, mudança automática das relações de regência na estrutura, onde o verbo
complexo passa a seleccionar um novo sujeito com o papel temático de agente n’kazi ‘mulher’, em
seguida um beneficiário Siriza e um tema mwana madosi ‘crianças doces’, resultando na
gramaticalidade de (29e).
Portanto, como se pode perceber, o exemplo (29e) é gramatical por duas razões: por um lado,
devido à obediência à ordem dos morfemas causativo e aplicativo no radical. Por outro lado, porque
a seguir ao verbo derivado ocorre um objecto com o papel temático de beneficiário da acção descrita

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pelo verbo. Assim sendo, o exemplo (29e) mostra que a hierarquia temática a ser obedecida é:
Agente (controle) > Beneficiário > Tema > Agente (Afetado).
Importa referir igualmente que o exercício de alternar os objectos selecionados pelo verbo
causativo-aplicado pretendia-se mostrar que a agramaticalidade das frases não só está relacionada
com a ordem dos morfemas no radical, exemplo (29b), mas também com o tipo de objecto que
ocorre imediatamente a seguir a este (exemplos (29c, d).
Seguindo o PE, a estrutura argumental de (29e) espelhada pela derivação morfológica será:

Esta estrutura argumental mostra três evidências: primeira, o morfema aplicativo não pode
figurar antes do morfema causativo. Segunda, a ordem dos morfemas (causativo e aplicativo)
espelha a ordem em que o agente e o beneficiário ocorrem. Mais precisamente, o que se nota é que o
agente ocorre em posição mais alta que o beneficiário. Este, por sua vez, figura em posição mais alta
que os demais argumentos da sentença. E a terceira e última evidência: o beneficiário nunca pode vir
após os argumentos com o papel theta de tema e de agente (afetado). Vejamos, a seguir, um outro
exemplo de um verbo intransitivo com a mesma estrutura:

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30a) bzakudya bz-a-gw-a na mpsiyelo.
8-comida 8-IPAS-cair-VF com 3-vassoura
‘a comida caiu por causa da vassoura’
b) *Lula w-a-gw- er- es-a bzakudya na mpsiyelo.
Lula 3SG-IPAS-cair- Apl- Caus- VF comida com vassoura
c) *Lula w-a-gw-es-er-a na mpsiyelo bzakudya.
Lula 3SG-IPASS-cair-Caus-Apl-VF com vassoura comida
d) *Lula w-a-gw-es-er-a Siriza na mpsiyelo bzakudya.
Lula 3SG-IPASS-cair-Caus-Apl-VF Siriza com vassoura comida
e) Lula w-a-gw-es-er-a Siriza bzakudya na mpsiyelo.
Lula 3SG-IPASS-cair-Caus-Apl-VF Siriza comida com vassoura
‘Lula deixou cair a comida com a vassoura em detrimento da Siriza’

Nos exemplos (30b-e) apresentamos a co-ocorrência dos morfemas causativo e aplicativo no


verbo -gw- ‘cair’. O resultado dessa ocorrência é uma nova estrutura argumental com duplo objecto.
A frase (30b) é agramatical porque, tal como vimos no exemplo anterior, a ordem dos morfemas
derivacionais na estrutura da forma verbal não é correcta. Assim, mais uma vez mostramos que a
sequência de afixação destes morfemas deve ser CAUS-APL e não o contrário porque seguindo o
PE, a semântica do morfema causativo por ter um escopo mais restrito para o significado da raiz
ocorremais próximo da raiz do verbo -gw- ‘cair’e o morfema aplicativo por ter um escopo semântico
mais amplo ocorre a seguir ao morfema causativo.
A agramaticalidade dos exemplos (30c, d) mostra que apesar de se ter obedecido a ordem de
ocorrência dos morfemas derivacionais (CAUS-APL), o verbo causativo-aplicado gw-es-er ‘fazer
cair algo por alguém’ seleciona um objecto com o papel temático de maleficiário e não instrumento,
como em (30c). Além disso, a seguir ao objecto com o papel temático de maleficiário ocorre um
outro com o papel semântico de tema (30d). Logo, a ordenação destes morfemas não está espelhada
na ordem em que se aplicam as operações sintáticas correspondentes, visto que com a incorporação
dos morfemas causativo e aplicativo no verbo -gw- ‘cair’, primeiro ocorreu uma mudança
morfológica, do tipo -gw- > gw-es-er- e a seguir ocorreu uma mudança das relações de regência na
estrutura verbal. É por isso que, o verbo complexo passou a seleccionar, para além de um sujeito
com o papel temático de agente, três objectos aplicados com o papel temático de beneficiário Siriza,
seguido de um segundo objecto com o papel temático de instrumento na mpsiyelo ‘com a vassoura’ e
um tema bzakudya ‘comida’, resultando na gramaticalidade de (30e).
Assim, (30e) é gramatical não só por não ter obedecido a ordem de afixação dos morfemas
derivacionais permitida na língua (CAUS-APL), mas também pelo facto de o objecto aplicado com o
papel temático de beneficiário ocorrer imediatamente a seguir ao verbo derivado. Por outras

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palavras, (30e) mostra que há uma hierarquia de ocorrência dos papéis temáticos que determina a
ocorrência do maleficiário imediatamente a seguir ao verbo causativo-aplicado, seguido de tema e no
fim o instrumento, ou seja, agente > maleficiário > tema > instrumento.

Como se pode ver a partir desta representação, o morfema aplicativo (-ir-) mais uma vez ocorre
imediatamente a seguir ao causativo (-is-). Esta estrutura argumental mostra igualmente que o
argumento selecionado pelo verbo causativo-aplicativo (-gweser-) espelha a ordem em que o agente
(Lula) e o beneficiário (Siriza) devem ocorrer. Por conseguinte, o agente ocorre em posição mais alta
em relação ao beneficiário e este em posição mais alta que o tema e o instrumento.
Vejamos, a seguir, o último exemplo de um verbo com a estrutura -C-:

31a) mu-nthu w-a-b-a ma-livu


1-pessoa 1-PAS -roubar-VF 6-livros
‘uma pessoa roubou livros’
b) *Cinayi w-a-b- er- es-a Tayikwana ma-livu.
Cinayi 3SG-PAS -roubar-APL-CAUS-VF Tayikwana 6-livros
c) *Cinayi w-a-b-es-er-a ma-livu Tayikwana.
Cinayi 3SG-PAS -roubar-CAUS-APL-VF 6-livros Tayikwana
d) *Cinayi w-a-b-es-er-a Tendayi Tayikwana ma-livu.
Cinayi 3SG-PAS –roubar-CAUS-APL-VF Tendayi Tayikwana 6-livros
e) Cinayi w-a-b-es-er-a Tayikwana ma-livu.
Cinayi 1-PAS -roubar-CAUS-APL-VF Tayikwana 6-livros
‘Cinayi fez alguém roubar livros em benefício da Tayikwana’

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Em (31a), trazemos um verbo transitivo, -b- ‘roubar’, cuja estrutura do radical é -C-. A este
radical afixamos os morfemas causativo e aplicativo o que permite que o verbo derivado tenha a
semântica de causação e de aplicativização, permitindo a ocorrência dos morfemas causativo e
aplicativo. Como temos vindo a ver desde os exemplos (29a-e) e (30a-e), a agramaticalidade de
(31b-d) está relacionada com a ordem de co-ocorrência dos afixos derivacionais, pois em (31a) o
morfema causativo, o que dá ao verbo -b- ‘roubar’ um escopo mais restrito ocorre depois do
morfema aplicativo, o que dá ao verbo o um escopo mais amplo, violando, desta maneira o PE.
Acrescido a ordem dos morfemas verbais, a agramaticalidade de (31b-d) tem lugar devido a ordem
de sequência dos argumentos selecionados pelo verbo causativo-aplicado. A ordem apresentada
nestes exemplos não espelha fielmente as derivações sintácticas que devem ocorrer, porque depois
de um verbo causativo-aplicativo o objecto aplicado por ele selecionado desempenha o papel
temático de beneficiário da acção descrita pelo verbo e deve ocorrer imediatamente a seguir a ele.
O exemplo (31e), diferente de (31d) em que ocorrem dois objectos, cujo papel temático fica
difícil determinar, é gramatical porque imediatamente a seguir ao verbo causativo-aplicado ocorre
um objecto com o papel temático de beneficiário da acção descrita pelo verbo. Por conseguinte, a
ordem dos morfemas em w-a-b-es-er- reflete a incorporação sintáctica natural dos núcleos que
correspondem aos morfemas causativo e aplicativo.
Importa acrescentar igualmente que, a hierarquia temática deste verbo derivado é: agente >
beneficiário > tema.

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Na estrutura argumental acima mostramos que a extensão aplicativa (-ir-) ocorre
imediatamente a seguir ao causativo (-is-). Esta estrutura argumental mostra igualmente que a
derivação morfológica espelha a ordem em que o agente (Cinayi) e o beneficiário (Tayikwana)
ocorrem. Por conseguinte, o agente ocorre em posição mais alta em relação ao beneficiário e este em
posição mais alta em relação ao tema. É por isso que o Ø a seguir ao argumento com o papel
temático de beneficiário reforça a ideia de hierarquia de ocorrência dos argumentos selecionados
pelo verbo derivado.
Com base na estrutura argumental dos três exemplos acima apresentados, conclui-se que os
morfemas causativo e aplicativo podem co-ocorrer desde que a sequência seja (CAUS-APL).
Portanto, a ordem deve ser: V+Caus+Apl. Esta co-ocorrência introduz novos argumentos: um sujeito
do verbo complexo que semanticamente desempenha a função de agente e um objecto aplicado que
desempenha a função de beneficiário ou maleficiário.
Depois de termos descrito a co-ocorrência das extensões causativa e aplicativa em radicais de
estrutura -C-, vejamos a seguir o que acontece com verbos cuja estrutura do radical é -CVC-:

(32.a) munthu w-a- phik a- phala.


pessoa 3SG-IPAS-cozinhar-VF 5-papa
‘alguém cozinhou papas’
b) *mayi w-a-phik-ir-is-a phala mwana n’nyumba.
mãe 3SG-IPASS-cozinhar-Apl-Caus-VF papa criança dentro de casa
c) *mayi w-a-phik-is-ir-a n’nyumba phala mwana.
mãe 3SG-IPASS-cozinhar-Caus-Apl-VF 18-casa papa criança
d) *mayi w-a-phik-is-ir-a Tendayi mwana phala n’nyumba.
mãe 3SG-IPASS-cozinhar-Caus-Apl-VF Tendayi criança papa 18-casa
e) mayi w-a-phik-is-ir-a mwana phala n’nyumba.
mãe 3SG-PAS-cozinhar-CAUS-APL-VF criança papa 18-casa
‘a mãe fez alguém cozinhar papas em benefício da criança dentro de casa’

Em (32a-e), trazemos o verbo -phik- ‘cozinhar’, um verbo cuja estrutura do radical é -CVC-.
O exemplo (32b) phik-ir-is é agramatical porque, tal como vimos em outros exemplos, não obedece
a ordem fixa de sequência de co-ocorrência dos morfemas derivacionais em Nyungwe, pois morfema
causativo deve ocorrer antes do aplicativo e não o contrário, como aqui aparece.
Este exemplo viola igualmente o princípio defendido por Baker (1988) que determina que
por motivos de escopo semântico, a ordem de ocorrência dos morfemas aplicativo e causativo é
CAUS-APL e não o contrário.

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Nos exemplos (32c) e (32d) apesar de se ter obedecido a ordem de sequência das extensões
verbais, as frases são agramaticais porque não espelham as derivações sintácticas correspondentes.
Esta agramaticalidade no PE pode ser explicada na medida em que segundo Baker (1988), os
morfemas aplicativo e causativo, estão associados a determinadas operações sintáticas e a sua
ordenação é assumida como forma de espelhar a ordem em que se aplicam as operações sintáticas
correspondentes. Portanto, com a operação morfológica de afixar ao verbo -phik- ‘cozinhar’ os
morfemas -is- e -ir- ocorre uma mudança das funções de regência assim, o verbo causativo-aplicado,
w-a-phik-es -er -a ‘fazer cozinhar por alguém’ passa a obedecer uma hierarquia temática
selecionando o objecto mwana que desempenha o papel temático de beneficiário da acção descrita
pelo verbo, ocorrendo imediatamente a seguir ao verbo derivado e não um objecto aplicado com o
papel temático de locativo ou de agente, respectivamente.
Por sua vez, o exemplo (32e) é gramatical por duas razões: primeiro, obedece à ordem de
sequência dos morfemas causativo e aplicativo no radical. Segundo, porque a seguir ao verbo
derivado ocorre um objecto aplicado com o papel temático de beneficiário da acção descrita pelo
verbo.

A representação da estrutura argumental do verbo -phik-is-ir- mostra que a ordem que


ocorrência dos morfemas é CAUS-APL e consequentemente a hierarquia temática dos argumentos
selecionados por este verbo complexo é: agente > beneficiário > tema > locativo.

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Portanto, depois do argumento com o papel temático de beneficiário não pode ocorrer um
outro argumento que possa despenhar o mesmo papel temático. Porque a semântica do verbo é de
causação e de aplicativização, ele permite a co-ocorrência, na estrutura de superfície, de argumentos
causativos e aplicados, isto é, agente e beneficiário. Espelhando a ordem dos morfemas na derivação.
Depois desta descrição, a seguir apresentamos mais um exemplo de co-ocorrência das extensões
causativa e aplicativa num verbo intransitivo com a mesma estrutura:

(33.a) mwana w-a-gon-a.


Criança 3SG-IPAS-dormir-VF
‘a criança dormiu’
b) *Tendayi w-a-gon-er-es-a mwana n’kazi.
Tendayi 3SG-IPAS-dormir-CAUS-APL-VF criança mulher
c) *Tendayi w-a- gon-es-er-a mwana n’kazi.
Tendayi 3SG-PAS-dormir-CAUS-APL-VF criança mulher
d) *Tendayi w-a- gon-es-er-a Ciposi mwana n’kazi.
Tendayi 3SG-PAS-dormir-CAUS-APL-VF Ciposi criança mulher
e) Tendayi w-a- gon-es-er-a n’kazi mwana.
Tendayi 3SG-PAS-dormir-CAUS-APL-VF mulher criança
‘o Tendayi fez a criança dormir em benefício da mulher’

Em (33a), trazemos o verbo -gon- ‘dormir’, um verbo intransitivo de estrutura -CVC-.


Quando a ele se acrescenta as extensões causativa e aplicativa torna-se transitivo e com a semântica
de causação e de aplicativização. No entanto, cada morfema introduz um argumento extra na
estrutura argumental do verbo derivado.
No exemplo (33b) *gon-er-es é agramatical porque viola a ordem de ocorrência destes
morfemas, que como temos vindo a ver, por motivos escopo semântico é CAUS-APL e não APL-
CAUS.
Os exemplos (33c) e (33d) são agramaticais porque, mais uma vez, o objecto aplicado com o
papel semântico de beneficiário não ocorre imediatamente a seguir ao verbo derivado. Daí que, a
ordenação destes morfemas não está espelhada na ordem em que se aplicam as operações sintáticas
correspondentes, isto é, com a incorporação dos morfemas causativo e aplicativo no verbo -gon-
‘dormir’ em Nyungwe, primeiro ocorreu uma mudança morfológica, do tipo -gon- > gon-es-er- e a
seguir ocorreu uma mudança das relações de regência do verbo derivado. Este verbo, para além de
seleccionar um agente passa a seleccionar um objecto aplicado. Porém, como temos vindo a afirmar
e a demonstrar, existe uma ordem de co-ocorrência dos argumentos selecionados pelo verbo, facto

65
respeitado em (33e) onde o beneficiário da acção do verbo complexo ocorre a seguir ao verbo.
Portanto, a hierarquia temática deste verbo é: agente > beneficiário > tema.

A estrutura argumental do verbo -gon-es-er- mostra que o PE, mais uma vez responde à
descrição das implicações sintácticas da ordem CAUS-APL. Ela mostra igualmente que a hierarquia
temática do verbo complexo é: agente > beneficiário > tema.
Com base na estrutura argumental destes dois exemplos, conclui-se que os morfemas
causativo e aplicativo podem co-ocorrer desde que a sequência seja (CAUS-APL) e formam um
verbo cuja estrutura morfológica é: V+Caus+Apl. Esta co-ocorrência introduz novos argumentos:
um sujeito do verbo complexo que semanticamente desempenha a função de agente e um objecto
aplicado que desempenha a função semântica de beneficiário.
Depois de termos falado de verbos causativos-aplicados com a raiz de estrutura -CVC-,
passamos agora a descrever exemplos de verbos a raiz de estrutura -CVCVCVC-:

(34.a) munthu w-a-sanganiz-a mahewu.


pessoa 3SG-PAS -misturar-VF mahewu
‘alguém misturou o mahewu’
b) *iye w-a-sanganiz-ir-is-a na ntikho mahewu.
ele 3SG-PAS -misturar-APL-CAUS-VF com colher de pão mahewu

66
c) *iye w-a-sanganiz-is-ir-a na ntikho mahewu.
ele 3SG-PAS -misturar-CAUS-APL-VF com colher de pão mahewu
d) *iye w-a-sanganiz-is-ir-a mahewu na ntikho.
ele 3SG-PAS -misturar-CAUS-APL-VF mahewu com colher de pão
e) iye w-a-sanganiz-is-ir-a baba mahewu na ntikho.
ele 3SG-PAS -misturar-CAUS-APL-VF pai mahewu com colher de pão
‘ele/a fez alguém misturar maheu em benefício do pai com uma colher de pau’

Nos exemplos acima, em (34a) apresentamos o evento resultado da co-ocorrência das


extensões causativa e aplicativa. Nos exemplos (34b-d), afixamos os morfemas causativo e
aplicativo ao verbo transitivo com a raiz de estrutura -CVCVCVC-, -sanganiz- ‘misturar’. Como se
sabe, estes dois morfemas alteram a estrutura argumental do verbo em que ocorrem. Este facto é
provado pelo facto de, como se vê em (34a), o verbo não derivado apenas selecionava um argumento
com o papel temático de tema.
Por conseguinte, depois da afixação dos morfemas causativo e aplicativo, vemos que, nos
exemplos (34b-d), o verbo passa a seleccionar mais dois argumentos (da causação e da
aplicativização). Nestes exemplos, alternamos a ordem de co-ocorrência dos argumentos
selecionados pelo verbo derivado. Esta experiência resultou em frases agramaticais porque nela, não
se respeitou a hierarquia temática dos argumentos selecionados pelo verbo complexo, e
consequentemente a derivação morfológica não espelha a sintáctica. Portanto, o instrumento, em
(34c), e o tema, em (34d) não devem correr imediatamente a seguir ao verbo derivado, pois
construções deste tipo são agramaticais na língua Nyungwe.

Importa referir igualmente que, a agramaticalidade de (34b) não só está relacionada com a
hierarquia temática, mas também com a ordem de co-ocorrência das extensões em análise, pois a
ordem padrão, que se presume que seja do PB é CAUS-APL e não APL-CAUS. Para o PE, esta
ordem de sequência resulta em agramaticalidade porque a semântica do morfema causativo por ter
um escopo mais restrito para o significado da raiz deve ocorrer mais próximo da raiz do verbo -
sanganiz- ‘misturar’ e o morfema aplicativo por ter um escopo semântico mais amplo deve ocorrer a
seguir ao morfema causativo.
Por sua vez, o exemplo (34e) é gramatical porque obedece o padrão de co-ocorrência
proposto no PE: CAUS-APL e respeita igualmente a hierarquia temática, isto é, a ordem de
sequência dos argumentos selecionados pelo verbo derivado: agente > beneficiário > tema >
instrumento.
A estrutura argumental deste verbo é:

67
Sobre esta estrutura argumental três evidências podem ser ditas: primeira, o morfema
aplicativo é afixado depois do morfema causativo, formando um verbo complexo com a estrutura
V+CAUS+APL. Segunda, a sequência dos morfemas -is- e -ir- espelha a ordem em que ocorrem as
derivações sintácticas. Por conseguinte, o agente ocorre em posição mais alta que o beneficiário e
este em posição mais alta em relação aos demais argumentos da sentença. É por isso que depois do
beneficiário o argumento que pode ocorrer deve desempenhar o papel temático de tema. Esta ordem
de ocorrência mostra, a semelhança do que temos vindo a observar, que há hierarquia de ocorrência
dos argumentos selecionados pelo verbo causativo-aplicado. E a última evidência é de que o
beneficiário nunca pode vir após os argumentos com o papel semântico de tema e de instrumento.
Vejamos, a seguir, mais um exemplo de um outro verbo com a mesma estrutura:

(35.a) munthu w-a-kulumiz-a ku-nemba tsamba .


pessoa 1P-IPAS-apressar-VF 15-escrever 5-carta
‘a pessoa escreveu a carta depressa’
b) *Joni w-a-kulumiz-ir-is-a kunemba tsamba.
Joni 3SG-IPAS - apressar -APL-CAUS-VF escrever tsamba
c) *Joni w-a-kulumiz-is-ir-a tsamba kunemba.
Joni 3SG-IPAS - apressar - CAUS-APL-VF carta escrever

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d) Joni w-a-kulumiz-is-ir-a Tendayi kunemba tsamba.
Joni 3SG-IPAS - apressar - CAUS-APL-VF Tendayi escrever carta
‘o Joni fez com que alguém escrevesse depressa uma carta em benefício de Tendayi’

No exemplo (35a) trazemos mais um verbo cuja estrutura da raiz é -CVCVCVC-, o verbo -
kulumiz- ‘apressar’. À semelhança do que temos vindo a fazer em exemplos anteriores, em (35b),
mostramos que a sequência destes morfemas é determinante na (a)gramaticalidade das frases, de
modo que à luz do PE, temos vindo a sugerir que a sequência de ordem de co-ocorrência das
extensões verbais obedece um princípio de alcance semântico segundo o qual, o morfema com maior
escopo irá ocorrer depois do morfema com menor escopo, ou seja, CAUS-APL.
Nos exemplos (35b) e (35c), seguimos a sequência recomendada na língua, isto é, CAUS-
APL, mas alternamos a ordem dos argumentos selecionados pelo verbo derivado e, mais uma vez,
percebemos que a agramaticalidade das frases pode igualmente resultar do facto de a derivação
morfológica não espelhar a sintáctica e vice-versa. Este facto é visível pela falta de observância da
hierarquia temática requerida na língua.
E, em (35d) a frase é gramatical porque obedece a sequência padrão tanto na ordem dos
morfemas como na ordem dos argumentos selecionados pelo verbo causativo-aplicado. Os
argumentos selecionados por este verbo obedecem a seguinte hierarquia temática: agente >
beneficiário > tema.

69
A representação da estrutura argumental do verbo -kulum-is-ir- mostra, a semelhança do que
vimos nos exemplos anteriores, que o PE pode descrever de forma adequada a ordem de co-
ocorrência dos morfemas causativo e aplicativo em Nyungwe e relacionar a Sintaxe com a
Morfologia, pois a ordem dos morfemas CAUS-APL espelha a ordem em que a derivação sintáctica
deve ocorrer. Visto que, a hierarquia temática dos argumentos selecionados por este verbo complexo
é: agente > beneficiário > tema. Assim, depois do beneficiário o argumento que ocorre deve
desempenhar o papel temático de tema.
Em suma, a estrutura argumental destes dois exemplos mostra que os morfemas causativo e
aplicativo podem co-ocorrer desde que a sequência seja (CAUS-APL). Portanto, a estrutura deste
verbo é: V+Caus+Apl. Esta co-ocorrência introduz novos argumentos: um sujeito do verbo
complexo cujo papel theta é agente e um objecto aplicado que desempenha a função de beneficiário.
Depois de termos falado de verbos causativos-aplicados com a estrutura -CVCVCVC-, passamos
agora a descrever exemplos de verbos cuja raiz de a estrutura -CVCVC-:

36a) Maria w-a-tambir-a bzakubvala.


Maria 1-IPAS-receber- VF roupas
‘a Maria recebeu roupa’
b) *mamuna w-a-tambir-ir-is-a Maria bzakubvala.
homem 1-PAS -receber-APL-CAUS-VF Maria roupas
c) *mamuna w-a-tambir-is-ir-a bzakubvala Maria.
homem 1-PAS -receber- CAUS-APL-VF roupas Maria
d) mamuna w-a-tambir-is-ir-a Maria bzakubvala.
homem 1-PAS -receber- CAUS-APL-VF Maria roupas
‘o homem fez alguém receber roupa em benefício da Maria ’

Nos exemplos (36a-d) trazemos o verbo -tambir- ‘receber’. O exemplo (36b) é agramatical
porque, como temos visto, a ordem de afixação dos morfemas causativo e aplicativo em -tambir-ir-
is- não obedece a ordem padrão de sequência destes dois morfemas derivacionais, (BAKER 1988;
HYMAN 2002) e não reflete a incorporação sintáctica natural dos núcleos que correspondem a estes
morfemas.
O exemplo (36c) é agramatical pois, apesar de nele se ter obedecido a ordem de afixação das
extensões verbais em análise, a sequência dos argumentos selecionados pelo verbo derivado não é
permitida na língua. Como se pode ver, cada um dos afixos derivacionais afixados ao radical está
relacionado com uma operação sintática. Assim sendo, a ordem dos afixos derivacionais reflecte a
ordem das etapas de derivações sintácticas que devem ocorrer. Por conseguinte, depois do verbo

70
derivado o argumento que devia estar imediatamente a seguir a este é Maria em vez de bzakubvala
‘roupas’, visto que Maria é beneficiária da acção descrita por este verbo e, como temos vindo a
observar até agora, nesta língua, a seguir o verbo causativo-aplicado ocorre um objecto com o papel
temático de beneficiário.
O exemplo (36d) é gramatical porque, mais uma vez, demonstra que a ordem dos morfemas
derivacionais em análise é CAUS-APL e com a incorporação, segundo Baker (1988), surge dois
tipos de consequências na estrutura linguística: em ambos cria uma categoria complexa de nível X° e
cria uma ligação (link) sintáctico entre duas posições no marcador sintáctico. O primeiro dos dois
tipos de consequências é uma mudança morfológica e o segundo é uma mudança sintáctica. Esse
movimento irá então, automaticamente, mudar as relações de regência na estrutura e fazendo com
que o beneficiário da acção descrita pelo verbo ‘Maria’ ocorra imediatamente a seguir ao verbo.
Portanto, a hierarquia temática do verbo w-a-tambir-is-ir-a é: agente > beneficiário > tema.

Na estrutura argumental acima mostramos que a extensão aplicativa (-ir-) ocorre


imediatamente a seguir ao causativo (-is-). Através dela mostramos igualmente que a derivação
morfológica espelha a ordem em que o agente (mamuna) e o objecto aplicado com o papel de
beneficiário (Maria) ocorrem.

71
Depois de termos feito esta descrição passamos a apresentar mais um verbo com a mesma estrutura
do radical:

37a) Cinayi w-a-pwetek-a mwandzace na muti.


Cinayi 3SG-IPAS-aleijar-VF amigo com pau
‘o Cinayi aleijou seu amigo com pau’
b) *mwana w-a-pwetek-er-es-a Cinayi mwandzace na muti.
criança 1-PAS -aleijar-APL-CAUS-VF Cinayi seu amigo com pau
c) *mwana w-a-pwetek-es-er-a na muti Cinayi mwandzace.
criança 1-PAS - aleijar -CAUS-APL-VF com pau Cinayi seu amigo
d) mwana w-a-pwetek-es-er-a Cinayi mwandzace na muti.
criança 1-PAS - aleijar-CAUS-APL-VF Cinayi seu amigo com pau
‘a criança fez alguém aleijar em benefício de Cinayi o seu amigo com um pau’

Nos exemplos (37a-d), apresentamos a co-ocorrência dos morfemas causativo e aplicativo no


verbo -pwetek- ‘aleijar’. O resultado dessa ocorrência é uma nova estrutura argumental com duplo
objecto. Todavia, a frase (37b) é agramatical porque a ordem de afixação dos morfemas no radical
não foi respeitada e, como sabemos ela é determinante na (a)gramaticalidade das frases. Daí que,
mais uma vez, mostramos que a sequência de afixação destes morfemas deve ser CAUS-APL e não
o contrário, onde temos o morfema com o escopo semântico mais restrito a ocorrer a seguir ao verbo
derivado e o morfema com um escopo semântico mais amplo para o verbo, o APL, a ocorrer a seguir
ao CAUS.
A agramaticalidade do exemplo (37c, d) mostra que, apesar de se ter obedecido a ordem de
ocorrência dos morfemas derivacionais (CAUS-APL), o verbo causativo-aplicado pwetek -es-er
‘fazer aleijar por alguém’ mostra que os argumentos selecionados pelo verbo não espelham as
derivações sintácticas correspondentes, pois os morfemas aplicativo e causativo estão associados a
determinadas operações sintáticas e a sua ordenação é assumida como forma de espelhar a ordem em
que se aplicam as operações sintáticas correspondentes. Daí que, o verbo derivado seleciona um
objecto com o papel temático de beneficiário e não instrumento.
Para terminar, a gramaticalidade de (37d) deve-se ao facto de não só se ter obedecido a
ordem de afixação dos morfemas derivacionais permitida na língua (CAUS-APL), mas também
porque o objecto aplicado com o papel temático de beneficiário ocorre imediatamente a seguir ao
verbo derivado. Logo, neste caso a derivação morfológica reflecte a derivação sintáctica e vice-
versa. Igualmente, a hierarquia temática dos argumentos selecionados pelo verbo w-a-pwetek-es-er-
é: agente > beneficiário > tema > instrumento.

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A estrutura argumental acima mostra que no verbo -pwetek-es-er- a ordem que ocorrência
dos morfemas é CAUS-APL e a hierarquia temática dos argumentos selecionados por este verbo
complexo é: agente > beneficiário > tema > instrumento. É por isso que o Ø a seguir ao argumento
com o papel temático de beneficiário reforça a ideia de hierarquia dos argumentos selecionados pelo
verbo causativo-aplicado.

Portanto, o PE responde à descrição das implicações sintácticas da co-ocorrência dos


morfemas causativo e aplicativo em Nyungwe.

5.2 Sumário do capítulo


Depois de termos mostrado os radicais verbais em que as extensões causativa e aplicativa
podem co-ocorrer e termos apresentado a estrutura argumental destes verbos à luz do PE achamos
ser importante uma pequena sumarização.
Assim, em jeito de resumo, pode-se afirmar que, a partir dos exemplos que analisámos, os
morfemas causativo e aplicativo podem co-ocorrer em verbos transitivos e intransitivos de estrutura
-C-, -CVC-, -CVCVCVC- e -CVCVC- desde que se respeite o padrão fixo CAUS-APL que Hyman
(2002) e Good (2005) afirmam ser do PB e Baker (1988) afirma estar relacionada com o escopo
semântico. Por conseguinte, o morfema com maior escopo semântico, -ir-, ocorrerá a seguir ao

73
morfema com escopo semântico mais restrito -is-. Vimos igualmente que estes morfemas, dão ao
verbo derivado uma semântica de causação e de aplicativização.
Logo, as derivações morfológicas têm implicações nas derivações sintácticas, e tal como
Baker (1988) defendeu, a afixação de morfemas derivacionais ao radical tem implicações sintácticas
uma vez que cada morfema está relacionado com uma operação sintática, isto é, a ordem dos
morfemas causativos e aplicativos refletem a ordenaçao das projeçoes sintáticas no curso da
derivação sintática.
Assim sendo, nesta língua, a ordem dos afixos derivacionais (CAUS-APL) reflecte a ordem
das etapas de derivações sintácticas que devem ocorrer.
Além disso, a partir dos exemplos discutidos neste capítulo mostramos que o PE estabelece uma
estreita relação entre a Morfologia e a Sintaxe.
Portanto, a resposta a pergunta, até que ponto o PE, tal como proposto por Baker (1988)
responde à descrição das implicações sintácticas da co-ocorrência da extensão causativa e aplicativa
em Nyungwe é: o PE explica de forma adequada as implicações sintácticas da co-ocorrência das
extensões causativa e aplicativa em Nyungwe, pois, tal como vimos em cada um dos exemplos
constantes neste capítulo, a estrutura argumental dos verbos mostra três evidências: primeira, o
morfema causativo sempre ocorre imediatamente a seguir ao morfema aplicativo. Segunda, a ordem
dos morfemas (causativo e aplicativo) espelha a ordem em que o agente e o beneficiário ocorrem.
Concretamente o que se nota é que o agente ocorre em posição mais alta que o beneficiário e este,
por sua vez, figura em posição mais alta que os demais argumentos da sentença. A última evidência
é de que o objecto aplicado com o papel temático de beneficiário sempre ocorre imediatamente a
seguir ao verbo causativo-aplicado.
Portanto, existe uma hierarquia temática que deve ser obedecida:

Agente > beneficiário/maleficiário/paciente > tema > locativo > instrumento.

74
CAPÍTULO VI: CONCLUSÕES
Este trabalho analisou as implicações sintácticas da co-ocorrência das extensões causativa e
aplicativa em Nyungwe à luz do Princípio de Espelho (PE) de Baker (1988).
Nyungwe, à semelhança de outras línguas bantu, é uma língua de morfologia complexa. Este
facto é evidenciado, neste trabalho, através da descrição e análise da ordem de co-ocorrência das
extensões causativa e aplicativa em Nyungwe.
A pesquisa foi orientada pelas seguintes questões: quais são as propriedades morfológicas
dos verbos em que as extensões causativa e aplicativa podem ocorrer? Quais são as operações
sintáticas espelhadas pela ordem dos morfemas causativo e aplicativo? E, até que ponto o PE, tal
como proposto por Baker (1988), responde à descrição das implicações sintácticas da co-ocorrência
da extensão causativa e aplicativa nesta língua?
Partindo destas questões de pesquisa definimos o seguinte objectivo: descrever e analisar as
implicações sintáticas decorrentes da co-ocorrência dos morfemas causativo e aplicativo em
Nyungwe à luz do PE.
Para atingirmos os objectivos propostos, primeiro descrevemos as duas extensões de forma
separada. Aqui, mostramos que, por serem altamente produtivas, estas extensões podem ocorrer em
verbos transitivos e intransitivos de estrutura -C-, -CVC-, -CVCVC- e -CVCVCVC.
Vimos, igualmente, que a língua em estudo usa diferentes estratégias de causativização,
nomeadamente: lexical, morfológica e a perifrástica.
Na causativização lexical, mostramos, através de exemplos da língua, que a noção de ‘causa’
está inserida no significado lexical do próprio verbo. Portanto, a expressão de causa não é realizada
por meios morfológicos (afixos), mas sim por propriedades lexicais.
A segunda estratégia de construção causativa é a morfológica. Usando exemplos, mostramos que o
evento de causação é obtido por meio de um processo morfológico, ou seja, por meio de um
morfema causativo.
Na causativização perifrástica, usando exemplos em que o verbo causal kucita ‘fazer’ ocorre
sozinho, mostramos que, nestas construções, a causativização é expressa por meio de um verbo
causal separado. Das três estratégias de que a línguas se serve na expressão da causativização, a
morfológica e a analíticas são as mais produtivas.

75
Depois de termos falado da tipologia de construções causativas em Nyungwe, em seguida,
mostrámos que era possível a causativização morfológica ou analítica a partir de verbos inacusativos
e inergativos.
Relativamente à extensão aplicativa, vimos que, nas línguas bantu, o termo aplicativo é
geralmente usado para designar construções frásicas em que a presença de um morfema aplicado no
verbo está directamente correlacionada com a presença de um argumento extra na frase.
Partindo de exemplos mostrámos que este morfema, tal como tínhamos visto em relação ao morfema
causativo, pode ocorrer, em todo o tipo de verbos (transitivos e intransitivos) de estrutura -C-, -CVC-
, -CVCVC- e -CVCVCVC-.
Para terminar, mostrámos que o objecto aplicado em Nyungwe licenceia diferentes papéis
temáticos com a função de: beneficiário, objectivo, maleficiário, instrumental, paciente,
experienciador, locativo e tema.
Com esta descrição respondemos as seguintes questões: quais são as propriedades
morfológicas dos verbos em que as extensões causativa e aplicativa podem ocorrer? Quais são as
operações sintáticas espelhadas pela ordem dos morfemas causativo e aplicativo?
A co-ocorrência das extensões causativa e aplicativa à luz do PE foi testada para se
estabelecer a ordem destes morfemas e as suas implicações sintácticas. Vimos que a ordem de co-
ocorrência destes morfemas em verbos transitivos e intransitivos de estrutura -C-, -CVC-, -CVCVC-
e -CVCVCVC- é sempre CAUS-APL e nunca APL-CAUS. Assim, seguindo Baker (1988), o CAUS
é o morfema com escopo semântico mais restrito e o APL é o morfema com o escopo mais amplo,
visto que o verbo causativo-aplicado selecciona directamente um objecto aplicado, indicando que a
acção descrita pelo verbo é realizada por alguém ou para alguém, e estabelece uma relação indirecta
com sujeito do verbo complexo.
Portanto, a resposta a pergunta, até que ponto o PE, tal como proposto por Baker (1988),
responde à descrição das implicações sintácticas da co-ocorrência da extensão causativa e aplicativa
em Nyungwe é: o PE explica de forma adequada as implicações sintácticas da co-ocorrência das
extensões causativa e aplicativa em Nyungwe, pois, tal como vimos em cada um dos exemplos
constantes deste trabalho, a partir da estrutura argumental dos verbos derivados mostrámos três
evidências: primeira, o morfema causativo sempre ocorre antes do morfema aplicativo, segunda, a
ordem dos morfemas (causativo e aplicativo) espelha a ordem em que o agente e o beneficiário
devem ocorrer. Concretamente, o que se nota é que o agente ocorre em posição mais alta que o

76
beneficiário e este, por sua vez, figura em posição mais alta que os demais argumentos da frase. A
última evidência é de que o objecto aplicado com o papel temático de beneficiário sempre ocorre
imediatamente a seguir ao verbo causativo-aplicado. Portanto, existe uma hierarquia temática que
deve ser obedecida:

agente>beneficiário/maleficiário/paciente>tema>locativo>instrumento.

Novas áreas de investigação


Este estudo fez uma abordagem morfossintática de apenas duas extensões verbais, a
causativa e a aplicativa, e analisou a estrutura dos verbos em que estas extensões podem ocorrer e as
implicações sintácticas espelhadas por esta ocorrência e co-ocorrência. No entanto, são necessários
mais estudos para, por um lado descrever as extensões verbais existentes na língua com vista a
avaliar até que ponto este modelo teórico responde à descrição da co-ocorrência das extensões
verbais existentes na língua e por outro lado analisar a estrutura argumental dos verbos derivados na
língua.
Para além de estudos morfossintáticos são necessários mais estudos que se enfoquem no uso
da língua, ou seja, há necessidade de estudos que determinem o alcance semântico completo destes
morfemas e as suas funções pragmáticas.

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