RESUMO DO SEMINÁRIO - DA DIVISÃO DO TRABALHO SOCIAL, SEGUNDO
DURKHEIM
Davy Alves Caminhas e Rafael Henrique G. Cardoso
PREFÁCIO Á SEGUNDA EDIÇÃO
Durkheim trata da importância dos agrupamentos profissionais para o desempenho da organização social dos povos contemporâneos. O autor desconstrói a ideia da divisão do trabalho como responsável do Estado anômico jurídico da sociedade industrial. Porque este estado de anomia jurídico deve ser atribuído aos conflitos e desordens decorrentes do mundo econômico. Como nossa sociedade, a vida dos indivíduos transcorre quase toda no meio industrial e comercial, o efeito disso é que parte da existência dos indivíduos transcorre forra de qualquer ação moral. Para Durkheim as organizações corporativas são importantes nas sociedades contemporâneas pela sua influência moral capaz de conter o egoísmo e manter os laços de solidariedade forte entre os trabalhadores. Essa subordinação dos interesses particulares ao interesse geral é a própria fonte de toda atividade moral. A associação de indivíduos com interesses em comum tem como função: formar com vários um só todo, enfim, para levar juntos uma só vida moral. A corporação é o meio natural no seio do qual devem se elaborar a moral e o direito profissional. Todavia, Durkheim defende que: o sistema corporativo sofreu transformações para adaptar-se a sociedade moderna. Na medida em que o mercado era local o corpo de oficio supria todas as suas necessidades. Porém, o nascimento da grande indústria provoca duas mudanças: (1) ela não tinha uma sede necessariamente numa cidade; (2) sua clientela se recruta em toda parte. Como as corporações eram apegadas a seus costumes, não teve condições de corresponder a essas novas exigências. As corporações não tiveram flexibilidade suficiente para se reformar a tempo, por isso foram superadas. Assim, na medida em que avançamos na historia a organização com base em agrupamentos territoriais (aldeia, cidade, distrito) vai desaparecendo. O que produziu um declínio espontâneo da velha estrutura social. O que pode substituir essa organização interna? Durkheim defende que o Estado por ser distante dos indivíduos não consegue penetrar nas consciências individuais e socializa-las. Assim, como vimos, os grupos profissionais são os mais aptos a cumprir esse papel. CAPÍTULO I: MÉTODO PARA DETERMINAR ESSA FUNÇÃO Durkheim delimita o uso do conceito função como: a que se presta, ou a que necessidade responde. E Afirma a divisão do trabalho como “condição necessária do desenvolvimento material e intelectual das sociedades. “(..) é a fonte da civilização.” Afirma que além desse “resultado” devem existir outros, assim como outras funções, no caso afirmando a existência de uma função moral. A civilização é uma coisa moral? Para responder, sugere que seria necessário medir a moralidade média das sociedades ao longo do tempo, de acordo com os progressos civilizatórios. Haja vista que as anomalias aumentam em proporção direta, logo, se a civilização não é imoral certamente ela possui influências positivas bastante fracas sobre a sociedade. Por fim afirma que os elementos que compõem esse “complexus mal definido” chamado civilização não tem nada de obrigatoriamente moral, e destaca entre tais elementos a atividade econômica. Fala em uma consciência moral das nações capaz de preferir algo em detrimento de algo. Durkheim distingue a ciência dos outros elementos civilizatórios, afirmando que ela é o único que em determinadas circunstâncias apresenta um caráter notadamente moral. Cliva a ciência entre popular e erudita, atribui à primeira um caráter moral e iguala a segunda às artes e à indústria, que assim como elas não têm o ingresso em seu campo como objeto de coação da moral social. Afirma que a “... ciência é a consciência elevada a seu mais alto ponto de clareza.” É, portanto, útil a uma sociedade em constante mudança, já que “... consciência esclarecida sabe preparar de antemão a maneira de se adaptar a essa mudança”. Talvez contaminado por Darwin acredite que a inteligência esclarecida constitua uma “vantagem adaptativa”. O autor coloca frente a frente sem, contudo, comparar as vantagens econômicas ou produtivas da divisão do trabalho e seus “inconvenientes morais”, para afirmar que não é possível à divisão do trabalho habitar a suposta zona neutra da moral. Esvazia a civilização de valor intrínseco e a coloca como resultado que corresponde a certas necessidades. Lança mão da incompletude dos sujeitos para mostrar que interagindo no âmbito da amizade as dessemelhanças tornam-se complementares. Que as carências ou necessidades individuais podem ser “suprimidas” pelo convívio. Assim, visa demonstrar a diferenciação, nessas condições, como matriz de solidariedade. Desse modo introduz a sugestão de que a divisão do trabalho social teria função análoga no seio da sociedade. Reforça a tese de que a divisão do trabalho, ou dos papeis sexuais seria a responsável pela solidariedade conjugal. Traça uma espécie de linha evolutiva da diferenciação sexual vs solidariedade conjugal na qual a medida que se diferencia/divide o trabalho sexual há um incremento da solidariedade conjugal, que no ritmo que se complexifica aproxima os cônjuges, diminui sua autonomia, torna a união mais estável e paulatinamente se cristaliza até o momento da lei. É importante salientar que nesse exercício Durkheim extrapola o que seria uma evolução sociocultural e adentra no terreno da evolução biológica, lançando mão de evidências, antropológicas, arqueológicas e anatômicas (frenológicas) da época ele defende uma espécie de recapitulação ontogenética (teoria biogenética de Haeckel) intraespecífica entre os sexos. Com base nesse argumento pseudo cientifico, que diga-se de passagem, era uma afecção recorrente ao tempo do autor, postulou que as diferenciações morfológicas, psicológicas entre o sexos, devidas em parte a uma estagnação ou até mesmo regressão feminina foram causadas pela diferenciação/divisão do trabalho sexual. Causa e resultado juntos constituiriam um índice para aferir o grau de civilização de uma sociedade. Enfatiza que embora todos os exemplos demonstrem que a divisão social do trabalho tem por efeito aumentar o rendimento das funções divididas, e, portanto a dimensão econômica poderia ter participação nesse resultado, esse efeito e essa participação não são senão acessórios. O papel precípuo da divisão social do trabalho é tornar viável o inexistente, ou nas palavras de Durkheim “... consiste no estabelecimento de uma ordem social e moral sui generis”. Seguindo essa linha afirma que a divisão social do trabalho é a responsável pela integração do corpo social, uma vez que aumentando a interdependência dos indivíduos incrementa os laços solidários. Postula ainda, que o desenvolvimento da divisão social do trabalho seria responsável por aumentar a “extensão” e a complicação do “organismo social”. Me parece que o autor chega a atribuir à divisão social do trabalho um força motriz em relação a historicidade, citando Comte ele advoga que ela é a “condição mais essencial da vida social” e seus desenvolvimentos inseririam os cooperadores num continuo histórico. Levanta a hipótese de que a divisão social do trabalho, em seu caráter moral, seria a principal condicionante das características constituintes de sociedades onde ela se apresenta de forma pronunciada. Para testar a hipótese, diz ser necessário averiguar em que medida a solidariedade criada pela divisão do trabalho social contribui para a integração social. E sendo ela um fenômeno totalmente moral é intangível, por tanto para tal procedimento é necessário colhe-la em algo que se exterioriza a partir dela, esse objeto tangível seria para Durkheim o direito. Defende a validade do direito enquanto efeito tangível, diminuindo a relevância dos argumentos que evidenciam sua insuficiência em relação a solidariedade e suas contradições e complementaridades em relação ao costume. Afirma que via de regra o direito surge do costume e quando o último se choca com o primeiro esse choque é particular e secundário. Por fim, definido o método de estudo da solidariedade a partir do direito, afirma que a tarefa consiste em categorizar o direito para em seguida extrair dessas categorias seus equivalentes no plano da solidariedade.
CAPÍTULO II: SOLIDARIEDADE MECÂNICA OU POR SIMILITUDES
O que constitui-se essencialmente um crime? Durkheim aponta que uma característica comum a todos os crimes é que eles consistem em atos universamente reprovado pelos membros de cada sociedade. O crime gera sentimentos que se encontram em todas as consciências individuais. As regras que proíbem o ato criminoso e que o direito penal sanciona estão gravadas em todas as consciências, todo mundo as conhece e sente que são fundamentadas. O motivo da punição é que a regra é conhecida por todos. Os sentimentos coletivos que correspondem a um crime são medidos pela sua intensidade media. Que são fortemente gravados em todas as consciências. A prova que são fortemente gravados é a extrema lentidão que o direito penal evolui. As inovações são extremamente raras e restritas. Para o autor esse conjunto de crenças e de sentimento comum formam um sistema com vida própria: a consciência coletiva ou comum (similitudes sociais). Uma vez que são independentes e exteriores as consciências individuais. Conforme Durkeim o que caracteriza o crime é o fato dele determinar a pena. A pena consiste, portanto, em uma reação passional que é uma característica das sociedades menos cultas. A finalidade da pena dos povos primitivos é apenas punir, eles não procuram punir de maneira justa ou útil. Apesar de atualmente a sociedade pune não mais para se vingar, mas para de defender. Porém a natureza da pena não mudou essencialmente, porque a necessidade de vingança está mais bem dirigida hoje do que ontem. De um modo geral a pena é uma reação passional de intensidade graduada, exercida pela sociedade representada por um corpo constituído (reação coletiva organizada - tribunal) contra aqueles membros que violaram certas regras de conduta. Assim, esse autor argumenta que é inevitável que reajamos energicamente contra a causa que ameaça a integridade de nossas consciências. Principalmente quando é uma crença que nos é cara, e não podemos permitir que seja impunemente ofendida. Para Durkheim, toda a ofensa dirigida contra a consciência coletiva suscita uma reação emocional, mais ou menos violenta, contra o ofensor. O crime ofende, na sociedade, os mais universais coletivos possíveis, são estados particularmente fortes da consciência comum, logo é impossível que se tolere a contradição que ele causa. É inevitável e se reproduzira onde houver um sistema repressivo. Se esses sentimentos fossem de nível medíocre não haveria mais pena. O crime tem a função de aproximar as consciências honestas e as concentra. Nas pequenas cidades quando algum escândalo moral é cometido às pessoas se indignam em comum. De modo geral o autor define a solidariedade mecânica: como nascida da semelhança, e que vincula diretamente o individuo a sociedade. É essa solidariedade que o direito repressivo exprime, pelo menos que nela tem de vital. A solidariedade mecânica: é um produto das similitudes sociais e tem por efeito manter a coesão social que resulta dessas similitudes. O mesmo acontece com a pena que muito embora proceda de uma reação mecânica, de movimentos passionais, tem como verdadeira função manter intacta a coesão social, ao conservar toda a vitalidade da consciência comum. Sem a pena a consciência moral não se conservaria. Porque o castigo é destinado a agir sobre as pessoas honestas para impedir que os atentados (ofensas) se multipliquem. Assim, a pena tem como função proteger a sociedade. Para Giddens (2010) a função dos presídios é dissuadir que as pessoas honestas cometam crime.
CAPÍTULO III: A SOLIDARIEDADE DEVIDA À DIVISÃO DO TRABALHO OU
ORGÂNICA Segundo Durkheim a natureza da sanção restitutiva diferentemente da penal não é expiatória, mas sim de restauração. Em outras palavras ela obriga o sujeito a se submeter ao princípio não observado ou desprezado, tendo por fim restaurar o direito em sua forma normal. Afirma que as regras do direito restitutivo não fazem parte da consciência comum, quando muito são estados fracos desta sendo excêntricas a ela. Enquanto o direito penal constitui seu cerne. Quanto mais se distância da consciência comum, mais o direito restitutivo se torna ele mesmo, e na mesma medida necessita de instituições (ou órgãos especializados) para se manter na sociedade, ao passo que o penal permanece sempre mais ou menos difusamente presente por meio da consciência comum. O autor obsta o argumento de que o direito restitutivo se estabelece entre litigantes sem a mediação social afirmando que a regra é uma coisa social e que age no sentido de restabelecer- se através do litígio em questão. Por tanto o que o direito visa não é a “solução mais vantajosa para as partes em litígio, com o que seria apenas um conciliador de interesses, mas aplica a sanção no sentido de restabelecer a norma perturbada”. A ação social não só funda e modifica a regra como é da sociedade que provém sua legitimidade. Por trás de todo e qualquer contrato está a sociedade a reconhecer a validade do mesmo. O direito restitutivo, por ser relativamente estranho a consciência comum não afeta imediatamente a sociedade, ele o faz de forma mediata através das instituições ou órgãos especiais onde ele se realiza ou é cultivado. Embora o funcionamento e os efeitos do direito restitutivo se deem em órgãos específicos do corpo social, tais efeitos não passam despercebidos pela totalidade do corpo. E sua reação a ela (sociedade) se dará através dos mesmos órgãos especializados. Diferentemente do repressivo que como um espasmo se faz sentir em todo o corpo social. As relações do direito restitutivo se manifestam sob duas formas: negativas as quais se reduzem a pura abstenção. E Positivas que redundam em cooperação. A elas correspondem duas espécies distintas de solidariedade social. As relações negativas expressas juridicamente sob o nome de direitos reais ligam as coisas às pessoas. “Ela não faz com que as vontades se movam em direção a fins comuns, mas apenas que as coisas gravitem com ordem em torno das vontades” (DURKEHIM, 2010, p. 91). O direito típico do conjunto dos reais é o direito a propriedade e suas variações, direito esse que por ser a base da organização social estabelecida é tido como dogma, e, portanto não carece de consenso. Como não há consenso não existe lugar, também, para o dissenso, esses direitos isolam os indivíduos, vedam o concurso entre eles em função de sua função social que é resguardar as relações conservadoras entre as coisas e as pessoas. As relações pessoa/pessoa do tipo negativo nada mais são do que outro tipo de relação coisa/pessoa. Pois só ocorrem quando o isolamento entre os indivíduos relacionados a coisas se rompe. Nesse momento as pessoas entram em cena para restaurar as relações coisa/pessoa. O concurso que há é aparente, pois é ocasionado com o fim de se restabelecer a abstenção. A solidariedade negativa não é um tipo real de solidariedade, mas sim o lado negativo da solidariedade. Desse modo só pode existir em sociedades onde exista sua contra parte a solidariedade positiva. Ambas tem por função o bom funcionamento do organismo social. A primeira é uma espécie de acordo externa que supõe a coesão orgânica, enquanto a segunda é a resultante e a condição dessa coesão. A solidariedade de tipo positivo, típica do direito cooperativo, é a que promove e surge do concurso entre os indivíduos, manifesta-se no direito que se ocupa da divisão social do trabalho em qualquer que sejam os seus graus e formas, temos como exemplo: os direitos doméstico, contratual, comercial, processual, administrativo e constitucional.